120
Janelas Abertas João Felinto Neto

JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

  • Upload
    buinhan

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

Janelas Abertas

João Felinto Neto

Page 2: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

2

© Copyright 2012, João Felinto Neto.

1ª edição

1ª impressão

(2012)

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta edição pode

ser utilizada ou reproduzida - em qualquer meio ou forma,

nem apropriada e estocada sem a expressa

autorização de João Felinto Neto.

Neto, João Felinto

JANELAS ABERTAS. João Felinto Neto.

Porto Alegre/RS: Liro Editora Livre, 2012.120 p.

ISBN

1. Poesia brasileira – Brasil. I. Título. II. Série.

CDD- B869.1

Page 3: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

3

Às pessoas que se escondem por trás de suas janelas.

Page 4: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

4

Page 5: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

5

ANTELÓQUIO

Se vós abris as janelas será para entrar claridade, brisa e/ ou verdes lá fora.

Eu vos ilumino, vos arejo, e pelo contrário, vos permito ver cá dentro, onde há silêncio para tranquilizar vossos anseios; o mais intenso grito para chamar vossa atenção; onde há tristezas para reconhecerdes a felicidade; trevas para que possais vos fascinar com a luz e realidade para vos encantardes com os sonhos.

Abri vós, todas as janelas que eu vos deixo destrancadas e descobri em cada uma delas uma pequena parte de um mundo inteiramente poético.

Com versos ordinários e uma maneira incongruente de escrever, desarmo as vossas defesas em relação aos vossos conceitos e vos faço mergulhar nesse mar de alucinações que a realidade vos oculta com suas convenções formais.

Não abriríeis mão de vossas convicções, nem violaríeis vossas próprias regras, mas através dos meus olhos entenderíeis minhas transgressões ao vosso jeito de pensar. Eu me iludo com a realidade, assim como tornais reais vossas ilusões. Praguejo meu descontentamento de forma que vos alcança e faço com que confronteis vossos ideais; embora percebais que sou quase alheio à vossa realidade. Pareço um fantasma que se perdeu no tempo, que veio do passado e foi além do futuro. Minhas opiniões muitas vezes, divergem justo por essa extrema dissociação entre o ontem e o amanhã.

Eu assombro a minha própria casa, com vozes que vos causais curiosidade e temor. São meus versos um constante arrastar de correntes de alguém preso a extrema realidade da razão.

Imaginei cada página como sendo uma janela aberta pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através de minhas JANELAS ABERTAS.

João Felinto Neto

Page 6: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

6

Page 7: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

7

FELIZ NATAL

Uma lenda mitológica Que virou marco na história Não parece natural. Mas pro mundo é normal, Tem a sua própria lógica, Tão estoica e irreal. Mesmo assim, feliz natal. Nessa noite esplendorosa, A família se desdobra Num afago filial. Onde o bem supera o mal. Onde a fé em sua glória Vê um deus que se transforma Em um semideus carnal. Essa lenda ancestral Se espalhou de mundo afora. Hoje, o cristão comemora Numa data especial. Mesmo assim, feliz natal. PERCURSO ELABORADO Tenho visto muita coisa

Que talvez fosse melhor não acreditar que existe. E que sim, me deixa triste. Mas não tenho outra escolha. Eu prefiro andar à toa Que seguir a riste, Um percurso elaborado. Não queria ser deixado Para trás, Por que todos os demais,

Nunca desistem.

Page 8: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

8

DÉBEIS SINAIS

Não estou morto. Ainda ouço Os meus próprios pensamentos. Sou eu dizendo a mim mesmo, Meus problemas pessoais. Sinto meus pais, Como se houvesse tempos Que não os revia mais. Débeis sinais Mostram que estão me perdendo. Mesmo sabendo, Tento não ficar pra trás. Somos mortais. Não importa o sofrimento, Precisamos ser reais. A DIFERENÇA Ontem, havia uma casa de barro, Uma rua carroçável, Um silêncio magistral. Hoje, há um prédio admirável, Um asfalto impecável E um trânsito infernal.

Essa é a diferença, afinal, Entre o outrora e o atual. CÉTICOS Aos meus méritos, São céticos

Os que me criticam. Não hesitam De não serem éticos.

Page 9: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

9

SEMBLANTE MESTIÇO

Pra quem olha de fora, Eu pareço esquisito. Se sou feio ou bonito, Para mim, pouco importa. Não comungo da glória Na história de um mito. Eu não sou mais que isso: Um semblante mestiço Que ora ri, ora chora. DISCUSSÃO ACIRRADA Eu não tenho tanta força Quanto tem minhas palavras. Os meus versos me dão asas, Voo sobre qualquer coisa. Não é destino, é escolha. Não há guerra, nem batalha; Mas discussão acirrada, Contra a tese sustentada Por qualquer outra pessoa. QUANDO O DIA ENFIM, CHEGAR Não tem que me esperar,

Nem me olhar com esse espanto. Não sou eu que digo o tanto Que você tem que andar. Só tenho que lhe ensinar A traçar seu próprio plano, Evitar que algum dano Venha lhe prejudicar. Quando o dia enfim chegar, Pare um pouco pra pensar,

Tente lembrar Do que hoje estou falando.

Page 10: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

10

EM CABANA

O meu nome, tua boca já não chama. Não me engana, O teu pérfido motivo. Não duvido Que é apenas uma trama Pra me manter em cabana, Escondido. Tu me deixas esquecido Em tua cama; Sabes que ninguém reclama. Eu repito: Não duvido Que é apenas uma trama Pra me manter em cabana, Escondido. ORVALHO As flores cobrem o jardim. Pois sobre o verde da relva, O orvalho frio desperta A fera que há em mim. A selva surge enfim, E me alerta Que o perigo me cerca, Que ser humano na certa,

Será meu fim. UM INSULTO Os cultos São um insulto À razão. Um homem são,

Percebe o vão Que está oculto.

Page 11: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

11

SOLITÁRIO PASSAGEIRO

Quem é esse solitário passageiro Que apesar de tanto medo Não desiste de seguir? Tem que mentir Até mesmo pra si mesmo, Para se manter em segredo E jamais se descobrir. Quem é que anda por aí À toa, a esmo E não tem zelo Com o que possa advir? Tenta sorrir, Sem saber se é por desprezo Ou se é desejo De reconhecer a si. AO SOL POENTE E aqui estou eu, Frágil e demente, Como um louco que foge ao sol poente Por temer a extrema escuridão. Minha sombra acompanha a solidão De meu mundo descrente, Onde ser sobrevivente

É ficar indiferente À sua própria condição. MAL EDUCADO Papel lambido, jogado Pela janela do carro Em meio à rua.

Cabeça suja, Não há desculpa, Mal educado.

Page 12: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

12

UM NOVO ANO

São as primeiras horas Do primeiro dia do ano. Tudo aquilo que ainda amo Continua desde outrora. Eis que a gente comemora Com a esperança de melhora. São os votos, são os planos De quem chora os desenganos E sorri com as vitórias. Personagens de histórias Que a vida escreveu, Foi-se o ano que morreu, Nasce um novo ano, agora. DIREÇÃO OPOSTA Sigo em direção oposta, Sob olhos de vigia. Vou como ao primeiro dia, Uma criança vai à escola. É impossível uma resposta A perguntas tão vazias, Cheias de alegorias Por doutrinação imposta.

Temo quando dou às costas A tamanha antipatia Dos que abraçam a tirania. Sendo afastado noite e dia, Vivo a solidão que se alia À razão que me consola.

Page 13: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

13

GENIAL

E se todos forem loucos? Sendo assim, serei normal E como tal, Sou um sábio ou sou um tolo? Tão diferente dos outros, Reconheço ser real; Não imortal, Pra viver além do corpo. Com meu pensamento torto, Serei um débil mental Ou genial, Posto ser um animal Que espera por tão pouco. ENSIMESMADO O amor não me dá medo, Mas me deixa ensimesmado Por fazer de um coitado, Um cavalheiro E de um príncipe herdeiro, Mero vassalo. O amor é inusitado Quando o primeiro. É primário em seu desejo

Ordinário. Tão contrário O amor é a si mesmo, Que é eterno e passageiro, Confiante e temerário.

Page 14: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

14

TRÉGUA

Nos braços dela, Sinto que não há espera. Pois não há o que esperar Nos braços dela. No corpo dela, Há uma completa entrega. Nem é preciso pensar, Basta deixar-se ficar No corpo dela. Nos lábios dela, Tal qual cena de novela, Onde um beijo faz chorar, Sinto a boca se afogar Nos lábios dela. Nos olhos dela, Há um brilho singular. É uma trégua Nessa incessante guerra Que é amar. O SUJEITO O que faço para fugir de mim mesmo,

Se eu mesmo me persigo? Qual seria o melhor esconderijo Pra esconder esse sujeito? Não que eu seja tão ruim quanto pareço Ou mereça algum castigo. Mas o seu melhor motivo, Não duvido, É o meu pior defeito.

Page 15: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

15

A APOSTA

Não pense no valor de uma dama Como carta de baralho. Pois o jogo é muito falho, Ao contrário de sua honra. Não me engana O seu blefe necessário. O penhor é muito alto Quando o item apostado É alguém que a gente ama. A ESPERA ACABOU Há dias eu espero pelo dia de hoje. Desde anteontem, desde ontem. Eu repito: amanhã, amanhã. Isso foi numa manhã. Posto hoje ser o agora, Outro dia foi outrora. Ao marcar todas as horas, A espera acabou. ESTAÇÃO DA EXISTÊNCIA Já não tenho a metade da inocência

Do meu tempo de criança. Não me cansa, A estação da existência. Posto a minha velha essência, Dá sinais de esperança. Nas lembranças, As distâncias são pequenas E encurtam o caminho da saudade Que não passa de uma certa habilidade

Que usa, a nossa inteligência.

Page 16: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

16

PAPO INVERTIDO

Por que eu ando de carro E ele a pé, catando lixo? Não me diga que o motivo É que ele é o escolhido E que eu, o rejeitado. Não me venha com esse papo invertido. Não espere por um ato fictício, Faça enfim, algo de fato. FADIGA Tenho a mesma fadiga de quem luta E a mesma desculpa De quem chora. Ao clamor de uma vitória, Se mistura Com tristeza e repulsa, O torpor de uma derrota. A razão já não suporta Tanta culpa Quanto a fé Que ainda exulta Sua glória. SÓ OS MOUCOS

Vou esperar mais um pouco Na esperança que mais outro Acredite em mim. Conto um a um, Para no fim, Somarmos todos. Se formos são Ou se loucos,

Somente os moucos Não ouvirão Nosso sim.

Page 17: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

17

SOLITÁRIA

Ela se ajoelha e ora. Ora diz amém E chora. Chora por alguém Que ama. Ama sem exigir troca. Ela docemente olha. Olha para sua santa. Lentamente se levanta A espera de resposta. Tristemente, dá as costas E caminha pela igreja Entre velas que acesas Iluminam à sua volta. Ela chega até a porta, Vê o mundo que há lá fora E que tanto lhe espanta. Mas mantém a esperança De que mesmo sem resposta, Ele está em segurança. PAI CORUJA

Cada vez que cai E se machuca, Fere muito mais A quem pai, Se julga. Não por se ter culpa, Nem pelos seus ais. Mas por ser demais

Para um pai coruja.

Page 18: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

18

AFOGADOS

Ela acorda cedo Pra fugir do pesadelo De ontem à noite. Simplesmente apaixonou-se Por um jovem marinheiro Que a onda nunca trouxe. O seu barco afundou-se Nas profundezas do mar. Com seu doce e meigo olhar, Entre lágrimas, afogou-se. Ela então, encaminhou-se Para o velho cais. Procurou até demais, Lá por trás das docas. Mas o porto não suporta Os seus tristes ais E até hoje, há sinais De que ainda chora. RECAÍDA Já não sei pedir perdão, Por repetir o mesmo erro tantas vezes.

Não deveria ser em vão, O meu esforço de parar. Como é difícil superar Uma recaída. É deprimente suportar Não ver saída. Se não consigo me conter, Talvez melhor fosse morrer Sem dar adeus a própria vida.

Page 19: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

19

CONSTRUINDO ILUSÕES

Eu continuo aqui, Fazendo as mesmas coisas que sempre fiz, Acreditando ser feliz, Construindo ilusões. As minhas realizações Caem por terra, Quando cada um soterra As minhas abstrações. Em suas recordações, Vivenciam minhas histórias, Repassando na memória, As mais belas orações. E eu continuo aqui, Fazendo as mesmas coisas que sempre fiz, Acreditando ser feliz, Construindo ilusões. ALÉM DA ESTRADA Segue em direção contrária, À procura de um café. Mas a estrada solitária, Não o leva aonde quer. Já não sabe mais quem é.

E essa dúvida lhe mata. Nessa tarde ensolarada, Para o carro em um sopé. É preciso ter fé Redobrada, Para além da estrada, Ir a pé.

Page 20: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

20

O MILITAR

Tenho a mesma pretensão De quem se cala. Como quem perde a esperança E não se mata. Pois não me falta Obstinação. Tenho em minha mão, Não só pressão, Mas autoridade e pulso forte. No punho fechado, a própria morte, Sorte dos que sabem a lição. Tenho o olhar vago Tal cristão Em estado de consternação Na visão de seu livro sagrado. Sou um militar condecorado. Em minhas divisas, meu passado. Em meus comandados, A missão. SEM GRAÇA Sinto a areia fina e fria Que alivia O meu cansaço. Abro a boca, estiro os braços

E me entrego à apatia. Já é quase o fim do dia, Quando vou chegando em casa. A camisa amarrotada, Abandonada em meu ombro. Ponho a rede, tiro um sono Que vai até a madrugada.

Me acordo sem palavras Para definir o quanto A minha vida é sem graça.

Page 21: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

21

NA DANÇA

Ela me olha a distância, Por admiração ou respeito. Penso comigo mesmo, Talvez seja desconfiança. Com seu jeito de criança, Ela de tudo tem medo. Um leve toque em seu cabelo, Tira logo o seu sossego E ela foge para longe, Onde a mão já não alcança. Porém, quando ela dança, Deixa à amostra os seios. Sem pudor e sem vergonha, Sente-se tão protegida Que é capaz de dar a vida Àquele que a acompanha. DA SOLIDÃO Minha solidão é tanta Que prefiro ir em frente, Pois voltar não adianta. Se ninguém me acompanha, Talvez seja por vergonha

Ou porque não compreende. Minha alma permanece indiferente. Minha sombra simplesmente não me alcança.

Page 22: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

22

A DÁDIVA

Não digo que te amarei pra sempre. Mas vou eternamente estar contigo Como uma dádiva, não como castigo. O nosso amor eu consolido Tal qual barreira de um velho abrigo, Em cada beijo lasso e comovente. No amor, não há uma causa aparente. Pois para amar, não se requer motivo. VULNERÁVEL Eu não preciso dizer Quão vulnerável é O homem que quer manter O amor de uma mulher. Pra fazer o que ela quer, Ele se deixa vencer. Se ela tem algo a dizer, Mesmo sabendo o que é, Ele finge não saber. Se ela quer se converter, Ele muda a sua fé.

Se ela não quer mais viver, Ele é capaz de morrer Para mantê-la de pé. Eu nem preciso dizer Quão vulnerável é O homem que quer manter O amor de uma mulher.

Page 23: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

23

CHÃO DE AREIA

Vejo a casa cheia. Lamentos e gritos, Choro e conflito, A comida queima. O chão de areia. Meu irmão comigo. Somos o motivo De uma briga feia. Minha irmã de meia, Parece alheia Ao fato ocorrido. Fomos pro castigo, A família inteira, Com o pai na cadeia. ALMA NEGRA Somos os fantasmas Que caminham assombrando nossas almas Com nossas armas, Nosso ópio, nosso ódio, Nossos mitos, nossos ritos, nossas falhas.

E cada um com sua face pálida E sua alma negra Que mais se assemelha Àquele que afasta. Basta. Essa gente gosta De sentir-se oposta. E no fim, se iguala.

Page 24: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

24

PRO FUTURO

Eu escrevo pro futuro E por que não escreveria. Hoje, há em cada muro, Uma cerca com energia, Uma câmera escondida Dia e noite, Noite e dia. Um cão enorme e feroz, Olha através do portão. Onde com arma na mão, Um guarda corre veloz À procura do ladrão Que é irmão De um pastor que é candidato A um cargo pro senado E que já foi condenado Por estupro e extorsão. Hoje, a constituição É uma carta obsoleta Como carta de amor Que não tem nenhum valor, Coisa de gente careta Que faz uso da caneta Por não ter computador.

Mas que horror! Numa nação prostituída, Duramente corrompida, Ainda haver muita família Envaidecida, Que se orgulha do caçula Ser o mais novo eleitor.

Page 25: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

25

NA CENA DO CRIME

Um estampido, um grito, arma na mão. Vejo um corpo estendido na calçada. Ao seu lado, uma mulata aperreada Exagerava uma extrema comoção. Era uma inusitada situação. E por acaso, eu passava nessa hora. Enquanto isso, ela se ajoelha e chora. Sem demora, arranjo-lhe uma solução. Depois, lhe faço uma recomendação. Digo a ela: é melhor que vá embora. Se acaso a policia chega agora, Vai na certa, arrastá-la a prisão. Apesar dela escutar-me com atenção, Noto que com acuidade ela me olha. De repente um clarão, a mente acorda E enxergo minha própria condição. Já me via preso dentro de um caixão, Sendo a única testemunha que havia. Vi no brilho de seus olhos, ela sabia. Sinto o peito arder e caio rente ao chão. Eis que escuto ela fugir com discrição. Mas, se conto hoje essa minha história,

É por estar numa posição oposta, O meu nobre e inocente coração. SUCINTO Minto Aos olhos que já não vejo, Aos beijos

Que já não sinto. Não me permito ser mais sucinto.

Page 26: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

26

MATRIMÔNIO

Preciso elucidar meu matrimônio. São queixas, Mês a mês, São os hormônios. E os anos Que esperam pelas bodas, Se perdem com as outras, Fim dos planos. As alianças esquecidas. Nós dos dedos. Sussurros e segredos, Desenganos, São as amigas, Inimigas De um tal cotidiano. Amor enquanto for Feliz. Felicidade quis Morrer em nós. Ambos a sós, Fazendo companhia Um ao outro. ALGO MAIS Não é a beleza que conta.

É algo mais que encanta, Que só a alma tem E que está além. A vista não alcança, A não ser na criança E no amor também.

Page 27: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

27

DESAJUSTADOS

Filho da mãe, Aonde anda o teu pai? Pois tua irmã vai Fugir amanhã. Entre flores de hortelã, Foi à maçã Que ela resolveu comer, Ao contrário de você Que quis beber E vomitou no quintal, Onde afinal, O teu pai tentou morrer Depois de ver Em um ato imoral, Tua mãe passando mal Em um coito de prazer. SEM TEMPO E SEM HORA Os meus dias de agora, Tão sem tempo e sem hora, Dando adeus, vão-se embora Num severo castigo. Eu apenas maldigo O relógio que mostra Quantas horas,

Tanto tempo perdido. Quando penso já ter esquecido, O relógio maldito Me acorda. Quem me dera fosse como outrora, Eu teria um motivo Para não lhe dar corda.

Page 28: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

28

UM ROSTO

Falta pouco Para que eu fique louco Na procura de um rosto No espelho. Mas não vejo Nada além do que eu mesmo, Um perverso ser com medo De ser outro. FATALISMO O teu amor em minha vida é tão cruel, Quando te faço um bem recebo um castigo. Enquanto sofro em meu inferno prestativo, Te admito e te coloco lá no céu. Aprisionaste minha alma num anel E o meu corpo sob o véu do fanatismo. Mesmo diante de tamanho egoísmo, Eu permaneço sendo teu cativo réu. Sinto em teus lábios, o mais doce e fino mel, Em beijos lassos do mais fútil esnobismo. Enquanto usas meu amor como eufemismo. Ante o mais profundo e obscuro abismo,

Eu acredito e reconheço o fatalismo. E ainda assim, te permaneço tão fiel. MINHA CRIANÇA Abro os olhos na esperança De que mesmo na distância, Eu possa ver

Qual futuro pode ter Minha criança.

Page 29: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

29

TODOS OS MEUS ERROS

Todos os meus erros Não passam de um aprendizado. Quando lembrá-los, Irei temê-los. Por conhecê-los, Vou evitá-los. Ao perdoá-los, Posso vencê-los. EM MEU SILÊNCIO A única certeza que eu tenho, É de que nada é certo. E tudo que afirmo é decerto, Extensão do que eu penso. É tão imenso E incompreensível o universo, Que fico imerso Em meu silêncio. MENSAGEM MÓRBIDA As minhas dores são compostas Por supostas Argumentações.

Não são as físicas, Minhas lamentações, São as teóricas. Pois são as próprias Que geram indagações. Quanto às explicações, São desastrosas. Quanto às respostas, São meras mensagens mórbidas,

Da boca de anciões.

Page 30: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

30

AO RELENTO

Fui deixado à mercê Do meu tormento. Fui entregue ao tempo Sem você. O que fiz pra merecer Tal sofrimento, Esquecido ao relento Pra morrer? Encontrado, sem querer, Entre os detentos. Um estranho em silêncio, Que não vê Um punhal que segue lento. Fez seu último movimento, Sem saber. DONA INGRATA Ah, dona ingrata! Aonde anda sua voz? Sua boca não diz nada, Isso me dói. Como um câncer que corrói A minha alma, Seu silêncio me degrada E me destrói.

Gostaria de ouvir Ao menos uma só palavra; Mesmo que em tom de raiva Por desprezo a um de nós, Esse que aqui vos fala, Por saber que não se encaixa No conceito de herói.

Page 31: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

31

MERA FANTASIA

Todas as vezes que eu entro, Ele está lá, Na mesma mesa. Sem me notar, Os seus olhos estão dentro Da garrafa ainda meia. Entre lágrimas, pranteia Seu penar. Sempre ao me aproximar, Ele disfarça e sorri Como se tudo ali, Fosse mera fantasia. Talvez, sua alegria Fosse mais um copo cheio E um amigo que não veio Pra ficar. Nós bebemos sem parar, Até quase madrugada. Despeço-me, e na calçada, Eu o vejo acenar Ao garçom que nos servia, Mostrar a garrafa vazia E a cadeira pra sentar. Mas meus olhos vão além desse lugar, Ao me lembrar Do meu tempo de criança, Onde eu via esperança

Em seu olhar, Escutando ele falar Que se a gente acreditar, Tudo se alcança. TRISTE PARAÍSO Alimento a minha vida

Com a seiva do riso, Nesse triste paraíso De gente sofrida.

Page 32: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

32

PALAVRAS CRUZADAS

As perguntas são dispostas Em quadrinhos desiguais, Para pormos as respostas, Verticais e horizontais. Há conhecimentos gerais, Sinônimos, antônimos e abreviaturas. Há palavras obscuras Por já não lembrarmos mais, Consoantes e vogais, Gíria, símbolos e siglas, Línguas e mitologias E há flexões verbais. Encontradas em jornais, Um incrível passatempo E relaxa muito mais. Vamos ver como se faz: Excitada, cinco letras? Veja se cabe, ACESA. ACESA, dá com certeza. E dá certo com as demais. Três letras, irmã dos pais? Essa é fácil, ponha TIA. Com prazer e alegria, Passa a noite, passa o dia E a vontade é fazer mais.

DEMÊNCIA NATA A raiva É um gatilho que dispara E gera a violência. O que leva a paciência A perder a calma. O bom senso a desarma. Eis a consciência,

Um recado da inocência À demência nata.

Page 33: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

33

ZÉ DO LEITE

Você vê o Zé andar Por tudo que é lugar Em cima de uma carroça. Sua velha amorosa, Prestativa e carinhosa, Teima em lhe acompanhar. Tudo que possa levar, Ele acerta o seu frete. E por mais que a vida aperte, Nunca ouvi Zé reclamar. O seu pobre e humilde lar É aconchego pros seus netos Que dividem seus afetos E as roupas que alguém dá. Já à noite, ao se deitar Em sua cerzida rede, O pacato Zé do leite Reza pra não enfartar. Pois precisa trabalhar, Mesmo com pouca saúde. E que Deus do céu me ajude! Grita pra Deus escutar. Ao saber que ainda há Gente como Zé do leite, É o que faz com que eu respeite Essa crença popular.

PIONEIRO Sou eu que sigo a passos, Os seus rastros pioneiros. Um grande aventureiro Do passado. Tão raro Em seus próprios devaneios,

Que por inteiro, Eu me sinto nos seus braços.

Page 34: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

34

A CIDADE

A cidade procura o céu Sem piedade dos trabalhadores. Edifícios sedutores Aos olhos dos passantes Que não veem que bem antes, Houve greve e rumores De que a mando dos doutores Foram mortas lideranças Pra acabar com as esperanças Dos ditos agitadores. Mas enfim, são só rumores. Minhas senhoras, meus senhores, Vejam a vista aqui de cima. A cidade está tão linda Que não há lugar ainda, Para brigas e rancores. O BOI E A VACA PRETA Onde está o boi? O boi furou a cerca. Na certa, ele se foi Atrás da vaca preta. O boi não fez careta. A vaca se dispôs.

Juntaram-se os dois, Para fugir da seca. Enquanto o mato queima, O boi morre de fome, A vaca preta some E o homem Se ajoelha.

Page 35: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

35

O SÓSIA

Ele tinha a minha cara, Escarrado e esculpido. Era um pouco mais bonito, Mas não tinha minha lábia. Sua pele muito clara, De quem vivia vestido, Não tinha esse tom curtido De quem vive só de praia. Ele quase não falava. Além de muito polido, Coisa que não agradava, Era fiel a namorada. Também era introvertido. Só tinha de mim, a cara. NÓS TRÊS Eu posso até Mudar de nome, talvez. Ou ir embora de vez. Já não suporto: Quem é? O que ele fez? Não fugirei de vocês,

Nem mesmo, fujo de mim. Apenas não quero um fim, Onde nós três Sejamos alvos de leis Que julgam algo ruim. INSENSIBILIDADE

Sofro da mesma insensibilidade Que faz parte da cidade E se estende ao subúrbio.

Page 36: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

36

INTRIGANTE

Sua crença me intriga. Se você diz que acredita, Por que teme tanto a morte E se apega tanto a vida? Onde a alma enfim, habita? Ao lado de quem lhe conforte. Seja forte, Quando a pessoa morre, Sua ideia se eterniza. SONETO AO RIO Elevo-me num voo até o Rio. Pouso no Cristo redentor. Não abro os braços por louvor, Mas por calor e desvario. Mergulho em um desafio, Na praia do Arpoador. Na Mesa do Imperador, Descanso enfim, o meu quadril. À noite, sob vento frio, Voo ao mirante Dona Marta, Vejo a cidade iluminada e gentil.

Com o meu corpo já febril, Voejo pros Arcos da Lapa, Onde o bondinho passeava pueril. BUSCA Busco paz, Busco a mim mesmo.

Tenho o mesmo anseio Dos demais.

Page 37: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

37

RIO

Ao imaginar que estou no Rio, Rio entre gargalhadas E abraço o mar. Vejo o sol brilhar Em suas lindas praias. Com as mãos enxugo minhas próprias lágrimas. Finjo não chorar, Pela sensação de poder tocar Nos Arcos da Lapa. Rio, das madrugadas, De Santa Tereza, Da visão chinesa, De antigas calçadas. Rio, De janeiro a dezembro, É meu sonho de pequeno Na canção que me embalava. O QUE ENTÃO, DEVO FAZER? Devo dizer Que vou voltar Na intenção de me enganar

Ou para te fortalecer? Não te quero ver sofrer. Também não quero me anular. O que então devo fazer: Fingir não te ver enlouquecer Ou simplesmente aceitar?

Page 38: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

38

AO ME ENTREGAR

Não sou tão forte Quanto às bases que me sustentam. Não sou tão frágil Quanto o silêncio Que o vento tolhe. Mas nada foge Ao esmerar do meu desempenho, Nem mesmo o tempo De relutar contra a própria sorte. Subo ao poste E laço a corda em um movimento. Perco meu senso E abro os braços ao me entregar à morte. MAPA DA MINA Tatuei em meus braços, O mapa da mina. Tatuei em meu peito, A saudade lá de cima. Resta-me ainda, Tatuar a solidão. Na minha pele, há fuligem de carvão. Nos olhos claros, uma espessa escuridão Que me acortina.

Meu corpo ensina À minha alma, a dizer não A ilusão Da esperança que fascina. CASTIDADE Vejo uma irracional insanidade

Em não ser o que se é. Vejo a mesma, em tua castidade, Nessa tão estranha fé.

Page 39: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

39

ALVO

Saem flechas dos teus olhos Quando notas meus defeitos. Dos meus erros, Tu tens ódio. É tão óbvio Que tens medo. Qual será o teu segredo? Por que não vês a si próprio? Talvez não estejas sóbrio Ou te falte um espelho. EM MINHA ÉPOCA Não sou afeito a métricas, Nem a verso estruturado. Eu sou mal elaborado E sem estética. Se a crítica detesta O meu trabalho Por deixar um verso solto e longamente arrastado, Paro, Não por medo do sarcasmo, Mas por que não tenho pressa. Não insista, não me peça Por um ritmo adequado.

Sou um louco desvairado, Jogo pedras. Não na lua dos lunáticos, Mas na porta dos estetas. A poesia sempre espera O tempo que for necessário. O que é mal conceituado Poderá ser consagrado.

Se você lê meu poema entre páginas do passado, Vai notar que fui ousado Em minha época.

Page 40: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

40

EM UM BEIJO

Nos olhos assustados que se entreolham Quando alguém bate à porta, Há inocência e medo. O medo de abri-la e serem pegos. Mas já não mais importa. São ambos indefesos. São os mesmos Que na rua, pulam corda. Porém, agora, Descobrem em um beijo, Que havia um mundo inteiro Às suas costas. ENTRE VERSOS Entre versos, Vejo opostos. Entre retos, Vejo tortos. Entre velhos, Vejo moços. Entre eleitos, Vejo votos. Entre bichos, Vejo porcos. Entre aves,

Vejo corvos. Entre anônimos, Vejo rostos. Entre vivos, Vejo mortos. Entre versos, Vejo opostos.

Page 41: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

41

CABEÇA OCA

Minha cabeça é tão vazia Quanto um coco abandonado pela praia. Dentro dela, não há nada. Mas por fora, ela é sadia. Tem uma aparência típica, Com o detalhe de ser chata. É comum ser encontrada Na região a qual habita. Tem ideias esquisitas, Muitas vezes não lembradas. De si mesma esquecida, Minha cabeça enfim, se cala. SUSSURRO Que a dor Confesse para a morte, O que sussurrou a esperança: Confiança, confiança, confiança... CHEIO DE SI Tão cheio de si,

Descobre-se só, Pensando ser melhor Do que todos ali. Custa a admitir Que para ser maior É necessário se unir.

Page 42: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

42

BILHETE SUICIDA

Eu dilui minha esperança Entre lágrimas retidas. Avivei minhas feridas Com lembranças. Minha mão já não alcança Tocar a vida. Sou um mísero suicida Que ainda te ama. O SONHO DE MARIA Decidiu que voaria. Mas queria mergulhar. Entre o céu azul e o mar, Não sabia o que faria. Os peixes na água fria, Chamam-na para nadar. As aves pairam no ar E começam a cantar: Voa Maria, voa Maria; Venha nos acompanhar. O vento teima em soprar, Ela não se decidia. Então, se desequilibra. Na queda, tenta voar. De repente, cai no mar.

Sorri de forma sombria, Ao ver sua fantasia Se afogar. DEVE SER LOUCO Peço bem pouco. Dou menos ainda.

Se alguém me discrimina, Deve ser louco.

Page 43: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

43

O PAÍS NO QUAL EU VIVO

Onde o mito É empecilho pra razão; A educação Tornou-se algo perdido; Se alguém corre perigo É por mera diversão; Onde o amor em união, Não faz sentido. Onde ser enaltecido Tem segunda intenção; Se sentir satisfação, É pervertido; Onde um ato proibido Não recebe punição E a comiseração É alvo de riso. Onde o outro indivíduo Sofre discriminação; Sua própria opinião Pode feri-lo; Onde o místico Serve de consolação; Onde a compensação É o único objetivo.

Onde o homem é cativo À sua própria condição; Onde há mais obrigação Que direito adquirido; Onde o fraco e oprimido Não merecem ascensão; É enorme a frustração No país, o qual eu vivo.

Page 44: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

44

PALAVRAS CONFUSAS

Em si mesmo se oculta, Na mais tímida desculpa De que não existe culpa Por não ter. Aos poucos, vai crescer Sem deixar meios de fuga. Cresce tanto que se ocupa De todo nosso querer. Quando se tenta entender, O amor tende a ser Somente palavras confusas Que jamais ouso dizer. VELHA ACANHADA A cidade elevada Na modernidade erguida, Não percebe a casa antiga Que entre edifícios contrasta. Uma velha acanhada, Entre jovens exibidas, Que será demolida Quando for percebida Pelos donos da casa.

RÉSTIAS Réstias de um pesadelo. Pequenas brechas em meu sono. Partes que componho Em cifras que embalam meu desassossego. São meus próprios erros,

Algo que não me acanho, Quando acordo em pranto, Pendurado aos seus cabelos.

Page 45: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

45

ALGO DE ESTRANHO

As árvores falam tanto Quanto o vento lhes permite. Sussurram palavras tristes, Que nos soam como pranto. Ao véu da noite, assombram Todo aquele que insiste Negar seu canto triste, Dizer que não se encantam. Sob a lua, ao vento, dançam. Sob o céu, ainda existe Em cada árvore que resiste, Algo de estranho. O BOÊMIO Teus lábios choram trêmulos, Minha partida. Regresso à minha vida De boêmio. Confesso que não tenho A voz antiga. Mas conto com o carisma E com o empenho. Meus acordes são lentos, Minhas notas perdidas, Meus ais numa bebida,

Saem de dentro, Ecoando no ambiente, meu lamento. A plateia boquiaberta e comovida. OLHOS ESBUGALHADOS Vejo a lua crescer Sobre dois corpos.

Sinto você tremer Entre meus lábios, De olhos esbugalhados.

Page 46: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

46

MINHAS CARTAS

Não me importo, Se interessam meus apelos Ou se já não valem nada. Pois, cavei a mesma vala Onde enterrei meus mortos. Os meus ossos Estarão presos a arcadas. Minhas cartas, Revelarão meus esforços. É TUDO ILUSÃO Ah, madrugada fria, Em que me encontro só! Ainda sinto o teu cheiro pelo quarto, E no meu entusiasmo, O teu vulto vira pó. Abro a janela, Vejo a rua em silêncio. Enquanto penso, O vento espalha a solidão. Esfrego as mãos Para espantar o frio intenso. Meu sofrimento É por ser tudo ilusão.

CATIVO Não atribuo a mim, Nenhuma ideia. Apenas sou cativo ao pensamento E permaneço atento Por um breve momento,

Como num show de estreia, No meio da plateia, Um fã ouve o silêncio.

Page 47: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

47

UM LOUCO DISFARÇADO

Compelido a viver na sanidade, Eu finjo ser aquilo que não sou: Um exemplar desta sociedade Que faz pouco da verdade E confunde respeito com temor. Acredito que o amor Seja algo conquistado; Que jamais seja obrigado, A amar seja quem for. Mas tenho que me opor Ou serei crucificado. Sou um louco disfarçado, Finjo ser alienado, Mas não sou. ORAÇÃO DE UM MENINO PRECOCE Papai Noel. Sei que você não existe. Mas, há gente que insiste Que existe papai do céu. Sei que o mundo é cruel E a minha vida é triste.

Mas viver de fantasia É uma enorme criancice. A realidade exige E a necessidade obriga Que apesar de minha idade, Os meus olhos vejam a vida Como ela é de verdade.

Page 48: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

48

O MENINO DE PIJAMA

O menino de pijama Ainda sonha Com seu quepe de soldado, Seus coturnos bem lustrados, Sua farda de campanha. Teria a vida enfadonha Por crimes premeditados. Mas seria um bom soldado, Lhe acompanharia a fama. No futuro, o qual sonha, Um menino de pijama Será coisa do passado. PÁGINAS POLICIAIS Num só mergulho Nessas páginas intranquilas, Eu jamais me afogaria. Mas me tiraria o sono. Prefiro os sonhos De uma noite bem dormida. As más notícias Para mim, não tem encanto. Em meu descanso,

Já nas horas matinais, Eu folheio os jornais À procura de um bom conto. FAÇO DE CONTA Faço de conta Que estou sonhando.

Como é estranho Esse mundo que me encanta.

Page 49: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

49

SONETO DAS HORAS VAZIAS

Na aflição de meus dias, Eu percebo um mundo ingrato, Onde tudo é comparado, Até mesmo, as agonias. Minhas horas são vazias. Minha vida, um marasmo. Mas ainda há quem diga Que eu sou um felizardo. Dito com entusiasmo, Mais parece uma ofensa Ou um pérfido sarcasmo. O pior, é que ao contrário, Por ser justo o que ele pensa, É um elogio macabro. NOSTÁLGICO Saudade, Palavra reservada a quem chora. Tudo de agora, Não passa de lembrança do passado. Por ser nostálgico, No tempo, volta à idade de criança,

Na esperança De que na solidão é compensado. Olhos velados, No último suspiro se encanta. Sua mão alcança A quietude mansa Dos finados. Dos bens deixados,

Molduras em retratos de infância, Única herança De um homem que vivia do passado.

Page 50: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

50

TATUAGEM

Desabrochou A flor tatuada em suas costas. Na pele exposta, Exala o cheiro do tatuador. Numa só cor, Que o suor do corpo, tão sutil, desbota, Nasce uma rosa Perfeita e majestosa Por cima da flor. EM SOMBRA A minha sombra Se oculta em uma tumba, Enquanto afunda Em tuas tristes lágrimas. A minha alma É uma lápide quebrada. Não se confunda, Por ser a única Que me demarca. Resta-me a ossada, Cabelos, unhas, Carne putrefata.

INESTIMÁVEL TEMPO À margem de um mundo em que se morre Em busca do próprio sustento, Eu vou sobrevivendo; Enquanto velozmente corre, O nosso inestimável tempo.

Page 51: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

51

INSTINTO PREDADOR

Correr parece a melhor saída. Mas, só incita Seu instinto aguçado. O seu olfato Sente o cheiro de sua vítima. Sua boca então saliva, Bicho indomado. Entre arbustos e galhos, Ele desliza. Sorrateiro, nunca avisa O perigo aproximado. Pode vir de qualquer lado, Fera imprevista. Qualquer movimento instiga O ataque imediato. O pescoço é quebrado Na pressão de suas mandíbulas. Suas garras retraídas, Lâminas de fios amolados, Saem abrindo feridas. Tripas e vísceras Se espalham ao chão molhado Pelo sangue empoçado Na floresta em que habita. Essa é a vida, Onde o forte come o fraco.

SOB OS DOGMAS DA FÉ A humanidade enfim, delira Sob os dogmas da fé. Não sabe quem é. De quem duvida? Na própria medida, Pesa a vida,

Onde valoriza O que aprouver.

Page 52: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

52

TRAUMAS

Eu poderia até gritar Que estou só. Mas estaria acompanhado Pelas lembranças do meu passado, Traumas deixados Por minha avó. A minha culpa não tem dó De meu pecado, Também deixado Por minha avó. Poeira e pó Num velho armário. Sopro um retrato. Olho espantado, O rosto amargo De minha avó. DURA JORNADA Eu vi um homem contente Com sua vida agitada. Não tinha tempo pra nada. Mas estava sorridente.

Ele era indiferente A sua dura jornada. Pouco se alimentava E jamais ficou doente. O amor que ele sente, Dedicado unicamente, Ao ofício que abraça.

A família e a casa São na pressa, relegadas À solidão dos seus entes.

Page 53: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

53

FUGITIVO IMAGINÁRIO

Por ideais de liberdade, Sou carcerário. Um mercenário Na boca que me detesta. Fuga da cela; Companheiro solidário, Desencantado Com o mundo que lhe cerca. Quando deixei a minha terra Em busca de um mundo igualitário, Imaginei outro cenário. Porém, não era Nenhum pouco humanitário. Do mundo arcaico Do qual viera, O fugitivo imaginário Sou eu, lendário Por ser quimera. O ZELADOR Calar-me; Seria assim, tão fácil, Diante de tantos pedaços De corpos ceifados,

De braços E pernas? Sou esse que zela Por bons resultados. Os corpos cremados, O chão bem lavado, Ninguém me supera.

Page 54: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

54

GRAFITO

Alguém grita na escuridão. Há medo. As inconsequências necessárias dos delitos. Os desdobramentos lícitos, Na corrupção se afogam. Não foi por êxito; Alguém deu a mão, um empurrão, um pistolão de calibre muito grosso. No alvoroço, Todos correm à procura de um laranja (A fruta podre que eclode Onde há pobre e preguiça). Não são artistas, Mas atuam muito bem, Onde nada é de ninguém, Onde a pena é apenas dó. Nunca estou só, Perseguem-me os dias de labuta. Filhos da luta, Somos trabalho e suor. Hoje, o cidadão tem o direito De ter obrigação com seus deveres

E com os três poderes que enganam a nação. De água e pão, de esperança e devoção vamos seguindo o cortejo. Amanhã quem sabe, eu vejo Que é uma grande armação. Nessa máquina do mundo, Somos simples engrenagens. Força e coragem

São palavras prestativas. Na realidade, a cruel necessidade Nos obriga.

Page 55: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

55

Na fadiga, O descanso é a bebida

Pra fugir da realidade; Noutros, a ingenuidade Das religiões proscritas. Fuja da vida, Beba a fé, a castidade. Os opostos se atraem, Também se traem. É a lição entre pobres e ricos. A miséria, o roubo, o crime Ao pobre não redime. Com exploração servil, O rico se torna vil. É o Brasil Esse canteiro de sonhos. Aluguei uma besta fera Para voltar ao nordeste. Cabra da peste Que ainda subsiste. Nas águas do Rio, minha azêmola se afogou. É o apocalipse! Gritou o meu avô no Maranhão (Viu pelo televisor quando o morro desabou). Carrego em minhas costas As encostas, o sal grosso.

Sou muito moço pra morrer do coração. Diga isso não; Meu irmão morreu de esforço (Um mal exposto Ao pacato cidadão). As costelas são de Eva E não de Adão. Se é tudo encenação,

Quem sou de fato? Um macaco pendurado num cordão Que balança numa árvore genealógica

Page 56: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

56

Numa floresta sem lógica, Onde sensatez é ilusão.

Chove pipoca no quintal do meu vizinho. Sua casa é um cinema com poltronas ilusórias. Sua vida um triste filme sem história. E aqui fora, Tudo continua igualzinho. Voa livre o passarinho. Todavia, em pouco tempo ele volta. Sente falta da gaiola Onde tudo está à mão. Eis o gato, o vilão Vem de mansinho... Suas penas se espalham pelo chão. Digo que o maluco tem razão. Os ouvidos ouvem não; O nariz cheira o mau gosto; A boca morde o desgosto; Os dedos tocam o chão; Os olhos na escuridão, veem o silêncio, Um sentimento de total desilusão. Que poder quer ter para transgredir normas? Que necessidade mórbida De provocar dor. A impunidade rege nossos atos,

Por sermos medíocres no amor Humano. Tão marcianos Quanto os de Orson Welles, São os nossos conterrâneos. A vida se apaga em uma brasa que abrasa de calor a nossa terra que se enterra em nosso lixo tão prolixo quanto esdrúxulo.

É o fim do nosso estudo.

Page 57: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

57

O PARDAL

O vento assanha as suas penas, Enquanto se equilibra no semáforo. Na hora em que param no vermelho, Ele caga no sinal. E quando todos seguem na cor verde, Rememora-se das árvores que havia no quintal. Voa em direção aos prédios, o pardal. GRAU DE ADEUS Posso definhar-me numa cama, Com a cômoda esperança De que o mundo ainda é meu. O sorriso que me convenceu É de alguém que não me ama. Quando o mal comer minhas entranhas, Entre teias de aranha, Vão velar os restos meus. Lágrimas de quem me prometeu Que a vida me acompanha. Serei uma constante lembrança Para aquele que alcança O grau do adeus.

PELAS RÓTULAS DA JANELA Pelas rótulas da janela, Vejo as formas que há lá fora, Na escuridão passiva Pelas lâmpadas amarelas. Entre elas, Uma sombra incomoda. Tão silenciosas horas

De espera.

Page 58: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

58

SINTO MUITO

Sinto muito Por tão pouco. Peço tanto, Não dou troco. Mas o mundo exige troca. Se me toca, Quero tudo. Se me mudo, Não há volta. Vejo que você não nota O absurdo. Não desgrudo Da barra de sua saia. Não me traia. Pois eu cortarei os pulsos. E em seu luto, Não enxugarei as lágrimas. Tão sem alma Por ser morto. Só um corpo Que na escuridão se apaga. EXATIDÃO

Sigo a chama De tua boca acesa Que aos poucos queima A espessa escuridão. Sou escravo da razão Que incendeia Com a ideia que clareia

Minha exatidão.

Page 59: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

59

ODE A BACO

Baco, Meu sagrado deus profano! Tão insano Quanto qualquer deus louvado. Teu reinado Dura milhares de anos. Entre tantos, O teu sangue é derramado. Tinto e amargo, Embriaga-me em sonho, Quando componho Uma ode ao venerado. Ao degustá-lo, Sinto-me tal qual romano, Com o hálito, com o ânimo, Com a paz dos viciados. UM BOM MOTIVO Sou eu mesmo Que falo de meus vícios, Que julgo o meu juízo E os meus próprios atos. Os meus adversários, Sarcásticos e críticos,

Ferrenhos inimigos, Serão desnecessários. Se não sou solidário, Nem mesmo comigo, Terão um bom motivo Pra ficarem assustados.

Page 60: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

60

VIRGEM

Numa dança íntima, Envolvente, Ela surpreende Com astúcia. Dama impoluta E atraente, Malevolamente Se insinua. Eis que seminua, Vai em frente. Meu rubor pungente, Não me oculta. Peço-lhe desculpa, Simplesmente Por estar ciente De ser minha culpa. De tão resoluta, Me convence Que à paixão ardente, Não se julga. Sua voz ocupa Toda a minha mente. O meu corpo freme Quando ela me estupra.

ANJO DA GUARDA Fiz de você meu anjo da guarda. Pus minha alma Em tuas finas mãos. Tua missão É me deixar amá-la. Fecha tuas asas.

Abre meu coração.

Page 61: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

61

LOGO, LOGO, ACABA

Um dia desses, Eu fiquei pensando, em casa, Solitário, Que o mundo é temporário E que logo, logo, acaba. Mas qual a graça Se ele fosse eternizado? Os prazeres esgotados, Já não valeriam nada. Toda a dor, se redobrada, Tornar-se-ia um castigo. A miséria e o lixo, Duas permanentes pragas. A fortuna acumulada, O poder sempre mantido, O amor já esquecido, A vida tão sem motivo E a morte, uma piada. MORADORES A beleza da casa Está em seus moradores.

Não nas cores Das paredes pintadas, Nem nas finas sacadas Com arranjo de flores. Os verdadeiros valores, Não são joias compradas, São as crianças amadas Que sorriem encantadas,

Com os seus progenitores.

Page 62: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

62

VISÃO FANTÁSTICA

Não escuto nada, Nem um só ruído. Estou pensativo, Só meu pensamento fala. O mundo se cala. Não me sinto entristecido. Estou convencido Que o silêncio me agrada. É incrível ver a farra Sem barulho no ouvido. Como é bom olhar o riso Sem o som da gargalhada. Numa noite iluminada Pelos fogos de artifício, Sem um único estampido, Tenho uma visão fantástica. PERSONAGENS MÍTICOS Preste atenção no que eu digo Para não haver mal entendido E eu ser discriminado. Não defendo a Deus ou ao Diabo, Nem condeno aos aliados convertidos. Esses personagens míticos,

Pelo povo, adorados E/ou temidos, São, em minha opinião, O pior castigo Ao homem civilizado. Se você me der ouvido, Agradeço-lhe, obrigado. Se seremos condenados

Ou absolvidos, Não dependerá desses personagens míticos, Mas de nossos próprios atos.

Page 63: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

63

DE TUDO, UM POUCO

Eu não devoto a minha vida À exclusividade de um assunto. Quando muito, Procuro aprender de tudo, um pouco. Senão, sou morto Pelo tédio da doutrina. O que se inicia, não termina; Posto começar de novo. E já não sou tão moço. A vida ensina Que é melhor de tudo, um pouco. COMO NUNCA VIRA Despertei tão cedo, Que não sabia O que fazer na madrugada fria. Andei a esmo Pelas entranhas do apartamento. Enquanto o tempo Não me percebia. Horas vazias De um mesmo enredo, Um pesadelo Que já não temia. Visão tardia,

De que um novo dia Não metia medo. Vejo no espelho, O que já não via. Olhos de guia Para um vil desejo; Vendo a si mesmo, Como nunca vira.

Page 64: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

64

APAIXONADA

As gargalhadas entre lágrimas São um deboche a si mesma. Pena, medo, Meros efeitos Da própria alma. Consolidava-se em raiva, Em desespero, O afeto que tão cedo, Se acabava. Sem dizer uma palavra, Sofre calada, Por tanto zelo Com o amado companheiro Que a abandonava. Uma página virada Em segredo, Como último apelo De uma diva apaixonada. DESINIBIDO Não me comunico Com quem não me dá ouvido. Não sou prestativo Com quem não me dá valor. Se assim não for,

Sentir-me-ei oprimido. Sou desinibido Para quem Me tem Amor.

Page 65: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

65

LAR, DOCE LAR

Deveria voltar Para ver o que resta De meu lar, doce lar. Se ainda há lugar Para quem teve pressa De lhe abandonar. O que irei encontrar? Será que alguém me espera? São perguntas discretas Que me faço, mais velha, Ao reconsiderar. AO FIM DO POÇO Nada me basta. Tudo é tão pouco. Não há consolo E a vida passa. Não há mais graça. O mundo é outro. Não faço esforço Pra mudar nada. Minha desgraça É meu desgosto.

Vejo em meu rosto, A minha mágoa Que me arrasta Ao fim do poço, Onde eu ouço A minha alma.

Page 66: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

66

MÁGICA ESTRANHEZA

Em meu tépido sorriso desolado, Há uma mágica estranheza. Eis que a mesma, Não me deixa iluminado. Mas clareia Com um leve entusiasmo, Minhas queixas. São desfeitas, As expressões de um rosto pálido. Tão esquálido Quanto as marcas imperfeitas Que há tempos são aceitas Sem escárnio Pelo deplorável hábito De esquecê-las. LÁBIOS DE AMANTE Eu nunca esqueço Seu último beijo Na ânsia de outro. Acho que ser louco É querer vê-la Através dos lençóis de seda, É desejar mais um pouco,

Mais que cama e mesa, Mais que quarto e sala, Enxergar a própria casa Por inteira. Sob a casa alheia, Encontrei seus lábios Sempre temerários A serem flagrados Sob a casa alheia.

Page 67: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

67

SATANÁS

Quero morrer Na solidão de minhas trevas. Dias na terra, Não me iluminam mais. Sou Satanás, O anjo que ainda erra. Perdi a guerra Descoberta por meu pai. E do céu cai Cada anjo que se entrega Aos caprichos de sua Eva Em defesa dos mortais. O TEMPO IRÁ APAGAR Todo aquele que tem medo de ir embora, Acredita ser vital ficar em casa Com a porta escancarada, Esperando pela volta Daqueles que foram outrora, Expulsos do próprio lar. Que ainda teima em ficar, Mesmo em condições opostas. Não procura por respostas, Nem se ocupa se às suas costas Vão falar.

E consegue suportar Toda a repressão imposta Sem lutar. Não merece honra ou glória, O seu nome da história, O tempo irá apagar.

Page 68: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

68

UM REVOLTADO

A família de um jovem assassinado É deixada à mercê do sofrimento. O assassino que não foi a julgamento, Anda livre e ainda está armado. Quantos jovens serão executados Por um fraco com sede de poder. O descaso com a vida é seu prazer. Os seus crimes não são justificados. Sou acima de tudo, um revoltado Com as coisas que vejo acontecer. É impossível alguém compreender Que a justiça não julgue seus soldados. O ÚLTIMO ADEUS E assim é A comoção por quem morre: O choro triste De quem ainda vive, A solidão de quem sofre. Uma ausência enorme, Uma aceitação necessária, Uma revolta de nada,

Com tudo. Lágrimas por trás dos óculos escuros, Silêncio, Saudades, Dor, Muita dor. O último adeus.

Adeus amor, Adeus. O vento sopra as lápides.

Page 69: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

69

MOVIMENTOS

Qualquer atleta é percebido Pelos meus olhos atentos. Em meio a tantos talentos, Tornam-se lentos Devido Aos movimentos Precisos Que desempenham. ÁGUA CORRENTE Abro os braços na chuva E me abraço na culpa E me peço desculpa Por não ser inocente. Sinto alívio de repente, Em minhas lágrimas. Minhas mágoas São levadas Pela água corrente. JUSTIÇA INCONSEQUENTE Se eu sou inocente Não há o que temer.

Eu ouvi meu pai dizer, Indiferente. Ele foi condenado injustamente. Falsas provas implantaram, Aos jurados subornaram, Agiram covardemente. Uma justiça inconsequente,

Faz um homem bom e honrado Parecer um vil culpado, Mesmo sendo inocente.

Page 70: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

70

MUNDO ISOLADO

Foi um beijo roubado Que me levou ao deslumbre De teu doce perfume, De teu jeito levado. O teu corpo deixado Num abraço escondido Em meu peito esquecido, Nos conduz ao pecado. Somos ambos casados. Filhos e compromissos São mais que bons motivos Pra nos ver separados. Mas há algo de errado Com o bom senso e o juízo. Continuamos perdidos, Loucos e envolvidos Em um mundo isolado. O POLÍTICO Personagem imaginário De uma prosa, O político se desdobra

Em afago. Seu enorme entusiasmo É chacota. Sua imagem vergonhosa É fiasco. Teima em ser tão simpático O quanto possa. Mas sua real proposta É o sarcasmo.

Page 71: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

71

DEPOIS DE ONTEM

Depois de ontem, as horas São fragmentos soltos. Os dias mais que outros Que se perderam outrora. E o melhor de agora É que parece pouco. Se sou feliz ou louco, Requer alguma prova. Depois de ontem, Senhora, Eu descobri o gozo. As noites têm mais gosto Com sabor de vitória. Cada lembrança, adoça O dia amargoso. Sem o menor esforço, Revivo na memória. Depois de ontem, a glória É ter você de novo. O ÓBVIO Aos dias,

Relego meu ócio. Aos ossos, O meu peso. A mim mesmo, Revelo o óbvio, O meu próprio Desprezo.

Page 72: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

72

O REI

Foi por onde eu comecei, Onde havia platitude. Na mais somítica atitude, Ponderei. Pelas honras de ser Rei, Neguei virtude. Perdi minha juventude, E chorei. Foi assim que terminei, Um velho rude. À minha senectude, Me entreguei. Só em minha quietude, Descansei. D’AQUELA VEZ Quero ter você mais uma vez, Mesmo que por um mero segundo. Sentirei as emoções do mundo, Tal qual eu senti d’aquela vez. Num estado de embriaguez,

Minha alma bebe em teu perfume. O meu corpo adepto do costume De sentir a mesma languidez. Você diz que é uma insensatez. Digo que talvez, Seja amarume.

Page 73: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

73

ENTRE TANTAS

São tantas outras, Morenas, louras, Negras, mulatas. São tantas caras, Olhos e bocas, Risos e lágrimas. São tão sensatas, Outras tão loucas, Umas tão soltas, Outras caladas. Quantas mimadas Creem ser boas. Quantas coroas Veem-se gatas. Quanto desgasta Servir a todas Quando a esposa Espera em casa. ENTRE NÓS DOIS Adeus mamãe,

Você se foi. Faltaram palavras Entre nós dois. Anos depois, O mesmo silêncio. Um vão imenso Entre nós dois.

Page 74: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

74

CORPO FAMINTO

Eu dividi nosso amor E já não sei o que sinto. Sob teu olhar, eu minto Por desconhecer quem sou. Apesar de meu temor, Eu me divido e finjo Que você é meu destino, Que é só teu o meu amor. Não consigo me opor Ao desejo e ao ímpeto, Sob outro cobertor. Nunca vi tanto calor E um corpo tão faminto Quanto o desse sonhador. SEJA LIVRE Se você não quer enxergar O mundo como ele é, Siga os passos da fé E continue a si enganar. Vou tentar justificar

O que acabo de dizer; Tudo que você não vê, Pode crê, ainda está lá. Seja livre para pensar. Não se deixe convencer Por querer, por desejar. Viva com o que restar.

Nem sempre é melhor vencer. Perder, pode ser ganhar.

Page 75: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

75

ERROLOGIA

Os meus olhos não veem Tudo que a vista alcança. As minhas lembranças Cometem seus erros. Sei que meus conceitos Foram influenciados. Coisas do passado, Refletidas em espelhos. Em meio aos tropeços, Quase sempre enganado, Para um rápido aprendizado, O meu cérebro tem seus meios. Sei que estão sujeitos, Os meus atos confiados, A um cérebro que é falho Para aprender direito. MUNDO PEQUENO O meu mundo é tão pequeno, Se restringe ao que conheço, Desde a hora que amanheço Até o último momento. O meu mundo é imenso Quando dentro de si mesmo.

Gira em torno de seu eixo Num continuo movimento. O meu mundo vem sofrendo Com tanta falta de zelo, Que parece estar morrendo. Por ser tudo que eu tenho É que sinto tanto apego

Por meu mundo tão pequeno.

Page 76: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

76

SEM SABER AONDE IR

Quero, às vezes, ficar. Outras, penso em sair. Continuo a rondar Sem saber aonde ir. Não insisto em partir Porque teimo em voltar. Você finge dormir Para eu te acordar. Tento assim, te beijar Sem poder resistir. Você esquece fingir Para se entregar. NO AMOR E NO JOGO Apesar da noite em claro, Eu me sinto bem disposto. Em minha boca, um gosto amargo Pelos tragos do desgosto. Resolvi que ainda sou moço Para me sentir um trapo. Se no amor, sou um fracasso, Talvez seja bom no jogo.

Eu aposto feito um louco. Minha sorte é um fiasco. O que tenho, eu acabo Em um dado vicioso. Apesar de meu esforço, Eu me sinto um derrotado. Duas vezes humilhado

Por um lado E pelo outro.

Page 77: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

77

EM UMA HORA

Eu tenho uma hora pra te ver. Em uma hora te perder. Pois você vai embora Agora Que já não sei o que dizer. Vou dar adeus sem entender Por que você não chora. Senhora, O que irá acontecer Se eu jamais te esquecer? Talvez eu venha a morrer Por esta dor imposta. Sei que você já não se importa E sei que fiz por merecer. Mas gostaria de saber, Como é possível alguém viver Sem ter uma resposta? FUNDO DO POÇO Eu levantei a mão Pra bater em teu rosto. Deu pra sentir o gosto De sangue em minha boca. A decisão foi outra, Quando me olhou no olho.

Maior que meu desgosto, Foi ver outra pessoa. Foi pela tua escolha, Não por meu nome exposto, Que desisti do enorme esforço De ir ao fundo desse poço E resgatar minha garota.

Page 78: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

78

OLHOS PUXADOS

Os teus olhos puxados, Tem um gênio atrevido. No andar arrastado, Eu percebo esnobismo. Sairia comigo Não por entusiasmo, Talvez, pelo motivo De sair do castigo, Esse enorme marasmo. INEVITÁVEL A vida uniu o que devia separar. Agora é tarde pra pensar assim. Acho melhor você voltar pra mim. Porque no fim, Não vamos suportar. No telefone, ouço você chorar. Então começo a acreditar que enfim, Está disposta a viver sem mim, Mesmo sem força pra poder lutar. O que mais quero é continuar, Mesmo sabendo ser o mais ruim. Pois simplesmente, iria adiar

O triste e inevitável fim. AS DUAS Eu amo as duas. A rua E a casa. Uma me situa.

A outra me desvaira.

Page 79: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

79

INGÊNUA LIBERDADE

O meu corpo condenado a caminhar Com o peso da idade, Não me leva na verdade, A nenhum outro lugar. Em criança, eu pensava em voar, Era uma necessidade. Mas o tempo me mostrou a realidade: Que eu parasse de sonhar. Abro os braços ao lembrar Da ingênua liberdade, Própria do imaginar. E começo a regressar Em minha senilidade, Sem jamais poder voltar. IRREALIDADE Tal qual mágico que acredita Que seus truques são verdade, Com a mesma ingenuidade, Você age ante a vida. Há uma força embutida

Em cada místico milagre! Exclama com credulidade, Uma mente distorcida. Pela fé reconhecida, O profeta, o pastor e o santo padre Dão sustento a tal mentira. A realidade é vista

Com tanta fragilidade, Que a irrealidade cria vida.

Page 80: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

80

FRUTOS DO AMOR

Por motivos banais, Recluso em dissabor, Eu sofro por demais, Sem conseguir me opor. E toda a minha dor E todos os meus ais São frutos do amor, De nada mais. AO VER VOCÊ Quando insisto em me afastar, Algo parece me puxar. Talvez a cama, o lugar, Talvez você. Quando procuro esconder, Algo parece acontecer Pra revelar O que eu devia esquecer. Quando busco compreender O que esse algo possa ser, Mais se confunde o meu querer, O meu pensar.

Por mais que eu tente disfarçar, Eu ponho tudo a perder. Ao ver você, Eu não consigo controlar.

Page 81: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

81

TOLA ESPERANÇA

Afugento meus fantasmas Com a calma de quem reza, Com o carinho de quem preza As mesmas conversas diárias. São ideias abstratas Do meu tempo de infância, A mais remota lembrança Do que minha mãe falava. Não são mortos, não são almas, São temores de criança, São a mais tola esperança De que a vida nunca acaba. Afugento meus fantasmas Com um simples pensamento. Acredito que o tempo, Lentamente, à chama, apaga. FÚNEBRE SILÊNCIO Curvo o meu corpo sobre a amurada Enquanto a mágoa me transporta em pensamento (Coisa que o tempo não apaga). Lágrimas que choram sofrimento.

De qual sentimento o vento fala? Não percebo a água, Nem o movimento. Sinto no fatídico momento, Que uma mão macia me afaga, Uma paz e uma calma E o mais fúnebre silêncio.

Page 82: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

82

SONETO À VIDA

É hora de amar sem ver a quem, Parar de imaginar que há um além Enquanto a realidade ainda tem Um mundo para se habitar. É hora de esquecer o frio altar, Prostrar-se ante a terra e o mar, Louvar durante a noite, o luar E adorar o sol a cada amanhecer. A vida é o mais sublime e puro ser, Que a cada instante tenta nos dizer O quanto a devemos preservar. Tão diferente ao mito milenar, Podemos ver, sentir e até tocar A vida a pulsar em cada ser. ESTRANHA SITUAÇÃO Se é amor a me doer, Se é a mais louca paixão, É algo que meu coração Não está acostumado a ter. Se é em mim, se é em você,

É uma incrível sedução Que não nos deixa em solidão, Que a todo o tempo, quer se ver. Por não sabermos resolver Essa estranha situação Na qual nós fomos nos meter, É que devemos nos render

A essa intensa emoção, Mesmo que venhamos sofrer.

Page 83: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

83

O MENDICANTE

É certo que estou perdido na vida; Sem ter documentos, sem casa e comida. Com a face despida de ressentimentos, A todo momento com a mão estendida. Não vejo saída, não me descontento, Nem mesmo pretendo mudar minha vida. Não quero guarida, nem seu cumprimento. Só peço seu tempo, somente me diga: Qual de nós se obriga a mostrar talento Pra ter o sustento da própria família? Que a mulher instiga a pedir aumento; Tem apartamento, mas também tem dívidas? Qual de nós evita o divertimento, Nunca percebendo as férias vencidas? Que tem a fadiga de um homem sedento Por viver correndo numa eterna lida? Comigo reflita. Está envelhecendo. Sua vida escorrendo sem ser percebida. Não há despedida por não haver tempo. Assim, não lamento, nem me arrependo. Viver ao relento, só me desobriga A casa, a comida e até documentos.

Ouvindo-me atento, talvez se demita. Ou eu me decida a ter vencimentos. O ABRAÇO Abriu os braços Na esperança de um abraço. Não deu um passo em sua direção.

Ela não tinha a mesma intenção. Que embaraço, Essa tal situação!

Page 84: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

84

MERETRIZ

Tudo de ruim lhe acontecia. Ela rezou ave Maria E chorou por ser tão infeliz. Uma meretriz que se alivia Na igreja, pede guia. O santo padre diz: Venha toda noite, minha filha, Que estarei na sacristia Para te fazer feliz. HOUVE ALGO MAIS Não há como voltar atrás, Fomos além. Além do mais, Não foi culpa de ninguém. Somos normais, também Temos encontros casuais. Mas houve algo mais, E já não temos paz Por haver mais alguém. FUNERAL Acomodo a cabeça em teu ombro

Na esperança que sonho E que nada é real. Nem as flores em teu funeral, Nem a perda da qual me assombro. O teu sono parece fatal, Tão letal Quanto o passar dos anos. Desenganos de uma vida real, Na espera que fosses mortal

Tal qual Eram os mitos de antanho.

Page 85: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

85

CRUZ ERGUIDA

O meu silêncio não reflete medo, Mas descontentamento com tanta mentira. Uma ferida aberta em seu peito, Um homem bom entregue a desdita. O dom da vida, divino conceito, Único aceito pela cruz erguida. Palavra escrita pelo preconceito, Onde o dinheiro é a voz ouvida. Chega de crer numa dor merecida. Chega de ver o terror desumano. Não há encanto nessa cruz erguida, Tão atrevida, nos obriga a tanto. Parece estranho, ninguém acredita. É tão à vista, que me dá espanto. Escuto o pranto da mente sofrida Que não exorciza seus próprios demônios. Enquanto a fé consola os piores sonhos, A razão é a realidade viva. Não há medida para seus enganos, Anjos e arcanjos, divindades míticas. Não há descidas a infernos satânicos E não há cânticos num céu de utopia.

A cruz erguida exerce um encanto Que o ser humano em seu desencanto, Faz prece e delira. A CASA ALHEIA O que tem naquela casa? O mesmo que tem na minha:

Dois quartos, sala e cozinha. E uma porta escancarada.

Page 86: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

86

HOMEM POPULAR

Não quero me transformar Num homem digno de respeito Para me tornar sujeito À hipocrisia de um bom parlamentar. Fui levado a acreditar Que a aparência é o espelho Que reflete o que é direito Em um homem popular. Erroneamente me engajar Numa luta por um pleito No qual, se eu fosse eleito, Teria que me sujar. Se me negasse a aceitar Propina de um empreiteiro, Tornar-me-iam suspeito E meu cargo, com efeito, Eles iriam cassar. SONETO AO NOSSO SENHOR JESUS CRISTO Por que preciso de um mito Pra me tirar detrás das grades, Se as suas tolas inverdades Não passam de um artifício? E para que seu sacrifício

Pra me livrar de tantos crimes? Será que a vida não redime Com os seus próprios sacrifícios? O mais tragicômico nisso É que as vítimas inocentes Clamavam por Jesus Cristo. Se ele não fosse um mito,

Jamais seria indiferente Diante de tanto suplício.

Page 87: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

87

SONETO DA COMPENSAÇÃO

Você me idealizou E me vê com perfeição. Fui moldado com amor Pelos olhos da paixão. Você teve minha atenção, Meu carinho, meu calor. Porém, na verdade, sou Movido pela razão. Você quer meu coração. Mas jamais imaginou Que te dei uma ilusão. A maior compensação Foi fazer de teu pudor, Uma lasciva sedução. MERA UTOPIA Quem finalmente, ela seria? Seria a bela Cinderela, Seria aquela branca e magrela Ou a megera Que a plateia não aplaudia? Seria a negra esbaforida,

Prostituída na favela, A personagem de novela Ou a Dulcineia Que o cavaleiro perseguia? A que trabalha noite e dia, A qual está ficando velha E que ainda o espera, Ou ela é mera utopia?

Page 88: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

88

ORAÇÃO DO AMOR INCONDICIONAL

Nas minhas orações diárias, Eu peço compreensão, Senhor. Pois só conheço o amor, Da forma que se diz devassa. Eu tenho uma família rara, Que em tudo sempre me apoiou. Não importa sexo, credo ou cor Se seu amor vier da alma. Senhor, a igreja é uma farsa! Na voz do padre e do pastor, O preconceito e o rancor Ecoam em tuas palavras. Maior que a dor de tuas chagas Foi a desaprovação do teu amor. Esse é o mesmo dissabor De minhas mais amargas lágrimas. Senhor, eu amo a quem me basta, Seja a um espinho ou a uma flor. A mão que me apedreja com horror, É a mesma que com ânsia me afaga. Eu sei que a salvação tão almejada, Não cabe a escolha do nosso Senhor.

Mas sim, aos nossos atos de amor, Pois trarão paz às nossas almas. Talvez, eu seja a pessoa errada Para pedir que me aceite como sou. No entanto, a decisão seja qual for, Não mudará a forma a mim dada.

Page 89: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

89

SONETO DO SENTIMENTO OCULTO

Ela se oculta aos meus olhos; Pois não sabe ainda o que quer. Tem a dúvida de toda mulher. Vive a comoção de seus remorsos. Tem a avidez própria dos moços, Fala mesmo se não convier. Sua lentidão nunca requer A satisfação dos seus esforços. Diz alguma coisa que não gosto E se incomoda se eu disser Que o seu desejo é muito óbvio. Quando a observo, finge ódio, Dá a língua num gesto qualquer, Deixa perceber que estamos próximos. PRISIONEIRO DO ENCANTO Não esperava chorar de saudade, Na minha idade, parece estranho. O quanto te amo e qual a intensidade? É mais da metade dos meus longos anos. Apesar do tempo, se eu não me engano,

Quando a gente ama alguém de verdade, Perde para sempre toda liberdade, Um perpétuo prisioneiro do encanto. Não consigo entender meu pranto. Nem mesmo antanho, na minha mocidade, Uma fatalidade mudaria o meu ânimo. Essa jovem é alvitre do demônio.

Eu, um velho com nome de santo Que pede por tudo, piedade.

Page 90: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

90

SONETO DA CULPA

Sua voz ecoa por toda a casa Qual um fantasma que me atordoa. Como um anjo, voa até a sacada Numa ave rara que de mim caçoa. O que faz à toa, homem tão sem alma? Deixou-me encantada com tua pessoa. Uma jovem tola, que se enganava Com doces palavras de aleivosa boca. Eu pulei da proa, morri afogada; Banhada em lágrimas por saber da outra. Sentia-me pouca e tão desprezada Que fiquei calada me fingindo mouca. Não estava louca, não me suicidava, Só o libertava pela vida toda. FLOR ALHEIA Tua boca é o estopim Que provoca e ateia Esse fogo que ainda queima O bom senso que há em mim. Para me entregar enfim,

À nossa última ceia, Onde a fome nos rodeia, Esqueço a culpa em mim. Ao desejar tanto assim, Essa linda flor alheia, Eu devasso meu jardim. O que há de tão ruim

Em roubar a flor alheia, Se a quero para mim?

Page 91: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

91

O MESMO CORREDOR

Teu perfume se espalha pelo ar, Ao fechar os olhos para inspirar, Revejo as nossas cenas de amor. Tua boca, os teus olhos, teu pudor São detalhes que eu teimo avivar Para aumentar o meu torpor. Abro os olhos para voltar aonde estou. É o mesmo corredor que a vi passar. POR TRISTEZA Silencio na tristeza Como única atitude. Talvez minha quietude, Seja um ato de nobreza Ou apenas desconheça Por covardia ou virtude, Uma forma menos rude Para chorar pela mesma. FALSAS JURAS

O meu sorriso se mistura Às lágrimas de minha desculpa Por ter ficado tanto tempo aqui. Pior do que te iludir Foi omitir a própria culpa Que as minhas mais fingidas juras Não conseguiram redimir.

Page 92: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

92

O BOM SOLDADO

Não intimida a ninguém, Sua farda é nada além Que uma roupa formalizada. Sua arma bem guardada, Por ele só é usada Quando realmente convém. Jamais mataria alguém Se não fosse por defesa, Apesar de sua destreza. Equilibrado, não se deixa Ser dominado pela emoção. O poder na sua mão, Não lhe sobe à cabeça. Educado, boas maneiras, É por todos, respeitado. Esse é o bom soldado Que não é condecorado Por seus atos de nobreza. A SURPRESA São as ondas que dão ao mar

Seu contínuo movimento Que o vento faz soprar Num eterno passatempo. Água, sal e excremento. Excremento! Foi o homem que pôs lá. Isso é típico desse tempo. Pra sujar é o mais atento. Pra limpar é o mais lento.

Já não quero me banhar.

Page 93: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

93

NO NORTE

Esse abutre que voa pro norte, Sabe o risco que corre? A carcaça, a qual come, É a mesma do homem Que morre. Atraídos pelo cheiro forte Da carniça de ontem, Enquanto os vivos somem, Os abutres aos montes, Se bicam, à sorte. Eis que a vida devolve, Ao abutre remove Com o tempo de fome. Os abutres aos poucos também somem. Sem abutres, sem homens, Morre a vida no norte. QUAL CAMINHO SEGUIR? Um caminho me leva pra casa, O bastante pra me redimir. Mas há outro que quero seguir, O da última escapada.

Um seguro e já de longa data. Outro, a pressa e o preferir Que me leva à vontade de ir. A razão ao desejo encara. Não é firme a minha passada. Todavia, ainda teimo em ir. E o querer vence a dura parada.

Dou as costas, consciência pesada. O caminho de volta é mentir, Planejar uma nova escapada.

Page 94: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

94

O CASO DO BEIJO ROUBADO

Eu te amo, mas não deveria. Não reclamo, pois não poderia. Por que decidi que a beijaria E um belo dia, fui roubar. Você nem tentou se esquivar. E o que simplesmente parecia Um singelo ato, sem pensar, Nos levou aonde não devia. Num motel, a gente se perdia Sem imaginar o que seria Desse caso, ao sair de lá. Bem que nós tentamos acabar. Mas, era maior e só crescia. Já não temos como controlar. DEVOLVA A MINHA VIDA Devolva a minha vida, peço encarecidamente. Pois tudo é diferente depois daquele dia. Perdoa-me querida, mas é covardemente Que peço novamente, devolva a minha vida. Não quero despedida, apenas se ausente,

Me deixe de repente, se faça de esquecida. Se está arrependida, então me compreende, Fomos inconsequentes, devolva minha vida. Eu sei que não podia ter ido tão à frente. Mesmo tardiamente, se faça refletida, Bem que eu merecia viver tranquilamente. Um tolo impertinente, que exala covardia,

Merece antipatia e desprezo permanente. Devolva urgentemente a minha vida.

Page 95: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

95

A ANÁLISE

Estou ciente de que minha loucura É tão somente uma vertente neurológica Para uma fuga urgente De uma ação inconsequente e neurótica, Quando a razão entende Que o meu Eu oponente É o melhor equivalente Pra minha mente psicótica. RETARDADOS Faço as malas com demasiado cuidado, Certo de não ir a lugar algum. Sou só mais um Entre tantos retardados Que se dizem viajados Sem ir a lugar nenhum. AQUI DENTRO Quantas palavras rabiscadas Em busca de sentido. Talvez, perda de tempo. Enquanto o sol nasce e se põe, Tudo lá fora se compõem

E eu perdido aqui dentro. MEDÍOCRE PAPEL É desumano, é cruel Se propagar que há um céu Enquanto a vida é tão ruim. O miserável quer seu fim

Por vê seu medíocre papel Diante de um mundo assim.

Page 96: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

96

ÉS PROFETA

Caminhava de cabeça baixa, Olhando para os próprios pés. Quem tu és, Alma devassa Que não tens amor a nada? Quem tu és? A pergunta ecoava Com a resposta imediata Sob as barbas dos fiéis: És profeta, é o que tu és. Pela luz que o cegava, Pela fé da mão armada, Morte aos filhos infiéis. Caminhava de cabeça baixa, Tanto sangue, tantas lágrimas Por suas ações cruéis. TORNAMO-NOS IRREAIS Os cabelos no peito, braços, pernas e costas, Só me levam de volta Aos meus ancestrais.

Sou selvagem demais Para o mundo de agora Ou quem sabe, outrora, Fomos dóceis rivais, Nossos atos brutais Eram brigas bucólicas. Desde as noites cenozoicas Aos dias atuais,

Tornamo-nos irreais, Criaturas imortais E ardilosas.

Page 97: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

97

CÉREBRO EVOLUIDO

Não há nada do que está escrito Que o homem já não o tenha dito Ou já não o tenha pensado. O que temos é nosso legado, Não são dádivas de um mundo mítico, É herança do homem munido De um intelecto avançado. As ideias têm nos revelado Que os fenômenos ainda desconhecidos, Percebidos e não explicados, Farão parte de nosso passado, Há muito esquecido. Um mistério, como hoje é visto, Será num futuro aproximado, Algo simples, nunca imaginado, Apenas não compreendido. A razão é nosso ser movido Por um pensamento abstrato Que é visível pelo senso prático De um cérebro evoluído. SOMA DE IMAGINAÇÃO

A poesia é uma interpretação Interpessoal. E o poeta como tal, Não lhe dá explicação. Ele esboça uma versão Bilateral: O poeta é autoral, O leitor é pessoal,

Soma de imaginação.

Page 98: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

98

CHAMAS DA RECORDAÇÃO

Ainda sinto teu rosto nas mãos, Os teus lábios nos meus, comprimidos. Ainda escuto os sussurros, os gemidos Entre a leve e contínua pressão. Ainda pulsa em meu coração, Esse amor tão gentil, tão bonito, Que é em si, perigoso, escondido, E que aos outros não chama atenção. Talvez, seja só minha versão E esse amor seja mais do que isso, Ultrapasse o limite do existo, Chegue às raias da veneração. Sendo escravo da revelação, Esse amor não será compreendido. Quando tudo parecer perdido, Voltará com fervor, aquecido Pelas chamas da recordação. ALTITUDE Dessa altitude, o mundo parece tão pequeno Quanto um brinquedo. Uma miniatura do mesmo

Nas dimensões do aceno. Fiquei em silêncio Com a impressão de perdê-lo. Mas ele veio Por meio do pensamento Nas lembranças dos bons momentos. Casas, amigos, amores crescidos Foram se encolhendo. Detalhes tão coloridos

Que se tornam distorcidos Pela visão que ainda tenho.

Page 99: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

99

GÊNERO, NÚMERO E GRAU

O meu gênero é literário. O meu número é plural. O meu grau é necessário. O meu verbo é nominal. O FIEL AFRICANO Agradeço pelo casaco de pele, Apesar do animal estripado E abandonado no mato. Isso enfim, me sugere Ser um espécime raro. Agradeço pelo ovo estrelado, Muito embora, os pintinhos machos Sirvam pra fazer ração. Eis a razão De ser amigo do cão e não do galo. Agradeço a generosa doação, Um diamante tão caro, Mesmo que tenha custado A vida de um irmão, Outro africano nato. Agradeço sua extrema devoção

A um deus tão ocupado Que se esquece do animal estripado, Dos pintinhos machos E do africano nato, Em nome do meu agrado, Pela minha condição. Agradeço sua colaboração, És um fiel devotado,

Um verdadeiro cristão.

Page 100: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

100

A RUA CONTINUA PACIENTE

A Rua é paciente, Espera pela gente A noite inteira. Até que amanhece novamente, A gente impaciente: - Senhora, sai da frente Que a vida é passageira. Sinais demais, nem tente, Não é de brincadeira. A moça não afeita, Tropeça no batente. Um carro indiferente, A golpeia. Sua face triste e feia, Suplica urgentemente, Pela ajuda alheia. A rua continua paciente, Embora claramente, Ainda cheia. ESTRANHO ESBOÇO A Caneta Aos poucos, Juntando as letras

Para formarem palavras inteiras Que organizadas serão frases feitas Para comporem um parágrafo ainda solto, Que somado a outros, da melhor maneira, Dará um texto para que se leia, Tirando ideias de seu próprio esforço. Ao regredir nesse estranho esboço, Voltarei pouco a pouco, A última letra

Da palavra Caneta, A.

Page 101: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

101

OS OLHOS

Os olhos se surpreendem Diante do diferente Como mera reação, Se adaptam a visão Do que não sentem, Passam a ver simplesmente, Pela admiração. Os olhos não dizem não. Negam conscientemente Sua própria condição De ver uma ilusão, Não realmente O foco da atenção. Os olhos são o que são. Tão transparentes Que se vê o coração. Embora seja a razão Em nossa mente, Que permita tal ação. PELA BOTA Não lastimo minha vida, Nem dou graças a benditas

Ilusões. As visões são distorcidas, As razões são imprevistas Quão insípidas São nossas degustações. Não floreio com botões De fantasias E jamais seria pai das negações. Eu não piso sobre bolsões de argila,

Não por medo que o barro ganhe vida, Pela bota, imerecida de esfregões.

Page 102: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

102

RIDÍCULOS SEMELHANTES

Não faço parte desses tolos arrogantes Que acreditam que os passantes São criaturas imortais, Que os seus ais São consequências delirantes De figuras irreais. São imorais Suas promessas incessantes De um consolo inebriante Aos cegamente leais E aos seus rivais Uma prática intolerante, De torturas infernais. Não faço parte desses míseros mortais Que não passam nada mais, De ridículos semelhantes. DENTRO OU FORA Minha Senhora, Se o seu marido gosta E procura outra mulher, Não há oração, nem reza, Não há santo, nem promessa Que o faça arredar o pé.

Dê-lhe aquilo que ele quer, Dê-lhe a bela indecorosa, Dê-lhe o botão de rosa E ele vai ficar no pé. Mas se é cega pela fé E o sexo a incomoda, Deixe o homem, não amola. Se está dentro ou se está fora,

O que importa, se não o quer?

Page 103: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

103

O SONHO DE EVA

Mais um dia frequente Nesse mundo tão crente E sem trégua, Foi-se o sonho de Eva, De livrar seus descendentes Dessa obediência cega. Enquanto o Éden era selva E Adão tão dependente, Eva era a semente Do intelecto na terra. Um dia, quando pondera, O Diabo habilmente, Percebendo ser urgente Salvar aquela donzela Da ignorância eterna, Faz o papel de docente. Eva sendo inteligente, Vivamente se apega Àquela única brecha Pela qual uma luz crescente Chamada de consciente Pela razão a eleva A ser livre e sapiente. Mas que pena, infelizmente, Foi-se o sonho de Eva, De livrar seus descendentes Dessa obediência cega.

SEM EFEITO Enquanto houver desespero Preso ao grito na garganta, Haverá uma esperança De que ainda tenha jeito. Mesmo não sendo afeito

Ao egoísmo da vingança, Chego a desejar mudança Nessa lei tão sem efeito.

Page 104: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

104

OS OUTROS

Os outros, sempre tão certos, Dispersos na multidão, Nos dão um tom severo Ante uma discussão. Os outros dizem que não, Tudo é visão e aspecto. E não espero Que mudem de opinião. COISA DE MALUCO Não há margem pra conversa. Não há essa de vem cá. Toma lá, deixa de pressa, Estou nessa, o que é que há? Devagar, me tira dessa, Não há papo pra rolar. Quer sacar, é bom à beça, Não me peça pra tirar. Chega a polícia e leva, Dois malucos na favela, Discutindo pra roubar.

FIGURA ESPECTRAL Em uma tela magistral, Onde o autor é mais real Que sua obra genial Na qual Sua imagem insurgiu, Vê-se uma cena teatral Tão surreal quão pueril,

Onde há um leve tom senil De uma figura espectral.

Page 105: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

105

ENTRE NÓS

Ela se dispôs A me olhar depois, Se ainda houvesse tempo. Seu cabelo solto ao vento, Me impôs A esperar por tal momento. Tão sem sentimento, Ela se foi Sem me deixar nenhum ressentimento. Esse afastamento Entre nós dois, É puramente fingimento. RODEIOS DA MORTE Se eu deito e me sujeito A uma cama bagunçada, Deve ser porque aceito Minha vida abandonada. Essa dor que vem do nada E avassala o meu peito, É a mesma por efeito, Que me embala. Essa voz que não se cala:

Não tem jeito, não tem jeito, Que assombra o meu leito, É a morte com rodeios Para me roubar a alma. QUANDO MINTO Toda vez que me ressinto

É pelo tanto que sinto Quando minto Para ela.

Page 106: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

106

FORA DA LEI

Eu não cansei. Mas resolvi parar um pouco Por desconforto Ou pra rever mais uma vez; Por timidez, Não me sentia muito solto. Limpei o rosto, E novamente caminhei. Foi à conclusão a qual cheguei, Que a vida é um só sufoco. Eis um pensamento louco Com o qual me defrontei: Diante da lei, Não sou outro, Senão um suposto Fora da lei. O MUNDO DOS ESPELHOS Deveríamos viver No mundo dos espelhos. Nós seríamos os mesmos Sem ninguém nos perceber. Selaríamos o prazer, Moldurado em gesso espesso.

O nosso avesso Negaria nosso ser. Não há contra o que correr, Não há tempo ou seus efeitos, Não há rostos imperfeitos Pelo jeito de se ver. Para sempre se perder

Em reflexos passageiros, Aventureiros Que tentavam se esconder.

Page 107: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

107

OLHAR DEVASSO

Você me olha de um jeito tão devasso Que eu esqueço meu cansaço E me entrego ao prazer. Não consigo entender Meu embaraço, Mas o teu olhar devasso Me põe nua, pés descalços E me tem antes de ter. EM MEU ANDAR Não me assombro com a noite e seu silêncio. No entanto, temo o sol nascendo, Ao perceber o movimento popular. Quantos rostos vão surgindo sem parar E a rua vai se enchendo, Pouco a pouco, devagar. O barulho que só tende a aumentar, Chega às raiais do tormento E se torna tão intenso Que é difícil suportar. As pessoas que não param de falar, Fazem disso um passatempo. São sorrisos, são altercações, lamentos, São palavras ao vento Que despencam em meu andar.

ÚLTIMO APELO O meu último apelo Ao meu eu empedernido É o meu choro convulsivo, Um alívio ao meu próprio desespero. Sem sabê-lo,

Fiz-me tão desvanecido Quanto poderia sê-lo.

Page 108: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

108

BRIGAS CONJUGAIS

Quantos lares são desfeitos Pelas brigas conjugais? Quantos e quantos casais, Não tem os seus ais aceitos? Qual seria o melhor jeito De entendermos um ao outro? Cada um cedendo um pouco, Talvez faça algum efeito, Se não for tarde demais. Desde os primeiros sinais De que o amor se dissolvia Nas brigas do dia a dia, Nas discórdias casuais, Nos sentimos tão normais Na tristeza e na alegria, Que dissemos com ironia: Tanto faz. ESSA MULHER Essa mulher que me vê Com olhos de devoção, Que me dá tanta atenção Sem nem mesmo eu merecer, Quer pra sempre me deter

Dentro do seu coração. Tão frágil e dócil prisão, Não consegue me conter. Essa mulher tem um quê De eterna compaixão Que tenta em vão, me converter. Essa mulher é você,

Minha única salvação Da volúpia e do prazer.

Page 109: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

109

SOZINHO

Vivem na ingênua escuridão Por desconhecerem a própria luz. Negam que a necessidade os conduz A realidade cética da razão. Vivem na ridícula devoção Onde o enxergar é muito pouco E o querer ouvir, os deixa moucos, Só escutam a própria opinião. Vivem em um mundo de aflição Em função do mais triste final. Põem em conflito o bem versus o mal, Sob o efeito trágico da emoção. Seguem a uma velha tradição Que se diz a dona da verdade. Perdem a sagaz capacidade De questionar a mais simples lição. Sob a sombra da imaginação, Veem a explicação que melhor cabe Na satisfação de tudo sabe, Na mediocridade e pretensão. Desde suas infâncias, a instrução É aceitar palavras sem sentido

E tornarem-se homens submissos À lendas, mitos e superstição. A fé cega é nossa salvação. É a consolação dos mortos-vivos. Não percebem quanto fanatismo Há embutido nessa afirmação. Na arrogância da instituição,

Lançam o intelecto ao precipício, Enaltecem seres fictícios Com delírios e alucinação.

Page 110: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

110

Eles são meus pais, são meus irmãos São meus professores, meus vizinhos

Enquanto eu sigo enfim, sozinho, Caminhando pela contramão, Eles formam a espessa multidão Que é capaz dos atos mais mesquinhos Em nome de um ser casto e divino, Motivo de extrema adoração. COMO UMA BOLHA Se eu não merecer a forca, Que me dê outro castigo. Pois acabarei comigo, Só por me encontrar à toa. Sou como qualquer pessoa, Capaz de ser tão nocivo Quanto possa ser passivo, Tudo é questão de escolha. Seja sábio, não me acolha. Sou seu pior inimigo, Sou sua própria pessoa. O espelho me caçoa: Vá, cometa suicídio, Seja vazio como uma bolha. CONDENOU-ME AOS POUCOS Foi tão fácil acreditar nos outros E transformar meu rosto Em desgosto e lágrimas. Seu amor que tanto confiava,

Fez-se receoso em mágoa, E condenou-me aos poucos.

Page 111: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

111

ESTOU SÓ

Lembro de um lugar perdido, Era o único esconderijo de criança. Vejo a tarde de domingo na distância, Vejo a casa amarela, O velho portão de ferro, As manhãs no cemitério Entre rostos desbotados, O desfile dos soldados Para a execução sumária, O mosquito da malária Estampado num cartaz, Vejo às costas de um rapaz, Um calendário, Vejo as brigas de canário No quintal de minha avó, Vejo com saudade e dó, As lembranças do passado, Abro os olhos, desolado, Pois ainda estou só. ESQUELÉTICOS E MACABROS Os ídolos são deixados À mercê dos fãs, Um clã De jovens drogados.

O palco foi armado Sob um céu nublado, Chove de manhã. As roupas nos corpos colados, Esqueléticos e macabros. Jovens do passado. Velhos de amanhã.

Page 112: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

112

ÍNDICE

ANTELÓQUIO/05 FELIZ NATAL/07 PERCURSO ELABORADO/07 DÉBEIS SINAIS/08 A DIFERENÇA/08 CÉTICOS/08 SEMBLANTE MESTIÇO/09 DISCUSSÃO ACIRRADA/09 QUANDO O DIA ENFIM, CHEGAR/09 EM CABANA/10 ORVALHO/10 UM INSULTO/10 SOLITÁRIO PASSAGEIRO/11 AO SOL POENTE/11 MAL EDUCADO/11 UM NOVO ANO/12 DIREÇÃO OPOSTA/12 GENIAL/13 ENSIMESMADO/13 TRÉGUA/14 O SUJEITO/14 A APOSTA/15 A ESPERA ACABOU/15 ESTAÇÃO DA EXISTÊNCIA/15 PAPO INVERTIDO/16 FADIGA/16 SÓ OS MOUCOS/16

SOLITÁRIA/17 PAI CORUJA/17 AFOGADOS/18 RECAÍDA/18 CONSTRUINDO ILUSÕES/19 ALÉM DA ESTRADA/19 O MILITAR/20 SEM GRAÇA/20 NA DANÇA/21

DA SOLIDÃO/21 A DÁDIVA/22 VULNERÁVEL/22

Page 113: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

113

CHÃO DE AREIA/23 ALMA NEGRA/23

PRO FUTURO/24 NA CENA DO CRIME/25 SUCINTO/25 MATRIMÔNIO/26 ALGO MAIS/26 DESAJUSTADOS/27 SEM TEMPO E SEM HORA/27 UM ROSTO/28 FATALISMO/28 MINHA CRIANÇA/28 TODOS OS MEUS ERROS/29 EM MEU SILÊNCIO/29 MENSAGEM MÓRBIDA/29 AO RELENTO/30 DONA INGRATA/30 MERA FANTASIA/31 TRISTE PARAÍSO/31 PALAVRAS CRUZADAS/32 DEMÊNCIA NATA/32 ZÉ DO LEITE/33 PIONEIRO/33 A CIDADE/34 O BOI E A VACA PRETA/34 O SÓSIA/35 NÓS TRÊS/35 INSENSIBILIDADE/35 INTRIGANTE/36

SONETO AO RIO/36 BUSCA/36 RIO/37 O QUE ENTÃO, DEVO FAZER?/37 AO ME ENTREGAR/38 MAPA DA MINA/38 CASTIDADE/38 ALVO/39 EM MINHA ÉPOCA/39

EM UM BEIJO/40 ENTRE VERSOS/40 CABEÇA OCA/41

Page 114: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

114

SUSSURRO/41 CHEIO DE SI/41

BILHETE SUICIDA/42 O SONHO DE MARIA/42 DEVE SER LOUCO/42 O PAÍS NO QUAL EU VIVO/43 PALAVRAS CONFUSAS/44 VELHA ACANHADA/44 RÉSTIAS/44 ALGO DE ESTRANHO/45 O BOÊMIO/45 OLHOS ESBUGALHADOS/45 MINHAS CARTAS/46 É TUDO ILUSÃO/46 CATIVO/46 UM LOUCO DISFARÇADO/47 ORAÇÃO DE UM MENINO PRECOCE/47 O MENINO DE PIJAMA/48 PÁGINAS POLICIAIS/48 FAÇO DE CONTA/48 SONETO DAS HORAS VAZIAS/49 NOSTÁLGICO/49 TATUAGEM/50 EM SOMBRA/50 INESTIMÁVEL TEMPO/50 INSTINTO PREDADOR/51 SOB OS DOGMAS DA FÉ/51 TRAUMAS/52 DURA JORNADA/52

FUGITIVO IMAGINÁRIO/53 O ZELADOR/53 GRAFITO/54 O PARDAL/57 GRAU DE ADEUS/57 PELAS RÓTULAS DA JANELA/57 SINTO MUITO/58 EXATIDÃO/58 ODE A BACO/59

UM BOM MOTIVO/59 VIRGEM/60 ANJO DA GUARDA /60

Page 115: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

115

LOGO, LOGO, ACABA/61 MORADORES/61

VISÃO FANTÁSTICA/62 PERSONAGENS MÍTICOS/62 DE TUDO, UM POUCO/63 COMO NUNCA VIRA/63 APAIXONADA/64 DESINIBIDO/64 LAR, DOCE LAR/65 AO FIM DO POÇO/65 MÁGICA ESTRANHEZA/66 LÁBIOS DE AMANTE/66 SATANÁS/67 O TEMPO IRÁ APAGAR/67 UM REVOLTADO/68 O ÚLTIMO ADEUS/68 MOVIMENTOS/69 ÁGUA CORRENTE/69 JUSTIÇA INCONSEQUENTE/69 MUNDO ISOLADO/70 O POLÍTICO/70 DEPOIS DE ONTEM/71 O ÓBVIO/71 O REI/72 D’AQUELA VEZ/72 ENTRE TANTAS/73 ENTRE NÓS DOIS/73 CORPO FAMINTO/74 SEJA LIVRE/74

ERROLOGIA/75 MUNDO PEQUENO/75 SEM SABER AONDE IR/76 NO AMOR E NO JOGO/76 EM UMA HORA/77 FUNDO DO POÇO/77 OLHOS PUXADOS/78 INEVITÁVEL/78 AS DUAS/78

INGÊNUA LIBERDADE/79 IRREALIDADE/79 FRUTOS DO AMOR/80

Page 116: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

116

AO VER VOCÊ/80 TOLA ESPERANÇA/81

FÚNEBRE SILÊNCIO/81 SONETO À VIDA/82 ESTRANHA SITUAÇÃO/82 O MENDICANTE/83 O ABRAÇO/83 MERETRIZ /84 HOUVE ALGO MAIS/84 FUNERAL/84 CRUZ ERGUIDA/85 A CASA ALHEIA/85 HOMEM POPULAR/86 SONETO AO NOSSO SENHOR JESUS CRISTO/86 SONETO DA COMPENSAÇÃO/87 MERA UTOPIA/87 ORAÇÃO DO AMOR INCONDICIONAL/88 SONETO DO SENTIMENTO OCULTO/89 PRISIONEIRO DO ENCANTO/89 SONETO DA CULPA/90 FLOR ALHEIA/90 O MESMO CORREDOR/91 POR TRISTEZA/91 FALSAS JURAS/91 O BOM SOLDADO/92 A SURPRESA/92 NO NORTE/93 QUAL CAMINHO SEGUIR?/93 O CASO DO BEIJO ROUBADO/94

DEVOLVA A MINHA VIDA/94 A ANÁLISE/95 RETARDADOS/95 AQUI DENTRO/95 MEDÍOCRE PAPEL/95 ÉS PROFETA/96 TORNAMO-NOS IRREAIS/96 CÉREBRO EVOLUÍDO/97 SOMA DE IMAGINAÇÃO/97

CHAMAS DA RECORDAÇÃO/98 ALTITUDE/98 GÊNERO, NÚMERO E GRAU/99

Page 117: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

117

O FIEL AFRICANO/99 A RUA CONTINUA PACIENTE/100

ESTRANHO ESBOÇO/100 OS OLHOS/101 PELA BOTA/101 RIDÍCULOS SEMELHANTES /102 DENTRO OU FORA/102 O SONHO DE EVA/103 SEM EFEITO/103 OS OUTROS/104 COISA DE MALUCO/104 FIGURA ESPECTRAL/104 ENTRE NÓS/105 RODEIOS DA MORTE/105 QUANDO MINTO/105 FORA DA LEI/106 O MUNDO DOS ESPELHOS/106 OLHAR DEVASSO/107 EM MEU ANDAR/107 ÚLTIMO APELO/107 BRIGAS CONJUGAIS/108 ESSA MULHER/108 SOZINHO/109 COMO UMA BOLHA/110 CONDENOU-ME AOS POUCOS/110 ESTOU SÓ/111 ESQUELÉTICOS E MACABROS/111

Page 118: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

118

Livros do mesmo autor

POR MINHAS MÃOS / João Felinto Neto / Mossoró: Fundação Vingt-un rosado, 2003. 123p. ( Coleção mossoroense. Série C. V. 1322) / ISBN: 85-89888-05-3

Literatura norte-riograndense – Poesia 2.

OPALINA / João Felinto Neto.- Mossoró: Fundação Vingt-um rosado, 2004. 124p. (Coleção mossoroense. Série C. V. 1432) ISBN: 85-89888-07-X / Literatura norte-riograndense – Poesia

PÁGINAS DE ONTEM / João Felinto Neto – Mossoró/ Fundação Vingt-um

rosado,2006. 123 p. (1ª Edição) / ISBN: 978-85-60656-01-1 / Literatura brasileira – Poesia.

CABAZ: COM FRUTOS DO MEU DELÍRIO / João Felinto Neto – Mossoró, 2006. 120p. ( 1ª edição ) / ISBN: 85-905035-6-9 / Literatura brasileira – Poesia

OLHOS DE GURI/ João Felinto Neto – Mossoró, 2006 - 61 p. (1ª Edição)

ISBN: 85-905035-3-4 / Literatura brasileira – Poesia GRAVETOS / João Felinto Neto – Mossoró,2006 - 122 p. (1ª Edição )

ISBN: 85-905035-5-0 / Literatura brasileira – Poesia

O HEREGE/ João Felinto Neto – Mossoró, 2006 - 162 p. (1ª Edição) ISBN:978-85-905035-7-6 / Literatura brasileira – Poesia

QUADRILÁTERO / João Felinto Neto – Mossoró, 2006 / 123 p. (1ª Edição) ISBN: 85-905035-2-6 / Literatura brasileira – Poesia

RETICÊNCIAS DESFEITAS / João Felinto Neto – Rio de Janeiro: Litteris Editora.: Quártica 2006 - 120 p. / ISBN 85-99346-20-2 / Poesia brasileira

SOPRO POÉTICO/ João Felinto Neto / Mossoró, 2006. 123 p. (1ª Edição)

ISBN: 85-905035-4-2 / Literatura brasileira – Poesia

TRÍPTICO / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 122 p. (1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-00-4 / Literatura brasileira – Poesia

UM PEDAÇO DE PANGÉIA/ João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 64p. (1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-12-7 / Literatura brasileira – Poesia SOB MEUS CALCANHARES / João Felinto Neto / Mossoró, 2007. 121 p. (1ª

Edição ) ISBN: 978-85-60656-07-3 / Literatura brasileira – Poesia

SOMBRAS & ESPELHOS / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 121 p. (1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-06-6 / Literatura brasileira – Poesia

Page 119: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

119

SONETOS NUMÉRICOS / João Felinto Neto / Mossoró, 2007. 98p. ( 1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-14-1 / Literatura brasileira – Poesia

OBSCURO / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 120p. ( 1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-15-8 - Literatura brasileira – Poesia

LETRAS, REPRESENTAÇÕES ESTILÍSTICAS DE IDÉIAS TOSCAS DISPERSADAS EM POEMAS DO COTIDIANO / João Felinto Neto – Mossoró,

2007 - 122 p. (1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-10-3 / Literatura brasileira – Poesia

PAX-VÓBIS/ João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 120 p. (1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-03-5 / Literatura brasileira – Poesia

LIVRO ÍNDICE / João Felinto Neto. – Mossoró, 2007 - 49 p. (1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-11-0 / Livro índice de poemas A CAVEIRA & A ROSA / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 75 p. (1ª Edição)

ISBN: 978- 85-60656-04-2 / Literatura brasileira – Poesia

ALGUNS DEGRAUS / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 120p. (1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-09-7 / Literatura brasileira – Poesia

DE VERSOS, DIVERSOS VERSOS / João Felinto Neto. – Mossoró, 2007. 120p. ( 1ª Edição) / ISBN: 978-85-60656-05-9 / Literatura brasileira – Poesia

ESTRANHAS NARRATIVAS / João Felinto Neto- Mossoró, 2007 - 77 p.(1ª

Edição) ISBN: 978-85-905035-9-0 / Literatura brasileira – Prosa

CÁLICE / João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 124 p. (1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-08-0 / Literatura brasileira – Poesia

CRÔNICAS DISPERSAS / João Felinto Neto - Mossoró, 2007 - 72 p. (1ª Edição ) ISBN: 978-85-905035-8-3 / Literatura brasileira – Prosa

POESIA NO LIXO /João Felinto Neto – Mossoró, 2007 - 121 p. (1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-02-8 / Literatura brasileira – Poesia EM NOME DO PAI E DO FILHO / João Felinto Neto. – Mossoró, 2007.

120p. ( 1ª Edição) / ISBN: 978-85-60656-13-4 / Literatura brasileira – Poesia

ESPINHOS DO DESERTO / João Felinto Neto. – Mossoró, 2008 - 120p. ( 1ª Edição) / ISBN: 978-85-60656-17-2 / Literatura brasileira – Poesia

COMPOSIÇÕES SEM CIFRAS / João Felinto Neto – Mossoró, 2008 - 120p. ( 1ª Edição) / ISBN: 978-85-60656-18-9 / Literatura brasileira – Poesia

MEGALÍTICOS/ João Felinto Neto – Mossoró, 2008 - 120p. ( 1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656-16-5 / Literatura brasileira – Poesia

Page 120: JANELAS ABERTAS - static.recantodasletras.com.brstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/4340308.pdf · pela qual se pudesse ver os sonhos. Olhai o que veem meus olhos. Vede através

120

NOME DE MULHER / João Felinto Neto. – Mossoró, 2009 - 60p. ( 1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-21-9 / Literatura brasileira – Poesia

ÁRVORE MORTA/ João Felinto Neto – Mossoró, 2009 - 120p. ( 1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-19-6 / Literatura brasileira – Poesia

BOLODÓRIO - UMA FARRA NA POESIA / João Felinto Neto – Pará de Minas - MG, 2009. / Editora – Virtual Books / 120p. ( 1ª Edição)

ISBN: 978-85-60656 / Literatura brasileira – Poesia

GOTA D’ÁGUA / João Felinto Neto – Mossoró, 2009 - 120p. ( 1ª Edição) ISBN: 978-85-60656-20-2 / Literatura brasileira – Poesia

LIVRO NEGRO (EXALTAÇÃO À MORTE) / João Felinto Neto /Pará de Minas, MG.

Editora Virtual books, 2010.61p. / ISBN: 978-85-7953-078-4 / Poesia brasileira PECADOS DE DEUS / João Felinto Neto / Pará de Minas, MG.

Editora Virtualbooks, 2010. 63p. / ISBN: 978-85-7953-076-0 Poesia brasileira – Temática Cristã.

CAMINHOS / João Felinto Neto / Pará de Minas, MG (1ª Edição)

Editora Virtualbooks, 2011. 197p. / ISBN: 978-85-7953-406-5 / Poesia brasileira

www.blogdopoetajoaofelinto.blogspot.com www.joaofelintoneto.xpg.com.br