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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS Traduzir o Velho Japão: Japanese Fairy Tales de Lafcadio Hearn Reivly Tallita Kum Soares MESTRADO EM TRADUÇÃO 2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Traduzir o Velho Japão:

Japanese Fairy Tales de Lafcadio Hearn

Reivly Tallita Kum Soares

MESTRADO EM TRADUÇÃO

2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

Traduzir o Velho Japão:

Japanese Fairy Tales de Lafcadio Hearn

Reivly Tallita Kum Soares

Projeto de tese orientado pela Prof.ª Doutora Maria Teresa Correia Casal

E co-orientado pela Prof.ª Doutora Ana Raquel Fernandes

MESTRADO EM TRADUÇÃO

2015

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Traduzir o Velho Japão – Japanese Fairy Tales

© Reivly T. K. Soares – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Universidade de Lisboa têm licença não

exclusiva para arquivar e tornar acessível, nomeadamente através do seu repositório

institucional, esta dissertação, no todo ou em parte, em suporte digital, para acesso mundial. A

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Universidade de Lisboa estão autorizadas

a arquivar e, sem alterar o conteúdo, converter a dissertação entregue, para qualquer formato

ou ficheiro, meio ou suporte, nomeadamente através da sua digitalização, para efeitos de

preservação e acesso.

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Índice

Dedicatória .............................................................................................................................................. v

Agradecimentos ...................................................................................................................................... vi

Resumo .................................................................................................................................................. vii

Abstract ................................................................................................................................................ viii

Introdução ................................................................................................................................................ 1

Capítulo I ................................................................................................................................................. 5

1.1 Hearn, o intérprete do velho Japão ................................................................................................ 5

Recepção no Japão e Ocidente ...................................................................................................... 10

1.1.2 O anglófono e o lusitano: principais diferenças e semelhanças entre Wenceslau de Moraes e

Hearn ................................................................................................................................................. 12

1.2.1 Contos do velho Japão: O período Edo e o período Meiji como contexto histórico da série

Japanese Fairy Tales......................................................................................................................... 14

1.2.2. Caracterização dos contos ....................................................................................................... 18

CHIN-CHIN KOBAKAMA .......................................................................................................... 18

THE OLD WOMAN WHO LOST HER DUMPLINGS .............................................................. 19

THE GOBLIN SPIDER ................................................................................................................ 20

THE BOY WHO DREW CATS ................................................................................................... 20

SHIPPEITARO ............................................................................................................................. 21

2. Capítulo II. Enquadramento teórico .............................................................................................. 23

1.1. O Modelo orientado para a tradução de Christiane Nord ...................................................... 23

1.2. Propósito e propostas ............................................................................................................. 25

1.3. Considerações para a tradução de literatura infantil .............................................................. 29

1.4. Estratégias de tradução .......................................................................................................... 31

3. Capítulo III. Tradução de Japanese Fairy Tales ........................................................................... 34

Contos do Velho Japão ...................................................................................................................... 34

Introdução .......................................................................................................................................... 34

CHIN-CHIN KOBAKAMA .............................................................................................................. 36

A VELHINHA E O DANGÔ PERDIDO ......................................................................................... 40

A ARANHA-DEMÓNIO .................................................................................................................. 44

O RAPAZ QUE DESENHAVA GATOS ......................................................................................... 46

SHIPPEITARÔ ................................................................................................................................. 49

4. Capítulo IV. Relatório de tradução ................................................................................................ 52

4.1 Problemas de tradução específicos da mediação histórica .................................................... 53

4.2 Problemas de tradução referentes à língua e à legibilidade ................................................... 55

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4.3 Formas de tratamento ............................................................................................................ 58

4.4 Problemas de tradução referentes à linguagem ..................................................................... 60

4.5 Referências culturais ............................................................................................................. 62

5. Considerações finais ...................................................................................................................... 64

6. Bibliografia .................................................................................................................................... 66

1. Primária ..................................................................................................................................... 66

1.2 Outras obras de Hearn ........................................................................................................... 66

2. Secundária ................................................................................................................................. 67

2.1 Bibliografia Crítica sobre Hearn ........................................................................................... 67

2.2 Estudos de Tradução e Recepção .......................................................................................... 68

Outra bibliografia .............................................................................................................................. 69

Anexos

Anexo I

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Dedicatória

Para a minha ma.

E para Aquele que Tudo Criou.

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Agradecimentos

Os meus sinceros agradecimentos à Professora Doutora Maria Teresa Casal, pela sua

enorme generosidade em aceitar-me como sua orientanda, pelas suas valiosas contribuições,

conselhos, disponibilidade e apoio.

Agradeço, também de forma especial, à minha co-orientadora Professora Doutora Ana

Raquel Fernandes por também ter aceitado unir-se nesta jornada, pelas suas igualmente

preciosas contribuições e pela disponibilidade.

Um muito obrigada ao meu namorado pela preciosa e divertida ajuda durante todo este

projeto, pelas críticas e revisões e apoio.

E um muito obrigada aos meus pais, pelo esforço inimaginável, pelo amor imensurável,

pelo apoio incondicional e pela paciência de Jó.

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Resumo

Este trabalho tem como principal objetivo a tradução de uma seleção de contos

infantis integrados na coletânea Japanese Fairy Tales, de Lafcadio Hearn e G. James,

originalmente escrita em inglês, e publicada pela primeira vez em 1885. Partindo-se de uma

caracterização do texto e contexto de partida, assim como do contexto de chegada, recorrer-

se-á aos Estudos de Tradução, aos Estudos Literários e à Linguística para definir normas e

estratégias de tradução, apresentando-se seguidamente uma reflexão sobre as questões

suscitadas no decurso da sua aplicação prática a este corpus.

O presente projeto visa contrariar a quase inexistência de traduções em português das

obras de Lafcadio Hearn. O autor, à semelhança de Wenceslau de Moraes, foi um grande

intérprete da cultura japonesa. Com este trabalho pretende-se, simultaneamente, contribuir

para o conhecimento da obra de Lafcadio Hearn e para o estudo da tradução literária infanto-

juvenil, que carece de mais atenção e investigação.

PALAVRAS-CHAVE: Tradução de Literatura Infantil, Contos Japoneses, Contos do

Velho Japão, Japanese Fairy Tales, Editora Hasegawa, Lafcadio Hearn.

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Abstract

The main purpose of this project is to translate a selection of children’s tales,

originally in English and part of the Japanese Fairy Tales collection, published for the first

time in 1885 and written by Lafcadio Hearn and G. James. We will begin with an analysis of

the context of both source and target text; and we will resort to Translation Studies, Literary

Studies and Linguistics in order to define translation strategies and approaches. Thereafter we

will reflect on several questions raised in the process the translation of this collection.

This research aims to counter the near absence of Portuguese translations of Lafcadio

Hearn’s work. Just like Wenceslau de Moraes, Hearn was a great interpreter of the Japanese

culture. This project aims to increase the knowledge of Hearn’s work as well as contribute to

the study of translation of children’s literature, a field that needs more attention and research.

KEYWORDS: Translation of children’s literature, Japanese tales, Japanese Fairy

Tales, Hasegawa & Co., Lafcadio Hearn.

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Introdução

Os primeiros textos visando o público infantil apareceram no século XVIII, escritos

por professores e pedagogos, e eram caracterizados pelo seu forte cariz moral e didático.

Antes disso, no classicismo francês foram escritas histórias que, mais tarde, vieram a ser

apropriadas pelas crianças, como as Fábulas, de La Fontaine, As Aventuras de Telêmaco, de

Fénelon e Histórias ou Narrativas do Tempo Passado com Moralidades, de Charles Perrault.

Cervera (1989) define este tipo de literatura apropriada como “literatura adquirida” e

engloba todas as produções que não foram criadas especificamente para as crianças mas que,

ao longo do tempo, foram por elas apropriadas, ou lhes foram de alguma forma destinadas,

através de uma adaptação. É o caso do conto popular, das cantigas, dos contos de fadas, etc.

O conto popular é uma forma de prosa narrativa tradicional e ficcional que era

destinado a ser propagado oralmente. No uso coloquial e entre especialistas, “conto folclórico”

tem sido muitas vezes utilizado de forma indistinta para referir “conto de fadas” e “conto

maravilhoso” (Haase, 2008:363).

Porém, na sua origem, o conto popular foi concebido como um género oral, enquanto

o conto de fadas foi concebido como um género literário e o conto maravilhoso foi “deployed

to reinforce the requirement of orality in the more general folktale” (Haase, 2008: 363).

O termo “conte de fées” apareceu na França em 1697 para descrever os contos

literários de Marie-Catherine d’Aulnoy e daqueles que a sucederam. Embora o seu significado

“conto sobre fadas”, definir o género como contos que falam sobre fadas é problemático

porque nem todos os contos de fadas falam sobre fadas (Haase, 2008. Tolkien, 1947).

Tampouco podemos limitar o género a fim de defini-lo somente como os contos franceses do

século XVIII, segundo a sua referência original, por conta da ampla popularidade do termo.

Assim, muitas definições do género recaem sobre uma lista de categorias e

perspectivas que define as suas características. Algumas definições invocam as suas funções,

que articulam o contexto social, cultural e histórico da produção e recepção de determinado

conto de fadas, assim como o seu público-alvo (Haase, 2008:324).

Vladimir Propp (2001) defende a noção de que os contos de faz são narrativas de

iniciação. Isto é, o género segue um determinado modelo – este de uma jornada cujos

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obstáculos são ultrapassados e os problemas são resolvidos. Haase afirma que, segundo esta

perspectiva, o conto de fadas é “synonymous with the wonder tale and fulfills a sociocultural

purpose, whether that is satisfying the audience’s need to see its wishes realized or confirming

a society’s structure of status and power” (2008: 324).

Ainda, o mundo do conto de fadas é caracterizado pela fantasia, pelo irreal e

maravilhoso, sendo que estas são aceitas pelos personagens e pelo público imediata e

naturalmente.

Este projeto de tese visa a traduzir cinco versões de contos selecionados da coletânea

Japanese Fairy Tales, publicada pela primeira vez pela editora japonesa T. Hasegawa em

1885. Estas versões estão em inglês. Quatro versões foram escritas por Lafcadio Hearn, um

célebre japonólogo do século XIX que permanece entretanto desconhecido em solo lusófono,

e uma por G. James.

Os contos de fadas japoneses apresentam uma peculiaridade dos contos de fadas

europeus, no sentido da sua função. No conto de fadas Ocidental, a função mais comum é a

sua função ética. Obviamente, não é uma regra, mas é muito comum. A jornada do herói

termina em integração, sucesso e felicidade (Haase, 2008: 324). Nos contos de fadas

japoneses, no entanto, a função é estética. Finais bonitos são preferidos a finais felizes.

Para explicar esta perspectiva, Hayao Kawai dá o exemplo de um conto japonês onde

uma prímula transforma-se numa linda mulher para casar-se com um jovem. Ele cantava

enquanto cortava a relva e tinha uma linda voz. Certa noite, a prímula transformada apareceu-

lhe a pedir-lhe abrigo para a noite, mas ele recusou porque não sabia cozinhar bem. Ela disse-

lhe que podia fazer isso pelos dois. Eles casaram-se depois de algum tempo. Certa manhã, o

jovem voltou da montanha desejoso de mostrar para a esposa uma bonita prímula que

encontrou. Só que tudo o que encontrou foi a esposa caída no chão da cozinha. Aí, ela contou-

lhe que era o espírito daquela flor que ele tinha cortado, que se atraíra pela sua voz e

transformara-se em humana para poder casar-se com ele. Então disse “agora a minha vida está

no fim. Obrigada por tudo” e morreu.

O final da história é trágico, porém Kawai ressalta a beleza de tudo: da flor, que por

ser tão bonita, o jovem arranca para mostrar a sua esposa, que por isso falece; da voz do

jovem que atrai a prímula a ponto de fazê-la transformar-se em humana. Kawai diz que o

significado da história está no sentimento dos seus ouvintes. Ele diz: “They must be shocked

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by the tragic endings and feel very sad. That feeling is necessary for the completion of the

story of beauty. Beauty is completed only when sorrowful feeling accompanies it” (1995:

125).

Nos contos de Grimm, existem três histórias onde meninas são transformadas em

flores. Só que nestas histórias, as flores são originalmente meninas, transformadas por algum

intermédio mágico. Os humanos precisam vencer o feitiço, para voltar a ser humanos. No

conto japonês no entanto, a jovem é originalmente uma flor e não existe nenhum relato sobre

um feitiço na sua transformação: é simplesmente um acontecimento.

Embora não seja o meu objetivo comparar contos europeus e japoneses, este parêntese

é relevante porque ambos os autores em causa são europeus, que vão descrever ao seu modo e

para um público também Ocidental, uma cultura incrivelmente diferente. Ambos a seu próprio

modo adaptam-se ao seu público, as crianças, levando de acordo com a sua própria imagem

de infância este conteúdo cultural. Eles estão assim numa complexa posição de mediadores,

de tradutores e intérpretes.

O tradutor de literatura infantil também está numa posição complexa. Ele tem o seu

público-alvo, que não é constituído somente pelas crianças, mas também pelos pais e

educadores. Ele tem outros agentes envolvidos na tradução, como os críticos literários, a

editora e o escritor, todos adultos. E ele tem que lidar com os problemas suscitados próprios

da tradução, da transferência linguística e cultural que este processo envolve.

Um processo tão diversificado também obriga a uma multiplicidade de teorias. Qual

teoria facilitaria a escolha de estratégias de tradução? Quais estratégias são utilizadas para a

tradução de literatura infantil? Quais técnicas as editoras empregam a fim de solucionar

problemas de contexto cultural?

A fim de compreender e responder a estas perguntas, o Capítulo I explora os factores

extratextuais dos contos – aqui também aproveito para deixar um pequeno contributo ao

estudioso da cultura e folclore japonês, Lafcadio Hearn, um autor tão pouco explorado no

campo lusófono – assim como a sua caracterização intratextual.

A metodologia do processo tradutório é abordada no Capítulo II, seguida pela proposta

de tradução dos contos, no Capítulo III.

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Finalmente, o Capítulo IV identifica os problemas que se nos colocaram e fundamenta

as decisões tomadas no decurso do processo de tradução, sob uma perspectiva linguística e

cultural.

A fim de por em destaque um autor pouco conhecido e de reunir ferramentas de

trabalho para futuros investigadores, a bibliografia está organizada em subseções.

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Capítulo I

1.1 Hearn, o intérprete do velho Japão

Mais conhecido, em terras nipónicas, como Koizumi Yakumo, Lafcadio Hearn é

atualmente um nome reconhecido e apreciado por aqueles cuja cultura divulgou. Tendo

deixado uma extensa bibliografia, em língua inglesa, sobre a cultura e folclore japoneses da

era Meiji (1867-1902, como veremos mais adiante), é uma fonte de pesquisa não só para os

nativos do Japão, mas também para os estudiosos dessa cultura.

As obras mais famosas de Hearn são, na verdade, narrativas populares, extraídas do

folclore japonês. Entre os temas que abordava encontramos, sobretudo, o estranho, o folclore,

a religião e o estilo de vida no Japão até à era Meiji. Várias das suas narrativas são ainda

editadas e comercializadas, voltadas principalmente para o público infantil, sendo inclusive

inseridas em livros didáticos japoneses (Nakamura, 1994).

Hearn nasceu a 27 de junho de 1850, na ilha grega de Leucádia, que lhe deu nome. Era

filho do cirurgião-chefe Charles Bush Hearn, um irlandês, que, por meados de 1840, quando

as Ilhas Jónicas ainda pertenciam à Inglaterra, foi enviado, juntamente do seu batalhão, para a

Grécia. Ali, na ilha de Cetera, conheceu Rosa Cerigote, com quem se casou e teve dois filhos,

sendo o mais velho deles Lafcadio Hearn.

O casamento dos dois não vingou, tendo uma atribulada anulação pouco depois de a

família se mudar para Dublin. Nessa altura, o pequeno Lafcadio foi acolhido pela tia-avó,

Sarah Brenane, uma viúva rica, convertida ao catolicismo.

A extrema devoção de sua tia, no entanto, acabaria por acender conflitos entre os dois,

tanto por ele ser fruto de um casamento fracassado, como pela crescente antipatia do menino

pelo cristianismo e profunda disposição ao pagão.

Em Idolatry e My Guardian Angel, um dos poucos relatos da sua infância, Lafcadio

admite a sua crença em seres sobrenaturais e admiração pelo pagão:

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For the best of possible reasons I then believed in ghosts and in goblins, – because

I saw them, both by day and by night. Before going to sleep I would always cover

up my head to prevent them from looking at me; and I used to scream when I felt

them pulling at my bedclothes. And I could not understand why I had been

forbidden to talk about these experiences. But of religion I knew almost nothing.

The old lady who had adopted me intended that I should be brought up a Roman

Catholic (…) I had been taught to say a few prayers; but I repeated them only as a

parrot might have done. (Lafcadio Hearn apud Bisland, 1906: 16)

The first religious question that I remember asking was about the Holy Ghost. It

was the word “Ghost,” of course, that had excited my curiosity. (…) It gave me

the idea that the Holy Ghost was a white ghost, (…) and I discovered a mystery

and an awfulness unspeakable in the capital G.

It was in reading the legends of that Church, and the lives of her saints, that I

obtained my first vague notions of the pagan gods. I then imagined gods to

resemble in some sort the fairies and the goblins of my nursery-tales, or the fairies

in the ballads of Sir Walter Scott. Goblins and their kindred interested me much

more than the ugly Saints of the Pictorial Church History – much more than even

the slender angels of my French religious prints, who unpleasantly reminded me

of Cousin Jane. Besides, I could not help suspecting all the friends of Cousin

Jane’s God, and feeling a natural sympathy with his enemies – whether devils,

goblins, fairies, witches, or heathen deities. To the devils indeed – because I

supposed them stronger than the rest – I had often prayed for help and friendship

(Lafcadio Hearn apud Bisland, 1906: 26)

A educação religiosa e rigorosa, as reprimendas ao seu comportamento pagão, bem

como o orgulho e consciência de incitar a indignação daqueles que o criavam, deram-lhe

forças para se revolta contra o cristianismo e se aproximar cada vez mais das figuras que

admirava.

Em Life and Letters Bisland disponibiliza mais um excerto que evidencia este

comportamento, abaixo:

One day I told the ghostly father that I had been guilty of desiring that the devil

would come to me in the shape of the beautiful women in which he came to the

anchorites in the desert, and that I thought I should yield to such temptations. […]

His earnestness filled me with a fearful joy; – for I thought the temptation might

actually be realized – so serious he looked… but the pretty succubi all continued

to remain in hell. (Lafcadio Hearn apud Bisland, 1906: 31-32)

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Aos dezasseis anos de idade, no colégio Católico Romano em Durham, Lafcadio,

durante uma brincadeira sofreu um violento acidente que o cegou de um olho e que, segundo

palavras suas, o tornou num servo. Apesar da riqueza dos seus familiares, Hearn protestava

que nenhum se prontificou a ajudá-lo a terminar os seus estudos, de forma que o jovem não

teve outra opção senão seguir o caminho do autodidatismo.

A desfiguração tornou-se fonte de constante desconforto e abriu portas para o

complexo de ser visto com repugnância, sobretudo pelo sexo feminino. Provavelmente um

complexo nunca superado, uma vez que, mesmo em adulto, o autor nunca se permitiu ser

fotografado de outra forma senão de perfil. De facto, Hearn não manifestava confiança em sua

aparência; magro e pequeno de estatura – nunca passando de um metro e sessenta – parecia

não atingir a própria expectativa de beleza. Talvez não fosse surpreendente que alguém que se

sentisse tão desajustado, na aparência e consciência, encontrasse conforto e acolhimento no

Japão feudal.

No entanto, em 1869, pouco depois da morte da velha Brenane, Hearn não embarcava

para o Japão, mas sim para Nova Iorque. Não tinha dinheiro, pois a tia-avó pouco ou nada lhe

deixara de herança – afinal, ela própria passara, no fim da vida, por dificuldades financeiras

que lhe custaram a própria casa, além de, influenciada por aqueles que a cercavam, acabar por

considerar o rapaz indigno dos seus esforços, por seus juízos pagãos – e tampouco conhecia

ali alguém. Um longo, difícil período adveio na vida do jovem.

Talvez tenha sido a fome e extrema dificuldade financeira que o levaram a Cincinnati,

Ohio, dois anos mais tarde. Ali encontrou o seu primeiro trabalho como tipógrafo e revisor, na

Robert Clarke Company. Os seus colegas apelidaram-no de “Old Semicolon” por seu

obsessivo e excepcional cuidado pelo que achava correto na escrita.

Em 1874, conseguiu finalmente um trabalho como repórter no Enquirer, onde acabou

por escrever nas colunas de “Tannery Murder”.

De Cincinnati, Hearn partiu para Nova Orleães, onde conseguiu trabalho no Daily Item,

onde fazia revisões, edições e, ocasionalmente, traduzia ou escrevia artigos originais, que

acabaram por vir a ser conhecidos como os seus “fantastics”. Em 1881, surgiu uma

oportunidade para trabalhar no recém-consolidado Times Democrat, um jornal que, segundo

Elisabeth Bisland, reunia grandes promessas da comunidade crioula e americana da cidade,

como Charles Whitney, Honoré Burthe e John Augustin.

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O seu primeiro trabalho consistiu na tradução semanal de autores franceses (Gautier,

Maupassant, Loti). Hearn foi um dos primeiros a traduzi-los para a língua inglesa. Essas

traduções eram geralmente acompanhadas por “um editorial, que elucidava o personagem ou

o autor, ou o próprio tópico do jornal, e este editorial era, muitas vezes, veículo de

investigação para uma multidão de objetos estranhos, como os espadachins da história, danças

e canções Orientais, os muezins, música africana, casais históricos, lendas talmúdicas, buscas

literárias monstruosas e afins” (Bisland, 1906: 73) (tradução minha).

It is astonishing what system will accomplish. If a man cannot spare an hour a day

he can certainly spare a half-hour. I translated “La Tentation” by this method,

never allowing a day to pass without translating a page or two. The work is

audacious in parts; but I think nothing ought to be suppressed. (Lafcadio Hearn

apud Kenn, 1912: 77).

Nos dez anos em que permaneceu na Cidade Crescente, Hearn publicou dois estudos

sobre a população crioula, La Cuisine Créole (uma coleção de receitas culinárias que

contribuíram para a fama da cozinha orleniana) e Gombo Zhèbes (um dicionário de provérbios

crioulos); duas coletâneas de contos, Stray Leaves From Strange Literature, que são, segundo

o seu prefácio, “reconstructions of what impressed me as most fantastically beautiful in the

most exotic literature which I was able to obtain” (Hearn, 1884:7) e Some Chinese Ghosts, um

estudo sobre lendas chinesas; e um breve romance sobre a grande tempestade de 1856, Chita.

Em 1887, depois do sucesso do seu livro Chita, Hearn consegue realizar o seu sonho

de visitar os trópicos: com uma pequena comissão do Harper, partiu para as ilhas de

Barlavento. A jornada levou-o depois para Guiana – e tudo isso resultou numa série de relatos

de viagens impressas na Harper’s Magazine. As suas viagens renderam ainda dois livros, Two

Years in the French West Indies e Youma.

Hearn esteve novamente em Nova Iorque em 1889, ocupado com as últimas edições

de Chita antes que fosse publicada em livro, a preparar a obra Two Years in the French West

Indies e traduzindo Le Crime de Sylvestre Bonnard de Anatole France. Foi quando surgiu

uma oportunidade com a editora Harper and Brothers de ir ao Japão e escrever uma série de

artigos sobre o local, à semelhança do livro que preparava.

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Partiu em 1890, com quarenta anos. Em Glimpses of an Unfamiliar Japan, Hearn fala

da sua primeira impressão do país:

The first charm is intangible and volatile as a perfume […] Elfish everything

seems; for everything as well as everybody is small and queer and mysterious: the

little houses under their blue roofs, the little shop-fronts hung with blue, and the

smiling little people in their blue costume […] Hokusai’s own figures walking

about in straw rain-coats and straw sandals – bare limbed peasants; and patient-

faced mothers, with smiling bald babies on their backs, toddling by upon their

geta […] And suddenly a singular sensation comes upon me as I stand before a

weirdly sculptured portal, – a sensation of dream and doubt. It seems to me that

the steps, and the dragon-swarming gate, and the blue sky arching over the roofs

of the stretching upon the grey masonry, must all vanish presently […] because

the forms, the coiling dragons, the Chinese grotesquies of carving – do not really

appear to me as things new, but as things dreamed […]. A moment and the

delusion vanishes; the romance of reality returns, with freshened consciousness of

distance, the wondrous delicacy of tones, the enormous height of summer blue,

and the white soft witchery of Japanese sun. (Hearn, 1894: 3-7)

Durante os catorze anos que permaneceu em solo japonês, Hearn nunca abandonou a

ideia de que se encontrava de alguma forma num país encantado. Inclusive, tal juízo

influenciava-o durante os seus estudos, tornando os seus escritos extremamente subjetivos – o

Japão das suas investigações é um Japão mais imaginado do que real e, se porventura se

encontra alguma discrepância entre imaginação e realidade, esta é imediatamente desculpada.

Um conflito com a Harper and Brothers acabou por cancelar o contrato pouco depois

da sua chegada. Tendo que encontrar novos meios de sustento, Hearn encontrou ajuda e

direção com Basil Hall Chamberlain, já famoso pelos seus estudos sobre a vida e a literatura

japonesa. Influente, Chamberlain arranjou uma vaga na escola secundária de Matsue para o

amigo, como professor de Inglês.

Ali, em Matsue, Hearn conhece então Setsu Koizumi, filha de uma importante família

de samurais que, com a queda do militarismo feudal japonês, passava por um atribulado

período. Casa-se com ela em 1894. Em 1895, o autor adopta o nome Yakumo Koizumi, após

naturalizar-se japonês.

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Interessa referir que Setsu é uma figura de relevo para as obras de Hearn, uma vez que

uma grande porção das histórias que relatava era, na verdade, resultado dos contos populares

que a esposa lhe contava.

Apesar de Matsue proporcionar tranquilidade e fascínio, Hearn muda-se para

Kumamoto, onde termina o seu serviço com o governo japonês e, depois, para Kobe. Uma

vez em Kobe, volta às suas origens como jornalista; contudo, com a sua saúde a deteriorar-se

rapidamente, assim como a necessidade de sustentar toda a família, segundo os antigos

padrões nipónicos, acaba por aceitar o cargo como professor universitário na universidade de

Tóquio, que o seu amigo Chamberlain, mais uma vez, tão generosamente lhe propunha e, no

seu último ano de vida, na universidade de Waseda.

Hearn faleceu em 26 de setembro de 1904 e teve um funeral budista, que ia de acordo

com os desejos por ele expressos em uma das suas obras mais famosas, Kwaidan.

As suas obras sobre o Japão mais conceituadas incluem: Glimpses of Unfamiliar

Japan (1894), Out of the East: Reveries and Studies in New Japan (1895), Kokoro: Hints and

Echoes of Japanese Inner Life (1896), Gleanings in Budha-Fields: Studies of Hand and Soul

in the Far East (1897), The Boy Who Drew Cats (1897), Exotics and Retrospectives (1898);

Japanese Fairy Tales (1898), In Ghostly Japan (1899), Shadowings (1900), Japanese Lyrics

(1900), A Japanese Miscellany (1901), Kottō (1902), Kwaidan: Stories and Studies of Strange

Things (1903), e Japan: An Attempt at Interpretation (1904).

Recepção no Japão e Ocidente

É interessante notar que, apesar de Hearn ter sido, sem dúvida, um autor célebre para o

mundo ocidental em dado momento, hoje em dia, no entanto, não é incomum ver o seu nome

esquecido no Ocidente – e, em contrapartida, mais ou menos glorificado no Oriente, que é o

contrário do que ocorria quando o autor era ainda vivo. Atualmente, as suas obras foram

aceites como parte importante da literatura popular nacional japonesa, e estudiosos como

Hirakawa Sukehiro têm liderado estudos e investigações a seu respeito.

Essa conversão pode ser justificada e sintetizada tendo em conta que, entre 1900 e

1920 houve, no Ocidente, uma grande demanda por livros sobre o Japão, consequência da

vitória na guerra sino-japonesa e russo-japonesa. Os livros de Hearn, publicados entre os

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finais de 1800 e início de 1900 vieram então responder a essa demanda (Askew, 2009). Em

contrapartida, por serem escritos em inglês, poucos japoneses tinham acesso a essas obras.

Além disso, Hearn já tinha consolidado a sua reputação nos Estados Unidos, antes de

partir para o Japão. As suas obras regionalistas sobre Nova Orleães e as Índias Ocidentais já

eram conhecidas, assim como as suas traduções da literatura francesa do século XIX.

A partir de 1930, porém, quando o mundo anglófono começou a ver o Japão

negativamente, as obras românticas e, sobremaneira, propagandistas de Hearn entraram em

declínio (Starrs, 2013). Nesta altura, os escritos de Hearn passaram a ser interpretados de duas

formas distintas: ora era visto como um romancista cego à realidade do Japão moderno, ora

como um realista, que via a essência da nação e sabia quão perigosa podia se tornar (Askew,

2009).

Muitos dos japonólogos modernos compartilham esta opinião de que a sua adopção

cega da cultura japonesa torna os seus escritos mais suscetíveis de manipulação: “Hearn’s

writings on Japan suffer from his uncritical and excessive embrace of many things ‘Japanese’,

and it is this element which makes them susceptible to manipulation in the interests of a

different kind of nationalism one hundred years later” (Guo, 2001:106). Num artigo do The

Japan Times lê-se: “In his prime, Hearn was a story reteller of genius, a writer with an

instinctive knack for grasping the essence of another culture’s spirituality, legends, rituals and

myths” (Pulvers, 2000).

Hearn continua, contudo, sendo considerado o “melhor” intérprete da cultura japonesa

da era Meiji e, independentemente de acordarem com tal definição ou mesmo apreciá-la, os

principais japonólogos da atualidade são, inevitavelmente, comparados a ele, como é o caso

de Donald Keene, descrito como “o segundo Koizumi Yakumo” (Askew, 2009).

Para os leitores japoneses, as obras de Hearn são comoventes, odes ao glorioso Japão

de outrora. Naoya Shiga, escritor e romancista disse a seu respeito: “With the best of

intentions, Hearn interpreted Japanese things which have been forgotten by Japanese

themselves... We feel grateful and flattered at the same time” (Shiga, 1974 apud Guo, 2001:

107).

Na década de 90, a popularidade de Hearn voltou a crescer no Ocidente com o

desenvolvimento económico do Japão. Muitos dos seus trabalhos voltaram então a ser

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traduzidos, compilados e reeditados (Guo, 2001), entre os quais Lafcadio Hearn’s Creole

Cookbook (1990), Two Years in the French West Indies (Lost and Found Series) (2000).

Apesar disso, Hearn permaneceu desconhecido na língua portuguesa. Existem apenas

três traduções recentes do autor Japão: Uma Antologia de Escritos sobre o País (2005) e O

Japão: Uma Antologia de Escritos sobre as Gentes (2006), que reúnem, em dois volumes,

alguns dos principais trabalhos de Hearn sobre o Japão, publicados pela editora portuguesa

Cotovia e traduzidos por Humberto Brito. E, no Brasil, a sua popular obra de histórias de

fantasmas, Kwaidan (2006).

1.1.2 O anglófono e o lusitano: principais diferenças e semelhanças entre Wenceslau de

Moraes e Hearn

É um facto curioso que a falta de traduções portuguesas das obras de Hearn contrasta

com a também ausência de traduções em inglês do seu contemporâneo lusitano, Wenceslau de

Moraes.

Hearn ocupa um posto no mundo anglófono como intérprete do Oriente semelhante ao

de Wenceslau de Moraes no mundo lusófono: não só são dois autores seduzidos pelo

exotismo oriental, como ambos contribuíram, em dado momento na história, para a formação

do imaginário e a produção dos estereótipos.

Wenceslau José de Sousa Moraes nasceu a 30 de janeiro de 1854 em Lisboa e foi

oficial da marinha portuguesa, o que logo lhe permitiu realizar viagens para diversos

territórios, entre eles, Macau, onde residiu por algum tempo. A sua primeira visita ao Japão

ocorreu em 1889 – e o seu fascínio pelo país, tal como aconteceu com Hearn, foi imediato.

Os estudos primordiais de Moraes acerca do Japão tinham um cunho, sobretudo,

antropológico. Ele apresentava, de forma minuciosa, todo o quotidiano japonês, através da

apresentação da estrutura familiar, a casa, o mobiliário, o banho, a religião e o chá. Entre as

suas principais obras encontramos Traços do Extremo Oriente (1895), Dai Nippon (1897)

reeditada em 2012 para formato digital, Cartas do Japão (1904) reeditada em 2010, O culto

do chá (1905) reeditada em 2008, Paisagens da China e do Japão (1906) reeditada em 2014,

Ko-Haru (1917), Ó-Yoné e Ko-Haru (1923) reeditada em 2006, Relance da história do Japão

(1924), Os serões no Japão (1926), Relance da alma japonesa (1928).

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A sua escrita transmite estranheza e, ao contrário do que acontece com Hearn, que se

permite facilmente fascinar pelo país, a ponto de perder inclusive o sentido crítico, os escritos

de Moraes permitem uma compreensão sobre o pensamento ocidental do final do século XIX

sobre o homem japonês, como defende Horigoshi (2012).

Essas obras primeiras também revelam uma característica oposta às obras de Lafcadio,

uma vez que é notória a perspectiva da superioridade do europeu. Em Dai Nippon (1897)

encontra-se:

Aproximar-se dela, imitá-la quanto possível, recordando-a eis todo o esforço

estético do japonês; vive nela, é para ela. O espírito ocidental labora exatamente

em sentido oposto. O seu ideal artístico não é a natureza rude e desordenada;

imaginou uma harmonia ainda superior, inventou códigos para as linhas, para as

grandezas, para os contrastes; a régua, o compasso, o esquadro são bem seus; e é

assim, fugindo da terra e do mundo, voando no sonho espiritual, que a alma

europeia presta culto a uma outra arte, que se tem origens, são transcendentais.

(Moraes, 1897: 132-133)

É claro que tal eurocentrismo, com o passar dos anos, acaba por ser diluído para dar

espaço a uma perspectiva mais madura, mais complexa e mais íntima. Isso sem, contudo, cair

no erro de produzir romances ficcionais: os seus relatos, mesmo que ressaltem a sua paixão

pelo país que adopta, são notoriamente frutos de profundas observações e de um

conhecimento sólido.

Wenceslau escreveu em português e para os portugueses. Em Dai Nippon encontramos

expressões como “rapazes da minha terra” e “companheiros”. O crescimento económico do

Japão e as suas vitórias militares exortavam-no a animar e a encorajar Portugal a reavivar o

seu nacionalismo e tomar as medidas necessárias para crescer tão rápida e eficazmente

(Moraes, 1904). Em nenhum momento, mesmo durante o seu processo de integração e

adopção aos costumes locais, se esqueceu do seu lugar enquanto português.

Como vimos anteriormente, no entanto, Hearn ao adotar o Japão, recusa quase

automaticamente o Ocidente. Numa pequena introdução em Chin-Chin Kobakama, um dos

contos traduzidos no presente trabalho, comenta: “Japanese children are much more obedient

than English children and much less mischievous” (Hearn, 1918: 9). Guo (2001) afirma que

Hearn confundia o xintoísmo que tanto admirava com o nacionalismo fanático que estava a

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ser construído na época. Hearn absorve os costumes, a religião, e deixa-se fascinar pelo Japão

irrefletidamente – e, ao abandonar o seu sentido crítico, vemos nas suas interpretações uma

visão muito mais limitada e fantasiosa; ironicamente também muito mais apropriada ao

público infantil, por ser mais imaginativa.

Apesar de Hearn e Moraes terem um público distinto, ambos tentaram traduzir para os

ocidentais, na mesma época, de diferentes formas, o País do Sol Nascente. Embora opostos

em alguns aspectos, ambos tentaram integrar-se na sociedade japonesa da era Meiji, casando-

se com japonesas, adoptando o budismo e os costumes da época. Tanto um quanto o outro

impactou o seu público-alvo, com as suas perspectivas, estudos e relatos folclóricos.

1.2.1 Contos do velho Japão: O período Edo e o período Meiji como contexto histórico da

série Japanese Fairy Tales

O período Tokugawa, ou período Edo, compreende os anos de 1603 e 1868. Ieyasu

Tokugawa pretendia que a sua dinastia permanecesse no controle da nação e, para isso, tanto

ele quanto os seus sucessores criaram uma série de regras, promovendo a unidade e

impedindo mudanças, o que acabou por resultar em determinada estabilidade socioeconómica.

Nesta era de forte reclusão, o contato com o estrangeiro era altamente fiscalizado e

trocas comerciais com locais não previstos pelo governo eram proibidas. Pontes foram

destruídas e os transportes de rodas abolidos. Todos e quaisquer transgressores eram

severamente punidos (Henshall, 2004).

Uma classe que particularmente apresentava problemas eram os estrangeiros. Não só

não estavam familiarizados com os costumes japoneses, como falavam línguas diferentes, o

que tornava monitorizá-los uma tarefa difícil (Henshall, 2004). Claro que a sua tecnologia e as

suas trocas comerciais eram muito úteis; porém, a tendência de impor a sua religião fazia com

que fossem vistos como uma ameaça. O catolicismo – muito mais do que o protestantismo –

era visto como um perigo ao governo, à sua autoridade e poder, e simbolizava a presença do

Ocidente, o que acabou por desencadear as perseguições aos cristãos, fossem eles estrangeiros

ou japoneses.

Em 1639, grande parte dos estrangeiros já tinham sido expulsos ou saído do país

voluntariamente (Henshall, 2004). Muito mais do que banir os estrangeiros, a política

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Tokugawa rejeitava tudo o que viesse de fora. Isso contribuiu para uma forte noção de

nacionalismo e para uma reunificação geopolítica.

A falta de intervenção de outras culturas originou um grande progresso na arte, na

literatura e o folclore. Todos tinham como principal fonte a cultura popular. Neste quadro, os

contadores de histórias ganham notoriedade.

No século XVI, durante o crescimento da economia comercial japonesa, as zonas

rurais e urbanas ficaram expostas. Viajantes, comerciantes e missionários ambulantes

difundiam contos pelas zonas por onde passavam (Reider, 2000). Muitas dessas histórias

vinham principalmente da China, e o seu conteúdo ia desde o cómico ao estranho. Como

Reider (2000: 267) complementa, com a sua popularidade, houve a necessidade de contadores

de história profissionais e, mais tarde, da inserção deste entretenimento em reuniões populares.

No período Edo novos festivais surgiram, como reuniões onde se contavam cem

histórias do estilo Kaidan. Acreditava-se que ao realizar esta reunião à meia-noite e ao

terminar de contar as cem histórias, tal provocaria um evento sobrenatural.

Ora, grande parte dos contos narrados pelos contadores de histórias, tanto no período

Edo, como no período anterior, tinham, de facto, este forte cunho sobrenatural. Apelavam a

um universo maravilhoso e exploravam uma intensa relação com a natureza, onde

acontecimentos estranhos eram tratados como eventos comuns ou casuais (Carvalho e Pires,

2013). Como Carvalho e Pires ressaltam, tanto na literatura japonesa atual, como nesses

contos passados oralmente, existe uma forte presença de “mulheres animais, monstros,

pessoas de origens misteriosas, demónios, espíritos de pessoas perturbadas, fantasmas, entre

outros personagens estranhos, sobrenaturais, insólitos” (Carvalho e Pires 2013: 65).

As narrativas desse cariz originam então o género Kaidan, delimitado por Reider

como contos do sobrenatural, que tende, por vezes, a ser surrealista, e que pode ser

considerado estranho, insólito e assustador (Reider, 2000: 266). É o género que populariza

Lafcadio Hearn e cuja divulgação no Ocidente é, em grande parte, responsabilidade sua.

Todavia, os festivais não bastavam para manter vivas estas histórias. Era necessário

que fossem devidamente impressas.

As impressões no Japão eram feitas a partir da prensa coreana: numa das duas

invasões à Coreia, em 1590, tropas japonesas voltaram para casa com uma quantidade

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considerável de blocos de fontes de metal e livros impressos a partir deste material (Berry,

2006). Era um artifício inventado na China: porém, a Coreia tinha-o desenvolvido

incrivelmente. Algumas obras foram impressas a partir dessa prensa, como traduções

japonesas e chinesas: obras budistas, confucionistas, contos populares e clássicos, produzidos,

sobretudo, na província de Quioto. Algum tempo depois, surgiu uma versão japonesa desta

prensa, onde se utilizavam blocos de madeira.

Ressalta-se que esta técnica contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento da arte

de ukiyo-e, um estilo de pintura semelhante à xilogravura, muito popular e amplamente

divulgado, tendo como um dos seus autores mais queridos Katsushita Hokusai.

Em 1867, o imperador Mutsuhito Meiji enterra o período Edo, com as suas convicções

e o isolamento externo, para iniciar a sua própria era. A Carta de Juramento atestava a

participação de todas as classes na administração do país (contrariando o anterior e inflexível

regime hierárquico), o abandono dos maléficos costumes do passado e promovia a busca pelo

conhecimento a nível mundial (Henshall, 2004). Um dos seus motes era “Espírito japonês,

aprendizado ocidental” (Wakon-Yosai 和魂洋才).

Inevitavelmente, a intensa modernização promovida por Meiji, ao abraçar ideias,

conhecimento e tecnologias ocidentais, causou um profundo impacto não só na sociedade –

que evoluiu bruscamente de uma cultura feudal para um moderno estado imperial em somente

cinquenta anos – mas também na literatura (LaLonde, 2008).

Em 1868, a indústria da xilografia tradicional sofreu uma alteração com a introdução

de obras ocidentais no mercado. Novas e inovadoras impressões surgiram, como o shin-hanga,

i.e., “nova impressão”, que, apesar de não se diferenciar substancialmente das impressões de

ukiyo-e, é, em termos de estilo, muito influenciada pelas técnicas ocidentais (LaLonde, 2008).

Outra impressão muito inovadora e também derivada da xilografia tradicional foi a impressão

em papel crepe da Hasegawa Company (1853-1938). Essa editora publicou uma série de

livros, com o nome, em inglês, de Japanese Fairy Tales, que consistia, na sua maioria, em

traduções de contos tradicionais japoneses, imortalizadas pelos contadores de história no

período Edo.

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A série foi publicada em inglês e japonês, porém alguns dos seus volumes foram

também publicados em alemão, francês, espanhol e português1. Os primeiros volumes foram

traduzidos pelo missionário americano David Thompson, ganhando outros autores

estrangeiros e de renome à medida que se mostrava lucrativa, como Basil Chamberlain,

Lafcadio Hearn e T. H. James. Foi ilustrada por Kobayashi Eitaku até a sua morte em 1890.

Originalmente, os livros eram direcionados ao público japonês, que tinha interesse em

aprender inglês. Contudo, a série logo se tornou popular entre o público ocidental, obrigando

a uma nova impressão, direcionada às comunidades estrangeiras residentes no Japão. Os

primeiros volumes impressos continham xilografias a preto e branco; as impressões a cores

surgiram para atrair consumidores ocidentais. Ao contrário das edições japonesas, eram

impressos da esquerda para direita e o texto era separado das gravuras.

A série contava com cerca de trinta e cinco volumes. Os primeiros seis foram lançados

em 1885 (Little Peachling, Tongue-Cut Sparrow, Battle of the Monkey and the Crab, The Old

Man Who Made the Dead Trees Blossom, Kachi-Kachi Mountain e The Mouse’s Wedding,

traduzidos por David Thomson). Em todos os contos há elementos do estranho, narrados e

conduzidos diversamente, uma relação poderosa com a natureza, a constante presença de

personagens místicos (como demónios, monstros, pessoas de origens misteriosas, entre outros)

e a inexistência de questionamentos quando ocorre um fenómeno sobrenatural.

A coleção de contos tornou-se tão popular que continuou sendo editada e publicada

por outras editoras ao longo das décadas, sob os mais diversos títulos (o mais recente, de 2012,

da Dover Publications, The Boy Who Drew Cats and Other Japanese Fairy Tales).

Curiosamente, apesar de a autora mais prolífera da série ter sido, na verdade, T. H. James,

autora de “Shippeitaro”, que traduziu treze contos, essas edições usualmente creditam apenas

Lafcadio Hearn (acrescentando, em alguns casos, o professor Chamberlain)2.

As publicações em português eram traduzidas por J. E. de Campos e incluem: o

volume n.º 1 Momotaro: ou o Primogênito do pêssego; o volume n.º 2 O pardal da língua

cortada; volume n.º 3, A guerra do macaco e do caranguejo; v. n.º 4 O velho que faz florescer

as árvores mortas; volume n.º 5 Kachi Kachi yama: A montanha da vitória; volume n.º 6, O

1

Chirimen Crepe Books Database < http://shinku.nichibun.ac.jp/chirimen/alphabet_list.php?disp=EN> Site

visitado pela última vez em 15/09/2015 2 A edição alvo de tradução também credita, além de Chamberlain, Grace James (T. H. James).

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espelho de Matsuyama; v. n.º 7 A serpente de oito cabeças; e v. n.º 8, Urashima: o jovem

pescador.

1.2.2. Caracterização dos contos

Os cinco contos selecionados neste projeto foram adaptados por autores europeus para

um público europeu. Os quatro primeiro contos aqui listados são de autoria de Hearn,

enquanto o último é uma adaptação de G. James. O estilo de adaptação dos dois é bastante

distinto: enquanto o primeiro tenta aproximar o público do Japão, fazendo uso de imagens

japonesas, a segunda aproxima o Japão do público, recorrendo a imagens já familiares do

público-alvo. A seleção não foi tomada ao acaso, e sim foi uma maneira de criar um contraste

entre as versões de Hearn e de outros autores, manifestando o seu estilo mais sensível e que

apela ao exotismo, e de evidenciar dois estilos muito comuns na tradução de literatura para

crianças.

CHIN-CHIN KOBAKAMA

“Chin-Chin Kobakama” foi publicado pela primeira vez em 1903, Tóquio, pela

editora T. Hasegawa. Equivale ao volume n.º 25 da série Japanese Fairy Tales. O seu original

tinha vinte páginas, ilustrado e impresso em papel crepe japonês. Contêm parágrafos

maioritariamente extensos, com frases tipicamente assertivas e alternando entre frases curtas

(uma linha) e longas (três linhas ou mais).

O conto está dividido em três partes: prefácio, história I e história II. Os eventos são

narrados por ordem cronológica. Passam-se principalmente no quarto da protagonista, na

“Hora do Boi”, isto é, entre a uma e as três da manhã. A primeira história narra a inusitada

trajetória de uma jovem que, por preguiça, enfiava os palitos de dentes no tatame e, por isso,

acaba por ser castigada pelas “fadas protetoras” deste mesmo tapete, que lhe aparecem sob a

forma de característicos guerreiros. A segunda apresenta um evento semelhante, mas com

personagens diferentes.

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A história é relatada por um narrador heterodiegético; predomina nela o past simple; é

construída por verbos enunciativos de contar e assistir, tendo uma acentuada presença de

marcadores de tempo, conjunções e locuções conjuntivas. Isso manifesta-se como um texto de

leitura fácil e fluida, que importa reproduzir na tradução.

Apresenta pelo menos uma moral: praticantes da preguiça devem ser castigados. E

apresenta também alguns traços culturais importantes para a tradução, como a introdução de

frases inteiras em japonês romanizado (“Chin-Chin Kobakama. Yomo fuke soro, ozhizumare,

hime-gime! Ya ton ton!”), figuras do folclore japonês (presentes, inclusive, no teatro

tradicional nipónico, que são os pequenos samurais e as senhoras divertidas e pequeninas) e o

horário segundo o Japão feudal, que era baseado no horóscopo chinês (A Hora do Boi).

THE OLD WOMAN WHO LOST HER DUMPLINGS

Publicado originalmente em 1902, número 23 da série Japanese Fairy Tales, da

editora T. Hasegawa, impresso em papel crepe japonês, com 24 páginas e ilustrações de

Susuki Kason. Os parágrafos são maioritariamente extensos, com frases tipicamente

declarativas, alternando entre curtas (uma linhas) e longas (três linhas ou mais). Predominam

as orações coordenadas (“the Oni came very close, and stopped and bowed to Fizō, and said”).

O conto traz-nos a história de uma engraçada velhinha que cai num buraco da sua

cozinha enquanto tentava recuperar o seu bolinho e acaba por ser capturada por um Oni

(personagem da mitologia japonesa, cujo termo é habitualmente traduzido como demónio ou

ogre). A história tem duas referências culturais que, ao contrário do que acontece em contos

como “Chin-Chin Kobakama”, não são explicadas ou traduzidas: Oni e Jizō, sendo que Jizō é

um deus budista, protetor dos viajantes, das mulheres e das crianças, representado como um

monge. São referências que podem criar um ruído na comunicação, uma vez que não se

espera que o público-alvo as reconheça.

“The Old Woman Who Lost Her Dumplings” não é provida de uma moral óbvia,

embora seja indubitavelmente didática no sentido em que apresenta uma nova cultura.

Encontramos elementos do folclore e da religião japonesa, como o Oni e o Jizō, da paisagem,

como os campos de arroz, e também da culinária, com a apresentação dos bolinhos de arroz e

o arroz em si.

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O conto é narrado na terceira pessoa do singular, predomina o past simple, é

construído essencialmente por verbos dinâmicos, verbos enunciativos de contar e assistir,

tendo uma presença acentuada de marcadores de tempo, conjunções e locuções conjuntivas.

THE GOBLIN SPIDER

“The Goblin Spider”, 1889, T. Hasegawa. O seu original tinha 18 páginas. Possui

parágrafos maioritariamente extensos, com frases declarativas e, mais uma vez, alternando

entre frases curtas e longas.

O primeiro parágrafo introduz as “goblin spiders”, isto é, aranhas mágicas, que,

durante a noite, se tornam gigantes e podem tomar a forma humana. É um elemento

relativamente bem conhecido do folclore japonês, muito apresentado na atualidade por um

dos elementos midiáticos mais populares do Japão contemporâneo, os animes.

Relativamente mais curto do que outros contos da coletânea, esta versão de Hearn

explora, com pitadas de mistério e terror, a história de um bravo samurai que tenta matar uma

destas aranhas-demónio que se apoderou de um templo. À semelhança de contos como “Chin-

Chin Kobakama” e “The Old Woman”, Hearn faz usos de termos japoneses, com ou sem

tradução (Hitokusai e samisen, por exemplo, “sinto o cheiro de um homem” e um instrumento

típico japonês), recorrendo a uma linguagem clara, mas também muito gráfica (“they saw

tracks of blood upon the floor and followed the tracks”; “the samisen changed into a

monstruos spider-web”).

THE BOY WHO DREW CATS

“The boy who drew cats” foi publicado pela primeira vez em 1898, pela Tokyo T.

Hasegawa. Equivale ao volume 23 da série Japanese Fairy Tales. O seu original tinha 24

páginas, ilustrado por Susuki Kason e impresso em papel crepe japonês. Contém, à

semelhança de “Chin-Chin Kobakama” e demais contos de Hearn, parágrafos

maioritariamente extensos, com frases tipicamente declarativas alternando com frases curtas e

longas. Destina-se, assim, a ser principalmente lido em voz alta.

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A versão de Hearn conta a história de um rapaz, filho de camponeses, que não servia

para trabalho braçal: o rapaz era muito inteligente e interessava-se por livros. Por isso, os seus

pais decidem levá-lo para o templo, para que estude para o sacerdócio. O rapaz, ao invés de

estudar, passa o seu tempo a desenhar gatos, de forma que o padre lhe diz que é melhor que se

torne artista e o expulsa do templo. Antes de partir, o sacerdote dá-lhe um último conselho,

que evite grandes espaços à noite, que permaneça em espaços pequenos.

Envergonhado e temeroso da reação dos pais, o rapaz decide não voltar para casa. Vai

até outro templo, esperando ser aceite pelos sacerdotes, inconsciente de que todos foram, há

muito, afugentados por um rato-demónio, que se apoderou do local. Assim que chega,

encontra o sítio deserto e decide desenhar gatos nas telas vazias do templo. Ao começar a

sentir-se cansado, recorda-se das palavras do sacerdote e entra num pequeno armário para

dormir.

À noite, escuta sons terríveis de gritos de luta. Com a chegada da manhã, ele

finalmente sai do armário, encontrando o cadáver do rato-demónio, e, por fim, reparando que

todos os gatos que desenhara na noite anterior tinham sangue em suas bocas. Segundo Hearn,

o rapaz torna-se um grande artista depois disso.

O conto traz pinceladas do estranho e do terror, habituais na escrita de Hearn; e

apresenta alguns interessantes conceitos da cultura japonesa, com destaque para os demónios,

pinturas, o templo budista e a honra (que acaba por impedir o rapaz de regressar a casa).

SHIPPEITARO

Por T. H. James, publicado pela primeira vez em 1888. Equivale ao 18º volume da

série.

“Shippeitaro” está escrito de forma a aproximar-se mais do típico conto de fadas

ocidental, quanto à escolha lexical e quanto à sua apresentação. Temos menções a donzelas

em perigo, a heróis que lutam corajosamente contra dragões, assim como a introdução de

elementos tipicamente ingleses em contexto japonês (“cottages”). No entanto, apresenta uma

forte e distinta característica que o faz diferir do mesmo, uma vez que o herói não sofre uma

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trágica perda para sair de casa e aventurar-se no mundo: ele sai, tão somente porque deseja ir

de encontro às aventuras.

O conto relata o trajeto de um jovem guerreiro, de quando havia “donzelas em

apuros”, “dragões”, “ogres” e da sua inusitada aventura certo dia, ao perder-se numa floresta.

O jovem encontra um templo, onde pode passar a noite, mas acaba despertando com uma

tenebrosa celebração de gatos-demónios, que gritam “tell it not to Shippeitaro”. Eles

desaparecem, uma vez passada a meia-noite. No dia seguinte, encontra uma aldeia aflita

porque o espírito da montanha reivindicará a mais adorável moça da aldeia. O jovem decide

investigar e ajudar; lembrando-se dos dizeres dos demónios na noite anterior, pergunta aos

aldeões sobre o quê ou de quem se trata, descobrindo que é o cão do superintendente do

príncipe da vila. Pedindo o cão emprestado, o jovem tranca-o na cela destinada à moça e vai

até ao templo, onde devia ser clamada. Ao aparecer o chefe dos demónios-gatos, que zomba

da sua vítima até ao momento em que abre a porta da cela, Shippeitaro derrota-o, juntamente

com o jovem guerreiro, tornando-se então no herói da aldeia.

Todos estes contos foram retirados do folclore japonês e sofreram alterações, cada

qual segundo o seu autor, a fim de se adequar ao público-alvo, maioritariamente às crianças

inglesas do século XIX.

Lafcadio Hearn e a editora Hasegawa representaram um movimento nostálgico, que

lutava para preservar as crenças e as tradições ancestrais, num país que passava a importar e

adaptar muito do pensamento ocidental, tornando-se numa nação militar, tecnológica e

científica. E ainda hoje demonstram a sua importância, pois através da valorização do folclore,

mantiveram sempre aceso o interesse pelo misticismo, sobrenatural e pelo velho Japão.

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2. Capítulo II. Enquadramento teórico

1.1. O Modelo orientado para a tradução de Christiane Nord

Até a segunda parte da década de 70, a ideia predominante na área de Estudos de

Tradução era a tradicional noção de equivalência, cujo princípio fundamental se baseia na

premissa de que o texto de partida (TP) e o texto de chegada (TC) devem ser equivalentes.

Essa ideia foi, entretanto, contrariada pelos funcionalistas Katherina Reiis e Hans J.

Vermeer, que propuseram uma noção de tradução em que o princípio de equivalência é

apenas uma das possibilidades de um projeto tradutório. O paradigma passa a ser

funcionalista, ou seja, a forma como a tradução deverá ser feita dependerá diretamente do

encargo tradutório a ela associado. A noção de tradução também é modificada, deixando de

ser um processo essencialmente linguístico para ser um processo maioritariamente cultural,

resultante de uma ação humana, dotada de propósitos e intenção, e inevitavelmente inserida

num sistema cultural com as suas próprias particularidades. Esse conjunto de ideais origina a

teoria do escopo, que contempla a tradução como uma comunicação intercultural, na qual

texto de partida e texto de chegada pertencem a sistemas culturais distintos, e por isso as suas

funções devem ser analisadas separadamente e de forma pragmática, merecendo especial

atenção a situação de recepção de cada um dos textos (Leal, 2006). Por certo, os receptores

dos textos de partida e de chegada são um dos fundamentos determinantes do escopo de

tradução, tendo em conta que um texto é um ato comunicativo que só se completará no

momento da recepção. Sob esse prisma, o tradutor é um produtor de texto que, munido das

intenções do produtor de texto da cultura de partida produz, na cultura de chegada, um novo

instrumento comunicativo (Nord, 2005: 11).

No seu livro Text Analysis in Translation, Nord apresenta um abrangente modelo de

análise textual orientado para a tradução que recupera a teoria de escopo, com a finalidade de

estabelecer a função do texto de partida dentro da cultura de partida (CP), para então

compará-la à provável função do texto de chegada na cultura de chegada (CC) e, por fim,

identificar tanto os elementos que serão preservados como aqueles que serão adaptados na

tradução.

Nord enfatiza especialmente o papel do projeto tradutório para a realização da

tradução, que permitirá definir os propósitos a serem alcançados na tradução, e cujo elemento

determinante é o provável receptor do texto de chegada.

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O modelo de análise textual de Nord é composto por duas grandes seções: os fatores

extratextuais (referentes à situação na qual o texto é produzido e utilizado) e os fatores

intratextuais (referentes ao texto em si). Os fatores extratextuais englobam o produtor e o

emissor do texto e suas intenções, o público-alvo, o meio através do qual o texto é vinculado,

o tempo e o local da comunicação, o motivo para a produção do texto e a função textual.

Enquanto os fatores intratextuais englobam o estilo, o tema e o conteúdo do texto, além das

suas pressuposições, hierarquias textuais, macro e microestrutura, elementos não-verbais,

léxico e sintaxe. Segundo a funcionalista, é imprescindível que a análise de cada fator não se

encerre sobre si mesma, mas sim que cada etapa do processo descreva um movimento circular

de ida e volta, de modo que uma decisão tradutória faça o tradutor repensar as decisões

previamente tomadas, e influencie as decisões a serem tomadas.

O modelo de análise textual orientado para a tradução oferece um abrangente estudo

do texto quando aplicado à tradução literária – no caso, a tradução dos contos "The Goblin-

Spider", "The boy who drew cats", "Chin-Chin Kobakama", "The Old Woman Who Lost Her

Dumplings" de Lafcadio Hearn e "Shippeitaro" de G. James). A sua eficácia enquanto modelo

de tradução reside nas especificações do projeto tradutório, que reduzem o leque de opções

tradutórias ao mesmo tempo que aperfeiçoam o trabalho do tradutor e justificam grande parte

das suas escolhas; e na sua estrutura de perguntas objetivas direcionadas a cada um dos

fatores analisados e que possibilitam uma maior percepção das particularidades do texto, de

maneira que se tem em mãos um detalhado esquema que determina a função e o propósito da

tradução.

Cada decisão tradutória está inserida numa complexa rede de relações, onde cada

opção é justificada ou excluída com base nas escolhas anteriores e posteriores e regras e

princípios foram determinados de antemão.

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1.2. Propósito e propostas

Translating for children shares one major problem with translating for adults: like

other translation, it is anonymous, even invisible. Several scholars have pointed out that while

we acknowledge “original” literature written for child readers, we do not acknowledge

translating for children. We do not hegemonically think of translators as human beings with

their own child images. Yet translators cannot escape their own ideologies, which here means:

their child image (Oittinen, 2000:4).

O recipiente do nosso projeto é a criança. Como tal, procuramos atender às suas

necessidades próprias, ao mesmo tempo que disponibilizamos o processo de tradução, com as

suas especificidades, problemas, metodologias e ferramentas.

Em 1976, durante o terceiro simpósio da International Research Society for Children’s

Literature (IRSCL), e o primeiro devotado principalmente à tradução de literatura infantil, o

investigador austríaco Richard Bamberger protestou a quase inexistência de estudos sobre a

tradução de literatura infantil, “in spite of the fact that translations, as a rule, are of even

greater importance in children’s than in adult literature” (Bamberger apud Lathey, 2006:1).

Bamberger apoiou o seu comentário sobre a primazia das traduções para crianças ao referir a

aparente universalidade de clássicos como os Contos de Grimm, Pinóquio ou Alice no país

das maravilhas e ao alertar que as crianças não estão interessadas num livro porque se trata de

uma tradução, como pode ser o caso dos adultos, mas por causa do poder da sua narrativa,

enquanto histórias imaginativas e fantásticas. No entanto, como Lathey reforça, tal ignorância

por parte das crianças do que é estranho e estrangeiro é questionável, já que muitas vezes é

justamente esse factor do pouco familiar que cativa os jovens leitores.

Klingberg (2008) apoia a ideia de Lathey ao identificar quatro principais objetivos

para a tradução de literatura infantil: aprofundar o panorama internacional, a compreensão e a

experiência emocional de ambientes estrangeiros e culturais; disponibilizar mais literatura

para crianças; contribuir para o desenvolvimento do conjunto de valores do leitor; e entregar

aos leitores um texto que eles possam compreender, tendo em consideração a sua falta de

conhecimento.

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A tradução permite que a criança tenha a percepção da existência de distintas culturas,

de sociedades que funcionam diferentemente da sua, ao mesmo tempo que partilham valores

semelhantes àqueles que o jovem leitor possui. Assim, a tradução conecta a criança

imaginária intelectual e culturalmente a povos que não falam a mesma língua, nem possuem

os mesmos costumes.

Ao falarmos de infância há sempre o risco de estarmos a falar de uma infância

idealizada por adultos e não necessariamente do modo como as crianças, ou cada criança nas

suas circunstâncias, a vivenciam. Quando os editores publicam livros para as crianças, quando

os escritores escrevem para elas, quando os tradutores traduzem para elas ou até mesmo

quando os críticos literários criticam os livros que lhes são dirigidos, todos eles têm uma

imagem de infância e trabalham para cumprir as condições criadas por esta idealização

(Oittinen, 2000:4).

Enquanto adultos, constatamos que as crianças experienciam o mundo de forma

diferente. Afinal, os adultos já aprenderam a usar correlações, a raciocinar e, de modo geral, a

ver o mundo de forma mais crua. As crianças não têm o mesmo conhecimento e tampouco

possuem as mesmas capacidades que os adultos. Elas costumam experienciar o mundo imerso

em fantasia (Bettelheim ressalta a importância de a história estimular-lhe a imaginação). Por

isso, ao escrever para elas e, sobretudo, ao traduzir para elas, há que ter em consideração e

atenção às suas capacidades, as suas necessidades e o seu conhecimento. Como Puurtinen

afirma:

Special characteristics of the child readers, their comprehension and reading

abilities, experience of life and knowledge of the world must be borne in mind so

as not to present them with overly difficult, uninteresting books that may alienate

them from reading. (Puurtinen, 1994:83)

A fim de entender quais são essas capacidades, necessidades e conhecimento é

imperativo conhecermos antes a literatura dirigida ao público infantil. Ao falar-se de

Literatura infantil (LI), falamos de um conceito recente, cuja mera existência como área da

literatura só foi admitida e, com resistência, há meio século. Podemos relacioná-lo com o

próprio conceito de infância, tal e qual o conhecemos hoje, considerando que, no Ocidente,

até meados do século XVII, a criança lia e ouvia e participava do mundo adulto, limitando-se

a sua infância estritamente aos primeiros anos de total e necessária dependência. É com o

aparecimento da burguesia e quando a escola substitui a aprendizagem como meio de

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educação, no final deste mesmo século, que o espaço da criança é propriamente delimitado.

Ela deixa de ser vista como um pequeno adulto, é dele separada, e por conseguinte deixa de

aprender diretamente sobre a vida através do contato com o último, para iniciar o processo de

escolarização (Ariès, 1975).

Os primeiros textos visando o público infantil apareceram no século XVIII, escritos

por professores e pedagogos, e eram caracterizados pelo seu forte cariz moral e didático.

Antes disso, no classicismo francês, foram escritas histórias que, mais tarde, vieram a ser

apropriadas pelas crianças – obras como as Fábulas, de La Fontaine, As aventuras de

Telêmaco, de Fénelon, e Histórias ou narrativas do tempo passado com moralidades, de

Charles Perrault, cuja primeira edição se recusou a assinar, atribuindo a autoria da obra a seu

filho mais novo, Pierre Darmacourt (Lajolo e Zilberman, 2007). Lajolo e Zilberman

classificam essa recusa como “sintomática do género que inaugura”, ressaltando que, desde a

sua origem, a literatura infantil teve problemas de legitimação.

Outro fator que contribuiu para a recusa do género foi o facto de a literatura para

crianças ter assumido imediatamente uma condição de mercadoria, consequência da

industrialização e da demanda didática. Assim, associada a uma função utilitária, que a

tornava mais pedagogia do que literatura, a literatura infantil não tardou a ser vista com

desconfiança pelos setores especializados da teoria e da crítica literária e, logo, taxada de

literatura inferior (Lajolo e Zilberman, 2007).

Ao longo dos anos, porém, a literatura infantil deixou de estar intrinsicamente

conectada com a moral, com a religião e com a escola – os factores que antes justificavam a

sua existência. Como consequência, defini-la tornou-se uma tarefa complexa, que tem

cativado investigadores desde os anos 70, após a sua consolidação.

Ao tentar propor uma definição para a LI, é necessário salientar que, dada essa mesma

complexidade, dada inclusive toda a problemática que antecedeu a sua legitimação, é

praticamente impossível encontrar uma designação única e satisfatória. Afinal, devemos

admitir que a LI é qualquer coisa que a criança julgue interessante, mesmo que isso inclua

jornais, revistas ou filmes? Ou será a literatura lida por crianças até à idade de dezasseis anos?

Ou a literatura direcionada para crianças e adolescentes, não excluindo livros escolares?

Cecília Meireles, autora do livro Problemas da Literatura Infantil, propõe a seguinte

definição: “Costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas se escreve. Seria

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mais acertado, talvez, assim classificar o que elas leem com utilidade e prazer. Não haveria,

pois, uma Literatura Infantil a priori, mas a posteriori” (Meireles 1979: 19). A autora assim

defende que um livro é realmente um verdadeiro exemplo de Literatura Infantil quando a

criança se apropria do mesmo, independentemente de esta obra ter sido originalmente escrita

para ela. Esta definição, embora de interesse parcial, é pouco prática, no sentido em que

qualquer livro poderia ser declarado Literatura Infantil, desde que a criança tenha gostado do

mesmo.

Ademais, Meireles esquece-se que é impossível ignorar que o processo de escrita e

tradução para crianças é governado pelo relacionamento desigual entre o escritor adulto ou o

tradutor e o público infantil (Lathey, 2006). Quem decide efetivamente o que é bom para as

crianças, o que é literatura para elas adequada são, inevitavelmente, os adultos. São eles que

compõem as equipas editoriais, a crítica literária, o ensino escolar e familiar. O tradutor,

principalmente, precisa de ter em consideração a sombra omnipresente de um adulto, seja ela

na orientação do próprio pelo próprio enquanto a criança escolhe um livro, seja enquanto o lê

para uma criança ainda iletrada.

Cervera (1989) é mais completo na sua definição, ao admitir a apropriação como um

tipo de Literatura Infantil, mas chamando a atenção também para outros processos criadores,

designadamente:

A literatura criada para as crianças, que as têm como destinatário específico.

A literatura instrumentalizada, que engloba uma grande porção de livros

sobretudo para o pré-escolar e básico, que têm uma forte intenção didática.

Inclui livros como Martine, a coleção Pop-ups fantásticos, entre outros.

A literatura adquirida, que engloba todas as produções que não foram criadas

especificamente para as crianças, mas que, ao longo do tempo, foram por elas

apropriadas, ou lhes foram destinadas de alguma forma, através de uma

adaptação. É o caso dos contos tradicionais, das cantigas, assim como da série

Japanese Fairy Tales.

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1.3. Considerações para a tradução de literatura infantil

Os problemas encontrados numa tradução para adultos serão, obviamente, os mesmos

problemas a serem encontrados na tradução de literatura infantil – eles podem ser descritos

através dos mesmos conceitos, modelos e caracterizados nas mesmas categorias. No entanto,

a tradução de literatura infantil levanta outros problemas recorrentes, a saber:

O status do tradutor de LI;

A exigência dos grupos intermediários;

Legibilidade;

O nível de ajuste do TC;

A adaptação do contexto cultural.

O texto direcionado a crianças, como verificámos previamente, precisa de se adaptar

às necessidades e ao conhecimento do seu público. Ao referir aqui a legibilidade, queremos

trabalhar com a ideia de que o texto deve ser fluído e deve permitir uma leitura em voz alta,

dramatizada.

Grande parte dos textos direcionados a crianças com idade compreendida até os doze

anos de idade são de facto destinados a leitura em voz alta e não somente porque as mais

jovens ainda não têm a capacidade da leitura. Lathey (2006:10) aponta que “young children

are eager learners of whatever languages surround them”. Elas divertem-se a experimentar

novos sons. Repetições, onomatopeias, jogos de palavras são características comuns dos

textos infantis, que requerem alguma criatividade do tradutor (Lathey 2006:10).

Oittinen reforça a mesma ideia ao dizer:

The translator translating for children should pay attention to this usage of

children’s literature and remember that a child under school age listens to texts

aloud, which means that the text should live, roll, taste good on the reading adult’s

tongue (Oittinen, 2000:32).

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Oittinen ainda ressalta que o tradutor de contos de fadas precisa de ter essa

característica em especial consideração. A imaginação e a aprendizagem andam de mãos

dadas e o discurso gera o que não se vê: ao ouvir um conto de fadas, a história ganha vida na

mente da criança, permitindo uma conexão emocional com o conto e a própria situação de

ouvi-lo (Oittinen, 2000:34).

Ao contrário do que acontece na tradução de literatura para adultos, o tradutor de LI

precisa de se perguntar constantemente se a criança conseguirá digerir a cultura estrangeira e

as suas particularidades. Uma vez que as notas de rodapé são uma solução ineficaz que

dificulta inclusive a legibilidade do texto, as estratégias de “localização” e “domesticação”,

propostas por Venuti (2000) são metodologias utilizadas com frequência. A adaptação, de

acordo com Lathey (2006:7), parte do pressuposto de que a criança terá dificuldades em

assimilar nomes próprios, nomes de pratos culinários, invenções ou nomes de lugares e que,

por isso, rejeitará o texto por conta da sua cultura pouco familiar.

O’Sullivan (2005) propõe três questões: qual é o nível de “estranheza” aceite pelo

leitor?; quais as peculiaridades que precisam de ser adaptadas e quais devem permanecer

inalteradas?; e de quantas explicações a criança precisa a fim de lidar com as diferenças

culturais?

Klingberg (1986:18) cita nove formas de adaptação contexto-cultural:

Explicação adicionada;

Reformulação;

Tradução explanatória;

Explicação fora do texto;

As quatro estratégias acima possibilitam ao leitor perceber os elementos estrangeiros,

diminuindo o processo de recriação e transformação do texto.

E as seguintes representam um ajuste cultural a um nível crescente:

Substituição de um equivalente na cultura de chegada;

Simplificação;

Apagamento;

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Localização.

É o papel da tradução transportar algo que é óbvio e natural numa determinada cultura

para um público de uma cultura distinta onde este óbvio e natural é, na verdade, estranho e

porventura até absurdo. No entanto, isso só será alcançado caso não se apaguem os sinais da

estrangeirização. O original, com as suas características culturais permanecerá, deste modo,

vivo, o que não é, necessariamente, uma experiência negativa, já que para a criança não existe

uma distinção entre o texto original e o texto traduzido (Wohlgemuth, 1998: 51).

Esta subseção serviu para enquadrar as particularidades que existem na tradução de

literatura infantil e que nos serão úteis na tradução.

1.4. Estratégias de tradução

Andrew Chesterman define “estratégia” na sua obra Memes of Translation como

“operations which a translator may carry out during the formulation of the target text, that

may have to do with the desired relation between this text and the source text, or with the

desired relation between this text and other texts of the same type” (Chesterman 1997: 89). As

estratégias representam formas de manipulação de texto, são orientadas para um objetivo,

proporcionam uma solução para um problema e fazem parte de um procedimento

potencialmente consciente.

Chesterman agrupa as estratégias em três grupos distintos: estratégias sintáticas

(representadas por G), que possibilitam uma manipulação a nível sintático; estratégias

semânticas (representadas por S), que manipulam o sentido, e estratégias pragmáticas

(representadas por Pr), que manipulam a própria mensagem.

Grupo G

G1 Tradução literal (tradução fiel ao TC, mantendo-se gramatical)

G2 Empréstimo, calque (inclui itens e sintagmas)

G3 Transposição (mudança de classe de palavras)

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G4 Mudança de unidade (ocorre quando uma unidade do TP é traduzida

por uma unidade diferente no TC)

G5 Mudança da estrutura frásica (inclui modificações no nível da frase:

modificações de número, exatidão, pessoa, tempo e modo verbal)

G6 Mudança da estrutura da oração (inclui mudanças relacionadas com a

estrutura da oração em termos dos constituintes da frase)

G7 Mudança da estrutura da sentença (modifica a estrutura da sentença em

termos da unidade da mesma)

G8 Mudança coesiva (afeta a referência intratextual, através de

substituições, elipses, pronominalizações e repetição)

G9 Mudança de nível (altera nível fonológico, lexical, sintático e

morfológico)

G10 Mudança de esquema (envolve a incorporação de esquemas retóricos

como paralelismos, repetições, aliterações, ritmo, etc.)

Grupo S

S1 Sinonímia (emprego de sinónimos)

S2 Antonímia (emprego de antónimos)

S3 Hiponímia (emprego de hipônimos)

S4 Contrários (emprego de estruturas que mantém o significado do TP

através de recursos opostos)

S5 Mudança abstrata (envolve alterações do concreto para o abstrato)

S6 Mudança de distribuição (inclui expansão e compressão)

S7 Mudança de ênfase (reduz ou altera a ênfase ou o foco temático)

S8 Paráfrase

S9 Mudança de tropo (altera a expressão mantendo o sentido)

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S10 Outras mudanças semânticas

Grupo Pr

Pr1 Filtragem cultural (refere-se a naturalização, domesticação ou

adaptação)

Pr2 Mudança do grau de explicitação

Pr3 Mudança de informação (permite adição ou omissão)

Pr4 Mudança interpessoal (altera o grau de formalidade)

Pr5 Mudança ilocutória (envolve alterações do tom, afirmativo para

interrogativo, indicativo para imperativo, etc.)

Pr6 Mudança de coerência (alteração da ordem dos parágrafos e dos

capítulos)

Pr7 Tradução parcial

Pr8 Mudança de visibilidade (recurso a notas de tradutor)

Pr9 Transferência de edição (reedições drásticas)

Pr10 Outras mudanças pragmáticas

Na prática de tradução para crianças, assim como na tradução para adultos, muitas

decisões tomadas pelo tradutor precisam ser negociadas. As estratégias de Chesterman

oferecem uma gama interessante de soluções. Entretanto, um processo com tantas implicações

– a criança e as suas particularidades, os pais, o crítico, o escritor, a editora e o tradutor adulto

– também obriga a uma multiplicidade de teorias – motivo pela qual o trabalho não se foca

somente numa solução, num só modelo, mas busca as várias soluções que tradutores e

editoras que trabalham para este público empregam e tendo as mais relevantes sido elucidadas

neste capítulo.

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3. Capítulo III. Tradução de Japanese Fairy Tales

Contos do Velho Japão

Introdução

O Japão é um arquipélago de 6852 ilhas que fica localizado na Ásia Oriental. A maior

parte das ilhas é montanhosa, com muitos vulcões, como o Monte Fuji. Lá eles falam japonês

e o seu alfabeto é composto por caracteres chineses, chamados “kanji”, e dois conjuntos

silábicos, chamados “hiragana” e “katakana”.

Os caracteres que compõem o nome do país significam “Origem do Sol” e é por isso

que o Japão é conhecido como “Terra do Sol Nascente”.

No século XVI, as portas do Japão ficaram abertas para viajantes, comerciantes e

missionários, que traziam lindas histórias para as cidades e para as aldeias do país. Muitas

destas histórias que contavam vinham da China, e eram histórias divertidas, assustadoras ou

muito estranhas. Elas reuniam e divertiam o povo – e, logo, foi necessário arranjar contadores

de histórias profissionais e um espaço especial nos festivais japoneses para elas.

No tempo do imperador Tokugawa, que conhecemos como período Edo, havia uma

reunião feita só para contar histórias assustadoras. Era realizada à meia-noite e contavam-se

cem histórias. Acreditava-se que ao terminar a centésima história, aconteceria alguma coisa

estranha!

O escritor Lafcadio Hearn ficou especialmente conhecido por escrever um livro que

reunia algumas dessas histórias assustadoras e estranhas, chamado “Kaidan”. Ele gostava

muito do Japão e achava estes contos fascinantes. Por isso, quando a editora Hasegawa

decidiu publicar uma série com os contos tradicionais japoneses, lá no século XIX, eles

chamaram Lafcadio Hearn para escrever a sua versão também.

Os contos japoneses são diferentes dos nossos: eles são muitos influenciados pelas

religiões budista e xintoísta. Por isso personagens como o Jizô, que aparece como um monge

protetor dos viajantes, das mulheres e das crianças são muito comuns; e a natureza é muito,

muito importante porque se acredita que todos os seus elementos possuem uma alma. Os

vilões não costumam ser madrastas malvadas, mas sim demónios, que aparecem como

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animais muito grandes com poderes misteriosos e terríveis – e eles podem ser aranhas

gigantes, raposas, espíritos da floresta ou os Oni: criaturas geralmente grandes, que têm rostos

de homens, macacos ou bestas. Os finais nem sempre são felizes, mas as histórias são muito

bonitas.

Os velhinhos aparecem muito nos contos, porque são figuras de respeito: as crianças

japonesas respeitam os mais velhos, e no Japão há até um dia de respeito ao idoso!

Há também comidas deliciosas. Para o japonês, o arroz é tão importante quanto a

nossa sopa, e eles usam-no para preparar as mais distintas iguarias, como bolinhos feitos de

farinha de arroz, chamados “dangô”. Existem diferentes variedades de dangô, doces e

salgados, para comer na mão ou espetados num palito.

No velho Japão, e até hoje em dia, a honra é um dever. Os antigos guerreiros samurai

seguiam um rígido código de conduta. Eles eram honestos, corajosos, bondosos, leais e

corteses até com os seus inimigos! Eles também não faziam promessas que não podiam

cumprir.

Nesta pequena coletânea que separei para vocês, preciosos leitores, há cinco contos

diferentes, que mostram como o Japão é interessante, como os guerreiros japoneses eram

corajosos e honrados, quão terríveis eram os Oni e quão deliciosos eram os dangôs!

Perceberão também quão importante é sermos valorosos e obedientes aos mais velhos e não

sermos preguiçosos. Afinal, como um samurai famoso, Miyamoto Musashi dizia, “a vida de

alguém é limitada, porém a honra e o respeito duram para sempre”.

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CHIN-CHIN KOBAKAMA

No velho Japão, o chão do quarto era forrado com lindas, grossas e macias esteiras de

tecido de junco. Elas eram postas muito juntinhas de tal forma que só cabia uma faca entre

elas. Eram trocadas uma vez por ano e estavam sempre muito limpas. Os japoneses não

usavam cadeiras ou móveis como na Europa e, até hoje, andam sempre descalços em casa.

Eles sentam-se, dormem, comem e às vezes até escrevem no chão. Então as esteiras tinham

mesmo de estar sempre muito limpas e, desde muito cedo, mal aprendiam a falar, as crianças

japonesas eram ensinadas a não estragar ou sujar as esteiras.

Ora, as crianças japonesas são muito bem-comportadas. Todos os viajantes que

escreveram belos livros sobre o Japão declaram que as crianças japonesas são muito mais

obedientes do que as crianças europeias e muito menos endiabradas. Elas não estragam nem

sujam as coisas, e nem sequer partem os próprios brinquedos. Uma menina japonesa não parte

a sua boneca. Não, ela cuida muito bem dela, e guarda-a até se tornar mulher e casar. Quando

se torna mãe e tem uma filha, dá a boneca à filhinha. E a criança cuida da boneca da mesma

forma que a sua mãe cuidou, e guarda-a até crescer, e finalmente dá-a às próprias filhas, que

brincarão com ela tão amorosamente como a sua avó, antes delas, brincou. Então eu – que vos

conto este pequeno conto – já vi no Japão bonecas com mais de cem anos tão bonitas como se

fossem novas. Isto é para perceberem como as crianças japonesas são – e também vão

compreender porque é que o chão japonês está quase sempre limpo e não arranhado e

estragado à conta de brincadeiras marotas.

Estão a perguntar-me se todas, mesmo todas as crianças japonesas são assim tão bem-

comportadas? Bem – não. Há algumas, muito poucas, malcomportadas. E o que acontece às

esteiras das casas dessas crianças? Nada muito mau, porque há fadas que protegem as esteiras.

Estas fadas zombam e assustam as crianças que sujam ou estragam as esteiras. Bom, pelo

menos costumavam zombar e assustar essas crianças malcomportadas. Não tenho bem a

certeza se essas fadinhas ainda vivem no Japão porque os novos caminhos-de-ferro e os

postes telegráficos assustaram uma boa dose de fadas e elas fugiram. Mas aqui está um

pequeno conto sobre elas:

Era uma vez uma menina que era muito bonita, mas muito preguiçosa também. Os

pais dela eram ricos e tinham muitos criados, e estes criados gostavam muito da menina e

faziam tudo por ela, até mesmo as coisas que ela era capaz de fazer sozinha. Talvez tenha sido

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esta a razão por trás da sua preguiça. Quando cresceu e se tornou uma linda mulher, continuou

preguiçosa, mas como os criados sempre a despiam e vestiam e lhe penteavam os cabelos, ela

estava sempre adorável e ninguém pensava nos seus defeitos.

Por fim, ela casou-se com um corajoso guerreiro e foi-se embora com ele, para viver

numa casa diferente, com poucos criados. Ela lamentava não ter tantos criados como tinha na

sua antiga casa porque era obrigada a fazer várias coisas sozinha, coisas que outras pessoas

sempre tinham feito por ela. Era tão trabalhoso vestir-se, e cuidar das próprias roupas, e ficar

limpa e bonita para o marido! Porém, como ele era um guerreiro, e muitas vezes precisava de

ficar fora com o exército, de vez em quando ela podia ser tão preguiçosa como desejava. Os

pais do seu marido eram muito velhos e bondosos e nunca ralhavam com ela.

Bem, certa noite, enquanto o seu marido estava fora com o exército, ela foi despertada

por ruídos esquisitos no seu quarto. Através da luz de uma grande lanterna de papel ela

conseguia ver muito bem – e viu coisas estranhas. O quê?

Centenas de homenzinhos, vestidos tal e qual guerreiros japoneses, mas com só um

centímetro de altura, dançavam ao redor da sua almofada. Vestiam o mesmo tipo de roupa que

o seu marido usava nos feriados (kamishimo, uma longa túnica com ombros quadrados),

tinham os cabelos atados em nós e cada um embainhava duas espadinhas. Todos a encaravam

enquanto dançavam, e riam-se, e cantavam todos a mesma canção sem parar:

Chin-Chin Kobakama,

Yomo fuké sorô,

Oshizumare, Hime-gimi!

Ya ton ton!

Que queria dizer: “Nós somos os Chin-Chin Kobakama, a hora é tardia! Dorme,

princesa querida!”

As palavras pareciam ser muito educadas, mas ela logo percebeu que os homenzinhos

só estavam a fazer troça dela. Também faziam caretas.

Ela tentou apanhar alguns deles – mas eles saltavam tão depressa que não conseguiu.

Depois tentou espantá-los: mas eles nem se iam embora, nem paravam de cantar Chin-Chin

Kobakama, nem paravam de se rir dela. Então ela descobriu que eram fadinhas e ficou com

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tanto medo que não conseguiu sequer gritar. Os homenzinhos dançaram ao seu redor até de

manhã: então, de repente, desapareceram.

A jovem sentiu-se envergonhada demais para contar o que se tinha passado – porque,

sendo a esposa de um guerreiro, não queria que descobrissem quão amedrontada ficara.

Na noite seguinte, os homenzinhos apareceram novamente e dançaram, e voltaram a

aparecer na noite a seguir, e todas as noites que se lhe seguiram – sempre à mesma hora, a que

os japoneses chamam “Hora do Boi”, isto é, às duas da manhã. Por fim, a jovem ficou muito

doente por causa do medo e da falta de sono. Mas os homenzinhos não a deixavam em paz.

Quando o seu marido voltou, ficou com muita pena de vê-la doente e acamada. No

início, a jovem esposa ficou com muito medo de lhe contar motivo da sua doença, por temer

que se risse de si. Contudo, ele foi tão gentil e persuadiu-a tão adoravelmente que, passado

algum tempo, ela contou-lhe o que se passava todas as noites.

Ele não se riu de todo, mas ficou muito sério por algum tempo. Depois perguntou:

― Quando aparecem?

― Sempre à mesma hora ― respondeu ela. ― À hora do Boi.

― Pois bem ― disse o marido, ― esta noite esconder-me-ei e ficarei alerta. Não

tenhas medo.

Então, naquela noite, o guerreiro escondeu-se num armário do quarto e ficou de vigia

através de uma fresta entre as portas de correr.

Ele aguardou e vigiou até à hora do Boi. Então, de repente, os homenzinhos

emergiram das esteiras e começaram a dançar e a cantar:

Chin-Chin Kobakama

Yomo fuké sorô

De tão estranha aparência eram e tão engraçada era a sua dança que o guerreiro mal

conteve o riso. Contudo, viu o rosto assustado da sua esposa e, lembrando-se de que quase

todos os espíritos e demónios japoneses têm medo de uma espada, desembainhou a lâmina,

apressou-se para fora do armário e feriu os pequenos dançarinos. Imediatamente

transformaram-se em – o que vos parece?

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Palitos!

Já não eram pequenos guerreiros – só um monte de palitos espalhados nas esteiras.

A jovem esposa era preguiçosa demais para deitar os palitos fora e, todos os dias,

depois de usar um novo palito, espetava-o entre as esteiras para se livrar dele. Então as

fadinhas ficaram irritadas com ela e atormentaram-na.

O marido ralhou-lhe e tão envergonhada ficou que não sabia o que fazer. Chamaram

um criado e os palitos foram levados e queimados. Depois disso, as fadinhas nunca mais

regressaram.

Há também um conto sobre uma menina preguiçosa que costumava comer ameixas e

em seguida esconder os caroços entre as esteiras. Conseguiu fazer isso por um bom tempo

sem ser apanhada. Mas, por fim, as fadas irritaram-se e castigaram-na.

Todas as noites, senhoras muito, muito pequeninas, todas trajadas com brilhantes

túnicas vermelhas de mangas muito compridas surgiam do chão àquela mesma hora,

dançavam e faziam caretas e impediam a pequena de dormir.

Uma noite, a mãe ficou de vigia e viu-as e feriu-as – e todas elas se transformaram em

ameixas! Foi então que descobriu a marotice da menina. Depois disso, ela tornou-se numa

criança muito bem-comportada.

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A VELHINHA E O DANGÔ PERDIDO

Há muito, muito tempo, havia uma engraçada velhinha que gostava de rir e de fazer

dangôs.

Certo dia, enquanto preparava dangôs para o jantar, deixou cair um, e ele rolou para

dentro de um buraco no chão de madeira da cozinha e desapareceu. A velhinha tentou

recuperá-lo pondo a mão no buraco e, de repente, a terra abriu-se e a velhinha caiu.

Caiu a uma distância considerável, mas não se magoou nem um bocadinho. E quando

se ergueu novamente, viu que estava diante de uma estrada, igualzinha à estrada da sua casa.

Estava muito claro ali, e podia avistar muitos campos de arroz, mas sem ninguém. Como tudo

isso se passou, não sei dizer. Mas parece que a velhinha tinha caído noutro país.

A estrada por onde caíra era muito íngreme: então, depois de, em vão, procurar o seu

dangô, pensou que ele devia ter rolado ladeira abaixo. Correu estrada fora a gritar:

― Meu dangô, meu dangô! Onde está o meu dangô?

Passado algum tempo, ela avistou uma estátua Jizô ao lado da estrada e perguntou:

― Ó Mestre Jizô, viu o meu dangô?

Jizô respondeu:

― Sim, vi o teu dangô passar por mim enquanto rolava estrada fora. Mas é melhor que

não avances mais porque lá em baixo vive um Oni malvado que come gente.

Mas a velhinha só se riu e avançou estrada fora a correr e a gritar:

― Meu dangô, meu dangô! Onde está o meu dangô? ― E encontrou outra estátua Jizô

e perguntou-lhe:

― Ó bondoso Mestre Jizô, viu o meu dangô?

E o Jizô respondeu:

― Sim, vi o teu dangô a rolar ainda há um bocadinho. Mas não deves avançar mais

porque lá em baixo vive um Oni malvado que come gente.

Mas ela limitou-se a rir e continuou a correr, ainda a gritar:

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― Meu dangô, meu dangô! Onde está o meu dangô? ― E encontrou um terceiro Jizô,

e perguntou-lhe:

― Ó caro Mestre Jizô, viu o meu dangô?

Porém o Jizô disse:

― Não fales mais do teu dangô. O Oni está a chegar. Agacha-te aqui atrás da minha

manga e não faças barulho.

E logo o Oni se aproximou. Parou, fez uma vénia ao Jizô e saudou:

― Bom dia, Jizô-san!

Jizô desejou-lhe também os bons dias, muito educadamente.

Então o Oni cheirou o ar de repente, duas ou três vezes de uma maneira desconfiada e

gritou:

― Jizô-san, Jizô-san! Sinto o cheiro de humanos aqui – o senhor não?

― Oh! ― exclamou Jizô ― deves estar enganado.

― Não, não! ― respondeu o Oni depois de cheirar outra vez o ar. ― Sinto o cheiro de

humanos.

Então a velhinha não conseguiu deixar de se rir ― Hi hi hi ― e imediatamente o Oni

estendeu a sua mão grande e peluda por trás da manga do Jizô e tirou-a de lá enquanto ela

ainda se ria ― Hi hi hi.

― Ahá! ― exclamou o Oni.

Então o Jizô disse:

― O que vais fazer com esta bondosa velhinha? Não podes magoá-la.

― Não vou magoá-la ― respondeu o Oni. ― Mas vou levá-la para casa para que

cozinhe para nós.

― Hi hi hi ― riu a velhinha.

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― Muito bem ― disse o Jizô. ― Mas tens de ser muito bom para ela. Se não fores,

vou ficar muito zangado.

― Não vou magoá-la ― prometeu o Oni. ― E ela terá pouco trabalho. Adeus, Jizô-

san.

Depois o Oni levou a velhinha estrada abaixo, até que chegaram a um rio grande e

fundo onde havia um barco. Ele pôs a velha senhora no barco e atravessaram o rio até chegar

a sua casa. Era uma casa muito grande. O Oni conduziu-a imediatamente para a cozinha e

mandou que preparasse o jantar para ele e para um outro Oni que vivia com ele. Também lhe

deu uma pequena espátula para cozinhar arroz de madeira e disse:

― Deves sempre pôr somente um grão de arroz na panela e ao mexeres este grão de

arroz na água com esta espátula, o grão irá multiplicar-se até que a panela fique cheia.

Então a velhinha pôs apenas um grão de arroz na panela, como o Oni mandara, e

começou a mexer. Enquanto mexia, o grão tornou-se dois grãos, depois quatro, depois oito,

depois dezasseis, depois trinta e dois, depois sessenta e quatro, e assim por diante. Sempre

que ela mexia a espátula o arroz aumentava em quantidade e em poucos minutos a enorme

panela estava cheia.

Depois disso, a engraçada velhinha permaneceu na casa do Oni por um longo tempo e

todos os dias cozinhava para ele e para todos os seus amigos. O Oni nunca a magoou ou

assustou e, por causa da espátula mágica, o seu trabalho não era nada difícil – embora tivesse

que cozinhar uma quantidade muito, muito grande de arroz, porque um Oni come muito mais

do que qualquer ser humano.

Só que a velhinha sentia-se muito só e queria muito voltar para a sua própria casinha e

fazer os seus dangôs. E, certo dia, quando todos os Oni tinham saído, ela pensou em fugir.

Primeiro, pegou na espátula mágica e escondeu-a no cinto. Depois foi até ao rio.

Ninguém a viu e o barco estava ali. Ela entrou e afastou-o. Como sabia remar muito bem, dali

a nada estava longe da margem.

Mas o rio era muito grande. A velhinha não tinha atravessado mais do que um quarto

do caminho quando os Oni, todos eles, voltaram para casa.

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Descobriram que a cozinheira tinha desaparecido, assim como a espátula mágica.

Desataram logo a correr até ao rio e avistaram a velhinha a remar muito depressa.

Talvez eles não soubessem nadar – de qualquer das formas, não tinham barco. Assim,

pensaram que a única maneira de apanhar a engraçada velhinha era bebendo toda a água do

rio antes que ela chegasse à outra margem. Então ajoelharam-se e começaram a beber tão

depressa que a água quase secou antes de a velhinha conseguir chegar a meio do rio.

Porém, a velhinha continuou a remar até que a água ficou tão rasa que os Oni pararam

de beber e começaram a atravessar. Então ela largou o remo, retirou a espátula mágica do

cinto e fez caretas tão engraçadas que todos os Oni desataram a rir-se.

Só que, no momento em que se riram, não conseguiram deixar de vomitar toda a água

que tinham bebido – assim o rio ficou cheio outra vez. Os Oni não conseguiram atravessar, a

velhinha conseguiu chegar à outra margem em segurança e correu pela estrada fora tão

depressa quanto pôde.

Ela não parou de correr até chegar a casa.

Depois disso, ela viveu muito feliz, pois conseguia fazer dangôs sempre que lhe

apetecia. Além disso, tinha a espátula mágica para fazer arroz. A velhinha vendia os dangôs

aos vizinhos e turistas, e em pouco tempo ficou rica.

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A ARANHA-DEMÓNIO

Os livros muito antigos dizem que existiam muitas aranhas-demónio no Japão.

Algumas pessoas declaram que ainda há algumas aranhas-demónio. Durante o dia,

elas parecem-se com aranhas comuns; mas bem à noitinha, quando toda a gente está a dormir

e não se ouve um único som, elas tornam-se muito, muito grandes, e fazem coisas horríveis.

Supõe-se que as aranhas-demónio também possuam o poder mágico de assumir a forma

humana – para enganar as pessoas. E há uma famosa história japonesa sobre este tipo de

aranha.

Existiu em tempos, num lugar remoto do país, um templo assombrado. Ninguém podia

viver no edifício porque os demónios tinham-se apoderado dele. Vários samurais corajosos

foram até ali diversas vezes com o propósito de matar aqueles demónios. Mas nunca mais se

ouvia falar deles depois de entrarem no templo.

Por fim, um samurai que era famoso por sua coragem e prudência foi até ao templo

para o vigiar durante a noite. E ele disse àqueles que o acompanharam até ali: “Se, de manhã,

eu ainda estiver vivo, devo tocar o tambor do templo.” Então deixaram-no ali sozinho, para

que vigiasse sob a luz de um lampião.

Enquanto a noite avançava, ele acocorou-se debaixo do altar, que suportava uma

imagem poeirenta de um Buda. Ele não viu nada de estranho e não ouviu nenhum som até

depois da meia-noite. Então apareceu um demónio, que tinha só metade de um corpo e um

olho, e disse: “Hitokusai” (Sinto o cheiro de um homem). Mas o samurai não se moveu. E o

demónio foi-se embora.

Então apareceu um sacerdote e tocou um samisen tão maravilhosamente que o samurai

teve a certeza de que não era um homem que tocava. Então ergueu-se num salto com a espada

desembainhada. O sacerdote, ao vê-lo, desatou a rir-se e disse:

― Então pensaste que eu era um demónio? Ah, não! Eu sou só o sacerdote deste

templo; mas tenho que tocar para afastar os demónios. Esse samisen não te soa bem? Por

favor, toca um pouco.

E ofereceu o instrumento ao samurai, que o agarrou muito cuidadosamente com a mão

esquerda. Porém, imediatamente o samisen transformou-se numa monstruosa teia-de-aranha,

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e o sacerdote numa aranha-demónio; e o guerreiro depressa descobriu a sua mão esquerda

presa na teia-de-aranha. Ele lutou corajosamente, e com a sua espada golpeou a aranha e

feriu-a; mas logo ficou cada vez mais emaranhado na rede, sem conseguir mexer-se.

Entretanto, a aranha ferida fugiu e o sol nasceu. Dali a pouco, as pessoas vieram e

encontraram o samurai na horrível teia e libertaram-no. Eles viram rastros de sangue no chão

e seguiram estes rastros para fora do templo até um buraco no jardim deserto. Do buraco

vinha um som aterrador de gemidos. Então, eles encontraram o demónio ferido no buraco e

mataram-no.

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O RAPAZ QUE DESENHAVA GATOS

Há muito, muito tempo atrás, numa pequena aldeia do Japão, vivia um pobre

camponês com a sua mulher, e eram ambos muito boas pessoas. Eles tinham muitos filhos e

tinham muita dificuldade em alimentá-los. Aos catorze anos, o filho mais velho já estava

suficientemente forte para ajudar o pai. Já as meninas, mal aprenderam a andar foram

ensinadas a ajudar a mãe.

Contudo, o filho mais novo, um rapazinho, parecia não ser feito para o trabalho duro.

Ele era muito esperto – mais esperto do que todos os seus irmãos, mas era bem franzino e

pequenino e as pessoas diziam que nunca cresceria grande coisa. Então os seus pais acharam

que seria melhor tornar-se um sacerdote em vez de um camponês. Certo dia, levaram-no ao

templo da aldeia e pediram ao bom e velho sacerdote que lá vivia se podia aceitar o pequeno

como seu acólito e ensinar-lhe tudo o que um sacerdote deve saber.

O velho senhor gentilmente conversou com o rapaz, e fez-lhe algumas perguntas

difíceis. Tão astutas eram as respostas que o sacerdote concordou em levar o rapazinho para o

templo como seu acólito e educá-lo para o sacerdócio.

O rapaz depressa aprendia o que o velho sacerdote ensinava e, na maior parte das

coisas, era muito obediente. No entanto, possuía um defeito. Gostava de desenhar gatos

durante as horas de estudo e de desenhar gatos onde não devia haver desenhos de gatos.

Sempre que se encontrava sozinho, desenhava gatos. Desenhava-os nas margens dos

livros do sacerdote e nas telas do templo, nas paredes e nos pilares. Por diversas vezes o

sacerdote dissera-lhe que isso não estava certo, mas ele não parou de desenhar gatos.

Desenhava-os porque realmente não conseguia deixar de o fazer. Possuía o que se chama

“Génio de artista” e só por esse motivo não tinha jeito para ser acólito – um bom acólito deve

estudar os livros.

Certo dia, depois de ter desenhado algumas belas figuras de gatos sobre uma tela de

papel, o velho sacerdote disse-lhe severamente:

― Meu rapaz, tens de te ir embora deste templo de uma vez por todas! Nunca serás

um bom sacerdote, mas talvez te tornes num grande artista. Agora permite-me que te dê um

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último conselho e não o esqueças. À noite, grandes espaços evitarás – nos pequenos

permanecerás.

O rapaz não sabia o que o sacerdote queria dizer com “Grandes espaços evitarás, nos

pequenos permanecerás”. Ele pensou seriamente enquanto amarrava a sua pequena trouxa de

roupas para se ir embora, mas não conseguia compreender essas palavras e, a não ser para

dizer adeus, temia falar com o sacerdote.

Partiu do templo muito triste e começou a imaginar o que deveria fazer. Tinha a

certeza de que se fosse diretamente para casa, o seu pai castigá-lo-ia por ter desobedecido ao

sacerdote: tinha então medo de voltar para casa. De repente, lembrou-se que na aldeia vizinha,

a doze milhas de distância, havia um grande templo. O rapaz tinha ouvido que naquele templo

havia muitos sacerdotes, e decidiu ir ter com eles e pedir-lhes que o aceitassem como acólito.

Ora, aquele grande templo estava fechado, mas o rapaz não sabia disso. O motivo pelo

qual estava fechado era porque um demónio tinha afugentado os sacerdotes, e naquele

momento tinha o local sob sua posse. Depois disso, alguns corajosos guerreiros tinham ido ao

templo à noite a fim de matar o demónio, mas nunca mais foram encontrados com vida.

Ninguém nunca tinha dito isso ao rapaz – então ele fez todo o caminho até a aldeia à espera de

ser bem-recebido pelos sacerdotes.

Quando chegou à aldeia já estava escuro e todas as pessoas já estavam a dormir, mas

ele avistou o grande templo no final da rua principal, sobre a colina, e reparou que lá havia luz.

As pessoas que contam esta história dizem que o demónio costumava acender a luz a fim de

tentar viajantes errantes a pedir abrigo. O rapaz foi imediatamente até ao templo e bateu à

porta. Não havia nenhum som lá dentro. Ele bateu uma e outra vez, mas ninguém apareceu.

Por fim, empurrou a porta com cuidado, realmente grato por não estar trancada. Então, entrou

e viu um lampião aceso – mas nenhum sacerdote.

Ele pensou que um sacerdote certamente apareceria muito em breve, por isso sentou-

se e esperou. Depois percebeu que tudo no templo estava cinzento do pó e densamente

envolto em teias de aranha. Então pensou consigo mesmo que os sacerdotes certamente

precisariam de um acólito para limpar o templo. Perguntou-se porque teriam permitido que o

local ficasse tão poeirento. Mas o que mais lhe agradou foram algumas telas grandes e

brancas, boas para se desenhar gatos. Apesar de estar cansado, procurou logo uma caixa de

pincéis; encontrou uma, preparou a tinta e começou a desenhar gatos.

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Ele pintou uma grande quantidade de gatos nas telas; então, começou a sentir-se muito,

muito sonolento. Estava cansado a ponto de se deitar e dormir ao lado das telas, quando de

repente se lembrou das palavras do sacerdote: “Grandes espaços evitarás – nos pequenos

permanecerás”.

O templo era muito grande e ele estava completamente sozinho. Enquanto pensava

nessas palavras – mesmo que não as percebesse bem – começou, pela primeira vez, a sentir

um bocadinho de medo. E resolveu procurar um espaço pequeno para dormir. Encontrou um

pequeno armário, com portas de correr, entrou e trancou-se. Então deitou-se e adormeceu.

Já a noite ia alta quando acordou com o mais horrendo barulho – um barulho de luta e

de gritos. Era tão terrível que o rapaz teve medo até de olhar através da fresta do pequeno

armário: ficou deitado e muito quieto, sustendo a respiração com medo.

A luz do templo apagou-se; mas os sons horrendos prosseguiram e tornaram-se mais

terríveis, e todo o templo tremeu. Depois de um longo tempo, o silêncio surgiu, mas o rapaz

ainda estava com medo de se mexer. Ele não se mexeu até que a luz do sol brilhou para dentro

do armário por entre as frestas da pequena porta.

Então, saiu do seu esconderijo muito cautelosamente, e olhou em volta. A primeira

coisa que viu foi que todo o chão do templo estava coberto de sangue. E depois viu, estirado

no meio do chão e morto, um enorme, monstruoso rato – um rato demónio – maior do que

uma vaca!

Mas quem ou o quê poderia tê-lo matado? Não havia homem ou criatura à vista. De

repente, o rapaz observou que as bocas de todos os gatos que desenhara na noite anterior

estavam vermelhas de sangue. Então soube que o demónio tinha sido aniquilado pelos gatos

que desenhara. E também, pela primeira vez compreendeu porque o velho e sábio sacerdote

lhe dissera “Grandes espaços evitarás – nos pequenos permanecerás”.

Depois, o rapaz tornou-se num artista muito famoso. Alguns dos gatos que desenhou

ainda são exibidos aos viajantes no Japão.

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SHIPPEITARÔ

Há muito, muito tempo atrás, na era das fadas e dos gigantes, ogres e dragões, valentes

cavaleiros e donzelas em perigo, nesses bons velhos tempos, um corajoso e jovem guerreiro

partiu para a imensidão do mundo em busca de aventuras.

Durante algum tempo ele prosseguiu sem nada de incomum encontrar, mas às tantas,

depois de se aventurar pela floresta densa adentro, deu consigo, certa noite, numa encosta

montanhosa solitária e selvagem. Nenhuma vila estava à vista, nenhuma casinha, nem sequer

um queimador de carvão, tão comumente encontrados nas bordas das florestas. Ele andava a

seguir um caminho estreito e coberto de vegetação, mas, a dado ponto, até isso se perdia de

vista. Aproximava-se o pôr-do-sol e, em vão, ele esforçava-se por recuperar o trajeto perdido.

Todos os seus esforços pareciam simplesmente emaranhá-lo mais desesperançosamente nas

silvas e mato que cresciam espessamente por todo lado. Fraco e exausto ele tropeçava na

escuridão que depressa se alastrava, até que de repente encontrou um pequeno templo, deserto

e meio arruinado, mas que ainda continha um altar. Aqui por fim encontrava abrigo do frio

orvalho, e aqui decidiu passar a noite. Nada tinha para comer, mas envolto no seu manto, e

com a sua fiel espada do seu lado, deitou-se, e logo adormeceu.

Por volta da meia-noite, foi acordado por um barulho terrível. Primeiro pensou que se

tratava de um sonho, mas o barulho continuou, e todo o espaço ressoava com os mais terríveis

gritos e guinchos. O jovem guerreiro levantou-se com cuidado e, agarrando na sua espada,

olhou por um buraco na parede em ruínas. Contemplou algo estranho e horrível. Uma tropa de

gatos repugnantes envolvia-se numa selvagem e horrível dança, enquanto os seus gritos

ecoavam pela noite. Misturados com os seus guinchos sobrenaturais, o jovem guerreiro

conseguia distinguir claramente as palavras:

― Não contem ao Shippeitarô! Mantenham-no fechado e nas trevas! Não contem ao

Shippeitarô!

Uma lua cheia clara e bela fez incidir a sua luz sobre a medonha cena, que o jovem

guerreiro observava com fascínio e terror. De repente, passada a meia-noite, os gatos

fantasmas desapareceram, e tudo ficou de novo em silêncio. O resto da noite passou em

sossego e o jovem guerreiro dormiu tranquilamente até amanhecer. Quando acordou já o sol

ia alto, e apressou-se a deixar a cena onde se passara aventura da última noite. À luz da clara

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manhã ele descobriu vestígios de um caminho que na noite anterior estava invisível. Seguiu-o

e descobriu, para sua grande alegria, que, ao contrário do que temia, conduzia não à floresta

de onde viera no dia anterior, mas na direção oposta, a uma planície aberta. Lá ele viu uma ou

duas casinhas dispersas e, um pouco além, uma aldeia. Pressionado pela fome, caminhava o

mais depressa que podia até à aldeia, quando ouviu a voz alta de uma mulher que se

lamentava e suplicava. Mal os sons de agonia alcançaram o ouvido do guerreiro, esqueceu-se

da fome que tinha e apressou-se para a casinha mais perto para descobrir o que se passava e se

podia ajudar.

As pessoas ouviram as suas perguntas e, abanando pesarosamente as cabeças,

disseram-lhe que toda ajuda era vã.

― Todos os anos ― disseram, ― o espírito da montanha clama por uma vítima. A

hora chegou, e esta mesma noite ele devorará a nossa mais adorável donzela. Esta é a causa

do pranto e lamentação.

E quando o jovem guerreiro, coberto de espanto, os questionou, eles disseram-lhe que

ao pôr-do-sol a vítima seria posta num tipo de gaiola, levada para aquele mesmo templo onde

ele tinha passado a noite, e seria ali deixada sozinha. Pela manhã teria desaparecido. Assim

era todos os anos e assim seria agora: não havia como evitar. Enquanto ouvia, o jovem

guerreiro foi inundado por uma ardente vontade de salvar a donzela. E, quando a menção do

templo destruído lhe trouxe de volta à mente a aventura da última noite, perguntou ao povo se

tinha alguma vez ouvido o nome de Shippeitarô, e quem e o que era.

― Shippeitarô é um cão forte e bonito ― foi a resposta. ― Ele pertence ao

superintendente do nosso príncipe, que não vive muito longe daqui. Costumamos vê-lo a

seguir o seu mestre, ele é um companheiro bom e corajoso.

O jovem cavaleiro não voltou a parar para fazer mais perguntas, mas partiu logo ao

encontro do mestre de Shippeitarô e implorou-lhe que lhe emprestasse o cão por uma noite. A

princípio, o homem mostrou-se relutante, mas passado um tempo concordou em emprestar o

Shippeitarô, na condição de o jovem o trazer de volta no dia seguinte. Radiante, o jovem

guerreiro levou o cão consigo.

A seguir, foi ver os pais da infeliz donzela e disse-lhes para a manterem em casa e a

observarem atentamente até ao seu regresso. Então, colocou o cão Shippeitarô na gaiola

preparada para a donzela e, com o auxílio de alguns jovens aldeões, levou-a até ao templo

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destruído e aí a deixou. Os jovens aldeões recusaram-se a permanecer mais um instante

naquele lugar assombrado, mas correram montanha abaixo como se tivessem uma tropa

inteira de espíritos à perna. O jovem guerreiro, sem companhia além do cão, ficou para ver o

que se passaria.

À meia-noite, quando a lua cheia estava alta no céu e incidia a sua luz sobre a

montanha, os gatos apareceram mais uma vez. Desta vez, tinham perto deles um enorme gato

preto, mais violento e mais amedrontador do que todos os restantes; o jovem guerreiro não

teve dificuldade em descobrir que se tratava do próprio e aterrador demónio da montanha.

Mal este monstro avistou a gaiola, desatou a dançar e a saltar em volta dela com gritos de

triunfo e abominável alegria, seguido pelos companheiros. Após ter zombado e provocado

suficientemente a sua vítima, ele abriu a porta da gaiola.

Mas desta vez encontrou o seu oponente. O corajoso Shippeitarô saltou sobre ele,

agarrando-o com os seus dentes, apertando-o, enquanto o jovem guerreiro com um ataque de

espada atirou o monstro morto aos seus pés. Quanto aos outros gatos, demasiado atónitos para

voar, ficaram a olhar o corpo morto do líder e não deram muito trabalho ao cavaleiro e ao

Shippeitarô. O jovem guerreiro levou o cão de volta para o seu mestre agradecendo imenso,

depois contou ao pai e à mãe da donzela que a filha estava salva, e ao povo da aldeia que o

demónio clamara pela sua última vítima e não mais os perturbaria.

― Devem isso ao corajoso Shippeitarô ― disse ao dizer-lhes adeus, e seguiu o seu

caminho em busca de novas aventuras.

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4. Capítulo IV. Relatório de tradução

Considerações Gerais

Quando a editora Hasegawa publicou pela primeira vez a coleção Japanese Fairy

Tales, em 1885, o seu objetivo era facilitar aos japoneses a aprendizagem de inglês. No

entanto, como vimos no primeiro capítulo, essa função não se manteve na segunda edição, de

1903, que foi exclusivamente dirigida à comunidade de estrangeiros residentes no Japão no

século XIX, e que tinha curiosidade e interesse sobre a cultura do país onde residiam.

Por sua vez, o público-alvo do TC representa o público que, hoje em dia, conhecemos

como os leitores ávidos de contos de fadas: as crianças. Não são as mesmas crianças

especificadas por Lafcadio Hearn em “Chin-Chin Kobakama”, no entanto. São crianças

portuguesas, que vivem na sociedade atual, uma sociedade naturalmente diferente daquela a

que Hearn se dirigia no século XIX.

Portanto, o texto de chegada contempla o grande desafio de transmitir com sucesso a

mensagem do texto original e o seu estilo, entretanto adaptando-se a um público

compreendido entre os quatro aos doze anos de idade. Consequentemente, um público ainda

em formação como indivíduo, que ainda está a aprender a própria língua, e que está

consideravelmente distante do tempo e do local da comunicação original, como também

consideravelmente distante da cultura do texto de partida e da qual não se espera que tenha

conhecimento prévio.

Diante destas características, a grande prioridade da tradução acaba por ser a

legibilidade. Para tal, um determinado grau de adaptação será, inevitavelmente, necessário.

Porém, como pretendo que seja proporcionado à criança um contacto com a cultura

apresentada no texto, determinados traços de estrangeirização devem ser mantidos e, inclusive,

encorajados.

Também importa ressaltar, em acordo com Bruno Bettelheim em seu livro A

Psicanálise dos Contos de Fadas, a importância do conto ser contado ao invés de lido e a

própria importância que os contos de fadas podem ter no desenvolvimento infantil.

Bettelheim incentiva os pais a lerem os contos aos filhos e a moldarem-nos segundo as suas

necessidades. Assim sublinho que o som, o ritmo e a legibilidade foram de fulcral importância

para o meu projeto.

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A fim de contornar o possível estranhamento que isso possa causar e, ainda, alimentar

uma maior curiosidade por parte da criança, optou-se por criar, à semelhança de outros livros

infantis, como Shakespeare’s Story Book – Folk Tales that Inspired the Bard, de Patrick Ryan

e publicado pela editora Barefoot Books, uma introdução que apresentasse o Japão, a sua

geografia, as características dos contos a serem apresentados e terminologias que aparecem ao

longo dos contos e que poderiam criar algum tipo de confusão, que entretanto não foram

explicadas pelo autor. Klinberg lista a “explicação fora de texto” como uma das nove formas

de adaptação contexto-cultural, apresentadas no segundo capítulo, e ela foi preferida às notas

de tradutor por permitirem uma leitura fluída e sem interrupções. Acresce que a literatura

infantil tem um público duplo, formada por crianças e adultos, sendo que o último é

constituído principalmente pelos pais e/ou educadores que selecionam as leituras infantis e,

no caso de crianças demasiado jovens para poderem ler autonomamente, são quem lê os

textos em voz alta. Ademais, sempre que necessário optei também por incluir informação no

texto de chegada, a fim de elucidar o leitor.

No presente capítulo, analisarei algumas soluções de tradução encontradas no processo

tradutório, justificando as opções conforme achei relevante. Noto que recorri às estratégias

descritas por A. Chesterman para caracterizar as opções tomadas.

4.1 Problemas de tradução específicos da mediação histórica

Quando Lafcadio Hearn escreveu a sua versão dos contos, o Japão não era a grande

potência económica e tecnológica que é hoje; era sim um país ainda muito feudal.

Obviamente, hoje em dia, nem todas as casas são forradas com tatame ou o tatame é

produzido da mesma forma que no século XIX. Essa é uma característica das casas daquele

tempo. Por isso, a fim de evitar interpretações erróneas, chamamos a atenção para o facto de

que o que descrevemos é característico de uma determinada época.

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a) (F1) The floor of a Japanese room is

covered with beautiful thick soft mats of

woven reeds. (F2) They fit very closely

together, so that you can just slip a knife-

blade between them. (F3) They are

changed once every year, and are kept

very clean. (Pg. 9)

(F1) No velho Japão, o chão do quarto era

forrado com lindas, grossas e macias esteiras

de tecido de junco. (F2) Elas eram postas

muito juntinhas de tal forma que só cabia

uma faca entre elas. (F3) Eram trocadas uma

vez por ano e estavam sempre muito limpas.

(Pg. 36)

Estratégias: (F1) Mudança de informação e mudança da estrutura frásica; (F1-F4) Mudança

da estrutura frásica.

Em contrapartida, embora até hoje os japoneses, à semelhança de muitas outras

culturas asiáticas, não usem sapatos em casa, a maior parte das casas é mobilada num estilo

bastante semelhante ao europeu. Continuamos a ressaltar o passado como passado, mas

incluímos a informação a fim de que as crianças tenham consciência desse costume atual.

b) The Japanese never wear shoes in the

house, and do not use chairs or furniture

such as English people use. (Pg. 9)

Os japoneses não usavam cadeiras ou

móveis como na Europa e, até hoje, andam

sempre descalços em casa. (Pg. 36)

c) and you will be able to understand why

the floor of a Japanese room is nearly

always kept clean, – not scratched and

spoiled by mischievous play. (Pg. 10)

e também vão compreender porque é que o

chão japonês está quase sempre limpo e não

arranhado e estragado à conta de brincadeiras

marotas. (Pg. 36)

Estratégias: Mudança da estrutura frásica, mudança de unidade, mudança de informação e

antonímia.

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4.2 Problemas de tradução referentes à língua e à legibilidade

O tradutor de literatura para crianças deve preferir um estilo dinâmico, com

construções sintáticas simples e verbos finitos. Orações muito complexas, com forte presença

de passivas e verbos não finitos e estáticos cansam a criança e interrompem o fluxo de leitura.

É importante entregar um texto que seja fácil de ler e de compreender, assim como um texto

que permita uma leitura dramatizada, em voz alta, que respeite a função fática da relação do

narrador da história com os seus ouvintes.

d) The Elder son was strong enough when

only fourteen years old to help his father;

and the little girls learned to help their

mother almost as soon as they could

speak. (Pg. 29)

Aos catorze anos, o filho mais velho já

estava suficientemente forte para ajudar o

pai. Já as meninas, mal aprenderam a andar

foram ensinadas a ajudar a mãe. (Pg. 46)

Estratégias: Mudança da estrutura da oração, mudança de coesão.

Uma tradução literal no exemplo acima soaria estranha e tornaria o texto de difícil

compreensão. Escolheu-se, ao invés, alterar a ordem dos sintagmas, a fim de proporcionar

uma leitura mais clara e efetiva. A pontuação foi também alterada, facilitando a leitura e

criando um contraste com a oração seguinte.

e) In very ancient books it is said that there

used to be many goblin-spiders in Japan.

(Pg. 18)

Os livros muito antigos dizem que existiam

muitas aranhas-demónio no Japão. (Pg. 44)

Estratégias: Transposição, Mudança de unidade.

Caracterizada pela mudança de classe, a transposição é um método frequente na

tradução da língua inglesa para a portuguesa. Em e), encontramos uma solução económica em

contraste com o que seria uma tradução mais fiel, “Nos livros muito antigos diz-se que

costumava haver muitas aranhas-demónio”.

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f) The young warrior brought back the

brave dog to his master, with a thousand

thanks, told the father and mother of the

maiden that their daughter was free and

the people of the village that the fiend

had claimed his last victim, and would

trouble them no more. (Pg. 53)

O jovem guerreiro levou o cão de volta para

o seu mestre agradecendo imenso, depois

contou ao pai e à mãe da donzela que a filha

estava salva, e ao povo da aldeia que o

demónio clamara pela sua última vítima e

não mais os perturbaria. (Pg. 51)

Estratégias: Mudança de unidade, mudança de coesão, sinonímia.

Rejeitando uma tradução literal que resultaria numa frase de baixo significado em

português (com mil agradecimentos), escolheu-se alterar a unidade, traduzindo o significado

da expressão. “Shippeitaro”, de Grace James, ao contrário dos contos de Hearn, está repleto

de frases longas e complexas. A fim de facilitar a compreensão, acrescentou-se o advérbio

“depois”. Tendo em conta o estilo do conto, que tenta aproximar-se do estilo ocidental,

escolheu-se traduzir “free” por “salva”, em simetria com a ideia de “donzela em perigo”.

g) So they knelt down, and began to drink so

fast that before the old woman had got

half way over, the water had become

quite low. (Pg. 27)

Então ajoelharam-se e começaram a beber

tão depressa que a água quase secou antes

de a velhinha conseguir chegar a meio do rio.

(Pg. 43)

Estratégias: Mudança da estrutura da sentença.

O exemplo acima ilustra, mais uma vez, um acaso onde a tradução literal não oferece

um resultado satisfatório e o viável é traduzir o significado da expressão. Ademais, fazemos

uma inversão de elementos em relação à oração subordinada.

h) He thought and thought, while he was

tying up his little bundle of clothes to go

away (Pg. 31)

Ele pensou seriamente enquanto amarrava a

sua pequena trouxa de roupas para se ir

embora (Pg. 47)

i) He knocked and knocked again (Pg. 33) Ele bateu uma e outra vez (Pg. 47)

j) and, as she stirred, the one grain became

two – then four, – then eight, – then

sixteen, thirty-two, sixty-four, and so on.

Enquanto mexia, o grão tornou-se dois grãos,

depois quatro, depois oito, depois dezasseis,

depois trinta e dois, depois sessenta e quatro,

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(Pg. 25) e assim por diante. (Pg. 42)

Estratégias: Mudança de coesão.

A repetição é indicada de formas diferentes em cada língua. Enquanto as repetições

ilustradas pelos exemplos 1 e 2 funcionam em inglês, o resultado em português é pouco eficaz.

Já no exemplo 3, a repetição ocorre a fim de criar um efeito cumulativo.

k) “We are the Chin-Chin Kobakama; the

hour is late; sleep honorable noble

darling!” (pg. 13)

“Nós somos os Chin-Chin Kobakama, a hora

é tardia! Dorme, princesa querida!” (Pg. 37)

Ao traduzir a tradução da cantiga dos Chin-Chin Kobakama, mais do que atentar

exclusivamente na tradução de Hearn, analisamos a língua original, atentando no som, que era

foneticamente divertido, bem como no efeito que queríamos criar em português. A tradução

de “hime-gimi” para “honorable noble” e, em português, “distinta senhora” soava forçada, já

que conseguimos um efeito mais interessante e eficaz com o seu equivalente direto “princesa”.

Ao ler o trecho em voz alta importava que fluísse e que fosse agradável de dizer e repetir, em

contraste com o trecho em japonês que, pressupondo a inexperiência do leitor com a língua,

seria esquisito e engraçado.

Podemos acrescentar ainda, que a experiência de traduzir para crianças está, em muito,

ligada à noção de criatividade na tradução. Tal verifica-se principalmente na tradução de

jogos verbais, provérbios, trocadilhos e versinhos, que ilustram esta recriação.

De igual forma, em “The Boy Who Drew Cats”, queríamos que o conselho dado pelo

sacerdote ficasse preso na memória da criança, como aconteceu com o protagonista da

história. Para isso, recorremos à sonoridade: a frase precisava ser agradável de repetir.

l) Avoid large places at night – keep to

small! (Pg. 31)

À noite, grandes espaços evitarás – nos

pequenos permanecerás. (Pg. 47)

Estratégias: Mudança de estrutura frásica.

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Embora de extensão mais longa do que o original, podemos dizer que a tradução não

perde em qualidade, uma vez que a rima torna a frase impactante e fácil de memorizar.

m) “So you thought I was a goblin? Oh no!”

(Pg. 19)

― Então pensaste que eu era um demónio?

Ah, não! (Pg.44)

n) “Ah! Ha!” cried the Oni. (Pg. 24) ― Ahá! ― exclamou o Oni. (Pg. 41)

o) Then the old woman could not help

laughing ―“Te-he-he!” (Pg. 24)

Então a velhinha não conseguiu deixar de se

rir ― Hi hi hi (Pg. 41)

Estratégias: Mudança frásica.

As alíneas m e n ilustram os problemas com as interjeições. “Ahá” não tem uma forma

única de escrita em português, mas optamos por aquela que seria de mais simples

compreensão na hora da leitura. Já a interjeição “oh” foi alterada porque, em português,

parecia não se adequar ao contexto. O diálogo pressupõe um tom ligeiramente sarcástico,

enquanto, na nossa sensibilidade, a interjeição “oh” insinuava um tom mais divertido ou até

mesmo de escusa.

Embora tenha considerado manter intacta a onomatopeia, não demorei a descartar a

hipótese uma vez que, durante uma leitura em voz alta, obviamente o som em português não

correspondeu ao pretendido, não fazia sentido. Já o riso he he he implicava um pouco mais de

malícia, e o riso da velhinha correspondia quase a um riso de uma criança que faz uma

travessura, mas uma travessura um bocadinho mais inocente, que o hi hi hi captura com

sucesso, além da sonoridade ser praticamente igual ao termo original.

4.3 Formas de tratamento

Um problema recorrente na tradução são as formas de tratamento. Existe uma

dificuldade intrínseca já nas línguas europeias: o “you”, em inglês, pode ser utilizado de

maneira formal ou informal, e admite uma variedade de interpretações quanto ao número, ou

género do destinatário. Em português, este pronome pessoal pode ter quatro correspondências

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(o informal tu, a forma delicada senhor, e os seus plurais correspondentes). Cabe ao tradutor

decidir qual destas formas é a melhor opção, segundo o contexto.

Ocasionalmente, o narrador dirige-se ao leitor por “you”, fazendo uso de uma

linguagem que, apesar de ser próxima, denota ao mesmo tempo uma hierarquia. O seu tom é

de alguém que ensina e pode facilmente fazer-se passar por um pai ou por um professor.

Ao decidir qual das formas de tratamento seria a mais adequada neste caso específico,

regi-me pela ideia de Bruno Bettelheim, que defende que o conto de fadas é uma atividade em

grupo, que deve ser contado mais do que lido. Num contexto de aula o conceito seria o

mesmo e o professor contaria o conto aos alunos. Por isso dei preferência a um leitor coletivo.

p) You ask me whether all, all Japanese

children are as good as that? (Pg. 9)

Estão a perguntar-me se todas, mesmo

todas as crianças japonesas são assim tão

bem-comportadas? (Pg. 36)

q) Immediately they turned into – what do

you think? (Pg. 16)

Imediatamente transformaram-se em – o que

vos parece? (Pg. 38)

As formas de tratamento são particularmente desafiantes em japonês. A língua

japonesa requer uma escolha de determinado nível de língua honorífica e expressões para

cada relação, sabendo que existe um vocabulário especial para homens, mulheres, e pessoas

mais velhas.

Embora a nossa tradução não incida sobre a língua japonesa em si, ter consciência de

que durante um processo comunicacional existe uma hierarquia é relevante para a tradução.

Em “The Old Woman Who Lost Her Dumplings”, por exemplo, a personagem

principal tem um encontro com uma divindade budista. Por isso foi necessário ponderar e

adequar o seu discurso. De igual forma, quando o vilão da história se aproxima para falar com

a mesma divindade, é curioso notar que também ele o trata pelo sufixo -san, que corresponde

ao nosso senhor em português.

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r) “O dear Lord Fizō, did you see my

dumpling?” (Pg. 23)

― Ó bondoso Mestre Jizô, viu o meu dangô?

(Pg. 40)

s) “Fizō-san, Fizō-san! I smell a smell of

mankind somewhere – don’t you?” (Pg.

23)

― Jizô-san, Jizô-san! Sinto o cheiro de

humanos aqui – o senhor não? (Pg. 41)

Para diferenciar a posição do Jizô, decidiu-se que ele trataria os restantes personagens

por tu.

t) “Don’t talk about your dumpling now.

Here is the Oni coming. Squat down here

behind my sleeve and don’t make any

noise.” (Pg. 23)

― Não fales mais do teu dangô. O Oni está a

chegar. Agacha-te aqui atrás da minha

manga e não faças barulho. (Pg. 41)

4.4 Problemas de tradução referentes à linguagem

A escolha de palavras durante a tradução para o público infantil representa um desafio,

uma vez que o léxico selecionado deve ser preciso e deve adequar-se ao vocabulário de um

grupo etário que acompanha desde uma criança a acabar o 2º ciclo, até uma que acaba de

ingressar na escola. Longas explicações sobre um só termo devem ser eliminadas e, se

possível, simplificadas, pois podem resultar em ruído na comunicação.

u) Goblin Demónio

Estratégia: Hiperonímia.

Um termo que pode alegadamente gerar controvérsias e foi fonte de alguma meditação

durante o processo tradutório foi “Goblin”. O equivalente mais óbvio, na mitologia europeia,

são os duendes – criaturas com uma mente travessa e até mesmo maliciosa. Só que “duende”

não acarreta o mesmo significado, a mesma carga sobrenatural e estranha que os seres

mitológicos japoneses acarretam. Através de uma pequena pesquisa, entretanto, feita em

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materiais de produção japonesa e consumo em massa no Ocidente, descobriu-se que

aparentemente existe uma norma para a tradução destes seres sobrenaturais. Em animes e

mangás (como Sailor Moon, Holic, Inuyasha, Yu Yu Hakusho...) e nos filmes de Miyazaki

(em especial Princesa Mononoke, que tem os mesmos tipos de animais sobrenaturais) esta é a

designação preferida – por oposição a recorrer a empréstimos (youkāi e oni, principalmente).

Dado que os desenhos japoneses e a cultura pop japonesa em si já não representam uma

novidade, sendo altamente promovidos em Portugal pelas principais emissoras infantis (Panda

e Panda Biggs, Sic K), escolheu-se traduzir em conformidade com esta designação, agora

divulgada em massa.

Em “The Old Woman Who Lost Her Dumplings”, consideram-se as seguintes opções

para a tradução da nossa personagem principal:

Old woman Velhinha Velha Velha senhora

Enquanto o termo velha senhora foi excluído por se tratar de duas palavras, por não

fluir durante a leitura em voz alta e acabar por parecer graficamente pesado, velha foi

excluído por causa da conotação geralmente negativa encontrada em contos de fadas (por

exemplo, em Branca de Neve, a rainha transforma-se numa velha vendedora para enganar a

protagonista). Velhinha, por sua vez, é afetivo, dialoga com o público, é amplamente utilizado

em histórias infantis a fim de rematar a um personagem mais querido, mais semelhante às

avós (como acontece no livro de Ricardo Azevedo, Uma velhinha de óculos, chinelos e

vestido azul de bolinhas brancas).

De igual modo, ao escolher traduzir “tiny swords”, em “Chin-Chin Kobakama” por

“espadinhas” também estava em causa esta vontade de dialogar com o público, fazendo com

que ele criasse empatia com a história. O dicionário Houaiss da língua portuguesa descreve o

diminutivo como um substantivo que designa pessoa, animal ou objeto num contexto afetivo

ou familiar.

v) Old woman Velhinha

w) Tiny swords (Pg. 13) Espadinhas (Pg. 37)

x) Little men (Pg. 12) Homenzinhos (Pg. 37)

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Essa mesma explicação não se aplica, no entanto, à designação “cottage”, encontrada

em Shippeitaro. A linguagem de Shippeitaro, ao contrário do que acontece com os quatro

outros contos de Lafcadio Hearn, tenta aproximar-se da realidade britânica, adaptando as

peculiaridades culturais do TP de acordo com a experiência e conhecimento do público-alvo.

“Cottage” corresponde a uma peculiaridade da cultura britânica, originalmente referindo-se a

uma casa pequena, de um andar, e de estilo modesto e tradicional. Como este tipo de casas

não recebe um nome específico em Portugal e tampouco o termo oferece algum tipo de

conhecimento indispensável sobre a cultura que nos interessa, escolheu-se traduzir o

significado, que é uma casa pequena ou, como escolhemos, uma “casinha”.

y) There he saw one or two scattered

cottages, and a little further on, a village.

(Pg. 49)

Lá ele viu uma ou duas casinhas dispersas e,

um pouco além, uma aldeia. (Pg. 50)

4.5 Referências culturais

Segundo a Embaixada Japonesa e o Museu do Oriente, existem duas palavras

utilizadas atualmente no mercado português para designar o popular e tradicional “bolinho

feito com farinha de arroz”: a primeira é “dumpling”, um anglicismo, e a segunda é “dangô”,

utilizada sobretudo por grupos aficcionados pela cultura japonesa. O anglicismo foi rejeitado,

uma vez que o objetivo da tradução era apresentar o Japão e, caso surgisse a curiosidade de

procurar pelo bolinho, encontrá-lo-iam também se o conhecessem somente como “dangô”.

Além disso, o termo é de sonoridade engraçada e oferece à criança uma palavra nova, que

será repetida.

Por existirem muitas palavras japonesas romanizadas no texto, escolheu-se escrevê-las

de acordo a acentuação gráfica da língua portuguesa. Consequentemente, palavras com

acentos tonais passam a ser acentuadas com acentos circunflexos, segundo a sua pronúncia.

Sōro Sorô

Fizō Jizô

Shipeitarō Shipeitarô

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Chamo a atenção para algumas gralhas ou erros tipográficos no Texto de Partida que

se procurou corrigir na tradução.

Fizō Jizô

Jizô (Ksitigarbha) é uma divindade budista, comummente apresentada como um

monje. Ele é o protetor dos viajantes, das mulheres e das crianças.

z) The Japanese never wear shoes in the

house, and do not use chairs or furniture

such as English people use. (Pg. 9)

Os japoneses não usavam cadeiras ou móveis

como na Europa e, até hoje, andam sempre

descalços em casa. (Pg. 37)

aa) All travelers, who have written pleasant

books about Japan, declare that Japanese

children are much obedient than English

children and much less mischievous. (Pg.

9)

Todos os viajantes que escreveram belos

livros sobre o Japão declaram que as crianças

japonesas são muito mais obedientes do que

as crianças europeias e muito menos

endiabradas. (Pg. 36)

Estratégias: Mudança de informação.

Outra questão controversa diz respeito ao tratamento dispensado às referências que

situam a narrativa no espaço. Refiro-me a referências de adaptação e equivalem a substituição,

no texto de chegada, de nomes próprios, referências culturais, topônimos, entre outros.

Optei por este procedimento a fim de aproximar o texto traduzido da realidade do

leitor-receptor, convidando-o a estabelecer redes associativas, o que não é desvantajoso, uma

vez que tal não interfere na configuração do espaço em que se passa a história.

Concluo com o pensamento de que a versão dos contos em português tentou tornar o

texto acessível ao leitor principalmente pelo conteúdo referencial. Isso porque existe um

grande buraco geográfico, cultural e temporal entre o TP e o TC que precisa de ser mediado

pela tradutora.

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5. Considerações finais

Neste projeto, o desejo de propor uma tradução de contos de um autor ainda

desconhecido no campo lusófono serviu como base para uma reflexão sobre algumas questões

envolvidas na tradução de textos dirigidos ao público infantil.

Este tipo de texto distingue-se por depender da interação dos mediadores – os críticos,

os escritores, os tradutores – que procuram, a partir da sua própria imagem de infância,

responder às especifidades do público – este público que é duplo, que são as crianças e os pais,

que orientam a leitura dos primeiros.

Os contos selecionados tratam-se, por si só, de uma mediação cultural. Hearn

agilmente transporta a criança até ao Japão nas suas versões dos contos tradicionais,

interferindo, adicionando informações quando necessário, fazendo uso de estrangeirismos

sem temer que tal ação possa criar ruído. Os seus textos adaptam-se à capacidade da criança,

sem subestimá-la.

Em contraste, a versão de “Shippeitaro” de G. James adapta o conto de forma que este

pudesse facilmente ser inserido numa coletânea de conto de fadas ocidental: passa-se nos

tempos dos dragões, das donzelas em perigos, mas num lugar remoto, onde existem gatos-

demónios.

Todos estes textos foram publicados pela primeira vez em meados do século XIX, por

uma editora japonesa que também fez história pela sua impressão em papel crepe japonês e

que escolhia a dedo os escritores que transportariam as histórias tradicionais nipónicas para o

Ocidente.

Histórias criadas num contexto tão particular, não poderiam ser traduzidas para o

público infantil de hoje de ânimo leve. Era necessário estabelecer um objetivo – e, para

alcançá-lo, recorri ao modelo de Nord, um modelo que auxiliaria a reduzir o leque de opções

tradutórias ao propor questões objetivas e que possibilitassem uma maior percepção do texto,

a sua função e o propósito da tradução.

A função do texto de partida era levar o Japão de Hearn às crianças inglesas do século

XIX. O propósito da tradução era levar o Japão de Hearn para a criança portuguesa moderna.

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Só que o Japão de Hearn era o velho Japão – que é muito diferente do Japão de hoje, que já é

muito diferente de Portugal por si só.

Confrontadas com problemas semelhantes, editoras, como a galardoada editora

Barefoot Books, recorreram a uma explicação adicionada: criaram uma introdução, no início

do livro ou no início ou no fim de cada conto, a oferecer uma contextualização necessária,

algo que também apliquei no projeto. E, de facto, na tradução para crianças, algumas técnicas

são recorrentes a fim de contornar eventuais dificuldades comuns a este tipo de texto –

adaptações, simplificações, explicação adicionada, reformulações, traduções explanatórias.

Estas técnicas possibilitam a mediação entre criança e adulto – e possibilitam a entrega de um

texto fluído, que permite tanto uma leitura dramatizada, em voz alta, feita a uma criança que

ainda não sabe ler, como uma leitura solitária e silenciosa, que proporciona informação sobre

uma cultura desconhecida e consideravelmente distante no tempo e no espaço.

Embora os contos aqui apresentados tenham indubitavelmente uma característica

didática, e eu tenha tentado responder à pergunta “o que a criança aprenderá?” ao traduzir,

julgo que é de igual importância apresentar um texto que seja divertido de se ler e repetir e

cuja leitura seja prazerosa para a criança, motivo pela qual determinadas estratégias foram

tomadas a fim de tornar o som e o ritmo mais apelativos a este público na língua de chegada.

Assim, as outras questões fulcrais durante o processo tradutório foram “o que a criança gosta

de ouvir?” e “qual palavra ela acharia divertido repetir?”.

Por fim, observei com este projeto que a tradução para crianças requer uma

multiplicidade de teorias e estratégias, que casa com a multiplicidade de agentes envolvidos

na sua produção e no resultado final. É uma tradução produzida para um efeito, cumprir as

especifidades do seu público-alvo, e é uma tarefa muito mais complexa do que se dá crédito, e

que eu gostaria de continuar a explorar.

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6. Bibliografia

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1.2 Outras obras de Hearn

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______________. Stray Leaves from Strange Literature. New York: Houghton Mifflin

Company, 1884.

2. Secundária

2.1 Bibliografia Crítica sobre Hearn

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