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Edição de Agosto/Setembro de 2011, do Jornal do Exército, sob a direcção do Coronel de Infantaria José Custódio Madaleno Geraldo.

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Agosto/Setembro 2011 I Sumário

PROPRIEDADE DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITODirecção, Redacção e Administração: Largo de S. Sebastião da Pedreira, 1069-020 Lisboa, Telef: 213 567 700, Fax Civil: 213 567 791 Militar: 414 091,E-mail: [email protected], [email protected], E-mail - Intranet: Jornal do Exército, Home page: www.exercito.pt DIRECÇÃO -Director: Coronel de Infantaria José Custódio Madaleno Geraldo; Sub-Director: Tenente-Coronel J. Pinto Bessa; Secretária: Ass. Téc. TeresaFelicíssimo. REDACÇÃO - Chefe: Tenente-Coronel J. Pinto Bessa; Assistente de Redacção: 1.º Sargento Anjos Das Neves; Redactores: Alferes RCNelson Cavaco, Alferes RC Filipa Domingos, Dr. Mauro Matias; Operadoras Informáticas: Assistente Técnica Elisa Pio, Assistente Técnica GuiomarBrito; SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS - Chefe: Tenente-Coronel Augusto Correia; Auxiliares Sargento-Ajudante João Belém, Sargento-Ajudante LuísSilva; Operadoras Informáticas: Assistente Técnica Joana Moita; Assistente Técnica Tânia Espirito Santo; COLABORAÇÃO FOTOGRÁFICA - Lusa- Agência de Notícias de Portugal, SA; Centro de Audiovisuais do Exército RCRPP/GabCEME; EXECUÇÃO GRÁFICA - PERES - SOCTIP IndústriasGráficas, SA, Estrada Nac. 10, Km. 108,3 - Porto Alto, 2135-114 Samora Correia, Telef. 263 009 900 - Fax 263 009 999, [email protected] - 6 000 exemplares Depósito Legal - nº 1465/82 ISSN - 0871/8598

Os artigos publicados com indicação de autor são da inteira responsabilidade dos mesmos, não reflectindo, necessariamente, o pensamento da Chefia do Exército Português

ÓRGÃO DE INFORMAÇÃO, CULTURA E RECREIO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, CRIADO POR PORTARIA DE 14JUL60

Capa

Monumentos com História MilitarMonumento a D. Nuno Álvares Pereira – 4

Editorial – 5Figuras e Factos – 8

O Pioneirismo da Otorrinolaringologia noHospital Militar da Estrela em Portugal – 38

In memoriam e Livros – 42

Suplemento Banda Desenhada:“A Morte do Lidador” Pág: IX ao Fim

Campo Maior e as Invasões FrancesasPrecedentes Históricos - Enquadramento

Estratégico – 22

Hortofrutícola Castrense – 16A Política de Defesa portuguesa

antes e durante a Guerra Colonial – 32

Foto: Alferes RCFilipa Domingos

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Monumentos com História Militar

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O Monumento com história militar a quedamos destaque este mês (cujo autor é oMestre Soares Branco), encontra-se na SalaElíptica, no Museu da Escola Prática de

Infantaria, em Mafra, que recentemente comemorou o seucentenário.

D. Nuno Álvares Pereira, também conhecido como o SantoCondestável, Beato Nuno de Santa Maria, hoje São Nuno deSanta Maria, ou simplesmente Nun' Álvares, nasceu a 24 deJunho de 1360 em Cernache do Bomjardim. Foi um nobre e

guerreiro português do século XIV que desempenhou um papelfundamental na crise de 1383-1385, onde Portugal jogou a suaindependência contra Castela. Nuno Álvares Pereira foi também2.º Condestável de Portugal, 38.º Mordomo-Mór do Reino, 7.ºConde de Barcelos, 3.º Conde de Ourém e 2.º Conde de Arraiolos.

Considerado um dos melhores generais portugueses, D.Nuno Álvares Pereira foi um dos primeiros portugueses a apoiaras pretensões de D. João, o Mestre de Avis à Coroa, que a 6 deAbril de 1385 foi reconhecido pelas Cortes em Coimbra comoRei de Portugal.

A sua primeira vitória foi frente aos castelhanos na batalhados Atoleiros, em Abril de 1384, tendo por essa altura o Mestrede Avis nomeado D. Nuno Condestável de Portugal e Condede Ourém.

Camões, em sentido literal ou alegórico, explícito ou implícito,faz referência ao Condestável nada menos que 14 vezes em “OsLusíadas”, chamando-lhe o “forte Nuno” e logo no primeirocanto (12ª estrofe) é evocada a figura de São Nuno, ao dizer“por estes vos darei um Nuno fero, que fez ao Rei e ao Reino umtal serviço”.

A 14 de Agosto de 1385, D. Nuno Álvares Pereira mostra oseu génio militar ao vencer a batalha de Aljubarrota à frente deum pequeno exército de 6.000 portugueses e aliados ingleses,contra as 30.000 tropas castelhanas de D. Juan I de Castela. Abatalha deu-se no campo de S. Jorge, nas imediações da vila deAljubarrota, entre Leiria e Alcobaça, mesmo no centro dePortugal. Esta foi uma batalha muito importante pois consolidoua independência portuguesa e a afirmação incontestável de D.João I como Rei de Portugal.

Grande chefe militar e 11.º santo português, casou aos 16anos e teve três filhos. A sua filha casou com um filho naturalde Dom João I, Dom Afonso, o primeiro Duque de Bragança.

Após a morte da sua mulher, D. Leonor de Alvim, entrou naOrdem Carmelita em 1423, no Convento do Carmo em Lisboa,que fundara em cumprimento de um voto. Toma o nome deIrmão Nuno de Santa Maria e permanece até à sua morte, ocorridaem 1 Novembro de 1431, com 71 anos. Diz-se que a certa alturaum enviado do Rei de Castela o terá visitado no convento e ter-lhe-á perguntado qual seria a sua posição se o Rei de Castelamandasse invadir novamente Portugal.

O Irmão Nuno de Santa Maria terá levantado o seu hábitocarmelita, fazendo ver por baixo deste o vestido com a cota demalha, indicando a sua disponibilidade para servir o seu paíssempre que necessário.

Imortalizado em esculturas, no Arco da Rua Augusta, naPraça do Comércio, em Lisboa, no castelo de Ourém e naFlor da Rosa, um dos dois locais apontados como sua terranatal, São Nuno foi canonizado pelo Papa Bento XVI em 26de Abril de 2009. Tem como templo principal a Igreja doSanto Condestável, em Lisboa, e a sua festa litúrgicacomemora-se a 6 de Novembro.

Alferes RC Filipa Domingos

Monumento a D. Nuno Álvares Pereira

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Agosto/Setembro 2011 I Editorial

INFORMAR PARA BEM SERVIR

José Custódio Madaleno GeraldoCoronel de Infantaria

Quando se fala em crise de valores e de princípios vêm-nos à memória aqueles homens que fizeram História.Porque, como alguém disse um dia, a História de um povo é a História dos grandes homens e das grandesmulheres. Os seus exemplos são intemporais, tal como a sua glória e a sua fama. Sacrificaram as suas vidas aoserviço do bem comum, do seu povo e da sua Pátria. Graças a eles, hoje continuamos a ser cidadãos portugueses.

Não podemos cruzar os braços. Temos que exercer os nossos deveres de cidadãos, tanto na vida militar como na vida civil. Atodos servem os bons exemplos. Um dos mais carismáticos foi o santo e guerreiro D. Nuno de Santa Maria Álvares Pereira.Patrono da Infantaria, que teve o seu dia comemorativo no passado 14 de Agosto, na Escola Prática de Infantaria. Esteve apresidir a cerimónia, da qual damos conta neste número, o Ministro da Defesa Nacional, Dr. José Pedro Aguiar Branco. D. NunoÁlvares Pereira estava também presente no espírito de todos os Infantes, assim como os seus valores e princípios, firmes comoo Monumento de Mafra que testemunhou a cerimónia. Mas que homem é este que, passados 626 anos desde a sua vitória emAljubarrota, ainda continua a ser uma farol que nos ilumina, uma força inspiradora que nos aglutina, um verdadeiro líder quenos guia até ao triunfo? Não há dúvida que, tanto na guerra como na paz, os verdadeiros chefes se distinguem. Van der Goltz,um grande escritor alemão, deixou o seguinte testemunho, há mais de um século:

“Se as classes dirigentes dispõem de predicados superiores, ilustração, firmeza e tino administrativo, o povo será viril,enérgico e apto para tudo; se, ao contrário, aquelas classes se enervam mostrando tibieza em todos os actos públicos, a suadecadência arrasta a da nação inteira, salvo se uma convulsão violenta na sociedade vier suprimi-las antes e substitui-las poroutras melhor inspiradas.”

Na nossa modesta opinião, cremos que falar aos mais novos das virtudes de Nuno Álvares Pereira é apontar-lhes umexemplo dos mais notáveis que reza a nossa história, tais foram as virtudes do

“…ValorosoClaro libertador da pátria terra,

Que imortal fez seu nome e gloriosoEm armas, em justiça, em paz e em guerra…”

[Rodrigues Lobo]

Para além de algumas notícias de relevo, sobre o nosso Exército, que marcaram este período, destacam-se também artigosricos em história e plenos de actualidade. O Engenheiro Eduardo Zúquete traz-nos à memória as suas vivências militares dadécada de 50, com a graça e as subtilezas que caracterizam a sua escrita, no artigo que intitulou “Hortofrutícola Castrense”. OMajor Silveirinha conduz-nos ao período das Invasões Francesas através do artigo “Campo Maior e as Invasões Francesas”,um resumo exaustivo dos acontecimentos que marcaram a época e “a forma indómita e corajosa” como a população de CampoMaior se comportou durante o cerco de 1811 são alguns dos registos importantes. O Dr. Rui Dias Sena oferece-nos um artigoque se intitula “A Política de Defesa Portuguesa antes e durante a Guerra Colonial”. Com oportunidade, pelo momento detransformação na Saúde Militar, podemos ler o artigo “O Pioneirismo da Otorrinolaringologia no Hospital Militar da Estrela emPortugal”. Para os amantes da banda desenhada José Pires prenda-nos com as últimas páginas da bela história “O Lidador” ,que nos tem cativado nos últimos números.

Neste jornal damos conta da partida do nosso fundador, do fundador do Jornal do Exército que nos deixou no passadodois de Setembro. Com 93 anos, respondia mensalmente, com simpatia e apreço, a agradecer o envio do Jornal do Exército,que guardava desde o 1.º número. O nosso Major-General Luís Frederico Pinto Tavares de Figueiredo é para nós um exemplode camaradagem, dedicação e solidariedade, que nos inspira no cumprimento da nossa missão, a fazer jus ao lema do Jornal doExército: “Informar para bem servir”. Paz à sua alma!

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Figuras e Factos

Decorreram no dia 14 de Agosto, na Escola Prática deInfantaria (EPI), as cerimónias comemorativas do

Dia da Infantaria e da Escola Prática de Infantaria, em Mafra.As cerimónias foram presididas pelo Ministro da Defesa

Nacional (MDN), Dr. José Pedro Aguiar-Branco, que, além depresidir à cerimónia realizada no terreiro D. João V, assistiu aindaà inauguração de uma exposição no Museu da Escola Práticade Infantaria, intitulada “EPI − Uma Escola no caminho damodernização ao nível das Pessoas, dos Processos, daTecnologia e da Formação”. Neste dia especial, estiveram aindapresentes o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), GeneralJosé Luís Pinto Ramalho, assim como altos representantes dosdiversos Ramos das Forças Armadas e do Poder Local erepresentações de todas as Unidades de Infantaria do País.

O programa começou bem cedo com uma Missa de Acçãode Graças e de Sufrágio na Basílica Nacional, seguida dacerimónia militar que contou com honras militares, integraçãodo Estandarte Nacional, Homenagem aos Mortos pela Pátria,alocuções alusivas à cerimónia, imposição de condecorações,desfile das forças e ainda a inauguração de uma exposição,acima referida, na Sala Elíptica.

Na semana em que o Governo “tomou uma série de medidasdifíceis”, como o “congelamento da progressão das carreiras,os cortes na despesa e a suspensão da abertura do primeirociclo do ensino básico no Colégio Militar”, segundo as palavrasdo MDN, aquando do seu discurso, José Pedro Aguiar-Brancorelembrou aos presentes que não irá adiar problemas ou fingirque não existem. “Tenho a certeza de que as Forças Armadas,e o Exército em particular, serão capazes de cumprir as missõesque lhe estão confiadas. Independentemente das adversidades,dificuldades e dos meios que tenha à sua disposição. Nestahora crítica para a nossa Pátria, tenho a certeza de que, tal comohá 626 anos, todos seremos infantes dignos da nossa História.Todos saberemos, sem olhar a medos, responder Presente aoserviço de Portugal”, concluiu.

Na data em que se comemorou o Dia daInfantaria e também o aniversário da Batalhade Aljubarrota, Jorge Manuel BarreiroSaramago, Coronel de Infantaria, Comandanteda EPI, subiu ao palanque para relembrar o finalde Julho de 1385, onde o Exército Português,reunido em Abrantes, discutia a táctica deguerra. O elogio foi para Nuno Álvares Pereira,“jovem capitão decide avançar contra o inimigotornando-se o principal responsável pelacontinuidade e definitiva afirmação de Portugalcomo nação e independente”, sublinha.

Ao passar mais um ano de actividade, oComandante da EPI aproveitou o momento parafazer um balanço das actividades desenvolvidas,dando prioridade à missão da escola: ministrarformação. É neste sentido e enquanto uma entidadede Formação de Qualidade, que a EPI viu serhomologado e reconhecido, o seu Curso deFormação Pedagógica Inicial de Formadores.

Os agradecimentos ao apoio prestado peloComando da Logística e Comando do Pessoal não faltaram, porterem permitido modernizar diversas áreas funcionais eassegurado os efectivos necessários. Entre um vasto leque deactividades desenvolvidas, destaca-se a formação dos Oficiaise Sargentos do Quadro Permanente e do Regime de voluntariadoe contrato e também das Praças. Assim a EPI qualificou Oficiaise Sargentos do Exército, nas áreas do tiro, do combate em áreasedificadas, das operações de apoio à paz, da formação deformadores e do diagnóstico, planeamento e avaliação daformação, entre outras.

Colaboraram na formação de quadros e praças para asForças Nacionais Destacadas e para as NATO Response Forcese Battle Group, e também na formação dos Cadetes da AcademiaMilitar e dos jovens Sargentos da Escola de Sargentos doExército e ainda no apoio ao Treino Operacional doscontingentes multinacionais do Allied Joint Force CommandLisbon, para resumir apenas algumas das mais significativas,segundo o discurso do Comandante da EPI.

No âmbito da Cooperação Técnico-Militar apoiaram eministraram acções de formação na República de Angola e naRepública Democrática de Timor-Leste; no âmbito das ForçasNacionais Destacadas conduziram no Uganda uma missão afavor da formação do Exército da Somália e estiveram presentesno Afeganistão na missão International Security AssistanceForce.

No domínio da Doutrina da Arma e Estudos Técnicos, foramelaborados 16 novos manuais técnicos e tácticos.

De entre as centenas de actividades, relevo para as acçõesde formação para os quadros superiores do BPI e da VolkswagenAutoeuropa, mas também o apoio a actividades culturais emparceria com a Câmara Municipal e com o Palácio Nacional deMafra e ainda inúmeras actividades de apoio a escolassecundárias, universidades, associações culturais e desportivase grupos de escuteiros e de jovens, para além das acções desolidariedade social.

Dia da Infantaria e da Escola Prática de Infantaria

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Figuras e Factos

O Presidente da República (PR), Pro-fessor Doutor Aníbal Cavaco Silva,

condecorou, no dia 14 de Julho, no Palácio deBelém, o General Luís Valença Pinto, ex-Chefedo Estado-Maior-General das Forças Arma-das, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.

A Ordem Militar de Cristo destina-se apremiar aqueles que prestaram relevantesserviços ao país no exercício de funçõespúblicas. A reforma da estrutura superior dasForças Armadas, em particular a criação docomando operacional conjunto, e a suaprestação junto do comité militar da NATO edo comité militar da União Europeia, foram osaspectos salientados pelo PR no momento dasua condecoração.

Realizaram-se no dia 7 de Julho, no Largo do PasseioAlegre da cidade da Póvoa de Varzim, as cerimónias

comemorativas do 5.º Aniversário da Escola Prática dosServiços (EPS) e do 142.º Aniversário do Serviço deAdministração Militar (SAM).

A EPS, Unidade herdeira das tradições históricas e dosencargos de instrução das extintas EPAM, EPSM, EPST eBAdidos, apresenta-se hoje no contexto do Exército como “aprimeira e única Escola Prática unificada” como foi referidopelo seu Comandante, o Coronel de Administração MilitarLuís António Lopes Cardoso, na alocução alusiva àscomemorações.

Tendo em vista a consolidação de uma “Escola dosServiços única e distinta, congregadora das capacidades e daformação dos diversos Serviços do Exército” como referidona mensagem do Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME),General José Luís Pinto Ramalho, associou-se pela primeiravez a comemoração do dia da EPS ao dia do SAM, rumo àcelebração de um “futuro Dia dos Serviços” desejo manifes-tado na sua alocução pelo Major-General José de Jesus daSilva, Director Honorário do SAM.

Após a recepção do General CEME, com as devidas honrasregulamentares, procedeu-se à integração do EstandarteNacional na Formatura Geral, seguindo-se a cerimónia dehomenagem aos que pela Pátria tombaram em combate.

Foram impostas condecorações a alguns militares da EPS ea militares do SAM antes do desfile das Forças em continênciaà alta entidade e, por fim, a Banda Militar do Porto brindou aassistência com uma actuação composta por 4 temas.

Condecoração do General Luís Valença Pinto

Comemorações do 5.º Aniversário da Escola Prática dos Serviços e do 142.ºAniversário do Serviço de Administração Militar

Mais uma vez a população poveira recebeu no centro dasua cidade com demonstrações de orgulho e grande agradoos militares do Exército Português, aplaudindoentusiasticamente todos os momentos significativos dacerimónia militar.

O almoço de confraternização servido posteriormente naSala de Oficiais desta EPS, que proporcionou momentos deagradável convívio entre todos os convidados, culminoucom o já tradicional corte do bolo comemorativo, com o gritoda E PS e com o grito do SAM.

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Figuras e Factos

O Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME),General José Luís Pinto Ramalho, procedeu à

cerimónia de imposição de condecorações ao Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso Vice-CEME, e ao Major-General António Joaquim de Aguiar Pereira Cardoso, noMuseu Militar de Lisboa, no dia 8 e Julho.

Ambos os Oficiais Generais foram condecorados pelassuas qualidades e virtudes militares demonstradas ao longodas suas carreiras.

Coube ao Chefe do Gabinete do General CEME, Major-General Frederico José Rovisco Duarte, a leitura dos louvoresde fim de carreira, ao que se seguiu a imposição dascondecorações.

Foram impostas a Grã Cruz da Medalha de Mérito Militare a Medalha de Ouro de Serviços Distintos ao Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso e ao Major-General PereiraCardoso, respectivamente.

Cerimónia de Imposição de Condecorações

O General José Luís Pinto Ramalho, Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), visitou Moçambique a

convite do Comandante do Exército daquele país daComunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Doprograma do dia 25 de Julho constaram encontros com oComandante do Exército de Moçambique, Major-GeneralGraça Tomás Chongo, com o Chefe do Estado-Maior-Generaldas Forças Armadas de Defesa de Moçambique, General deExército Paulino José Macaringue e com o Vice-Ministro daDefesa Nacional, Dr. Agostinho Mondlane.

Nestes encontros o General CEME trocou impressõessobre assuntos de interesse comum, referindo o longohistorial de amizade e de cooperação entre os dois Exércitose as Forças Armadas, no quadro das relações bilaterais entreos dois Estados e no quadro da CPLP. Neste âmbito, foidado particular destaque ao trabalho desenvolvido pelaCooperação Técnico-Militar, tendo o General CEMEsalientado a disponibilidade do Exército Português paracontinuar a cooperar numa perspectiva de relacionamentobilateral mutuamente vantajoso.

Ainda durante este dia o General CEME foi recebido nasinstalações da Cooperação Técnico-Militar Portuguesa emMaputo, onde assistiu a um brifingue sobre as actividadesdesenvolvidas e contactou com os militares portugueses.

No dia 26 de Julho, o General CEME visitou a Escola deSargentos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique,em Boane, e o Instituto de Estudos Superiores Militares(IESM) em processo de instalação na cidade de Maputo,que futuramente passará a designar-se por Universidade deAltos Estudos da Defesa.

Para além de um brifingue sobre o funcionamento destesestabelecimentos militares e de uma visita às suasinstalações, teve oportunidade de presenciar uma aula aoCurso de Promoção a Oficial Superior no IESM.

No dia 27 de Julho, a comitiva deslocou-se à cidade de

Visita do General CEME ao Exército de Moçambique

Nampula para uma visita à Academia Militar MarechalSamora Machel, onde são formados os futuros Oficiais dostrês Ramos das Forças Armadas de Moçambique, e que,desde a sua génese, tem contado com o apoio do ExércitoPortuguês, através da Academia Militar. O General CEMEteve ainda oportunidade de contactar com os militaresportugueses em missão de Cooperação Técnico-Militar emNampula e Nacala. Na Residência da Cooperação Técnico-Militar de Nampula, o General CEME assistiu a um brifinguesobre as actividades desenvolvidas e teve oportunidade deconstatar as boas condições das instalações, em cujarecuperação se empenhou no passado, quando exerceu asfunções de Director-Geral de Política de Defesa Nacional.

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Figuras e Factos

Entre os dias 17 e 20 de Julho, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) Grego visitou o nosso

Exército, percorrendo algumas unidades e estabelecimentosdesta instituição.

No dia 18, esteve no Estado-Maior do Exército, onde sereuniu, a título privado, com o seu congénere português,General José Luís Pinto Ramalho, apreciou o brifingue doExército, visitou o Museu Militar de Lisboa e assinou o Livrode Honra, após o almoço na messe de Oficiais Generais.Durante a tarde visitou o Centro de Tropas Comandos, ondeteve a oportunidade de assistir a duas demonstrações decarácter operacional, uma de treino específico daquelesmilitares e outra relativa à preparação daquela força, no âmbitoda missão que irá desempenhar no Teatro de Operações doAfeganistão.

No dia seguinte, visitou a Brigada Mecanizada, na quallhe foram apresentadas as capacidades bélicas do nossoExército, na vertente da componente mecanizada. Durante atarde, esteve no Instituto Geográfico do Exército, onde tomouconhecimento das tecnologias que servem as nossasnecessidades de informação geográfica.

A terminar a visita deslocou-se ao Palácio Almeida Araújo,em Queluz, para o Jantar Oficial.

O Exército Português e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) assinaram, no dia 15

de Julho, um Protocolo de cooperação nos domínios doensino, da investigação e de outras actividades de interessecomum.

O Chefe de Estado-Maior do Exército, General José LuísPinto Ramalho, e o Magnífico Reitor da UTAD, ProfessorDoutor Carlos Alberto Sequeira, formalizaram o convénio,pelas 09h00, na Sala de Honra do Regimento de InfantariaN.º 13.

Este protocolo visa a permuta de recursos humanos emateriais, de informação e de demais actividades e domíniosde interesse comum para ambas as instituições.

Desta forma, o Exército Português e a UTAD compro-metem-se a colaborar reciprocamente através de programasde cooperação ao nível da docência nos aspectos científicos,pedagógicos e de investigação, bem como em exercíciosmútuos de actividades docentes e discentes e ainda narealização de acções formativas de interesse conjunto.

Protocolo entre o Exército Português e a Universidade deTrás-os-Montes e Alto Douro

CEME Gregovisita o Exército Português

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Figuras e Factos

Em 29 de Junho de 2011, tomou posse como Directorde Administração de Recursos Humanos (DARH),

o Major-General Henrique Augusto Fernandes de MeloGomes.

Em 25 de Julho, decorreu no Camp Slim Lines, emPristina a cerimónia de Imposição de Medalhas

NATO, aos militares do Contingente Nacional/ForçaNacional Destacada na KFOR Tactical Reserve Manoeuvre

Tomada de Posse do Director de Administração de Recursos Humanos

Esta cerimónia contou com a intervenção do AjudanteGeneral do Exército, Tenente-General Luís Miguel deNegreiros Morais de Medeiros, a leitura do Despacho daNomeação, a leitura da sua síntese curricular, intervençãodo Major-General Director DARH e apresentação decumprimentos pelos militares e civis da DARH.

O Major-General Henrique Augusto Fernandes deMelo Gomes, como Coronel Tirocinado desempenhou asfunções de Inspector-Geral Adjunto na Inspecção-Geraldo Exército. Como Oficial General foi colocado noComando da Instrução e Doutrina, nas funções de Directorde Doutrina. Na Guarda Nacional Republicanadesempenhou funções de Comandante da Escola daGuarda e mais tarde de Comandante da Unidade deIntervenção.

Está habilitado com o Curso de Infantaria da AcademiaMilitar, com o Curso Geral de Comando e Estado-Maior eo Curso Superior de Comando e Direcção, no IAEM,actual IESM.

Após a cerimónia decorreu uma visita por parte donovo Director às instalações da DARH.

Kosovo − Medal Parade do Contigente Nacional

Battalion (KTM) no Kosovo.Este Batalhão é pela primeira vez multinacional, tendo

no seu quadro Orgânico para além de militares portugueses,militares húngaros. O Contingente Nacional actualmente noTeatro de Operações (TO) iniciou formalmente a sua missãoem 23 de Março do corrente ano.

Na Parada, as forças apresentaram-se divididas porContingentes. Presidiram a esta cerimónia o Comandante daJoint Forces Command do Exército Húngaro Major-GeneralJoszef Kovacs e o DCOM KFOR Brigadeiro-General MarcoSerronha, acompanhados por diversos SeniorRepresentatives e Comandantes de Contingentes quetambém cumprem missão no TO. Esteve ainda presente, entreoutras entidades o Cônsul da Embaixada húngara noKosovo. Para além da Non-Article Five Medal da NATO,foram condecorados com a Peacekeeping Medal do ExércitoHúngaro dez militares portugueses. O Ministro da Defesahúngaro estabeleceu a Peacekeeping Medal emreconhecimento do extraordinário desempenho ecomportamento excepcional meritório de destaque de ummilitar numa missão de apoio à paz sob proposta docomandante do Contingente Húngaro.

TABELA DE PREÇOS PARA 2011

PREÇO DE CAPA € 2,00 ASSINATURA ANUAL (11 números): VIA SUPERFÍCIE - Portugal Cont. Madeira e Açores € 20,00; VIA AÉREA - Países europeus€ 45,00; Restantes Países € 65,00 NOTA: As assinaturas devem ser pagas antecipadamente NÚMEROS ATRASADOS - 1960 a 1969 € 4,50; 1970 a 1979 € 4,00;1980 a 1989 € 3,00; 1990 a 2001 € 2,50; 2002 a 2008 € 2,00. Os preços incluem IVA à taxa de 6%N.B.: Os pedidos de envio pelos CTT serão acrescidos de portes segundo os códigos postais: 1000/2000 € 4,21; 3000/8000 € 5,79; Açores e Madeira € 6,56.

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Figuras e Factos

O Tenente-General Abel Cabral Couto nasceu nafreguesia de Mateus (Vila Real), em1932. É

licenciado em Ciências Militares (Artilharia), pela Escola doExército, e, entre outros, possui ainda os cursos geral ecomplementar de estado-maior e o curso superior de comandoe direcção do Instituto de Altos Estudos Militares, bem como ocurso de emprego de Armas Especiais, da US Army School, emOberammergau.

Entre as principais funções desempenhadas figuram as dedocente na Escola do Exército e no Instituto de Altos EstudosMilitares; de comandante de uma companhia de caçadores, emMoçambique; de chefe da Repartição de Operações doComando-Chefe de Moçambique; de chefe da Repartição deOrganização e Operações do Estado-Maior do Exército; decomandante do Regimento de Artilharia da Serra do Pilar; decomandante da Zona Militar dos Açores; de comandante daAcademia Militar; de subdirector e director do Instituto daDefesa Nacional; e de professor catedrático convidado doInstituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Actualmente é vice-presidente do Conselho Geral doEurodefense (Portugal) e sócio efectivo da Sociedade deGeografia e da Revista Militar.

Tomou parte em várias reuniões e conferênciasinternacionais; fez parte de comissões encarregadas de estudose projectos legislativos sobre a defesa nacional; e tem proferidoconferências e apresentado comunicações nos InstitutosSuperiores Militares, em várias Universidades e em outrasInstituições de natureza cultural, nacionais e estrangeiras.

Colaborou na elaboração de vários Regulamentos Militares,é autor da obra “Elementos de Estratégia”, em dois volumes, etem publicados cerca de 40 artigos ou ensaios sobre temas deEstratégia, Segurança e Defesa.

Foi galardoado, entre outras, com as seguintes

condecorações: grã-cruz da Ordem Militar de Sant´Iago daEspada; grã-cruz da Medalha de Mérito Militar; duas Medalhasde Ouro e quatro de Prata de Serviços Distintos (uma compalma); e grã-cruz do Mérito Militar, com distintivo branco(Espanha).

Foi-lhe atribuída a Medalha de Ouro de Mérito Municipal,pela Câmara Municipal de Vila Real.

O Legado militar do Tenente-General Cabral Couto consisteem mais de 600 obras literárias na área da Estratégia e RelaçõesInternacionais, inúmeros artigos científicos e diversaspublicações nacionais e estrangeiras, as condecorações eordens honoríficas de que foi agraciado ao longo da suahonrosa carreira militar.

Contou com a presença do Chefe do Estado-Maior doExército, General José Luís Pinto Ramalho que ofereceu aoTenente-General Cabral Couto um prato do Exército.

Doação do Legado do Tenente-General Abel Cabral Couto à Academia Militar

Decorreu em 27 e 28 e 30 e 31 Maio, a validação dasOperational Mentor and Liaisom Team (OMLT) de

Divisão e de Guarnição, respectivamente.A validação foi conduzida pela Entidade Certificadora da

International Security Assistance Force (ISAF) Joint Com-mander (JC), e tem como objectivo certificar que as OMLTestão técnica e tacticamente preparadas para o cumprimento damissão a desempenhar no Teatro de Operações do Afeganistão.

A validação decorreu em duas fases: uma primeira fase docu-mental, que constou de um brifingue à equipa de avaliadores,entrega de toda a documentação das várias áreas de Estado-Maior e apresentação dos equipamentos individuais e colectivosde cada componente; e uma segunda fase prática, que consistiuno acompanhamento das OMLT nas diversas acções de mentoriae assessoria aos militares do Exército Nacional Afegão.

Fruto do grande profissionalismo, dedicação e rigor técnicoapresentados, os avaliadores da IJC/ISAF referiram que asOMLT portuguesas devem ser apontadas como um exemploa seguir por todas as OMLT no Teatro de Operações.

OMLT Aprovadas com Distinção

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Figuras e Factos

A formação de um militar tem como base vertentescomo a académica, a física e a moral. Esta base permite

ao militar levar a cabo a sua missão nas diversas Unidadesdo país, nas suas tarefas iminentemente técnicas e práticas.Tendo detectado uma lacuna, na área de Comando eLiderança na formação dos oficiais e sargentos RV/RC, oComando de Instrução e Doutrina (CID) reformulou osreferidos cursos de formação de modo a inserir um móduloque colmatasse esta falta, como complemento às jáministradas 12 semanas de Formação Geral Comum. Estenovo módulo decorreu no período de 1 de Abril a 6 de Maio,na Escola Prática de Cavalaria (EPC), tendo sido frequentadopor quatro oficiais e 110 sargentos RV/RC. Para ministrareste módulo formadores da Escola Prática de Artilharia (EPA)e EPC foram deslocados para a Academia Militar (AM), ondereceberam formação específica e elaboraram os referenciais

do curso a aplicar.Para as sessões teóricas, que visavam temas específicos,

a EPC contou com o precioso apoio da AM, do Centro dePsicologia Aplicada do Exército e da Brigada Mecanizadapara ministrarem palestras no âmbito da Gestão do Stress,Tomada de Decisão, Gestão e Liderança, Motivação,Inteligência Emocional, Teorias da Comunicação eexperiência de Comando numa Força Nacional Destacadaque despertaram elevada curiosidade nos formandos, tendosido um ponto de partida para a aquisição da noção deliderança no contexto militar, principalmente, no queconcerne às suas dificuldades.

As sessões práticas iniciaram-se com testes àscapacidades individuais dos formandos para enfrentaralguns desafios que apelavam à coragem para,posteriormente, se centrarem no colectivo, no trabalho deequipa. Nesta fase em grupo foram-lhes apresentadassituações onde tinham de coordenar, comandar e,preferencialmente, “liderar” os seus camaradas naprossecução de um objectivo comum. Os desafios foramcolocados procurando despertar no espírito do formando avontade de chegar ao fim, de ultrapassar os obstáculos comque se deparavam, cumprindo com sucesso a missão dadatrazendo-lhes uma auto-perspectiva diferente sobre ospontos fracos e fortes da sua capacidade de liderança, o queestimula uma maior abertura para a auto-correcção e evoluçãoindividual enquanto militares. O módulo terminou com arealização de provas de situação e testes à capacidade dedecisão, nos quais foram eliminados quatro formandos.

Ao longo das semanas foi patente o evoluir da motivaçãodos formandos, e mesmo apesar do baixo rácio formador/formando não permitir a flexibilidade requerida paraproporcionar uma experiência igual a todos os elementos, omódulo de liderança ministrado pela EPC, pela interpretaçãofeita aos inquéritos lançados aos formandos, foi consideradouma mais-valia para os futuros oficiais e sargentos RV/RC.

A escola de POL-E-CHARKI, de uma aldeia de mesmonome no Afeganistão, foi apadrinhada pelos

militares portugueses do 2.º Contigente Nacional no Teatrode Operações do Afeganistão, no dia 27 de Julho, numaacção de Operação de Ajuda Humanitária.

Fruto do espírito solidário destes militares foi distribuídouma grande quantidade de material escolar, em apoio dadirecção da escola de professores e alunos. A angariação domaterial deveu-se ao empenho dos militares que, junto dediversas instituições, empresas e amigos, desenvolveramesforços no sentido de angariar a maior quantidade dematerial possível.

A escola de POL-E-CHARKI é frequentada por cerca de5500 crianças, para as quais apresenta condições bastantedeficitárias: aulas ao ar livre; falta de electricidade esaneamento básico; falta de água potável, entre outras.

Militares portugueses apadrinham escola no Afeganistão

O Módulo de liderança aos Cursos de Formação Inicial RV/RC do Exército

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Figuras e Factos

O Regimento de Artilharia N.º 4 (RA4), sediado em Leiria,comemorou o seu 84.º aniversário a 7 de Julho, ainda

que a data convencionada seja a 29 de Junho.Este evento militar, de carácter tradicional, iniciou-se com a

Alvorada Festiva e com o hastear da Bandeira Nacional. Apósa chegada dos convidados e, nomeadamente, do DirectorHonorário da Arma de Artilharia, Tenente-General JoaquimFormeiro Monteiro, que presidiu às comemorações, deu-se inícioà cerimónia militar. No âmbito desta, destaca-se a demonstraçãooperacional de uma Bateria de Artilharia de Campanha e aexposição de materiais que equipam este Regimento. A terminarestas festividades, realizou-se um almoço de confraternizaçãoentre as entidades convidadas e os militares do RA4.

Destas comemorações ainda fizeram parte o XIII GrandePrémio de Orientação do RA4, que decorreu no mês de Junho,e a actuação da Orquestra Ligeira do Exército, que realizou oseu concerto no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, no mesmodia da cerimónia militar.

O Dia Regimento de Artilharia N.º 4

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Texto: Engenheiro Eduardo Zúquete

A missão do guarda-fios de campanhaé simples, enganadoramente simples:é preciso levar a ponta do fio ao des-tino superiormente fixado. Depois

aparecem as funções adjectivas e a coisa complica-se um tanto: o fio, onde quer que acabe ficando,precisa de ser bem fixado, há que subtraí-lo aosolhares do inimigo ou simplesmente do vândalogratuito, há que garantir, nos atravessamentos, ogabarit livre − 5 metros pelo nosso Código da Es-trada − há que tê-lo acessível para eventual manu-tenção, há que evitar que ele contacte água, correnteeléctrica, que se atravesse fortuitamente nos cami-nhos triviais dos humanos. Ao tempo em que sepassam os eventos que estas croniquetas iluminamdebilmente, isto é, em 1958, já aparecera mais umcondicionamento que ajudou a criar uns cabelinhosbrancos na minha cabeça - o atravessamento delinhas férreas electrificadas, que não só não podiaser feito superiormente como ainda impunha com-primentos máximos bastante reduzidos nos traça-dos paralelos à via, para prevenir perigosíssimas

correntes induzidas nos fios telefónicos.Para estabelecer uma linha telefónica de cam-

panha há, portanto, que lançar o fio e depois con-solidar o seu traçado. O fio está armazenado nunsrobustos carretéis que se podem desenrolar facil-mente pela traseira de uma viatura em andamento;à medida que uma equipa cuida do lançamento, ou-tra vai tomando o fio lançado e arruma-o, se assimse pode dizer, da maneira mais conveniente. E estapode tomar formas diversas, conforme se está naplanície ou na serra, quando o fio pode correr juntoà estrada e quando não pode, quando se está emcampo lavrado ou em floresta, quando se está emmeio rural ou em meio urbano. Aí a técnica de guar-da-fios ganha uma dimensão nova, converte-se nu-ma arte curiosa que tem de ter sabedoria, prontidão,improviso, imaginação − ou seja, no vocabuláriohabitual do dia-a-dia, apela fortemente para a lusi-taníssima virtude do desenrascanço. Postas as coi-sas nestes termos, compreende-se sem dificuldadeque comandar uma tropa de guarda-fios é um privi-légio incomparável. Se, por cima disto, se tiver a

Hortofrutícola Castrense

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sorte de encontrar um lote de recrutas de extraor-dinária qualidade, empenho e dedicação então aexperiência torna-se inesquecível. Foi isso que meaconteceu e por isso é que guardo uma boa recor-dação desses já longínquos tempos onde fui postoà prova numa recruta exigente.

Os carretéis do Regimento de Engenharia 1 − aotempo a arma de transmissões ainda não fora criada- eram de origem inglesa, ao contrário dos carretéisdo Batalhão de Telegrafistas (BT), a outra unidadedo Governo Militar de Lisboa, que dispunha de ma-terial americano. Interiormente, ambos os cabos eramconstituídos por fios de aço, para garantir resistênciamecânica, entrelaçados com fios de cobre, para lhesdar condutibilidade eléctrica. No revestimento exte-rior é que havia diferença: enquanto o fio do BT erafino, revestido a plástico negro, o fio de que eu dis-punha no Regimento tinha um revestimento de algo-dão, que o engrossava consideravelmente, e tinha aparticularidade curiosa de ter cores diferentes emcada linha do par, certamente com o propósito muitobritânico de facilitar a identificação. Quando tomeiconhecimento do material, ainda na Escola de Qua-dros, descobri que o regime bicolor não se mantinhaaté ao fim dos carretéis porque sucessivas geraçõesde instrutores e recrutas tinham praticado sucessivasemendas de fio sem ter em consideração esse utilís-simo atributo. Quando se tem de encontrar uma avarianuma determinada linha, às escuras e em condiçõesprecárias, e quando a mesma linha se encontra agru-pada num feixe, o código cromático permite uma

identificação imediata que pode ser de enorme valia.Ainda pensei que poderia ser um trabalho interes-sante e meritório recondicionar todo o parque − estamania que todos temos, quando jovens, de quererdescobrir uma qualquer epopeia pelo menos dotamanho d'Os Lusíadas! − mas uma incursão numcarretel ao acaso convenceu-me da enormidade datarefa e da impossibilidade em tempo, em pessoal eem espaço para a levar a cabo.

A bagagem dos guarda-fios acaba sendo vasta

Comandar uma tropade guarda-fios é umprivilégio incomparável.Se, por cima disto,se tiver a sortede encontrar um lotede recrutas deextraordinária qualidade,empenho e dedicaçãoentão a experiênciatorna-se inesquecível

Instrução de Guarda-fios na Escola Prática de Engenharia em 1960. Arquivo JE

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Viaturas muito curiosas, de origem inglesa que, entre outros atributos singulares que já esqueci, tinham o pedal do aceleradorentre os pedais da embraiagem e do travão. (Morris C8 15cwt GS)

mili

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.co.

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e variada. Além dos numerosos carretéis e da apare-lhagem de enrolamento ou desenrolamento, há quetransportar escadas, croques, estribos de corda pa-ra postes de betão, estribos de ferro para postes demadeira, cabos de variadas bitolas, telefones de pro-va, bolsas de reparação e por aí fora, um nunca maisacabar de aparelhagem. Quando fomos para exercí-cios finais, na zona de Rio de Mouro e Serra da Carre-gueira, em Julho de 1958, foi-me confiado um impo-nente esquadrão de 13 viaturas - um jeep para mim,três jipões para os três cabos milicianos e nove viatu-ras muito curiosas, de origem inglesa, que, se nãotinham andado na Guerra do Deserto, tinham lá tidoparentes próximos e que, entre outros atributos sin-gulares que já esqueci, tinham o pedal do aceleradorentre os pedais da embraiagem e do travão, o que,como se está a ver, contrariava todas as rotinas meca-nizadas de condução com resultados catastróficos.Além disso, andavam neste mundo graças à quasemilagrosa e ultra dedicada manutenção dos mecâ-nicos da oficina auto do Regimento e não se podiaconfiar nelas para trajectos que excedessem os pou-cos quilómetros. No primeiro dia de exercícios saído acampamento, implante de orgulho do alto dosmeus 23 anos, à frente daquela magnífica armada,com as bandeirinhas azuis e brancas das transmis-sões ondulando nas antenas de todas as viaturasmas, ao longo do dia, as carripanas do deserto foramprogressivamente avariando e ao lusco-fusco esta-vam todas encostadas com avaria. Sucessiva e dili-gentemente fomos rebocando-as uma a uma e quan-do chegou a vez da última, que avariara numa subidadifícil ao Rio de Mouro, o capitão Fernando Pacheco,que substituíra o tenente Maia e Costa no comandoda Companhia de Transmissões e fazia questão de

só jantar quando eu chegava das minhas acidenta-das aventuras, fosse a que horas fosse, foi dar oreboque, conduzindo eu a viatura avariada - parapodermos começar a jantar antes da meia-noite. Aminha entrada no acampamento nesse dia foi infinita-mente menos gloriosa e a experiência marcou-me paraa vida. No dia seguinte, a alteração da rotina tornou-se inevitável: só funcionaram o jeep e os três jipõese as outras viaturas ficaram alinhadinhas no acampa-mento a servir de depósito de material, aguardandoque os piquetes de mecânicos-auto as recondicio-nassem para a viagem de volta, viagem que se adi-vinhava problemática, como de resto veio a suceder.

Como se compreende facilmente, a preparaçãofísica tinha uma importância fundamental na ins-trução dos guarda-fios, porque a prática real daespecialidade requeria destreza, força, resistência.Havia que subir a postes ou árvores, aceder a cris-tas, varandas ou beirais, passar dentro de aquedu-tos ou por debaixo de pontões e, especialmente,fazer toda esta variada acrobacia em velocidade eesforço porque a consolidação tinha de acompa-nhar o lançamento do fio e este era, crucialmente, omais veloz que fosse possível praticar. O clímax detodo este teatro ocorria quando o fio empeçava,incidente que, em operações e com a ansiedade domomento, sucede mais vezes do que o desejável, eque se remedeia geralmente procurando a ponta −o chicote, como se diz em marinharia e também aqui− e passando-a por dentro de sucessivas laçadas.Simplesmente aqui a ponta do fio estava fixada bemno fim de um pesadíssimo carretel, por sua vezencaixado numa máquina bizarra e caprichosa, cha-mada desenrolador, que funcionava com um motor-zinho telhudo e pouco dado ao trabalho, máquina

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Alguém se esquecera de me avisar que os regulamentos nãopermitiam o uso do trampolim na instrução física dos recrutas.

essa, por sua vez, solidamente instalada na caixade carga do jipão. “Passar a ponta do fio por dentrode uma laçada” convertia-se assim, por força destacomplicação, num singular número de circo que re-clamava a presença de toda a rapaziada de braços noar para alargar a laçada, de modo a permitir que ládentro passasse toda aquela maquinaria, e deixavaos velhotes das aldeias, por onde a gente desdobravaa nossa guerra, a pasmar com o espectáculo.

Desde o primeiro dia da recruta tomei a meucargo a sessão de educação física, que dava inícioao programa diário de trabalhos, e os resultadosexcederam as expectativas. Tinha bem memorizadoo excelente esquema da aula do capitão Pinto Fer-reira, ao tempo o renomado mestre de EducaçãoFísica da Escola do Exército, esquema que executaraanos a fio, e, à medida que os dias passavam, acondição física dos recrutas melhorava visivelmen-te. Eram de origens diversas − pescadores do Al-garve, lavradores da Beira e dos Açores, mecânicose lubrificadores de Alcântara − e tinham tempera-mentos e culturas diferentes mas apresentavam, emcomum, a mesma carência de base − nunca tinhamrecebido educação física dedicada. A instrução exer-cia sobre eles um efeito prodigioso: comida abun-dante e servida a horas certas, ritmo de vida regu-lar, ginástica frequente, vida ao ar livre eram algumascomponentes de um desenvolvimento aceleradoque só pecava por tardio e abreviado.

Poucas semanas depois do início da recrutaapercebi-me que havia, naquela massa antes poucopreparada para o exercício físico disciplinado, al-guns verdadeiros talentos ocultos e ocorreu-me quetinha à mão uma maneira simples de melhorar aindaa sua preparação, muito para lá do que seria exigidopela estrita educação física militar. Havia, no pelotão,um cabo miliciano que, na vida civil e nas horasvagas, era um laureado atleta do Lisboa GinásioClube e resolvi confiar-lhe a preparação dos melho-res ginastas do pelotão. Escolhemos, em conjuntoe tendo em conta os desempenhos individuais, umprimeiro lote, criando assim a Turma B (de Bons),que foi imediatamente confiada aos talentos peda-gógicos e técnicos do dito cabo miliciano (creio sechamava Luís, a memória já vai tendo algumas bran-cas), enquanto o conjunto residual formava a TurmaG (de Ginjas), que continuaria à minha responsa-bilidade e com os quais eu iria martelar com redo-brado vigor o esquema adoptado. A divisão nãoera estanque, o que fomentava o arreganho da tro-pa: quem desse provas de melhoria de desempenhopodia ascender à turma B, sem que tal obrigasseum camarada desta a descer de divisão, o que seriaamargurante e contraproducente. O efeito foi ime-diato: toda a gente queria pertencer à turma B, nin-

guém desta última queria descer de divisão e a me-lhoria, nos dois campos, foi rápida e notória. Entre-tanto, o Luís, trabalhando com sabedoria e experiên-cia uma equipa bem seleccionada, alargou-se noprograma e quando chegou o final da recruta o co-mando apercebeu-se, de súbito, que, sem disso fazera mais pálida ideia, tinha portas a dentro uma classeespecial de ginástica com um desempenho de altogabarito que se apressou a incluir no programa defestejos do dia do Juramento de Bandeira. A assis-tência ao evento, numerosa e muito ruidosa, embas-bacou com o nível da representação − saltos detrampolim, quedas faciais invertidas, mortais sobreplintos e baionetas, um nunca acabar de exercíciosespectaculares encenados com muita competênciae rematado profissionalismo − mas o tonto do as-pirante que tivera a tontíssima ideia de imaginar taldisparate e pô-lo em prática foi admoestado comfirmeza, talvez com simpatia: alguém se esquecerade me avisar que os regulamentos em vigor ao temponão permitiam o uso do trampolim na instrução físicados recrutas e todo aquele magnífico espectáculoestava, pura e simplesmente, fora do padrão autori-zado. Suportei com galhardia o inevitável ralhete:julgo mesmo que terá sido a admoestação mais agra-dável que recebi em toda a minha carreira.

Ginja, ao tempo, era uma forma simpática e ame-na de exprimir um conjunto de características pes-soais para as quais a língua portuguesa, infelizmen-te, só reserva palavras desagradáveis − desastrado,azelha, inoportuno, atrasado, desengraçado, desen-gonçado e assim por diante. Ginja exprimia isto tudo,e outros predicados mais, numa síntese feliz e mis-turável pelo ouvinte, o que permitia a interpretaçãosubjectiva, portanto, inatacável, do tratamento.Mais tarde, Ginja foi substituído na linguagem cor-

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Ignoro a origemhortofrutícola destasaquisições de linguagemmas o certo é que Nabofoi uma espantosaaquisição no mercadoda comunicação,que chegou para ficare é, aparentemente,indestronável

rente, com enorme vantagem, pelo Nabo, que foi,sem a menor dúvida, uma das grandes aquisições dalíngua portuguesa no século XX, língua hoje tãodesgostosamente deslatinizada e abrasileirada porsucessivas gerações de eruditos tecnocratas. Nabo,que terá tido origem no meio castrense e se difundiudepois arrasadoramente pelo mundo civil, foi umacompanhia permanente nas nossas campanhas deÁfrica e permitiu alargar a panóplia das vozes decomando de forma dificilmente imaginável. PorqueNabo, consoante o tom de voz e a mímica do emissor(atributos que não posso, infelizmente, esmaltar nopapel mas que deixo à imaginação, se não mesmo àexperiência, do leitor), pode tomar imensíssimos cam-biantes − comiseração (Seu nabo!), censura (Grandenabo!), complacência (Chega cá, ó nabo!), crítica(Sempre me saíste cá um nabo!), indulgência (Estáscada vez mais nabo!), retrato de corpo inteiro (Defi-nitivamente, é um nabo!), perspectiva histórica (Sófez nabices!) e assim por diante − tendo a vantagemsuplementar de suscitar o sorriso, até do visado, oque ameniza imediatamente o tom do discurso. Ignoroqual a razão da origem hortofrutícola destas recentesaquisições de linguagem e porque motivo não seforam escolher vocábulos de duas sílabas noutrasáreas do pensamento e da acção mas o certo é queNabo foi uma espantosa aquisição no mercado dacomunicação, que chegou para ficar e é, aparente-mente, indestronável.

Mas, ao tempo em que se passam os eventosque palidamente tento descrever, Nabo ainda nãotinha entrado em circulação e a voga do tempo,com semelhante valor fiduciário, era Ginja, donde aminha escolha para crismar a turma da 2.ª divisãopara a qual seria desastroso escolher uma outradesignação, talvez mais orgânica mas certamente

menos simpática. De resto, eu até era um homemcom sorte porque, além da referida turma de Ginjasassim inventada, tinha, no meu pelotão, um Ginjapropriamente dito cujo número e nome há muitoesqueci − se é que alguma vez os soube de cor,reflicto agora. Invariavelmente, todas as incorpo-rações do tempo tinham um Ginja − a alcunha eradada pelos camaradas − e calhou-me, a mim, o Ginjade Engenharia 1, colheita 1958.

O Ginja era um exemplo acabado dos predicadosque enunciei acima − desengonçado, desastrado,empenhado, generoso, infantil, parlapatão, bomrapaz, e assim por diante, faça o leitor o retrato aseu gosto, sempre com simpatia e indulgência por-que ele merecia ambas. Tinha a cara redonda, afo-gueada, orelhas grandes e afastadas do crânio,bamboleava-se na marcha, nunca estava atento àsvozes, era um castigo para perfilar pela direita, faziaa continência sem bivaque ou com a mão que davamais jeito no momento, e tinha uma habilidade rara,própria de todos os Ginjas, que é marchar avançan-do a perna e o braço do mesmo lado ao mesmotempo, o que, como se pode constatar experimen-tando no corredor lá de casa, é a maneira mais com-plicada de executar qualquer marcha.

Ginja dizia-se pedreiro e eu assumi a declaraçãocomo correcta, porque razão haveria o rapaz de in-ventar, mas as minhas dúvidas nasceram quando ocomando me mandou construir o campo de obstá-culos do aquartelamento e houve que erigir uma pe-quena parede de tijolo no paramento da vala. Man-dei avançar o Ginja mas ele não dava rápido segui-mento ao muro, porque falava mais do que aplicavatijolo, e o Edmundo ofereceu-se para o ajudar. Ed-mundo era pescador no Algarve, tinha as mãos cale-jadas do ofício e quando se descobriu que só haviauma colher de pedreiro disponível, colher que estavana posse do Ginja, não levantou problemas e aplicoua massa com as mãos. Fiquei um pouco desconfiadocom aquela técnica, que não vinha nas folhas, masas desconfianças mudaram de azimute quando so-breveio uma chuvada e a argila atrás do muro dilatou:a parte construída pelo Edmundo aguentou-se en-quanto a feita pelo Ginja desabou totalmente.

Quase no final da recruta recebi um aviso pre-ocupante: o brigadeiro inspector da Arma de Trans-missões ia visitar o quartel proximamente e, quasede certeza, iria inspeccionar o meu pelotão. Foramdias agitados de revisão acelerada de todas as técni-cas e procedimentos, de todas as regras de estabe-lecimento e consolidação, de todos os nós possí-veis e imaginários que vinham descritos no manuale onde eu pensava que, muito naturalmente, o briga-deiro inspector iria estabelecer a sua inquirição. Sódescansei quando todo o pessoal conseguia fazer,

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sem hesitações e quase de olhos fechados, o laisde guia, o nó direito, o nó de escota e o nó de bar-queiro, nós que entendi serem os mais necessáriose que, muito provavelmente e por essa razão, seriamos eleitos pelo brigadeiro inspector para eventuaisquestionários.

Chegou o grande dia. Depois das cerimónias pro-tocolares, o brigadeiro inspector fez uma visitademorada à Companhia de Transmissões e por fimparou junto do meu pelotão, naturalmente aqueleonde era mais apetecível fazer perguntas. O pessoalaguardava, curioso porque nunca tinha visto um ofi-cial general tão perto e remirava as platinas vermelhase as estrelas de prata, que eram novidade de tomopara os olhos redondos do povo. Lentamente, obrigadeiro percorreu a fileira da frente e estacionou ameio, quase em frente do Ginja, que fiel ao costume,olhava embasbacado para o ilustre visitante. Esteapercebeu-se e, com aquela maravilhosa intuição queeu tanto admiro, escolheu-o imediatamente para apergunta regulamentar. Estremeci de preocupação ementalmente fiz figas, para atalhar a ansiedade.

- Diz-me cá, meu rapaz, com te chamas?Ginja declinou, num fôlego precipitado, nome e

número. Estava afogueado, respirava com ruído. Obrigadeiro não deve ter percebido nada do que eledissera mas isso também não tinha uma importânciapor aí além. Continuou:

- E qual é a tua especialidade, diz-me?- Guarda-fios, meu brigadeiro!- Muito bem! E agora diz-me uma coisa…O brigadeiro olhou para mim, com ar benevo-

lente. “Não sei bem o que ensinaste a esta rapaziada,vou facilitar as coisas!”, parecia querer ele dizer.Voltou-se novamente para o Ginja e continuou. Sus-pendi a respiração.

- … como se chama o teu major comandante debatalhão?

Distendi-me, respirei fundo. Afinal fora mais fácildo que estava à espera. O comandante do Batalhãode Instrução era o major João José Rodrigues Mano,um excelente oficial, tranquilo e afável, conhecidopor todos e geralmente estimado. Eram favas conta-das, o brigadeiro inspector foi gentil: toda a gentesabia o nome do major, era fácil de dizer e de fixar.

Mas o Ginja estava em apuros. Não respondia,agitava-se sem parar e estava a ficar vermelhocomo um pimentão. O brigadeiro inspec-tor insistiu:

- Então, não sabes?Aparentemente o Ginja não sa-

bia e, pior, não sabia inventar umaqualquer resposta e descartar-se daincómoda situação. Entupira defi-nitivamente. O brigadeiro inspector

olhou para mim com um olhar que prefiro nãotraduzir e passou adiante. A mim, apetecia-me sumir-me pelo chão abaixo, não sem antes apertar osgorgomilos ao trouxa do Ginja que, depois de tantotrabalhinho e de tanto tempo perdido, deitara tudoa perder com uma pergunta de trazer por casa.

O brigadeiro inspector dobrou a esquina, saiuda vista e eu fui-me plantar imediatamente em frentedo Ginja, com o ar satisfeito que se imagina.

- Diz-me cá, minha flor, não sabes o nome do teucomandante de batalhão?

- Não, meu aspirante, não sei!- Não sabes o nome do teu comandante de bata-

lhão, que vês todos os dias, várias vezes ao dia?- Não, meu aspirante, não sei o nome, só sei a

alcunha e não ia dizer a alcunha do nosso major aonosso brigadeiro!

A alcunha? Esta era novidade para mim. Olheipara os cabos milicianos com um silêncio interroga-tivo e eles abanaram a cabeça, negativamente. O ma-jor tinha uma alcunha entre as praças que mais nin-guém conhecia. Que inesperada surpresa! Decidi-damente havia ali qualquer coisa que não batia certo.

- A alcunha?- Sim, meu aspirante, só sei a alcunha do nosso

major, não sei como ele se chama!Resolvi ser paciente e abrir o espírito à novidade.- Então, diz-me lá, qual é a alcunha do nosso

major?- É o nosso major Mando! − despejou o Ginja,

aliviado.- Major Mando?- Sim, meu aspirante, é o major Mando. Não está

a perceber: como é ele que manda em toda a gente,toda a gente lhe chama o major Mando, o majorMando. O meu aspirante está a ver?

O Ginja estava radiante com o desengasgar dasituação e ainda mais ficou quando eu comecei a rircomo um perdido. A paz voltava à cidade, toda a

gente riu às gargalhadas muito provavel-mente com motivos diferentes,a tensão dissolveu-se num lar-go e redondo sorriso. Afinal, oGinja não tinha descoberto ne-nhuma alcunha para o major,que nunca a terá tido; o queo Ginja tinha era uma e-

norme falta de ou-vido.

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Texto: Major do SGE João José Carixas Silveirinha

Campo Maior e as InvasõePrecedentes Históricos − Enquadra

antonio3oliveira.blogspot.com

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es Francesasmento Estratégico Nesta ocasião em que se evoca o bi-

centenário das Invasões Francesase com especial referência os sacrifí-cios a que a vila de Campo Maior

esteve obrigada, é com muita honra que acatei oconvite por parte do Exército para, na terra que meviu nascer, proferir algumas palavras.

Impõe-se, porém, afirmar, que estou ciente deque a exposição que se segue, pela enorme abran-gência temática, se apresenta como um conjuntode tópicos a que procurei dar coerência.

E porque de tópicos falo, permitam-me apre-sentar-vos a título de mera curiosidade as Ordensdo Dia de há 200 anos relativas aos dias 25 e 26 deMarço de 1811 (próxima página).

Território e mentalidadeSegundo o Professor Orlando Ribeiro “uma na-

ção é apenas um produto da História. Um grupo dehomens, unidos pela tradição comum, estabelecida,mantida e reforçada durante um longo passado deconvivência, pela igualdança do falar, pela expres-são dominante que entre eles tomam ideias e afec-

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tos, vive ligado embora por estes laços morais, so-bre um pedaço de solo. (…) A terra de um povo jánão é um simples dado da natureza, mas uma porçãode espaço afeiçoado pelas gerações onde se impri-miram, no decurso do tempo, os cunhos das maisvariadas influências. (…) Dentro do largo indetermi-nismo das acções humanas, o território sustenta econdiciona a história.”

Portugal, esse navio-nação em que no dizer deEduardo Lourenço nenhuma barca europeia é maiscarregada de passado do que a nossa tem comoconsciência maior o mar. Neste rectângulo com maisde 830 quilómetros de costa em que a maior larguraé a que vai de Campo Maior ao Cabo da Roca, oponto mais ocidental da Europa, nenhum lugar estáa mais de 218 quilómetros do Oceano Atlântico.

O nosso país, por elementares motivações as-sociadas à defesa da identidade nacional frente àstendências históricas centrípetas de Espanha, pro-curou, desde as origens precoces do estado moder-no em princípios do século XV, a sua segurança emesmo a sua razão de ser no exterior, isto é: no mar,que dava profundidade atlântica à sua defesa.

Pelo Tratado de Tordesilhas em 1494 o concertoantagónico dos interesses dos dois países ibéricosdetermina que cabe a Portugal, em termos marítimos,o Oceano Atlântico, o Mar Arábico, o Mar Vermelhoe o Golfo Pérsico, o Oceano Índico, o Mar da Chinae parte do Pacífico. Que potentado este de afirmaçãono lavrar de séculos que formatou e projectou amentalidade portuguesa por todo o mundo ondese fez o império.

As ligações com a InglaterraPortugal desde praticamente o início da nacio-

nalidade era um fiel aliado da Inglaterra. Para talcontribuíram as acções militares de cooperação,desde logo quando da conquista da cidade deLisboa em 1147, em que os cruzados ingleses toma-ram parte muito activa, realçando-se a particulari-dade de ter sido o clérigo inglês Gilberto o primeiroBispo de Lisboa.

Em 1381 D. Fernando com as suas pretensõesexpansionistas sobre territórios de Castela aliou-se a Eduardo III e depois a Ricardo II de Inglaterracom o fim de auxiliar as tropas do Conde deCambridge, nos pretensos direitos do Duque deLancastre ao trono de Castela.

Na Batalha de Aljubarrota em 14 de Agosto de1385, com enquadramento europeu da Guerra dosCem Anos, fazem parte da hoste portuguesa cemarcheiros britânicos enquanto que no ladocastelhano 700 lanças são de franceses e gascões.

Pelo Tratado de Windsor de 9 de Maio de 1386,era garantido o apoio a D. João I, mestre de Avis, nasua permanência no trono, ao mesmo tempo que seassegurava a nossa independência relativamente aCastela. Esta aliança política veio a ser reforçadapelo casamento de D. João I com D. Filipa deLancastre em 11 de Fevereiro de 1387.

Já no contexto do domínio filipino, o resultadodesastroso da “Invencível Armada”, em 1588, nascostas da Inglaterra e da Escócia representa o golpeprofundo de que o poder naval espanhol nuncamais recuperou. Foi o fim da Espanha como potênciamarítima. Nesta contingência é a Inglaterra que vaiassumir o poder e a supremacia marítima.

Em 1618 rebenta a Guerra dos Trinta Anos queopõe de um lado a Inglaterra, Holanda e Suécia eposteriormente a França e do outro a Espanha pelodomínio do continente europeu e do império mundial.

A Espanha, esgotadas as jazidas de prata naAmérica do Sul, perdido o poder naval e com oaparelho militar terrestre envelhecido, revela-seincapaz de garantir o seu poderio.

Tal situação vai ter reflexos directos negativosem Portugal pela mudança de atitude do poder de

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Iluminura da Batalha de Aljubarrota.

O Cerco de Lisboa, por Roque Gameiro.(Imagens cedidas pelo autor)

Madrid em função das necessidades da guerra, e, nadecorrência do levantamento de Junho de 1640 naCatalunha, por razões semelhantes, vai-se dar a nossaRevolução de 1 de Dezembro desse mesmo ano.

No início de 1641 foram enviadas missões diplo-máticas a Roma e a todos os inimigos de Espanhano sentido de sermos considerados como aliados.Porém a desilusão foi grande, pois se o poder por-tuguês na Europa era escasso os domínios portu-gueses possuíam posições comerciais e fortalezasestratégicas para o domínio dos comércios ultrama-rinos, e essas posições podiam-nos ser tiradas maisfacilmente como inimigos do que como aliados. Nãohouve solidariedade internacional e a Europa apro-priou-se das nossas posições coloniais.

Em 1648, pondo fim à Guerra dos Trinta Anos, éassinada a paz de Vestefália de que Portugal se vêexcluído e que veio a ser determinante no campo dasrelações internacionais, sendo que o sistema de esta-dos soberanos daí decorrente ainda hoje predomina.

Na decorrência da Guerra da Restauração, pro-cessa-se uma renovação da aliança e verifica-seuma nova ajuda dos soldados ingleses que se mos-trou fundamental na afirmação da nova dinastia.Consequentemente vir-se-ão a fortalecer as aliançaspolítica e sanguínea através do casamento de D.

Catarina filha de D. João IV com o rei de InglaterraCarlos II, juntamente com grandes cedênciasterritoriais pela nossa parte na Índia.

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Friedrich Hermanvon Shomberg.

D. Pedro II,“O Pacífico”.(Imagens cedidas pelo autor)

Com o fim da Revolta daCatalunha, em 1652, e a Pazdos Pirinéus celebradacom a França, em 1659, asforças militares espa-nholas viram-se de novocontra Portugal sendocontidas na Batalha dasLinhas de Elvas. Entre-tanto, a política dúpliceda França enviava-nos em

1660 o conde Shombergcom seiscentos militares, tra-

zendo consigo os ensina-mentos da escola militar de

Turenne, o método de combate maisevoluído do seu tempo.

Após a Batalha de Montes Claros, Portugal eEspanha que tinham partilhado o Mundo,

transformados em dois actores me-nores da cena internacional, irão

definhando. Enquanto à Espa-nha irá caber em maior núme-

ro o papel de “procurador”do poder Continental do-minante, Portugal assumiráo papel aliado preferencialdo Poder Marítimo numaperspectiva estratégica dedefesa do território euro-peu e das possessões ul-tramarinas, ao mesmo tem-po que procura manter um

estatuto neutral nos conflitoseuropeus.

Era essencial manter a defesadas linhas de comunicação marítimas

com as áreas de exploração económica,em particular com o Brasil, que constituía o grandesuporte da nossa economia e produção. E, sendoPortugal incapaz de o fazer com meios próprios, aaliança com a Inglaterra, enquanto PotênciaMarítima, assume o papel de centro de gravidadeda estratégia portuguesa.

Por sua vez a Grã-Bretanha, a caminho de setornar uma potência mundial, fixara claramente comoseu objectivo de política europeia o impedimentode qualquer hegemonia no continente europeu,accionando para isso frequentemente, os mecanis-mos do equilíbrio de poder. Nesse sentido a locali-zação estratégica de Portugal irá definir o seu papelbem como condicionar futuras pretensões de neu-tralidade nos conflitos emergentes.

D. Pedro II envolve-se na Guerra da Sucessão àcoroa de Espanha com propósitos expansionistas,

e, a reboque da Inglaterra que pretendia impedir ahegemonia borbónica da Europa, Portugal rompe otratado celebrado anteriormente com a França e coma Espanha em que apoiava Filipe V e passa a apoiaro arquiduque Carlos de Áustria ao trono espanhol.

Neste contexto celebrou-se o Tratado deMethwen com a Inglaterra, altamente nefasto emtermos comerciais para Portugal, e entramos na ligaofensiva contra a França. Seguiu-se uma guerra dedez anos que veio a terminar com o Tratado deUtrecht sem quaisquer vantagens para Portugal.

Das consequências da Guerra da Sucessão deEspanha, a tomada de Gibraltar pelos ingleses em1704, irá contribuir decisivamente para a consolida-ção do papel geoestratégico reservado a Portugalno contexto peninsular.

A hostilidade da Espanha à Inglaterra irá aumen-tar assim como o desinteresse da Inglaterra pelaEspanha conseguida que tinha sido a obtenção daposição estratégica mais importante no controlodas ligações do Mediterrâneo e do Atlântico.

Em 1762 a França, inimiga secular da Inglaterra,celebra com a Áustria e com a Espanha o Pacto deFamília, pelo qual esta se compromete a fechar osseus portos à Inglaterra bem como a obrigar Portu-gal, pela força das armas, a entrar na mesma aliança.A recusa de Portugal implicaria a sua repartição,ficando a Espanha com a parte continental e a Fran-ça com as colónias.

Dá-se a ruptura diplomática e o Marquês dePombal desenvolve uma activa preparação de forçaspara a defesa, no contexto da chamada Guerra Fan-tástica. Na sequência das solicitações efectuadasà Inglaterra e por interferência do rei Jorge III écontratado o conde de Lippe para vir exercer o co-mando em chefe do nosso Exército trazendo comele muitos oficiais estrangeiros.

Entretanto, os espanhóis, mesmo antes de qual-quer declaração de guerra, invadiam Trás-os-Mon-tes e ocuparam Miranda, Chaves, Bragança e Mon-corvo. Precedeu esta acção uma proclamação doMarquês de Sarria, comandante do exército espa-nhol em que declarava, tal como viria a acontecermais tarde em 1807 “que não vinha como inimigode Portugal, mas sim da Inglaterra, sendo o seu fimsomente apoderar-se dos nossos portos para osdefender contra os ingleses”.

Com a queda do Marquês de Pombal por mortedo rei D. José, os exagerados conservadorismo por-tuguês e poder religioso sentidos em todas as activi-dades, a par da excessiva dependência da Inglaterraque nos tratou sempre como uma colónia ou meroteatro de operações, precipitaram o mal-estar entreos oficiais portugueses e os oficiais estrangeiros,fazendo com que estes abandonassem o nosso Exér-

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A tomada de Gibraltar pelos ingleses em 1704, irá contribuir decisivamente para a consolidação do papel geoestratégicoreservado a Portugal no contexto peninsular.

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cito. Foi particularmente relevante pelas implicaçõesnegativas, no que respeita aos artilheiros e enge-nheiros que tinham prestado importantes serviços.Consequentemente as instituições militares decaí-ram, tendo sido mesmo colocadas em causa as dispo-sições mandadas adoptar pelo conde de Lippe. Osefectivos dos regimentos de Infantaria foram reduzi-dos, bem como suprimidos alguns regimentos.

No final do século XVIII a falta de empenhocolocado na organização, na instrução e na discipli-na do Exército aconselhava a mantermo-nos forade qualquer intuito bélico.

Reagindo ao impacto da Revolução Francesa, acorte portuguesa vê-se dividida entre uma correnteanglófila que defende uma aproximação a Londresna luta contra o expansionismo francês projectadanos campos ideológico e territorial, e outra favorá-vel a um entendimento com Paris.

A Revolução Francesa e a morte de Luís XVIprovocaram uma coligação contra a França, em quea Inglaterra, dirigindo esse movimento, nos arrastoupara a luta.

Portugal, após o tratado de aliança com a Espa-nha a 15 de Julho de 1793 e outro com a Inglaterra a16 de Setembro, organizou uma divisão auxiliarcomposta de seis regimentos de infantaria e umabrigada de artilharia, com cerca de seis mil homens,que sob o comando do Tenente-General JoãoForbes Skellater, a qual participou nas campanhasda Catalunha e do Rossilhão.

A constituição desta força depauperou de formaacentuada os regimentos mobilizadores de tal formaque estes não tinham gente para o serviço de guar-nição. Muitos oficiais foram dados por incapazesde partirem na expedição pois era grande o número

de tenentes e alferes com mais de 50 anos de idade.Relativamente às praças de pré, como consequên-cia da longa permanência nas fileiras, na sua grandemaioria com 40 anos de serviço, foi enorme o númeroque teve de ser transferido por incapacidade demarchar e fazer a guerra.

Ao mesmo tempo que tínhamos enviado esta di-visão a auxiliar o exército espanhol, enviámos tambémuma esquadra de 7 navios que reunindo-se a umaesquadra inglesa foi bloquear os portos de França.

Entretanto a Espanha, sem nos consultar, fazcom a França o Tratado de Paz de Basileia em 22 deJulho de 1795, e Portugal continuava em guerra coma França, conservando-se aliada da Inglaterra.

No ano seguinte a Espanha, ainda há pouco nos-sa aliada contra a França, unia-se agora a esta peloTratado de Santo Ildefonso de 18 de Agosto e obriga-va-se a compelir-nos pelas armas a abandonarmos aaliança inglesa. Secretamente era acordada, nova-mente entre as duas nações, a divisão de Portugal.

No decurso dos jogos diplomáticos e do fervilhardas intrigas internacionais que colocavam em perfeitodescrédito acordos e tratados de ontem, era aconse-lhável que se prestasse toda a atenção às questõesmilitares e que as nações estivessem preparadas paradefenderem pelas armas a sua independência.

Mas de forma contrária, o poder político portu-guês entendia que não havia perigo e pouco ounada cuidava deixando cair as instituições militares,sendo disto exemplo o decreto publicado no dia 1de Janeiro de 1800 em que o Marechal General Du-que de Lafões era autorizado a proceder a um amplolicenciamento em todos os corpos do Exército.

Em 29 de Janeiro de 1801 a Espanha concluíacom a França um tratado para invadir Portugal.

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D. João Carlos de Bragança Sousa e Ligne, 2.º Duque de Lafões.

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Em Fevereiro a Espanha declarou-nos guerratendo começado as hostilidades em Maio dessemesmo ano.

O Príncipe Regente D. João não acreditava queo sogro Carlos IV fizesse uma guerra a sério e foideterminando prudência e morosidade, e o próprioduque de Lafões, com a idade de 82 anos, marcharapara o exército convicto que as tropas espanholasse limitariam a uma simples demonstração paraaparentar que satisfazia às imposições da França. Édisso esclarecedor o que o Duque de Lafões escreveao General espanhol D. Francisco Solano: “Portugale Espanha são duas bestas de carga. A Inglaterranos excita a nós, e a França vos aguilhoa a vós.Agitemos e toquemos pois as nossas sinetas, maspelo amor de Deus, não nos façamos mal algum.Muito se ririam em tal caso à nossa custa”.

Em 14 de Maio de 1801 Don Manuel Godoy,comandante em chefe do exército espanhol,referindo-se aos portugueses na proclamação àssuas forças escreve: “…Um povo tenaz, emboradébil, é o obstáculo ao bem comum; buscamos apaz que este inimigo afasta” e mais à frente “Astropas francesas, vitoriosas em todo o mundo, vêmempenhar-se connosco nesta empresa…”. Na reali-dade um corpo de tropas francesas, de 15.000 ho-mens, comandado pelo General Leclerc, colocava-se ao longo da fronteira, desde Ciudad-Rodrigo até

Zarza-Mayor, observando a província da BeiraBaixa, desde Almeida ao Tejo.

As instruções dadas pelo Duque de Lafões vãono sentido de evitar acções gerais e combater oinimigo na guerra de postos ou na guerra damontanha. Deveria ser estabelecido um cordão detropas de Niza até Arronches sendo o objectivoprincipal o impedimento da travessia do Tejo peloexército invasor entre Abrantes e Santarém. É nesteplano que, entre outras ocorrências e vicissitudes,se dá o cerco de Campo Maior em Maio de 1801.

Será celebrado o Tratado de Paz de Badajoz a 7de Junho, mas perante a não aceitação por NapoleãoBonaparte dos termos acordados bem como daexistência de um exército francês em Espanha comcerca de 30.000 homens virá a ser celebrado oTratado de Madrid, em 29 de Setembro, em queOlivença é cedida a Espanha bem como, entre ou-tros, é assumido o compromisso de pagar à Françaa enorme quantia de 20 milhões de libras tornezaspara além de fecharmos os portos aos ingleses.

Entretanto a Inglaterra, que alegava não ter tropaspara nos ajudar na defesa, desembarcou na ilha daMadeira a 24 de Julho de 1801 uma força de 4.000homens referindo ser “como aliados e irmãos”. Portu-gal protestou mas a retirada só se verificou em Marçode 1802. Por aqui se vê o que poderia ter acontecidose tivéssemos optado pela coligação continental.

Porém se a França viesse a ocupar a Península,a Inglaterra garantia o controlo de um ponto deapoio essencial à movimentação das esquadras entreo Atlântico e o Mediterrâneo.

As Campanhas de 1801 acentuaram a decadên-cia do Exército português. Levaram à demissão doDuque de Lafões e à sua substituição pelo CondeGoltz no comando em chefe do exército em 23 deJulho de 1801 e, em Dezembro, é criado um ConselhoMilitar. Mas as facções idealistas afirmam-se,particularmente por influência das maçonarias, everificam-se cisões no seio do Exército.

Em França verifica-se a progressão apoteóticade Napoleão, 1.º cônsul em 1802 e imperador em1804. O seu génio militar afirma-se através da orga-nização permanente da “Grande Armée” em Corposde Exército com grande capacidade de independên-cia a que estava associada uma enorme mobilidade.

Ocorrem as batalhas de Ulm e de Austerlitz emque é confirmada a hegemonia continental francesa,mas, em contrapartida, na batalha de Trafalgar em21 de Outubro de 1805 a esquadra franco-espanholaé esmagada o que vai ser determinante em termosestratégicos para o nosso país, pois a França nãopoderá consentir que Portugal seja o porto deentrada da potência marítima no continente.

Em Outubro de 1806 Napoleão ganha aos prus-

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Retrato de William Carr Beresford em grande uniforme doExército Português.

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sianos a batalha de Iena, após o que publicava a 21de Novembro em Berlim um decreto onde se decla-ravam as ilhas Britânicas em estado de bloqueio.

Em Junho de 1807 era assinada a paz de Tilsittcom a assinatura do Tratado de Aliança entreNapoleão e o Czar Alexandre. Portugal não podendomanter a neutralidade assegurada pelo pagamentoanteriormente efectuado à França, vai-se aliar defacto à Inglaterra.

Em Agosto de 1807 Napoleão ordena a prepa-ração de um exército de 28.000 homens sob ocomando do general Junot, antigo embaixador emLisboa e, a 27 de Outubro, a França assina com aEspanha o Tratado secreto de Fontainebleau peloqual Portugal é dividido em três pequenos estadose a Espanha se compromete a ajudar os francesesna conquista do país.

Nestas circunstâncias a solução foi, após a assi-natura de uma convenção secreta com a Inglaterra,que previa a protecção pela marinha inglesa, atransferência da corte para o Brasil, projecto já ama-durecido anteriormente por um quadro de fraquezaperante potências manifestamente superiores. Assimcerca de 15.000 pessoas, todo o estrato superior dasociedade abandonou o país em quinze navios deguerra, quase toda a esquadra portuguesaoperacional, e em mais vinte navios mercantes.

O embarque e a saída dão-se entre 27 e 29 deNovembro de 1807 e a chegada de Junot a Lisboaverifica-se no dia seguinte, tendo a recebê-lo oscumprimentos do Conselho de Regência nomeadopelo Príncipe D. João e com a indicação que não sehostilizassem os franceses e que fossem acolhidoscom cordialidade. A conquista estava feita sem amenor resistência.

Após a passagem da esquadra que transportavaa corte pela Madeira, uma esquadra inglesa trans-portando uma pequena força de dois regimentoscomandada pelo general Beresford aportou à ilha eexigiu a capitulação que foi efectivada a 26 deDezembro. Esta ocupação militar iria manter-se atéao fim do ano de 1814 o que demonstra que a confi-ança da Inglaterra em Portugal nunca foi muito fortee que a importância das posições estratégicas parao controlo das rotas marítimas não era questionadapor razões de moralidade política.

No início de 1808 tínhamos um Exército destruí-do, pois as melhores forças estavam a caminho deFrança para combater com Napoleão na Legiãoportuguesa levando consigo as melhores chefias ea maioria da Marinha de Guerra portuguesa tinhapartido com a Rainha para o Brasil. O Exército tinhasido desmobilizado, retiradas as armas e os cavalos,para além de que as milícias e as ordenanças tinhamsido completamente desfeitas.

Ao mesmo tempo que o domínio francês em1808 se impunha com altos impostos e uma pesadatributação a título de resgate, o Príncipe RegenteD. João como represália a Napoleão, envia umaexpedição de 700 homens no início de 1809 a ocupara Guiana Francesa, tendo sido anexada com a ajudanaval inglesa.

Porém, o quadro ir-se-á modificar, conformeinflui do conteúdo da carta de Junot a Napoleão em14 de Fevereiro de 1808 da qual se extrai que “asguarnições de Elvas e Campo Maior foram consti-tuídas por dois Regimentos da Divisão Carrafadispostas pelo General Solano” e que “estavaprevista o desarmar e tornar inoperantes as tropasespanholas podendo as tropas portuguesas e oshabitantes servir para as conter ou vigiar em casode necessidade e grande prazer teriam nisso”.

Entretanto, Napoleão tem em Espanha cerca de100.000 homens, e a população espanhola vai-serevoltar nos célebres acontecimentos do dia 2 deMaio em Madrid. As tropas espanholas que tinhamvindo com Junot irão regressar a casa.

Como um rastilho, toda a península irá sentir avaga contra o francês. Em Portugal os levantamen-tos populares anarquizaram a hierarquia do Estado,criando um vazio de poder interno que seria ocu-pado posteriormente por Beresford e os ingleses aomesmo tempo que as Milícias e as Ordenanças viriam

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Brasão de Armas da Vila de Campo Maior

Armas − Escudo de prata, com duas palmas de verdecruzadas em aspa com uma quina de Portugal orlada deouro no cruzamento. As palmas acompanhadas de quatroleões rompantes de vermelho e linguados de azul, comuma espada de prata na mão direita. Coroa mural dequatro torres. Dois listeis brancos respectivamente, comos seguintes dizeres: “LEALDADE E VALOR” e “LEALE VALOROSA VILA DE CAMPO MAIOR”.

Duas palmas de verde − Simbolizam o martírio e avitória, e o verde destas a esperança e fé.

Quatro leões − Simbolizam a força, a heroicidade ea energia. A sua cor vermelha significa ardor nas guerras,a língua azul significa zelo e lealdade, e a espada na mãodireita serve para recordar a heroicidade dos habitantesdesta vila.

A quina de Portugal − Assinala o facto de CampoMaior ficar na fronteira, indicando uma sentinela dePortugal.

O escudo de Prata − Significa eloquência, humildadee riqueza.

a sustentar uma resistência continuada em prol daunidade de comando e da acção de conjunto do exér-cito Anglo-Luso sob as ordens de Arthur Wellesleyque inviabilizou definitivamente as pretensõesnapoleónicas de ocupação de Portugal.

Do exposto anteriormente depreende-se deforma genérica que os estados existem sobretudocom duas finalidades básicas, que são a busca desegurança e de bem-estar face à escassez dos recur-sos. É nesta contingência que se verifica o poderdos grupos ou dos estados na sua interacção comoutros grupos ou outros estados no pressupostode que a natureza das relações internacionais sefoca não nas amizades mas sim nos interesses.Quando necessário é utilizada a coacção atravésdos diferentes sistemas de forças.

Campo MaiorA natureza histórica de Campo Maior liga-se de

forma específica ao domínio e à afirmação de auto-ridade naquele que era um espaço periférico, distantedos locais habituais de exercício do poder estatal e emque a sua localização como uma das principais praçasde guerra inseria-se primordialmente no complexo de

defesa territorial de grande importância estratégicaque era a zona de fronteira que cortava um dosprincipais eixos de penetração militar Madrid-Lisboa.

São comummente referidas as várias designa-ções para o conflito que, no contexto das chamadasGuerras Napoleónicas, abrangeu como teatro deoperações a Península Ibérica, Invasões Francesas,Guerra Peninsular ou Guerra da Independência naconformidade dos actores intervenientes e dosobjectivos em causa.

Na nossa perspectiva não podemos deixar deconsiderar que, à parte os tempos exactos em queocorreram os actos formais de declaração de guerrapelos diversos intervenientes, as acções militaresde 1801 e de 1807 constituíram-se na prática comointrodução à Guerra Peninsular.

Campo Maior, que se situou desde sempre nalinha da frente da defesa territorial, apresenta-se nesteenquadramento, em termos de conflito militar directo,no princípio, pelo cerco que sofreu desde 20 de Maiode 1801 por ocasião da chamada Guerra das Laranjas,no meio, quando no início do mês de Julho de 1808cria a sua Junta governativa, que foi a primeira doAlentejo, e também, no fim, quando após o cerco daVila desde 12 de Março de 1811, se dá o Combate deCampo Maior a 25 de Março do mesmo mês.

A forma indómita e corajosa como a sua popula-ção se comportou durante o cerco de 1811 constitu-iu um marco de tal forma relevante que determinouo reconhecimento por portaria do reino com aatribuição do título de Leal e Valorosa Vila de CampoMaior, e, com tal ênfase, que na sequência do com-bate que se lhe seguiu, ao Marechal do ExércitoPortuguês William Carr Beresford veio a serconcedido por decreto da Rainha D. Maria I o títulode Marquês de Campo Maior.

Bibliografia geral- A. J. R. Russel-Wood − Portugal e o Mar Um Mundo

Entrelaçado − Cadernos do Pavilhão de Portugal EXPO98− Assírio & Alvim;

- António Pedro Vicente − Le Génie Français auPortugal Sous L'Empire − Lisbonne −1984 ;

- António Pedro Vicente − Guerra Peninsular 1801/1814 - Guerras e Campanhas Militares - Quidnovi − 2007;

- Carlos Bessa − Memória da Batalha Real no 6.ºCentenário da Batalha de Aljubarrota − Comemoração doVI Centenário − Academia Portuguesa de História − LisboaMCMLXXXVIII;

- Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda − HistóriaOrgânica e Política do Exército Português − Provas −Volume XI − Guerra Peninsular;

- Coronel J. Lúcio Nunes − As Brigadas de CavalariaPortuguesa na Guerra Peninsular − Edição de Álvaro Pinto− Lisboa 1954;

- Eduardo Lourenço − Nós Como Futuro − Cadernos doPavilhão de Portugal EXPO98 − Assírio & Alvim;

- Fernando Mendes - Restauração de Portugal − JoãoRomano Torres & C.ª Livraria Editora;

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- General L. P. Mesquita Carvalho − Guerra Peninsular− Typ. Minerva de Gaspar Pinto de Sousa & Irmão −Famalicão 1904;

- Hipólito de la Torre Gómez − O Legado Presente dePortugal − Portugal na Viragem do Século − Valor daUniversalidade − Cadernos do Pavilhão de Portugal EXPO98− Assírio & Alvim;

- José Alberto Loureiro dos Santos − Apontamentos deHistória para Militares − Instituto de Altos Estudos Militares− Lisboa 1979;

- José Alberto Loureiro dos Santos − Incursões noDomínio da Estratégia − Fundação Calouste Gulbenkian −Maio 1983;

- José Manuel Freire Nogueira − As Guerras Liberais −Uma reflexão estratégica sobre a História de Portugal −Edições Cosmos - IDN Lisboa 2004;

- Luís Cunha − Memória Social em Campo Maior − Usose Percursos da Fronteira − Publicações Dom Quixote 2006;

- Ordens do Dia do Ano de 1811;- Tenente-General Manuel Fernando Vizela Marques

Cardoso − Portugal nas vésperas das invasões francesas;

contexto geopolítico e geoestratégico − Revista MilitarJulho de 2010.

BiografiaNatural de Campo Maior, onde nasceu em 9 de Junho

de 1956, o Major do Serviço Geral do Exército João JoséCarixas Silveirinha é licenciado em História (vertentecientífica) pela Universidade de Lisboa.

É ex-aluno do Instituto dos Pupilos do Exército eoriundo da Classe de Sargentos. Fez o Curso de Formação deOficiais no extinto Instituto Superior Militar no biénio1989/91, ingressando no Quadro de Oficiais do ServiçoGeral do Exército, e, posteriormente, o Curso de Promoçãoa Oficial Superior no Instituto de Altos Estudos Militaresno ano de 2002.

Transitou para a situação de Reserva, a seu pedido, nodia 2 de Julho de 2008.

Actualmente é o Presidente do Núcleo de Campo Maiorda Liga dos Combatentes, o qual ajudou a fundar no iníciode 2010.

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Texto: Dr. Rui Dias Sena

A POLÍTICA de DEFESAportuguesaantes e durantea GUERRA COLONIAL

Portugal, durante a década de cin-quenta, recebeu uma doutrina militarcom vista à realização de uma guerrado tipo convencional, acompanhada

por todo o equipamento e armamento para a suaexecução. Todos estes ensinamentos terão de seralterados e redireccionados para um tipo de guerrapara o qual Portugal não estava preparado, tendode efectuar uma guerra de contra-guerrilha numambiente geográfico para o qual não se tinha pre-parado. Mudava assim de um teatro de operações

europeu (Pirenéus), para um teatro de operaçõesafricano (Angola, Guiné e Moçambique), apre-sentando, estes três, geografias muito diversas.

Para a Guerra Colonial, Portugal possuía aindaa organização, implementada pelas reformas NATO;sucintamente, foi criado o cargo de ministro da De-fesa sem possuir um ministério próprio, permaneciaa coexistência de um ministério do Exército e daMarinha, foi igualmente criado o cargo de chefe doEstado-Maior General das Forças Armadas(CEMGFA). Por fim, cabia ao ministro da Defesa

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gerir o orçamento e a condução operacional dasForças Armadas e coordenar os ministros do Exér-cito e da Marinha. A estes ministérios estavam entre-gues as questões administrativas e logísticas.1

Em 1958, com a nomeação do general BotelhoMoniz para o cargo de ministro da Defesa e com oafastamento de Santos Costa, as Forças Armadasportuguesas entravam numa nova fase, pois o novoministro sentia necessidade de adaptar o dispositivomilitar português à mudança político-militar quePortugal teria de fazer em pouco tempo.2 BotelhoMoniz tinha à sua volta oficiais da geração NATOe mantinha contactos com o embaixador norte-ameri-cano de Lisboa. As suas pretensões para executarum golpe militar tinham claras ligações à políticanorte-americana para África encabeçada porKennedy.3 Deve-se acrescentar que Botelho Moniz,juntamente com os seus apoiantes, pretendia umasolução para o que se passava em África; a soluçãoera ainda mais urgente após os acontecimentos de15 de Março de 1961. A tentativa de golpe de Estadofalhou e tal facto deu tempo a Salazar para respondere assegurar o regime. Salazar respondeu remodelan-do o governo e demitindo os militares que se mostra-vam ser obstáculos à política colonial do regime.Assim, a tentativa de golpe acabaria por beneficiaro próprio regime. A remodelação ministerial fez comque Salazar assumisse o cargo de Ministro da Defe-sa, Almeida Fernandes foi substituído por MárioSilva na pasta do Exército e Adriano Moreira subs-tituiu Vasco Lopes Alves. O CEMGFA Beleza Ferrazfoi substituído pelo general Gomes de Araújo e osecretário de Estado do Exército Costa Gomes foidemitido.4 Salazar, com estas alterações conseguiueliminar as resistências militares perante a políticacolonial e militar. Ao mesmo tempo, ocupava os car-gos vazios com homens em que detinha maior confi-ança e que estavam alinhados para fazer a guerra emÁfrica, esta remodelação ministerial munia o regime

para executar um conflito bélico que duraria treze anos.Ainda antes de 1961, existia uma clara noção do

risco de surgimento de movimentos de libertação,nos diversos territórios coloniais portugueses. Poressa razão, várias medidas foram tomadas: em 1957,saiu um memorando sobre “Plano Geral de AcçãoAnti-Subversiva em África”.5 Foi elaborado umestudo sobre contra-guerrilha e, ao mesmo tempo,foram enviados oficiais portugueses para cursosde formação em França, Inglaterra e Bélgica.6 Por-tanto, era esta a missão de vertente europeia, conhe-cer o inimigo que teriam de enfrentar através daexperiência de outros países europeus com proble-mas semelhantes. Ao mesmo tempo, surgiram mis-sões de carácter africano, para conhecer quais asnecessidades ao nível de infra-estruturas, acomo-dação e como tirar o melhor proveito das Forças

1 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),1961 − O princípio do fim do impérios. Anos da GuerraColonia, Vol. II, pp.80 e 81.

2 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos quegeraram um novo mundo, Vol. I, p.36.

3 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),1961 − O princípio do fim do império. Anos da GuerraColonia, Vol. II, p.52.

4 Idem, Ibidem, pp.57 e 60.5 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),

Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos quegeraram um novo mundo, Vol. I, p.22.

6 António José Telo, “A prioridade a África (1959 -1974)”, in, Nova História Militar, dirs. Manuel ThemudoBarata e Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno SeverianoTeixeira, 4.º Vol, p.465.

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Passou a existir a possibilidade de as mulheres exercerem voluntariado. Todavia, este não foi muito incentivado peloEstado Novo, tendo havido apenas mulheres enquanto enfermeiras pára-quedistas (Tancos, Agosto de 1961).

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Armadas portuguesas no território. Compreendeu-se, no fim de tais missões, que existiam falhas namobilidade táctica, no apoio aéreo e ausência deforças de intervenção.7 Por fim, começou o estudopara a criação de unidades especializadas na lutade contra-guerrilha e o seu respectivo equipamentoe armamento. A Força Aérea com os pára-quedistas,a Armada com os fuzileiros e o Exército com ascompanhias de Caçadores e, mais tarde, com osComandos.8 Em 1959, e a partir de Outubro foramtomadas várias medidas relacionadas com o even-tual conflito colonial. O Ministério do Exército foireorganizado passando a possuir jurisdição militarsobre os territórios coloniais.9 Poucos dias depois,nesse mesmo mês de Outubro, saiu uma directivado mesmo Ministério, elaborada pelo coronelAlmeida Fernandes, sobre a definição militar para apolítica portuguesa. Em 1960, mais propriamenteno mês de Abril e por despacho, era concedido umsubsídio para o fardamento dos oficiais e sargentos,possivelmente a prever o esforço de guerra e comoforma de minorar o esforço financeiro dos militares.Para além disso foram concedidos três tipos deabonos: o primeiro era anual para oficiais esargentos do quadro permanente que estivessemem actividade, fossem casados ou tivessemelevados encargos familiares. O segundo era umabono devido a uma promoção ou seria um abono

trienal; o despacho não explicita em detalhe esteabono, alertando para que a situação seriabrevemente esclarecida. O último tipo de abono erade tipo “suplementar” e destinava-se para osoficiais e sargentos em que a relação de encargosfinanceiros com a família a seu cargo e mediante oseu vencimento justificasse esse mesmo abono,sendo por isso anual.10

Resumidamente, Portugal mantinha os compro-missos NATO, não pretendendo criar novos com-promissos, procurou manter o Pacto Ibérico mascom uma clara ligação à defesa dos Pirenéus, masessa mesma defesa começava a ser consideradaapenas simbólica a nível político, existia sim aprioridade de intensificar a defesa militar dos territó-rios coloniais portugueses, aumentar a importânciada Força Aérea nesses mesmos territórios e diplo-maticamente encontrar aliados para a questão militarportuguesa em África.11 No mês de Novembro, umdespacho ministerial dava aval para a criação doCentro de Instrução de Operações Especiais, ouseja, para a criação de tropas especializadas emcontra-guerrilha.12 Na Armada criou-se ainda nomesmo mês, o Centro de Comunicações da Armadapara criar uma rede de comunicações navais comos territórios coloniais.13 Por fim, o resultado detodos estes estudos e das formações que os milita-res portugueses receberam, resultou na compilação

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A africanização das tropas portuguesas surgiu em meados desessenta, altura em que o esforço de mobilização da socieda-de portuguesa começava a dar sinais de alguma exaustão.

7 Idem, Ibidem, p.465.8 Idem, Ibidem, pp.465 - 466.9 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),

Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos quegeraram um novo mundo, Vol. I, p.36.

10 “Serviços Sociais das Forças Armadas”, Jornal doExército, Setembro, 1961, p. 24.

11 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos quegeraram um novo mundo, Vol. I, p.36.

12 Idem, Ibidem, p.37.13 Idem, Ibidem, p.37.14 Idem, Ibidem, p.37..

15 Nuno Severiano Teixeira, “Portugal e as Guerras daDescolonização”, in, Nova História Militar, dirs. ManuelThemudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. NunoSeveriano Teixeira, 4.º Vol, p.76.

16 Luís Salgado de Matos, “Estado Novo”, in, NovaHistória Militar, dirs. Manuel Themudo Barata e NunoSeveriano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.ºVol, p.181.

17 Idem, Ibidem, p.182.18 Nuno Severiano Teixeira, “Portugal e as Guerras da

Descolonização”, in, Nova História Militar, dirs. ManuelThemudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. NunoSeveriano Teixeira, 4.º Vol, p.76.

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de: O Exército na Guerra Subversiva, que seria umconjunto de cinco volumes em 1963.14 Tal “manual”seria a base padrão para Portugal fazer a guerra emÁfrica durante os treze anos de conflito.

Todo o esforço de guerra português trouxe con-sigo alterações às Forças Armadas portuguesas,desde o número de efectivos, a organização interna,armamento, equipamento e doutrina.15 Desde a im-plantação da Primeira República, havia uma legis-lação favorável à implantação do exército miliciano,de carácter obrigatório e universal. A Guerra Colo-nial, volvidos cinquenta anos, surgia como sendoa ocasião ideal para colocar tal projecto em marcha.Foi a partir de 1961 que o serviço militar passouverdadeiramente a possuir um a carácter universale obrigatório, ou seja, miliciano.16

O esforço militar fez-se sentir a todos os escalõesda vida militar. Desde os praças aos quadros perma-nentes de sargentos e oficiais. O modo de instruiros soldados para a guerra variou ao longo dos trezeanos de conflito. Um possível padrão pode serinterpretado com três a quatro meses de instruçãomilitar básica, seguido de uma instrução com vistaao aperfeiçoamento operacional. O exército operava75 centros de instrução e 22 especialidades.17 Oserviço militar obrigatório foi igualmente alargadopara seis meses de instrução e dois anos demobilização.18 Geralmente era alargado por mais umano, sendo que o período de mobilização/combatepoderia chegar aos três anos e alguns meses. Orecenseamento devia ser efectuado aos 18 anos,mas as obrigações militares em tempo de paz apenascomeçavam aos 21 e terminavam aos 45 anos. Apartir de 1968, uma nova lei do serviço militar trouxealgumas alterações à sua antecessora datada de1937: para além do serviço militar para os homenscontinuar a ser obrigatório, passou a existir a pos-sibilidade de as mulheres exercerem voluntariado.Todavia, este não foi muito incentivado pelo EstadoNovo, tendo havido apenas mulheres enquantoenfermeiras pára-quedistas.

Algo que mudou igualmente foi a africanizaçãodas tropas portuguesas. Esse fenómeno surgiu em

meados de sessenta, altura em que o esforço demobilização da sociedade portuguesa começava adar sinais de alguma exaustão, sendo que a africa-nização das tropas atenuou esse problema. Paraalém disso, empregava população africana, o queprovocava melhores condições de vida ao soldadoe, por conseguinte, à sua família. Possuía ainda ou-tra consequência: passava-se uma mensagem deintegridade entre a metrópole e as colónias no es-forço contra os movimentos de libertação, externa-mente para a comunidade internacional, internamen-te para a sociedade portuguesa e para a oposiçãoao regime. Essa africanização foi de facto notóriaquando verificada ao nível percentual: em 1961 amédia de tropas africanas rondava os 20,9% e noano de 1974 situava-se nos 38,7%. Evidentemente

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Os cadetes-alunos que se iniciaram na Academia Militar em Outubro do ano de 1963, iniciavam a primeira comissão comoalferes em Janeiro de 1967 e, em Janeiro de 1970 já estariam a comandar uma companhia como capitão.

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que estas variavam entre os diversos teatros deoperações: Angola com valores na ordem dos 14,9%para 42,4%; Moçambique calculava-se percenta-gens na ordem dos 26,8% para 53,6%; e na Guinéera a única situação inversa de 21,1% para 20,1%.19

O caso da Guiné pode ser explicado pela fraca pene-tração no interior daquele território e pela clara difi-culdade das Forças Armadas portuguesas se im-porem no território.

Para o esforço de guerra convocou-se milicianosque já tinham prestado serviço militar na metrópole.Criou-se um quadro à parte de oficiais, seleccionan-do-se cadetes dos cursos de oficiais milicianos paraum curso intensivo e para ascender a uma rápidapromoção a capitão. Obviamente que tal condutateve consequências e foi necessário legislar, sendoque mudaram-se os critérios de antiguidade dosoficiais do quadro permanente, entre os provenien-tes da Academia Militar e os de origem miliciana.20

Os oficiais milicianos seriam formados em Mafra eos sargentos em Tavira.21 A Academia Militar viu

os seus cursos abreviados e leccionados de formaintensiva para responder às necessidades da guer-ra, tendo ficado pelos três anos.22 Concretamenteem 1965, publicou-se uma Portaria n.º 21 373, deorigem conjunta dos Ministérios das Finanças edo Exército, para intensificar a formação dos alunosda Academia Militar e uma entrada mais rápida nosquadros permanentes. Permitia assim que os cade-tes-alunos que se iniciaram na Academia Militar emOutubro do ano de 1963, iniciavam a primeira comis-são como alferes em Janeiro de 1967 e, em Janeirode 1970 já estariam a comandar uma companhia comocapitão.23 Ou seja, um cadete-aluno teria uma for-mação de 39 meses até receber a sua primeira comis-são e chegaria a capitão ao fim de 36 meses após asua primeira comissão.

Em 1966, através do Decreto-Lei n.º 47 414, en-quanto existisse um conflito militar nos territórioscoloniais portugueses era permitido que o Ministrodo Exército autorizasse por despacho a promoçãode oficiais ao posto imediato sem a necessidade da

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19 John P. Cann, Contra-subversão em África: Comoos portugueses fizeram a guerra em África, 1961-1974,p.121-127.

20 Nuno Severiano Teixeira, “Portugal e as Guerras daDescolonização”, in, Nova História Militar, dirs. ManuelThemudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. NunoSeveriano Teixeira, 4.º Vol, p.77.

21 Luís Salgado de Matos, “Estado Novo”, in, Nova HistóriaMilitar, dirs. Manuel Themudo Barata e Nuno SeverianoTeixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.182.

22 Idem, Ibidem, p.181.23 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),

1965 − Continuar a guerra. Anos da Guerra Colónia, Vol.VI, p.51.

24 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),

1966 − Construir um bastião branco na África Austral.Anos da Guerra Colónia, Vol. VII, p.90.

25 Idem, Ibidem, p.90.26 Luís Salgado de Matos, “Estado Novo”, in, Nova

História Militar, dirs. Manuel Themudo Barata e NunoSeveriano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.ºVol, p.175.

27 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.),1961 − O princípio do fim do império. Anos da GuerraColonia, Vol. II, p.54.

28 Idem, Ibidem, p.54.29 Nuno Santa Clara Gomes, “Armamento Português”

in Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords), OsAnos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos quegeraram um novo mundo, Vol. I, p.63.

frequência de cursos de formação para essa mesmapromoção.24 Era mais uma medida para fazer face àcrise do quadro de oficiais, principalmente no quediz respeito ao posto de capitão. A solução foi con-vocar tenentes milicianos que se encontravam nadisponibilidade.25

Ao nível do comando, os soldados em territórioafricano eram comandados pelo CEMGFA, este eranomeado através do chefe do Governo e ministroda Defesa. Outra figura, não menos importante nahierarquia do comando era o comandante-chefe(CC), que era um general do Exército, existindo umCC em cada província de cada teatro de operações.Em 1969, o CC seria reconhecido como sendo oresponsável pelas operações, podendo chegar aacumular o cargo de governador geral.26 As respon-sabilidades dos governadores e dos comandantes-chefes de cada território colonial, foram assentesno Decreto-Lei n.º 43 560 de Março de 1961. Assim,o governador de cada província era o representantedo Governo Português, a sua política era fruto dacoordenação entre o governador, e o ministro daDefesa e do Ultramar, criando-se assim a respectivapolítica de defesa nesse mesmo território. Ao gover-nador cabia-lhe uma interacção com o CC, no quediz respeito a informá-lo da necessidade daaplicação, ou não, das Forças Armadas norespectivo território.27 Ainda durante o ano de 1961,nos meses de Maio e Junho, foram nomeados no-vos governadores-gerais que eram militares, maisespecificamente oficiais-generais acumulando asfunções de comandantes-chefes.28 Continuavam aexistir duas responsabilidades, a civil e a militar,mas centradas apenas numa única personalidade.Esta medida tinha como objectivo evitar falhas decoordenação e rivalidades entre os poderes civil emilitar.

Evidentemente que a Guerra Colonial inseriu mu-danças nos três ramos das Forças Armadas portu-guesas. Estas combateram uma guerra com um arma-mento diverso, fruto de diversas aquisições que

foram sendo feitas ao longo do século XX, principal-mente desde o reequipamento dos anos 30 até àreforma NATO.29 Com a entrada de Lyndon Johnsonna presidência norte-americana, mudou a políticaperante a situação portuguesa em África. Deu-semaior destaque para o conflito no Vietname e para aGuerra Fria com a URSS. A questão com Portugalpassou a centrar-se na tentativa de aceitação porparte do Estado Português do princípio da autode-terminação e os EUA começaram a apoiar discreta-mente o esforço de guerra português.

Fontes e BibliografiaBibliotecas/Arquivos consultadosBiblioteca Nacional de PortugalFontes- Jornal do Exército de 1960 a 2009- Revista Militar de 1910 a 2009- Ordens do Exército de 1910 a 1971- Diário do Governo e Diário da República de 1910

a 1971Bibliografia- Anónimo, “Serviços Sociais das Forças Armadas”,

Jornal do Exército, Setembro, 1961, p. 24.- Anónimo, “A instrução do Exército”, Jornal do

Exército, Março, 1972, pp.6-9.- AFONSO, Aniceto e GOMES, Carlos de Matos, Os

Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos que geraramum novo mundo, Vol. I, Lisboa, Quidnovi, 2009.

- IDEM, Os Anos da Guerra Colonial. 1961: O princípiodo fim do império, Vol. II, Lisboa, Quidnovi, 2009.

- IDEM, Os Anos da Guerra Colonial. 1962: Optar pelaguerra, Vol. III, Lisboa, Quidnovi, 2009.

- BARATA, Manuel Themudo e TEIXEIRA, NunoSeveriano (coords.), Nova História Militar, 4.º Vol, Lisboa,Círculo de Leitores, 2004.

- BASGRA, S.J., Portugal and NATO, Angola Comité,Amesterdão, 1969.

- CANN, John P., Contra-subversão em África: Comoos portugueses fizeram a guerra em África, 1961-1974,Lisboa, Prefácio, 2005.

- CUNHA, Manuel Barão da, “O papel da população naguerra subversiva”, Jornal do Exército, Novembro, 1973,pp.26 - 29.

- DUARTE, António Paulo, A Política de DefesaNacional de 1919 - 1958, Lisboa, ICS, 2010.

- TAVARES, João Moreira, A indústria militar portuguesano tempo da guerra (1961-1974), Lisboa, s.n., 2002.

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Texto e fotos: Serviço de Otorrinolaringologia do HMP

O século XX caracterizou-se naMedicina por uma evolução tec-nológica e um crescendo do co-nhecimento das diferentes ciên-

cias, assistindo-se à diferenciação das especialida-des médico-cirúrgicas. Foi o alvorecer de uma novaera da ciência médica, da qual resultou uma progres-são admirável, cujos limites ainda hoje desconhe-cemos, num aumento da qualidade e do tempo médi-o de vida da população.

O Hospital Militar Principal (HMP) no início doséculo era constituído pelo Edifício Principal e pelaCerca, envolvendo a Basílica da Estrela, ondesobressaía o Pavilhão da Família Militar.

No quadro médico militar do Hospital, um doscirurgiões mais interessados, era o Alferes MédicoAlberto Luiz de Mendonça, ingressado no QuadroPermanente em 1904.

O gosto pela Otorrinolaringologia levou-o afundar em 1909, no Hospital Militar Principal, oServiço de Otorrinolaringologia (ORL), o primeiroautónomo a nível nacional, que atingiu um notávelprestígio mesmo além fronteiras.

O Serviço de ORL do HMP foi pioneiro nasvertentes da especialidade com particular destaquena audiologia e bronco-esofagoscopia, onde senotabilizou como Serviço de referência e fez escola.

Este desenvolvimento atraiu outros médicos

O Pioneirismoda Otorrinolaringologiano Hospital Militar da Estrelaem Portugal

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que foram colocados no Serviço de ORL, como foio caso do Capitão Médico Miliciano Dr. Ary dosSantos, colega e companheiro do Dr. Mendonçano Corpo Expedicionário Português, tendo comoreflexo desse trabalho e interacção assistencial, apublicação em 1918, do Relatório “A Clínica oto-rino-laringológica do Hospital Militar de Lisboa”(Fig.1), onde para além de homenagear o Dr.Mendonça, descreve as instalações e o movimentoda consulta com excelentes ilustrações.

O prestígio que o autor atingiu como especialis-ta foi tal que foi convidado para reger o curso deORL na Faculdade de Medicina de Lisboa, entre1934 e 1936.

Retomando a história do Serviço de ORL doHMP, em 1927, é nele colocado o Alferes MédicoJoão Gonçalves Valente, que com a saída do Dr.Mendonça, em 1935, viria a ocupar o lugar de Chefedo Serviço.

O Chefe do Serviço que lhe sucedeu foi o MajorMédico Américo Pinto da Rocha e foi durante operíodo da sua chefia que foi introduzido no Serviçode ORL o primeiro audiómetro que existiu em Portugal.

Em 1932 entrou ao serviço o Capitão MédicoAntónio Dias Barata Salgueiro, para fazer a preparaçãona especialidade, acumulando com a actividade militara de interno nos Hospitais Civis de Lisboa.

Na década de 50, o prolongamento da AvenidaInfante Santo até ao Largo da Estrela, dividiu a Cercaem duas partes (Fig.2). De um lado o BlocoCirúrgico e Pavilhão da Família Militar; do outrolado os Pavilhões de Otorrinolaringologia e deOftalmologia e Laboratório de Análises Clínicas.

O Pavilhão de ORL até à data só dispunha deum andar onde funcionava a consulta e o blocooperatório, tudo em espaços abertos, havendo porbaixo uma cave com janelas pequenas que sedestinava a arrecadação. Com as obras da AvenidaInfante Santo e a consequente remoção das terras,permitiram ao edifício de ORL ter rés-do-chão eprimeiro andar (Fig. 3).

O Dr. Barata Salgueiro foi então o autor doprojecto das novas instalações, criando no pisotérreo a consulta, cujos gabinetes eram separadospor paredes de meia altura, numa sala grande; obloco operatório; salas de exames de audiologia eserviços administrativos de apoio. No primeiro andarfuncionavam três enfermarias cujo internamento eraprivativo dando apoio à Oftalmologia.

Em 1957, é feita de raiz, a insonorização de duassalas para audiologia, com paredes, janelas e portasduplas. Esta obra, com projecto da autoria do Eng.Leotte Tavares, do Instituto Superior Técnico, é àaltura única no País, de características ainda hojenão suplantadas em instalações modernas. É tam-

bém ao Dr. Barata Salgueiro que se deve a moder-nização do Serviço e a preparação de numerososespecialistas, tanto militares como civis, com nomesque são referência na Otorrinolaringologia nacional,entre eles, Nobre Leitão, Afonso Neves de Paiva,Aníbal Caseiro, Alberto Antunes, Rosas da Costa,Fernando Centeno e Moniz Barreto. O seu nomeficaria para sempre ligado à ORL castrense.

Mais tarde, a colaboração do Dr. José NobreLeitão, que fez estágio neste Serviço, é também pre-ciosa pois com a sua inteligência, inspiração e actu-alização, põe o Serviço a par de todas as técnicasnovas que apreende além fronteiras. Viria a ser umdestacado Cirurgião Otológico, Professor no Hos-pital de Santa Maria e, na década de 50, responsávelpelo início da Microcirurgia Otológica.

O Coronel Médico Amílcar Caseiro, sucessor doDr. Barata Salgueiro, fez a preparação da especiali-dade, integralmente no Serviço de ORL do HMP,tendo iniciado então a Microcirurgia da Laringe.

Nos anos 60, com a Guerra em África, havia anecessidade de mais assistentes e são colocadosno Serviço, os Drs. Fernando Centeno, Rui FrancoGil, Alberto Antunes e posteriormente o Dr. ManuelCorreia.

O Major Médico Fernando Centeno, simultanea-

Figura 1

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Nasceu em Lisboa em 6 de Fevereiro de 1879 eformou-se pela Escola Médico-Cirúrgica de

Lisboa em 1903.Após concurso, ingressou no Quadro Permanentedo Exército, em 1904, tendo sido promovido aoposto de Alferes Médico.Paralelamente à carreira militar seguiu a carreirahospitalar nos Hospitais Civis de Lisboa, onde em1906 se iniciou como Cirurgião Substituto doBanco, tendo nesse mesmo ano, ascendido aCirurgião Efectivo.Em 1909 foi designado para visitar, em comissão deserviço, diversas Clínicas de Otorrinolaringologia noEstrangeiro e em 1911 é nomeado Chefe da Clínicade Otorrinolaringologia do Hospital Militar Principal.Em 1915, já como Capitão Médico, fez parte daExpedição ao Sul de Angola e em 1917 foiincorporado no Corpo Expedicionário Português(CEP) que participou em França na I Guerra Mundial.Ao ser criada, oficialmente, a especialidade de ORLnos Hospitais Civis de Lisboa, em 1918, opta porela, sendo-lhe entregue uma consulta no Hospitalde S. José. Em 1929 foi nomeado Director deServiço de ORL, ficando colocado nesse Hospital,onde veio a desenvolver notável acção, tanto comoassistente, como na preparação de numerososEspecialistas. São de sua autoria importantestrabalhos de investigação e clínicos sobre olabirinto posterior, com base nos quais estabeleceuas normas para exames de pilotos aviadores.Tomou parte activa em numerosos CongressosInternacionais e foi o Delegado Português naSocietas ORL Latina. Foi um dos fundadores e 1ºPresidente da Sociedade Portuguesa deOtorrinolaringologia e Bronco-Esofagologia.Faleceu em 1963.

Coronel MédicoAlberto Luiz de Mendonça

1º Chefe do Serviçode Otorrinolaringologia do HMP

Figura 2

mente com a carreira militar, foi assistente dos Hos-pitais Civis de Lisboa, iniciando nessa altura a Elec-tronistagmografia com realce para as provas vesti-bulares. Manter-se-ia no Serviço de ORL do HMP,como Consultor Técnico, ao longo de vinte anos.

O Coronel Médico Manuel Correia, assume aChefia do Serviço no período de 1973 a 1986, alturaem que o Serviço é modernizado com a aquisição deequipamento que permite a cirurgia endonasal, en-doscopia com luz fria, circuito fechado de televisão

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Chefes do Serviçode Otorrinolaringologiado HMP- Coronel Médico Alberto Luiz de Mendonça (1911 - 1935)- Capitão Médico João Gonçalves Valente (a partir de 1935)- Major Médico Américo Pinto da Rocha- Capitão Médico António Dias Barata Salgueiro- Coronel Médico Amílcar Aristides Lopes Pereira Caseiro- Major Médico Fernando José Deyrieux Centeno- Coronel Médico Rui Franco Gil- Coronel Médico Manuel Ferreira Correia (1973 - 1986)- Coronel Médico Pedro Manuel Caimoto Jacome (1986 - 1991)- Coronel Médico António Manuel Vieira Lisboa (1991 - 1993)- Capitão Médico Rui Manuel Fonseca Costa (1993 - 1995)- Assistente Graduado QPCE José Manuel Gomes de Castro (A partir de 1995).

Figura 3

e potenciais evocados auditivos. No mesmo períodoinicia-se outra actividade pioneira em Portugal, quefoi o rastreio auditivo a recém nascidos na materni-dade da Casa de Saúde da Família Militar (CSFM).

Em 1996 é instalado no Serviço de ORL, equi-pamento de videonistagmografia, dos primeirosinstalados em Portugal, o que originou a pedidodos interessados, estágios de formação a técnicose médicos de outros hospitais do País.

Em 2001 tendo como Chefe do Serviço, o Dr.Gomes de Castro, as instalações do Serviço sofre-ram obras de remodelação/reformulação da áreada consulta, em gabinetes individuais, com novasequipas de observação, novo mobiliário, centralde intercomunicadores e informatização porgabinete de consulta.

No presente, o Serviço de Otorrinolaringologiado Hospital Militar Principal, desenvolve a suaacção prestando apoio aos três Ramos das ForçasArmadas, Forças de Segurança, Cooperação comos PALOP e representações militares e diplomáticasacreditadas em Portugal. A actividade visa asvertentes, médica, cirúrgica, exames complemen-tares de diagnóstico, avaliação de candidatos eformação, colaborando deste modo activamentepara o prestígio das Forças Armadas.

São especialistas do Quadro Civil, o Dr. Gomesde Castro e as Dr.as Anabela Peres e Isabel Quita,tendo nas últimas décadas tido a presença de cola-boradores de renome e reconhecido mérito cientí-fico tais como os Dr.s Dias Ferreira, João Bacelar,Quintino Duarte, Marta Pimentel, Fonseca e Costae Dr.ª Ana Paula Santos.

São técnicas desde há cerca de 30 anos, a Téc-nica de Audiologia Helena Maria Correia e a Técnicade Neurofisiologia, Mariana Frazão Ferreira.

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In memoriam

Adois de Setembro ocorreu o passamento do Major-General Luís Frederico Pinto Tavares de Figueiredo

aos 93 anos de idade.A ele deve o Jornal do Exército a sua criação, por

proposta feita com outros Oficiais, em 7 de Dezembro de 1959.Incorporado na Escola do Exército em 1938 para o Curso

de Cavalaria, após a frequência dos Preparatórios naFaculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Como Oficial Superior desempenhou funções designada-mente no Colégio Militar, no Regimento de Cavalaria 7 ondemais tarde foi Comandante, e no Jornal do Exército comoChefe da Redacção Interino.

Como Coronel comandou também a Escola Prática deAplicação Militar em Moçambique, e após a frequência doCurso de Altos Comandos no IAEM, como Brigadeiro, foinomeado por escolha, 2.º Comandante Militar da Guiné de1970 a 1972.

Foi Governador Militar da Madeira entre 72/73, 2.ºComandante Geral da GNR e após o 25 de Abril, foi tambémnomeado por escolha, 2.º Comandante da Região Militar deAngola, tendo passado à reserva em Dezembro de 1974.

Entre as várias condecorações, destacam-se 2 Medalhasde Prata de Serviços distintos com Palma, 2 medalhas de Pratade Serviços Distintos e medalha de Mérito Militar de 2.ª Classe.

Era também Comendador da Ordem de Aviz.

Durante a Missa de Corpo Presente, no documento lidopor sua Filha destacou-se o seguinte agradecimento: (...)Para a s sucessivas Direcções do Jornal do Exército quenunca esqueceram o meu Pai, como último dos seusfundadores ainda vivos e que com elevadíssima dignidadenunca o deixaram de considerar como parte integrante doJornal.

À Família enlutada, o Exército e o seu Jornal apresentamas sinceras condolências.

In memoriam

Vila Franca de Xira − Saber mais SobreAs Linhas Defensivas de Torres Vedras

Esta obra, da responsabilidade da Câmara Municipalde Vila Franca de Xira, é um roteiro que se insere

numa vasta colecção de obras, que dá corpo a um objectivoprimordial desta autarquia: o de comunicar e educar.

A temática divide-se em três partes fundamentais. Naprimeira há uma contextualização histórica, que ambienta oleitor à situação global da época em que se construíram asLinhas Defensivas. Numa segunda parte atende-se àtipologia das construções e à sua importância. Por último,numa terceira parte, apresenta um roteiro turístico, para umconhecimento mais profundo, no âmbito de uma possívelvisita às construções que são descritas.

É uma publicação leve e agradável, que transmite umconhecimento sedimentado das construções efectuadasdurante as Guerras Peninsulares de uma forma simples e deleitura fácil.

RAIMUNDO, Orlando, Vila Franca de Xira - SABER MAISSOBRE… As Linhas Defensivas de Torres Vedras, Câmara Municipalde Vila Franca de Xira, Fevereiro de 2010.

Livros

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