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Jacques Le Goff - Uma Longa Idade Média

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parte do livro Uma Longa Idade Média

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Page 1: Jacques Le Goff - Uma Longa Idade Média

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Aqui jacques Le Goff nos fala da bela e florescente Europados séculos XII e XIII. Essa Europa feliz no meio de períodosmais sombrios. Essa Europa que Le Goff nos ajudou a conhe-cer e a amar.

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I.:HISTOIRE: A idéia amplamente divulgada é que a IdadeMédia foi uma época sombria. Não seria um paradoxo falarde uma "bela Idade Média"?

L EC; ]ACQYES LE GOFF: A expressão "bela Idade Média" éO~ ~) ~(... ~'-~.,. . () """"~ \Q ~O'" "\.~ e \ muito recente. Durante longo tempo, é verdade, a Idade Média

~\ i: ~ ~a...- ~\_ <;:) ~ ~~~ ••.••c " e'. ', \.'....<....'<:>....L~O ; foi considerada um período sombrio - em inglês, aliás, até~ '\' I I pouco tempo atrás, tratava-se a Idade Média de Dark Ages'\-)" -0.,,:>, (/""".0.. ~DO B j -

i.., )' ~ 'f l ~. tépocas sombrias").~~c ~. <'00\ I c~~ Essa caracterização negativa sem dúvida começa com as

..... ~~~ ~ <: críticas feitas à escolástica,' desde o meado do século XIv, espe-,~~ ~ I cialmente por Petrarca: parece tratar-se de uma expressão de~~~~t; ...~,,.......I<.Y'- decadência lingüística, cultural e religiosa' escondendo a pu-

~., ,\,-,,~" <::~~! . reza da Antigüidade clássica e do cristianismo original. Di-\,.) l'-""" ~:-.~ ! c •••••.•••.\ funde-se entre aqueles que virão a ser conhecidos como os~cv-) 1:,Q . v-~~ "humanistas" nos séculos XV e XVI. Reforça-se com os fil6-

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2Este método pedagógico, que se desenvolve nas escolas urbanas dosséculos XI e XII, depois nas universidades, dá uma inflexão decisivaaos processos racionais do pensamento, afastando-se dos caminhosmísticos da cultura monástica.

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; XIII"; "Adata mais sinistra, a mais sombria de toda a história<:s;:,~"~ s?fos das Luzes, no século XVIII: condena -se a Idade ~édia ! para mim é o ano de 1200, o 93' ~a Ig~eja." Outra co~de~a-~ -t"S),~~~omo uma idade obscurantista que tena impedido a razao de i. ção feita ao século XIII, à escolástica: 'O século XIII e o fim

d esab roch~r. E o. sécul o )(VI~I também nã~ g.osta ,~a arte !. de tudo: o livro se fecha; essa fecunda :fer'íS'c~~i~~ \"""medieval: e dessa epoca a difusão do adjetivo gonco (a par- : recia inesgotável, de repente se esgota. ". \v,.~~ de 1/615), depois ~á a ~if~são d~ substantivo (1716), cujo .. 1 . A Idade Média voltou" a suscitar um intere,sse p~sitivo no .,( ,\ f \k.,{etimo e gotb, quer dizer, barbaro ... I fim do século XIX e no seculo XX, entre os simbolistas, que~_, \J<...d,.

il· valorizam a arte medieval: o que tinha sido condenado passa~I)HISTO IRE: Mas o século XIX amou a Idade, Média. t\. . ~ ~ a ser elogiado. Essa revalorlzação da época medieval p:olon- ~'~." .~

Pensemos em Vietor Hu.go e em Notre-Dame de Pans... ~ ~" ga-se com os impressionistas. A catedral volta. ser, assim me "----,, to ", •••"c _,JACQUES LE GoFF: E verdade, m~s mesmo essa redesco- ~ ,~,,,t parece, objeto de um culto. Penso em particular ~os quadros ,'" \ "> "'''' ."

berta é arnbivalente. Veja o roma~tIsmo: re,a~Ihta a Id~de'l'-... '\".<l!l'~ em que se vê a fachada da catedral de Rouen, pintados p~r .\'Média, um período de vida, d,e paixões posl~Ivas; o gótico \~f"" ~\,..,,~,. Monet, mas igualmente no prelúdio de ~ebussy, La Cathédralefinalmente entra na moda, aSSIm como o estilo trovador, a ~~~""~-~'" engloutie [A catedral submersa], e ao livro de Huysmans, Lacatedral aparece como uma espécie de personagem ideal. . Cathédrale (1908).Entretanto, o romantismo não impede que continue a existir ~_'~ - ~~'> Por fim, essencialmente depois da Segunda Guerra Mun-1::f.~ ~) ~uma visão primitiva da Idade Média, e, desta vez, com um x v~ __ ~ dial, vivíssima reação se manifesta contra a idéia de uma Ida-:,ç ~_{"'~ ;i

sentido pejorativo, ,,\'::,.. e--" 'c'--'-~ c de Média sombria. Conduziu-a Marc Bloch, prime~ro, depois",-"..-'" ;\, \,,'Também se de:e notar que os grandes Iusto,nador:s que~ ",,<!,'>~. Georges Duby, E me permito in~creve~-me nes~a.hnhage~. ~\~~~ . t..

no século XIX se .interessaram pela Idade Média frequente- 'v'" ~'~'s;>~ Acredito que aqui devo precisar minha posiçao, que aliâs \ '\ ~" \ \IC, ~

. , d d b d E t d ' .....l''\J"", " d d ' d d 'J \ ~~ ~. Imente variaram em seu meto o e a or agem. srucei o )~ -'~' é totalmente fiel ao pensamento e meus 015 gran es pre e- . \\ I :

maior dentre eles, Michelet: ele passa de uma admi~ação quase r cessores: para tentar compreender o que foi o período me-VJ""'.~ ~~~ .

beata a uma condenação altamente virulenta.' Assim, escreve i dieval, é essencial renunciar tanto à imagem negra quanto à ~ .•.~ .que no seio da Idade Média é que se concluiu "o grande mo- I imagem dourada. De resto, como quase todas as épocas, avimento progressivo, interior~ da alma nacional" e evoca "a i Idade Média foi uma mistura de êxitos e de derrotas, de leii- \. ~ _ !\.,!. ~ S'pedra [que lcn.~alma e se espiritualiza sob a ardente e severa i cidades e de d;amas. ~, ~ ,ç;~~~ ~:- " t;:~::::.'~."mão do artista . , '0 (~'~~'~o ;;...~"~'\~"~ ,~~~ ~\:. V~~

Mas, reeditando sua Histoire de France, de 1835 a 1845, i ~ "M' h I f 179Ç-3o~a"'no~m"""'ajsvJolet1~o da Revolução Fran-. , "f: te e er se re ere a ,O historiador ensornbrece O quadro a medida que se a ,Irma cesa, quando Luís XVI e Maria Antonieta s~oe~e~utados,. há uI? le-seu anticlericalismo. A ponto de falar no "latido do seculo vante de 300 mil homens, a Comuna de Paris elimina os glr~ndl.n~s,

etc, Quer dizer, acha o historiador do século XIX que a Igreja fOI taoviolenta no ano de 1200 como os revolucionários franceses em 1793.(N. do T.)

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UMA LONGA IDADE MÉDIA"A BELA IDADE MÉDJA EXISTIU DE VERDADEI"

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lCL J. Le Gaff, "Le Moyen Âge de Michelet", em Pour Ul1 autre MoyenÂge, Paris, Gallimard, 1977, republicaçãa em "Quarto", 1999.

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UMA LONGA IDADE M~DIA)()

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L'HISTOIRE:Pode~sei então dizer da "bela Idade Média"que é um período feliz no meio de períodos sombrios? r

]ACQUES LE GOFF: É isso aí. Para bem compreendê-Ia, épreciso ir à origem da expressão "bela Idade Média". Parece-meque ela encontra suas raizes na expressão "belo século XVI",criada, há mais de meio século, por Lucien Febvre. Foi ummodo que ele achou de-opor dois perfodos cronológicos:um primeiro século XVI, mais risonho, o do Renascirnento edos castelos do rio Loíre, até o fim do reinado de Francisco I,e um negro fim de século, o de Catarina de Médicis, das fo-mes e das Guerras de Religião.

A expressão "bela Idade Média" também corresponde àidéia de que houve uma clareira entre duas fases sombrias,nesse longo período de mais de 'mil anos entre a queda doImpério Romano (fim do século V) e o descobrimento da Amé-rica (fim do século XV).

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L'HISTOIRE: A que período corresponde essa fase debonança?

\~<-. >ll\ * ]ACQUES LE GOFF: Pode-se afirmar que se trata, grosso"J )-0"""" ~"-./...=: do século XIII. Ou, mais exatamente, da ~entena ,de

K": "'~ ~~~nos ~ue começ~ no ~ead,o do século XII e te~mma no, fim'\$1 ) (to ~ do remado de Sao LUiS, ai por 1260. Em seguida, rnanifes-

tam-se elementos do que-tradicionalmente chamamos de uma"crise", .

M ~ ~ \ d .as, atençao, nao nos esqueçamos nunca e que a peno"dização é prática, porém artificial, pois a história não estátrancada em períodos e de que, mesmo nos momentos maisbrilhantes da bela Idade Média, constantemente se conviveucom a "Idade Média sombria".

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-A BELA IDADE M~DIA sxrs nu DE VERDADE!"

I.:HrSTQ[RE: De qualquer forma, há essa clareira ... O que,no século XIII, ou mais exatamente no período que vai de1150 a 1250, merece o qualificativo de "belo"?

JACQUES LE GOFF: Para mim, com algumas nuanças, :)expressão está justifica da praticamente em todos os domínios,Para analisar essa expressão, devemos nos esforçar para bus-car o velho ideal dos Annales: fazer a história total. Se a belaIdade Média conserva partes de sombra, ainda assim deve serbela em tudo e por tudo. E todos esses domínios que distin-guimos mais ou menos arbitrariamente têm de estar ligados ,

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ao núcleo de um conjunto sintético. ;Isso começa com a economia. O que legitimamente ali- \\) jt.' I~\\.\

mentou a idéia de uma Idade Média sombria foi, parece-me,' \t \..,L~~sua fragilidade econômica, ou, mais exatamente, as coriseqüên ...~. \l:·'.:l>....

f)c ~.:l: N- """das que essa fragilidade trouxe para a vida das mulheres e dos r":-'uhomens dessa época. Penso sobretudo num fenômeno estru~.""~. . -.J<J.rural da economia medieval: as fomes. Certamente, o século \.)~ '~DXIII não trouxe o fim das fomes, que s6 desaparecerão, na ~ C ~prQ~França, no fim do século XVIII, e na Rússia, por exemplo, no~~~.~,\( ~' ~~~

~' r·~século XX. Entretanto, observa-se seu recuo nessa época. " '._' '~ r '-., ~1\lc'3.~~ t .",,}).,

Dever-se-ia isso, ao menos em parte, a transformações <'i-iI""" i

climáticas, a uma elevação de temperatura? Chegou-se a su- CC~...3.:-:.,0) ,, , , , ' l\ :(~)l",~~~

por ISSO. Porém, ainda sabemos multo pouco em mareria d~ \0 ~o"'~h' 6' d I' f " ~~'\i'H~?'" t-ist na o c rma para a irrnar O que quer que seja. ,,,- r= r'"

O que pesou, no conjunto das coisas; foi um progresso na f\flf,\M\J'"~~~o prod~~o agrfcola: desenvolvirnenro de um novo tipo de rota7' "tr't"\('~~P ~' tividade de culturas 11~1~'mesmas terras, a rotatividade trienul, '~~w..\)~""r o que permitiu introduzir Uma terceira lavoura de novas cul- 'J"~ \f\l~

: turas ou obter, em particular para os cereais, duas colheitas ~por ano; aumento da produção e do consumo do pão; mclho- \ \ \~,.A#ria do emprego do arado de rodas e do cavalo como animal \..0() \~tô \de tração - um desempenho melhor do que o do boi; exten- 0:'" ~~ ~

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são das superfícies cultivadas, seja por arroteamento - assis- - Se sobre os camponeses pouco influí essa valorização do tra-te-se a um recuo da floresta - seja por drenagem dos territó- balho, eles, contudo, também se beneficiam com uma melhoriarios costeiros: criação de pôlderes, *" . I de seu estatuto jurídico e social, com a aceleração da alforria

O q~e constitui claramente ~ progress~ ~ais espetacul~r é~f.5;õ ' dos servos. ..• -~(e o ~als constatado), é.a explosao. d~mograÍlc~. ~ populaça.o (i~J/L~ .'- Ida cristandade sem dúvida se multiplicou no rmrumo por dois [ í~ I..:H ISTOIRE: O trabalho dos clérigos, dessas pessoas que (::I ~\) _I

entre o século XI e o .fim do sécu~o xm,.o p~rí~do. de 1150 a f o senhor chamou os "intelectuais"," també.m foi v~lorizad~? ~;""\.~\;: :I- ~

1250 sendo o de maior aceleração. Na inexrstencia de qual- t ]ACQUES LE GOFF:O que certamente impressiona mals,"à,.-' ~ ç:<... "','-"'-

quer documenro quanto a números antes do início do século f e que certamente alimentou a idéia da existência de uma bela Y ~ \.J,~ -

XlV, p~de-seestimarque a população d~ F;ança pas~ou do i Idade Média, foi o que houve de criaç:~, nos,tr~s domínios:~ ;~; ,Ano Mil ao ano de 1300 de cerca de 8 milhões de habitantes i o domínio escolar e intelectual, o domínio arnsnco e o dorní-~.~~ I;:> .

para 16-17 milhões (quer dizer, de 20 a 22 milhões no terri- . I nio urbano.tório corresp,ondente à França atual, mais extensa do que na! Desde o século XII assiste-se à fundação e ao desenvolvi-Idade Média). I mento de escolas urbanas, o que prosseguiu no século XIII. Nas

É muito difícil determinar as causas dessa explosão demo- cidades, e especialmente nas que tinham uma catedral ao ladográfica. É verossímil que a melhoria agrícola e a da alimenta- da qual se abre uma escola - vê-se isso com clareza em Reimsção - sem dúvida com peso maior do que o progresso da _ou Chartres -, a alfabetização das crianças conhece amplomedicina, ou da higiene, quase imperceptíveis por essa época I progresso, sem exclusão das meninas, ainda que esse progres-- tenham desempenhado um papel decisivo. i so não alcance mais do que Uma pequena parte da população.

~as é preciso insistir em um ponto: ao lo~go de todo e~s.e.:::12r f\Jç \" ~ Principalmente, ~urge um ensino superior, com ~ n~sci-perfodo de cem anos, os progressos tecnolõgicos e econômi- -\ S fI ~\\\--~n.!ento de um novo tipo de escolas, a que chamamos urnver-CO~ ~oram acompanhados por uma v~lo.riz,açáoda idéia e,d~s ~5' [~ . ~idades", 4 e que a Idade Média designava pela expressãopraticas do trabalho. A bela Idade Média e uma Idade Media - i 'studium generale",

, Ide trabalhadores. E preciso pensar nessa massa de gente pro- Iduzindo que vê então sua atividade tornar-se um valor reco- -nhecido pela sociedade - é o que mostram numerosos textos.

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"Como era de se esperar do país onde a técnica de ganhar terras aomar mais se desenvolveu, a palavra pô/der é holandesa: é o nome quese dá a terrenos onde a água foi represada c a terra conquistada aomar (mais habitualmente, porém, O pôlder também pode ser terradrenada conquistada a lagoas ou rios) e valorizada para cultivo, oupara uso urbano. (N. do 7.)

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"Chamou-os assim no livro Les Inte/ectue/s au Moyen Âge (há ediçãobrasileira: Os intelectuais na Idade Média, tradução de Marcos deCastro, Rio, José Olympio Editora, 2003). No francês antigo a pala-vra clerc (clérigos) não se referia apenas aos que assumiam o estadoeclesiástico, isto é, aos sacerdotes, mas designava também os letra-dos, os sábios. (N. do T.)"Originalmente, a universidade designa um grupo de homens unidospor sua origem ou ofício. No século XII, o termo vem a designar aunião de mestres e alunos que constitui um ensino superior e se abrepara 08 leigos. As universidades (as primeiras são as de Bolonha, Pa-ris, Oxíord) tornam-se grandes centros intelectuais.

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."~~Lj)V ~~ Não se trata mais de escolas monásticas reservadas a uma\j~~",~:\?~elite. Mesmo que ainda sejam escolas eclesiásticas, abrem-se

mais aos leigos. A primeira universidade propriamente ditafoi fundada em Bolonha na segunda metade do século XII.Seguem-se a Sorbonne, em 1215, depois as de Oxford eCambridge, no início do século XIII, que é bem o século dasunl versidades.

A universidade de Bolonha é especializada em direito, quese reveste então de grande importância. Neste ponto mais umavez é preciso voltar ao século XII, no mínimo a fim de notarum renascirnento do direito romano e a afirmação do direitocanôriico com o decreto de Graciano.! A esse renascirnentose liga, no século XIII, a entrada no mundo da escrita do di.reito consuetudinário.

Pois a bela Idade Média é uma centúria da escrita e da lei-\'...J ~'c.. ~ tura e, claro, um século dos mestres e dos estudantes. Daí a-f" ( ~' c:s•. ) .... ~ ."... presença de grandes intelectuais, Alberto Magno, Tomás de

,r' , "~\(~Ô.quino ou Raymond Lulle. *' Sabe-se, além disso, que os lei-~",~~ tore~, cada vez mais numerosos, pr~tic~m af~nal.a, leitura si-

, lenciosa, o que acompanha a ernergencia do indivíduo,~'':::-..~..• O crescimento do mundo da leitura constata-se pela difu-

são das obras literárias. A grande literatura dos romances de

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STrata-se de um conjunto de textos redigidos aí por 1120-1130 e reu-nidos por um monge de Bolonha. O decreto de Graciano impôs-secomo a posição oficial da Igreja. [A publicação, afinal, é de 1140,segundo O livro Os intelectuais na Idade lviédia, citado em nota dotradutor, supra.]"Santo Alberto Magno, como se sabe, foi mestre de Santo Tomás deAquino. O menos conhecido entre os três citados, o bem-aventuradoRayrnond Lulie (1235-1315), foi um teólogo e poeta catalâo, De umsaber enciclopédico, escreveu em latim, em catalão e em árabe nume-rosas obras de filosofia, teologia, mística e alquimia (,~rs Magna, 1273-1275). FOI Lulle quem elevou o catalâo à categoria de língua literária.(N. do T)

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'.cavalaria conheceu seu impulso inicial no século XII e se es-tendeu pelo século XIII, ao mesmo tempo em que se dava umacontecimento importante: ° aparecimento triunfal da pro-sa, ao lado da poesia.

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VHISTOIRE: O que permanece é que a "bela Idade Média"fica sendo em primeiro lugar, aos nossos olhos, o tempo das icatedrais. , " . 1&~

]ACQUESLE GOFF: E verdade, a bela Idade Média é a de P", D '\ ~uma incomparáveleclosão artística. é a época do gótico. Uma :JD f,"Ç ~

arte introduzi da na igreja abacial de Saint-Denis, pelo abade r "'. cf~c~Suger, a partir da metade do século XII. Mas as grandes cate-drais góticas datam do fim desse mesmo século XII e sobretudodo século XIII. Uma eclosão de uma importância tão espeta-cular aos nossos olhos que fez com que esses monumentos emsua maior parte fossem conservados.

A arte das catedrais também nos mostra que, se tem raízes ~~~Irurais, a bela Idade Média.é essencialmente urbana. O desen- i~~~~~volvimento urbano começa muito antes, no Ano Mil. Mas no ç ~S5~:L~~<-\(século XIII é que atinge seu apogeu. As instituições urbanas \.)\),':-..,) I

se desenvolvem então com os seus monumentos de prestígio,em particular na Itália e em Flandres. Também é nessa épocaque começa a viver ari varnente a praça pública, ponto de re-novação da sociabilidade, do teatro e do riso, como mostrouMikhail Bakhrírn."

Até no campo da re ligiâo os acontecimentos são impor-tantes. O século XIII vê » nascimeato e o triunfo no Ociden-te das ordens mendicantes, as principais das quais foram a

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6L'Oeuví'e de Fí'I~·it::()is Rabelais et Ia culture populaire au Moyen Âgeet sous Ia Renaissancc (A obra de François Rabelais e 8. cultura popu-lar na Idade Médio e sob o Renascimento], 1970.

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ii

franciscana e a dominicana. Ora, essas novas ordens, que de- !vem a denominação de "mendicantes" à sua prática, funda- ~~-J \.mentada na humildade e na pobreza, e que introduzem, através c.,\ (j \~~

d: preg~ção, uma pal~v.raa~erta, palavr~ de ~iálo~o e de apelo, ~~~ _nao mais palavra de injunçao e de dominação, sao ordens es- '(\"f.\f\~l~-.:_sencialmente urbanas: seus próprios membros, à imagem de I

I

São Francisco e de São Domingos, não vivem na solidão dos !

mosteiros, mas, ao contrário, no meio dos homens. Francis-co, no Cântico das Criaturas, canta um universo fraternal ilu-minado pelo Irmão Sol, universo em que mesmo a morte éirmã do homem.

parisiense, Hugues de Sain-Victor, * definiu desde o século XIIos.princípios de boas maneiras à mesa: não comer com os de-dos, não enxugar as mãos nas roupas, não devolveá aos pra-tos partes mastigadas ou os restos que ficaram entre ós dentes,etc, No século XIII vai continuar a reflexão sobre o que éum

.."bom comportamento" tanto à mesa quanto em matéria devestuário.

Surge assim um novo ideal de comportamento, fundamen-talmente leigo, a que chamamos a prud'homie, que podería-mos definir como a aliança perfeita da sabedoria, da corageme da modéstia. O rei de França Luís IX, São Luís, será o mo-delo espetacular dessas três virtudes. Por essa época, de um

eHISTOIRE: E os reis? Também eles participam desse pe- modo geral, da economia à arte, é o comedimento que seríodo de bonança geral? impõe - ainda que se observem na arquitetura gótica ten-

. ]ACQUES LE GOFF: No nível político, há uma grand~ exi- I dências à loucura. A bela Idade Média é um tempo de mode-gência de instrução em relação aos dirigentes, e em particular ração e de equilíbrio.em relação aos reis.

Eles se cercam de conselheiros e se apóiam em instituições I eHISTOIRE: Todo esse período de bonança se estende ao'\. que lhes permitem, muito mais do que antes, fazer com que 1:) conjunto da Europa?~'S".~..rein~~l os c.lois.ideais sociais do cristianismo.que lhes definem ~~\ r~)]ACQUES L~ GOFF: .Ah, sim. A bela Ida~e ~édia abarca aa~~ ofício:a lustlça e a paz. A bela Idade Média tende a ser efe- ,.-r S~Europa toda. E um período em que as periferias - que de-'v.~()tivame~ mais justa e mais pacífica. Os reis procuram impor ~ ç sernpenharam um papel importantíssimo na elaboração da

'_,'"'"'~t'~.•~~ rec~o à guerr~ privada e impo: o conceito e a pr~tica c!:: ,~.lt/:y.r- civ~li~~çãomedieval -, da Irlanda, ou n:esmo da Islândia até~.>.J. r"<k guerra Justa. Os seculos XI e XII tinham proposto a paz de'\...~ ~ a Sicília, recuperam seu atraso em relaçao ao resto da Euro-~..><..~.'.,~f''' Deus", transformada em paz do príncipe: no século XIII é que ~ ,.S'=> pa. A Islândia das sagas, essas grandes narrativas escritas do

'\;.)~\~-:--.Q,~sa paz, apesar d~ numerosa~ .exceções, foi posta e~ prática. ! fi~ ?~século X!I ao século XIV e .qu~ contam todo tipo ~e~. .' ~.~~ "'" E tudo que existe é a política. Na mesma época instalou- ; história, da Bíblia às grandes famílias islandesas e aos heróis

5:V" se o que o sociólogo alemão Norbert Elias chamou de "civili- metade-históricos metade-lendários da ilha; a Noruega, ondezação dos costumes"." Um livro de um grande teólogo e sábio

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"Nascido em Flandres, em data incerta no fim do século XI, tor-nou-se um verdadeiro parisiense como mestre da abadia de Saint-Victor, condição em que morreu (1141). Autor de várias obrasdidáticas. (N. do T.)

7N. Elias, La civilisation des moeurs (tradução francesa), Paris, Cal-rnann-Lévy, 1973.

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conversão; de outro lado, eles são protegidos, na ausência dechefes políticos ou religiosos saídos de suas fileiras. JoC, ~

Também houve mudança no domínio da sexualidade. N o .p~ \J ~ ~ '

século XIII, estabeleceu-se firmemente a instituição do casa- \ ::s <fmento cristão, monogâmíco e indissolúvel, completada naprática pela obrigação da publicação dos banhos matrimoniais

IJHISTOIRE: O senhoréalou do combate contra os pagãos. nas igrejas (imposta pelo concílio de Latrão em 1215); ao, Essa bela Idade Média é também a das Cruzadas... mesmo tempo, aumenta a perseguição aos homossexuais.

~ ~)? ]ACQUES,LE GOFF: De .fato, é preciso evocar a parte de ~ ~ ~~ C~rtam.ente, a ~o~d~nação do homossexualis~~ remon~a ao~ ,~sombra do seculo XIII - ainda que as tropas para a cruzada ~ princípio do cnstiamsrno, mas a alta Idade Média (do seculo

~ • i ~\:. tenham a tendência de se exaurir. O historiador inglês Robert ~ QC;::::~ 'Vao século X) tinha sido tolerante a esse respeito. Pode-se~) '(, O-- Moore não hesita ~m definir esse pe.rí~do como,o do nasci- '>\\\\ - ~\ x : mes~o falar numa ~'cultura gay" cristã na pr~meira meta.de'. mento de uma sociedade de perseguição." Nos seculos XII e ~"~~ do seculo XII. No seculo XIII, com a elaboração do conceito

~ ~. ~XIII,a cristandade tomou consciência de suas conquistas. Daí de prática antinatural, concomitante com a revalorização da\ I ~ (f-Jr:!f em diante a tendência é defender seus territórios, repelir tudo natureza, e a assimilação da sodomia à homossexualidade) a'-\..~ CJ que pudesse perturbá-Ia, tudo que pudesse pôr em perigo sua perseguição aos homossexuais torna-se mais viva.l?

pureza. Mas o que irá perturbar a pureza e o saber da cristandadePrimeira ameaça: os judeus. Entre judeus e cristãos a con- é sobretudo a heresia. Ora, no correr do século XII os here-

vivência durante muito tempo foi pacífica. Uma primeira onda ges se multiplicaram e, no início do século XIII, tornaram-sean:iju~ia se manifestou no fim do século XI, por ocasião da~ 'l\ \~"~m dos principais, sen~o o principal problen:a ~a Igr.eja..R~-primeira Cruzada, com os pogroms que os cruzados executa- F correram então a Igreja e os governantes cnstaos a mstitui-ram na Europa central. Os judeus se tornaram no século XIII ~ i'r L" ções e métodos que, aos olhos da história, representam os "-uma pedra no sapato da cristandade, mas é no século XIV que ~ ~. maiores problemas surgidos na bela Idade Média. Principal- 1- ,\-,-5 \~Z?ca

irá se ampliar o recurso à persc:gujção e à expulsão. O século ~\"'I~\ç::.. mente a instauração, em 1233, de uma nova instituição judi-XIII é mais tolerante nesse ponto. São Luís encarna bem as ~i\. M \;;.~'ciária consagrada à luta contra a heresia, a Inquisição, quehesitações dos cristãos diante dos judeus: de um lado, há sua !V" I ~ pratica amplamente a tortura, por longo tempo reservada aospolítica antijudia, com a luta contra o empréstimo a juros pra- I escravos.ll Multiplicam-se as fogueiras de hereges. Se a luzticado pelos judeus, e há o lançamento de uma campanha de I ilumina as catedrais góticas, a vermelhidão das fogueiras man-

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se elaborou um tratado sobre o rei ideal; os países eslavos ehúngaros, que funcionaram como diques em relação aos pa-gãos do Leste (prussianos, lituanos, curnanos),' todos fazemparte dessa bela Europa, tanto quanto a França ou a Sicíliados reis normandos ou do imperador Frederico lI.

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Spovo nômade originário da Sibéria ocidental e estabelecido no sécu-l<, 10 XI no sul da Rússia.

9R,I. Moere, La Persécuticn. Sa [ormation en Europe, X<-XII' siêcle(tradução francesa), Paris, Les Belles Lertres, 1991.

lOCf. J. Rossiaud, "Cornrnent l'Êglise a mis les sodornires hors h loi"["Como a Igreja pós os sodomitas fora da lei"), entrevista, "LesCollecuons de L'Histoire", n. 5, p. 5J-G3 .11Cf. dussiê L'Histoire, n. 259.

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r',,.r--'-UMA LONGA IDADE MÉDIA.>

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// cha O brilho da bela Idade Média. O século XIII, portanto,como o sol de Paul Valéry, gera "une rnorne rnoitié" ["umasombria metade"], uma parte de sombra.

eHISTOIRE: O que muda nos anos 1260?jACQUESLE GOFF: A bela Idade Média começa então a se

esboroar. Isso se nota no próprio espaço em que ela melhorse afirmara: ~de se mult~cam greves de traba-lhadores e -revoltas dos pobres. A explosão demográfica per-de o fôlego, na lavoura a e~ão das culturas estaciona, osgovernos se perturbam, os canteiros das catedrais não maisavançam. Se os hereges foram mais ou menos contidos oureprimidos, os judeus estão aí e começam as expulsões, ospogroms. Por fim, no início do século XlV, a fome volta comtoda a força.

Finalmente, a bela Idade Média perderá até sua capital,Roma, onde o jubileu de 1300 foi o fim do belo século XIIIreligioso, os papas abandonaram sua cidade por Avignon, em1309, diante da agitação da população romana. 12 De qualquermaneira, foi durante ess-ebelo século XIII que eles lá construí-ram os palácios que encarnam seu poder."

rHISTOlRE: Florescimento das catedrais góticas, fundaçãoe sucesso das ordens mendicantes, poder dos papas, atémesmo, em sua versão sombria, Cruzadas e a Inquisição: oséculo XIII é também o triunfo do cristianismo?

120 papa francês Clemente V, eleito em 1305, estabeleceu-se emAvignon em 1309. A partir di: 1378, houve dois papas: um em Roma,outro em Avignon, Foi o grande cisma, que teve fim em 1417 e defi-nitivamente em 1439.lJCf. Agostino Paravicíni Bagliani, La cour des papes au XlIl'siecle [Acorte dos papas no século XIll], tradução francesa, Paris, 1995.

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jACQUESLEGOFF: Dos sacramentos erigidos em setenário S~c.< x.\ \ \. v

(os sete sacramentos) aos impostos (dízimos) cobrados em toda \?é>~'_.' ~a cristandade, a Igreja, com o reforço do poderpontífício, ~~i:'S:>,-;~~~dórnina mais do que nunca a cristandade. Graças às ordens . ,

.r-\-; r mendicantes em particular, entretanto criticadas por !ua1)6uintrusâo em todos os negócios dos cristãos, os homens e as ~ " i ,~ mulheres da bela Idade Média conhecem um ambiente religioso,..j<t' Xill \ ~ (

'~f'\:'P firme e rico. A instauração de festas como a de Corpus Christí j_~ -k- (~ ~rf>\~imboliza um avanço daliturgia. O concílio de Latrão IV !f.-p{)

f\... &r.r;~~e~ 1215 impõe a comunhão anual a todos os fiéis dos dois.f &-~:~~~\PI 'Iv sexos a partir dos 14 anos. No século XIII, os cristãos se con- G.tfo))ç; ~'

fessam e comungam; também praticam as obras de misericór-e

,,:r- . \ Jdia, form: a partir de então codificada da caridade cristã. c':')(~:.~: ;

Tambem as crenças evoluem. Por um lado, os homens do ~. ;":-~_"t;.,;_. , ~:::J:~~;};. ~

século XIII lançamum novo olhar sobre o Cnsto, que e me- -nos o Cristo glorioso da Ressurreição do que o Cristo sofredorda Paixão. A bela Idade Média, Philippe Ariês compreendeubem isso," suavizou a morte. Por um outro lado, o culto marialtornou-se objeto de um fervor excepcional. Por fim, a Trin-dade (o Pai, o Filho, o Espírito Santo) começa a entrar nadevoção cotidiana dos cristãos. O politeísmo latente, que,acredito, existiu no fundo das crenças a despeito da firmemanutenção do dogma monotefsta pela Igreja, desapareceusuavemente.

Seguindo o modelo das cortes terrestres, as cortes celes-tes se enriqueceram para se debruçar mais sobre os cristãoscá de baixo: os valores do Céu desceram sobre a Terra. Demodo que essa nova região do Além, o Purgatório, surgída nasegunda metade do século XII, é definida pelo cisrercienseCesário de Heisterbach, no início do século XIII, como uma

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r 14Ph. Ariês, llbomme deuant ta mort, Paris, Le Seuil, 1977.

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esperança para os cristãos: as almas podem ser libertadas doPurgatório graças.aos sufrágios dos humanos apresentados aDeus."

Todos os homens do século XIII certamente são cristãos.Mas, sem deixarem de ser animados pela fé e pela espera dasalvação eterna, podem a parti.~d~l esperá-Ia investindo naterra. De certa maneira, a bela Idade Média é a prefíguraçãoda salvação na terra.

(Héloise Kolebka passou este diálogo 'para o computador.)

ISJ. Le Goff, "Du ciel sur Ia terre: Ia mutation des valeurs du XII" auXIII· slecle dans l'Occident chrétien" em Histoire du Moyen Age, JeSatnt et 'lI Roi, Paris, Galllmard, "Quarto", Z004, p. 1263·1287. J.Le Goff, La n~issance du Purgatoire, Paris, 1981, republlcado em Unautte Moyen Age, "Quarto", 1999, p. 771-1231.

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