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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
AS MISSÕES E A ADMINISTRAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA
NA GUINÉ – BISSAU
Joelma Maia dos Santos1
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo refletir acerca da ação missionária católica na
Guiné – Bissau durante o período denominado imperialismo ou neocolonialismo, bem
como refletir acerca do objetivo e papel dessas missões na colonização alem de destacar
a intrínseca relação entre essas missões religiosas e a política colonial, como também os
pontos de conflito entre ambos.
A teoria da colonização moderna foi desenvolvida na França por Paul-Leroy Beaulieu,
e se caracterizava por ser o oposto das operações de conquista e de prestigio da
colonização tradicional2. O colonialismo é uma das formas assumidas pelo
imperialismo3, sendo este definido como ação política que visa e/ou visou estender uma
hegemonia política e principalmente econômica sobre territórios considerados não
desenvolvidos. Essa foi a característica de um imperialismo desenvolvido
principalmente entre 1870, período da unificação da Itália e Alemanha, e a primeira
guerra mundial. Onde a maior parte do território africano e também asiático se viu
dividido entre as então denominadas superpotências.
O período de analise vai da década de 30 do século vinte à década de 70, e corresponde
ao período da política salazarista em Portugal. Política essa que teve grande influencia
1 Mestranda em Historia na Universidade do Estado da Bahia. Campus V. 2 BRUNSCHWIG, Henri. A Partilha da África Negra. 2ª edição, Perspectiva. Pag. 21, 22. 3 BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Vol. 01, 11ª edição, Editora UNB. Pag. 611 a 621
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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
nos ideais coloniais português e consequentemente nas metodologias políticas e
missionárias adotadas nas colônias.
Alem disso essa reflexão será realizada com base em discussões bibliográfica e analise
de fonte. Essas fontes consistem em documentos produzidos pelos portugueses durante
o período colonial na África, consistem consequentemente em relatos desses
portugueses acerca da ocupação em territórios que até então eram colônias sob sua
jurisdição. Serviam de divulgação acerca do trabalho desenvolvido nas colônias. Nesse
aspecto é relevante dizer que esses são documentos produzidos pelo colonizador
contendo sua versão dos fatos, tornando-se necessário uma análise mais detida e critica,
ou seja, uma analise dos discursos contidos nesses textos. Nesse sentido o que será
extraído desses discursos será extraído levando em conta as condições de produção4
desses documentos. Nesse caso o contexto sócio - histórico e ideológico dessas
produções.
Todos esses documentos serviam de divulgação acerca do trabalho desenvolvido nas
colônias, além de prestação de contas ao poder metropolitano. Os autores desses
documentos normalmente administradores de colônias ou religiosos tentavam
demonstrar que o projeto colonial ia bem e surtia o efeito desejado. As publicações
coloniais assim como as exposições realizadas periodicamente, eram de suma
importância, principalmente para os portugueses, pois elas serviam para atrair
investidores e populações dispostas a viver nas colônias. E como Portugal tinha
escassos recursos financeiros para investir nas colônias, se apoiava na propaganda e no
forte imaginário.
Angola, Moçambique, Guiné – Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram
colônias portuguesas. Portugal foi o ultimo país colonizador a aceitar definitivamente a
independência das suas ex-colônias africanas. Com o fim da segunda guerra o
4 ORLANDI, Eni. Analise de Discurso: Princípios e Procedimentos. Editora Pontes. Pag. 30 e 31
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imperialismo sofre fortes e consistentes criticas. O pós - segunda guerra é o período de
desagregação do colonialismo europeu na África e na Ásia. O crescimento econômico e
a autonomia cada vez maior das colônias contribuíram para a luta por liberdade.
Além disso, o contexto da guerra fria surgiu como mais um ingrediente nessa luta. Pois
como superpotências mundiais emergidas da segunda guerra, a URSS e os EUA
colocavam-se contra o imperialismo, impondo diversas restrições ao colonialismo.
Restrições que, na maioria das vezes, não saíram do papel. Pois apesar de não possuir
colônias os EUA de certa forma apoiaram os portugueses por medo do que chamavam
de “o perigo do avanço comunista" 5.
A luta por independência na África tem inicio logo após a segunda guerra mundial, mas
é a partir da década de 1950 que as lutas se intensificam. Em junho e novembro de 1975
Moçambique e Angola, respectivamente, tornam-se independentes. Em Cabo Verde a
independência acontece a 5 de Julho de 1975 e em São Tomé e Príncipe ocorreu em 12
de Julho de 1975. Na Guiné - Bissau a luta por independência teve um aspecto peculiar,
pois os objetivos da luta na Guiné iam além da independência. Eles lutavam não apenas
contra o colonialismo, desejavam além da emancipação a aplicação dos Direitos
Humanos. Alem disso liderados por Amilcar Cabral e pelo PAIGC a luta na guiné se
caracterizava por ser
Uma guerra cujo substrato ideológico não se identificava com o
comunismo internacional, mas fundamentalmente assente nos
princípios do Pan-africanismo, nos postulados das nações unidas e no
dos Direitos Humanos6
5 CARVALHO, Juvenal. Revista Veja: Um olhar sobre a independência de Angola. São Paulo: Gandalf,
2009. ISBN: 978-85-87745-04-0. Pag. 49 6 AMADO, Leopoldo. Guiné-Bissau: 30 anos de independência. Africana Studia, Nº 08, 2005. Edição da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 109-135.
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Depois de anos de luta, iniciada em 1961, a 10 de setembro de 1973 a Guiné-Bissau
torna-se independente de Portugal.
Assim com o dispendioso custo para Portugal das guerras coloniais o regime salazarista
passa a ser cada vez mais questionado. A profunda crise econômica, a centralização
política e a censura aumentam a insatisfação popular tornando a legitimação de Salazar
cada vez mais difícil, assim a 25 de abril de 1974 o regime salazarista chega ao fim.
Depois de anos de ocupação no território africano não se pode dizer que os saldos da
colonização para os portugueses e muito menos para os africanos foram positivos.
COLONIALISMO PORTUGUÊS NA ÁFRICA
A presença portuguesa na África data do século XV, desde 21 de Agosto de 14157,
quando os navios portugueses, numa tentativa de chegar ao oriente, aportaram na costa
de Ceuta e nomearam D. Pedro de Meneses como governante do lugar. Mas foi em
1446, portanto trinta anos depois, quando Nuno Tristão e outros vinte homens
aportaram na costa da Guiné que os portugueses começaram a estabelecer-se na África.
A partir desse momento são estabelecidos feitorias para a comercialização de escravos e
outros produtos africano. Apesar disso a relação entre portugueses e africanos ocorreu
em grande parte restrita ao litoral. Foram as guerras de pacificação8 que deram aos
portugueses acesso ao interior das colônias, isso por volta de 1930.
7 A guiné através da historia. Cadernos Coloniais. Nº 24, 1920, pag. 03 Disponivel em http://memoria
africa.ua.pt/collections/cadernosColoniais 8A “pacificação” foram operações militares com o intuito de adentrar o interior das colônias, a fim de se
obter um maior domínio territorial já que até esse período 1930, principalmente na Guiné-Bissau,
Portugal só dominava o litoral. È importante dizer que essas operações ocorreram de forma bastante
violenta e com muita resistência africana.
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Apesar do pioneirismo português em África, no período que vai do século XVI ao
século XIX, momento em que o Brasil era colônia portuguesa, o interesse luso nas
colônias africanas baseava-se na comercialização de escravos. Foi a independência do
Brasil que impulsionou Portugal a voltar suas atenções às colônias africanas. Primeiro
porque, com a perda do Brasil, Portugal decide investir na África com esperança de
construir um novo império colonial, e depois porque com as idéias imperialistas em
auge, Portugal corria o risco de perder suas colônias para os países mais
industrializados, como Inglaterra e França (como de fato ocorreu em 12 de maio de
1886 com a divisão da Guiné entre França e Portugal).
Portugal só voltou sua atenção à África quando se viu pressionada entre ocupar as terras
africanas ou perdê-las para a Inglaterra e França. Mas desde muito cedo Portugal pensa
em construir um novo império na África como compensação pela perda do Brasil
“encontramo-la já na imprensa do primeiro período liberal (1820-1823)” 9. De acordo
com Valentim Alexandre
O clima que na Europa rodeou os assuntos coloniais no último quartel
de Oitocentos não fez nascer o interesse do Estado português pelo
ultramar, que lhe era bem anterior, mas condicionou a sua acção,
dando maior premência às questões coloniais.10
A premência dada às questões coloniais pelos portugueses ocorreu devido às
conseqüências que a partilha da África trouxe para as colônias pertencentes a Portugal e
também pelas pressões impostas pelo Ultimatum inglês, em 1890.
9 ALEXANDRE, Valentim. O império português (1825-1890): ideologia e economia. Análise Social, vol.
XXXVIII (169), 2004, pag. 961 10 Idem, pag. 969
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Marcado por diversas dificuldades, sejam elas no campo político, sejam no campo
econômico, a política colonial portuguesa caracterizava-se por ser uma política sem
grandes recursos financeiros, mas fortemente baseados em justificativas ideológicas. Os
mitos ao redor da “vocação colonial” portuguesa são largamente discutidos por autores
que retratam a colonização11. Com maior ênfase, difusão e aceitação a partir do governo
salazarista essa “ideologia vocacional” tem origem na teoria luso-tropicalista, que foi
formulada e propagada entre as décadas de 30 e 40 pelo sociólogo Gilberto Freyre,
segundo a qual “o Português teria uma especial capacidade para se unir aos trópicos,
para compreender e aderir aos valores culturais que aí encontram” 12. Nesse sentido
Freyre tenta legitimar a colonização portuguesa representando o colonizador português
como um civilizador, sem preconceito.
Para outros autores13 não havia um particularismo extremo no projeto colonial português
em África.
Os imperialistas portugueses em nada se distinguiam dos seus
congêneres europeus, quer em motivações quer em “instrumentos de
império”. Portugal se revelava tão agressivo e racista como qualquer
outra potência européia envolvida no “novo imperialismo” de finais
do século XIX. 14
11 ALEXANDRE, Valentim. A África no Imaginário Político Português. Instituo de Ciencias Sociais da
Universidade de Lisboa. PINTO, João Alberto da Costa. Gilberto Freyre e o Lusotropicalismo como
ideologia do Colonialismo português (1951–1974). Revista UFG / Junho 2009 / Ano XI nº 6. MACEDO,
Jorge Borges. O Luso-Tropicalismo de Gilberto Freire – Metodologia, Prática e Resultados. Revista
ICALP, vol. 15, Março de 1989 12 13 REIS, Luís Felipe Carmo. Visões de império nas vésperas do “ultimato”: Um estudo de caso sobre o
imperialismo português (1889). Editora CEAUP, 1ª edição, Maio 2008. SCHNEIDER, Alberto Luiz.
Charles Boxer (contra Gilberto Freyre): Raça e racismo no império português ou a erudição histórica
contra o regime salazarista. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 26, nº 52, p. 253 – 273, julho
– dezembro de 2013. 14 REIS, Luís Felipe Carmo. Visões de império nas vésperas do “ultimato”: Um estudo de caso sobre o
imperialismo português (1889), Editora CEAUP, 1ª edição, Maio 2008, pag. 12
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Em contrapartida, Valentim Alexandre defende que o projeto de ocupação da África
tinha tanto caracteristicas econômico quanto ideológico, pois seria falha qualquer
tentativa de explicar a colonização portuguesa por um único viés. 15
Nesse sentido as ideologias que rondam o colonialismo português servem mais como
justificativas para dar base á uma fragilidade política e financeira de Portugal nas
colônias e em seu próprio país, do que de fato representar os pensamentos e praticas
imperialistas desse país em suas respectivas colônias.
A ação missionária na África tem inicio com a chegada dos portugueses nesse
continente. No século XV “com a idéia de expansão reconquistadora antimaometana os
portugueses se laçaram na ocupação da costa do continente africano” 16. Tendo como
grande incentivador das navegações D. Henrique, filho de D. João I, que após a
descoberta do Ceuta submeteu a costa africana. Era ele também o líder da Ordem de
Cristo, uma organização religiosa – militar herdeira dos templários, que ficou
incumbida da ação missionária na África, e a essa Ordem estava associada à expansão e
a administração colonial na época do descobrimento. No entanto à D. Henrique não
pode ser dado todo o credito da descoberta e ocupação de Ceuta. Apesar de ter sido ele
o criador de um instituto geográfico e cartográfico17 que teve relativa importância nos
estudos anteriores as grandes descobertas, “a expansão oceânica não foi obra de um só
homem, mas de um grupo social e de uma época” 18
Na Guiné – Bissau as missões tem inicio também a partir do século XV, mas é na
década de 30 do século XX com a chegada dos franciscanos que as missões realmente
15 ALEXANDRE, Valentim. A África no Imaginário Político Português (séculos XIX-XX). Instituo de
Ciencias Sociais da Universidade de Lisboa, p. 40 16 SANTOS, Vanicléia Silva. As Bolsas de Mandinga no Espaço Atlântico: Século XVII. Tese de
Doutorado, USP 2008. 17 COQUERY - VIDROVITCH, Catherine. A Descoberta de África. 2ª edição, 2004. Edições 70. Coleção
Lugar da Historia, pag. 64 18 Idem, pag 64
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começam a estabelecer-se na região, até então o que se pode afirmar da presença de
padres na região é que “de 1926 a 1929 havia apenas um padre em toda a guiné, o
padre José Pinheiro” 19. Apesar da chegada dos franciscanos o trabalho missionário na
Guiné – Bissau não avançou como o desejado, pois o avanço do islamismo prejudicou o
trabalho missionário, impondo uma grande dificuldade para os missionários
ocasionando certo desinteresse pelo trabalho de conversão nessa região.20
As missões católicas estiveram normalmente associadas às políticas colonizadoras e
assim sendo tinham normalmente, além do objetivo de propagar o cristianismo e o
catolicismo, uma importância muito grande na ocupação, contato e reconhecimento dos
povos e regiões a serem ocupados. Na grande maioria das vezes o sucesso da
implantação administrativa dependia do trabalho dos missionários21, Nesse sentido
Lopes Filho traz um interessante questionamento
Pensa-se assim até que ponto a administração do
concelho estava consciente da debilidade do seu poder caso a acção de
«domesticação» cultural e religiosa que competia a Igreja não se
efectivasse com a eficiência necessária no seio das populações, pois
quem não respeitasse, não venerasse nem aderisse a determinado culto
religioso, certamente também não iria aderir e respeitar a organização
social e política que lhe estava subjacente visto ser na Igreja que
assentavam as bases de toda a ordem moral e social da época22
19 A. da Silva Rego. Lições de Missionologia. Revista da Junta de Investigações do Ultramar. Nº 056,
1961, pag. 318, Disponível em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/JIU/JIU-
N056&p= 352 20 Idem 21 SEMEDO, Adilson Filomeno Carvalho. Religião e Cultura: A Influência da Religião Católica na
Reprodução da Dominação Masculina em Cabo Verde, CEAUP, 2009, pag. 51 22 Idem, pag. 52
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A igreja e seu papel de “domesticação cultural” eram imprescindíveis para o trabalho a
ser desempenhado pela política administrativa nas regiões sob influência européia.
No entanto os religiosos não se furtavam em negar essa estreita relação entre sua
instituição e a política administrativa, para eles os missionários não deviam interferir
nas relações políticas.
O missionário não deve esquecer, antes de mais nada que é um
enviado –missus - portanto um estrangeiro, a terra diferente, estranha,
alheia. A sua missão dirige-se, sem duvida, ao homem total, feito de
corpo e alma, mas sem se intrometer nas relações políticas, isto é, nas
relações entre o homem, a que é enviado a pregar o evangelho, e o
estado a qual ele se subordina.23
No entanto esse mesmo autor afirma que
Apesar disso não se faltará nunca a enxortar às populações a obedecer
fielmente24 aos poderes públicos constituídos, muito embora não se
pronunciando por nenhum partido político.25
No decorrer dos escritos portugueses que retratam a ação missionária em África, há
certa insistência ou necessidade de afirmar que não havia relação alguma entre o
político e o religioso nos procedimentos realizados por cada um, no entanto esses
mesmos escritos caem constantemente em contradição, demonstrando a cooperação
23 A. da Silva Rego. Lições de Missionologia. Revista da Junta de Investigações do Ultramar. Nº 056,
1961, pag. 87 Disponível em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/JIU/JIU-N056&p=
121 24 Grifo meu 25 A. da Silva Rego. Lições de Missionologia. Revista da Junta de Investigações do Ultramar. Nº 056,
1961, pag. 88 Disponível em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/JIU/JIU-N056&p=
122
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entre ambos. Mas as relações entre as missões e a administração colonial não foram
sempre harmônicas, houve momentos de dissensões. Conforme Alves Correia o que
interessava das missões ao governo português era o ensino da língua e a educação para
o trabalho. O próprio padre citando Brito Camacho26 escreve
Não é o habilitarem-se os pretos a irem para o céu, dizia Brito
Camacho numa conferencia na Sociedade de Geografia de Lisboa, o
que interessa ao governo da republica.27
E descrevendo sobre o um dos artigos do Estatuto das Missões ele escreve
Artigo 21.º O programa geral das missões nacionais é sustentar os
interesses do império colonial português e desenvolver o seu
progresso moral, intelectual e material em toda a possível extensão do
seu significado. 28
Segundo ele “aceitando ou não a colaboração do Estado, as missões católicas teriam
sempre que submeter-se a lei do país colonizador”.29 Ou seja, o estado português só
investia nos projetos missionários sob tais condições.
MISSÕES ANTIGAS E MODERNAS
26 Brito Camacho era um militar e administrador colonial. 27 Alves Correia”. Missões Católicas Portuguesas. Cadernos Coloniais. Nº 31, 1936. Pag. 34. Disponível
em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/CadernosColoniais/CadernosColoniais-
N31&p= 39 28 Idem, pag. 36 Disponível em http://memoria-
africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/CadernosColoniais/CadernosColoniais-N31&p= 41 29 Idem, pag. 38
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Assim como o ideal de colonização muda a partir do final do século XIX as ações
missionárias, como não podia deixar de ser, também modificam sua metodologia de
conversão. Nesse período o tema missionário toma ares de ciência com idéias, ações e
métodos próprios, os missionários a partir desse período, e de forma mais constante a partir
da década de 30 – período salazarista- passam a publicar trabalhos30 descrevendo a historia
e o significado das missões.
Em 1930 Portugal ainda tentava programar uma política colonial nos territórios sob sua
dominação. A partir dessa data as características e imaginário acerca da ação colonial
adotada nessas regiões foram reforçadas e/ou reformuladas. E essas modificações se
deram sob os auspícios do regime salazarista.
Durante o Estado Novo, com uma ideologia política fortemente voltada para o
nacionalismo, característica comum á todo regime fascista, as ideologias e mitos sobre o
caráter e dever civilizador do português voltam aos discursos. Sob esse regime a política
colonial ganha importância fundamental. O Estado Novo pretende tirar o máximo
proveito das colônias. Pois Portugal caracterizava-se por ser um país com pouca
atividade industrial e uma produção agrícola decadente 31. Assim, com a ascensão de
Salazar a política administrativa e financeira que antes era descentralizada e submetida
ao capital estrangeiro torna-se extremamente centralizada. As praticas missionárias
também sofrem modificações, há uma maior intensificação dos trabalhos de conversão e
do ensino da língua.
Os missionários denominam como antiga as atividades missionárias realizadas até
meados do século XIX e como modernas as ações missionárias efetuadas a partir da
efetiva colonização na África. Nas antigas missões não havia nenhuma ação consistente
30 Lembrando que essas publicações serviam como propaganda e apologia ao império português.
Principalmente durante o Estado Novo. 31 CUNHA, Maria Helena da. O colonialismo português, factor de subdesenvolvimento nacional. Análise
Social, vol. Xix 1983.
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e constante dos padres, havia apenas os batismos e conversões em massa. O objetivo
das missões modernas era “civilizar” 32 o africano. Por civilizar eles entendiam ensinar a
ler e escrever, em português, e contar. Alem disso, nos processos missionários moderno
há grande interesse em introduzir “o habito do trabalho nos catequisados (sic)” 33
O objetivo das missões religiosas em África não foi só a difusão e
implantação de um sistema religioso, mas visava também constituir
um instrumento de implantação de um sistema que buscava integrar os
nativos nos modelos portugueses, através da formação, ensino e
moralização34
Nos locais de missão eram construídas escolas, oficinas para o aprendizado de
profissões e campos agrícolas. Tudo isso porque, segundo o padre Alves Correia “sem
dignidade de trabalho a cristianização de uma raça é tarefa impossível e absurda todo o
tentame de criar civilização” 35.
Os padres afirmavam ainda que a escravidão na missão moderna, assim como para o
estado português não era mais interessante. Na maioria das vezes eles tentam ocultar
esse aspecto da colonização nos seus escritos, mas quando trazem esse tema à tona
dedicam especial esforço em demonstrar sua necessidade. De qualquer forma a
escravidão continuou existindo. Sob forma, não mais de exportação, mas de
32 Alves Correia”. Missões Católicas Portuguesas. Cadernos Coloniais. Nº 31, 1936. Pag. 3. Disponível
em http://memoria africa.ua.pt/collections/cadernosColoniais/ 33 Idem, pag. 03 34 SEMEDO, Adilson Filomeno Carvalho. Religião e Cultura: A Influência da Religião Católica na
Reprodução da Dominação Masculina em Cabo Verde, CEAUP, 2009, pag. 51
35 Alves Correia”. Missões Católicas Portuguesas. Cadernos Coloniais. Nº 31, 1936. Pag. 9. Disponível
em http://memoria africa.ua.pt/collections/cadernosColoniais/
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manutenção dessa mão – de - obra no próprio território para o trabalho nas lavouras e
construções coloniais.
Para o inicio desse novo modelo missionário era necessária a introdução de uma ordem
religiosa que se adaptasse facilmente aos novos objetivos. Os escolhidos para tal
objetivo foram os franciscanos.
Os Franciscanos são descritos como os mais indicados para realização do trabalho
missionário na Guiné, pois eram considerados aptos para lidar com os novos ideais da
ação missionária. Numa comparação entre o trabalho missionário dos jesuítas e dos
franciscanos o Padre Alves Correia define que os jesuítas para a Guiné e outras colônias
africanas não eram aconselháveis, pois esses eram tradicionalmente voltados para os
aspectos acadêmicos e intelectuais dos catequizados e nas modernas missões católicas
buscava-se missionários que educassem os catequizados para o trabalho. Alves Correia
denomina os franciscanos de “missionários do livro e da enxada” 36. Os franciscanos
são descritos ainda como
Inimigo do intelectualismo; inimigo do mercantilismo; lírico na sua
simplicidade; amigo das artes manuais e das pequenas indústrias e
quase animista na sua relação com a natureza, com a vida animal e
vegetal.37
Mas o problema com os jesuítas estava muito alem das questões metodológicas destes. Os
jesuítas ao contrario dos franciscanos dificilmente se submeteria ao julgo governamental.
36 Alves Correia”. Missões Católicas Portuguesas. Cadernos Coloniais. Nº 31, 1936. Pag. 33. Disponível
em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/CadernosColoniais/CadernosColoniais-
N31&p= 38 37 Idem, pag. 21
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Pois estes são conhecidos por colocarem acima de qualquer coisa o interesse da
companhia.38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A idéia de missão surge no século XV com os jesuítas. Eles buscavam expandir sua fé
seguindo o mandamento de Jesus que era propagar o evangelho. De acordo com Silva
Rego a missão da igreja é a mesma missão de Cristo “assim como o pai me enviou,
assim eu vos envio”39. Mas a ação missionária no século XX, apesar de o objetivo de
forma geral permanecer o mesmo, toma ares de cientificidade passando a objetivar não
mais somente o ensino e a conversão dos povos sob missão, mas de legitimar as ações
imperialistas desse período.
Apesar de estrita e inegavelmente associada à dominação política administrativa
colonial a ação missionária tinha as suas bases na fé, e foi baseado na fé, que muitos
missionários, não só padres, mas também freiras e leigos desembarcaram no território
africano, encontrando na maioria das vezes um ambiente hostil.
No que se referem às missões protestantes estas até o século XIX não tinham uma ação
consistente quanto a envio de missionários para evangelização de outros povos. Só a
partir deste período é que se verifica a propagação de missionários protestantes.
38 Alves Correia”. Missões Católicas Portuguesas. Cadernos Coloniais. Nº 31, 1936. Pag. 33. Disponível
em http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/CadernosColoniais/CadernosColoniais-
N31&p= 27 39 “A. da Silva Rego. Lições de Missionologia. Revista da Junta de Investigações do Ultramar. Nº 056,
1961. Pag 03
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Enfim esse trabalho consistiu em analisar alguns aspectos da colonização portuguesa na
Guiné – Bissau, especificamente a ação dos missionários nessa região. E assim sendo
permitiu perceber a complexidade da política imperialista na África. Ela não tinha
objetivos claros e definitivos. Nas colônias britânicas, por exemplo, houve traços de
autonomia administrativa, enquanto nas colônias francesas e portuguesas implicavam
certa integração política.40
E acima de tudo é importante ressaltar que apesar da resistência e sobrevivência dos
africanos é preciso lembrar-se da violência que foi o imperialismo e mais importante, é
preciso lembrar-se disso para que fatos como esses não se repitam.
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRE, Valentim. O império português (1825-1890): ideologia e economia.
Análise Social, vol. XXXVIII (169), 2004.
ALEXANDRE, Valentim. A África no Imaginário Político Português. Instituo de
Ciencias Sociais da Universidade de Lisboa.
AMADO, Leopoldo. Guiné-Bissau: 30 anos de independência. Africana Studia, Nº 08,
2005. Edição da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 109-135.
BETTS, Raymond F. A dominação européia: métodos e instituições. In: Historia Geral
da África. Vol. VII África sob dominação colonial, 1880-1935.
BRUNSCHWIG, Henri. A Partilha da África Negra. 2ª edição, Perspectiva. BOBBIO,
Norberto. Dicionário de Política. Vol. 01, 11ª edição, Editora UNB.
40 BETTS, Raymond F. A dominação européia: métodos e instituições. In: Historia Geral da África. Vol.
VII África sob dominação colonial, 1880-1935. Pag. 356
IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
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