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1 IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA 08 a 10 de junho de 2016 GT 7 Gênero e Reprodução Aborto: significados e vivências de mulheres que o praticaram Mary Neide Damico Figueiró, Professora Sênior da UEL, Doutora em Educação. Sonia Maria Martins de Melo, docente da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Sta Catarina. Fabíola Miranda da Silva, Estagiária do curso de Psicologia da UEL.

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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

08 a 10 de junho de 2016

GT 7 – Gênero e Reprodução

Aborto: significados e vivências de mulheres que o praticaram

Mary Neide Damico Figueiró, Professora Sênior da UEL, Doutora em Educação.

Sonia Maria Martins de Melo, docente da Universidade do Estado de Santa Catarina,

Florianópolis, Sta Catarina.

Fabíola Miranda da Silva, Estagiária do curso de Psicologia da UEL.

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O GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS

GT7 – Gênero e Reprodução

Aborto: significados e vivências de mulheres que o praticaram

Mary Neide Damico Figueiró1

Sonia Maria Martins de Melo2

Fabíola Miranda da Silva3

Resumo: A lei restritiva do aborto no Brasil tem como consequência a ocorrência de muitos

abortos clandestinos, implicando em risco de vida para as mulheres, sobretudo as menos

favorecidas social e economicamente. Para avançar nesta questão social é fundamental dar voz

às mulheres que vivem a experiência da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Em nossa

pesquisa, entrevistamos 10 mulheres que decidiram pela IVG. Objetivo geral: compreender

quais os significados atribuídos a essa experiência, pela mulher. Específicos: - identificar as

dificuldades e os sentimentos que acompanharam o processo de decisão e a fase pós-aborto; -

esclarecer os fatores que contribuíram para os sentimentos vivenciados; - desvendar as

motivações psicológicas que interferiram na decisão do aborto. A pesquisa, do tipo

depoimentos, foi desenvolvida de 2011 a 2015, é de caráter qualitativo e interinstitucional

(Universidade Estadual de Londrina/UEL e Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC)

e a técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista semiestruturada. Inicialmente, obteve-

se a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Londrina. A idade das 10

entrevistadas, na ocasião da entrevista, variou da seguinte forma: 3 estavam na casa dos 20

anos, 3, na dos 30 anos e 3, na dos 40. Uma entrevistada tinha 74 anos. Três realizaram duas

IVGs e uma realizou três, o que somou um total de 15 IVGs. A maioria das entrevistadas (7)

demonstra não se arrepender da decisão tomada e, de modo geral, não carrega traumas e

sofrimento por conta do vivido. Algumas falam em lembranças, mas o que predomina, na

maioria delas, é a sensação de autonomia vivida. Duas outras entrevistadas carregam consigo

uma intensa dose de arrependimento, culpa e lembranças perturbadoras, sendo que parece

haver uma influência negativa sobre seu estado psíquico. Uma terceira carrega culpas e

lembranças ruins, sem contudo desequilibrar-se emocionalmente. Quanto à forma como as

IVGs foram realizadas: três o fizeram em clínica segura, com pagamento alto; seis usaram

Cytotec e uma outra diz ter feito uso de chá de canela. Das seis entrevistadas que usaram

Cytotec, todas compraram de forma escondida e arriscada, como por exemplo, de vendedores

de drogas e de vendedor em camelódromo e seguiram orientações diferentes, tanto para a

posologia, quanto para o modo de usar, dadas pelas próprias pessoas que venderam o produto.

Duas entrevistadas tiveram que fazer duas tentativas com o Cytotec e, portanto, gastar o dobro,

uma vez que, na primeira compra, o remédio era falso. Faz parte dos direitos reprodutivos o

1 Professora Sênior da UEL, Doutora em Educação 2 Docente da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Sta Catarina.

3 Estagiária do 4º ano de Psicologia da UEL.

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acesso aos benefícios dos progressos científicos e o Cytotec pode ser considerado um deles.

Concluímos que é preciso disseminar informações sobre a realidade do aborto no Brasil, a

situação das mulheres que abortam clandestinamente, os direitos sexuais e reprodutivos, e

desenvolver Educação Sexual nas escolas e debates sobre o tema, para que o país possa cumprir

seu compromisso assumido nas Convenções Internacionais do Cairo, em 1994 e de Beijing, em

1995, de rever suas leis restritivas.

Palavras-chaves: Aborto; Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG); Direitos Sexuais e

Reprodutivos.

Introdução

Acho que até é da Psicologia humana. Vem da cabeça de uma mulher,

quando ela decide, sem dúvidas que ela não vai ter o filho, não tem quem

mude a cabeça dela. Não tem, porque você está sozinha: você e você,

você e seu corpo, seu filho e só. Se você decidiu, você não vai tirar isso

da sua cabeça [...]

Entrevistada, 21 anos, que optou pela IVG aos 15.

Ao trabalhar com a formação de educadores sexuais em um Projeto de Extensão,

denominado de Grupo de Estudos sobre Educação Sexual (GEES), na Universidade Estadual

de Londrina, por aproximadamente 20 anos, como docente, tenho constatado que o tema aborto

é moroso e delicado de ser trabalhado e exige muitos cuidados em seu trato, da mesma forma

que o tema da diversidade sexual, seja porque o debate gera polêmica, seja porque as pessoas

carregam muitos preconceitos, valores de ordem religiosa e ideias preconcebidas advindas de

nossa cultura machista e patriarcal, o que por sua vez, cria resistência e bloqueios. (FIGUEIRÓ,

2012)

Nesta pesquisa, desenvolvida de 2011 a 2015, nossa escolha pela busca de depoimentos

de mulheres que praticaram o aborto se dá em função de que acreditamos que a dificuldade da

maioria das pessoas em aprovar a descriminação do aborto é devido ao distanciamento em

relação ao sofrimento e ao conflito pelo qual passam as mulheres que decidem praticá-lo. Isto

fica ilustrado na fala de uma aluna, estagiária do quinto ano de Psicologia: “É estranho falar

sobre algo pelo qual nunca passei, nem senti.” Esta foi sua frase de abertura, num texto simples

onde devia expressar sua opinião a respeito do aborto; mais adiante, ela afirma: “Não sou a

favor de aborto para gravidezes não planejadas, mas apenas para os casos de estupro e risco

de vida para as mães, pois há muitos métodos contraceptivos.” Neste caso, obviamente, a aluna

é a favor à descriminalização do aborto apenas em casos que a lei já aprova, faltando aí incluir

os casos de anencefalia, que integram a lei brasileira. O “não conhecer de perto” o que a situação

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significa para quem a vive, comumente, torna as pessoas insensíveis, não solidárias e

descompromissadas com a questão. Ainda, no caso desta aluna, fica claro o desconhecimento

a respeito de dados muito importantes para pensar o tema aborto: trata-se do fato de que

métodos contraceptivos falham, faltam orientações seguras sobre o uso deles, há dificuldade de

acesso a eles, para muitas mulheres e, sobretudo, há elementos da ordem do inconsciente que

podem levar a mulher a esquecer de tomar a pílula, por exemplo, entre outros fatores.

Some-se a isto o fato de que a Organização Mundial de Saúde (OMS) solicita que os

países tenham leis que autorizem a interrupção da gravidez em condições de segurança, que

preservem a saúde física e psíquica da mulher. Necessitamos de pesquisa que se voltem para

este tema, tanto na área da saúde, como também na área social e educacional.

O comprometimento com o aprofundamento da compreensão do fenômeno aborto é para

nós, autoras, um desafio e uma forma de luta, uma vez que a Abordagem da Educação Sexual

emancipatória, com a qual nos vinculamos como estudiosas e pesquisadoras, dá ênfase à

participação em lutas coletivas para transformações sociais. (FIGUEIRÓ, 2010)

Numa luta cuja postura é encarar o aborto como uma questão de saúde pública e,

também, como uma questão de direitos sexuais e reprodutivos, estipulamos as seguintes

questões norteadoras desta pesquisa: Como as mulheres têm enfrentado os momentos difíceis

de decisão em relação ao aborto? O que fica desta experiência para elas? Que fatores têm

interferido, seja de forma positiva, seja de forma negativa, em sua decisão? Algumas delas têm

conseguido sentir alívio, ou não, após a realização do aborto? O que contribuiu para isto?

Neste artigo, por força do espaço limitado, abordaremos alguns pontos dos resultados

encontrados de algumas das questões norteadoras.

Fundamentação Teórica

Diversos estudos apontam que é muito difícil para a mulher falar sobre sua Interrupção

Voluntária da Gravidez (IVG). (PORTO, 2010; ABORTO..., 2014; FAÚNDES;

BARZELATTO, 2012). Motta (2012, p. 124 ), pautada em Porto (2010), afirma: "É raro uma

mulher falar abertamente sobre um aborto por ela provocado. Aborto é algo sob o signo de

segredo."

Como nos mostra Giulia Galeotti (2003), em seu livro A História do aborto, o aborto

sempre foi coisa de mulheres; elas decidiam e dominavam tudo que dizia respeito à gravidez e

parto, assim como ao aborto, e eram as únicas "autoridades" neste campo. Desde a Antiguidade,

até o séc. XVII, a gravidez era percebida de forma unitária, ou seja, não se considerava a relação

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entre dois seres, mas um único corpo. A mulher desenvolveu muito saber popular nesta área e

até hoje vemos mulheres fazendo uso, por exemplo, de chás que fazem parte desse saber

construído. Só a partir das descobertas científicas, nos séculos XVII e XVIII "[...] a gravidez

será vista como relação entre duas entidades autônomas: mãe e filho." (GALEOTTI, 2003,

p.68). Também a partir daí, o médico passa a envolver-se com questões de gravidez e parto e,

somando-se ao fato de nossa cultura ser extremamente machista e patriarcal, iniciaram-se os

controles sobre a gravidez e o parto, tirando da mulher a autonomia que parecia ter, até então.

E como sempre aconteceu, elas vêm recorrendo a métodos muitas vezes arriscados, já que no

Brasil nossa lei, que é de 1940, permite apenas que ele seja realizado em caso de estupro e de

risco de vida para a mulher. A partir de 12 de abril de 2012, passou a ser, também, permitido,

em casos de anencefalia. Mesmo nos casos permitidos por lei, a mulher enfrenta dificuldades

para poder obter um atendimento humanizado e dentro de um tempo ideal, apesar de o

Ministério da Saúde ter elaborado a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento

(BRASIL, 2010.

No Brasil, a situação é caótica, pois, "estima-se que ocorram entre 700 mil e um milhão

de abortos ilegais a cada ano. Esse número representa quatro vezes a população carcerária do

país, que já é considerada excessiva." (CORRÊA; ÁVILA, 2003, p.68) E, some-se a isto, o fato

de que o aborto clandestino é a quinta causa de morte materna no Brasil, o que caracteriza uma

questão de saúde pública (TRIGUEIROS, 2014).

Há mais de uma década, o Brasil vem tentando a descriminalização do aborto, quando

então muitos projetos começaram a tramitar no Congresso Nacional. É um compromisso social

importante, considerando que já na IV Conferência Mundial da Mulher, realizada em Beijing,

em 1995, o capítulo dedicado à saúde da mulher, na Plataforma de Ação Mundial, “Recomenda

a todos os países a revisão das leis punitivas em relação à realização de abortos ilegais, e

reconhece o aborto como uma questão de saúde pública”. (PERES et al, 2000, p.85).

Tanto a Conferência de Beijing, já citada, como a Conferência Internacional de

População no Cairo, em 1994 e a Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, em

1993, por meio dos seus programas de ação, trouxeram apontamentos importantíssimos, em

seus documentos finais, que podem ser usados na luta a favor dos direitos reprodutivos das

mulheres e, portanto, da descriminalização do aborto. Contudo, faltam disseminações a respeito

desses documentos e, portanto, do potencial que representam. (CORRÊA, ÁVILA, 2003)

Com o surgimento do Misoprostol, do nas farmácias do Brasil, podemos considerar que

houve um divisor de águas nos esforços das mulheres em conseguir efetivar o aborto, por conta

própria, de forma clandestina e autônoma, embora nem sempre com segurança. De acordo com

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a pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), O Cytotec, cujo princípio

ativo é o Misoprostol, já foi disponível nas farmácias brasileiras, para tratamento de úlcera,

gástrica no período de 1986 a 1991. Segundos estudos citados pelo Ministério da Saúde, nem

por isso o número de atendimentos pós-aborto aumentou neste período e, ao mesmo tempo,

houve uma queda na morbimortalidade em mulheres que praticam o aborto. Afirma o

documento: "Segundo o estudo, esse pode ser um indício de que o misoprostol permitiu tão

somente uma mudança de métodos, isto é, não provocou uma epidemia de aborto no Brasil,

mas o tornou mais seguro." (BRASIL, 2009, p. 34)

Contudo, ao recorrer ao Cytotec sem a devida orientação com relação à posologia e ao

modo de usar, as mulheres vêm correndo risco de vida ou até mesmo, no caso de não conseguir

seu propósito que é o de abortar, correm risco de acabar gestando um bebê com deficiências.

Segundo pesquisas desenvolvidas por Arend, Assis e Motta (2012) e também Motta

(2015), para algumas mulheres é muito mais fácil ter uma aceitação positiva em relação ao

Cytotec, pelo simbolismo que ele carrega, pois, pelo fato de ser ingerido oralmente, se

assemelha muito ao costumeiro uso de chás para "fazer descer" a menstruação. Isso acaba por

deixar a mulher menos abalada emocionalmente, do que acontece com as intervenções

instrumentais, como o procedimento cirúrgico ou a inserção de objetos pontiagudos, etc. O

simbolismo do comprimido ingerido e a sua eficácia "[...] podem ter favorecido a adesão de

mulheres populares no Brasil. (MOTTA, 2015, p.153)

Metodologia

A pesquisa tem como enfoque teórico a Psicologia sócio-histórico-cultural e, do ponto

de vista metodológico, seu caráter é qualitativo, do tipo depoimentos, segundo definição dada

por Meksenas (2002).

O depoimento consiste em um método de organização da coleta de dados a

respeito de determinado tema e a partir da realização de entrevistas não-

diretivas ou semi-estruturadas. Diferente da história de vida, em que o trabalho

de memória é levado à exaustão na reconstrução da narrativa de vida do sujeito

investigado, o depoimento propõe um corte de tempo e de espaço nessa

narrativa. Isto é, de posse do tema de sua investigação, o pesquisador localiza

sujeitos significativos que narrem suas experiências apenas em relação ao

tema proposto. (p.129)

A técnica de coleta de dados utilizada é a entrevista semiestruturada, feita

individualmente, pela coordenadora, apenas. Após a aprovação do Comitê de Ética da

Universidade, procedemos à divulgação da pesquisa, no sentido de arrebanharmos mulheres

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que vivenciaram a opção pela IVG. A divulgação, dirigida a mulheres maiores de 18 anos, foi

efetivada por meio da rádio UEL e outras duas rádios populares de Londrina, Folha de

Londrina, Jornal de Londrina e em situações de palestras em que a coordenadora da pesquisa

ministrava em Congresso e outros eventos.

Havia um Termo de Livre Consentimento de Participação na Pesquisa, lido e assinado

pela participante, antes de iniciar a entrevista. Também lhe era entregue um formulário com os

objetivos da pesquisa e com contato telefônico e de e-mail da pesquisadora, para que pudesse

ligar após dar a entrevista¸ caso sentisse necessidade.

Todas as entrevistas foram gravadas, com a autorização da entrevistada e partia-se da

seguinte pergunta: "O que significou, para você, realizar o aborto?4" Na sequência, a conversa

ia sendo conduzida conforme os elementos que a entrevistada trazia, mas, a entrevistadora tinha

uma listagem de alguns pontos para os quais deveria buscar esclarecimentos junto a cada uma

das entrevistadas, como forma de buscar uma certa padronização em cada história, como por

exemplo: se houve momento em que pensou em não realizar o aborto, se contou com auxílio

de alguém, para trocar ideia e conversar, durante o tempo em que estava pensando/planejando

realizar o aborto, entre outros. Além disto, havia um Levantamento Básico, que a entrevistada

deveria responder por escrito, antes da entrevista, contendo sete questões, para assegurar que

alguns informações básicas não faltassem. Entre as questões, citam-se, por exemplo: - Sabe

precisar de quanto de gravidez você estava?; - Alguém de seu conhecimento a acompanhou

durante e/ou após o procedimento?. Ao final da entrevista, era perguntado: "O que mais gostaria

de acrescentar? Como você se sentiu com a entrevista?".

Depois de um ano, foi necessário retomar a divulgação via rádio da UEL, pois estava

difícil ultrapassar o número de cinco entrevistadas. Foi possível contar com a participação de

uma estagiária de Psicologia, cuja colaboração foi fundamental. As entrevistas foram analisadas

com base na Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977).

Resultados e Discussão

E o aborto, ele mexe muito com psicológico da pessoa!. Não é fácil! A gente

não faz um aborto porque: 'Ai, vou fazer um aborto'!! É uma decisão muito

difícil de ser tomada!

Entrevistada, 39 anos, que decidiu por duas IVG.

4 No decorrer da pesquisa, a partir do momento em que nos aprofundamos em estudos teóricos,

constatamos que seria mais correto que a pergunta fosse feita da seguinte forma: "O que significou, para

você, ter vivenciado a Interrupção Voluntária da Gravidez?"

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Estava previsto no projeto que seriam entrevistadas de 5 a 10 mulheres. Contudo, após

verificarmos a riqueza das entrevistas, definimos pelo total de 10, e para atingirmos este índice

precisamos de dois anos e meio. Este é um tempo excessivo, já que acreditávamos poder

concluí-las no decorrer de um ano. É possível crer que a demora em conseguir voluntárias seja

um dado que confirma algo muito importante, que vários estudos apontam: o quanto é muito

difícil para as mulheres se abrirem e falarem de sua(s) experiência(s) com a IVG. Como aponta

Porto (2009), em sua Tese, neste tema, há o "cultivo ao segredo", num exercício de procurar

esconder a experiência vivida.

A dificuldade em falar está relacionada, também, ao fato de ser um assunto tabu em

nossa sociedade, um assunto sobre o qual não se costuma falar, trocar ideias, muito menos

debater, nem mesmo nas escolas.

A idade das entrevistadas, na ocasião da entrevista, variou da seguinte forma: 3 delas

estavam na casa dos 20 anos, 3, na dos 30 anos e 3, na dos 40. Uma entrevistada tinha 74 anos.

Seis delas realizaram uma IVG, três realizaram duas e uma realizou três IVGs, o que somou um

total de 15 IVGs. A maioria das entrevistadas (7) demonstra que não se arrepende da decisão

tomada na ocasião e afirma que fez o que era o melhor a ser feito. De modo geral, elas não

carregam traumas e sofrimento por conta do vivido, algumas falam em lembranças que deixam

marcas, mas o que predomina em todas as 7 é a sensação de autonomia vivida. Uma das

entrevistadas, cujo último dos três abortos já fazia 14 anos, carrega culpas e lembranças ruins,

sem contudo desequilibrar-se emocionalmente. Duas outras entrevistadas, (uma que fez um só

aborto do qual já se passaram 21 anos e outra, que do seu primeiro aborto já se passaram 4 anos

e do segundo, 2 anos) carregam uma intensa dose de arrependimento, culpa e lembranças

perturbadoras, sendo que, até os dias de hoje, parece haver uma influência muito negativa sobre

seu estado psíquico perturbado. Ambas afirmam que é por causa do(s) aborto(s) que são pessoas

infelizes e angustiadas.

Quanto ao tempo transcorrido entre a ocorrência do aborto e a participação na pesquisa,

para 4 entrevistadas havia menos de 10 anos (1 , 2, 6 e 7anos), para uma delas, estava em torno

de 10 anos, para outras 4 entrevistadas, o tempo estava próximo de 20 anos (17, 20, 21 e 27

anos) e a senhora de 74 anos vivenciou o aborto há 34 anos. Parece não ter havido diferença

entre o fato de a entrevistada ter tido um aborto recente, ou há muitos anos.

Com relação à forma como as 15 IVGs foram realizadas, a distribuição se deu da

seguinte forma: 04 IVGs foram realizadas em clínica segura, sendo que uma delas foi em

Portugal, dentro da lei e as outras 3, no Brasil, com pagamento alto; 10 IVGs foram com

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Cytotec e uma com chá de canela. Das 06 entrevistadas que usaram Cytotec, todas compraram

de forma escondida e arriscada, como por exemplo, de vendedores de drogas e em

camelódromos e todas seguiram orientações diferentes, tanto para a posologia, quanto para o

modo de usar, dadas pelas próprias pessoas que venderam o produto. Duas entrevistadas

precisaram fazer duas tentativas com o Cytotec e, portanto, gastar o dobro, uma vez que, na

primeira compra, o remédio era falso. Uma das entrevistadas tomou Cytotec quando já estava

no quarto mês de gestação e chegou a ter nas mãos o feto, já definido como sendo do sexo

masculino.

Uma das entrevistadas que precisou fazer duas tentativas com o Cytotec expressa sua

indignação de maneira interessante e nos mostra a implicação para sua vida que ela percebeu

logo que o medicamento falhou:

E foi estranho porque os casos que eu tinha ouvido falar antes, de colegas, de pessoas,

até na mídia e tal que era um medicamento que o efeito seria seguro assim...5. Você

tomou você vai perder, não tem jeito, você vai abortar. Aí chegou na minha vez, eu

tomei e não funcionou. Me deu um nó assim. Aí eu fiquei realmente culpada [...] se não

interrompe!? Tomei 4 medicamentos, não interrompeu, imagina, não vai interromper

mais de jeito nenhum, e daí como é que vai ser...?” Aí eu comecei a me preocupar com

esse feto, com essa criança que poderia vir, com defeitos congênitos. Já seria difícil

para mim criar uma criança saudável, pensa numa criança que tivesse uma necessidade

especial, qualquer coisa assim do gênero. Então isso pra mim pesou, quando não fez

efeito de primeira. Mas fora isso, pra mim era tranquilo assim, era o único meio que eu

ia tentar, porque daí eu teria medo de ir pra uma clínica.

Esta entrevistada está certa ao pensar numa interferência prejudicial ao feto, no caso do

uso falho e/ou incorreto do medicamento, o que é apontado no Protocolo do Misoprostol

(BRASIL, 2012), princípio ativo do Cytotec, emitido pelo Ministério da Saúde, no qual

encontramos a relação dos efeitos teratogênicos:

TERATOGENIA: Recém-nascidos de mulheres que fizeram uso de Misoprostol no primeiro

trimestre apresentam com maior frequência: - Síndrome de Möbius (paralisia facial congênita);

defeito do sistema límbico; constrição das extremidades em forma de anel; artrogriposis;

hidrocefalia; haloprosencefalia e estrofia de bexiga. (BRASIL, 2012, p.6)

E os riscos não são apenas para o feto, mas sim para a mãe, também. "Apesar de ter

venda restrita, é facilmente adquirido de forma ilegal, pela internet. Se usado incorretamente,

pode provocar hemorragia e levar à morte." (SEGATTO, 2012)

Ao usarem Cytotec, as entrevistadas o fazem de forma amedrontada e insegura, pois

muitas vezes, além da preocupação de ele ser ou não verdadeiro, preocupam-se em não

5 O uso de reticências significa uma pequena pausa na fala. Já o uso de: [...] significa um corte na fala.

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conseguir efetivar o aborto e assim acabar tendo um filho com deficiências. A maioria das

entrevistadas que usaram o medicamento fala sobre esse medo e essa angústia e duas delas

contam sobre mulheres que conhecem e que, pela ineficiência do Cytotec e por não encontrar

outros meios de efetivar o aborto, acabaram tendo que levar a gestão a termo e dando à luz a

uma criança com deficiência mental e/ou física. Uma entrevistada, a que fez um aborto em

Portugal, dentro da lei, junto ao serviço público e outro no Brasil, com o uso do Cytotec, quando

tomou o medicamento adotou uma sequência de providências: "Aí eu tomei e me despedi de

todas as pessoas queridas possíveis, porque a gente escuta as pessoas falarem, néh!?, que

morre, que não sei o que! [...] Então eu fiquei com muito medo. Aí eu falei com meus filhos

[...]”. Não contou sobre o ter tomado o remédio, mas designou-lhes o que deveriam fazer caso

a mãe viesse a faltar.

Também uma entrevistada que denominamos de Mestranda, por estar cursando o

Mestrado, na ocasião da entrevista, comenta que a partir do momento em que obteve o Cytotec,

passou muito medo e preocupação, pois passou a se dar conta do risco que corria, ao tomar o

medicamento sem assistência e por não ter "muito conhecimento dos efeitos dele". Afirma que

teve muitas cólicas fortes, muita hemorragia e febre. Ficou assustada, achando que poderia estar

com infecção. Diz:

e eu não procurei, também, assistência médica por medo por descobrirem que eu tinha

provocado o aborto, pela questão da criminalização, pela questão de no hospital isso

ser levado aos meus pais ou ao responsável que estaria comigo, talvez meu namorado

na época, eu acho que foi um risco muito grande. Não aconteceu nada, mas foi um risco

muito grande. E isso acontece, néh?!, hoje em dia, todos os dias, em diversas partes do

país. [...]

De acordo com a Norma Técnica: Atendimento Humanizado ao Aborto (BRASIL,

2010), os sentimentos de medo e vergonha aliados à "dificuldade das mulheres em reconhecer

sinais de possíveis complicações" são fatores que podem retardar a busca de cuidados médicos,

de acompanhamento.

Segundo Motta (2015), apesar de saber dos riscos que corre e apesar dos medos em

relação ao aborto,

[...] há um medo por vezes maior e decisivo: a maternidade indesejada. É a convicção

de não querer ter um filho que leva ao enfrentamento do medo e riscos através de uma

série de estratégias. A constatação de uma gravidez indesejada cria uma situação de

desespero e ansiedade, para a qual o aborto representa o alívio. (MOTTA, 2015, p.166)

Tanto o medo que acompanha a gravidez indesejada, quanto o alívio após a IVG, são

apontados pela maioria das entrevistadas. Muito peculiar a fala da Senhora de 74 anos, que fez

o aborto aos 40, pois ilustra muito bem o movimento desses sentimentos opostos que,

possivelmente, fazem parte da experiência da grande maioria das mulheres que optam pela IVG:

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Nossa, eu fiquei desesperada! Fiquei louca! Falei: "Minha Nossa Senhora, o que eu

que vou fazer agora, uma velha, com 40 anos, com filho moço dentro de casa, uma filha

moça, Jesus me abana!." Tomando remédio!! [...] Fiquei louca! Nossa... acho que se

eu não fizesse isso, acho que eu ia morrer. E quando eu fiz, Deus que me perdoe, se é

que é pecado, eu me senti aliviada. Aliviada, essa é a palavra. Me senti aliviada. Deus

me livre, é muito triste, fiquei muito angustiada [...] "Eu me sentia totalmente aliviada

quando eu fiz. Naquela época se eu tivesse que fazer 10 vezes, eu acho que eu faria!.

(Grifos nossos)

E mesmo esta Senhora, que foi atendida em uma clínica particular, segura, tinha

consciência de que corria riscos, pois afirmou: "E mesmo fazendo um aborto cirúrgico, eu corri

também risco de ter dado alguma coisa errada, mas eu confiava que ia dar tudo certo, que deu,

graças a Deus."

Uma entrevistada, que realizou a IVG aos 18 anos, solteira na ocasião, refere-se à

palavra "desespero", por 18 vezes durante a entrevista, ora para se referir ao fato de estar grávida

e não saber o que fazer, por ser uma gravidez indesejada, ora para relatar alternativas que

adotava para tentar abortar, incluindo uma ida a uma clínica clandestina da qual saiu com muito

medo de realizar ali o procedimento, por não sentir confiança nos profissionais que atendiam.

Também porque, como afirmou: “O que eu vou fazer da minha vida, não foi isso que eu sonhei

pra mim, eu nunca quis ser mãe, nem casada, imagina mãe solteira?!. O que eu vou fazer da

minha vida?". Ao final, ela acabou realizando o procedimento numa outra clínica, com um

médico já idoso chamado "Dr. Nascimento" e que há tempos atuava neste serviço. Passados já

27 anos, ela não tem filhos por opção sua e do marido.

Duas das 10 entrevistadas, uma que fez um aborto e outra que fez três, nunca haviam

contado a ninguém sobre seu/s aborto/s e o fizeram, pela primeira vez, na ocasião desta

pesquisa, para a entrevistadora. E o interessante é que elas fazem parte do trio que carrega

culpas e arrependimentos. Apenas uma entrevistada partilhou com sua irmã e teve o apoio da

mesma durante o processo. As demais partilharam com amigas ou namorado ou companheiro.

Em um caso aparece a figura da professora de Ensino Médio e, em outro, a figura de um

professor universitário aparece como sendo um confidente, mas a jovem logo lhe diz ao contar:

"Ah, professor, não vai me recriminar, néh!?" A figura (como apoiante) da amiga aparece em

5 histórias, a do namorado, marido ou companheiro, também, aparece em 5 histórias e a da irmã

aparece em 2. No caso de uma das entrevistadas que guarda o segredo a "sete chaves" e só

partilhou a sua história com a entrevistadora, é peculiar o que ela fala sobre sua irmã:

Eu tenho a minha irmã, a gente assim, é muito amiga, ela sabe que eu perdi o

neném, ela não sabe que eu fiz (a IVG). Então assim, nunca consegui falar pra

ela também, era aquilo, era só eu e Deus que sabia do que acontecia. Então,

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nem com ela eu consigo falar, e eu sei que se eu falasse, ela também me

condenaria, pelo modo dela pensar, eu sei que ela condenaria".

Outra entrevistada faz uma comparação entre a situação da mulher que aborta e o fato

de um jovem ou uma jovem ser homossexual e não poder falar sobre isto, especialmente para a

família. Diz:

E eu acho o maior sofrimento a pessoa não poder falar e a questão do aborto é

a mesma coisa, o maior sofrimento, é você não poder falar, é você se sentir uma

marginal porque está grávida e é você se sentir pior ainda, mais marginal ainda

por você não querer esse filho. Porque não é normal para uma mulher não

querer um filho, as pessoas não acham isso normal. Então, eu contei para uma

amiga bem mais velha do que (eu), uma professora [...]

Um fator que chamou a atenção entre os resultados encontrados foi o fato da figura

nula/ausente do pai e da mãe, durante as experiências com a IVG, seja no período de descoberta

da gravidez, de tomada de decisão e mesmo após passado algum tempo. E isto sucedeu com 9

das 10 entrevistadas. Apenas o pai e a mãe da Jovem Paula (cognome) que realizou o aborto

aos 15 anos, ficaram sabendo, em tempo de ajudá-la a encontrar a forma mais segura de abortar,

que foi numa clínica particular, num valor equivalente a sete salários mínimos. Mas, em sua

fase inicial, de descoberta da gravidez, Paula tinha uma posição convicta de não contar para

seus pais. Assim afirmou ela: "Então tipo, não contei para os meus pais, nada; então ficou

uma coisa entre eu e meu namorado. Daí a gente veio procurando vários endereços, opções...

pesquisando, pesquisando na internet, com a empregada dele [..]". E ainda tem um porém, no

envolvimento dos pais: não foi ela quem contou para o pai e, sim, a sua psicóloga, com quem

fazia terapia -- por razões ligadas à separação dos pais. Ela deu autorização para a psicóloga

contar para o pai e este, depois, contou para a sua mãe. Disse ela: "E para minha mãe, eu não

pensava na possibilidade de contar para ela, por causa do nosso relacionamento mesmo (que

não era bom). Só pensava em contar para o meu pai."

Acreditamos que o não recorrer a pai e/ou mãe como fontes de apoio num momento

difícil e sofrido da vida é uma consequência da falta de diálogo sobre as questões ligadas à

sexualidade, ou seja, é uma consequência da falta de Educação Sexual em casa. Outro fator que

pode ter contribuído -- e isto apareceu em algumas entrevistas -- é o fato de as mulheres

melindrarem-se de contar para pai e mãe por conta da religiosidade deles e, portanto, por saber

que pai e mãe consideram pecado o aborto e as recriminariam e forçariam uma decisão sem

deixar margem para escolha.

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Se tivesse apoio de algum familiar próximo, ou de uma equipe de profissionais

especializados, no período em que se descobriu grávida, possivelmente, algumas das

entrevistadas não teriam interrompido a gravidez, porque essas pessoas lhe dariam o suporte

emocional para pensar com mais calma.

No que diz respeito aos motivos que levaram as nossas entrevistadas a optarem pela

IVG, ressalta-se que nenhuma delas apontou apenas um motivo, nem mesmo só dois. Três delas

apontaram 3 motivos, outras três apontaram 4 e outras três entrevistadas apontaram 5 motivos.

Uma das entrevistadas apontou 6 motivos. O quadro a seguir especifica quais os motivos e por

quantas entrevistadas foi apontado.

MOTIVO Nº DE ENTREVISTAS EM QUE O MOTIVO APARECEU

- Preocupação com estudos = ................................. 4

- Medo do pai, ou do pai e da mãe = ...................... 3

- Preocupação em envergonhar pai e mãe = .. ........ 2

- Dificuldade financeira = ....................................... 3

- Relacionamento frágil ou casual = ......................... 3

- Considerar-se nova para ser mãe = ........................ 3

- Medo de a criança nascer com problemas

devido à idade avançada da gestante = ................... 2

- Considerar-se nova para ser mãe = ........................ 3

- Criar mais um filho sozinha, sem marido = ........... 2

- Preocupação com a possibilidade

de perda de emprego = ........................................... 1

- Saúde abalada = ................................................... 1

Alguns motivos muito particulares, ligados a um determinado contexto de vida de cada

entrevistada apareceram. Por exemplo: a mulher que fez um aborto em Portugal, dentro da lei

e outro no Brasil, com Cytotec, por já ter três filhos jovens (14, 18 e 20 anos) e ser separada do

marido, apontou um motivo peculiar: a preocupação com o julgamento moral dos filhos.

Ao final da leitura das 10 entrevistas realizadas pudemos perceber o quão complexa é a

tomada de decisão e o quão difícil e moroso é chegar a efetivar o aborto. Em função da

complexidade do desenho de um caminho que é só seu, achamos oportuna a ideia de aborto

como um processo proposta por Flávia de Matos Motta ( 2015, p. 157):

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A experiência do aborto é um processo -- que começa na constatação da gravidez/atraso

menstrual e inclui uma série de ações, várias delas inúteis para resolver definitivamente

o problema, mas constitutivas da construção de uma disposição interna da mulher no

sentido de rejeitar uma (possível) gravidez e agir contra ela de forma eficaz.

Em seu livro: "O drama do aborto: em busca de um consenso", os médicos Aníbal

Faúndes e José Barzelatto (2004) apontam e discutem seis motivos que levam uma mulher a

abortar: - falta de um pai para esse filho em potencial; problemas econômicos; incapacidade de

ser mãe / interferência no projeto de vida; conflito com as normas da sociedade em que vive;

razões de saúde; falta de apoio social. Percebemos que todos os motivos apareceram em nosso

estudo. Estes motivos estiveram presentes ora numa história, ora noutra, de cada mulher que

entrevistamos, mas o que percebemos é que a peculiaridade de cada história podendo levar a

uma combinação sempre particular de motivos, dependendo das condições e dos projetos de

vida, da idade, do querer ou não ser mãe e/ou ter muitos ou poucos filhos, o que reforça a ideia

de aborto como um processo.

Considerações finais.

Concluímos que é preciso disseminar informações sobre a realidade do aborto no Brasil

e no mundo, as implicações do aborto clandestino, a situação das mulheres que abortam

clandestinamente e os direitos sexuais e reprodutivos. Precisamos ainda, desenvolver Educação

Sexual nas escolas, para ensinar os alunos a pensar e também desenvolver debates sobre o

tema, para que o país possa cumprir seu compromisso assumido nas Convenções Internacionais

do Cairo, em 1994 e de Beijing, em 1995, de rever suas leis restritivas. As discussões devem

ser permeadas pela consideração do aborto como uma questão de saúde pública e também de

direitos sexuais e reprodutivos.

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