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O KAIKAN DE ASSIS: Japonesidades assisenses. FLAVIO MOISÉS SOARES * * * Graduado e Mestrando da UNESP-Assis, sob a orientação do Profº Drº Wilton Silva. Contato: [email protected]

Japonesidades assisenses. FLAVIO MOISÉS SOARES · ... é tão japonesa quanto das velhinhas do Odori ... englobam os saberes e o domínio que se tem do corpo e ... O judô, caratê

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O KAIKAN DE ASSIS:

Japonesidades assisenses.

FLAVIO MOISÉS SOARES*

* * Graduado e Mestrando da UNESP-Assis, sob a orientação do Profº Drº Wilton Silva. Contato: [email protected]

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Resumo: O seguinte artigo apresenta um estudo de caso sobre as japonesidades

desenvolvidas na região do Centro Oeste Paulista, mais especificamente na cidade de

Assis, que se iniciam ou passam pela associação de imigrantes japoneses local. Partindo

de um âmbito geral onde se dissera brevemente sobre a história e formação da

Associação Cultural Nipo Brasileira de Assis (popularmente conhecido como Kaikan), e

debate sobre como as japonesidades e cultura japonesa perpassa por esse espaço para a

população assisense, na forma de atividades, festividades, culinaria.

Palavras Chave: Kaikan; Japonesidade; Imigração Japonesa

Abstract: The following paper presents a study about JAPONESITIES developed in the

Midwest of São Paulo, specifically in the city of Assis, which begin or become in contact

with the local japanese immigrant association. Beginning with an overall view in which

the history and formation of the Assis Nipo-Brazilian Cultural Association (Associação

Cultural Nipo Brasileira de Assis, commonly known as Kaikan) was given, and discuss

how JAPONESITIES and japanese culture interacts with this space and passes to the

population of Assis, in the form of activities, festivities, food.

Keywords: Kaikan; Japonesidade; Japanese Immigration

INTRODUÇÃO

No Centro-oeste paulista, um espaço que recebeu muito imigrantes japoneses, italianos e

alemães no século passado, esse valorosos imigrantes ajudaram a formar as

características da região, influenciaram em nomes de ruas, escolas e na vida dos

brasileiros que lá viviam. Em suas bagagens traziam o desejo de construir uma vida ou

ganhar dinheiro. Aos poucos muitos se fixaram e foram formando associações ou ligas

esportivas e os fluxos de influência em ambos os lados se intensificaram. Focando nos

japoneses, aos poucos a japonesidade começou a delinear em formas sutis, naqueles que

viviam em contato com japoneses e naqueles afastados, além de nos próprios japoneses.

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Este estudo de caso baseou sua pesquisa documental nos estudos sobre construção e

representação das japonesidades feitos pelo professor Igor José de Renó Machado e seus

alunos no Laboratório de Estudos Migratórios na Universidade Federal de São Carlos.

Além de pesquisa documental, foram utilizadas conversas e entrevistas, realizadas a sua

maioria por mídias sociais, com membros do Kaikan e pessoas que fizeram parte de sua

história.

A principal questão que levantamos aqui é como a japonesidade é construída/fomentada

em Assis pelo Kaikan? Entretanto antes de respondermos a essa isso é necessário

compreender primeiramente o que é japonesidade.

.

JAPONESIDADE: UMA BREVÍSSIMA DISCUSSÃO

Em primeiro momento é necessário compreender o que é a japonesidade tão comentada

nessas linhas; em brevíssimo resumo: japonesidade é a delicada, complexa e múltipla

organização da identidade e pertencimento a cultura japonesa, sendo o indivíduo ou não

geneticamente descendente de japoneses.

Partindo das palavras de Machado: “Temos ontologias e não fragmentos ou

‘subidentidades’, ‘subculturas’. A forma de ser ‘nipodescendente’ [...] não descendente

(sem os olhos puxados) é tão japonesa quanto das velhinhas do Odori da associação Nipo

em Araraquara.” (MACHADO, 2011: 15); vemos que as relações entre o aquilo que é ser

japonês e o outro são margens instáveis que se misturam nos indivíduos, levando-os,

mesmo os não descendentes, a “se tornarem ‘mais’ japoneses que os descendentes”

(MACHADO, 2011: 16). Ela opera além do fenótipo, criando não descendentes

japonesizados e também descendentes não japoneses (MACHADO, 2011: 23); “o

fenótipo não era o mais relevante, mas sim o quanto mais próximo se estava dos

conhecimentos sobre os japoneses e de sua atualização em cada pequeno ato e

comportamento” (LOURENÇÃO, 2011: 28), mas esse conhecimento é baseado em um

Japão Virtual, ou seja, imaginado, construído, idealizado a partir das informações que o

individuo adquire sobre esse país. Winstertein (2011: 154), outro importante pesquisador,

endossa a percepção de Machado ao afirmar que:

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No kendo, a proximidade ao centro [a cultura japonesa, o Japão imaginado e

construído pelo indivíduo] também não se daria exclusivamente pelos aspectos

fenotípicos dos descendentes nipônicos praticantes dessa arte marcial, mas

haveria aí a produção de ‘japonesidade’ baseadas em componentes que

englobam os saberes e o domínio que se tem do corpo e do discurso

As relações que produzem a japonesidade são vias de mão dupla, tanto para indivíduos

quanto para a sociedade. Obviamente, os descendentes e comunidades, sofrem

influencias da brasilidade –Lesser (2015) lembra que somos um povo multicultural,

marcado por incorporar o que é estrangeiro a nossa cultura e personalidade e onde os

grupos de imigrantes “se tornaram brasileiros ao incorporar a cultura majoritária, mas

permaneciam como grupo distintos” (LESSER, 2015: 25) – por estarem vivendo entre os

brasileiros. Na outra pista, a comunidade nipônica apresenta, a partir de indivíduos e

associações (no sentido mais amplo da palavra), ondas da sua cultura, como festas, J-pop,

animes, mangas, kendo, caratê, judô, aikido, jiu-jitsu, budismo, Seicho-No-Ie entre

outras atividades culturais, esportivas, religiosas e morais. Tais relações levam a

japonização do não descendente e a desjaponização do descendente, em diferentes graus

e temporalidades.

Japonesidades “São formas singulares de expressar a experiencia japonesa no Brasil.”

(MACHADO, 2015: 18).

O KAIKAN DE ASSIS.

Uma terra diferente de tudo que já haviam visto, quente o ano todo e de solo fértil, essa

poderia ter sido uma boa primeira impressão que os primeiros imigrantes tiveram sobre o

Brasil, com dificuldades em vários pontos, como a língua e culinária, o povo niponico

prosperou com trabalho duro e ajuda mutua nessa terra no hemisfério sul.

Como dito por Otenio (2015, 86):

Embora os nikkeis tenham o ressentimento de serem representados pela sua

identidade diaspórica, devido à condição de exílio dos seus antepassados, e

não aceitarem o estigma de japoneses, eles com a sua cultura da diáspora

influenciaram e continuam influenciando positivamente a cultura nacional;

sem deixar de mencionar a sua contribuição para forjar a identidade nacional

brasileira.

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O judô, caratê e outras artes marciais caíram no gosto dos brasileiros e ser a modalidade

olímpica solo com mais medalhas conquistadas, sendo um total de 22 – a primeira

conquistada em 1972 (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ) - assim com a

culinária que caiu em gosto nacional e aos poucos outros aspectos foram incorporados a

brasilidade. Formaram na capital paulista o bairro da Liberdade, famoso por ser o reduto

dos japoneses e sua cultura; atualmente abriga também chineses e coreanos, sendo um

local onde tais culturas coexistem com seus próprios equilíbrios.

Colocado por Sakurai (2008: 255):

Estas associações, as nihonjin-kai, que atualmente estariam divididas em

inúmeras outras como as kaikan, Keren e as kenjinkais procuram manter,

assim como a Igreja Católica o fazia para grupos migratórios europeus, a

educação tradicional japonesa e idioma etc.

E defendido por Winterstein (2011: 151), as associações dos imigrantes nipônicos tem

caráter importante para a comunidade, pois são nelas que as informações sobre a terra

natal circulavam, onde se conheciam pessoas, se fechavam negócios, acordos comerciais

e aconteciam os casamentos. Durante as festividades e atividades as relações se

fortalecem e a japonesidade do grupo é reestruturada e reafirmada, além de ser aprendida

pelos mais jovens. Confirmado pela experiencia de Hatugai (2011: 77):

Do ponto de vista do mais velhos, as festas na ‘Nipo’ [Associação Cultural

Nipo-Brasileira de Araraquara] possibilitam o encontro entre amigos e

familiares e alimentam as ‘tradições’, e nesse aspecto toda a preparação das

festas, que é envolta pelos alimentos, agrega e incorpora pessoas, além de

atualizar valores dessa ‘japonesidade’.

Assis é uma cidade do interior do estado de São Paulo com pouco mais de 110 anos,

ficando próxima, e entre, Londrina (no norte do Paraná), Marilia, Presidente Prudente,

Bastos, Ourinhos e distritos que receberam grandes números de imigrantes japoneses,

entretanto Assis não teve números expressivos de imigrantes e consequentemente não

houve forte participação dos mesmos na comunidade assisense. Mesmo assim existem

restaurantes de comida japonesa na cidade, curso de Letras com habilitação em Japonês

na UNESP, unidades do sistema de ensino ao estilo nipônico Kumon, academias de

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diversas artes marciais e um nikkey clube (Kaikan) todos podem (re)afirmar, destruir e/ou

construir diferentes japonesidades. Entretanto hoje iremos focar no Kaikan assisense.

Quem acessar o site do Kainkan, encontrara a seguinte informação: “A Associação

Cultural Nipo Brasileira de Assis - SP, fundada em 04/07/1988, tem como objetivo

principal promover atividades culturais e esportivas integradas na sociedade japonesa e

brasileira com o intuito de divulgar, fomentar e preservar a tradição japonesa.”

(ASSOCIAÇÃO CULTURAL NIPO BRASILEIRA DE ASSIS – SP, 2018). Ainda

segundo o mesmo a função da associação é colocar os associados em contato com outros

grupos para que trocar experiencias e que a mesma, apesar do nome, está aberta para

todos os comunidade independente da origem. Atualmente a instituição oferece aulas de

kendo, odori e taiko1 para a população, além de atividades culturais e a venda de comidas

tradicionais (em especial o yakisoba); no seu passado também eram ofertadas aulas de

japonês. Todas essas atividades contribuíram para uma melhor adaptação na sociedade, o

pesquisador Tanno (2008: 69) defendeu que:

ao construírem formas de sobrevivência física, cultural e identitária de sua

cultura de origem, os japoneses e seus descendentes estavam também

inserindo-se na sociedade receptora, visto que reconstruíram seus costumes e

tradições adaptando-se na sociedade receptora, visto que reconstruíam seus

costumes e tradições adaptando-os a uma nova sociedade e, dessa forma,

usufruíam também um pouco dela, ainda que de maneira indireta.

Entre os nikkeis (OTENIO, 2015: 93-93):

A língua, a culinária, os hábitos e os costumes japoneses compõem um

dispositivo capaz de catalisar o processo identitário cultural de uma minoria

étnica. A liberdade de Kimiko [persona estudada pela autora] consistia em ser

e se expressar à sua maneira, sem repreensões e sem a obrigação de

enquadrar-se nos estereótipos da cultura brasileira. (...) A identificação

cultural entre essas pessoas, principalmente o jeito peculiar da minoria

japonesa e nikkei simboliza o lar para estes oriundos de outra nação.

1 �Odori: Dança tradicional japonesa. Taiko: Arte musical e militar de uso de instrumentos de percussão.

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Assim as associações ganhavam maior importância social na comunidade sendo um local

de segurança e conforto para o imigrante fora de sua residência. Elas tinham o caráter de

achar um ponto em comum para a união de todos, exemplos como associações de

produtores de algum tipo de bem, associações de imigrantes vindos de determinadas

regiões da terra natal, entre tantas outras foram sendo criadas à suas maneiras,

necessidades e especifidades. Algumas delas geram clubes para o entretenimento e lazer

dos seus membros, é o caso da região de Assis. Tanno (2008: 68) nos lembra que “Reunir

os iguais em torno de interesses em comuns é um dos objetivos de fundação dos clubes

(...)”, e assim foi feito, tanto na capital como no interior paulista. Associações entre os

japoneses renderam boa parte dessa prosperidade que, muitos, apreciam nos dias atuais.

Enquanto os imigrantes e seus descendentes se ajudavam nos clubes e associações, eles

se inseriam aos poucos na sociedade brasileira, considerada obscura e “ruim” – no

trabalho de Hatugai (2011: 66), seus entrevistados (descendentes) diziam que seus avós

afirmavam que “ ‘brasileiro não gosta de trabalhar’ e sempre que lia o jornal havia noticia

de roubo, de trapaça entre brasileiros (...)’”; e Tanno (2008, 75-6), mostra por suas

pesquisas, que o preconceito dos japoneses sobre os brasileiros os colocava como pouco

melhores que os eta2 e abaixo do okinawanos – por alguns, geralmente os mais velhos.

Com o passar do tempo a imagem ruim foi se dissolvendo e até mesmo os casamentos

inter-raciais foram sendo aceitos nas gerações seguintes (HATUGAI, 2011: 67-8), a

alimentação japonesa (a primeiro momento taxada como exótica) foi sendo adaptada e

ressignificada pelos japoneses – no trabalho de Nishikido (2017), a pesquisadora

apresenta, a partir de memorias domesticas, como os imigrantes adaptaram os pratos

típicos aos ingredientes disponíveis no ambiente amazônico – e pelos brasileiros; assim

as interações se tornaram férteis, novas japonesidades e brasilidades puderam florescer.

Nestas paginas iremos trabalhar sobre três aspectos da japonesidade assisense, que

perpassam pelo Kaikan: o Yakisoba, o Kendo e o Yattaiko.

2 � Minoria étnica japonesa que dita como impura no período feudal japonês. Também conhecidos

como Burakumin (部落民).

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O KAIKAN: YAKISOBA

Um dos pratos japoneses mais assimilados pelos brasileiros. Hoje, facilmente acessível

como fast food entregue em menos de uma hora dentro caixinhas na conveniência dos

lares. Entretanto para a comunidade do Kaikan é um processo demorado e demanda a

união de todos. Segundo as palavras de Mintz (2001: 32)

Para cada indivíduo [comer] representa uma base que liga o mundo das

coisas ao mundo das idéias por meio de nossos atos. Assim, é também a base

para nos relacionarmos com a realidade. A comida “entra” em cada ser

humano. A intuição de que se é de alguma maneira substanciado –

“encarnado” – a partir da comida que se ingere pode, portanto, carregar

consigo uma espécie de carga moral.

É comum na Associação Cultural Nipo Brasileira de Assis a realização de um grande

yakisoba que é vendido com o intuito de arrecadar lucros para contribuir na manutenção

do espaço; o alimento é um importante formador, e mantenedor, da japonesidade, afinal

nessa preparação são recuperados ritos e modos de preparos típicos da mãe terra Japão. A

cozinha é um espaço de grande integração, a feitura do yakisoba reuni diferente faixa

etária. Durante esses eventos encontramos os japoneses mais velhos, sobretudo as

japonesas. Elas cozinham desde cedo, um processo que requer muitas mãos para o corte

dos legumes e carnes, outras tantas para o preparo dos molhos e mais algumas para a

limpeza dos utensílios utilizados; enquanto que aos homens cabe o atendimento ao

público. Além delas, também se encontra seus parentes e seus amigos, podendo ou não

ser um descendente. E ainda participam os membros do taiko e kendo, desde na cozinha,

na organização do salão com mesas para quem deseja saborear no próprio clube, na

limpeza dos espaços e tudo mais que for necessário.

Em resumo, o rito do comer está ligado a preparação da mesma – os poucos temperos, os

alimentos crus, o shoyu, etc. – e o modo como deve ser saboreada pelo seu consumidor –

com os hashis – fazem parte da construção do sentimento de identidade e/ou

pertencimento e/ou japonesidade de todos os envolvidos no processo (do cozinheiro ao

consumidor final). Portanto a comida faz parte da formação da japonesidade.

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Interessante dizermos que o posicionamento das mulheres mais velhas na cozinha é um

reflexo da sociedade japonesa, onde recai sobre a mulher o dever de “(re)produzir as

especifidades japonesas na família e na associação” (HATUGAI, 2011: 59).

O KAIKAN: KENDO

Em um brevíssimo resumo, Kendo é a arte da espada que praticada pelos samurais; seus

praticantes estudam o uso da espada como extensões de seus corpos. “Kendo significa

disciplinar o caráter humano através da aplicação dos princípios da espada (Katana)”

(CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE KENDO). Se fazem uso de espadas de bambu,

vestimenta e armadura apropriados para a pratica, com exercícios visando atingir a

perfeição do corpo e do espirito.

Alexandre Marcelo Taddei Ramos, o Alexandre-sensei para seus alunos, levou o Kendo

para Assis. O mesmo que antes pertencia a Associação Bandeirante de Kendo, em São

Paulo, ao mudar para Assis, não tinha como praticar, e só trainava quando viajava para a

capital paulista. Esse isolamento mudou, quando Ramos ao participar do Japan Fest, em

Marilia (uma cidade vizinha), conheceu o grupo de Kendo e um morador assisense que

também se deslocava para treinar Kendo. Num primeiro momento, os lugares dos treinos

foram improvisados, até que foram acolhidos no Kaikan. A partir de então suas relações

aumentaram, potencializou laços com outros grupos como o dojos de Bauru (SP) e

Londrina (PR) e com a Federação Paulista de Kendo. Desde que começaram os treinos já

se passou mais de uma década. Por meio do Kendo, Alexandre desenvolve projetos com

uma escola estadual, para ele tal arte ajuda da formação de caráter e leva cidadania aos

jovens.

Durante as primeiras aulas se emprestam materiais para os novos praticantes, entretanto

com o tempo os mesmos adquirem seus próprios. O desenvolvimento da Arte do

Samurai, envolve a mudança do indivíduo, interna e socialmente, enquanto aos poucos

são absorvidas as filosofias e práticas – como etiquetas, hierarquia, respeito aos mais

velhos. Fernanda Paião Franco3 definiu o kendo com as seguintes palavras: “O kendo é

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mais do que uma arte marcial sua essência é a formação de cidadãos através do

fortalecimento do caráter. Sua prática correta exige atenção a muitos detalhes e

etiquetas.”. Lourenção também afirma em suas páginas, enquanto demonstra a partir de

suas experiencias dentro do Kendo e suas relações com hierarquias, etiquetas carregadas

de simbologias, onde o saber/seguir e o não saber/seguir seriam avaliados

(LOURENÇÃO, 2011: 32).

O KAIKAN: YATTAIKO

“A etnografia das grandes feiras de animê e mangá no Brasil evidencia um cenário de

‘produção de parentesco’ entre não descendentes e descendentes, mediados pelos

processos de japonezação que atravessaram a vida brasileira.” (MACHADO, 2015: 17);

no caso assisense existe o Yattaiko, um evento nascido de André Lailhiker, inspirado pelo

Anime Friends4, queria algo semelhante na cidade, e com o apoio do Centro de Línguas

(CEL) – programa do governo estadual que oferece cursos de idiomas para jovens

estudantes a partir do 6º ano do fundamental – a primeira edição do evento, com essa

edição pioneira na própria unidade do CEL, a escola estadual Carolina Buralli, em Assis.

Da segunda até a quarta edição o grupo de taiko e Kaikan ajudaram diretamente,

enquanto que da quinta a nona edição por esforços de Lailhiker e de outras pessoas,

motivadas a não deixar que o evento acabasse, retornaram a realiza-lo.5 Sua frequência é

anual.

Este evento já ocorreu em vários locais da cidade (escolas, espaços, faculdade e, claro, no

kaikan) variando conforme as necessidades e especifidades de cada ano. No ano de 2013

(quando seria realizada a quinta edição), o evento não ocorreu por questões de os

membros organizadores haverem se mudado de cidade (em geral para cursar nível

superior em outras localidades), em 2014 o evento retornou com alguns membros novos

� Fernanda Samira Paião Franco, é uma das alunas a mais tempo no dojo.

4 � Um dos maiores eventos de cultura japonesa do país, acontece na cidade de São Paulo. Conta com presenças dubladores, youtubers, músicos nacionais e internacionais, Cosplayers, mangakas, palestras e outras atividades. Nos últimos anos tem dado espaço para o K-pop (musica pop coreana).

5 � Entrevista feita com André Lailhiker, atual organizador do evento.

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na organização, mas mantendo seu organizador original, e se afastou do Kaikan, fique

claro que isso não diminui a importância do evento ou do nikkey clube ou mesmo das

japonesidade dos mesmos.

Apresentações de taiko, cosplays, comidas típicas, mangas e animes foram presentes em

todas as edições do evento, nos eventos mais recentes ganharam espaço as músicas de J-

pop. Mesmo não sendo um evento de grande porte, a nível nacional, o Yattaiko atrai

todos os anos bons números de visitantes, os preços populares e os atrativos da festa

sempre são chamarizes efetivos. Os otakus 6assisenses e da região tem esse evento para

encontro com a cultura que tanto admiram e veem em suas telas. “Esses eventos, para

além do objetivo comercial, se constituem como espaços legítimos para a manutenção da

simbologia desse universo.” (WINTERSTEIN, 2011: 148); devemos acrescentar que no

caso apresentado, os lucros do evento são utilizados para criar um evento melhor no ano

seguinte, como nos foi dito por Lailhiker.

Além da cultura mais “tradicional” esse evento carrega eventos de toda uma modernidade

japonesa, se valendo de torneios de videogame, exibição de animes, karaokê, etc.;

segundo Winterstein (2011: 144) os mangás tem seu ápice em um Japão pós

reestruturação depois da Segunda Guerra Mundial e com economia em ascensão e

exportação de bens e culturas – através de imigrantes, principalmente –, atualmente sendo

altamente influentes, afetando até mesmo a programação das emissoras de TV; os

animes, o “desenho animado japonês”, são igualmente populares e muitas vezes baseados

em roteiro de mangás – assim como filmes e series com atores reais também bebem dessa

fonte; no Brasil essa arte sequencial tem seus pico de popularização o início do século,

junto aos animes, e claro, gerarão uma legião de fãs, aqueles mais aficionados são os

chamados otakus. A palavra tem significados diferentes, no Japão se refere a indivíduos

com dificuldades de sociabilização que preferem o mundo de mangás, personagens de

videogames e animes, um mundo virtual, enquanto que no Brasil, os indivíduos que

adotam essa alcunha tendem serem sociais, compartilhando ideias e amizades com outras

pessoas do meio, geralmente o meio virtual por redes sociais é o preferido.

6 � Otaku, no Brasil, é um termo para designar um grande fã de animes e mangás.

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(WINTERSTEIN, 2011: 145). Para Machado (2011: 17) “grandes feiras de anime e

mangá no Brasil evidencia um cenário de ‘produção de parentesco’ entre não

descendentes e descendentes, mediados pelos processos de japonesizição que atravessam

a vida brasileira.”.

O caso apresentado deixa claro a motivação por amor a cultura japonesa que é o Yattaiko,

nascido pelas mãos de não descendentes para, em primeiro momento, enriquecer a cultura

nipônica assisense e desde seus primórdios ser capaz de celebrar a japonesidade que

existia nos jovens dessa pequena cidade interiorana.

CONCLUSÃO

Mesmo sendo relativamente nova a Associação Cultural Nipo Brasileira de Assis, exatos

trinta anos, ela constrói japoneses não descendentes, fomenta a japonesidade a brasileira

da nova geração e a manutenção da japonesidade dos mais velhos.

Entretanto a questão da idade de seus membros é algo importante a se levar em

consideração quando pensamos na prolongação das atividades desenvolvidas pela

associação. Seus membros em maioria são pessoas idosas, os jovens participam das

atividades até a época dos vestibulares e depois partem para outras cidades. Notemos que

são os mais jovens que movem parte do mercado de cultura asiática, pois são eles os

maiores consumidores de mangas, animes, jogos e relacionados; e que os mesmos partem

para buscar trabalho ou estudar em outras localidades quando a fase adulta chega – como

exemplo, acima citado, o evento do ano de 2013 do Yattaiko, não efetuado por esse

mesmo motivo que assombra a Associação.

A japonesidade assisense é marcada pelas atividades do Kaikan, pois personificam e

facilitam o acesso a atividades típicas japonesas para toda a comunidade assisense.

Enquanto o mesmo fortalece o sentimento de união no grupo, enquanto cortam os

vegetais e preparam o yakisoba, enquanto participam do karaokê ou durante os eventos.

Toda essa constituição não se faz isolada no clube nikkey, sendo uma colaboração não

arquitetada, homérica e de difícil percepção entre as outras “fontes” da japonesidade,

como os restaurantes japoneses, a Seicho-No-Ie, as diversas academias de artes marciais

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japonesas, a senhora não descendente que vende sushis, além é claro da internet que

possibilita o acesso a outras fontes para o Japão imaginado.

Mesmo Assis tendo uma universidade com História e Letras Japonês a produção sobre o

Kaikan, ou as japonesidade cultivadas no território de Assis, é inexistente; espaço este

que esse primeiro artigo deseja, humildemente, ser pioneiro e problematizar essa

realidade. Conhecer esse microcosmo contribuiria para a melhor compreensão do todo da

presença japonesa no Brasil contemporâneo. Além das atividades acima analisadas que

contribuem com a formação da japonesidade, o Kaikan oferece Odori, taiko, karaokê,

esportes e outras atividades que são fontes ricas e inexploradas de expressão, identidade e

conhecimento nipo-brasileiro.

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Referencias

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