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Janela ou corredor

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livro da mazinha

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Obrigada ao meu pai, pelo incentivo à leitura desde pequena. Por ter comprado Acorda, Rubião, tem fantasma no porão e iniciado meu carinho pela literatura. Obrigada também pela revisão gramatical, sem a qual este (ou seria esse?) livro estaria um fracaço.

Obrigada à minha mãe, pelas palavras carinhosas e pelo incentivo.

Obrigada aos meus amigos, por me apoiarem. Em especial:

Ao Pabblo, a quem eu devo todo este livro. Obrigada pela paciência, por garantir que ninguém ia rir da minha cara, por não ter tido ciúmes do meu laptop, por querer tanto quanto eu que isso desse certo, por sua criatividade, pelas críticas sempre pertinentes - aquele sapato que eu atirei na sua cara era brincadeirinha -, pelos conse-lhos, por ter lido e comentado as crônicas inf initas e insuportáveis vezes. Você tem todo o direito de jogar este livro longe. Obs: Para aqueles que acham que nada pode ser pior que uma tpm, experimente namorar alguém que esteja escrevendo um livro.

Ao João, pela contribuição, e por ter sido bonzinho com as críticas, o que def initivamente não combina com a sua personalidade.

À Mari, pelos elogios, o que def initivamente combina com a sua personalidade.

À Fê Mujica, pela capa, ilustrações, diagramações e talento. Sem ela isso aqui estaria um caos visual.

À Gabriela Freitas, por aceitar orientar um projeto maluquinho e organizar minha cabeça mais maluquinha ainda. A orientadora mais fofa e inspiradora que eu poderia ter.

Agradecimentos

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Para sempre e ternamente,minha mãe.

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IndíceCheck in

A orelha da minha vida

A noite é uma criança

Sobre as festas de família

Dr. Google

Enquanto o seu lobo não vem

Tombos que a gente não esquece

Uma voltinha no shopping

Política da boa vizinhança

Teresinha e Carolino

Carta para ele

Pout Pourri Nonsense

Coma mais bacon

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IndíceInício meio e f im

Divórcio

Preferência nacional

Nostalgia barata

Feliz dia das crianças

Piu piu sem Fragola

A primeira carona a gentenunca esquece

Façam seus pedidos

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- Preferência de assento? - Janela, por favor.

É tudo uma questão de postura. Para escrever este livro, eu optei pela janela. Experimentei olhar para o lado e observar o cotidiano, extraindo dele as suas incertezas, neuras e loucu-ras. Sentar-se na janela é tentar encontrar o divertido no corriqueiro, é se preocupar mais com a paisagem do que com o destino f inal.

Se você embarcar, saiba que talvez não chegue a lugar nenhum: minha única pretensão é que você se divirta no caminho.

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Ao embarcar, apresente umdocumento de identif icação

Identidade: 1. Estado do que não muda, do que f ica sempre igual. 2. Conjunto de características e circunstâncias que distinguem uma pessoa e graças às quais é possível individualizá-la.

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A orelha da minha vida

Eu não leio as orelhas dos livros. Deixei de fazer isso depois que li um livro incrível (ignorando a orelha) e uma das viradas da história que eu mais gostei – adivinhem! – descobri mais tarde que já estava prevista na orelha. As orelhas são aquelas amigas fofoqueiras que acabam nos contando mais do que deveriam, e pior: dão uma de sabe-tudo, muitas vezes querem aparecer mais que a própria história. Veja bem, se você fosse saber a história da minha vida por uma orelha, ela seria mais ou menos assim: Mariana, 22 anos, um metro e meio - o que a exclui do grupo dos convencionais. Nasceu em Belo Horizonte, e por forças externas (também conhecidas como “o trabalho do meu pai obrigou a todos nós”), foi morar em Natal. Depois de seis meses, foram transferidos para Brasília. Depois São Paulo, Brasília novamente, São Paulo. Finalmente, retor-nou a Brasília pela última vez, e aqui está até hoje. Graças a Deus. Cada mudança era um drama terrível. Af inal, uma pré-adolescente se separar de suas “melhores amigas para toda a eternidade” e ir para um lugar totalmente estranho (leia-se: outra escola), era algo bem parecido com a morte. Mãe, eu nunca mais vou ser feliz. Apesar desse sofrimento todo, hoje ela vê que não tem coisa melhor que passar por tantas experiências diferentes. “A gente acaba f icando mais madura, cara-de-pau, atirada para a vida”. Ok, Mariana está mentindo. Ela ainda possui alguns (muitos) resquícios de timidez. Não sabe cumprimentar as

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pessoas direito, tem dor de barriga antes de entrevistas de emprego e ensaia um olá prazer no espelho antes de conhecer a sogra. Sua frio ao falar em público. Não sabe fazer pergunta em voz alta na sala (a última que ela fez deve ter sido posso ir ao banheiro? em 1997), não sabe dar seminário sem papelzinho na mão. Mariana é ansiosa, agitada, elétrica. Odeia perder tempo. Sabe aquelas pessoas que conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo? Pois bem. Ela, de forma diferente, quase que só consegue fazer uma coisa se estiver fazendo outra também. Mariana entrou na UnB em 2007, comunicação, publicidade. Se ela gosta do que faz? Gostava. E muito. Hoje Mariana está em crise: quer qualidade de vida, quer f im de semana, quer menos stress. Trabalhou como redatora a maior parte do tempo enquanto esteve na faculdade, e agora no seu último semestre se pergunta: “O que mais eu posso fazer dentro da publicidade? Antes de ser publicitária, sou comunicadora, oras!”. É, Mariana está em crise, salve-se quem puder. Mas como toda crise rende bons frutos, Mariana decidiu escrever um livro. Af inal, ela pode até ter perdido a paixão pela redação publicitária, mas nunca pela escrita. Bem, essa é a minha orelha, que, claro, não chega nem perto da verdadeira história da minha vida. Mas eu diria que é um bom prefácio.

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Soneca nas alturas

Sonhos:1. Tráfego de informação sem sentido que tem por função manter o cérebro em ordem. 2. Conjunto de imagens, pensamentos ou de fantasias. 3. Sequência de ideias soltas às quais o espírito se entrega; devaneios.

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Obrigada ao meu pai, pelo incentivo à leitura desde pequena. Por ter comprado Acorda, Rubião, tem fantasma no porão e iniciado meu carinho pela literatura. Obrigada também pela revisão gramatical, sem a qual este (ou seria esse?) livro estaria um fracaço.

Obrigada à minha mãe, pelas palavras carinhosas e pelo incentivo.

Obrigada aos meus amigos, por me apoiarem. Em especial:

Ao Pabblo, a quem eu devo todo este livro. Obrigada pela paciência, por garantir que ninguém ia rir da minha cara, por não ter tido ciúmes do meu laptop, por querer tanto quanto eu que isso desse certo, por sua criatividade, pelas críticas sempre pertinentes - aquele sapato que eu atirei na sua cara era brincadeirinha -, pelos conse-lhos, por ter lido e comentado as crônicas inf initas e insuportáveis vezes. Você tem todo o direito de jogar este livro longe. Obs: Para aqueles que acham que nada pode ser pior que uma tpm, experimente namorar alguém que esteja escrevendo um livro.

Ao João, pela contribuição, e por ter sido bonzinho com as críticas, o que def initivamente não combina com a sua personalidade.

À Mari, pelos elogios, o que def initivamente combina com a sua personalidade.

À Fê Mujica, pela capa, ilustrações, diagramações e talento. Sem ela isso aqui estaria um caos visual.

À Gabriela Freitas, por aceitar orientar um projeto maluquinho e organizar minha cabeça mais maluquinha ainda. A orientadora mais fofa e inspiradora que eu poderia ter.

A noite é uma criança

Era meia-noite. Acordei, olhei para o relógio e, não sei por quê, enxerguei 6 da manhã. Bateu o desespero. Nessa época, estava no terceiro ano do segundo grau e ia de van para a escola. Ou seja: não podia me atrasar de jeito nenhum. Levantei assustada da cama, com aquela sensação terrível de quem acorda atrasado e comecei a me arrumar. Fui rápida e precisa na hora de vestir o uniforme, arrumei o meu material, peguei a minha barrinha de cereal (também conhecida como isopor em barra) na dispensa e desci. Quando cheguei embaixo do bloco, achei bem estranha a falta de movimentação na rua, mas né, vai entender Brasília. Também f iquei meio impressionada com a escuridão, mas né, vai entender o horário de verão fora de época. E foi bem ali, com meu material escolar e minha barrinha de cereal, que eu f iquei por uns cinco minutos. Meia noite, sozinha, embaixo do bloco. E foi exatamente depois dos memoráveis cinco minutos que eu fui me tocar – que merda eu tô fazendo aqui? – da besteira que eu havia feito. Tive que ligar para o meu pai pedindo para ele abrir a porta da entrada do prédio, já que o porteiro, claro, estava dormindo. Foi um pouco complicado para papai entender o que estava acontecendo, uma vez que não é todo dia que sua f ilha aparece vestida de uniforme com cara de Einstein assustado no meio da madrugada. A verdade é que ter um sono tranquilo nunca foi meu forte. Eu sou do tipo que se tira um cochilinho a tarde, acorda achando que está na Revolução Russa e precisa fazer

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a barba. Completamente desnorteada. Mas durante a noite a coisa é pior. É aí que o sonambulismo ataca. Na maioria das vezes, sonho que estão me deixando presa em algum lugar, e, quando acordo, estou tentando abrir a primeira porta que eu vejo pela frente (geralmente a do armário) em busca da liber-dade. Eu já acordei caída no meio do quarto sem saber como tinha ido parar ali, já tive crises incontroláveis de riso dormindo, já falei coisas como “o pão de queijo é o meu herói”, intercalando o português com o latim. Mas o pior mesmo da minha noite nem é o sonam-bulismo. É a tendência rotineira que eu tenho de acordar às 4 horas da manhã lembrando de todos os meus problemas. E como disse Martha Medeiros, na madrugada “qualquer unha encravada vira câncer terminal”. É desesperador. Além de microproblemas se transformarem em dramas da humani-dade, você se lembra de todos os seus compromissos justa-mente na hora em que não pode resolver nenhum. Aliás, deve ser por isso que minha mãe acorda com uns doze post its na cabeceira (que antes de ela ir dormir ainda não existiam). Parece que tem alguém que sofre do mesmo mal. Tirando o sonambulismo e os problemas noturnos, eu ainda sofro com os sonhos bizarros. Sabe quando a gente era pequeno e sonhava que estava pelado na escola? Pois bem. Eu sonho até hoje. Só que dessa vez eu estou em uma f ila do self service e de repente, pluft: lá estou eu pelada com o prato na mão. Pior é quando eu estou em uma reunião de negócios, e todos me olham com preconceito, pensando: “isso

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não é lugar de gente pelada”. Ou quando sonho que estou pelada dentro do meu próprio quarto, quando ele é invadido pelos bananas de pijamas. Vida difícil essa minha durante a madrugada. Aliás, parênteses: o que são os mosquitos à noite, senão represen-tações f iéis do diabo na terra? Eu tenho certeza de que existe uma balada noturna para mosquitos maiores de 18 anos, responsável por deixá-los bêbados e doidões. Assim que a balada acaba, eles vão para a nossa casa com um único intuito: causar. Eles chegam cambaleando, trazendo um ou dois amigos-mosquitos-doidões também. É aí que você acorda com um zunido desgraçado, e é tomado por uma súbita vontade de esfaquear o inseto bêbado. Fecha parênte-ses. Mosquitos à parte, o importante é que não sou só eu que tenho uma vida agitada na madrugada. Resolvi escrever essa crônica porque recebi o telefonema de uma amiga minha contando que sua mãe, no meio da noite, pediu para dar nela um beijo de despedida. - Por que, mãe? - . A resposta? - Estou indo para Marrakech com a Mari, sua amiga - . Bem, Mari sou eu. E eu não sei nem onde f ica Marrakech.

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Sobre as festas de família

Você chega na festinha e já dá de cara com a Tia Surdinha, que morreu há uns 10 anos e esqueceram de avisá‐la. É impossível estabelecer qualquer tipo de comunica-ção com ela, mas mesmo assim você tenta ser simpática. Ela não escuta absolutamente nada do que você fala, mas insiste em te fazer perguntas. Você grita como se as duas estivessem na balada. Ela continua não entendendo. E aí chega o Tio Tradução Simultânea: “Ela tá dizendo que estava com saudades, mamãe”, em um tom de voz absolutamente normal. E não é que a danada entende? Você entra no ambiente, cumprimenta todos. Tem sempre o Tio Jacu que em vez de te abraçar estica logo o braço sugerindo um aperto de mão. Dez anos que você não vê o sujeito e esse é o máximo de afeição que ele consegue chegar. Não teria nenhum problema, se antes disso eu não tivesse partido para um abraço amoroso, e só depois sentido o seu braço na minha barriga. Ops. E agora vem a Tia Entendida e te pergunta qual curso você está fazendo. “Publicidade”, você diz, e ela faz uma carinha ótima: “Publicidade? Bacana! A prima da amiga do marido da Martinha também faz e adora”. Sei. Se eu falasse que meu trabalho é “Cheirar pum em museus paleolíticos” ela diria o mesmo. Mas nada barra a Tia Bebeudemais: enquanto estão todos na sala, ouvindo a mãe de Marquinhos falar como ele tira boas notas no colégio, ela vem da cozinha com um copinho na mão e chama todos para dançarem. Ninguém vai.

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Ela dança mesmo assim. Até aí, tudo ótimo, vamos assistir à Tia Doidona. Só que nessa hora ela te puxa, como se você estivesse na mesma sintonia alcoólica que ela, e faz você dançar junto. Está tocando Eu perguntava Do you wanna dance? e ela te gira como um Pião da Casa Própria. Quando f inalmente servem o jantar, você tem moti-vos para começar a gostar daquilo ali. São seus vinte minutin-hos de paz, em que todos se calam. Pego o meu pratinho tranquila e sento em um canto isolado. O silêncio e a calmaria só são interrompidos pelo Tio Engraçadinho, que não deixa nada passar batido: “Segundo prato, já? Tava com fome, hein?!”. Muito obrigada pela discrição. Se você pensa que a Tia Bebeudemais foi embora, está enganado. Depois do jantar, ela chama todos para uma rodinha de violão. Só que agora ela já tem a credibilidade de meia dúzia de Tias Bebeudemais Também, que adoram a ideia. Pronto. Em questão de minutos, todos começam a cantar como se não houvesse amanhã. E a Tia Bebeudemais se emociona. Lembra da Tia Gertrudes, que já não está mais entre nós. Chora. Faz discurso. “Tia Gertrudes, nós te amamos”. E chega a hora da foto. Um dos momentos mais críticos, com certeza. Você não tem tempo para checar o cabelo, muito menos conferir a maquiagem. “Digam eu adoro abacaxi”, fala o Tio Engraçadinho, e logo depois vem um f lash. Você sai vesga, com couve no dente e falando, mas é

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aquela foto que vai ser emoldurada na casa da Vovó e f icar para a posteridade. Valeu! Na hora de ir embora você não sabe por que, mas f ica com o coração meio apertado. Deve ter sido a melanco-lia pós‐álcool da TiaBebeudemais que contagiou a todos. “Eles são doidos, mas são minha família”, pensa você. Todos fazem um coro de “Fica mais!”, vai começar a sessão fotos antigas. “Eu é que não f ico para me ver de aparelho e óculos no telão”, diz você. Você se despede de um por um, e Tio Jacu vem te dar um abraço amoroso. Pensando bem, você pode f icar mais um pouquinho.

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Dr. Google

Hipocondríaco: indivíduo que apresenta medos e preocupações fortes com a ideia de ter uma doença grave, assim como o temor irracional da morte.

Hipocondríacool: indivíduo que não suporta esperar por uma consulta médica (ou tem preguiça mesmo) e joga todos os seus sintomas no Google, também conhecido como Pai, à procura de uma resposta. Em seguida, ele passa a apresentar medos e preocupações fortes com a ideia de ter uma doença grave, assim como o temor irracional da morte. Você está com uma sensação esquisita na mão há algum tempo, e tem notado que ela andou meio inchada de uns dias pra cá. Nada muito grave para ir ao médico, mas, por precaução curiosidade, resolve compartilhar o que você está sentindo com Google, o Pai. “Formigamento + dormência + inchaço + mão”; enter. Pois bem. É aí que a merda começa. Primeira suspeita: elefantíase. Segundo o Google, os principais sintomas da elefantíase são: “dores sem motivo aparente no membro afetado (mão é membro, num é? Socorro Deus); calafrios (subitamente você tem uns dois ou três); aumento de volume no membro afetado”. Nesse momento você já está vesgo, com a visão turva, não consegue enxergar mais nada do que vem adiante. Como é que eu vou contar para minha família que eu estou com elefantíase? Como pude deixar a minha saúde chegar nesse estado? Eu deveria ter procurado um médico logo no começo. Você começa a respirar fundo e pede

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pede calma para si mesmo. Mas não se aguenta e resolve pôr “elefantíase” no Google Images. Pois bem. É decretada a sua sentença de morte. São necessárias apenas duas fotos para sua pressão cair e você não parar de pensar em como isso foi acontecer justamente com você. Você quase vai até a cozinha arrancar sua mão fora, em uma tentativa desesperada de cortar o mal pela raiz. Quando resolve olhar para a sua mão novamente, só consegue enxergar uma patinha de elefante. A morte nunca esteve tão perto. Como é que eu vou ficar com alguém tendo elefantíase? Oi, tudo bom, você não me conhece, mas eu tenho elefantíase e posso te fazer muito feliz. Me adiciona lá no Orkut, eu tô na comunidade “elefantíase não se pega, se conquista”. Arrumar um emprego? “Cinco por cento das vagas deste concurso são destinadas aos portadores de elefantíase”. Viajar? “Em caso de emergência, máscaras de oxigênio cairão sobre quem tem elefantíase”. Segunda suspeita: infarto. Sintomas: dormência, dor no peito (eu tenho sentido umas pontadas, não tenho?), sudo-rese (eu poderia nadar sobre as águas que caem do meu pé agora), falta de ar, palidez e você já começa a sentir saudades de quando tinha elefantíase. Infarto é aquele negócio que metade do corpo f ica paralisado? (meu braço está tão duro e imóvel que eu poderia pendurar todas as minhas roupas nele). Ou isso é derrame? Derrame no Google: “Os sintomas mais comuns do AVC são: dif iculdade para falar, perda de força dos membros, boca torta e alterações na visão”. Boca torta. Você não consegue ler mais nada depois disso. Sua boca está

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torta, não há dúvidas. Você se olha no espelho, e sua boca nunca esteve tão torta em toda a sua vida..Você tenta pronun-ciar uma ou duas palavras, e sua voz sai f ina como a de um pato manco. Você está tendo um derrame, chamem uma ambulância pelo amor de Deus. Calma, calma, você precisa ouvir outros médicos. Terceira suspeita (nesse momento você está segu-rando sua boca em frente ao computador, tentando discreta-mente não deixá-la torta): Perda de sensibilidade na mão. Você se vê batendo a mão descontroladamente na mesa do computador, no próprio computador, e na sua cara, como um ato de desespero. Você não sente mais nada: foi-se embora toda a sensibilidade de outrora. De repente sua mão f ica como uma maria mole e você perde todo o controle sobre ela, que já não te obedece mais. É um ser com vontade própria, fazendo movimentos estranhos. Você automatica-mente digita minha mão tá alucinando e o Google responde: você quis dizer minha mão está gangrenando? Você sua frio. “A gangrena pode aparecer subitamente (estou vesgo), e tem como sintomas: dor; arrepios; pele branca, azulada e depois negra”. Quem está negra nesse momento é a sua alma. Como é que trata essa bosta? Como+curar+gangrena. Você quase manda um email para drauziovarella- @tonamerda.com em busca de uma resposta. Você está deitado na cama, semi desmaiado, mais branco que um queijo minas. O que foi que eu fiz para merecer tudo isso, Deus, o que foi que eu fiz. Você precisa contar para a sua família que sua mão vai cair, mas como? Não vai ser fácil. Você toma coragem e

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mãe, o negócio é que minha mão está gangrenando e parece que em breve eu vou ter um infarto. Só que ela não presta atenção em nada do que você está falando, só consegue olhar para o computador dela, com uma cara de terror e pânico. MÃE, EU NÃO TENHO MAIS NENHUM DIA DE VIDA! Pela primeira vez, ela ouve o que você está dizendo, e diz eu também, meu filho, eu também. Você f ica sem entender, e resolve olhar para o seu computador. A página do Google está aberta e na busca brilham as palavras Dores + no + joanete.

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Enquanto seu lobo não vem

Às vezes eu me pego sofrendo de um mal terrível: o grande problema de estar sem problema nenhum. Sua vida está uma maravilha, está tudo (surpreendentemente) dando certo e você para, pensa, e chega a uma importantíssima conclusão: já já vai dar merda. É claro que vai. A última vez que esteve tudo tão lindo assim você teve pedra nos rins. A última vez que você foi muito bem em uma prova, descobriu mais tarde que passou errado as respostas para o gabarito. A última vez que você marcou a viagem dos seus sonhos, pegou insolação no primeiro dia. Meus amigos, apresento-lhes a teoria que tarda, mas não falha: a teoria do lobo mau. A teoria é o seguinte: se tudo estiver dando certo demais, aguarde: aí vem bomba. Isso me assombra sempre quando eu f ico sem problemas – parece que eu estou sendo feliz apenas enquanto o seu lobo não vem. Quando estou tranquila demais, sem o que me preocupar, eu começo a pensar não só na morte da bezerra, mas na minha própria, na dos meus pais, e lá se vai minha tarde sem preocupação. Cabeça vazia, oficina do diabo. Por isso, valorize essa cárie que faz você passar metade da semana no dentista, essa bronca que você recebeu do seu chefe, porque, se não fosse por esses probleminhas, você estaria se questionando qual o sentido da vida, se tem Bigmac sem picles no céu, etc. É melhor uma cárie na mão do que uma cabeça voando. Teoria do lobo mau aplicada a relacionamentos: o namoro está perfeito, seus pais gostaram dela, ela te faz rir.

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Até o dia que ela solta o “preciso conversar com você”. Olha o lobo mau chegando aí, gente! Teoria aplicada a trabalhos: Você fez o trabalho mais incrível de todos os tempos, nunca se dedicou tanto para um seminário da faculdade. Pois eis que chega o dia da apresentação e tcha-ram, o Power Point mimadinho se recusou a mostrar a sua apresentação. Dá-lhe lobo mau. Festas? Você está magra, linda e reluzente. Seu vestido é lindo e pela primeira vez nos últimos 6 anos sua franja resolveu colaborar. Você não entende como pode estar se sentindo tão bem, até chegar na entrada da festa e lembrar que esqueceu de passar o desodorante. A teoria se aplica a tudo. Mas nem tudo está perdido. A parte do vai dar merda você tem que acreditar em mim, porque mais cedo ou mais tarde, vai dar. Só que, como boa conhecedora do lobo mau, já aprendi: a maioria dos desastres não acontece com aquilo que você tanto se preocupa. Lembra da voz de Pedro Bial, em f iltro solar, dizendo que “As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, e te pegam no ponto fraco às quatro da tarde de uma terça feira modorrenta”? Pois bem. Daí tiramos duas lições: a primeira é buscar no google o que signif ica modorrenta. A segunda é saber que o lobo mau vai te visitar hora ou outra, porque a vida é feita de altos e baixos mesmo. Só não adianta f icar matutando que dia e que horas ele pode chegar, já que na maioria das vezes ele quer é te surpreender.

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A diferença dos felizes para os infelizes não é nem a frequência com que o lobo mau os visita, e sim a intimidade estabelecida com ele. Tem os que acreditam que a felicidade eterna é possível sim, e os momentos de lobo-mau são apenas... momentos. E há os que acreditam na infelicidade plena, e os momentos de felicidade são apenas momentos. Por mais paranoica e confusa que eu f ique com essa história de o lobo mau vem aí, olê olê olá, tento me manter no primeiro grupo. Tento tratar o lobo mau não como um velho conhecido, e sim como aquele parente chato que volta e meia bate na porta, mas que, graças a Deus, acaba indo embora. É só escolher entre sentar no trono do apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar, como diria Raul Seixas, ou ir passear no bosque, enquanto o seu lobo não vem.

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Tombos que a gente nunca esquece

Cair em público é que nem tomar vacina: cada um tem uma reação diferente. Depois da queda, uns tentam f ingir que nada aconteceu, outros dramatizam o tombo para serem motivos de preocupação e não de chacota (exemplo: simular desmaio), outros f icam indignados. Esse último é o que eu mais gosto de presenciar, porque não bastasse o sujeito ter se estatelado todo no chão, ele ainda olha em volta procurando o culpado, como se dissesse: quem foi o babaca que colocou esse buraco aqui? Quando eu caio, forjo logo um sorriso, que signif ica: não doeu (mentira), achei engraçado (mentira), e ainda sou uma diva (mentira). Lembro quando eu tinha 12 anos e descia a escada principal do colégio. De repente, meus pés perderam o chão de vista. Em menos de segundos, eu sobrevoei (sim, voar é possível, acredite) a metade da escada que ainda faltava e caí deitada, com a cara no chão. Lembro do “oooh” coletivo e dos olhares assustados. A pior parte foi levantar e sair catando os objetos arremessados a kilômetros de distân-cia – nessa hora é que a lancheira quebra, o f ichário abre, os papéis e as maçãs voam. Depois de pegar tudo (com um sorriso amarelo no rosto) olhei para o relógio e saí correndo. Do tipo “desculpem, estou com muita pressa, até mais”. Humilhação pura, dignidade zero. E esse foi só o começo. De lá para cá, já caí sentada, de quatro, de cara, de lado. Eu torço meu pé até quando estou de chinelo – e não há nenhuma explicação física para isso. O que eu considero pior são os famosos “tropicões”, em

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que a gente faz a dança do samba lelê da nega maluca, mas não chega a cair no chão. Ou seja: não machuca. Não provoca pena. Você tem é que manter a pose e seguir em frente, porque não tem ninguém preocupado: apenas rindo de você. Eu confesso que tenho um fascínio incrível por tombos (dos outros). De algum jeito, eles me mostram que no f inal das contas, todo mundo é igual. Atire a primeira pedra quem nunca bateu a cara no vidro achando que era passagem. Quem nunca caiu sozinho no quarto, seja tentando colocar a calça de quando era 5kg mais magro ou escorregando no banho. Os rostinhos bonitos? Caem. Os sarados? Também caem. Os bem sucedidos? Idem. Tombos são quase como niveladores sociais: ninguém escapa. Mas os tombos que eu realmente não esqueço são os tropeções cotidianos. Uma decepção amorosa daqui, uma crítica maldosa de lá. Aquela vaga de emprego que te recusa-ram, aquele “amigo” que insiste em te passar a perna. São rasteiras que a vida nos dá quase que diariamente. Pode estar tudo às mil maravilhas, mas basta um pequeno tropeço e pronto: saímos do sério. Só que sem essas rasteiras, acredite, não seríamos como somos. Não amadureceríamos. Esses tombos, que a princípio nos enfraquecem, são os grandes responsáveis por nosso crescimento. É o “sofrer para crescer”de Nietzsche: sofrer enobrece. Não é um confor- mismo tolo, mas f ilosof ia de vida.

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Todo mundo cai? Sim. O que nos difere é como cada um se levanta.

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Uma voltinha no shopping

Eu não posso negar: quando escuto o “retire o seu ticket e boas compras” sinto vontade de tirar a blusa e girá-la no alto. Dá até um frio na barriga, parece que eu apertei o OFF do mundo real e acabei de entrar na minha própria Disneylândia. Ah, os shoppings. Tem mulher que gosta de ir ao shopping com as amigas. Eu não. Primeiro porque eu sou facilmente corrom-pida: acabo contagiada pelo “olha que lindo!” da amiga e quando chego em casa percebo que o vestido que eu com-prei f icaria ótimo para gravar um clipe com o Amado Batista. Segundo porque quando quem me acompanha está fazendo compras também, sempre acho que as escolhas dela foram melhores que a minha. Eu f ico horas dentro de uma loja sem achar algo que preste e quando eu vejo ela está com nove blusas na mão, que agora eu acho lindas também. A única que sempre me acompanha é a Lady Murphy. Quando eu vou ao shopping atrás de algo específ ico, como um sapato, por exemplo, as lojas estão vendendo até periquito de peruca, menos sapatos bonitos. Quando eu vou atrás de um presente – sem tempo de olhar nada para mim – as vitrines parecem brilhar de tão convidativas. Atire a primeira bolsa quem nunca foi comprar um presente para a amiga e voltou para casa com três blusas – e sem o presente. Agora deixa eu te dar uma dica: se você quiser que uma loja entre em liquidação, me avise e eu te ajudarei. É só eu ir lá comprar alguma coisa que na semana seguinte a loja inteira estará 70% off, eu garanto. Maldita Lady.

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Tem mulher que gosta de ir ao shopping só para dar uma voltinha mesmo, conferir as vitrines. Santo Deus. Também não sou assim. Olha, se estou sem dinheiro, que me tranquem em casa, no banheiro se for preciso, mas não me levem para o shopping. Não que eu seja do tipo gastadora-compulsiva que não consegue se controlar, pelo contrário: chego a ser murrinha. Mas, sair de casa para f icar apreciando, sem poder tocar, cheirar, levar? De tortura já basta minha depilação de todo mês. Se for para f icar só olhando, me leve para um museu. Tem também, claro, as mulheres que não suportam shopping. Costumo classif icá-las no mesmo grupo das que não gostam de chocolate: maluquinhas por natureza. Mas tudo bem. Para ser sincera, entendo vocês. Principalmente quando o assunto é experimentar roupas. Tenho pavor. Entro naquela cabine tão animada quanto um cachorrinho entrando no carro para ir ao veterinário. Primeira parte: se despir puta da vida porque você acaba de lembrar que veio com uma roupa totalmente não propícia: a sandália é difícil de tirar, a blusa tem cerca de 212 botões, o colar agarra no dente. Burra burra burra. Já despida, você resolve dar uma olhadinha para o espelho e percebe que tem um corpo no meio da sua celulite. Olá, prazer, sou a Mariana Celulite Rabelo, em que posso ajudar? Você começa a guerra: veste blusa para cá, short para lá, mas nada parece f icar bom. Enquanto isso a vendedora está lá de fora: "E aí Mary, como tá f icando?”. Você tem

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vontade de responder: “tá tudo uma porra, tô uma baleia, esse vestido me deixa parecendo uma Pamonha de Piraci-caba, essa calça nem entrar entrou e nem de você eu gosto”. Mas na verdade você responde: “é, tá indo, hehe”. Você já está toda suada e sebosa de tanto vestir roupa, mas a vendedora não para de falar: “olha só o que eu achei, essa botinha é a sua cara”. Peraí, minha cara? Desde quando você me conhece? Aliás, se essa bota cor de bosta é a minha cara, o mundo está perdido mesmo. E quando a vendedora grita lá de fora “essa saia tem em outras cores também” e você responde: “Ah é? Traz aqui!”. O silêncio mortal que vem em seguida diz tudo: não era com você. É a hora de f ingir que você não falou nada, olhar para o lado e perceber que a pilha de roupas dentro da cabine já bate no seu pescoço. E nenhuma, nenhumazinha sequer, f icou boa. Bate o desespero. Você colocou a loja inteira de cabeça para baixo e vai sair sem levar nada. Por favor, que apareça qualquer coisa usável para eu comprar, por favor. Você está quase perguntando se eles vendem absorvente, só para não sair de mãos abanando. Mas acaba comprando uma blusinha básica, que vai diretamente para a sessão “Coisas que eu comprei para não passar vergonha” do seu armário. Eu não posso negar: quando eu escuto o “Agrade- cemos a sua visita, volte sempre”, tenho vontade de tirar a blusa e girá-la no alto.

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Política da boa vizinhança

Sabe quando você acorda assustado de um pesadelo e seu coração ainda demora para voltar ao normal? Estou assim agora, com os batimentos a mil. O susto já passou, mas a adrenalina continua. Estava eu sozinha em casa, tentando pensar em algum tema para escrever aqui, quando de repente a campainha toca. Achei estranho: meus pais estão viajando e eu não estou esperando ninguém, então já fui meio cabreira (leia-se: toda cagada) atender. Quem é? Ninguém respondeu. Estranho. Deve ter sido alguém aper-tando a campainha achando que era um interruptor, vai saber. Dez minutos mais tarde, a campainha toca nova-mente. Fui com as pernas meio trêmulas até a porta, peguei um banquinho para alcançar o olho mágico – pausa para uma breve reclamação: aos instaladores de olhos mágicos em portas, lembrem-se de que nem todo mundo tem 1,80m de altura, ok? – . Como imaginação pouca é bobagem, subi o banquinho já visualizando mentalmente a cena que eu iria encontrar: um bandido encapuzado tentando arrombar minha porta com uma serra elétrica, uma mulher decapitada do seu lado, algum de seus comparsas sorrindo para mim no olho mágico. Mas não vi nada. Pelo jeito os sujeitos esca-param a tempo. Tentei voltar ao que estava fazendo, mas, claro, não consegui me concentrar. Alguma coisa estranha estava acon-tecendo e eu não fazia ideia do que poderia ser. Foi aí que a campainha tocou de novo, só que desta vez de um jeito tão estridente, que quase enfartei e liguei para a polícia –

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não necessariamente nessa ordem. Acabei ligando primeiro para o porteiro, explicando o ocorrido. Pedi para que ele desse uma olhada nas câmeras e me retornasse assim que possível. O interfone tocou e eu atendi com aquela voz rouca e falha de quem acabou de deixar meio kilo de bosta nas calças. Mas não era o porteiro. Era uma vozinha f ina de criança, dizendo “Oi, aqui é a Luana, estou ligando para pedir desculpas”. Então foi você que f icou tocando minha cam-painha, peste? Você está desculpada, Luana. Toda a raiva e indigna-ção que eu estava foi embora com a sua vozinha mansa me pedindo desculpas. Eu não te conhecia, mas agora já sei alguma coisa sobre você: sua mãe provavelmente é uma f igura não omissa, que ainda preza pela política da boa vizinhança e pela educação de seus f ilhos. Algumas mães optariam por f ingir que nada aconteceu, até por vergonha de assumir a culpa e depois ter que me encarar no elevador. Af inal, se você não tivesse me interfonado, jamais saberia que tinha sido você. O que a Luana fez foi um gesto pequeno, mas que acaba nos surpreendendo nos dias de hoje. Tem muita gente aqui do prédio que não se despede quando sai do elevador, não segura a porta para eu passar, não deseja nem bom dia. No meio dessa falta de educação toda, um simples pedido de desculpas acaba virando tema de crônica.

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Turbulência

Turbulento: 1. Que se porta de modo irregular.2 .Que perturba a ordem.3. Que possui um formato incomum.

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Teresinha e Carolino

- Merda! - Que foi, Teresinha? - Acordei gorda. E eu sempre acordo magra, Carolino (Era a segunda vez que Teresinha se casava com um nome femininomasculino. Seu ex se chamava Marieto). Eu engordo é só no decorrer do dia. Se eu acordei gorda, Carolino, é que o negócio desandou mesmo! - Dá nada não, Teresinha. - Sabe há quantos dias eu faço regime para caber nesse vestido verde desgraçado? A festa é hoje, Carolino! Como é que eu vou fazer? - Dá nada não, Teresinha. Carolino e Teresinha são casados há vinte anos. Nesses vinte anos, a única vez que saíram para um evento com mais de quinze pessoas foi a reunião do condomínio, em 1995, e tiveram de voltar para casa porque Carolino dormiu. Carolino é tão sociável quanto uma melancia. - Vem me ajudar aqui, ô Carolino! Teresinha estava caída no banheiro, em posição fetal. - Esse troço não ta cabendo não! Fecha esse zíper aqui pelo amor de Deus! Carolino não conseguiu disfarçar o semblante de terror. Teresinha havia se transformado em uma minhoca verde gigantesca se arrastando no chão do banheiro. - Respira fundo que eu to fechando! 1,2,3...

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Puta que pariu: o zíper beliscou na pele. Deu pra ouvir daqui. - Carolino desgraçado! Tira a cueca e bota a calça jeans! (não seria tira a calça jeans e põe o fio dental?) Agora vou f icar fechando e abrindo o zíper da sua calça pra ver o que que acontece, que tal? SAI DAQUI, CAROLINO! Carolino, que tinha noção do perigo, saiu. Aproveitou para dar uma olhada no seu guarda-roupa: não fazia a menor ideia da roupa que iria usar. Precisava de algo que mostrasse que ele ainda estava por dentro de tudo, um verdadeiro baladeiro (mesmo que se parecesse mais com um verdadeiro boiadeiro) - Que porra de roupa é essa, Carolino? - Não gostou? - Bom, depende, se você considerar que estamos em 2010 e não atuando em E o vento levou, eu não gostei. Pochete, Carolino? Qual foi a última vez que você viu alguém ir para uma festa de pochete? E esse cabelo? Pegou o gel do Cumpadre Washington emprestado? - Olha lá o jeito que você fala comigo, Teresinha. Não é porque você tá parecendo uma ervilha de Itu com esse vestido verde que eu f ico falando isso para você! E pronto. Começaram a discutir. Teresinha disse que ervilha de Itu era Vinícias, irmã mais nova de Carolino, que quando ia para a casa deles fazia questão de acabar com todos os produtos comestíveis da geladeira. “Outro dia ela comeu um pedaço da nossa mesa de centro, Carolino!”

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Carolino, por sua vez, disse que Cumpadre Washington era Marieto, com aquele bigodinho. Teresinha saiu do quarto e foi brava para a sala, alegando que era melhor ter um bigodinho do que uma pochete. Já Carolino começou a gritar que era melhor uma pochete que saísse do que uma “pochete perma-nente como a sua, mulher banhuda”. Mas Teresinha não ouviu. Ainda bem. Teresinha e Carolino passaram o resto do dia sem se falar. Teresinha tomou posse do quarto e Carolino que arranjasse outro lugar, porque hoje ia ser o seu dia da beleza. Tinha lido em uma revista o quanto era importante esse ritual pré-balada. Fez 37 abdominais na esperança de não parecer mais uma ervilha de Itu, passou creme no rosto e f icou igual àquelas mulheres de f ilme besuntadas. “Agora só falta o pepino nos olhos!” E lá se foi Teresinha em busca do pepino, embora nunca tivesse entendido a sua real função embeleza-dora. Na cozinha não tinha pepino, mas Teresina partiu dois pedaços de pimentão e se deu por satisfeita. Quando Teresinha voltava para o quarto, topou com Carolino dançando escondido de frente pro espelho, treinando uns passinhos para mais tarde. - Carolino, lambada já saiu de moda. Carolino começava a f icar bravo. Blábláblá pochete, blábláblá cabelo, blábláblá lambada. Ô mulherzinha impli-cante! E esse cabelinho de Bruxa do 71? E essa cara besuntada de creme, que parece um E.T de protetor solar? - Se lambada saiu de moda, fantasia de meleca para

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ir à festa deve estar em alta então, né. - Tá feio o vestido, é, Carolino? Mas na loja você disse que tava bonito!

- Eu pensei que você tava falando era do brinco, Teresinha! Por um acaso aquele brinco era seu? - A mulher da loja me emprestou o brinco só para eu ver melhor como f icava o vestido, homem! - Pois eu pensei que você tava perguntando era do brinco. E como é que um brinco vai fazer você enxergar o vestido? Caiu no conto da Chapeuzinho Vermelho, foi? “Por que brincos tão grandes, vovozinha?” “É para enxergar melhor”

- Até parece que num conhece vendedora, Carolino. - Vendedora eu não conheço, mas conheço fantasia de meleca e sei que esse seu vestido ta igualzinho! - Mas vá se catar, Carolino! A verdade é que Carolino estava mentindo. Há algum tempo não via Teresinha tão bonita. O vestido verde combinava com seus olhos (homem adora uma roupinha combi-nando, né? E depois reclamam que mulher se veste é para outra mulher). Ele queria mesmo era f icar dançando lambada com Teresinha a noite inteira, sem se importar com os outros. Mas Teresinha se importava demais! “Carolino, o que que a Mar-cinha vai pensar da gente?”. - Teresinha, venha cá pro seu Cumpadi Washington, venha. Quer saber da verdade? Esse seu vestido tá é lindo demais.

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- Tá mesmo, é? - Tá perfeito. E... “Tudo que é perfeito a gente pega pelo braço, joga ela no meio mete em cima mete embaixo!” (Nesse momento, Carolino começa a dançar lambada) - Esse homem não tem jeito não. Vem aqui abraçar sua melequinha de Itu, vem!

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Carta para ele

Você está vivo. É o que eu venho repetindo para mim mesma nas últimas semanas, tentando disfarçar a dor. Não está nada fácil sem você aqui, mas você sobreviveu. Não posso me queixar de mais nada. A verdade é que eu estou arrependida de termos passado o último mês sem trocar muitas palavras. Estou com uma sensação angustiante de que poderíamos ter evitado todas as nossas brigas, que agora me parecem tão pequenas perto disso que estamos vivendo. E pensar que eu vivia reclamando de tudo: da falta de tempo, da falta de dinheiro, da falta de atenção. Nada disso mais importa: só queria você do meu lado de novo. Confesso que quando vi de longe seu sorriso, me senti uma idiota. Você ainda fazia graça da situação. Como pude ter estado tantas vezes de mal com a vida, sem nunca ter tido o menor motivo para isso? Eu é que devia ter feito graça de todos os dramas que inventei. Eu achei que fosse te dar força, mas quem tem me dado força é você. “Estamos bem”, você diz, e eu acredito. Porque mal estamos nós, a quem nunca faltou água, ar, luz ou comida, mas que só agora entendemos como era escassa a nossa vontade de viver. Lembra quando eu reclamava dos meus colegas de trabalho? Que a convivência era um inferno? Que nos meus dias de TPM eu surtava com todos? Pois é, você tem muito a me ensinar quando sair daí. Sei que para você a noção de tempo deve estar distorcida, mas está tudo confuso para mim aqui também. Quando é que paramos de nos abraçar? Ou de nos chamar por apelidos carinhosos? Nunca pensei que uma situação

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como essa fosse me reaproximar tanto de você. Aliás, quando é que eu ia imaginar que voltaríamos a trocar cartas de amor? Andam dizendo que ainda faltam 120 dias. É muito tempo, mas quase nada perto de uma vida inteira. Você está vivo, e é só isso que importa. Sei que posso aguentar. Só peço para que você aguente também. Alguém nos pede para usar palavras de conforto, mas é você que vem me confortando: seu espírito de equipe, sua organização, seu senso de humor. Tenho aprendido muito com você aí. Não só eu, como o mundo inteiro. Agora damos mais atenção para as nossas vidas; mais valor para cada segundinho de felicidade que temos aqui fora. Fico lembrando de como éramos felizes juntos e não percebíamos. Nunca pensei que sem você eu fosse me sentir tão vazia. Quando você sair daí, as coisas vão ser diferentes. Prometo. Casa comigo de novo?

* Uma homenagem aos 33 mineiros que viveram 70 dias soterra-dos na mina San José do Chile.

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Pout Porri Nonsense

Domingo passado foi dia de votação. Cheguei com pressa onde voto (deslizando nos milhares de folhetos jogados no chão) e dei sorte de encontrar a f ila pequena. Ainda na f ila, percebi que na parede estava grudada uma lista com vários nomes, e a síndrome de concurseira-procurando-a-sala-de-prova me fez pensar que seriam provavelmente os das pessoas que votariam naquela sala. Foi aí que avisei ao jovem que estava atrás de mim que eu iria conferir se meu nome estava na lista, para que ele “guardasse meu lugar” na f ila. Cheguei lá, e claro, meu nome não estava, porque ali só tinham os nomes dos candidatos a presidente, governador, deputados e seus respectivos números. Pois bem: f iz aquela cara neutra de nada aconteceu tchururu e voltei para a f ila. Mas foi aí que o jovem virou para mim e falou agora espera aí que eu vou conferir se o meu está lá também. Puta merda. Não tive reação. Não foi por maldade, mas a jacuzisse dominou o meu corpo e eu não consegui falar nada. Só pude observá-lo indo até os nomes, fazendo aquela cara neutra de nada acon-teceu tchururu também e voltar para a f ila. Moral da história: Em dia de eleições, melhor se passar por candidato do que por burro. Ou não.

Há algum tempo, na UnB, o moço que lava os carros no estacionamento perguntou se eu queria lavar o meu. Eu aceitei, já que meu carro estava mais sujo que f icha de político. Ele disse: quem será ele? Eu, toda felizinha achando

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que ele era meu amigo e perguntando de um jeito legal qual era o meu carro, apontei para aquele preto dali, ó!!! (dando uma risadinha e entrando no clima da nossa amizade). Ele fez uma cara estranha e repetiu a pergunta: QUÉ EN-CE-RÁ ELE? Ops.

Moral da história: não force amizade em estacio-namentos.

Estava eu fazendo minha limpeza de pele (se a dor do parto for pior que isso...) e a dermatologista falava “Daniela, não sei o que, não sei o que lá” “Daniela, faz isso, Daniela, faz aquilo” e eu quietinha, com meus olhos fechados. Ela devia estar falando no telefone ou com a secretária, não sei. Até que ela vira e fala “Daniela, você não gosta muito de falar, né?”. Ó céus. Esse tempo todo ela estava falando comigo. E eu, em vez de falar que meu nome não era Daniela (um pouco por pena de ela f icar sem graça, um pouco por meu costume besta de perder qualquer tipo de reação nessas horas), só dei uma risadinha. Ê, Daniela.

Moral da história: nada é tão ruim que nãopossa piorar. Minha mãe e meu pai, em uma festa na Embaixada do México, conversavam com um mexicano. Ele, tentando falar português, explicava que as portas e janelas estavam

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fechadas para não entrarem aqueles bichinhos que picam, como é mesmo o nome?, perguntou ele para a minha mãe. Ela, distraída, respondeu: Marieta. Moral da história: desde então pernilongos são chamados de Marietas no México.

Moral da crônica: vexame nosso de cada dia. Não nos preocupemos tanto com eles.

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Serviço de bordo

Lanche:1. Refeição Ligeira.

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Coma mais bacon

Se tem uma ideia que me deixa paranoica é a de que podemos morrer a qualquer momento. Como assim, a qualquer momento? Deus não vai me enviar nenhum aviso prévio, do tipo: “Pode se jogar no leite condensado”? Porque olha, eu tenho cabeça de gordinha (daquela que mistura lasanha com feijão, strogonoff e banana quando vai a um self service), mas mesmo assim, tento seguir uma dieta rigorosa. Então, se eu tiver perdendo tempo, acho bom que o Senhor me avise logo. Mas Deus tem uma lista de prioridades, certo? “Quem venham aqueles que já se casaram, já criaram seus f ilhos e já saltaram de paraquedas. Que venham os que não estão brigados com os pais, que já foram a Paris e que já amaram de verdade”. Não? Não existir a Lista de Prioridades é assustador. Assustador, mas excitante. Saber que o nosso knocking on heaven’s door não tem data nem hora marcada para chegar nos obriga a pensar que cada dia pode, sim, ser o último. Depois de pedir para comermos mais bacon, o médico, que era jovem demais para morrer, diz: “Você evita muitas besteiras que gostaria de fazer na vida. Provavelmente morrerei e te digo, você tem que comer mais bacon”. Sabe quando você toma a iniciativa de fazer as pazes com alguém? Pronto: comeu um bacon. Ou quando você tem vários caminhos para seguir, mas escolhe o mais ousado, só para arriscar? Bacon. E até mesmo quando você se permite sair da dieta, se acabando no chocolate até sentir

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dor de cabeça? Delícia de bacon. Vale o antigo conselho: viva como se estivesse em seu último dia. Um dia, com certeza, você acerta. Comer mais bacon é levar a vida um pouco menos a sério. É esquecer as listas de “100 coisas que você deve fazer antes de morrer” e criar a sua. Ter o seu checklist diário de desaf ios. Se propor mais mudanças: mudar rejuvenesce.

E você, já comeu seu bacon hoje?

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De olho no passageiroao lado

Amor:1. Forma de interação entre pessoas.2. Atração afetiva ou física.3. Forte afeição por outra pessoa.

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Início, meio e f im

Não tem montanha russa que me faça sentir mais frio na barriga do que um negócio chamado início de relacio-namento. Tem como a gente pular essa parte e ir direto para o trigésimo almoço na casa da sogra aos domingos? Eu sou da roça, sei lidar com isso não. Fico com taquicardia espe- rando uma mensagem - até que a Vivo me manda uma e eu taco fogo no celular - , planejo milimetricamente cada palavra dita no msn. Aliás, god bless the Msn, o facilitador de relaciona-mentos instantâneo. Com ele não gaguejo, não suo frio, não falo coisas sem sentido. God bless. Primeiros encontros? Passo mal, ô coisa estressante. Primeiro encontro no cinema: a tensão já começa ao entrar no carro, porque ele veio te buscar em casa e você não faz ideia de como deve cumprimentá-lo. No nervosismo, acaba fazendo algum gesto sem sentido, como cumprimentá-lo com um beijo na orelha seguido de um tapinha no ombro. Merda. No cinema as coisas são ainda piores, porque você deve se sentar de uma maneira despojada, mostrando naturalidade. Mas na realidade você está sentada igual a um f ilhote de ema com paralisia infantil, mal consegue mexer o pescoço. Durante todo o tempo você f ica pensando em como facilitar o approach por meio da linguagem corporal, até que ele faz algum comentário sobre o f ilme e você é obrigada a dizer HEHEHE, já que não faz ideia do que esteja se passando na tela. O beijo acontece e você espera que todos do cinema se levantem e comecem a cantar e bater palmas, mas a verdade é que você só consegue pensar se deve manter a cabeça

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parada ou virá-la para a esquerda. Nada é tão romântico como nos f ilmes. A primeira vez que eu f iquei com meu namorado, por exemplo, foi em uma festa na casa de uma amiga, amiga esta que de tão bêbada caiu de cabeça no chão. Ouvimos um barulho e a encontramos deitada sozinha na sala, com uma poça de sangue ao seu redor: se ela f izesse uma ponte eu ia jurar que era a menina de O Exorcista. Minha pressão baixou (não posso com sangue), f iquei sentada suando frio e vesga, semidesmaiada. Meu namorado teve que cuidar da aciden-tada. E de mim. Eu cheguei a f icar tão mal que em um momento de desespero anotei o número do telefone do meu pai na minha mão, só para meu namorado ter a quem pedir ajuda caso eu desmaiasse. Imagina: “Alô, tio? Então, você não me conhece, mas sua f ilha está desmaiada e sua amiga está jorrando sangue pela cabeça, tem como você dar um help aqui?”. Ainda bem que não foi preciso. Final da noite? Os três no hospital, assistindo à minha querida amiga levar pontos na cabeça ensanguentada cantando o médico. Romântico? Até que um dia toda essa adrenalina do início de namoro passa e nós chegamos ao meio. Você se sente aliviada por não mais parecer uma Pateta na frente dele, mas ao mesmo tempo sente saudades do friozinho na barriga de outrora. Normal. Aqui você já não se maquia toda vez que vai encontrar com ele, confessa que já fez escova progressiva, come temaki sem medo na frente dele. Aos poucos vocês vão ganhando intimidade, até que chega o grande dia. O dia

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divisor de águas no relacionamento. Dia em que as três pala-vras mágicas são pronunciadas: preciso fazer cocô. Os na- moros deveriam ser divididos em a.C e d.C – antes do cocô e depois do cocô. As coisas mudam. Uma vez o cocô posto em pauta, você acaba de se livrar de um dos assuntos mais emba-raçosos de qualquer relacionamento, e daqui para frente é só alegria. A você casal amigo que nunca falou sobre cocô: não tenha medo. Libere todo esse cocô que há em você e seja feliz. Eu cago, tu cagas, ela caga. Tem jeito não! Quer mulher que não faz cocô, vá casar com a Sandy. Observação: os puns continuam proibidos, e a expressão “cagar” – que só foi utilizada aqui para chamar sua atenção – também. De repente, os relacionamentos chegam ao f im. Alguns mais cedo, outros mais tarde, alguns por falta de amor, outros até por excesso. Alguns até que a morte os separe, outros até que a amiga fura-olho os separe. Tem f ins para todos os gostos. Terminar um namoro não é lá delicioso, mas que a gente aprende muita coisa, ô se aprende. Apren-demos a viver sozinhos, a sermos independentes. “É impos-sível ser feliz sozinho”? Balela. Nascemos sozinhos e morre- remos sozinhos: é nossa obrigação saber admirar nossa própria companhia. (Papai do céu, estou falando isso mas vê se não me deixa vovó gagá de fralda sem marido, tá?). Depois de passar pelo início e pelo meio, esta crônica também chega ao f im. Sim, textos são como relacio-namentos: início, meio e f im. Em ambos, temos que saber quando chega a hora de colocarmos o nosso ponto f inal.

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Divórcio

“Publicidade é uma merda. Sim. Uma merda. Não adianta tentar me convencer do contrário. Publicidade é sinônimo de noites mal dormidas, cocôs pela metade, amores mal resolvidos. Publicidade não dá. Eu pref iro morrer pobre. Pelo menos morro digno. E magro. Publicidade tem gosto de pizza, mas tem cheiro de esgoto. Publicidade não combina com família. Publicidade é antônimo de amor. Publicidade é inimiga do relógio, amiga das rugas e companheira da madrugada. Publicidade é uma merda. Mas é o que eu amo.” Escrevi esse texto há quase 2 anos, em um momento entre tapas e beijos com a publicidade. Era uma paixão típica de adolescente, em que a gente chora, arranca os cabelos, sofre, promete que vai largar, mas não consegue viver sem. Publicidade, de fato, é apaixonante. Nos envolvemos com a sua liberdade para criar, sua falta de rotina, seu ambiente de trabalho maluquinho. Dizem que paixão não dura mais que 6 meses. A minha durou. Até agora, foram exatos 3 anos e 10 meses dormindo com a publicidade. Sentindo o que é se comprometer de verdade, se entregar a alguém. Publicidade, você me fez sair do comum. Abri minhas asas, soltei minhas feras. Fui obrigada a buscar inspiração nas mínimas coisas, 24 horas por dia. Aprendi a não ter vergonha das minhas ideias, mesmo daquelas completamente desequili-bradas. Conviver com você envolveu adrenalina e friozinho na barriga. Tem que ter sangue frio, viu? Precisei deixar de lado

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minha vida social, me dedicar inteiramente a você - sei que você gosta é de exclusividade. Com você eu vivi os momentos mais intensos da minha vida. Mas hoje, publicidade, eu quero o divórcio. Nossa convivência tem sido desgastante, grudenta, cansativa. O que foi que f izeram com você? Te transformaram em uma máquina de ganhar dinheiro. Você não liga mais para a nossa vontade de fazer diferente: só quer saber de prazos, prazos, prazos. Transformou o que era prazeroso em buro-crático. Não percebe que estão te prostituindo por aí? Você anda trocando boas ideias por bons clientes. Que se dane nossa qualidade de vida, nossas noites bem dormidas. Você só quer dinheiro. Ah, publicidade, eu ainda gosto de você. E muito. Mas a gente precisa se separar por um tempo. Não sou só eu que tenho sentido isso: os que andaram se relacionando com você também se sentem cansados, angustiados, sem perspec-tiva. As borboletas que sentíamos no estômago foram embora. Só restou o carinho que ainda temos por você. Se a nossa separação é def initiva? Não sei. Talvez eu encontre outros caminhos que você mesma pode oferecer. Publicidade, talvez seja isso. Talvez o problema não seja você. Acho que foi o lugar em que nos conhecemos. Fora de uma agência, talvez possamos tentar de novo.

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Preferência nacional

Outro dia a escritora e roteirista Tati Bernardi disse a seguinte frase no twitter: “Quem escolhe a mulher pela bunda, merece ter um relacionamento de merda”. Olha, eu acho que nunca alguém def iniu, com tão pouco, tudo o que eu penso sobre relacionamentos. Ou pelo menos tudo que os homens deveriam saber sobre os relacionamentos. As Bundas que me desculpem, mas inteligência é fundamental. Que f ique claro que não estou pregando a “beleza apenas interior”, caso contrário não f icaria horas de quatro na academia feito um bezerro. Me cuido, sim, e sem essa de “estar bem consigo mesma”, a não ser que sigomesma seja o nome de um cara. A questão é que tem homem que foi obviamente f isgado por uma Bunda. Sim, Bunda com letra maiúscula, porque isso é tudo que a def ine. Ela não tem cabeça, senso de humor ou educação, mas ô, que Bunda. Aí um dia esse relacionamento de merda acaba, e o infeliz diz que “Mulher é tudo igual. Quem gosta de homem é viado, mulher gosta é de dinheiro”. O espertão acha que a sua popozuda do baile é o ref lexo de todas as outras mulheres do mundo. Ele também diz que não tem mais mulher que preste no mercado, que ele quer mais é ir para a farra e blábláblá. Meu querido, enquanto você procurar mulher olhando só pra bunda, o negócio vai f icar difícil mesmo. Esse é o cara que está atrás da mulher certa, mas que procura nos lugares errados, se é que você me entende. Esse daí é só 50% traste, ainda tem solução. O problema maior está naqueles que sabem da merda que estão fazendo,

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e fazem por pura opção. O cara prefere uma Bunda a uma Cabeça, já que a primeira não fala. Ele quer é tirar onda com os amigos, mandar na Bunda e a Bunda obedecer. Mulher inteligente dá um trabaaalho. Quando você topar com esse estilo por aí – o 100% traste – CORRA. O pior é que tem mulher por aí sendo trocada por Bunda. Se esse é o seu caso, não se preocupe: em alguns anos, a Bunda dela vai virar uma Muxibinha. Mas eu nem precisaria te dizer isso, já que a probabilidade de um relacionamento bundal durar por muitos anos é a mesma de eu sair com o Didi Mocó amanhã. E se o relacionamento deles durar, minha querida, onde é que você estava com a cabeça de gostar de um babacão desses? Estou começando a desconf iar que você é uma Bunda também. Homem que dá certo com Bunda é o mesmo que chega te carcando suado na balada sem você ter permitido. É o que quando leva um fora, diz que você é feia. É o que só sabe falar de si, e das suas histórias bacanas da... academia? Esses sim, merecem ser felizes com as Bundas (em felizes, leia chifrudos). Não acho que bunda e inteligência sejam coisas antagônicas, nem que os homens devam deixar de lado os nossos popôs. O problema não está em sermos enaltecidas pela bunda. E sim ignoradas pela cabeça.

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Tenham cuidado ao abrir ocompartimento de bagagem

Passado:1. Que passou, decorrido (ex: acontecimentos passados, histórias passadas). 2. Que passou de tempo, que se tornou velho, envelhecido.3. Período remoto da vida, considerado embaraçoso ou vergonhoso (ex: preferiu esquecer o passado).

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Nostalgia barata

“Ver as pessoas pobres na rua, me dá uma dor no coração, se eu fosse presidente eu ia tentar reunir todos os pedreiros do Brasil para construir casas para os pobres. Eu ia fazer campanhas contra a AIDS. A violência neste país está aumentando cada vez mais, eu ia construir mais cadeias, ia fazer muitas campanhas. E os salários das pessoas? Enquanto uns ganham mixaria, outros não fazem quase nada e ganham muito. Eu ia aumentar o salário dos professores, porque eles dão uma coisa muito importante: A EDUCAÇÃO. E por falar nisso, eu ia construir mais escolas públicas. Porque criança tem que ir para a escola e não trabalhar. Eu também iria construir mais hospitais. Ia dar mais empregos. Há! Também ia aumen-tar a segurança. Ver as pessoas se drogando, bebendo bebi-das alcoólicas, é de doer! Eu ia construir mais clínicas de recu-peração. E ia tentar convencer as pessoas de não ter uma palavra: O PRECONCEITO”. Esse é um trecho de uma redação escrita por mim há 12 anos, quando eu tinha apenas 9. Tive a sorte de achá-lo em um livro que reunia os textos de todos os alunos da terceira série da minha antiga escola. E pronto. Foi o suf iciente para eu ter um surto de nostalgia e sair à procura de toda e qualquer recordação minha. Diários, agendas, fotos, tudo. Eu sou do tipo apegada mesmo, que guarda há anos a primeira advertência que recebeu na escola, os bilhetes trocados em sala, o primeiro diário – que por sinal traz o seguinte desabafo, também de 12 anos atrás: “Hoje é o meu terceiro dia de aula e eu estou com uma dúvida na cabeça: eu peço o

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Samuca em namoro? Ele é muito tímido, acho que ele não ia querer, mas eu vou ver, não posso namorar uma pessoa porque ela é bonita, e sim, simpática”. Fiquei rindo por umas duas horas seguidas, até porque a única lembrança que eu tenho desse Samuca é ele me chamando de “Mariana Cabelo” (meu sobrenome é Rabelo) e eu saindo correndo para bater nele. Esse negócio de gente nostálgica f icar vendo coisa antiga é um perigo. A gente para no tempo e f ica só ref letindo, pensando, sentindo saudades. A ref lexão aqui inclui desde “por que minha mãe deixou eu sair de casa com essa mochila inf lável?” – alô você dos anos 90 que também teve uma – às crises existenciais. E como eu adoro uma boa crise (se não fosse por elas, f icaríamos estagnados), vamos curtir o momento remember. Mas antes de prosseguir, algumas coisas que você precisa saber sobre o meu passado: eu já comprei um cd do Twister (você que não lembra que banda é essa, eu tenho quatro palavras para refrescar sua memória: 40 graus de febre). Já tive dois periquitos (morreram), duas tartarugas (federam) e dois cachorros (sumiram). Fui apaixonada pelo Supla (também comprei seu cd: música pura, erudita, de quali-dade) e pelo Axl Rose. Tive um all star verde-limão-cor-de-cocô. Minha brincadeira preferida era de apresentadora do Shoptime (imagine uma criança vendendo todos os móveis da casa para seus telespectadores imaginários). Meu canal preferido também era o Shoptime. Vou falar rapidinho para

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você nem notar: jáparticipeideumconcursodedançadeaxé. Agora que você já conhece alguma coisa do meu passado negro, f ique à vontade para seguir em frente ou não. Vou entender qualquer que seja a sua decisão. Bom, se você está me lendo é porque não tem preconceito com axé ou com o Twister. Continuemos olhando para o passado. Entrar em contato com nosso eu antigo é muitas vezes sentir vergonha dos cortes de cabelo medonhos, das nossas roupas, redes sociais (meu fotolog é um antro de bregueza e vergonha alheia), nosso jeito de escrever ixquizitu, enf im. Mas é também perceber que éramos felizes e não sabíamos: sem preocupação, sem stress, sem entrevistas de emprego, sem discussões de relacionamento. E eu que achava que conquistaria minha liberdade aos 18 anos, não fazia ideia de que também perderia grande parte dela. Perderia minhas tardes livres, meus cochilos depois do almoço, minhas brincadeiras embaixo do bloco. Eu era feliz e não sabia quando o meu dia parecia ter bem mais que 24 horas, e minha única preocupação era se o meu Tamagoshi ia morrer. Era feliz quando minhas decepções amorosas vinham só de The Sims. Quando eu achava que felicidade era ter uma cama elástica dentro de casa, voar na nave da Xuxa ou participar da Porta dos Desesperados. Era feliz e não sabia quando o Pega Vareta era fonte de pura adrenalina e diversão. Quando batiam no meu carro e só podia ser no Mario Kart. Quando as roupas que eu com-prava eram todas para as minhas Barbies. Quando Lagoa

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Azul era inédito, TV colosso era a sensação e Mara Maravilha era famosa. Era feliz quando acreditava que se eu cavasse a areia do parquinho eu poderia encontrar uma piscina. Quando não entendia metade do que diziam as letras de Mamonas Assassinas e ainda assim os adorava. Quando todas as pessoas que eu conhecia se resumiam à minha sala de aula. Quando a MTV era boa, Rosa e Rosinha existiam e eu me despedia dizendo Cruj Cruj Cruj tchau. Eu era feliz e não sabia quando eu queria ser presi-dente. Quando eu achava que os problemas do nosso país se resolveriam.

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Feliz dia das crianças

Eu tinha nove anos e no dia das crianças o meu colégio trouxe alguns brinquedos para os alunos se diver-tirem. Um deles se chamava Loconauta, era uma espécie de “simulador da gravidade”. Você f icava de pé, preso de cima a baixo, e o negócio começava a girar loucamente, fazendo as criancinhas darem cambalhotas no ar. Eu, que nessa época ainda tinha um espírito aventureiro aguçado (hoje eu tenho pavor até de carrossel), achei aquilo incrível, e logo entrei na f ila, que ia de Brasília até a casa da Dona Florinda. Era a maior atração do dia das crianças. Logo no início, o monitor do brinquedo (também conhecido como “tio”) deu alguns recados: “coloquem suas blusas para dentro da calça. Quem não prender as camisetas, vai f icar pelado!!” E todas as crian-ças gargalhavam, porque pelado era uma palavra engraçada. “Amarrem os cadarços, respirem fundo, e boa sorte”. Bem, chegou a minha vez. Depois de esperar tanto, era a minha hora de desafiar a gravidade. Pensei em como ia ser divertido, em como eu estava sendo corajosa por topar f icar de cabeça para baixo. Pensei em tudo, menos em colo-car a bendita blusa para dentro da calça. Na minha primeira cambalhota, ouvi os gritinhos. Eram gritos de pânico, como se eu fosse o capeta cuspindo fogo e girando no ar. A princípio não entendi direito, mas depois de alguns “ewww” e “ecaaaaa” eu compreendi. Olhei para baixo e vi que meu busto, composto por duas ervilhas recém-nascidas, estava de fora. Mariana, 9 anos, seminua. O colégio inteiro fazia cara de espanto.

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Eu tirava boas notas. Ganhava prêmios pelas minhas redações. Era uma aluna dedicada. Mas nada disso tem valor, quando já se fez topless aos 9 anos. “Essa é a Mariana, não lembra dela? É aquela que f icou pelada no dia das crianças” e pronto, todos me reconhecem. E aí vem você, querendo me convencer de que o Dia das Crianças é uma data especial. Marcante. Marcante é mostrar os peitos para o colégio inteiro, meu amigo. Eu não tenho uma recordação sequer do dia das crianças que não seja assustadora. Dia das crianças tem palhaço. E palhaços são assassinos, todo mundo sabe disso. Eu tenho certeza de que na encarnação passada fui morta por um palhaço. Ele me deu uma sapatada e eu fui desta para melhor. Olha, eu vou te dizer que no sinal de trânsito eu pref iro topar com o Marilyn Manson armado do que com um palhaço vendendo pirulitos de coração. Dia das crianças tem presente frustrante. Quem nunca pediu um mini buggy e acabou ganhando uma mini prancha de praia, que só fazia era deixar a barriga assada? (Qualquer semelhança com a vida real da autora é mera coincidência). Quem nunca foi abrir o presente da tia achando que era brinquedo, quando se tratava de uma camiseta “Estive em Pernambuco e lembrei de você”? Aliás, para você que vai ser tio um dia: chaveiros e meias não fazem nenhuma criança mais feliz.

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Eu poderia f icar aqui falando dos chocolates em formato de guarda chuva que a gente ganhava na escola e que realmente tinham gosto de guarda chuva, ou nas ginca-nas que faziam eu f icar mais nervosa do que f ico hoje em entrevista de emprego. Mas acho que já deu para te convencer de que não, eu não gosto do dia das crianças.

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Piu piu sem fragola

Lá pelos meus 10 anos eu fui apresentada para a Internet, quando ela ainda fazia aquele caruncaruncarunca-run maluco para conectar. Foi o primeiro contato com quem ia dar um pé na bunda das minhas enciclopédias, botar as cartas para escanteio e extinguir os álbuns de família. Mas tudo isso ainda levou tempo. A internet para mim, a princípio, possuía uma única função: socializar. Salas de bate papo, aí vou eu! Conheci os chats da UOL (impossível pronunciar isso sem soar brega, santo Deus) justamente na época em que eu e minha família nos mudamos para Brasília, ou seja: era a solução perfeita para eu manter contato com a minha melhor amiga deixada para trás, em São Paulo. Combinávamos de entrar eu como “Piupiu” e ela como “Frajola” , mas é claro que ela acabou entrando como “Fragola”, escrita típica de uma criança da quarta série. Piupiu e Fragola conversavam sempre. Lembro do friozinho na barriga que eu sentia ao ver o seu nome no chat, uma sensação estranha de essa é a minha amiga que está a km de distância, bem aqui do meu ladinho. Não faço ideia do que conversávamos nessa época, provavelmente coisas como: “a lição de matemática aqui é bem mais difícil”. Só sei que foi graças à internet que eu pude continuar sua amiga. Bem, os chats de bate-papo são encantadores até o dia em que um velho tarado vem falar coisas feias na sua janelinha e você percebe que o mundo virtual não é tão lindo assim. Salas de bate-papo, aí vou eu.... embora! E foi aí que veio o ICQ, o Mirc, o Msn, e a internet facilitava cada vez mais os relacionamen-tos.

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Ou não. Há quem diga que o Orkut, por exemplo, é o verdadeiro destruidor de relacionamentos. “Diga-me com quem troca scraps que te direi quem és”. O tal do status “namorando” ou “solteiro” já deu muita briga por aí. Porque não basta ter namorado, tem que ter na-mo-ran-do no or-ku-tê. Tem mulher que luta até hoje para ser assumida no Orkut. Ou não, já que o Orkut tá dominado – tá tudo dominado – pelas propagandas de festas e agora é coisa do passado. Chegou a vez do facebook e do twitter. Eu particularmente ainda não aderi ao primeiro, mas confesso que o twitter me pegou de jeito. É tentadora a quantidade de informações que recebemos em tão pouco tempo, com tão poucos caracteres. Televisão para quê? Eu assisto ao twitter. O twitter é a cara da modernidade: sejamos concisos e objetivos, meu povo, porque ninguém tem paciência para ler muita coisa não. Aliás, você que chegou a esta altura do meu texto, está de para-béns. Teve gente que parou no segundo parágrafo, foi conferir o e-mail e nunca mais voltou. Só sei que a internet, que sempre funcionou mais como “Eu quero ter um milhão de amigos” do que qualquer outra coisa para mim, hoje tem desempenhado outros papéis. É ela quem me mantém informada, me dá voz - mesmo que eu tenha que falar rapidinho, em 140 caracteres -, me conecta ao mundo. Nessas eleições, por exemplo, a internet me possi-bilitou conhecer melhor não só os candidatos, como o “voto secreto” dos meus amigos: a maioria deles expôs suas prefe- rências, tuitou suas reclamações. Eu é que preferi me manter

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à parte e caladinha, não houve candidato que me f izesse pôr a mão no fogo e sair fazendo propaganda gratuita por aí. Porque mão no fogo, colega, eu só coloco pela Fragola, que por sinal vai entrar no skype jajá.

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A primeira carona a gente nunca esquece

Você passou uma longa semana tendo aula sobre as leis de trânsito. Respondeu na prova a perguntas como: Se o seu carro pegar fogo, você deve (1) Cantar o Hino Nacional (2) Traduzir Faroeste Caboclo para o inglês (3) Começar a dançar Macarena (4) Passar protetor solar e convidar a galera para o churras ou (5) Chamar os bombeiros. Você enfrentou semanas e semanas no sol fazendo garagem, parou nos sinais da cidade tendo que reduzir a marcha, aguentou buzinadas daqueles (todos) que não respeitam um aprendiz. Depois de muito sufoco, chega o dia da prova prática. Para começar, gostaria de me apresentar como Mariana, a lenda-da-prova-de-direção. Também conhecida como o único ser vivo que já a reprovou. Tudo bem que meu carro morreu uma ou duas vezes e eu fui abaixar o freio de mão só quando estava acabando o percurso, mas eu juro que foi o f iscal que cismou comigo. Me lembro bem daquele dia. Na noite anterior, não consegui dormir. Tinha pesadelos com o meu carro caindo no lago Paranoá, meu f iscal de repente virando Chuck o boneco assassino, meu instrutor aparecendo pendurado no meu armário. Acordava de 5 em 5 minutos. Até que amanheceu e chegou o grande dia. Meu estômago estava embrulhado. Cheguei enjoada para fazer a prova, com as mãos e pernas trêmulas. Olá, fiscal, tudo bem? Teria algum problema eu vomitar no seu carro? O f iscal era tão simpático que cheguei a suspeitar que ele era f ilho do José Serra com a Dilma. Depois da prova, fui pegar o resultado e: “re-pro-va-da”, que eu li

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como “sua vida acabou de a-ca-bar”. Era a morte. Veja bem: fui reprovada em Brasília, onde você não precisa fazer nem uma baliza para passar na prova. Fui reprovada em Brasília, onde você tem que no mínimo atropelar alguém para não passar. Depois de questionar por que a vida fez isso comigo, por que ela era tão injusta, por que, por que, por que, chegou a hora de recomeçar e fazer mais alg¬umas aulinhas (ô beleza!). Passei a ver meu instrutor mais que meu pai. Era aula todo dia, toda hora: se eu reprovasse iria virar chacota nacio-nal. O dia da segunda prova chegou e eu, bem menos nervosa, consegui passar. A vantagem é que com as 8677 aulas que eu f iz a mais, tirei a carteira realmente sabendo dirigir, coisa que acontece com poucos. Recém motorista, enfrentei de cara desaf ios supremos como subir a rampa do Pátio Brasil e a do Brasília Shopping, popularmente conheci-das como “Se não morreu aqui, não morre nunca mais”. (Tudo bem que eu esperava todos os carros subirem e ace- lerava com uma força que eu poderia tranquilamente chegar até a lua, mas eu n-ã-o morri!). Eu não sabia era que o pior ainda estava por vir. O dia que eu iria até o inferno e voltaria em menos de 20 minutos: o dia que eu dei carona para a minha mãe. A primeira volta de carro com a sua mãe funciona mais ou menos assim: Ela já entra no veículo falando mal da bagunça, não entendendo a importância de se ter 4 pares de sapato dentro do carro. Questiona como um porquinho

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pendurado no retrovisor não atrapalha a sua visão. Ok. Vamos em frente. Você liga o carro e, é claro, ele morre. Você consegue sentir o olhar dela pela visão periférica. Finge que nada aconteceu e vamos embora, liga o carro de novo. O desgraçado morre. Tinha séculos que você não fazia um carro morrer, mas quando sua mãe está do lado, você morre sem parar. É isso aí! Depois que f inalmente o carro liga, você sai da vaga suando frio. Ninguém pronuncia uma única palavra. O que era para ser uma voltinha no quarteirão se transforma em uma ida rápida ao precipício. Você só consegue ver de relance ela agarrada ao “puta merda” e, acreditem, apertando um freio imaginário no chão. Ela está tão desesperada que você não duvida que a qualquer momento ela possa se jogar do carro. Essa senhora está completamente maluca. Qualquer manobra que você faça ela diminui o som, porque acredita que a música tem poderes mágicos sobre a nossa visão. Um macaco bêbado no volante estaria deixando ela mais segura do que você na direção. Eu juro que nunca mais ando de carro com essa mulher. Até o dia que você já não é mais recém-motorista e resolve pegar uma caroninha com ela. É aí que chega a sua vez. Você se agarra ao banco, sua frio, aperta discretamente um freio imaginário no chão. Chamem um macaco bêbado para assumir a direção desse carro urgentemente.

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Façam seus pedidos

Eu sei que o gênio da lâmpada nunca vai me aparecer. Mas, não sei por que, eu passei a minha vida inteira ensaiando o que pedir para ele quando o próprio me apare-cesse. Freak. Bem, fazendo uma breve introspecção e ref lexão marxista freudiana apostólica romana sobre os meus desejos, acabei chegando a algumas conclusões. Meus desejos quando criança: brinquedos. Nada mais me importava, já que todo o resto (saúde, felicidade, autoestima, etc) eu conquistaria se tivesse os brinquedos que desejasse em mãos. Portanto, Gênio da Lâmpada, o que eu quero é o seguinte: 1. Barbie Loira 2. Barbie Morena 3. Suzie morta. Meus desejos quando adolescente: a partir daí, os desejos já começavam a se dividir em campos diferentes. Popularidade, notas boas na escola, bons amigos, etc. Mas eis que o Gênio chegava e na hora do vamo ver os desejos eram relacionados a 1. Homens 2. Homens 3. Homens. No entanto, foi adulta que eu descobri que o Gênio, pasmem, existe. Seu nome é St Johxzn Greene, ele mora na Inglaterra. A história é a seguinte: Uma mãe diagnosticada com câncer de mama, a inglesa Kate Greene, fazendo um tratamento que não estava mais funcionando, deixou uma lista com mais ou menos 100 coisas para seu marido (o tal John) fazer com seus f ilhos pequenos quando ela morresse. Dessa forma, ela garantiria que eles tivessem a “experiência que ela sempre sonhou para a família e fossem criados como ela planejava”.

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Kate Greene foi diagnosticada com câncer em 2008, e no f im de 2009 ela faleceu. Foi nesse meio tempo que ela escreveu os desejos para o Gênio da Lâmpada John Greene. Os desejos? Kate pediu para que John levasse seus f ilhos à Suíça, no local onde John a pediu em casamento. Pediu para levá-los à praia em que ela costumava passar as férias quando criança, no País de Gales, e também à Disneylândia. Que ele os levasse para assistir a um jogo internacional de rúgbi. Que John tivesse uma mesa de jantar, para que todos pudessem estar juntos durante as refeições. Que ele ajudasse as crianças a plantarem um girassol, a encontrarem um trevo de quatro folhas e a tocarem um instrumento musical. Que ele os ensinasse a serem pontuais, a fazerem as pazes logo quando brigassem com alguém e a tratarem as namoradas com respeito. Mas o desejo mais difícil de ser cumprido, diz ele, será encontrar uma outra companheira para que os f ilhos cresçam com uma inf luência feminina .“Já encontrei minha alma gêmea, e voltar ao mercado é uma coisa muito difícil”, diz ele. Lindo. Li e reli uma série de vezes essa reportagem. E pensar que tem muita mãe vivinha da silva que é muito mais ausente na criação de seus f ilhos do que Kate Greene. E mulheres, não procurem mais pelo príncipe encantado. Procurem pelo Gênio da Lâmpada. Assim que terminei de ler a história do casal, f iquei pensando em quais seriam, então, os meus desejos de adulta para as crianças (se você que está lendo esse texto for um Gênio da Lâmpada, favor entrar em

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contato) . Como ainda não tenho f ilhos, pensei em meus sobrinhos. Gênio, faça com que eles tomem gosto pela leitura o quanto antes, e não esqueça de os apresentar ao Harry Potter. Quando eles chegarem na adolescência e tiverem sua primeira decepção amorosa, por favor, explique que por mais que não possa parecer, eles vão conseguir sobreviver. Expli-que também que as garotas mais populares e famosas da escola geralmente vão ser as gordinhas depravadas e desco- nhecidas do futuro. Alerte-os que escolher o que vão fazer para o resto da vida com 18 anos de idade é muito cedo, então que pesquisem, conversem, peçam ajuda. Mas que se por acaso errarem na decisão, não tenham medo de voltar atrás. Aliás, que não tenham medo. Arriscar é preciso (aqui não se inclui atravessar a rua, conversar com estranhos e sentar no colo do papai noel). Que tenham bons encontros com Woody Allen. Que se questionem, que questionem os outros, que questionem a existência humana. Mas quando começa-rem a questionar demais, proíba momentaneamente os encontros com Woody Allen, até que entendam que a graça da vida é justamente o desconhecido, que sempre será desconhecido. Que pratiquem exercícios físicos, que sejam saudáveis, mas nunca neuróticos. Que viajem, e que antes de conhecerem a Disney, tenham conhecido a Bahia. Que tenham um hobby como válvula de escape, e eu não estou falando do azul com bolinhas brancas da Carla Perez. Que

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entendam de política um pouco mais que sua tia. Diga a eles que existe, sim, o Gênio da Lâmpada. E que, muitas vezes, ele pode ser aquela f igura que aparece quando esfregamos o espelho.

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