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Jardins verticais e seus efeitos no microclima urbano Dezembro/2016 1 ISSN 2179-5568 - Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 12ª Edição nº 012 Vol.01/2016 Dezembro/2016 Jardins verticais e seus efeitos no microclima urbano Natália Camila de Sousa Pedrosa [email protected] Master em arquitetura e iluminação 001 Instituto de Pós-Graduação - IPOG João Pessoa, PB, 17/10/2016 Resumo Os jardins veticais são apontados como alternativa natural à crescente aglomeração humana nos centros urbanos contemporâneos. Nesse contexto, é imprescindivel saber como foi pautada tal afirmação e como esse elemento pode interferir na maneira como vivenciamos as nossas cidades. O objetivo do estudo é avaliar de que forma os jardins verticais podem contribuir para estimular o convívio e melhorar a qualidade de vida do homem. Para tal feito foram coletados dados, teorias e citações a fim de elucidar de que modo as cidades podem ser beneficiadas com essa alternativa peculiar de interação com o verde. O resultado dá-se de forma promissora e favorável a adoção do sistema na paisagem urbana. A conclusão é que os jardins verticais não apenas representam beleza e conforto visual, mas também qualidade de vida e bem-estar para a população das grandes cidades. Palavras-chave: Jardim vertical . Vegetação . Adensamento . Microclima . Cidade. 1. Introdução A água, o ar e a terra são os ítens considerados indispensáveis na vida urbana. A vegetação, ítem crucial para determinar a qualidade dos elementos anteriores, não é vista como uma necessidade óbvia. “A cobertura vegetal, ao contrário de muitos outros recursos físicos da cidade, é relacionada pela maioria dos cidadãos mais como uma função de satisfação psicológica e cultural do que com funções físicas” (NUCCI, 2008:02). Contudo, é um erro desdenhar de seu potencial como agente transformador do espaço. Vários autores citam os benefícios que a vegetação pode trazer ao ser humano das cidades, como: estabilização de superfícies por meio da fixação do solo pelas raízes das plantas; obstáculo contra vento; proteção da qualidade da água, pois impede que substâncias poluentes escorram para os rios; filtração do ar, diminuindo a poeira em suspensão; equilíbrio do índice de umidade no ar; redução do barulho; proteção das nascentes e dos mananciais; abrigo à fauna; organização e composição de espaços no desenvolvimento das atividades humanas; é um elemento de valorização visual e ornamental; estabilização da temperatura do ar; segurança das calçadas como acompanhamento viário; contato com a natureza colaborando com a saúde psíquica do homem; recreação; contraste de texturas, mistérios e riquezas de detalhes; árvores decíduas lembrariam ao homem as mudanças de estação; quebra da monotonia das cidades, cores relaxantes, renovação espiritual; consumo de vegetais e frutas frescas; estabelecimento de uma escala intermediária entre a humana e a construída; caracterização e sinalização de espaços, evocando sua história (NUCCI, 2008:23, apud GEISER et al., 1975 e 1976; DI FIDIO, 1985; MARCUS e DETWYLER, 1972; DOUGLAS, 1983; CAVALHEIRO, 1991; FELLENBERG, 1980).

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ISSN 2179-5568 - Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 12ª Edição nº 012 Vol.01/2016 Dezembro/2016

Jardins verticais e seus efeitos no microclima urbano

Natália Camila de Sousa Pedrosa [email protected]

Master em arquitetura e iluminação 001 Instituto de Pós-Graduação - IPOG

João Pessoa, PB, 17/10/2016

Resumo Os jardins veticais são apontados como alternativa natural à crescente aglomeração humana nos centros urbanos contemporâneos. Nesse contexto, é imprescindivel saber como foi pautada tal afirmação e como esse elemento pode interferir na maneira como vivenciamos as nossas cidades. O objetivo do estudo é avaliar de que forma os jardins verticais podem contribuir para estimular o convívio e melhorar a qualidade de vida do homem. Para tal feito foram coletados dados, teorias e citações a fim de elucidar de que modo as cidades podem ser beneficiadas com essa alternativa peculiar de interação com o verde. O resultado dá-se de forma promissora e favorável a adoção do sistema na paisagem urbana. A conclusão é que os jardins verticais não apenas representam beleza e conforto visual, mas também qualidade de vida e bem-estar para a população das grandes cidades. Palavras-chave: Jardim vertical . Vegetação . Adensamento . Microclima . Cidade. 1. Introdução A água, o ar e a terra são os ítens considerados indispensáveis na vida urbana. A vegetação, ítem crucial para determinar a qualidade dos elementos anteriores, não é vista como uma necessidade óbvia. “A cobertura vegetal, ao contrário de muitos outros recursos físicos da cidade, é relacionada pela maioria dos cidadãos mais como uma função de satisfação psicológica e cultural do que com funções físicas” (NUCCI, 2008:02). Contudo, é um erro desdenhar de seu potencial como agente transformador do espaço.

Vários autores citam os benefícios que a vegetação pode trazer ao ser humano das cidades, como: estabilização de superfícies por meio da fixação do solo pelas raízes das plantas; obstáculo contra vento; proteção da qualidade da água, pois impede que substâncias poluentes escorram para os rios; filtração do ar, diminuindo a poeira em suspensão; equilíbrio do índice de umidade no ar; redução do barulho; proteção das nascentes e dos mananciais; abrigo à fauna; organização e composição de espaços no desenvolvimento das atividades humanas; é um elemento de valorização visual e ornamental; estabilização da temperatura do ar; segurança das calçadas como acompanhamento viário; contato com a natureza colaborando com a saúde psíquica do homem; recreação; contraste de texturas, mistérios e riquezas de detalhes; árvores decíduas lembrariam ao homem as mudanças de estação; quebra da monotonia das cidades, cores relaxantes, renovação espiritual; consumo de vegetais e frutas frescas; estabelecimento de uma escala intermediária entre a humana e a construída; caracterização e sinalização de espaços, evocando sua história (NUCCI, 2008:23, apud GEISER et al., 1975 e 1976; DI FIDIO, 1985; MARCUS e DETWYLER, 1972; DOUGLAS, 1983; CAVALHEIRO, 1991; FELLENBERG, 1980).

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A vegetação é um ítem de extema importância nos centros urbanos pois “é a partir dela que muitos problemas serão amenizados ou resolvidos” (NUCCI, 2008:24). O autor pontua que sua presença é essencial na avaliação do ambiente, seja em termos qualitativos ou quantitativos. A concentração populacional nas cidades figura como agente determinante para a gradativa perda de massa verde urbana. “Tradicionalmente, os fatores econômicos têm decidido o uso da terra sem levar em consideração os fatores ecológicos" (NUCCI, 2008, apud MARCUS e DETWYLER, 1972). Em solo brasileiro, essa determinação não é diferente.

Estima-se que em torno de 75% da população brasileira podia ser considerada urbana em 1990 (...) o Brasil já é um país urbano (...) as questões sociais e ambientais de maior significado para a população brasileira necessariamente vão se centrar onde existe maior densidade econômica e demográfica (NUCCI, 2008:04, apud MARTINE, 1993).

A urbanização e consequente concentração de edificações traz consigo o aumento da densidade demográfica. Esse fator acarreta na necessidade de mais espaços verdes na cidade voltados a recreação e convívio social. (NUCCI, 2008, apud MACEDO, 1987). Todavia o resultado esperado é bem diferente do real.

Figura 1 – Verticalização e ganho de área livre, mantendo-se a área construída.

Fonte: Nucci (2008) apud Lötsch (1984)

Na figura acima o autor estabalece um comparativo entre a área verticalizada e os espaços livres. Com base nos dados, afirma que, a partir de quatro pavimentos, a área verde passa a ser ignorada e seu crescimento se torna inversamete proporcional à verticalização (NUCCI, 2008).

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Dadas tais circunstancias é notavel a necessidade de expandir a mancha verde para além do solo urbano. A vegetação vem sendo incorporada a cidade de formas alternativas, extraíndo o máximo das particularidades urbanas.

Hoje, entre os materiais de um projeto, o elemento vegetal pode ser incluído como um elemento técnico: trepadeiras crescem sobre paredes, a vegetação cria sombreamento, nos telhados verdes e jardins de cobertura usam-se plantas que valorizam o projeto, não somente paisagisticamente e/ou por motivo meramente estético, mas também contribuem para amenizar/melhorar o ambiente urbano, (COSTA 2011).

Esse panorama elege a vegetação como elemento funcional da arquitetura. Os jardins verticais, objeto desse estudo, surgem, juntamente com as coberturas verdes, como agentes transformadores da paisagem urbana, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das cidades. “Os jardins verticais podem ser mais que um adendo estético, mas podem também trazer relevantes benefícios ambientais e climáticos” (COSTA, 2011). A possibilidade de extender o uso da vegetação além de sua forma convencional desencadeou a necesidade de aprofundar os estudos sobre o tema. Legislações ambientais recentemente sancionadas, como a Lei nº 18.112, da cidade de Recife, eleva o verde ao patamar de elemento funcional na arquitetura, fornecendo diversos benefícios ao microclima da cidade, além de torna-la mais atrativa visualmente. Uma vez que as coberturas verdes modificam positivamente o microclima urbano (dados serão apresentados a seguir), porque não explorar os benefícios dos jardins verticais? O objetivo desse estudo é coletar dados que confirmem a viabilidade da técnica, bem como avaliar de que forma as paredes verdes podem interferir positivamente na qualidade de vida da população citadina. A revisão bibliográfica da literatura foi adotada como metodologia para desenvolver o estudo sobre jardins verticais. Os dados, conceitos e citações coletados fornecem bagagem para levantar uma discussão sobre essa técnica e como ela pode atuar no microclima urbano, tornando a cidade mais agradável para seus usuários. 2. Jardins verticais: conhecendo a técnica Os primeiros registros de jardins verticais criados pela mão humana surgiram por volta do século 3 a.C.. O cultivo de videiras era uma prática comum na região do Mediterrâneo, com suas plantas que se desenvolviam em treliças apoiadas sobre as paredes. Alguns séculos a frente, mais precisamente na idade média, a prática das videiras inspirou a criação de um elemento. Aqui a treliça surge como elemento decorativo sendo adornada com flores, o que veio a ser muito utilizado na decoração de mansões e castelos da época. Ainda no decorrer da história, cidades alemãs passaram a utilizar a vegetação como acabamento para fachadas, a fim de reduzir custos e contribuir no isolamento térmico da edificação. (SCHERER e FEDRIZZI, 2016). Esses são os registros mais marcantes da presença de jardins verticais ao longo da história. Ainda na idade antiga, com os jardins suspensos da babilônia, a vegetação passou a ser vista como um elemento natural capaz de figurar lado a lado com a arquitetura, enriquecendo-a. O movimento Art Nouveau, surgido na transição entre os séculos XIX e XX, foi decisivo para a introdução dos jardins verticais como elemento funcional da arquitetura. Mas foi no

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modernismo que o verde foi definitivamente integrado ao elemento construído, por meio dos tetos jardins. “O uso das trepadeiras aderentes em fachadas decaiu, pois a necessidade de podas e demais cuidados regulares desestimulavam seu uso” (SCHERER e FEDRIZZI, 2016). O paisagista Roberto Burle Marx foi o primeiro brasileiro a apostar na verticalização como elemento compositivo na construção de jardins, recurso esse que utilizou em vários projetos (SCHERER e FEDRIZZI, 2016). A preocupação crescente com o meio ambiente e o advento do movimento sustentável em arquitetura trouxe novamente a tona esse recurso, que será objeto deste estudo. Jardim vertical, segundo Nunes (2014) “é uma intervenção paisagística em paredes externas e/ou internas dos edifícios, que são cobertas por vegetação através de técnicas especializadas”. Dentre as nomenclaturas mais utilizadas para esta tecnologia, são citadas expressões como paredes verdes e fachadas vivas, além dos termos ingleses living walls, green curtain e do alemão Fassadenbegrünung. Sinônimos a parte, esse elemento surge como alternativa para devolver às cidades uma parcela da cobertura vegetal que foi perdida gradativamente ao longo de séculos de adensamento urbano desordenado. No entanto, Costa (2011) afirma que “os jardins verticais não substituem de forma alguma os espaços verdes”. Esses elementos surgem como uma estrátegia para trazer um pouco da natureza em meio ao concreto, enfatizando a importância da preservação da mancha verde urbana. O preenchimento integral de paredes e fachadas com espécies vegetais configuram o exemplar mais conhecido dessa técnica. Entretanto vale ressaltar elementos como jardineiras e varandas com vegetação além de cortinas verdes como elementos responsáveis por inserir o elemento natural na arquitetura. Essa ultima tipologia é caracterizada pelo uso de vegetação trepadeira, que se desenvolve ao longo do plano vertical com o auxílio de suportes artificiais posicionados a uma determinada distância da fachada. O arquiteto chileno Enrique Browne foi pioneiro ao introduzir cortinas verdes à arquiteura contemporânea, na década de 1990. Em sua obra, a vegetação vai além da função estética. As edificações idealizadas por Bowne tem no elemento uma estratégia de controle da incidência dos raios solares no plano edificado, seja ele composto por panos de vidro ou alvenaria (SCHERER e FEDRIZZI, 2016).

O interesse do arquiteto pelo uso da vegetação evidencia-se desde o início de sua carreira, quando em seus primeiros projetos utilizava pérgolas com videiras e outras espécies para sombrear os espaços de transição entre as edificações ou entre os ambientes internos e externos. A partir da constatação que estes espaços proporcionavam grande conforto climático nas estações quentes, Enrique Browne levantou a hipótese de aplicar a vegetação para sombrear não somente superfícies horizontais, mas também fachadas verticais que sofrem intensa ação do sol, como é o caso da orientação solar Oeste. As “parrones” foram posicionadas de forma vertical, afastadas em frente às fachadas, proporcionando sombreamento também quando a altura solar é menor (SCHERER e FEDRIZZI, 2016).

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Figura 2 – Croquis do arquiteto Enrique Browne: vegetação como estratégia de sombreamento.

Fonte: Scherer e Fedrizzi (2016) apud Bowne (2007) No edifício Consorcio, projetado em parceria com o arquiteto Borja Huidobro para cidade chilena de Santiago, a técnica foi utilizada para reduzir a radiação solar na fachada de orientação oeste. Para tal resultado foi projetada uma fachada dupla: a primeira, externa, composta por um jardim vertical e a segunda, interna, formada por painéis térmicos. A fachada vegetal se transforma em um jardim vertical de 3000 m² de área, a mesma do lote. Ao longo do ano, a vegetação assume visuais distintos, conforme a época em que é vista. (PASTORELLI, 2009).

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Figuras 3 e 4 – Croquis do arquiteto Enrique Browne e fachada: vegetação como estratégia de sombreamento.

Fonte: Pastorelli (2009) e Scherer e Fedrizzi (2016) apud Germán Parra

Figura 5 – Fachada do Museu Quai Branly, em Paris.

Fonte: www.verticalgardenpatrickblanc.com

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Atualmente, o nome de referência na concepção de jardins verticais é Patrick Blanc, botânico francês que criou um novo conceito em integração entre massa edificada e paisagem viva. Os estudos realizados por Blanc nas ultimas duas décadas resultaram no desenvolvimento de um sistema singular de jardim vertical, conhecido por Le Mur Vegetal. Nesse, o paisagista recria um ecossistema composto por vegetações de características distintas, capazes de transformar o plano vertical em um mosaico vivo (COSTA, 2011). Dentre as suas criações está o jardim vertical do Museu Quai Branly, em Paris, desenvolvido no ano de 2004, a convite do arquiteto francês Jean Nouveal. Na fachada do museu Blanc executou um sistema singular apontado como o início de um novo ciclo na relação entre arquitetura e vegetação. Patenteada, a técnica criada por Patrick Blanc pode ser apreciada em várias edificações ao redor do mundo (COSTA, 2011). É importante frisar que, embora se trate de uma técnica recente no cenário da arquitetura, os jardins verticais apresentam benefícios que vão além da estética e da tentativa de reinserir o verde na zona urbana. As coberturas verdes que atualmente vigoram como alternativa de compensação ambiental em cidades como Paris, Cingapura e Recife, apresentam particularidades capazes de interferir diretamente no microclima urbano. Baldessar (2012:) salienta que “o emprego de vegetação nestes densos ambientes construídos pode-se ajudar no conforto térmico utilizando as propriedades térmicas das vegetações, que ao entrarem em processo de evapotranspiração esfriam a temperatura ambiente do edifício”. Segundo Laar e Grimme (2006), estudos realizados na cidade de Cingapura, que possui um clima similar ao do Rio de Janeiro, comprovam que o uso de cobertura verde nas edificações possibilita a redução anual de 14,5% no consumo de energia elétrica na zona urbana. Esse percentual se dá pela expressiva redução da temperatura gerada pela incidência solar em telhados verdes em contraponto as coberturas em concreto. Tendo em vista a escala urbana, Scherer e Fedrizzi (2016) afirmam que os efeitos dos jardins verticais na redução da temperatura são ainda mais expressivos que os obtidos pelas coberturas verdes dada a superioridade da área do plano vertical em relação a área da cobertura. Vale salientar que esses fatores aplicam-se, principalmente, a edificações com um número considerável de pavimentos e que tais efeitos influem no conforto ambiental e na redução de consumo de energia elétrica para resfriamento interno. É importante frisar que o adensamento da vegetação na fachada é crucial para a expressividade dos resultados obtidos pelo uso da tecnologia. No entanto esse conjunto de fatores pode funcionar de forma particular em diferentes zonas climáticas.

A estrutura conceitual de um jardim vertical do tipo intensivo, ou parede viva, se assemelha a uma fachada ventilada, uma vez que a forma de fixação dos módulos gera uma camada de ar entre a parede. Por este motivo, suas vantagens são restritas ao verão e em locais de clima muito quente. (SCHERER E FEDRIZZI,2016 apud GARRIDO, 2011).

Com base nos dados coletados é possível relacionar os jardins verticais e o clima da região nordeste, considerando o elemento natural como uma possível alternativa para atenuação dos efeitos do microclima urbano. 2.1 Pontos positivos do sistema

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De acordo com Green roofs (2008), os benefícios promovidos pelos jardins verticais variam conforme fatores como a densidade da vegetação especificada, o clima local e escala do projeto. O autor afirma ainda que tais benefícios vão além do que se pode constatar no interior edificado. A organização classifica esses resultados em duas categorias: benefícios privados, voltados exclusivamente à edificação, e benefícios públicos, onde a comunidade compartilha dos pontos positivos do sistema. Tal classificação será explorada nos quadros a seguir.

Área de impacto

Descrição Benefícios

Eficiência energética

Melhoria da capacidade de isolamento térmico através da regulação da temperatura externa. O nível de economia depende de fatores como o clima, área da fachada e densidade da cobertura vegetal. Isso pode afetar a refrigeração e o aquecimento no interior da edificação.

Limita o movimento de calor através da densa massa vegetal;

Reduz a temperatura ambiente através de sombreamento e processo de evapotranspiração;

Amortecimento contra o vento durante o inverno;

Em interiores pode reduzir a energia associada ao aquecimento e arrefecimento do ar.

Proteção da estrutura do

edifício

Os edifícios são expostos aos elementos atmosféricos e ao longo do tempo alguns materiais de construção podem se deteriorar como resultado da contração e expansão devido as mudanças climáticas e ciclos de exposição aos raios UV.

Proteger acabamentos externos da radiação UV, dos elementos e oscilações de temperatura que desgastam os materiais;

Diminui os efeitos da pressão do vento, reduzindo a tensão do ar nas portas, janelas e revestimentos.

Melhoria da qualidade do

ar interno

Em interiores, jardins verticais filtram agentes contaminantes que geralmente são levados para fora dos edifícios através de sistemas de ventilação tradicional. A filtragem é realizada pelas plantas e, no caso de bio-filtragem, por micro-organismos.

Capta poluentes transportados pelo ar, como a poeira;

Filtra gases nocivos e compostos orgânicos voláteis dos móveis e itens de decoração.

Redução de ruído

A medida que crescem, sistemas de parede viva contribuem para a redução dos níveis de ruídos sonoros. Fatores que influenciam na redução do ruído incluem a profundidade da estrutura do jardim vertical, os materiais usados como componentes estruturais do sistema e cobertura vegetal especificada.

Marketing A estética do edifício influencia na comercialização do metro quadrado construído, interferindo diretamente na valorização do espaço.

Quadro 1 – Benefícios privados dos jardins verticais. Fonte: Adaptado de Green roofs (2008). Tradução livre

Área de impacto

Descrição Benefícios

Redução dos efeitos das

ilhas de calor

Ilha de calor é o aumento da temperatura em áreas urbanas causada pela substituição de espaços verdes por edifícios e outras estruturas necessárias à acomodação do crescimento populacional. Isso resulta na conversão da luz solar em calor. A vegetação esfria o edifício e a área circundante através dos processos de sombreamento, reduzindo o calor refletido e a evapotranspiração.

Promove processos de resfriamento natural;

Reduz a temperatura ambiente em áreas urbanas;

Quebra do fluxo de ar vertical que, após resfriar o ar, retarda seu aquecimento;

Superfícies sombreadas para pessoas.

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Melhoria da qualidade do

ar externo

Temperaturas elevadas em ambientes urbanos com um número crescente de veículos, condicionadores de ar e poluição industrial tem levado ao aumento dos óxidos de azoto (NOx), óxidos de enxofre (SOx), compostos orgânicos voláteis (COV), monóxido de carbono (CO) e de partículas.

Capta poluentes do ar e da deposição atmosférica na superfície das folhas;

Filtra gases nocivos e partículas.

Estética

Paredes verdes oferecem beleza a ambientes onde as pessoas desenvolvem suas atividades diárias. Estudos relacionam a presença de plantas na melhoria da saúde humana e no bem-estar mental.

Cria interesse visual; Disfarça características desagradáveis; Aumenta o valor da propriedade; Fornece elementos estruturais

independentes e interessantes. Quadro 2 – Benefícios públicos dos jardins verticais.

Fonte: Adaptado de Green roofs (2008). Tradução livre Para Loh (2008) os jardins verticais colaboram para o aumento da biodiversidade e produção urbana de alimentos, através das chamadas hortas verticais. O aumento da flora e fauna nativas foi registrado em edificações com coberturas verdes o que permite esperar resultados semelhantes em jardins verticais. 2.2 Pontos negativos do sistema Dentre os fatores que influem negativamente na adoção de jardins verticais está o custo elevado da técnica. “A crítica comum aos jardins verticais é que os custos de construção e manutenção não são compatíveis com os benefícios gerados” (COSTA, 2008). Entretanto, a similaridade dos ecossistemas formados por jardins verticais e coberturas verdes é um fator que se opoe a crítica, uma vez que os benefícios dos tetos jardins são cientificamente comprovados, tornando-se alvo de políticas públicas. Os custos com mautenção e irrigação também são aspectos a serem observados. Alguns sistemas necessitam que grandes volumes de água e nutrientes sejam revertidos a sua irrigação, o que, segundo Vialard (2010:28) pressupõe que jardins verticais não se tratam de uma tecnologia completamente verde, dado seu elevado consumo de insumos. 2.3 Tipos de jardins verticais Como já foi citado anteriormente, existem diversas alternativas para a concepção de jardins verticais, a exemplo de cortinas verdes e jardineiras. Entretanto, para produção de paredes verdes, existem três sistemas cujas tecnologias empregadas sintetizam os benefícios inerentes ao adensamento de vegetação no plano vertical, seja ele uma fachada, um muro ou uma parede interna. Loh (2008) e Costa (2011) classificam os sistemas da seguinte forma:

Tipo de sistema Descrição

Sistema painel (Panel system)

Sistema composto por painéis pré-plantados que são conectados a uma estrutura de suporte, normalmente executada em metal. A esse é adicionado um sistema mecânico de irrigação. É considerada uma tecnologia de alto custo.

Sistema com superfícies porosas

(Felt system)

Nesse sistema, as espécies vegetais são colocadas em bolsas (preferencialmente em feltro) que, por sua vez, são fixadas por trás em uma estrutura de suporte. Uma segunda estrutura em PVC garante a impermeabilização da fachada. As bolsas são mantidas continuamente úmidas. Essa tecnologia foi desenvolvida pelo botânico Patrick Blanc e é considerada de médio custo.

Sistema de container e vasos

Cultivadas em vasos, as plantas podem ser verticalizadas por veio de treliças. A irrigação acontece por gotejamento acionado por sensores. É considerado um sistema de custo médio-

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(Container system) baixo. Quadro 3 – Classificação dos jardins verticais. Fonte: Adaptado de Loh (2008) e Costa (2011)

Figuras 6, 7 e 8 – Sistema painel, sistema com superfícies porosas e sistema de container e vasos.

Fonte: Ocean home; Movimento 90°; Scherer e Fedrizzi apud Acervo Greenkeys Project O sistema com superfícies porosas (Felt system) é o método utilizado pelo botânico Patrick Blanc na sua obra. Nos bolsões de feltro, o paisagista introduz as mudas vegetais que sobrevivem sem a terra, uma vez que o tecido atua como musgo artificial. Os materiais utilizados permitem que a vegetação cresça abundantemente e preencha o muro. Permite ainda a interação outras formas de vida, como pássaros e pequenos animais A irrigação controlada fornece água e os nutrientes necessários ao desenvolvimento das espécies, que são escolhidas de acordo com sua capacidade de crescimento e adaptabilidade ao novo ecossistema (COSTA, 2011).

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Figura 9 – Detalhamento dos sistemas de paredes verdes, conforme sua classificação.

Fonte: Loh (2008) 2.4 Difusão do sistema e políticas públicas de incentivo O arquiteto chileno Enrique Browne e o botânico francês Patrick Blanc foram os pioneiros no desenvolvimento da tecnologia dos jardins verticais. Seus estudos e esforços no aperfeiçoamento da técnica, bem como sua obra, são referência para vários profissionais na concepção de paredes verdes em sintonia com projetos de arquitetura (COSTA, 2011). No Brasil, o grupo Movimento 90°, composto por arquitetos e paisagistas difunde uma técnica inspirada no trabalho de Blanc. A cidade de São Paulo, mais especificamente os corredores urbanos ao redor do Elevado Presidente Costa e Silva, popularmente conhecido como Minhocão, receberão nos próximos anos uma média de 20 jardins verticais, instalados em empenas cegas de edifícios antigos. Os primeiros jardins começaram a ser construídos ainda no ano de 2015 e sua execução e manutenção são realizadas através de uma parceria com a prefeitura de São Paulo e com empresas privadas, além de contar com a participação massiva da população. Em meados de 2015, a iniciativa foi implementada no Termo de Compromisso Ambiental (TCA), como alternativa para devolver o verde a cidade mais adensada do país (MOVIMENTO 90°). O sistema com superfície porosa é adotado na construção dos jardins verticais promovidos pelo grupo, que também utiliza outros recursos sustentáveis como reservatórios com água de reuso para irrigar a parede viva (MOVIMENTO 90°). A seguir um esquema de como é montado um jardim vertical idêntico aos que serão instalados nas empenas cegas da capital Paulista.

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Figura 10 – Os sistemas de jardins verticais na cidade de São Paulo.

Fonte: Movimento 90° 3. Relação entre espaço urbano e microclima O crescimento das cidades está intimamente ligado aos avanços tecnológicos pelos quais a humanidade passou ao longo dos séculos. A revolução industrial, ocorrida em meados do século XVIII, figura como um dos acontecimentos históricos de grande impacto no desenvolvimento urbano. (PENSO CIDADE, 2010). Na época, a agricultura perdeu espaço para uma complexa cadeia produtiva, o que obrigou muitos camponeses a migrarem para a zona urbana em busca de melhores oportunidades de trabalho. Tal êxodo fez com que as cidades modernas crescessem em ritmo acelerado, gerando sérios problemas à população citadina. A ausência de planejamento urbano na expansão das cidades impulsionou o surgimento de aglomerados populacionais que, por sua vez, instalavam-se em áreas próximas as grandes fábricas. Essa ocupação desordenada estendeu-se, inclusive, ao longo de paisagens naturais e espaços de convívio coletivo, privando a zona urbana da presença do verde (PENSO CIDADE, 2010). As mudanças ocorridas na idade moderna foram determinantes na concepção do modelo urbano atual. As grandes cidades, cada vez mais populosas, tem o ser humano como agente

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modificador de sua paisagem, transformando-a de acordo com os seus interesses particulares. "As pressões exercidas pela concentração da população e de atividades geradas pela urbanização e industrialização concorrem para acentuar as modificações do meio ambiente, com o comprometimento da qualidade de vida" (NUCCI, 2008: 12 apud MONTEIRO, 1987). Dessa forma o verde vai, continuamente, perdendo espaço no solo urbano e em seu lugar é impulsionado o adensamento, a verticalização e a impermeabilização do solo. Barbosa (2005) aponta a zona urbana como um ecossistema adaptado ao homem.

O homem, enquanto agente ativo do meio que o circunda, modificou o ecossistema natural e criou seu próprio habitat: a cidade. Esse ambiente, embora construído, constitui um ecossistema próprio, produto das ações sociais e econômicas do indivíduo que revela, ainda, aspectos políticos e culturais, os quais os modelos biológicos não conseguem explicar. Assim, pode-se entender o ambiente urbano como um ecossistema peculiar adaptado as necessidades da espécie humana. O funcionamento do mesmo implica na configuração de um metabolismo próprio, responsável pela maioria das modificações ambientais da cidade. (BARBOSA, 2005:07).

A concentração de edificações e de superfícies pavimentadas e impermeáveis estabelece uma complexa relação entre a qualidade de vida humana e o microclima urbano. Entende-se microclima como um conjunto de condições climáticas, dentre elas temperatura, umidade, pluviosidade e sensação térmica, encontradas em uma pequena área no interior da zona urbana. Dentre os efeitos mais significativos do microclima estão as ilhas de calor. Scherer e Fedrizzi (2016) as definem como um fenômeno no qual a temperatura do ar, em seu interior, é mais elevada do que na paisagem natural circundante. Esse efeito é diretamente influenciado pelo excesso de superfícies pavimentadas e impermeabilizadas que absorvem, retém e refletem as emissões de raios ultravioletas. As ilhas de calor são ainda agravadas pela poluição do ar e pela quantidade de vegetação presente nas zonas urbanas.

Com a urbanização tem-se um aumento da impermeabilização ocasionada pela inescrupulosa ocupação do solo por concreto. Os corpos d'água e os espaços livres vegetados não encontram lugar na luta pelo espaço. A verticalização faz com que a superfície de concreto, com alta capacidade térmica, aumente. Todo este procedimento leva a uma diminuição da evaporação, a um aumento da rugosidade e da capacidade térmica da área. Estas três modificações são os principais parâmetros que determinam a ilha de calor encontrada nas grandes metrópoles (NUCCI, 2008:12 apud MYRUP, 1969 in LOMBARDO, 1985).

Como consequência da ilha de calor urbana, temos a formação de uma circulação singular do ar. “O ar da região central se aquece e sobe, e o ar da periferia converge para o centro da cidade, onde se encontra o pico da ilha de calor, formando-se, assim, um domo de poluição sobre a cidade” (Nucci, 2008:13). O ar que surge da região periférica da cidade, limpo e úmido (considerando que a periferia ainda não é uma região poluída), atravessa a cidade desprovida de áreas verdes e com grande movimentação de veículos. Esse ar torna-se cada vez mais poluído à medida que segue o seu percurso, o que diminui gradativamente a sua umidade relativa. Dessa forma, chega ao centro já comprometido, concentrando partículas poluidoras na região central da cidade (NUCCI, 2008).

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Deve-se lembrar que a ilha de calor, quando instalada, dificulta ou mesmo impede a troca de ar da cidade com seu entorno não urbanizado, e a circulação do ar passa a processar-se, internamente, de forma viciada. (NUCCI, 2008:13 apud CAVALHEIRO, 1991).

Figura 11 – Perfil da ilha de calor urbana.

Fonte: EPA No entanto, Barbosa (2005) pontua que tais fenômenos podem ser atenuados com a implantação de políticas públicas que direcionem as cidades a um crescimento planejado.

Não se deve, com isso, considerar o processo de expansão das áreas urbanas como fator adverso do desenvolvimento sustentado das cidades, mas efetivar a necessidade do crescimento planejado das áreas de expansão urbana, o qual tenha por base as questões urbano-ambientais. Dessa forma, procura-se mitigar o crescimento desordenado e a consequente degradação ambiental – produto dessa ação -, comprometendo a qualidade de vida dos habitantes urbanos. (BARBOSA, 2005:10).

“Uma ideal ventilação deve prever o efeito de funilamento a favor da brisa que vem do campo, produzida pelo efeito da ilha de calor, que carrega ar limpo para os centros urbanos” (NUCCI, 2008:13 apud MARCUS e DETWYLER, 1972). De acordo com os autores, o sistema de ventilação de qualidade pode ser obtido por meio da introduçao de áreas verdes, que também atuariam na despoluição no interior do domo de poeira. O autor desconhece a existência de legislação diretamente voltada aos jardins verticais. Todavia, tecnologias ecoeficientes como coberturas verdes têm sido incentivadas por políticas públicas em grandes cidades. No nordeste brasileiro, a prefeitura da cidade de Recife sancionou, no ano de 2015, a lei nº 18.112, onde decreta a obrigatoriedade da instalação de coberturas verdes em edificações não residenciais com área superior a 400 m² e residências com mais de quatro pavimentos. A adoção da medida tem como foco reduzir os efeitos causados pelas ilhas de calor. Dada a aproximação entre os resultados de ambas as tecnologias, é possível estimar que, num futuro próximo, políticas voltadas especificamente aos jardins verticais sejam comuns em grandes centros urbanos.

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4. Contribuição dos jardins verticais na atenuação do microclima urbano Estudos confirmam que a presença do verde na zona urbana é um fator que influencia diretamente na qualidade de vida de seus habitantes. “A vegetação, utilizada como elemento funcional na arquitetura, colabora no controle da radiação solar, temperatura e umidade do ar, atua como barreira na ação dos ventos e chuva e ainda na atenuação da poluição atmosférica” (SCHERER e FEDRIZZI, 2016 apud GARRIDO, 2011). Tais benefícios estão diretamente relacionados a inserção dos jardins verticais à paisagem urbana.

Os edifícios não deveriam ser considerados como obstáculos ecológicos (...) Nas zonas densamente edificadas se incrementariam espaços vitais para as plantas e animais, aproveitando os telhados e muros exteriores (...) O reverdecimento de telhados pode compensar o stress do centro urbano densamente construído e, ao mesmo tempo, servir de espaço verde perto das zonas residenciais. Podem ter um uso recreativo e conduzir a uma melhora do clima urbano e a conservação da água na cidade (...) As fachadas reverdecidas também exercem influências positivas no bem-estar geral, tais como uns bons efeitos na psique do público e uma melhora do clima urbano (NUCCI, 2008:26 apud Sukopp e Werner, 1991).

Em projetos ecoeficientes, vários fatores devem ser analisados, como a área a ser revestida pela vegetação, a especificação correta das espécies e a densidade da camada verde. A orientação solar e a ação dos ventos também são elementos importantes a serem considerados. Massas verdes densas são mais eficientes na proteção contra a incidência solar uma vez que maior parte dos raios UV são absorvidos pelas plantas e utilizados em seu processo metabólico (fotossíntese). Como a vegetação irradia pouco calor, os raios não absorvidos são dissipados na atmosfera reduzindo a temperatura no interior do edifício.

Figura 12 – Esquema sobre a incidência dos raios solares em vegetações densas e ralas.

Fonte: Torre (1999) Scherer e Fedrizzi (2016) acrescentam que a evapotranspiração das plantas resulta na refrigeração do ar antes que esse penetre no edifício. Isto é, a água perdida pela transpiração

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das plantas é dissipada na atmosfera, tornando o ar mais úmido e fresco. O sistema adotado e o método de instalação do jardim vertical estimulam ainda outras possibilidades de resfriamento. “Dependendo da forma de instalação, promove a ventilação pelo efeito chaminé, ou seja, o ar com temperatura mais amena entra pela parte inferior da cortina verde e o ar quente é expelido pela parte superior” (SCHERER e FEDRIZZI, 2016). A especificação correta das espécies também influi diretamente no resultado positivo do sombreamento da edificação.

A quantidade de sombreamento a ser fornecido pode ser manipulada, dependendo das espécies selecionadas, do sistema utilizado para fixação e apoio da planta e da altura definida como área a ser coberta pela vegetação. As densidades podem ser pensadas desde uma camada muito leve com menos de 10% de cobertura, até um fechamento quase total, de 80% ou mais. (SCHERER E FEDRIZZI,2016 apud HOPKINS E GOODWIN, 2011).

Os jardins verticais atuam também como agentes purificadores da atmosfera. “As plantas, associadas aos micro-organismos, atuam como superfície de limpeza. Gases e partículas poluentes são retirados do ar, lentamente decompostos e mineralizados, tornando-se adubo”. (COSTA, 2011). Além disso, a vegetação também age como uma barreira contra a poluição sonora, reduzindo os níveis de ruído e propagação do som. Costa (2011) enxerga os jardins verticais como uma importante alternativa na preservação da biodiversidade. A tecnica possibilita recriar um ecossistema semelhante ao ambiente natural, composto por diversas formas de vida. Acrescido a esses fatores está a beleza do sistema, que tem um grande apelo ornamental. Os jardins verticais trazem elementos da natureza ao meio urbano e repercutem positivamente na qualidade de vida da população, uma vez que as plantas têm potencial antiestresse e relaxante. Embora experimentos confirmem a viabilidade e os benefícios dos jardins verticais, agentes como custo inicial elevado, manutenção e mão-de-obra especializada influenciam na tomada de decisão sobre a adoção da tecnologia. Existe ainda o receio de que o crescimento da vegetação possa, no futuro, comprometer a estrutura e os revestimentos do edifício. Tais danos ocorrem em situações onde a especificação das plantas é inadequada e incompatível com o clima local. “Na maioria dos casos, o oposto é verdadeiro, a cobertura vegetal serve como proteção para os componentes da parede, prolongando sua vida útil” (SCHERER e FEDRIZZI, 2016 apud VAN BOHEMEN, FRAAIJ e OTTELE, 2008). A concepção de um jardim vertical engloba uma série de fatores a serem estudados para que seu resultado seja compatível não só com a estrutura da edificação como também com os benefícios inerentes à técnica. Cada microclima possui suas peculiaridades e essas devem estar alinhadas desde a escala do projeto até a especificação da vegetação a ser utilizada. 5. Considerações finais A relação com o verde vai muito além do aspecto ornamental. Trazer a paisagem natural para a cidade reflete diretamente no bem estar da população, estimulando o convívio humano e a qualidade de vida. Contudo, à medida que a concentração populacional cresce, as áreas verdes perdem espaço para o concreto, condicionando as cidades a desordens climáticas localizadas, a exemplo das ilhas de calor. Os jardins verticais surgem como elemento complementar para reverter o desequilíbrio causado pelo adensamento e impermeabilização do solo urbano.

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Os dados apresentados vêm a estimular a adoção da técnica em planos verticais outrora condicionados a barreiras térmicas e visuais. Os benefícios apontados refletem uma nova dinâmica no que diz respeito à qualidade do espaço edificado. Dada a crescente busca por paradigmas que direcionem a cidade a caminhos mais ecológicos e sustentáveis, os jardins verticais apresentam-se como potencial solução para auxiliar na humanização dos grandes centros urbanos. 6. Referências BALDESSAR, Silvia Maria Nogueira. Telhado verde e sua contribuição na redução da vazão da água pluvial escoada. Curitiba: UFPR, 2012. BARBOSA, Ricardo Victor Rodrigues. Áreas verdes e qualidade térmica em ambientes urbanos: estudo em microclimas de Maceió (AL). São Carlos: USP, 2005. COSTA, Carlos Smaniotto. Jardins verticais: uma oportunidade para as nossas cidades? Jul. 2011. Disponível em:<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em: 29 fev. 2016. Introduction to Green Walls Technology, Benefits and Design. Estados Unidos: Greenroofs org, 2008. LAAR, Michael; GRIMME, Friedrich Wilhelm. Thermal comfort and reduced flood risk through green roofs in the Tropics. In: Suíça: Conference on Passive and Low Energy Architecture, 9., 2006, Suíça. LOH, Susan. Living walls - a way to green the built environment. BEDP Environment Design Guide, Austrália, 23 out. 2009. Disponível em: <http://www.environmentdesignguide.com.au>. Acesso em: 24 fev. 2016. Movimento 90°. Disponível em: < http://www.movimento90.com>. Acesso em: 24 fev. 2016. NUCCI, João Carlos. Qualidade ambiental e adensamento urbano: um estudo de Ecologia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Cecília. 2. ed. Curitiba: O Autor, 2008. NUNES, Cristiane. Jardins verticais: Vantagens e aplicações. Rio de Janeiro: out. 2014. Disponível em: <http:// sustentarqui.com.br>. Acesso em: 29 fev. 2016. Ocean Home. Disponível em: <http://www.oceanhomemag.com>. Acesso em: 04 mar. 2016. PASTORELLI, Giuliano. Edificio Consorcio sede Santiago: Enrique Browne e Borja Huidobro. Jan, 2009. Disponível em:<http://www.plataformaarquitectura.cl>. Acesso em: 25 fev. 2016.

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