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1 Coimbra, 20 de Fevereiro de 2011 Ex. mo Senhor Ministro José Mariano Gago Sobre a Universidade, a reforma de Bolonha e a formação de elites na Europa Senhor Ministro, tomo a liberdade de lhe escrever esta longa carta, que talvez até não leia porque escrita por alguém que, à luz da sua política, das suas hierarquias e do seu modelo de referência, o neoliberalismo puro e duro, deva ser ele próprio um excluído do seu sistema de ensino. Escrevo-a, digo, enquanto professor, cidadão, pai e avô, porque não me consigo rever no quadro de valores em que assenta a modernização do Ensino Superior em Portugal concebida e assumida pelo actual executivo e por V.ª Ex. dirigida, a reforma de Bolonha e toda a arquitectura que com ela já veio e com o que ainda com ela estará para vir. Escrevo-a porque não consigo alguma vez aceitar a política de simplificação das formações de ensino superior que a Universidade é quase que obrigatoriamente levada a realizar, no quadro das estruturas por si criadas. Escrevo-a porque me recuso a encarar que a Universidade passe a ser ou uma fábrica de desempregados, como no actual sistema francês, ou pior ainda, uma fábrica de não empregáveis sequer, como começa a ser no caso português, agora ou amanhã, deixando a maioria da nossa juventude ao nível intelectual completamente indefesa, imatura e incapacitada até para se defender face à selva em que se está a transformar o mercado de trabalho em Portugal. E tudo isto sem que as autoridades competentes mostrem sinais claros de estarem dispostos a defendê- la. E não se trata aqui de falar de uma questão de gerações, é do mercado de trabalho para todos que estamos a falar. Não se trata aqui de falar de geração rasca, de geração à rasca, trata-se aqui de falar de um país que está a ficar quase todo ele completamente à rasca e não por uma questão de problema de gerações, mas sim pela política seguida, pelo modelo de política económica e social que está em vigor e que está a ser imposto. Trata-se aqui de falar de condições de acesso ou manutenção nos mercados de trabalho quando estes são o resultado deste mesmo modelo que está a ser gerido, afinal, pelos mercados financeiros, onde a união monetária europeia também não é mesmo nada alheia, é certo, e a forma como foi tratada a questão dos altos salários dos gestores públicos na Assembleia da República, num país onde a fome começa a grassar é deste

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Coimbra, 20 de Fevereiro de 2011

Ex.mo Senhor Ministro José Mariano Gago

Sobre a Universidade, a reforma de Bolonha e a formação de elites na Europa

Senhor Ministro, tomo a liberdade de lhe escrever esta longa carta, que talvez até

não leia porque escrita por alguém que, à luz da sua política, das suas hierarquias e do

seu modelo de referência, o neoliberalismo puro e duro, deva ser ele próprio um

excluído do seu sistema de ensino.

Escrevo-a, digo, enquanto professor, cidadão, pai e avô, porque não me consigo

rever no quadro de valores em que assenta a modernização do Ensino Superior em

Portugal concebida e assumida pelo actual executivo e por V.ª Ex. dirigida, a reforma de

Bolonha e toda a arquitectura que com ela já veio e com o que ainda com ela estará para

vir. Escrevo-a porque não consigo alguma vez aceitar a política de simplificação das

formações de ensino superior que a Universidade é quase que obrigatoriamente levada a

realizar, no quadro das estruturas por si criadas. Escrevo-a porque me recuso a encarar

que a Universidade passe a ser ou uma fábrica de desempregados, como no actual

sistema francês, ou pior ainda, uma fábrica de não empregáveis sequer, como começa a

ser no caso português, agora ou amanhã, deixando a maioria da nossa juventude ao nível

intelectual completamente indefesa, imatura e incapacitada até para se defender face à

selva em que se está a transformar o mercado de trabalho em Portugal. E tudo isto sem

que as autoridades competentes mostrem sinais claros de estarem dispostos a defendê-

la. E não se trata aqui de falar de uma questão de gerações, é do mercado de trabalho

para todos que estamos a falar. Não se trata aqui de falar de geração rasca, de geração à

rasca, trata-se aqui de falar de um país que está a ficar quase todo ele completamente à

rasca e não por uma questão de problema de gerações, mas sim pela política seguida,

pelo modelo de política económica e social que está em vigor e que está a ser imposto.

Trata-se aqui de falar de condições de acesso ou manutenção nos mercados de trabalho

quando estes são o resultado deste mesmo modelo que está a ser gerido, afinal, pelos

mercados financeiros, onde a união monetária europeia também não é mesmo nada

alheia, é certo, e a forma como foi tratada a questão dos altos salários dos gestores

públicos na Assembleia da República, num país onde a fome começa a grassar é deste

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modelo um muito claro exemplo. Escrevo-a porque me sinto numa Universidade em

profunda, muito profunda, crise, ainda com fortes tendências a uma maior degradação

da sua qualidade, dados os vendavais que já se sentem que sobre ela vão desabar,

trazidos por mais um mecanismo imposto pela sua política de modernidade, os ratings,

as avaliações, sem sequer se ter feito publicamente a avaliação dos resultados do que

está a ser a avaliação no ensino secundário. Escrevo-a porque sinto tão intensamente

esta degradação a chegar, trazida ainda aqui até pela sua nova legislação, que me

interrogo sinceramente sobre o que da Universidade vai restar se assim continuar.

Escrevo-a porque, face a tudo isto, sinto não ter no meu caso pessoal outra solução que

não seja a de me ir embora, deixando aqui publicamente e bem claro, mais uma vez, as

razões do meu profundo descontentamento.

A Universidade e a reforma de Bolonha

68 anos feitos, hoje. Tempo de balanços, de contas feitas e desfeitas, tempo de

razões assumidas e de razões perdidas, tempo de me confrontar não com o meu

passado1 mas sim com o meu futuro, tempo como professor, de olhar não para as

cadeiras que não dei, mas sim para as cadeiras que outros irão leccionar, tempo de me

questionar não sobre os estudantes que reprovei mas sim sobre aqueles que injustamente

passei e a estes, com simplicidade, sinto que devo pedir desculpa. E a ser assim, é

tempo de me confrontar com o meu ministro da tutela, que com o seu trabalho está

ardilosamente a destruir o futuro de gerações que se nos seguem, o nosso futuro afinal, e

estas se o souberem e puderem serão elas que nos irão talvez proteger ou talvez contas

pedir.

Quando jovem operário, um pouco perdido na amargura das horas trabalhadas a

três escudos por hora, o custo de dois cafés a preço normal, onde cada livro lido, cada

livro apreendido, muitas vezes à custa de um sono perdido, de um sono não havido, era

mais um passo para quem procurava as referências do que era a vida, era mais um olhar

de quem se queria situar num mundo que não compreendia, nessa altura um livro

profundamente me marcou. Teria entre 17 e 19 anos, senhor Ministro, e o livro era A

Condição Humana, um livro onde Malraux questionava o que é um Homem. Desse

1 Essas foram feitas numa carta aberta aos nossos líderes parlamentares.

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tempo, fiquei com a ideia de que o Homem era a intersecção do que foi e aprendeu com

o passado dele próprio com o que deseja como seu próprio futuro, como seu próprio

devir — fiquei com a ideia a partir de Kyo, ou do seu pai, duas das personagens

relevantes desta obra literária, não sei qual delas, nem para aqui isso é agora relevante.

O que é relevante é que, em cada momento, o Homem vale também pelo que quer como

futuro e é esse futuro que com V.ª Ex.ª venho questionar.

Há já muito tempo que nos cruzámos nos corredores do Instituto Superior

Técnico, ambos a aspirarmos a um outro tipo de sociedade, se a minha memória visual

não me começa já a falhar, ela que foi feita passo a passo, sofrimento a sofrimento, para

que deles não me esquecesse e com eles aprendesse, nos cruzámos várias vezes e

eventualmente também em muitas camionetas, que todos nós estudantes de um devir

solidário, a acontecer poucos anos depois, em Abril de 1974, enchemos numa marcha de

solidariedade para com os sofridos do fascismo e das águas das cheias que tudo levaram

pelos finais dos anos 60, na zona de Vila Franca de Xira. Por aí nos cruzámos,

seguramente. Os filhos da burguesia do fascismo de então deslocavam-se em

camionetas contratadas pelas associações de estudantes para irem ajudar os operários

com rendimentos de pobreza, verdadeiras vítimas do regime de Salazar, atingidos pelas

cheias, e com eles ia eu também. Aí me apercebi de um certo sentido da História que

um pouco mais tarde haveria de redescobrir a um outro nível, muito mais abstracto, nos

contactos com Hegel e sobretudo com as explicações dadas por Jean Hyppolite ou por

Kojève, o sentido da História, o sentido também da dialéctica do senhor e do escravo,

através de páginas e páginas difíceis de entender que me levariam a seguir até Marx e

muito mais tarde, já estudante em Economia, a Piero Sraffa, a Joan Robinson, a Kaldor,

a Maurice Dobb e a Mário Nuti, que pessoalmente conheci recentemente em Coimbra.

Na pobreza extrema daquelas gentes, pelo singelo das casas que lavámos, das ruas que

limpámos, no sentir das pessoas que apoiámos, na simplicidade das pessoas com quem

falámos, na força com que assumiam os desaires e o destino que os outros lhes

impunham, apercebemo-nos, senhor Ministro, e se lá estava terá seguramente sentido o

mesmo, que por ali também passava a força de um futuro a fazer. Bastava só saber ler e

olhar para os milhares de papéis, de jornais do Avante, de documentos outros, dir-se-ia

na época, subversivos, que nos apontavam uma certa ideia de futuro que mais tarde a

História também viria a demonstrar que destino também não era, mas que estava ali,

como uma parte da força imensa que sabia dizer não à barbárie do fascismo, organizada

ou sustentada pelos pais de muitos daqueles que ali estavam a prestar ajuda.

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De forma não visível, naquelas regiões de extrema pobreza e de extrema

dignidade também, sabia-se, sentia-se, que a História também passava por ali, também

se fazia por ali, entendida esta no sentido hegeliano e marxista do termo. As ligações

sentiam-se, eram subterrâneas, disponíveis para se tornarem uma força viva quando os

sinais da História o anunciassem, o admitissem. Anos depois, isso aconteceu, deram

corpo a um movimento que se tornou depois Revolução. Face às águas sujas de Vila

Franca, através das histórias que pressenti, aí eu senti que ainda estava longe, muito

longe mesmo, do mundo que pensava que entendia. Aí me perguntei, o que é um

Homem? E como é que os homens singularmente ajudam a fazer colectivamente a

História, o seu próprio devir, afinal? Tanto me perguntei, que me desorientei. Já tinha

lido e relido algumas coisas de Malraux, em francês ou em português, nem sei bem.

No regresso, a camioneta deixou-me na Rua Alexandre Herculano. Na época uma

só peça de roupa tinha de jeito: uma camisola de caxemira, que pessoa amiga minha me

oferecia anualmente, no aniversário. Quis ir ao Pestana e Brito, entrar no mundo dos

ricos. Cheguei, pedi uma camisola de caxemira, de fio duplo, das marcas Bryant,

Pringle ou Balantines. Todo sujo das lamas, o empregado tinha ar de estar a ver alguém

vindo de um outro planeta. Ficou parado, a olhar. Irritei-me levemente. Puxei a

camisola que tinha vestida pela parte de trás do pescoço e disse: desta marca, por

exemplo. Era uma das marcas referidas e com a etiqueta Pestana e Brito. O empregado

atrapalhou-se. Chamou um colega, pedindo-lhe que trouxesse todo o tipo de camisolas

de caxemira que houvesse e depois desapareceu. Nunca tinha visto tanta camisola junta.

Analisei-as uma a uma e durante muito tempo e depois disse: não gosto de nenhuma, e

saí. Sentido de tudo isto? Nenhum, alguma raiva contida, de tudo o que durante o dia

tinha sentido, talvez isso, mas disso não era o empregado o culpado, algum sentido de

desorientação também por tudo o que tinha vivido e que não tinha bem apreendido.

Mas no tempo em que ambos éramos estudantes, senhor Ministro, os estudantes

inquietavam-se, os estudantes respondiam às questões sociais a que aderiam, os

estudantes desafiavam e sobretudo aprendiam a questionar, procuravam de forma difusa

ou consciente mesmo o sentido da própria História que por ali corria. No após

tempestade de Vila Franca, senti ter encontrado uma forte unidade silenciosa em todas

as vítimas que apoiámos face ao fascismo, a mesma cumplicidade detectada nos

silêncios entre elas, estando no entanto sempre disponíveis para uma primeira abertura

política francamente pressentida. Naquele dia, naquela tarde, questionei o sentido da

História, o sentido de se ser homem assim, o sentido de se arriscar a vida face ao

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fascismo, o sentido do que era a vida assim, eu que verdadeiramente nem vida tinha. A

mesma cumplicidade também senti eu anteriormente, em 61-62, com a inauguração da

reitoria da Universidade Clássica. Agora, não entre as gentes de Vila Franca a quem as

águas mostravam com o que traziam para a luz do dia de que lado é que politicamente

estavam, mas entre estudantes que face ao terrorismo de Estado se defendiam muitas

vezes com o silêncio. Naquele caso, os estudantes como protesto tinham decidido não

estar na sessão, de acordo com a RIA, mas uma ou outra associação como a de

Medicina falhou e à sessão se apresentou. Cá fora e em sinal de protesto, os estudantes

estavam sentados em duas alas, por onde passaria o ministro Hermano Saraiva, se não

me engano. Colocámos a bandeira de Portugal no chão, eu era dos que a segurava para o

vento a não levantar. O ministro teria que a pisar mas não, veio a PIDE que a conseguiu

retirar, sem barulho devido à presença do corpo diplomático. Depois de a sessão de

abertura se iniciar, um a um dos perturbadores da ordem oficial foram pela PIDE

abordados e a identificação obrigados a entregar. Assim aconteceu e nesse dia, nessa

noite, tudo se me tornou complicado: eu não era um filho da burguesia, as coisas eram

diferentes para uns e para outros, como mais tarde Sttau Monteiro bem o mostrou.

Nessa noite, sem BI, desloquei-me ao café Tatoo, havia pouca gente e havia

curiosamente uma cumplicidade que só com a cumplicidade se entendia, parecia que

ninguém se conhecia, dentro dos que eu conhecia e que tinham estado no mesmo barco

que eu. Mas assim não entendi. O mesmo aconteceu no café Nova Iorque. Voltei para

casa e de medo estava cheio o meu imaginário. Amanhã serei preso, pensava. Nessa

noite, senti-me a pessoa mais sozinha do mundo, e se nessa altura já tivesse conhecido o

Principezinho, teria sonhado em ser por ele protegido, da mesma maneira que as suas

plantas, as suas flores, protegidas do vento da vida. Mas não o conhecia ainda. No dia

seguinte, na fábrica dos três escudos a hora, a meio da tarde, o chefe do escritório

chegou e disse-me: “está ali a inspecção do trabalho; não te esqueças de dizer que

trabalhas apenas três dias por semana”. “Estejam descansados, estão enganados. Vão-

me levar para interrogatório na PIDE”, retorqui eu. Sublinho assim a minha

preocupação com a entidade patronal que hoje significaria: “estejam descansados com a

vossa ilegalidade que a nossa precariedade tornava legal, estejam descansados que nós

vos protegeremos”. Tempos de fascismo, tempos de precariedade, eram assim. Uma

tarde, uma noite na PIDE e nem a PIDE entendia: o meu patrão tinha-lhes pedido para

não lhe levarem aquele que era para ele um dos seus melhores empregados, operário

com salário de fome, e este andava nas greves dos “meninos” da Universidade. Na sala

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onde me colocaram, nos corredores por onde passei, outros do dia anterior encontrei e o

mesmo silêncio, o mesmo desconhecimento de cada um, confirmei. Aí contrariamente à

noite anterior, percebi, entendi que o desconhecimento de cada um era uma defesa para

cada um dos outros, era uma outra forma de solidariedade, tão forte como a primeira,

como aquela que nos colocou a segurar a bandeira. A diferença era ser silenciosa, foi

bem o que senti. A mesma força silenciosa que mais tarde viria a presenciar em Vila

Franca e já acima relatada. Interrogatório longo, as coisas não batiam certo. Disse-lhes

que tinha acabado de deixar a profissão de marçano, que era católico, que quando me

apanharam eu vinha do Rego para assistir à missa no Campo Grande e onde também

visitaria as freiras que viviam ali bem perto, conhecidas da minha vida de marçano.

Fiquei junto à Reitoria, fiquei por ali, a olhar surpreendido como uma criança que ia ver

um espectáculo que não esperava. Para eles, estar preso não batia certo, eu seria apenas

um marginal na roda da História, na roda do sistema, na roda da vida, um loser, sem

mais nada. Eu era pois uma incógnita que não cabia no modelo dos inquiridores da

PIDE, que não se enquadrava na visão que tinham do mundo, das pessoas. Depois

largaram-me.

Tudo isto, senhor Ministro, porque também queria saber o que era um homem

face ao seu destino, destino que necessariamente em cada dia criava e que criava com as

interrogações que os outros me ensinaram a colocar, fossem eles Euricos de Figueiredo,

Anas Dinis, Josés Eduardo Freire, Jorges Almeida Fernandes, Sottos Mayor, creio

mesmo Jaimes Gama, ou fossem eles tantos outros que a história do movimento

associativo estudantil traçaram e na luta contra o fascismo se evidenciaram. Eram as

interrogações dos estudantes daquele tempo, do seu e do nosso tempo de então, que para

aquelas vivências me levaram e que nem na PIDE e para a PIDE se compreendiam. Dito

de outra maneira mais simples: eu próprio serei intelectualmente um produto de todos

aqueles estudantes, de si também senhor Ministro, eu o jovem operário era levado assim

a questionar no limite da sua capacidade o sentido da vida, o sentido da História, o

sentido da dialéctica hegeliana, que um jovem de Direito de nome Furtado me terá

carinhosamente ensinado, nas áleas do jardim do Campo Grande. Nesse tempo, os

estudantes do nosso tempo comum estudavam, lutavam, liam, questionavam, e muitos

deles, como eu, por Hegel e Marx passaram, fosse directamente ou por interpostos

autores. Andámos perto um do outro, emocional e ideologicamente, vivemos e

partilhámos as mesmas lutas e tanto assim que até com a sua primeira mulher muitas

vezes me cruzei, pois era visita de pessoas amigas comuns. Andámos perto, muito perto

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senhor Ministro, no tempo em que a Associação do Instituto Superior Técnico era um

exemplo de formação de cidadãos, era uma das bases da consciência política a partir da

qual e de onde se terão formado muitos cidadãos que politicamente ao país deram alma

num tempo de asfixia intelectual, como foi o período negro do fascismo que Portugal

atravessou e contra o qual cada um de nós lutou.

Encontrámo-nos assim sucessivamente e é bem claro que anos e anos depois nos

desencontrámos por completo. Sobre os dois períodos de tempo, sobre si, sobre o

movimento associativo, eis pois o que escrevi num texto sobre a reforma de Bolonha

(Mota, 2010, p. 11 e s.) e a propósito do vazio cultural que paira nas universidades de

hoje:

Se aos estudantes não cabe resolver as questões do sistema, mas como são

parte dele, cabe-lhes pelo menos a obrigação de procurarem não serem arrastados por ele. Mas esse sistema é feito por nós, por todos nós, não o esqueçamos. É aqui que o papel dos movimentos estudantis seria de uma extrema utilidade, mas lamentavelmente até estes movimentos não escapam à voragem da “modernidade” de Bolonha e de todo o sistema e são parcial ou totalmente eliminados ou transformados em máquinas de consumir dinheiro. A possibilidade de eliminação destes das direcções das Escolas, criada sob a pressão legislativa de Mariano Gago, com a consequente perda de práticas e de responsabilidades institucional e democraticamente assumidas2 mostra que tudo isto é também um produto do actual sistema. Basta também comparar a prática dos estudantes de hoje com as intervenções dos líderes estudantis de outrora, para percebermos como estamos perante uma vaga de obscurantismo assente numa ideologia extremamente simplista, a ideologia neoliberal, que pode levar a democracia para becos de difícil saída quando, em vez disso, deveríamos contar com o voluntarismo e a dádiva que caracteriza a juventude para caminhar no sentido de uma democracia humanamente mais rica.

Onde estão agora os estudantes equivalentes, entre tantos outros nomes, a Jorge Sampaio, a Jaime Gama, a Medeiros Ferreira, a Alberto Martins, a Mariano Gago, e quem são os líderes estudantis de hoje? Quem os conhece? Aqueles, políticos de agora e estudantes de então, eram bem conhecidos, deram um rosto, um corpo, uma ideia ao movimento associativo, ao movimento que alimentou a formação cultural e social da classe política recente. Hoje, qual o quadro de actuação do movimento associativo estudantil na linha da “modernidade” imposta pelos homens de Bolonha entre os quais, ironia do destino, está agora Mariano Gago? A situação de Mariano Gago nos dois momentos do tempo referidos faz-nos lembrar uma situação contada por Macciochi numa sua visita à China muitos anos depois da revolução cultural. Esta reencontrou muita gente que no passado tinha descrito entusiasticamente no seu livro sobre a revolução cultural; parte

2 Um outro exemplo: compare-se o que era o debate político na eleição de um Reitor na Universidade de Coimbra, em termos de cidadania e de cultura política para a juventude, com o que poderá acontecer agora, uma vez que pela legislação aprovada com Mariano Gago esta eleição passa a ser feita através de um Conselho Geral, onde grande parte dos seus membros (10 em 35) não faz parte sequer da Universidade. Tempos de democracia e de participação versus tempos de apatia e de silêncio.

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daquelas pessoas estava a trabalhar em museus a recuperar peças historicamente importantes que durante a revolução cultural tinham estragado. O paralelismo é imediato: aqui e agora destrói-se o que levou, em termos de cultura e de política, anos a fazer através da luta estudantil contra o fascismo, o movimento associativo estudantil politicamente activo, e que agora se está política e culturalmente a esvaziar. A história tem destas repetições, tem destas inversões. Deixemos Hegel, deixemos Marx, sobre as repetições na História…

Sobre Bolonha não estou interessado em discutir mais. De resto, Bolonha pode

resumir-se à questão da quadratura do círculo: como é possível ensinar melhor em

menos tempo, com menos disciplinas, com menos carga horária por disciplina, com

menos anos de curso, quando para complicar ainda mais o problema já de si insolúvel,

os estudantes que nos chegam à Universidade são cada vez mais e em maior número de

uma incapacidade intelectual preocupante, mesmo aflitiva eu direi.

É para mim inegável que o senhor, ao contrário do que terá sido antes, e antes foi

uma força viva de uma Universidade que o sistema de então queria quase morta, é agora

o responsável principal pelo seu esvaziamento intelectual, é agora um dos principais

elementos responsáveis pela asfixia de uma Universidade que estava viva, mesmo que

doente, e já doente pelos movimentos provocados pelas forças neoliberais que acabam

por ter em si, senhor Ministro, o seu principal representante. Mas isto não lhe chega, o

senhor e as forças que por detrás de si estão querem mais. Silenciados culturalmente, os

estudantes com a reforma de Bolonha sofrem ainda por cima com uma degradação

adicional provocada pela entrada de novos públicos incentivada pelo Contrato de

Confiança para o Ensino (do qual falarei também mais à frente), de público cujas

habilitações são creditadas pelo programa Novas Oportunidades ou de outros por terem

mais de 23 anos e em determinadas condições que objectivamente não se sabe bem

quais, pois ficam ao critério das necessidades de cada estabelecimento de ensino

superior, quase todos eles carenciados de receitas. Este é mais um exemplo que me leva

a pensar que o senhor Ministro nunca soube o que é ser professor. É impossível um

ensino de qualidade com esta massa de tanta heterogeneidade e com diferentes

condições de partida.

Esta lógica neoliberal é, de resto, bem descrita num poema que percorre a WEB e

que tem uma das seguintes quadras:

É mais importante a estatística dos números

Que a competência científica dos alunos

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O que interessa é encher as universidades

Nem que seja de ignorantes

Este é o sentimento popular. Que outro sentido pode ter a reforma de Bolonha que

não este? Dê-se a palavra a alguém meu amigo que trabalhou numa multinacional

quanto à empregabilidade, empregabilidade que aumentaria com Bolonha, segundo o

argumento que amigos meus me quiseram bem vender, na cegueira de defender o

indefensável:

Estive muito tempo do lado do «inimigo» e posso garantir-te que o grande

capital, como se diz habitualmente, também não tira grande partido destas operações de recrutamento — gasta-se dinheiro na formação e em dezasseis formandos, às vezes nem um se aproveita — dinheiro gasto sem retorno. Depois, os tais tipos excepcionais, que ganham bom dinheiro, começam a exigir maiores percentagens ou então ameaçam que vão para a concorrência. Não estou a desculpar os grandes grupos económicos; a verdade é que esta situação também não os favorece — a maior parte das pessoas recrutadas, não apresenta produção — penso que formar pessoas competentes, ou seja, melhorar o Ensino e articular o papel da Universidade com as necessidades do mercado seriam, na óptica capitalista, a forma de romper o círculo vicioso. Assim, entramos numa espiral descendente. A caminho do caos?

Se ao nível da qualidade do ensino, a reforma de Bolonha não é compreensível,

resta-me então as estatísticas como possível explicação para a sua existência.

Proporção de titulares de um diploma de ensino superior na população Em %, por faixa etária

Fonte: Senado (França) (2010, p. 18).

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De acordo com os dados e indicadores seleccionados pela OCDE (considerado o

mais importante think thank mundial), em 2005, Portugal apresenta uma das mais

baixas percentagens de titulares de um diploma de ensino superior dentro dos países

considerados, qualquer que seja a faixa etária considerada. Vale a pena ainda referir

que, genericamente, com a excepção da Alemanha, é na faixa etária mais nova, 25 a 34

anos, que se concentra o grupo de quem tem um diploma de ensino superior e o caso da

Irlanda, onde mais de 40% dos titulares de um diploma deste tipo está nesta faixa etária,

enquanto na média da população, com idades entre 24 e 64 anos, este valor é apenas de

29%. No caso de Portugal, estes indicadores atingem respectivamente 12 e 19%. O caso

da Alemanha merece igualmente destaque, pois em ambos os indicadores apresenta

valores inferiores à média qualquer que seja a faixa etária considerada e, para além

disto, é o único país em que não há concentração de titulares de diplomas de ensino

superior na faixa etária dos mais novos, o que denota uma menor número de conclusão

de licenciaturas nos últimos anos de quem tem um percurso escolar normal.

Os dados da OCDE permitem também analisar a evolução da taxa de obtenção do

primeiro diploma de ensino superior, através da situação em três períodos de tempo:

1995, 2000 e 2008. Nos países-membros, esta taxa progrediu 21 pontos percentuais

nestes treze anos; em 2008, estima-se que cerca de 38% dos indíduos de cada faixa

etária concluem uma formação deste tipo. Também de acordo com esta Organização,

entre 2000 e 2008, as percentagens que mais progrediram foram as da Suiça, Itália,

Portugal e Turquia. Curioso é o caso da Suiça, cujo aumento impressionante registado

se explica também pela criação, em 1997, das Fachochsshulen (Faculdades de Ciências

Aplicadas) e pela sua extensão a outras formações.

Evolução da taxa de obtenção do primeiro diploma de ensino superior

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1. Dados de 2007; 2. Quebra de série em 2008. Fonte: OCDE (2010, p. 63).

De acordo com este gráfico, Portugal tem evoluído de forma notória de 1995 para

2008, deixou de pertencer ao grupo dos países com menor taxa de obtenção de

licenciaturas para se incluir agora no dos países com os valores mais elevados,

destacando-se por isto no conjunto dos países. É, no entanto, de realçar que a subida

mais clara deste indicador se verifica entre 2000 e 2008, sendo Portugal acompanhado

nisto pela República Checa, República Eslovaca e Finlândia. Segundo a OCDE, a

aplicação progressiva do Processo de Bolonha pode explicar esta evolução.

Se o objectivo da política seguida no Ensino Superior em Portugal nestes últimos

anos era melhorar a estatísticas ao nível deste indicador, claramente o governo ganhou

esta batalha. E as famílias? E quem conclui a licenciatura entretanto? Não será legítimo

sentirem-se defraudadas? Muitas das famílias deste país endividam-se para ao seu filho

poder “buyer the best”, comprar a melhor formação possível utilizando a expressão do

professor Robert J. Franke; no fim, o que têm é um filho sem formação que valha e sem

emprego que seja digno assim chamar, com a característica adicional de ter também

perdido as poucas capacidades de trabalho que já tinha adquirido, o que ainda é mais

grave.

Dir-me-á, estou a ser intencionalmente duro com o senhor Ministro, com um

Governo, face à política seguida, uma política de facilidade, diria quase total, de acesso

aos cursos superiores. Não o creio, até porque a política de entrada maciça na

Universidade só se poderia justificar se houvesse insuficiência de quadros altamente

especializados e se a nossa estrutura produtiva se situasse no que em termos económicos

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se chama a “fronteira tecnológica”, isto é, se a nossa estrutura produtiva fosse

genericamente ramo a ramo, sector a sector, dominantemente utilizadora das técnicas de

ponta. Mesmo neste caso, teria que haver extremo cuidado de modo que o investimento

maciço no ensino superior não fosse sinónimo de desqualificação (ao nível científico e

das competências que necessariamente lhes estão associadas) dos diplomas obtidos.

Mas como não estávamos, não estamos, nem estaremos a curto prazo disso, temos todos

a certeza, infelizmente, nesta situação de “fronteira”, exige-se, não um upgrading do

número de diplomas, mas e acima de tudo um upgrading de conhecimentos e de

competências no país e isto se quisermos crescer através das tecnologias derivadas da

nossa própria inovação, se quisermos portanto aproximar-nos da “fronteira tecnológica”

referida. Assim, uma diversificação do ensino, de formações curtas e longas, sem

degradação de qualidade, e de elevados níveis de exigência profissional nas formações

curtas e de elevado nível de formação científica nas formações longas será seguramente

mais rentável para o país. Em suma, fazer o contrário do que tem sido feito, optar pela

democratização do ensino, o que exige responsabilidade e profundidade, em vez de se

ter optado pela sua massificação, pela sua generalização, exigiria um outro modelo de

política, que não o neoliberal subjacente à União Europeia e à OCDE, assim como à

política do actual Executivo em Portugal. Como remar contra a maré nos tempos que

correm vale o que vale, como correr a favor do vento é mais “saudável”, escolheu-se

como opção a generalização do ensino superior, criando-se assim politicamente uma

situação de fraude para as famílias no presente e queimando-se o futuro do país, um

futuro já próximo, e com um detalhe de grande importância: eventualmente gastar-se-á

mais dinheiro desta maneira e com estes tristes resultados.

Em vez dessa coragem para criar as verdadeiras linhas de futuro, que passam pela

existência de condições de modo a garantir a formação de uma vasta geração de jovens

intelectualmente capazes de o conscientemente o definir e de o construir, qual foi a

opção seguida? Continuar a massificação do ensino que já de longe tem vindo a ser

seguida. O Contrato de Confiança para o Ensino, já anteriormente citado de passagem,

assinado por V.ª Ex.ª com as instituições de ensino superior, algumas com dificuldade

em preencher as vagas oferecidas presentes ou futuras, diria eu, virá necessariamente

prolongar a política de ensino superior até aqui realizada e criar ainda uma maior

heterogeneidade dos percursos de partida e de chegada dos estudantes a este tipo de

ensino, virá ainda adensar mais as dificuldades existentes quer no que diz respeito à

qualidade de ensino a garantir, quer no que diz respeito aos empregos adequados por

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todos estes estudantes a conseguir. Veja-se o que disse o senhor Ministro, aquando da

assinatura deste Contrato:

Com efeito, e em resultado do passado, a percentagem da população activa em Portugal que dispõe de qualificações superiores é ainda baixa no contexto internacional, como é também reduzida a frequência do ensino superior por activos, quer para a obtenção de qualificações de nível superior, quer para a actualização científica e profissional dos já diplomados.

Urge assim superar estes factores de atraso e ainda responder ao alargamento da procura juvenil induzida pela redução dos índices de abandono e insucesso escolar nos ensinos básico e secundário e pela extensão para 12 anos da escolaridade obrigatória.

Para o reforço da obtenção de qualificações superiores por activos, desenvolveram-se instrumentos de intervenção cujo sucesso é já inegável: cursos de especialização tecnológica (CET) especialmente no Ensino Superior Politécnico, abertura do Ensino Superior a maiores de 23 anos em condições próprias, ensino à distância, organização em créditos e ciclos de estudo. Aponta-se para a expansão, em larga escala, destes instrumentos com vista ao mais rápido alargamento do Ensino Superior em Portugal.

O programa do Governo quantifica essa expansão: triplicar o número de estudantes em CET, multiplicar por quatro o número de estudantes inscritos em cursos de ensino superior à distância.

E será que não nos bastam já os largos milhares de licenciados sem emprego

digno possível, com alguns deles, talvez, a transformarem-se em caixas múltiplas de

dinheiros múltiplos, e muitos outros a ficarem empregados de fazeres diferentes,

banalizados, que caminham já para a desvalorização rápida dos seus diplomas e

necessariamente para a desvalorização profissional? E tudo isto enfim para a

desvalorização do muito ou pouco que aprenderam nas universidades. Que fica de tudo

isto então, depois de muito tempo passado em situação de desempregado ou de

empregado em situação de forte precariedade? Da Universidade, dos saberes e das

competências aí eventualmente adquiridas, talvez fique depois muito pouco. Ficam

pessoas de vidas diversamente plurifacetadas a esconder, para si e para os outros, as

profundas revoltas interiores por futuro deixarem de ter e que, à escala da dimensão dos

homens e dos Deuses, devem ser pessoas humanamente todas elas dignificadas também.

E será que não nos bastam já os milhares de jovens desesperados à procura de emprego

desqualificado que seja e onde quer que seja? E será que não nos bastam já os milhares

de jovens licenciados que só têm uma ambição, fugir do país, fugir para alguma coisa

serem capazes de poderem vir a construir? Para quê criar ainda mais milhares de

licenciados anualmente e com ensino à distância? Em alternativa a esta opção

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claramente criticada no relatório Education et croissance, que vou seguir de perto

(Aghion e Cohen, 2004), os seus autores consideram que foi a coragem dos países do

Sueste Asiático nesse campo em fazerem a opção inversa da sua, senhor Ministro, em

investirem no ensino tendo em conta a distância face à “fronteira tecnológica” acima

mencionada, que estará na base do seu sucesso, contra a prática dos países de origem

latina como o Brasil e o México que investiram maciçamente no ensino superior,

descuidando relativamente as formações intermédias que deveriam ter mais peso, tanto

mais em países onde os recursos para investimento assim como as tecnologias de ponta

escasseiam.

Tudo isto se sabe e desde longa data, mas isto não corresponde à lógica neoliberal,

isto de se ver assumir o Estado como entidade participante do processo e como

constante regulador dos diversos tempos dos mercados e das diversas formações tendo

em conta as variáveis longas da economia. Preferiu-se antes seguir o modelo geral, o do

mais curto prazo possível e esperar que os mercados façam o resto.

Podemos questionar, de acordo com Stéphane Beaud, citada longamente em

Aghion e Cohen (2004), se os nossos licenciados, tendo sido sujeitos à desclassificação

da Universidade, não estarão eles a pagar um elevado preço, no momento da sua

inserção profissional, pelas diferentes formas de sub-selecção que acompanharam o que

os governos chamam agora de “democratização do sistema de ensino”.

Ao longo dos últimos anos alimentou-se a esperança nas famílias de mais fracos

rendimentos de que os seus filhos poderiam atingir níveis de ensino cada mais

avançados, graças ao alargamento do leque e dos horizontes escolares, e que isto era a

garantia de uma ascensão profissional e social relativamente a eles próprios. Apesar de

as gerações mais novas atingirem de facto diplomas de níveis de ensino superiores às

precedentes, não adquiriram no entanto os saberes, os conhecimentos, as competências,

que lhes deveriam estar associados, para enfrentarem os concursos aos quais têm o

direito de concorrer e perdendo assim a possibilidade de conseguirem a mobilidade

social ascendente tão ansiada. São então projectados para os segmentos de mercado que

não têm nenhuma relação com o diploma ou o seu nível de estudos. O lugar de

operadores de caixa nas grandes superfícies ou os empregados de balcão em lojas são

disso um triste exemplo. Muitos destes só agora é que começam a compreender que os

deixaram sucessivamente passar em disciplinas, em anos, em níveis de ensino, que do

diploma ficaram quase que basicamente só com o certificado, não com os

conhecimentos, não com as competências, porque nada ou pouco disso adquiriram.

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Muitos destes acabam por compreender no terreno dos factos que o ensino secundário

não cumpriu uma das suas funções (seleccionar os estudantes capazes de chegar à

Universidade), muitos destes acabam por compreender que a selecção se faz cada vez

mais tarde, a meio dos cursos quando estes têm qualidade, ejectando-os do sistema, ou

então descobrem já na Universidade que a própria entrada no ensino superior é ela

própria a garantia de obtenção de um diploma. Neste último caso, a selecção é

dramaticamente realizada no final, provocando uma multiplicação e consequente

desvalorização dos diplomas, levando isto a uma corrida à procura de mais e mais pós-

graduações na tentativa de se diferenciarem e assim poderem ser validados pelo

“mercado”.

Aghion e Cohen (2004, p. 62) criticam implicitamente Stéphane Beaud por não

avançar com uma reflexão sobre os meios que devem ser utilizados pelas universidades

para deixarem de ser “fábricas de desempregados” (entre aspas no original); nas suas

próprias palavras:

Stéphane Beaud considera aliás que “a democratização” quantitativa do ensino e a ausência de selecção não fizeram mais do que acrescer o dualismo das fileiras no ensino superior. As classes preparatórias e as Grandes Escolas constituem hoje, mais do que nunca, o viveiro de recrutamento das elites. A Universidade desempenha, ao seu lado, o papel de espaço de descompressão e de filtragem. Com efeito, para fazer face à massificação e à democratização, a instituição universitária adoptou a seguinte prática pedagógica: menos aulas práticas, baixa da taxa de enquadramento pedagógico, diminuição das provas de exame, para facilitar a correcção dos exames, pelo menos em certos cursos e nos primeiros anos. A baixa de selecção no liceu, no ensino terminal, implicou, quase que automaticamente, uma redução de nível do diploma do segundo ano e da licenciatura…

Os franceses ainda têm as “preparatoires” e as Grandes Escolas, nós ficamos sem

nada. Sinceramente, senhor Ministro, a França ainda terá elites e o resto, nós apenas o

resto… O texto citado foi escrito em 2004 para o primeiro-ministro francês, mas até me

custa imaginar o que seria este texto hoje.

Mas como mostram as estatísticas da OCDE, nós crescemos e crescemos bem,

mas estas estatísticas medem apenas o número de licenciados, não avaliam a qualidade

dos mesmos. Esta não parece, não foi, nunca a pretensão do actual Governo, antes pelo

contrário, nem é aqui a preocupação da OCDE. Os resultados em termos de qualidade

são, do meu ponto de vista, os descritos no texto que a si, senhor Ministro, lhe foi

enviado com a carta aberta entregue ao senhor Presidente da República. Mas dessa carta

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enviada nenhuma indicação de recepção assinalada e o nosso Presidente deste ponto de

vista e do alto da sua honestidade por ele próprio bem afirmada mas nada provada

continua a estar bem calado. Não vale a pena, portanto, insistir neste ponto.

A propósito da qualidade de ensino e do seu efeito sobre as capacidades

intelectuais de quem dela é um produto, como me custa a imaginar, senhor Ministro, o

que entenderá cada um dos “seus licenciados de Bolonha”, face à vida, face ao

“mercado”, face ao seu próprio devir. Terá cada um deles capacidade de questionar o

que é o Homem? Será cada um deles capaz sequer de sentir que a pergunta tem sentido?

Ou será que ganharão esse sentido quando o não sentido que lhes é agora imposto se

transformar em corrente humana, na rua, em manifestações, em protestos, conferindo-

lhes pela revolta esse sentido de fazerem parte da vida, de fazerem parte da História,

como nós o ganhámos nas ruas, nas fábricas, outros nos campos, outros nas

universidades, nas campanhas de solidariedade que organizámos, nas manifestações, na

capacidade de enfrentar directa ou silenciosamente o poder de Estado, o terrorismo de

Estado de então?

Muito mais hoje do que ontem, muito mais do que há cinquenta anos atrás, sinto-

me hoje um loser, mas não pelas mesmas razões. Antes, porque o sistema me garantia

que não tinha direito a nada, tinha que o conseguir, senhor Ministro, agora como

docente sinto-me totalmente enganado por alguns daqueles que outrora me ensinaram.

Gostaria de terminar este assunto sobre a qualidade do ensino na reforma de

Bolonha com as palavras de Vitorino Magalhães Godinho (2010, p. 62) que de uma

forma só ao alcance de alguém com a sua estatura intelectual podia escrever:

Sobre o caos em que se tornou o ensino universitário abateu-se o chamado processo de Bolonha, obcecado pela uniformização, baralhando os títulos e graus, e eivado por uma pedagogia simplista. O primeiro acto de qualquer governo com um mínimo de sensatez tem de ser a revogação das abstrusas disposições desse pseudo-acôrdo feito à revelia de professores e investigadores, que não tiveram a coragem de o rejeitar e se sujeitaram a passar sob as forcas caudinas.

A Universidade, a reforma de Bolonha e as avaliações

Deixe-se Bolonha e a qualidade do ensino, mas não a lógica da política seguida

que outros tristes negros horizontes parecem anunciar sobre a Universidade e, em

particular, sobre todos os que nela trabalham e que têm como função principal ensinar e

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que vêem o cumprimento desta cada vez mais difícil e não apenas porque a qualidade

dos estudantes é cada vez menor. Paralisada a Universidade pelo lado dos estudantes e

pela dinâmica da ignorância criada, trata-se agora de silenciar a outra parte, trata-se de a

condicionar, de a paralisar também, empurrando-a para novas pressões, as pressões da

desmotivação, as pressões do medo e das avaliações: se alguém quer preservar o seu

emprego, entenda então a função de professor sobretudo como um conjunto de regras

contabilísticas de modo a maximizar os pontos a registar, a avaliação a que vai ser

submetido, e isto é claramente mais importante que ensinar se o emprego quiser

assegurar. Não é por acaso que à volta dos rankings das universidades os comentadores

e os especialistas a eles se referem como se da Primeira Liga se estivesse a falar. Difícil,

cada vez mais difícil a missão, a profissão de professor, portanto.

Simplesmente, em tempo de crise e onde os empregos a alcançar são cada vez

mais raros, resta a muitos deles, meus colegas de ontem e de hoje, que terão a minha

solidariedade também amanhã, resta-lhes o silêncio e o continuar de um esforço enorme

para conferir uma dignidade à profissão que o ministro da tutela parece tudo fazer para

obstruir. E com os rankings das universidades e os ratings de professores, rankings e

ratings de coisa nenhuma como mostrarei, sobre cada um de nós a pesar, é

inegavelmente a vida académica de cada um que a sua política neoliberal pura e dura

passará a condicionar. Pior ainda, assim é o trabalho de cada docente no qual o ensinar,

o trabalho de ensinar a aprender, um dos seus objectivos fundamentais, passará então a

ser menorizado, pela imposição agora de uma corrida sempre continuada, sempre

renovada à avaliação, à contabilidade dos pontos ganhos ou a ganhar. O ensinar, senhor

Ministro, neste contexto, passará a ser um subproduto da Universidade, que se

transforma agora num imenso espaço de tiro aos pratos, aos pontos. Lamento, senhor

Ministro, isto é mais um exemplo que me leva a pensar que o senhor Ministro nunca

soube o que é ser professor, quase de certeza que nunca experimentou ir dar uma aula

teórica de duas horas tendo apenas como bagagem os seus dedos, o seu cérebro, o giz da

sala de aulas e uma atitude de dádiva para a leccionar. Quase de certeza, pois caso

contrário não faria isto.

Uma tensão constante sobre o corpo docente como sinal de eficiência, é o único

resultado desta sua política e esta nova e enorme tensão é também a expressão do que o

Executivo entende por “modernização” das funções e na função pública, é também a

medida única dos seus resultados. Estou a forçar a lógica, talvez, mas no limite é isso

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mesmo que se apresenta como tendência na sequência das suas políticas, senhor

Ministro.

Ninguém se questiona sequer sobre o que estas classificações representam e como

são obtidas, sobre os critérios utilizados, sobre a sua pertinência, sobre as questões

metodológicas que envolvem a agregação de diferentes indicadores num só. Tudo isto

representa também a quebra da noção de grupo profissional e de objectivos comuns,

objectivos colectivos portanto. Por esta via, introduz-se o que o sistema mais gosta e

acredita: instalar a concorrência entre tudo e todos, a ver quem pontua mais, pois assim

ganha-se a “excelência”, mas a “excelência” de quê, senhor Ministro? Pela minha parte

respondo, ganha-se a excelência dos números, não a excelência da qualidade. No mundo

neoliberal de que o executivo de qualquer governo da União Europeia é um bom

exemplo da mesma maneira que o senhor Ministro é dele um bom representante,

defende-se, contra a ideia emitida pela filósofa Barbara Cassin, de que agora a

“qualidade é uma propriedade emergente da quantidade”. Nessa mistificação assenta

então a sua política mas coerentemente deveria perguntar, tal como o fez o biólogo

Martin Enserink, “Who Ranks the University Rankers?”que aqui podemos traduzir por

“quem avalia os avaliadores?” ou ainda por “quem o avalia a si, senhor Ministro, por

estas políticas?” Os seus destinatários ou os seus mandatários? Neoliberalismo ou

democracia, eis hoje a questão shakespeariana que todos devemos saber enfrentar.

Nesta sequência, vale a pena abordar com mais detalhe o reino das quantidades

que parece ser o seu domínio de preferência não só no que diz respeito às licenciaturas

obtidas, aos professores como também às universidades. Neste ponto, procura-se

perceber a questão dos ratings que tanto poderão ser ratings sobre os professores como

ratings sobre as instituições universitárias.

Para iniciar este assunto, nada melhor do que assinalar o que diz um relatório do

Senado francês sobre ratings no ensino superior (Senado (França), 2004, p. 5):

É verdade que avaliar o ensino é uma tarefa complexa, porque esta actividade responde a objectivos múltiplos que não são todos directa e imediatamente observáveis. Num domínio tão dificilmente quantificável, os indicadores correm o risco de constituírem apenas um pálido reflexo da realidade ou, pior ainda, de suscitar efeitos perversos: com o facto de se centrar apenas em alguns indicadores, parciais pelo seu próprio objecto e imperfeitos na sua medida, pode correr-se o risco de empobrecer a qualidade do ensino.

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É pois sobre estes efeitos perversos que iremos falar tomando como referência a

classificação da Universidades de Xangai, o índice de Xangai, e a classificação ou

índice US News&World Report (USNWR), destinado ao mercado americano e utilizada

essencialmente como critério de escolha para quem quer frequentar o ensino superior

neste país.

Em tempos idos pensava que o neoliberalismo não avançava tão rapidamente na

sociedade portuguesa como o está a fazer actualmente no ensino, mesmo quando o

sistema deu sinais evidentes de estar à beira do fim. Feita a reforma do ensino superior,

dita reforma de Bolonha, pensava eu, ingenuamente, que algum pudor haveria em

avançar com mais reformas antes de estabilizar esta e, portanto, que se passaria primeiro

por uma análise em profundidade desta reforma, na óptica de quem a lançou no terreno,

neste caso na óptica de Mariano Gago e de quem o acompanha, de quem o defende, de

quem o serve ou de quem é obrigado a servi-lo. Mas não, mais uma vez me enganei.

O ritmo de reformas avança, é a classificação dos docentes, é a classificação das

universidades que surge cada vez mais no horizonte, é afinal a quantificação da

qualidade que se pretende, pretende-se assim o impossível. Mas como não é crível que

intelectuais e técnicos assumidos andem a trabalhar para querer o que toda a gente sabe

que é impossível, mesmo que para isso nos queiram distrair com discussões à volta da

reestruturação de saberes e do redimensionamento dos estabelecimentos de ensino

superior, o que é se pretende com tudo isto? No caso dos professores, não podendo as

avaliações de desempenho, os ratings, dar azo ao aumento de remunerações, e

actualmente de facto não podem, então para que servem? E isto tanto mais quando

estamos a falar de um grupo profissional especial cujo estatuto é já de si bastante

exigente, uma vez que pressupõe a realização ao longo da carreira de diversas provas

públicas. Para mim, racionalmente só vejo uma leitura: como já referi, eventualmente

neutralizada por agora a contestação dos estudantes que devem é correr para o mercado

de trabalho antes de qualquer concorrente lhes poder ocupar o lugar, aos professores

impõe-se-lhes um outro mecanismo de pressão, a insegurança, impõe-se-lhes a

avaliação. Parece-me que o que se pretende garantir, agora ou depois, é um certo ritmo

da redução do papel do Estado no Ensino Superior em Portugal, um certo ritmo de

redução de despesas públicas; em suma, uma certa redução de pessoal, mesmo que não

se fale de despedimentos, pois basta não substituir os que se aposentam. Mas sejamos

claros, isto significa despedimentos, significa, forcemos as palavras, despedir os que

ainda não se empregaram. E falam-nos de juventude! Penso ter razão e, se assim é,

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ninguém mente pois nos tempos de crise que se vivem, em que todos os cofres estão

vazios, promover significa agora despromover, e é disso que se anda à procura. Evita-se

a mentira de o dizer, mas mentem porque o não dizem.

Sobre estas questões, no texto sobre a reforma de Bolonha já anteriormente

mencionado (2010, p. 27 e s.) afirmei:

Por se seguir o caminho inverso daquele que a situação exige, inverteu-se a lógica da democracia quanto à função do Estado. Uns obscuros departamentos de trading de alguns poderosos bancos de investimento, uns poderosos e quase que anónimos hedge funds, uns obscuros especuladores, o mercado afinal, determinam num obscuro mercado os valores dos CDS, em que ninguém nos explica como funcionam, como se determinam as suas taxas; questão extraordinariamente importante quando são estas taxas que vêm a determinar o valor das taxas de rentabilidade implícita dos títulos da dívida pública e o peso do serviço da dívida soberana, quando depois é este que determina o volume de impostos a receber e o volume de despesas públicas a cortar, os grandes investimentos públicos para o futuro a desaparecer. Trágica ironia! Em nome das gerações futuras e de acordo com o modelo da economia neoliberal, muitos têm também justificado estas mesmas políticas de redução dos défices públicos, mas o que dirão eles agora perante isto, perante aquilo que a aplicação do próprio modelo está a sujeitar estas mesmas gerações? E assim se determina o sentido das políticas nacionais e se anula a democracia. Quer-se agora sacrificar os próprios Estados, a própria democracia, no altar da soberania absoluta dos mercados financeiros, cada vez mais opacos, comme il faut. O resto é a plêiade de discursos dos nossos políticos, jornalistas e intelectuais a glorificar o caminho imposto pelos mercados financeiros, prisioneiros que são, explícita ou implicitamente, do sentido da eficiência que a estes continua ainda a ser atribuída. E tanto é assim que até os traders, ou gerentes desses obscuros agentes, nesses obscuros mercados, com bónus na ordem das muitas dezenas de milhões de dólares por ano, são também eles classificados, avaliados, por empresas também elas internacionais, globais, e também elas sujeitas às agências de notação3. Com tanta avaliação, do primeiro ao último elo da cadeia, quem se atreve a pôr em dúvida a eficiência dos mercados?

E a analogia com Bolonha pode continuar: também a Universidade vai ser submetida à mesma lógica de eficiência, à mesma lógica dos rating, das avaliações, mas com uma grande diferença. Enquanto os rating para os traders marcam o ritmo dos bónus futuros, o ritmo dos milhões de dólares a receber, na Universidade, porque não há dinheiro, não há sequer tostões, os rating para os professores têm apenas uma função ideológica — cumprir o modelo! — quando na verdade o que deve ser posto em causa, e em primeiro lugar, é a crença à volta do conceito de eficiência. Como é que se pode perceber que estejamos a colocar em risco milhões de desempregados e lançar muitos mais milhões de crianças, que vão deixar de ter futuro por mergulharem em situação de pobreza de onde não

3 As empresas em questão são a Extel e a Institutional Investor. Para uma análise em profundidade sobre o que fazem os traders, como fazem e para quem fazem, veja-se Greaint Anderson, Cityboy, Londres, Headline Publishing Group, 2008. Uma questão imediata aqui se levanta: com tanta análise, com tanta notação, com tanta concorrência, como foi possível que ninguém visse o que se estava a passar. Pergunta semelhante fez a rainha de Inglaterra aos “sábios” da London School of Economics.

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poderão mais sair? Como é que se pode perceber que estejamos a criar situações de redução de ritmos de crescimento e por esta via a aumentar o risco de incumprimento dos países, a aumentar então e de novo o valor dos famosos CDS, a crescer a dívida soberana outra vez? E isto tudo de modo a assegurar-se na perspectiva dos mercados financeiros as condições necessárias para o seu normal funcionamento de afectação eficiente dos capitais. Em suma, como aceitar que se corra o risco de pagarmos cada vez mais para passarmos a dever cada vez mais? No que se refere a Bolonha, como aceitar que se corra o risco de haver cada vez mais estudantes a saberem cada vez menos e com cada um deles a significar um maior nível de despesa pública? E os responsáveis de tudo isto, quem são? Estudantes, não; em termos individuais são as grandes vítimas. Os professores? Francamente, também não. Somente se ensina o que os outros conseguem aprender, mas mesmo que se ensine o máximo possível, que cremos que é a situação genérica, o drama é que o possível de aprender é cada vez mais reduzido. Mas discutir o que queremos como possível, o que queremos como outra realidade e outra profundidade de ensino, é então discutir o sistema que produz e alimenta esta crise no ensino. Mas isso não se faz, porque estamos no melhor dos mundos possíveis de Pangloss, portanto, não questionável. De um lado, a crise económico-financeira e, do outro, a crise do ensino, em nenhum lado há culpados. É uma questão de mercado, de sistema! Por isso, ser-se contra o actual sistema de mercados financeiros é igualmente ser-se contra o sistema de Bolonha; são duas realidades aparentemente distintas, mas são apenas duas esferas de actividade diferentes mas com a mesma raiz de fundo: o modelo neoliberal.

Está-se pois a falar de ratings e é de ratings que se fala com a avaliação dos

docentes e das instituições universitárias. Numa carta aberta dirigida ao presidente da

Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso sobre o mesmo tema e no ponto

“Dizem-nos ter ‘modernizado’ o sistema de ensino superior”, “modernização” que o

primeiro-ministro José Sócrates e o senhor Ministro se orgulham tanto, afirmei:

Flexibilizaram-se os contratos de trabalho, precarizou-se a segurança no trabalho, colocou-se, por essa via, os professores a considerarem a sua carreira como uma espécie de campeonato de futebol onde o importante é marcar pontos contra os outros e impedir que no-los marquem a cada um de nós, onde estão sujeitos a avaliação contínua como se as sucessivas provas públicas deixassem de ter qualquer significado, onde se passa a fazer não o que se deve verdadeiramente fazer mas sim aquilo que o avaliador é capaz de exigir e compreender, de quantificar e, normalmente, trata-se de coisas diferentes. Possivelmente, a partir de agora, cada professor poderá estar mais interessado em compor a montra onde se irão colocar os dados que vão ser quantificados, avaliados, medidos, do que propriamente em preocupar-se com a função para a qual é pago: ensinar. E esta última função passa-se sobretudo na sala de aulas, no que está aquém dela, no que está para além dela mas onde esta é sempre o centro. Aqui, não há métrica que valha mas a lógica neoliberal exige o impossível que é quantificar o que não é quantificável e é assim pela simples razão de que o que lhe interessa não é a qualidade mas a quantidade. Primado absoluto da quantidade sobre a qualidade, primado absoluto da precariedade a que os docentes vão estar submetidos sobre a

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estabilidade que a estes deveria ser oferecida, primado absoluto, portanto, do número, neste caso das vias que levam à redução dos custos. O que passa a ser preciso é considerar a carreira e a vida como uma escada de acesso a um trapézio muito alto e de onde não se pode cair ou não se deve, já que a queda pode ser mortal. Por essa via, é a profissão que sai minimizada e os estudantes, esses, passam para segundo ou terceiro plano, desejando-se apenas que não nos atrapalhem na subida das escadas da vida de cada um de nós, professores. Adicionalmente, reduz-se a dimensão dos cursos, multiplica-se o número destes, vejam-se só os números de cursos em engenharia espalhados por esse país, multiplicam-se os mestrados e inventa-se a transversalidade para os diversos mestrados, em que um licenciado em direito ou em agronomia ou noutro curso qualquer, onde praticamente não teve economia, pode tirar um mestrado na área de gestão ou de economia e num tempo bem curto. A tudo isto dizem chamar-se “modernização” do ensino superior.

Em suma, “modernizar” o ensino superior pode vir a significar um custoso processo de autonomização e de conservação da ignorância dos estudantes que, em vez de verem a ignorância por si vencida, esta é a função da Universidade, passam é a ser possuidores de uma ignorância mantida ou acrescida, derivada da erosão do tempo em que não se estuda ou em que se passa por cima de quase tudo o que é estudo, com a velocidade de quem tem medo de perder um outro comboio, o de ir procurar e conseguir emprego antes dos outros, os seus colegas concorrentes. Mas, tudo isto faz parte da “modernidade” de que nos falam até à exaustão os nossos políticos..

Neste modelo de política de educação, questionar a estrutura de ensino está fora

de questão, o que se deve questionar, e de forma sistemática, é a actividade, é a acção

dos agentes cuja função é ensinar. Esses é que é preciso sucessivamente avaliar.

Assim, o Governo passa a uma segunda fase na sua concepção de

“modernização”: os professores que ao longo da sua carreira são obrigados a diversas

provas públicas, e que são elas a não ser avaliação, passam agora a ser escrutinados

segundo vários parâmetros se querem mudar de escalão no interior de cada categoria. E

se não quiserem? Quem garante depois seja o que for neste reino de instabilidade

criada? O melhor é, portanto, passarem a funcionar em função desses parâmetros, o

mesmo é dizer: o melhor é viverem não para o ensino mas para os ratings.

O modelo subjacente a esta política do ensino superior é o modelo neoliberal na

sua versão mais dura, naquilo que leva a que cada um de nós se molde na nossa

interioridade aos parâmetros do sistema, de um contra todos, o mesmo se passando

quanto à nossa exterioridade. Se queremos sobreviver, terá que ser assim, o trabalho que

se faz deve ser feito fundamentalmente para a quantificação. Neste modelo, a

quantificação é primordial, pois não tem valor tudo o que não se possa medir, aferir,

comparar, quantificar. Neste modelo é fundamental o rating, como o é em qualquer

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Bolsa e, descobrimo-lo agora de forma bem terrível, como o é também assim com o

nosso pão de cada dia, porque as nossas vidas, dependem das políticas económicas

seguidas e estas dependem, também elas, do rating da dívida pública. Condenados,

cercados pela lógica do rating, eis pois a condenação do cidadão moderno. Procure-se,

por todas as esquinas, por todas as praças de Lisboa, por esse mundo quem nos assegure

um pouco de paz, quem nos assegure um rating de qualidade e triplo A que seja! Boa

sorte.

A questão é tanto mais importante quanto a produção de um rating levanta

questões tão complicadas como em economia se levantam quanto à unidade de medida

das grandezas da economia real. É assim necessário pensar naquilo que não pode nem

deve ser feito na construção de nenhum índice, de nenhum rating. Trata-se de

questionar tanto o que se quer medir como os instrumentos utilizados para a medição.

Será que tem sentido o que queremos medir? Será que tem sentido os indicadores que

pretendemos utilizar? Será que os indicadores que vão ser calculados são independentes

dos “objectos de medida” em que vão ser aplicados? Será que os indicadores são bem

construídos? Será que os indicadores são homogéneos para permitir comparações

mesmo que singulares no mesmo país entre diversas instituições ou entre instituições de

diferentes países? Será que os valores obtidos têm eles o significado que lhes queremos

atribuir? Será que os indicadores respeitam eles a resiliência das instituições que querem

medir ou podem dar sucessivas variações quando nada terá variado ou ainda podem dar

variações do que queremos medir que não têm elas sentido? Não nos podemos esquecer

que os indicadores são criados para apreender o que conceptualmente definimos como

“o objecto, o conceito”, não são o próprio conceito a ser analisado; não nos podemos

esquecer que são ferramentas concebidas para o conceito apreender nas suas

modificações temporais e que nos sejam relevantes para o objecto de estudo. Resolvidas

estas perguntas, terá sentido a passagem de um feixe de indicadores a um indicador

único, o que permitirá o ranking, o valor da classificação global a atribuir? Terá sentido

a passagem de um feixe de indicadores a um indicador único, a famosa questão da

agregação, que o índice de Xangai levanta lapidarmente? Basta uma resposta negativa a

uma de todas estas perguntas para recusar toda e qualquer validade a todo e qualquer

ranking que se possa fazer. Para começar a analisar estas questões, recorra-se ao

seguinte exemplo:

Suponhamos que se estava a leccionar uma disciplina de um bom mestrado sobre

a utilização de múltiplos critérios na teoria de decisão. Na disciplina, a avaliação

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consiste num trabalho individual: os estudantes devem propor e justificar uma técnica

de utilização de múltiplos critérios na teoria da decisão para tratar um dado problema

específico. O tema neste ano consiste em criar uma técnica que permita classificar os

países em função da sua “riqueza”. Analisem-se as três propostas de trabalho

apresentadas.

O primeiro estudante propôs uma técnica bastante complexa que tem como

particularidade o facto de o país 1 ser classificado antes do país 2 não depender somente

dos dados colectados sobre estes dois países, dependendo também do que se passa no

terceiro país 3. Mesmo se é possível imaginar situações onde tal fenómeno se poderia

justificar, penso que estaremos todos de acordo ao dizer que a proposta deste estudante

não tem sentido. É, com efeito, dificilmente concebível que o facto do país 1 ser mais

rico que o país 2 depende da riqueza do país 3.

O segundo estudante propõe uma técnica simples que funciona da maneira

seguinte: para cada país, recolhem-se os dados sobre o PIB e o PIB per capita (PIBph).

O estudante sugere que se classifiquem os países utilizando uma soma ponderada do

PIB e do PIBph para cada país. Aqui também todos estaremos de acordo em não aceitar

a proposta de trabalho deste estudante, por não ter nenhum sentido, embora para medir a

riqueza total de um país se deva utilizar o PIB e também para medir a riqueza média dos

seus habitantes se deva utilizar o PIBph, mas uma combinação linear do PIB e do PIBph

não tem qualquer sentido: o PIB mede a produção e o PIBph mede a produtividade.

Assumir y vezes a produção mais z vezes a produtividade é uma operação legítima no

plano aritmético mas que não tem nenhum sentido excepto se os ponderadores y e z

valerem alternadamente um ou zero. E quem não estiver convencido da argumentação

teste os resultados utilizando os dados sobre o PIB e sobre o PIB per capita de qualquer

país.

Considere-se agora o terceiro estudante que propõe um modelo complexo mas que

não se interroga sobre a pertinência da tarefa, não reflecte sobre o que é “a riqueza” e

como é que ela deve ser medida, não tem em conta o impacte potencial do seu trabalho,

só utiliza informações facilmente disponíveis na Internet sem se questionar sobre a sua

pertinência nem sobre a sua precisão e mistura esta mesma informação através da

utilização de parâmetros arbitrários sem questionar sequer a influência destes nos

resultados obtidos.

Claramente, e de novo, toda a gente estará de acordo para se dizer que o trabalho

deste terceiro estudante também não tem nenhum sentido. Este passou igualmente ao

25

lado da dificuldade do tema, reduzindo-o a um vulgar exercício de mistura sem sentido

(Billaut et al., 2010).

Os três trabalhos consideram que uma classificação resultante de uma agregação

de indicadores múltiplos, quando cada um deles por si mesmo possa ter

conceptualmente sentido, é necessariamente um indicador com as mesmas

características. Na verdade, isto não é assim, a transformação de um feixe de

indicadores num único indicador agregado e normalizado para classificar um conjunto

de países, de instituições ou pessoas, perde sentido, porque é profundamente subjectiva,

tornando-se num conceito não operacional quer para comparações internacionais em

cada momento do tempo quer para análises comparativas da evolução dos sistemas. De

uma maneira ou de outra encontramos aqui o problema da agregação equivalente ao que

animou o debate entre os economistas nos anos 70 e 80 com o aparecimento da obra de

Sraffa.

Lamento ter que afirmar que o que os estudantes propõem é o que se faz na

obtenção das classificações que nos dão os rankings das universidades e, sendo assim,

os autores respectivos não nos parecem em melhor situação do que eles, cujos trabalhos

foram rejeitados. Assim, cabe-me pois agora mostrar isto mesmo, que estes trabalhos de

classificação das universidades reúnem em si todos os inconvenientes que se encontram

nas propostas de trabalho destes três estudantes. Para o efeito, comece-se por apresentar

uma fábula elucidativa destas questões e onde um dos momentos relatados tem a ver

com avaliações e com metodologias subjacentes à construção de ratings.

Esta fábula passa-se num país qualquer, a que damos o nome de Numerolândia, o

país do número, e claramente esse país poderia estar actualmente a ser governado por

um qualquer governante da Europa. Qualquer deles ficaria aí muito bem.

Neste país entre os países, os estatísticos pediram um dia ao governo autorização

para incluir informações de ordem étnica nos seus inquéritos. O debate abriu-se. Houve

gente “por” e gente “contra” e a controvérsia transcendia, e de longe, a clivagem

habitual entre partidos do governo e da oposição.

As pessoas que defendiam a inclusão deste tipo de dados, os do “por”, explicavam

que, dado que se podia a partir de agora aceder à informação, não tinha sentido

privarem-se dela: é a utilização de um saber que se revela boa ou má, não o saber em si

mesmo — está-se em democracia e estão todos bem conscientes das suas

responsabilidades. Os “contra” sublinhavam que os dados étnicos, no caso, não trariam

nenhuma informação suplementar sobre as pessoas e abririam a caixa de Pandora que

26

ninguém seria capaz de controlar depois. Quem sabe em que mãos cairiam estes

inquéritos e para que fins poderiam eles servir, então? Na sua grande sabedoria, o

governo transigiu: poder-se-ia incluir dados étnicos nos inquéritos, mas apenas durante

um tempo limitado (dois anos) e nenhuma publicidade seria feita em redor dos

resultados. Este país esqueceu a controvérsia.

Mas, tecnicamente, descobriram-se desvios importantes entre centros, entre as

administrações, entre as administrações e o sector privado, e no interior do sector

privado. Inventou-se então um índice que permitisse medir a relação de negros, árabes e

judeus, num meio socioprofissional dado, número que se baptizou imediatamente como

“o índice NAJ”, porque se gostava de siglas, nesse país. Não se tratava, certamente, de

um número bruto que se deduzia simplesmente dos dados do inquérito, o número de

negros, árabes ou judeus, porque então teria sido impossível proceder a comparações

portadoras de significado quanto à evolução do peso de cada etnia.

Na ausência de informações de ordem étnica do passado, contornou-se a questão

considerando o maior número de negros, árabes e judeus citados pelos seus colegas

durante os cinco anos precedentes, ponderando cada um deles por uma combinação

linear de cada uma destas etnias efectivamente presentes. Matematicamente avançou-se

ainda mais, dividindo o valor anteriormente ponderado por uma per-equação incluindo a

média nacional, regional, e tendo em conta a classe profissional considerada. É

munindo-se de todas as precauções que se pode explicar a precisão, e mesmo, ouso, a

equidade deste índice. O NAJ era diabolicamente interessante!

Um dia, a agência dos avaliadores nacional informa um determinado centro de

investigação regional — a região onde se passa esta fábula que se orgulhava de possuir

um centro de investigação — que os seus peritos viriam da capital para avaliar a

investigação, as equipas, e o instituto na totalidade dos seus serviços, com excepção dos

investigadores, porque tal não era o seu mandato. Agitação no centro! Era necessário

reservar o restaurante, mandar limpar as instalações sanitárias, preparar as exposições,

mas… era necessário também organizar o balanço dos quatro anos transactos.

Todos começaram a ficar preocupados, começaram-se a interrogar; era necessário

prepararem-se para o melhor e para o pior. Será que aos olhos dos avaliadores se

publicou bastante? Serão suficientes os contratos efectuados com o privado? Haverá

bastantes patentes? Como foi o enquadramento dos estagiários? E quanto a

responsabilidades internacionais? E quanto a descobertas?

27

A pergunta pareceu absurda, fora de questão. Mas alguém referiu: “talvez fosse

necessário estudar melhor e desenvolver o nosso índice NAJ. Evidentemente, não

estamos nada de acordo com este índice. Revela uma sociedade em plena desagregação,

uma sociedade em que só vale o que é quantificável. Mas, por outro lado, é necessário

ter em conta que os nossos avaliadores não se privarão de o calcular e, se não está

conforme, atacar-nos-ão desse ponto de vista. O nosso centro passará então do nível A

para o nível B e nós perderemos os nossos financiamentos. Acabam-se assim os

contratos de trabalho para empregar técnicos e engenheiros. Acabam-se os lugares de

investigadores e de professores. É melhor prepararmo-nos de forma convincente. Se

formos nós a calculá-lo, saberemos antecipadamente o que é que temos que enfrentar e

podemos assim preparar uma argumentação idónea, uma argumentação convincente.

Pode ser que o nosso índice NAJ seja mais elevado — ou mais baixo, isto será assim o

resultado do estudo — que a média nacional ou mesmo internacional. Mas é necessário

ter em conta que se trata de uma herança histórica; no nosso centro, os negros estavam

tradicionalmente entre os primeiros, enquanto os judeus e os árabes só de longe seguem

a média indicial. É por esta razão, dada a nossa preocupação total com a excelência, que

nos deveremos preocupar em empregar mais negros, ou menos árabes e menos judeus;

adaptar-se-á a argumentação, conforme os resultados obtidos. Mas é necessário

sublinhar que esta argumentação deve ser feita para convencer os nossos respeitados

avaliadores do nosso entusiasmo, movidos unicamente pela ambição de querermos ser

os melhores num contexto internacional altamente competitivo e de elevarmos bem alto

a bandeira do nosso país”.

No final, os investigadores ficaram satisfeitos. Como eles se saíram, uma vez

mais, brilhantemente, da armadilha estendida pelo governo! Com uma tal inteligência,

eles não arriscaram verdadeiramente nada. Foram os investigadores do outro centro que

tiveram problemas para se desenrascarem, mas não estes. Estes simplesmente iam

ganhar velocidade e ultrapassar os avaliadores que — surpresos e contentes, saciados

igualmente porque se lhes tinha reservado um muito bom restaurante — mantiveram a

classificação ao nível A. Tinham escapado de boa (Cherrucresco, 2009).

As comparações com o sistema dominante quanto à necessidade de avaliações e

quanto à forma como estas são construídas e utilizadas são totais. Nos centros de

investigação, nas universidades, produz-se um produto NAJ, sem sentido, eleva-se com

sofisticação à categoria de produto científico e é esta sofisticação que esconde a sua

nulidade e é-se avaliado com A. Isto é a Universidade da Numerolândia. E na bolsa da

28

Numerolândia, como é? A mesma coisa. É simples: vendem-se umas casas a quem sabe

de antemão que não tem rendimentos que lhe permita pagar o empréstimo, dobra-se-

lhes o seu valor, vendem-se as hipotecas com 7% de margem aos grandes bancos, estes

criam um SIV, misturam as hipotecas, com uns cartões de crédito cujos titulares não

mereciam “crédito”, adicionam-se mais umas comissões, arranja-se um “arranjador”

independente, credível, que garanta que a combinação de créditos é de qualidade, pois

precisa-se de um bom rating, dá-se essa informação às agências de rating, estas assim

nem olham, dão um triplo A e assim se emitem os títulos que não valem um cêntimo

furado, mas têm um triplo A, os CDO que agora estamos a pagar. Garante-se um grande

banco como seu tomador ou como subscritor, mais umas boas comissões, garante-se uns

bancos da nossa Numerolândia que compram estes produtos tóxicos para os seus

clientes. E viva a Numerolândia, viva o rating, vivam os mercados financeiros. Esta é a

lógica do modelo neoliberal.

E isto é hoje verdade em qualquer país da Numerolândia, seja Portugal, Espanha,

França ou outro qualquer. Não há embaraço na escolha pois o conjunto de países que

constitui a Numerolândia tem já uma agência global, tem já um número também ele, o

AQAH27P — Avaliação Quantificada das Actividades Humanas a 27 Países —, e é

regido pelas mesmas normas. Mas se é das actividades humanas quer isto dizer o quê?

Que se corre o risco de tudo vir a ser colocado em ficheiros, numerado, avaliado,

quantificado, os ficheiros de cada um de nós, dos nossos interiores e dos nossos

exteriores? Está-se a abrir na Numerolândia o caminho para a realização daquilo que

falava Hegel: quando uma flor se atravessa na razão do Estado é a flor que tem de ser

eliminada. Hoje, amargamente, a avaliação que faço é que a avaliação irá determinar,

apontar, precisar quem é quem, quem é que se atravessa na razão do Estado, na razão da

avaliação, na razão afinal da ordem na Numerolândia e quem assim o fizer será excluído

dessa mesma ordem.

A fábula tratava da avaliação de instituições com a exclusão das pessoas, mas

note-se a nota atribuída teria implicações profundas na vida de quem lá trabalhava. É

assim também na realidade e, portanto, falar de avaliação de instituições ou de pessoas

que nela trabalham é rigorosamente equivalente. Vê-se assim como se geram as

cumplicidades. No nosso caso, dizem-nos que o processo de avaliação de desempenho

serve para promover os docentes, mas os ratings que lhes estão inerentes servirão para

quê? Não se quer atingir ninguém, acredita-se, mas nesta altura também não pode haver

promoções. Já falei disto anteriormente, mas vale a pena perguntar outra vez: para que

29

serve a avaliação? Para treinar, apenas para registo de promoções sem contrapartida

financeira? Com esta pequena cenoura pensa-se que se consegue a anuição por parte dos

docentes ou então a divisão entre eles. E o modelo neoliberal cumpre-se! É esta a

posição por mim assumida em texto sobre a reforma de Bolonha e já referido (Mota,

2010). É isto a nossa Numerolândia. Mas como tudo na vida tem um curto, um médio e

um longo prazo, também a questão da avaliação assim o tem.

No Expresso (de 30 de Dezembro de 2010), num artigo com o título “Instituições

querem criar mais 431 cursos”, Alberto Amaral em declarações aí incluídas afirmava:

“a Agência irá utilizar critérios rigorosos para a acreditação, uma vez que não existe

qualquer problema de falta de oferta de cursos (o sublinhado é meu)”.Trata-se de

uma agência de avaliação, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, a

A3ES. Mudemos de agência e podemos ter um outro avaliador a dizer então:“a Agência

irá utilizar critérios rigorosos, uma vez que não existe qualquer problema de falta de

oferta de professores” e a visão de médio prazo fica à vista. Fica à vista qual poderá

ser o objectivo da avaliação a médio e a longo prazo, afinal.

Tudo isto que a nossa fábula nos mostra como representação da realidade parece

não ter nenhum sentido, parece estarmos ao nível do inverosímel, ao nível do não

aceitável. Parece que é inverosímel, mas é mesmo assim, isto é o que são os índices de

classificação das universidades. Passemos então à análise do índice de Xangai que tanta

tinta tem feito correr e que, de resto, parece estar na base das grandes manobras de

concepção das políticas de ensino superior em vários países na União Europeia4.

Em 1995, com o projecto 211, a China visa transformar uma centena de

universidades repartidas pelo território chinês, cerca de 10 por cento do total, em

estabelecimentos de excelência no domínio do ensino e da investigação. Foram assim

reagrupados estabelecimentos universitários de modo a construirem-se universidades

4 Curiosamente a propósito do efeito da classificação de Xangai, veja-se um apontamento de entrevista de Valérie Pécresse (VP) ao Figaro (F): F: A França perde um lugar na classificação de Xangai, apesar das reformas no ensino superior. VP: Nós não podemos recolher os frutos das reformas de modo imediato. Há aqui um efeito de atraso. A Suécia, país que acaba de nos ultrapassar na classificação, iniciou a sua reforma do ensino superior há já alguns anos. A Alemanha lançou o seu programa “Iniciativa de Excelência” a fim de fazer emergir as suas universidades em 2005. É uma batalha mundial na qual os outros países ganharam algum avanço sobre nós. A Grã-Bretanha tem 20 anos de avanço. O nosso objectivo é ter 10 universidades francesas nas 100 primeiras da classificação de Xangai. As universidades francesas — em número de 85 — estão dispersas e sofrem por esse facto. A nossa política de reagrupamento dos pólos de investigação e de ensino superior deverão já dar resultados na classificação de Xangai de 2010. F: Este classificação é muito criticada e a federação de estudantes deplora que esta classificação seja uma referência absoluta. VP: Esta classificação tem defeitos mas existe. Os investigadores e os estudantes lêem-na. Devemos tê-la em conta e fazer de modo a que tenhamos mais visibilidade para as universidades francesas.

30

com dimensão suficiente para supostamente racionalizar a gestão dos estabelecimentos

de ensino e de investigação. É nesta linha, parece-nos, que terá surgido a classificação

da Universidade de Jiao Tong em Xangai, que é a classificação mais conhecida a nível

internacional, daí a atenção particular que aqui lhe é dada.

Esta classificação de Xangai é publicada anualmente e classifica as 500 melhores

universidades de acordo com os seus critérios e que são:

1. A qualidade do ensino e cujo indicador é o número de antigos estudantes que

tenham recebido um prémio Nobel ou uma medalha Fields. O peso do

indicador é 10% e este recebe o nome de ALU no quadro abaixo.

2. A qualidade dos professores, e dois indicadores existem:

2.1. Os membros da equipa universitária que tenham recebido um prémio

Nobel ou uma medalha Fields a trabalhar na Instituição. O peso do indicador

é 20% e no quadro abaixo chama-se AWA.

2.2. O número de investigadores mais citados nos 21 domínios de

investigação considerados pelo ISI (Institute for Scientific information). O

peso do indicador é 20% e no quadro abaixo designa-se por HICI (Highly

Cited).

3. A produção científica, que inclui também dois indicadores:

3.1. O número de artigos publicados nas revistas Nature & Science que no

quadro abaixo se designa por N&S. O peso do indicador é 20%. Caso o artigo

seja na área de Ciências Sociais e Humanas, o indicador é zero e o seu peso é

distribuído pelos outros indicadores.

3.2. O número de artigos publicados pelo pessoal da instituição e

identificados pelo ISI como periódicos de referência, que tem um peso de

20% e que no quadro abaixo se expressa por PUB.

4. A dimensão da instituição e o seu indicador representa os resultados

académicos relacionados com a dimensão da instituição e esta é medida pelos

professores equivalentes ao tempo pleno. O peso do indicador é 10% e é

representado por PCP no quadro abaixo.

Em cada indicador, a universidade com melhor resultado vê atribuir-se-lhe um

valor de referência, o valor 100, e para todas as outras calcula-se um valor proporcional

à universidade de referência, valores que se encontram nas diferentes colunas (com a

excepção da última) do quadro abaixo. Obtém-se assim, para cada indicador, um

conjunto de ratios, uma classificação, uma ordenação das 500 universidades, mas que

31

não permite qualificar seja o que for em termos globais. Trata-se, como se disse acima,

de um feixe ou conjunto de indicadores e em que o valor de referência de cada um pode

respeitar a universidades diferentes, consoante o indicador. Por cada universidade,

multiplica-se cada um dos valores representativos de cada indicador pelo respectivo

peso e obtém-se o valor global. À universidade que obtenha o valor global mais elevado

é-lhe atribuído o valor 100, o valor de referência; serve assim de métrica, de unidade de

valor, de unidade padrão. Os valores globais de todas as outras universidades aparecem

como fracções deste e é a partir disto que se estabelece o ranking que está na última

coluna. É aqui que a questão me faz lembrar, mas apenas isso, o debate das duas

grandes escolas de pensamento em economia dos anos 70 e 80. As duas Cambridge, a

inglesa e a americana. Não é isto que agora me interessa, preocupa-me mais levantar as

insuficiências da classificação de Xangai, o que passo a fazer.

A classificação de Xangai de 2010

Rank Institution Country ALU AWA HICI N&S PUB PCP Total

Score

1 Harvard University USA 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 69.2 100.0

2 UniversityofCalifornia, Berkeley USA 67.6 79.3 69.0 70.9 70.6 54.2 72.4

3 Stanford University USA 40.2 78.4 87.6 68.4 69.7 50.1 72.1

4 MIT USA 70.5 80.3 66.8 70.1 61.4 64.5 71.4

5 University of Cambridge UK 88.5 92.6 53.9 54.3 65.7 53.1 69.6

6 California Institute of Technology USA 50.3 68.8 56.7 64.8 46.9 100.0 64.4

7 Princeton University USA 56.4 84.8 61.1 43.3 44.3 65.5 60.8

8 Columbia University USA 70.7 67.4 56.2 47.6 69.9 32.1 60.4

9 University of Chicago USA 65.5 83.9 50.9 39.8 50.5 40.0 57.3

10 University of Oxford UK 56.2 57.6 48.8 49.8 68.5 41.1 56.4

11 Yale University USA 48.6 44.9 58.5 56.3 62.0 37.0 54.6

12 Cornell University USA 42.3 51.1 54.3 49.9 59.5 38.1 52.6

13 Univ. of California, Los Angeles USA 27.2 42.6 56.9 49.2 75.1 31.2 52.2

14 Univ. of California, San Diego USA 15.1 35.8 60.2 54.6 65.1 37.9 50.0

15 University of Pennsylvania USA 32.9 34.3 57.1 46.9 68.6 28.5 49.0

16 University of Washington USA 24.4 31.7 53.9 51.6 72.5 28.1 48.7

17 Univ. of Wisconsin - Madison USA 36.5 35.4 51.9 40.2 66.1 25.7 46.4

18 The Johns Hopkins University USA 43.6 32.1 42.0 49.4 64.0 27.2 46.0

18 Univ. of California, San Francisco USA 0.0 40.1 53.4 51.8 60.7 33.6 46.0

20 The University of Tokyo JAP 33.3 14.1 42.0 52.0 80.4 34.5 45.9

Fonte: http://www.arwu.org/ARWU2010.jsp.

Neste quadro, a Universidade de Harvard aparece com a maior cotação em cinco

indicadores e o California Institute of Technology num. A cada um destes valores

máximos dá-se pois o valor 100 e todos os outros aparecem como fracções dos valores

32

máximos, como já referido anteriormente. Neste caso, a instituição (a Universidade de

Harvard) com um valor global mais elevado, calculado pela soma ponderada dos

indicadores vezes o seu peso respectivo, recebe na coluna Total Score o valor 100.

Depois de conhecido o delineamento e o conteúdo subjacente à classificação de

Xangai, importa agora analisar toda esta construção e ao fazê-lo irei mostrar como esta

é, em si mesma e do ponto vista científico, um não-sentido total. Para iniciar este ponto,

tenha-se em conta as palavras de Billaut et al. (2010, p. 14):

Em todos os cursos de introdução a multicritérios ensina-se o facto de que, na agregação de vários critérios numa soma ponderada, os pesos utilizados não

devem ser interpretados como estando a reflectir a “importância” dos critérios. Isto pode parecer estranho à primeira vista mas é de facto muito intuitivo. Os pesos (ou ainda os constantes de escala como são ainda designados na teoria de multicritérios na decisão) estão estreitamente ligados à normalização dos critérios. Se a normalização se modifica, os pesos devem também mudar. De facto, pode escolher-se medir um critério em metros ou em quilómetros. Se se utilizam os mesmos pesos para este critério nos dois casos obter-se-ão evidentemente resultados absurdos.

Isto tem duas consequências essenciais. Primeira, os pesos numa soma ponderada

não podem ser fixados numa vaga ideia de “importância” dos critérios. Se o peso dum

critério medido em metros é 0,3 então se passado a quilómetros, e para que este critério

mantenha a mesma “importância”, este peso deve ser multiplicado por 1000. Se assim

não for, a comparação deste peso com os pesos dos outros critérios não reflecte de modo

nenhum a sua importância relativa. Isto tem importantes consequências na forma

adequada de definir os pesos numa soma ponderada.

Não tem sentido também exigir a alguém que fixe os pesos sem referência clara à

normalização escolhida, o que levanta o problema da maneira como os autores da

classificação de Xangai escolheram os seus pesos. Estes nada dizem a este respeito.

Tudo leva a crer que os pesos foram escolhidos arbitrariamente. A única explicação

aceitável é que na primeira versão da classificação os autores utilizaram unicamente

cinco critérios com pesos iguais. Se a utilização de pesos iguais se pode justificar em

certos casos, não existem razões para acreditar que esta hipótese se aplique aqui.

A segunda consequência é mais importante ainda. Se se mudar a norma dos

critérios deve-se rigorosamente mudar de pesos para reflectir exclusivamente esta

modificação da normalização. Se assim não for, corre-se o risco de obter resultados que

não têm nenhum sentido, conforme se verá de seguida com um exemplo numérico. Na

33

medida em que todos os anos os autores da classificação normalizam os critérios dando

o valor 100 à melhor universidade em cada critério e uma vez que todos os anos o valor

não normalizado da melhor instituição varia ele também, os pesos deveriam mudar

todos os anos de modo a reflectir exclusivamente esta mudança, esta nova

normalização. Mas isto não acontece na classificação de Xangai, pois de ano para ano

os pesos não se alteram e isto quando se modificam os valores de referência de cada

indicador. Isto significa que os pesos atribuídos inicialmente a cada critério perdem todo

o sentido.

Recorra-se então a um exemplo para se ver melhor o que se acabou de dizer.

Considere-se oito instituições (a, b, c, d, e, f, g e h) que são avaliadas segundo dois

critérios, g1 e g2. Estes critérios são normalizados para dar o valor 100 à melhor

instituição, a instituição h (h de Harvard), obtendo-se assim os dois critérios

normalizados g1n e g2n.

Soma ponderada: um exemplo com pesos idênticos

Fonte: Billaut et al.(2010, p. 15).

No quadro anterior, as colunas g1 e g2 não levantam problemas. A instituição h é

a melhor em ambos os critérios, que após a normalização recebem o valor 100,

conforme se indica na linha h, coluna g1n e g2n.

Veja-se agora como se atingem todos os outros valores. No caso da instituição f e

do valor g2n, este é então g2n = (g2f/g2h)x100 = (110/500)x100 = 22%. As restantes

células do quadro preenchem-se de igual maneira e obtêm-se os valores normalizados

de cada critério e de cada instituição (as colunas g1n e g2n). Considerando que os pesos

dos critérios são iguais, 0,5 para cada um, pode-se passar imediatamente à coluna que

dá o valor global. A instituição a tem um valor global dado por 4%+43,5% = 47,5% e

34

obtém o segundo lugar do ranking. Para a instituição b tem-se a mesma sequência,

10%+37% = 47%, e para as restantes também. Se se utilizar estes valores globais para o

ranking das instituições, obtém-se a seguinte classificação (a>b significa que a é

preferido a b):h > a > b > c > d > e > f > g.

Considere-se agora uma situação similar em que tudo permanece constante

excepto o valor g2 da instituição h que passa de 500 para 700. Isto conduz ao quadro

seguinte:

Soma ponderada com pesos idênticos: h melhora em g2

Fonte: Billaut et al.(2010, p. 16).

Veja-se, tal como no caso anterior, o valor normalizado de g2 para a instituição f.

No caso presente, g2n = (110/700)x100 = 15,71%. Todos os valores g1n e g2n de todas

as instituições seriam assim calculados e teríamos as respectivas colunas g1n e g2n.

Considere-se agora o valor global da instituição a. Com o peso de 0,5para cada critério,

o valor global desta instituição é 4%+31,07% = 35,07% e esta instituição, que era a

segunda no caso anterior, passa agora a ser a última sem que nada tenha mudado nas

suas concorrentes, que não a instituição h.

Sem mais comentários, quando se quer com esta classificação justificar as

políticas de ensino e investigação em cada país, numa economia global fortemente

concorrencial e concorrencial hoje ao nível da venda de serviços, de diplomas e do resto

também. A classificação, o índice, como o indicador da política de ensino a seguir, o

impensável a ser hoje na Europa executável. Inimaginável.

Mas, senhor Ministro, leve-se a lógica da classificação ao limite. Admita-se uma

situação similar na qual tudo permanece constante, salvo o valor do critério g2 na

35

instituição h, que passa de 500 para 700, enquanto o valor da instituição a em gh1

melhora, passando de 160 para 165, e em g2 também, passando de 435 para 450. Pode

verificar-se o seguinte: a instituição a que melhorou nos dois critérios, degradou a sua

posição relativa e passa para o último lugar. Mais uma vez, os problemas de agregação.

Como os autores cairam na armadilha da agregação, todos nós, senhor Ministro, nos

podemos interrogar sobre a validade dos resultados. Uma coisa é certa, nem sequer se

pode garantir que “melhorar num critério” significa “subir na classificação”.

Note-se ainda que o facto de não mudar de pesos quando a escala muda tem um

efeito estranho. Se uma instituição b é fraca num critério de modo que uma instituição

concorrente a fica classificada à frente dela, o interesse da instituição b é que a melhor

instituição neste critério aumente os seus resultados. De facto, se os pesos permanecem

constantes, esta melhoria diminuirá mecanicamente a diferença entre a e b, o que

permite eventualmente a b ultrapassar a instituição a, sem nada ter feito para isso. Por

consequência, daqui se conclui que quando uma instituição é fraca num critério o seu

interesse é que a diferença entre o seu resultado e o da melhor instituição neste mesmo

critério aumente!

Mais, a agregação não tem qualquer sentido. Os critérios utilizados são critérios

de contagem e são globalmente relativos à capacidade que tem uma instituição em

produzir uma grande quantidade de bons textos originais e de bons investigadores. A

sua agregação é semanticamente coerente quanto aos indicadores 1, 2.1., 2.2., 3.1. e 3.2.

dos critérios da classificação de Xangai acima referidos. Mas o critério 4, o dos

resultados académicos relativamente à dimensão é de natureza totalmente diferente. Se

os três primeiros critérios, com os seus cinco indicadores, representam a produção, o

nosso “PIB” nas páginas acima, o último critério representa a “produtividade”, no

mesmo exemplo, e o bom senso e a análise económica elementar diz-nos, senhor

Ministro, que fazer uma soma ponderada do PIB e da produtividade conduz a um índice

vazio de sentido. Isto basta-me, senhor Ministro, sem sequer ser necessário ir à

substância de cada critério5.

5Curiosamente, em Julho de 2010, noticiava o jornal Les Echos relativamente à política da ministra Valerie Pécresse: “Com a sua reforma debaixo do braço, um sorriso nos lábios, Valérie Pécresse foi a Xangai defender as universidades francesas junto dos autores da temível classificação de Xangai de universidades. Primeira surpresa: o carácter extremamente rudimentar dos dados recolhidos para a classificação. ‘Não chegámos sequer a saber qual o número exacto de professores nas universidades

francesas’, diz-nos e para nossa surpresa o director-adjunto, Ying Cheng, da referida classificação. A ministra prometeu remediar e fornecer o conjunto dos dados necessários. ‘As universidades vão ser mais

reestruturadas mais interdisciplinares e maiores: uma quinzena de universidades federais vão ser

criadas’, explicou aos dois responsáveis pela classificação de Xangai. ‘Três pólos já se fundiram ou vão-

36

Sobre esta questão retome-se o relatório do Senado francês sobre ratings no

ensino superior (Senado (França), 2008, p. 67 e s.) e que nesta parte segui de muito

perto:

Os limites das classificações das universidades são inerentes à sua própria lógica, consistindo em medir a qualidade por indicadores que são quantitativos. A crítica das classificações internacionais incide sobre a legitimidade da medida e sobre a pertinência do método utilizado. Quanto à legitimidade, cada classificação tem os seus próprios limites: assentando sobre um número limitado de indicadores, uma classificação determinada só dá, naturalmente, um número limitado de objectivos.

Uma primeira questão é a de saber se os indicadores escolhidos estão claramente identificados com os que a sociedade considera prioritários. Deste ponto de vista, as classificações privilegiam os indicadores relativos à investigação e não ao ensino. Ora, em que medida é que será de facto interessante para os estudantes e futuros estudantes saber quem são os investigadores mais citados e aqueles que obtêm o prémio Nobel? Centrarmo-nos sobre estes indicadores não será desviar as universidades da sua missão de ensinar, em especial nos primeiros anos de estudos?

Uma outra questão é a de saber se os indicadores escolhidos têm em conta o valor acrescentado das instituições: não dependem eles mais das características dos estudantes, isto é, do seu nível académico à entrada e das suas origens geográficas e sociais? Ou pura e simplesmente não reflectem eles mais a dimensão das instituições do que a sua “produtividade”?

No caso da classificação de Xangai todas estas críticas assentam que nem uma

luva. Se se deixar esta classificação sobre a qual páginas e páginas podiam ser escritas

sobre o tema e se se passar para classificações nacionais, imbuídas do mesmo espírito,

como a classificação USNWR, chega-se à mesma leitura negativa quanto às

classificações. Os indicadores referentes a esta classificação são os seguintes: a

avaliação pelos pares com o peso de 25%; a capacidade em manter os estudantes de um

ano para outro com o peso de 20%; os meios utilizados, ou seja, a dimensão das turmas,

o salário médio pago aos seus professores, o nível de diploma dos seus professores, com

o peso de 20%; a selectividade à entrada que pesa 15%; os recursos financeiros com o

peso de 10%; os donativos dos antigos alunos de 5%; e o valor acrescentado da

universidade em função das características dos estudantes, isto é, a diferença entre a

se rapidamente fundir, trata-se de Aix-Marseille, Estrasburgo e Lorena’”. Sem comentários, a não ser que os governos andem todos a querer moldar-se aos critérios e são estes assim, mesmo sem sentido, que vem a gerar a dinâmica do Ensino Superior na Europa. De referir ainda que praticamente em todas as classificações o que nelas não interessa ou o que nelas menos interessa é o ensino, o que menos interessa são os estudantes!

37

taxa previsional dos estudantes e a taxa efectiva de sucesso escolar, que tem um peso de

5%.

Para falar desta classificação, dê-se a palavra a um especialista americano deste

assunto, Ronald Ehrenberg (2003, p. 14 e s.):

Dizer que o tipo de dados que o USNWR colige não é o verdadeiro problema dos ratings não significa que esse tipo de dados seja necessariamente o único tipo de dados, ou mesmo a melhor bateria de dados, em que se deverá basear a avaliação das instituições do ensino superior.

Muitos destes dados respeitam aos recursos que a instituição tem disponíveis para estudantes com boa formação escolar, medidas da qualidade do primeiro ano de entrada no curso, e da reputação da instituição, o que, presumivelmente, se encontra altamente correlacionado com a qualidade dos novos estudantes e com a riqueza da instituição. Só uma categoria de dados, a comparação entre as taxas efectivas e as taxas previsionais de graduações, está absolutamente relacionada com o valor acrescentado que uma instituição transmite aos seus estudantes, sendo que esta variável tem apenas um peso de 5% na fórmula de avaliação. Infelizmente, pode sempre tentar-se cavilosamente pôr isso em causa pegando na metodologia utilizada nestas comparações e argumentar que uma metodologia diferente poderia conduzir a resultados diferentes. Por isso, a utilização de medidas do valor acrescentado neste tipo de fórmulas de ratings será sempre passível de discussão.

Não é por acaso que nas primeiras 20 universidades nacionais do ranking do USNWR 2004 nenhuma era uma instituição pública. Ao longo das últimas décadas, a exiguidade do financiamento do ensino superior público levou a que as universidades públicas ficassem crescentemente para trás em relação às privadas no que respeita a gastos por estudante e a salários médios nas suas faculdades. A consequência da metodologia de rankings do USNWR é que as universidades públicas de alta qualidade, como Berkeley, Michigan, Carolina do Norte e Wisconsin, surgem crescentemente como menos atractivas para estudar — o enfoque no nível de recursos disponíveis, mais do que na natureza dos curricula dos cursos e na forma como são ministrados, sobrestima seguramente as mudanças registadas.

Da mesma forma, o peso enorme que a selectividade dos estudantes tem nos ratings e a pressão para que todas as instituições se tornem “mais selectivas” pode afastar o ensino superior público de uma das suas mais fundamentais finalidades históricas, que é a de assegurar o acesso a todos os estudantes qualificados. Em nenhuma parte da metodologia dos rankings (excepto na comparação entre as taxas efectivas e previsionais de graduações) há alguma referência ao rendimento familiar dos estudantes das diferentes instituições de ensino, aos níveis de formação escolar dos pais dos estudantes ou à proporção de estudantes que têm o inglês como segunda língua. As instituições que recrutam estudantes oriundos de populações minoritárias e desfavorecidas — estudantes que tendem a ter notas mais baixas nos exames de admissão — e que fazem um trabalho extraordinário em formar estes estudantes até à graduação universitária deveriam ser mais altamente valorizados do que a actual metodologia do USNWR permite.

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Senhor Ministro, tudo parece ser claro quanto à política de ensino superior que

não pode nem deve ser baseada na concorrência entre uns e outros. Os efeitos perversos

dos rankings estão claramente expostos, julgo eu, no excerto que reproduzo de seguida

e que resulta de uma carta aberta assinada, em 2007, por 65 presidentes de

universidades americanas, também eles senhor Ministro:

Estamos a escrever para suscitar o vosso empenhamento (e o empenhamento da vossa instituição) numa nova abordagem dos rankings dos politécnicos e das universidades elaborados pelo USNWR.

Estamos convencidos que estes rankings são enganadores e não servem convenientemente os interesses de prospecção dos estudantes para escolherem um politécnico ou uma universidade que satisfaça bem os seus requisitos de formação a seguir ao ensino secundário. Entre outras coisas, estamos convencidos disso porque tais rankings:

• sugerem um falso rigor e uma falsa autoridade, que os dados que usam não consentem;

• obscurecem importantes diferenças entre as missões educacionais, ao alinhar as instituições numa escala única;

• nada dizem, ou dizem muito pouco, sobre se os estudantes estão realmente a aprender alguma coisa em determinados politécnicos ou universidades;

• incentivam gastos desnecessários e truques baixos em instituições que queiram melhorar os seus rankings;

• ignoram a importância do facto de um estudante fazer com que a formação se efective e sobrestimam a importância do prestígio de uma universidade nesse processo;

• e fazem degradar aos olhos dos estudantes o valor educacional do processo de escolha das instituições de ensino superior.

Embora consideremos que os politécnicos e as universidades podem querer colaborar em fornecer dados para publicações para fins de rankings, achamos que o fornecimento desses dados devia ser confinado aos dados que sejam coligidos de acordo com padrões profissionais claros e universalmente aceites (e não os padrões idiossincráticos de uma qualquer publicação única), bem como aos dados que seja obrigatório fornecer aos organismos públicos ou aos dados que a instituição universitária considere que (segundo as boas regras de transparência) devam ser disponibilizados por rotina a qualquer pessoa que os pretenda (Kälvemark, 2007, p.8).

Senhor Ministro, esta carta já vai longa, muito longa mesmo. Possivelmente nem

uma linha lerá de todas estas que por respeito a todos aqueles que ensino ou ensinei, por

respeito também a todos os meus colegas vítimas eles das mesmas políticas absurdas,

sentindo difusa ou conscientemente os mesmos problemas que eu, com muito empenho

escrevi. Não me doutorei, sou apenas professor auxiliar convidado, e na sua lógica serei

portanto um dos mais puros losers do sistema. Não me doutorei, mas fui presidente do

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Conselho Pedagógico, fui vice-presidente do Conselho Directivo, fui incumbido na

minha Faculdade para me deslocar a Lisboa, ao Ministério, para entregar as chaves

respectivas ao Professor Marçal Grilo por não estarem, na época, garantidas as

condições mínimas do seu funcionamento, e já lá vão muitos anos. Hoje, apenas porque

não me doutorei, na sua lógica e no quadro legal que criou fiquei proibido de nesta casa

votar em eleições agora previstas no enquadramento jurídico da Universidade de

Coimbra. Isto exactamente porque, agora à luz do seu quadro legislativo, eu sou um

loser. É pois portanto “natural” que nem uma linha queira ler das muitas que até aqui

foram escritas. Neste pressuposto, mas sendo o senhor Ministro um homem de Ciência,

tomo a liberdade de lhe sugerir a leitura dum texto que tem vindo a ser utilizado (Billaut

et al., 2010, p. 22) e que na sequência do que se acabou de expor salienta:

No que foi provavelmente a primeira análise séria sobre a classificação de Xangai, van Raan escreveu que a “partir das considerações precedentes, concluímos que a classificação de Xangai não deve ser utilizada para fins de avaliação nem mesmo para fazer benchmarking” e que “o problema mais sério destas classificações é que são consideradas como ‘quase-avaliações’ das universidades consideradas. É absolutamente inaceitável”. As conclusões de van Raan eram principalmente fundamentadas sobre considerações bibliométricas, a propósito das quais os autores da classificação foram incapazes de responder de maneira convincente.

A nossa própria análise é principalmente fundamentada sobre a análise multicritério na teoria da decisão. Acrescentar este ponto de vista à análise bibliométrica de van Raan conduz inevitavelmente a uma conclusão ainda mais radical. Vimos que os critérios utilizados pelos autores da classificação estão ligados apenas de maneira muito ténue ao que estão supostamente a medir, que a avaliação destes critérios implica a utilização de numerosos parâmetros arbitrários e de múltiplas micro decisões que não estão documentadas. Além disso, observamos que o método de agregação utilizado é incrivelmente simplista e que conduz a situações paradoxais. Por último, observou-se que os autores da classificação deram mesmo muito pouca atenção a questões fundamentais ligadas à estruturação do problema. Não nos parece por conseguinte excessivos concluir que a classificação de Xangai é um puro exercício e que não tem absolutamente

valor. Na presente fase, poder-se-ia legitimamente esperar que propuséssemos

outra classificação e que esta fosse então melhor. Não o faremos. Com efeito, não estamos convencidos que tal exercício seja realmente útil e explicamos porque nos pareceria preferível que nos consagrássemos a estabelecer uma classificação de programas ou de sistemas nacionais de ensino em vez da classificação das universidades.

O texto é claro, não necessita de comentários e nele se expressa uma certeza, a de

que uma reforma não se faz contra aqueles que na verdade a fazem, uma reforma no

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ensino não se faz nunca contra aqueles que ensinam. Em vez de comparar, de marcar, de

catalogar, de quantificar a qualidade, em vez de voltar uns contra os outros e sempre à

espera de punir, o que aqui se propõe é que um verdadeiro sistema de ensino está por

construir e é a esse nível que as coisas têm que se decidir.

Num relatório da OCDE (2006, p. 48), os professores Simon Marginson e

Marijkvan der Wende escreveram também:

Qualquer sistema de rankings é orientado para determinadas finalidades e incorpora enviezamentos para que os resultados se adequem aos pressupostos e aos valores integrados nas comparações e nos cálculos. A verdade é que todas as medidas utilizadas para avaliar a qualidade e fazer rankings empolam a posição das grandes universidades nos maiores centros de ciência e ensino de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. É necessário esforçarmo-nos para termos rankings “limpos”, que sejam transparentes, livres de interesses próprios e metodologicamente coerentes. Por exemplo, os dados relativos à reputação e os relativos a resultados não deveriam ser misturados numa escala única. Todos os sistemas de rankings são incompletos na descrição da realidade do ensino superior. Por exemplo, o nível de desempenho das universidades que fazem investigação intensiva num dado país nada diz sobre as respectivas faculdades de gestão especializadas ou sobre os respectivos institutos de formação técnica. Dado que as instituições têm diferentes objectivos e diferentes missões e são internamente diferenciadas, não é válido medir e comparar individualmente cada instituição numa base holística, nem comparar individualmente desta forma cada instituição e o conjunto dos sistemas a nível internacional. As políticas deviam procurar corrigir os efeitos perversos decorrentes da bateria de estatísticas utilizada, bem como promover a diversidade institucional horizontal e uma escolha informada dos estudantes utilizando tipologias e rankings talhados à medida.

Senhor Ministro, faço dos textos destes autores as minhas palavras, faço das

proposições destes autores o meu desejo, o desejo daquilo que desejo para os estudantes

e professores do meu país, sendo claro que elas expressam bem alto, se os textos

escritos falassem, a oposição à política profundamente errada no ensino superior, e não

só, que até aqui tem sido seguida.

É certo, os neoliberais continuam a pretender que se prossiga na sua política

enquanto eu estou certo que se ela continuar a ser desenvolvida vai levar ao colapso do

ensino universitário, primeiro, e depois ao colapso da investigação em Portugal

enquanto na Europa, passo a passo e sob a mão de Durão Barroso, se irão criar sistemas

universitários a duas velocidades, universidades para os pobres, universidades e

investigação para os ricos, quer estejamos a falar de países ou de pessoas. E esperam

fazê-lo nos escombros do ensino superior que agora se está a fazer ruir.

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A Universidade, a reforma de Bolonha, as avaliações e as elites europeias

Os neoliberais não escondem os seus objectivos, hoje claramente bem expressos

no Manifesto Empower European Universities, assinado por um grupo de tecnocratas e

liderado por Jo Ritzens, presidente da Universidade de Maastricht e, segundo alguns

dizem, conselheiro especial do Governo Grego para os cortes na educação. Neste

Manifesto (Expert Group on European Universities, 2010, p. 3), afirma-se:

Chegou a altura de criar um sistema diferenciado de ensino superior de classe mundial no âmbito do Espaço Europeu do Ensino Superior e da Investigação. É preciso que os Governos e a Comissão Europeia avancem neste sentido, por exemplo, pela portabilidade através das fronteiras nacionais dos subsídios e empréstimos a estudantes, bem como a introdução de um Estatuto Europeu para um limitado número de universidades europeias.

Num outro texto, proferido no âmbito da presidência belga da União Europeia, Jo

Ritzens (2010, p. 14) é ainda mais claro:

Um Estatuto Europeu é uma tal nova via. A noção de Estatuto Europeu requer que uns 10% das universidades de cada Estado-membro da União Europeia seja regido e financiado por fundos Europeus e por legislação comunitária por volta de 2020.

Um tal estatuto aumentaria a mobilidade estudantil e faria com que a cooperação fosse muito mais simples entre universidades a funcionarem sob esse estatuto.

Senhor Ministro, na China seleccionam-se as 10% melhores universidades e

agora, aqui, na Europa, com as universidades em ruínas, eis que os tecnocratas nos vêm

falar, também eles, como no projecto 211 de Pequim, em universidades de excelência,

mas não mais de 10% no espaço europeu, destinadas aos estudantes de excepção,

eventualmente remunerados com os fundos europeus, fundos de todos nós, estudantes

estes detectados, convidados e conquistados no espaço da União ou algures. Isto a dar a

ideia de que o resto constituirá o caldo humano de onde aqueles se distinguiram, como

que a provocar a concorrência desde a nascença, como não há muito tempo no Japão,

onde as crianças pequenas se suicidavam por não aguentarem a pressão. Triste ideia

esta. Os rankings, já foi visto, assemelham-se a uma lógica de futebol, de Primeira Liga,

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diga-se de passagem, e agora vêm os neoliberais com Bolonha e com as universidades

de selecção a impor a ideia de que ser estudante e ser Universidade nesta lógica é como

estar num campeonato de fórmula 1, onde 80% dos carros só lá correm para definir os

20% dos carros que têm possibilidade de chegar nos primeiros lugares, estando no

entanto isto apenas ao alcance de metade destes e onde os rápidos e os menos rápidos,

os 90% restantes, os “de menor performance de sempre”, têm a função de complicar a

selecção dos restantes. Com este tipo de selecção, escolhem-se as 10% “melhores”

universidades que têm que ser “naturalmente” ocupadas pelos estudantes do TOP10. Os

restantes 90%, quer de universidades quer de estudantes, os excluídos da lógica da

Primeira Liga, serão então os pequenos robots do sistema, muitos deles serão os puros

excluídos do sistema, os trabalhadores indiferenciados da agenda EU2020 da União

Europeia.

Senhor Ministro, o senhor é um homem da Física e aqui e agora deixe-me dizer-

lhe que se torna incompreensível que o homem de Ciência que o senhor foi e julgo que

ainda continua a ser, um homem da Física Quântica, subscreva a lógica dos ratings que

atrás mostrámos.

Mas Física Quântica e 2020, a agenda EU2020, trazem-nos à memória um texto

de 1994 hoje célebre, um texto de um presidente de uma grande instituição bancária, o

Bankers Trust Corporation, onde, de certa maneira, se pode ver o que tem sido a lógica

do modelo neoliberal destas três décadas assim como a vertigem que, nessa sequência, a

finança assumiu nestes últimos vinte anos em que até se pretende estar a “fazer o

trabalho de Deus”, segundo a expressão do presidente de Goldman Sachs. Deste longo

texto, tomo a liberdade de reproduzir alguns excertos (Sanford, Jr., 1997, p. 1 e s. e 5 e

ss.):

Heráclito [afirmou]: “Tudo é fluído, nada é estático. Nada perdura, mas muda”. É uma verdade. Em todo o caso, entre hoje e 2020, duas coisas se manterão constantes. Primeira, a natureza humana não mudará. Segunda, as funções financeiras básicas, tal como as definiremos, não mudarão, embora mude a forma como realizamos estas funções...

À medida que se generaliza a utilização das tecnologias, verificar-se-á um impacte na forma como serão realizadas as funções financeiras básicas. Estas funções são (1) financiamento, (2) gestão do risco, (3) corretagem, (4) aconselhamento e (5) processamento das transacções. Este texto ignorará, no entanto, muitos dos termos financeiros estandardizados do século XX. Embora as funções financeiras sejam as mesmas, serão encaradas de forma diferente no século XXI...

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Na verdade, está a processar-se uma convergência entre diversas disciplinas, dado que a finança se torna cada vez mais ciência e arte. A teoria financeira está a tornar-se cada vez mais importante e extraordinariamente útil na sequência de avanços teóricos registados nos últimos anos. Nestes se incluem as teorias de portefólio, as teorias de preços dos activos, as teorias de cotação das opções e as teorias de eficiência dos mercados.

Muitas das mais criativas pessoas do mundo financeiro estão a dedicar o seu tempo a estas teorias e estão a melhorar de forma radical a nossa percepção e gestão do risco.

Estamos ainda numa era “Newtoniana” da “finança clássica”, na qual tendemos a olhar para os instrumentos financeiros — tais como acções, obrigações e empréstimos — em termos estáticos e altamente agregados...

Muitos dos modelos financeiros clássicos, perante o que aconteceu ao histórico banco americano Bankers Trust, concentrar-se-ia no factor “beta” das suas acções — a volatilidade das acções em relação ao mercado. Estes modelos teriam grande dificuldade em tratar a multiplicidade de factores de risco críticos fundamentais que induzem o factor “beta”. Definimos estes factores críticos como “atributos financeiros”. O factor “beta” ignora-os ou redu-los grosseiramente a um conjunto homogéneo de “ruídos brancos”.

Os teóricos, porém, não os ignoram. Os investigadores começaram a procurar uma teoria — que designamos por “teoria das partículas financeiras” — que nos ajudará a compreender melhor os atributos financeiros de um activo.

A concepção de uma tal teoria não está ao virar da esquina, mas assistimos a interessantes sinais de progresso e, por volta de 2020, teremos uma teoria financeira muito mais poderosa. Estamos a partir de uma perspectiva “Newtoniana”, que funciona ao nível dos objectos tangíveis (definidos pela dimensão e pela massa), para uma perspectiva mais em linha com o mundo não linear e caótico da física quântica e da biologia molecular.

A física quântica, que trata das partículas subatómicas, podendo eventualmente interligar fenómenos subatómicos e astronómicos, vai para além da física Newtoniana — para além dos objectos, até às moléculas, aos átomos e às partículas subatómicas.

De forma semelhante, a biologia clássica trata dos organismos, preocupando-se com a taxonomia e a anatomia. A biologia avançou, explorando mais a fundo as células e os genes, os quais se encontram mais próximos das estruturas fundamentais da vida. Isto tornou possível explicar algumas das interacções críticas entre células, organismos e ambiente.

Tal como acontece com a física quântica e a biologia moderna, a teoria das partículas financeiras está a começar a olhar para dentro do “beta” para identificar os atributos de um activo financeiro, incluindo a volatilidade individual e colectiva dos atributos. Está também a procurar integrar estes atributos nos desejados postulados da teoria financeira.

Estes trabalhos estão a criar ordem a partir de uma aparente desordem, fornecendo os elementos de construção que permitirão uma mais eficaz configuração da carteira de produtos e da gestão do risco numa economia cuja estrutura está em constante mudança...

A teoria das partículas financeiras está ainda na infância — mas, por volta de 2020, estará muito mais avançada, ajudada por uma explosão da capacidade computacional e dos dados financeiros. Não somos capazes de dizer qual das

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actuais tentativas embrionárias de fazer avançar a teoria das partículas financeiras vai ser bem sucedida, mas, desde já, os seus desenvolvimentos são interessantes.

A título de exemplo: 1) Os teóricos do caos estão a tentar definir a estrutura de base e o padrão

— se existirem — da aparente aleatoriedade das alterações dos valores dos activos. (O “RandomWalk” pode não ser, afinal, completamente aleatório.)

2) Os investigadores estão a construir redes neurais que mimetizam certas propriedades complexas do cérebro humano. Quando forem tratadas por meios computacionais poderosos, espera-se que estas redes neurais encontrem padrões definidos no seio dos “ruídos” dos atributos financeiros e que, com base na experiência, eliminem alguma da aparente aleatoriedade dos fenómenos financeiros.

3) A “lógica difusa” (“fuzzy logic”) é uma forma matemática de construir conclusões definitivas a partir de inputs aproximados, vagos ou subjectivos. Dado que tenta incorporar certos aspectos das percepções humanas e das capacidades de tomada de decisões, pode ajudar-nos a compreender sistemas interactivos complexos que envolvam a intervenção humana (como os mercados financeiros).

4) A combinação destes e/ou doutros novos métodos pode vir a dar a resposta. Por exemplo, a informação coligida nas redes neurais pode ser usada para definir relações “difusas” (“fuzzy”) no sistema e, subsequentemente, para estabelecer regras “difusas” (“fuzzy”) para controlar o processo ou prever o comportamento dos sistemas em situações novas.

… Estão, entretanto, a registar-se progressos nas linhas da frente, assim como

em laboratório. Os pioneiros na área dos derivados financeiros estão a conseguir identificar, extrair e definir o preço de alguns dos riscos mais fundamentais que determinam o valor dos activos, tais como as taxas de juro, os valores cambiais e os preços das matérias-primas. Embora hoje estas aplicações embrionárias pareçam rudimentares e primitivas, criaram já um processo novo e poderoso para resolver importantes problemas financeiros práticos, que vão da redução da exposição das companhias aéreas ao aumento dos preços dos combustíveis, até ajudar uma empresa a definir o intervalo de valores de uma possível aquisição.

E estão já em linha novas aplicações importantes: derivados de créditos e derivados de seguros, por exemplo.

Muito antes de 2020, os riscos de crédito serão desagregados em atributos discretos que serão prontamente transaccionados, tanto desagregados (unbundled) como reagregados (rebundled). Os intermediários tratarão uma grande quantidade de posições diversificadas em atributos de créditos de longo e curto prazo. Farão transacções financeiras de atributos de risco de crédito e de agregados de atributos customizados para satisfazer as necessidades específicas dos seus clientes.

Estes produtos talhados à medida permitirão às empresas determinar cotações e gerir riscos de crédito ligados às suas actividades da melhor forma possível. Talvez até os riscos de crédito remanescentes, que restam depois deste processo, sejam cobertos por terceiros, por apólices de seguros.

À medida que a disciplina financeira das partículas for evoluindo, a tarefa primária das instituições financeiras será ajudar os clientes a pôr a teoria em

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prática. Tal como hoje o homem da rua não pratica a física das partículas, ele não praticará a teoria das partículas financeiras em 2020...

Os mais avançados programas computorizados de análise serão como são hoje os sofisticados programas de xadrez dos computadores, que vencem muitos dos jogadores, mas não todos. Em resultado da competição na análise computorizada, os peritos serão desafiados a avançar para níveis cada vez mais elevados de saber e de criatividade…

Ao mesmo tempo que os avanços na teoria das partículas financeiras e nas tecnologias irão dar às pessoas de talento ferramentas mais poderosas para levar a cabo a sua criatividade humana, essas pessoas não serão substituídas por robots. A TAC não substituiu os neurologistas especializados — deu-lhes uma ferramenta que lhes permite fazer um diagnóstico mais preciso e eficaz.

Para além disso, os especialistas altamente qualificados e criativos continuarão a ser necessários para definirem e resolverem problemas particularmente complexos e únicos. Estes especialistas financeiros serão os maiores praticantes da teoria das partículas financeiras, combinando uma percepção criativa das oportunidades financeiras com uma destreza de tipo psico-analítica para ajudar os clientes a compreenderem a natureza das suas preferências em termos de risco e de rendimento.

Senhor Ministro, não se trata de um texto a reflectir a loucura do banqueiro, trata-

se de um texto a reflectir a história presente, a reflectir uma parte das forças que a

anima, a reflectir também, e sejamos claros neste ponto, a loucura política dos políticos

que permitiram, validaram e ainda hoje defendem este sistema. Se temos a mínima

dúvida veja-se “E estão já em linha novas aplicações importantes: derivados de créditos

e derivados de seguros, por exemplo”, ou seja, os famosos CDO e CDS da crise que

aqui estão como produto desta lógica que ninguém politicamente quis ou quer travar.

Mas esta lógica tudo invade e para nosso espanto, Bolonha e a sua exclusão, Bolonha e

as universidades de excepção, são disso um claro exemplo. É pena.

O homem da rua, o texto é nisso bem claro, os nossos 90%, nada terão a ver com

esta especial “particle finance”. Mas os tecnocratas esquecem a dinâmica da História,

esquecem Spartacus, esquecem o significado dos diferentes Maios na História

conquistados e a esta e por esta assinalados. Esquecem a repartição do rendimento que a

esta lógica está subjacente. Esquecem que o fim da História não chegou nem chegará

nunca. Esquecem que nesta lógica de elitismo puro, desligados do aval da população

que a democracia exige, darão lugar a outros ismos. Estão-lhe já a dar lugar, aliás, facto

a que os italianos chamam agora de “equivalente funcional do fascismo”.

Senhor Ministro, não são as instituições e os seus trabalhadores que devem ser

avaliados, passados pelo crivo para serem penalizados. Não! É o sistema como um todo

que deve ser estudado e necessariamente melhorado, Mas só o será com a participação

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de todos. Só assim as necessárias melhorias poderão ser encontradas. E ninguém duvida

que estas são urgentes.

A concluir uma carta já longa, nada melhor do que uma história bem curta à volta

de um menino pobre que eu fui, história esta ligada à problemática aqui tratada, como

verá. História de respeito por um homem, na minha dimensão de criança de onze anos

de então (inícios dos anos 50), um homem de Estado por mim considerado, o inspector

José Baptista Martins, um dos grandes inovadores do ensino em Portugal na equipa do

Ministro Veiga Simão, um dos criadores da Telescola de então.

Em tempos em que a História não pode nem deve nunca esquecer, o menino pobre

que eu fui quis protestar contra o que eu sentia de injustiça que lhe estava a ser feita.

Quem sentia que o podia apoiar? Como estudante, o seu ministro, pensou. Escrever ao

ministro? Mas era preciso um escudo e cinquenta centavos para o fazer, o custo da carta

a enviar. Onde os arranjar? Arranjaram-se. Depois era preciso saber a morada do

ministro e como a descobrir? Lista telefónica era coisa que se desconhecia. Trabalhador

infantil daquela época, de sacos de trigo carregados, de muitas mós picadas, de fornadas

de pão também amassadas, a registos de quantidades de cereais era obrigado e ao

Regulador (a Comissão Reguladora de Moagens em Rama) periodicamente enviados e

ao Regulador a morada do ministro da Educação pediu. A carta de resposta com a

morada foi guardada zelosamente e por muito tempo até que o ministro lhe respondesse.

Um dia, numa noite de serão à lareira, meto as mãos ao bolso, onde seguramente

dinheiro não havia. Do bolso, tiro a carta, a carta com a morada do ministro, releio-a e

queimo-a. Aí o meu pai que de nada sabia, a revolta era minha e não dele, a solução

seria minha e não dele, que nada podia, perguntou-me que papel era. Contei-lhe como

se de alguém, outro que não eu, se tratasse. Ouviu, levantou-se e disse-me: “Vamos

deitar, anda”. Mais tarde, percebi a noite de inferno que lhe terei dado. No dia seguinte,

e foi mesmo assim, chegou à fábrica o Inspector Baptista Martins. Havia no Ministério

uma queixa contra a professora primária, sua tia. Ele vinha pedir para se retirar a queixa

e só havia duas pessoas capazes de a ter feito, o meu pai ou o meu patrão. “Nenhum de

nós”, informou-o o meu pai. “Soube ontem dessa história, foi o meu filho. Se lhe quer

pedir, peça-lhe. Eu, eu nunca o farei”. E a resposta não se fez esperar, daquele homem

meu antigo professor até à terceira classe, para mim naquela altura um homem de

Estado: “eu também não”. Uma mudança destas só se entende por respeito pelo

estudante que eu fui, pelos direitos que nesta qualidade me eram por ele reconhecidos,

no fundo, por todos os estudantes que nós fomos ou somos, o respeito de um professor,

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à altura de um homem de Estado, enquanto respeito que vindo de si, senhor Ministro,

esse, não sinto, não vejo, não reconheço.

Soube desta resposta mais tarde, e este “eu também não” selou depois uma

amizade que perdurou até ao seu desaparecimento. E um dos últimos textos que terá

lido foi um texto meu, o primeiro texto daquele que escrevi contra Bolonha, contra as

políticas que o senhor Ministro viria depois a aplicar. Ironia das ironias, com a frase “eu

também não”. Dessa maneira foi-me ensinado que para lá da muita exigência com que

por ele fui marcado enquanto meu professor, que para ele também havia direitos que aos

estudantes nunca podem ser tirados, que havia e há um sentido de dignidade que nunca

lhes pode deixar de ser considerado e também que neste sentido os estudantes devem ser

apoiados. Foi essa uma grande lição que com esse “eu também não” ganhei e à qual o

tempo outra maior força ainda deu. Com essa lição, eis-me agora não a pedir apoio ao

meu ministro de tutela como a criança pobre de outrora o fez, mas antes a pretender

para mim, para todos os alunos de hoje e de amanhã, para todos os meus colegas

professores, que o foram, são e serão, todos em conjunto, os verdadeiros profissionais

do ensino, o respeito e o direito à dignidade como profissionais e como cidadãos de

corpo inteiro, como o meu velho professor mo reconheceu no seu tempo. Enfim, eis-me

a pretender também, senhor Ministro, que aos estudantes lhes seja garantido ensino de

qualidade e com o tempo de cada licenciatura que para isso seja necessário e também

que lhes seja garantido apoio condigno na sua inserção socioprofissional em vez do

espectáculo degradante de os ver indefesos nas bolsas dos mercados de emprego a

serem humilhados. Enfim, eis-me a pretender que sejam asseguradas aos docentes

condições de trabalho e de carreira condignas, em vez das contratações de precariedade

que agora sob a sua cumplicidade estão a ser realizadas. E que cumplicidades estas

novas contratações poderão tristemente evidenciar a quem ainda tenha dúvidas que a

sua política se traduz numa elevada falta de consideração pela Universidade, pela sua

missão, pelas suas carreiras profissionais: a precariedade dos novos docentes

contratados é redimensionada a uma escala nunca pensável e muito menos ainda sob a

autoridade de um homem que do socialismo se diz reclamável. Precariedade mais que

garantida e força-se assim, por todas estas vias e por todas as razões apontadas, que a

Universidade e todos os seus trabalhadores produzam pois um modelo, um sistema,

centrado na procura sistemática do sucesso escolar expresso basicamente pela

simplificação de estruturas das licenciaturas, pela simplificação das matérias

leccionadas e pela simplificação dos processos de avaliação para os estudantes.

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Centrado pois, e no limite, apenas no aumento do número de diplomas emitidos. Esta

nova característica da reforma de Bolonha, reduzindo e simplificando o que se ensina e

para quem se ensina, mas tornando ao mesmo tempo tudo mais difícil para quem ensina,

tende a inserir-se de tal forma no quotidiano das Universidades que sinceramente temo

que, à custa de tanta simplificação pelo sistema pretendida, sejamos todos nós, alunos e

professores, a ficarmos simplificados. Trata-se de uma situação possível, se por este

caminho se continuar, e que por ninguém de bom senso poderá alguma vez ser

entendida. Enfim, e por fim, depois de todos os enfim utilizados, eis-me a pretender

também que deixe os professores passarem a viver para a principal função para que

foram contratados e não para a máquina de avaliação, feita sob esquemas e critérios que

não terão nenhum sentido. O nosso sentido, o sentido do que fazemos, o que se nos deve

exigir e em que se não deve transigir, esse, senhor Ministro, o sentido do nosso trabalho,

qualquer o professor o sabe, está nos alunos que formamos, está nas capacidades de

trabalho que geramos. Essa seria a avaliação que se deveria fazer, para assim se saber

quais os resultados a que se chega quanto à formação pelos estudantes alcançada. Com

esta avaliação que ninguém oficialmente parece interessado em estabelecer devem-se

depois os seus resultados confrontar com as condições objectivas de trabalho em que

são alcançados, mas aí será o Ministério responsável pela política do ensino superior

que tem sido seguida que estará a ser avaliado. A sua avaliação seria aqui organizada

por uma Comissão de Avaliadores, urgentemente a criar, com a missão de estabelecer o

nível de conhecimentos à ignorância conquistados e esta Comissão seria composta pelos

verdadeiros destinatários do ensino, os que o fazem, os que o recebem, os professores,

os alunos, as empresas. Aí, senhor Ministro, perceberia o verdadeiro sentido das

palavras que estão gravadas no gabinete de Einstein em Princeton: “Not everything that

counts can be counted, and not everything that can becounted counts”. Não, a sua

política de ensino superior leva-me a pensar que o senhor Ministro nunca soube o que é

ser professor, seguramente.

Senhor Ministro, em França, muitos dos que dedicaram a sua vida ao ensino estão

a entregar simbolicamente ao seu Ministro as suas condecorações por mérito recebidas,

por acharem, e passo a citar, que “constatamos hoje, com uma infinita tristeza, que a

Educação Nacional sofre cada vez mais os efeitos de uma política em que a lógica

contabilística e a noção de resultado se sobrepõem a toda a reflexão pedagógica e social,

desde há alguns anos, e a escola que nós amámos e construímos está a ser

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progressivamente desorganizada, degradada, e a desaparecer. Nela já não revemos nem

os ideais nem os valores com que a criámos.”

Em França, como em Portugal, como num outro país qualquer desta União

Europeia fortemente neoliberal, o modelo é o mesmo, indiferente e independente quanto

às colorações políticas que os diversos governos querem assumir. Na linha deste

modelo, disse-o antes e repito, à luz do sistema actual e no final da minha carreira posso

ser visto como um puro loser, pois nem sequer me doutorei e, portanto, apesar de gostar

muito de poder fazer o mesmo que muitos docentes acima implicitamente referidos

estão agora a fazer em França, não tenho nada de simbólico a poder entregar-lhe, o que

posso fazer é dizer-lhe que me vou embora antes do fim do meu contrato, por desacordo

com a política de ensino pelo senhor Ministro seguida e a apresentar-lhes agora o meu

mais vivo protesto por aquilo que tem feito. Estou igualmente inquieto, muito inquieto

mesmo, com as nuvens ainda mais negras que penso pairarem sobre a Universidade6,

com o assentimento ou com consentimento ou ainda com o silêncio de muita gente.

Os dados, creio eu, estão lançados, cabe a todos nós, professores, estudantes,

responsáveis sindicais, responsáveis políticos, cidadãos, dar a resposta que a nossa

salvaguarda cultural exige, e espero, senhor Ministro, nunca o vir a ver a enterrar um

grave doente actual, um possível defunto, se não o libertarmos das amarras neoliberais

que pacientemente o senhor tem vindo a tecer, e que tem como nome o Ensino Superior

em Portugal. E é tudo.

Com o respeito que o cargo que ocupa desde longa data me merece, queira aceitar,

Senhor Ministro, as minhas entristecidas saudações académicas

Júlio Marques Mota Professor Auxiliar Faculdade de Economia Universidade de Coimbra

6 Mais um ponto comum, mais uma divergência. Quanto às perspectivas sobre o futuro da Universidade este texto, creio, está nas antípodas da visão apresentada por um amigo comum e a quem pessoalmente no fim da minha carreira profissional testemunho o meu reconhecimento e o meu agradecimento também, o colega Boaventura Sousa Santos, mas a Democracia é também isto mesmo, é sabermos fundar e alimentar a amizade na divergência de pontos de vista.

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Formatada: Inglês (Estados Unidos)