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Índice

Prefácio 9

1 Uma curiosa herança 13

2 Os arquivos do solar 19

3  Algumas observaçõesrelativas aos arquivos do solar 25

4  João põe-se a trabalhar! 31

5  João, escritor! 39

6  A última pedra 49

7  A Nova Morada 55

Copyright © 2004 – Editora RosacruzTítulo original:

 Johan Laatstgeboren

Tradução da edição francesa Johan Dernierné1a edição brasileira

2004IMPRESSO NO BRASIL

LECTORIUM R OSICRUCIANUM

ESCOLA INTERNACIONAL DA R OSACRUZ ÁUREA

Sede Internacional [email protected]

No Brasil [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

 João UltimonascidoEquipe do Lectorium RosicrucianumIlustração e tradução da equipe – Jarinu, SP:Rosacruz, 2004 – 64p.; 19,5cm

ISBN: 85-88950-16-2

1. Espiritualidade 2. Literatura infanto-juvenil3. Rosacrucianismo 4. Rosacrucianismo na

literaturaI. Lectorium Rosicrucianum.

04-6768 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:1. Literatura juvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados àEditora Rosacruz

Caixa Postal 39 – 13 240 000 – Jarinu – SP – BrasilTel (11) 4016-4234; fax 4016-3405

 [email protected]

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Prefácio

 A história de João Ultimonascido, que apre-sentamos aqui, surgiu na Páscoa de 1989, porocasião de uma Conferência da Mocidade rea-lizada em Noverosa, Centro de ConferênciasInternacional da Mocidade do Lectorium Rosi-

crucianum. Cheio de entusiasmo, um peque-no grupo de jovens entre 12 e 15 anos parti-cipou intensamente – como experiência ver-dadeira – da mudança radical provocada na vida do herói da nossa história por uma he-rança que lhe foi transmitida.

Sustentada pela atmosfera tão particular deNoverosa, numa constante orientação para aMeta Única, a história contada no decorrer de

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uma Conferência da Mocidade toma impulsoe leva os corações para um domínio no qualo Outro está presente e pode ser percebidocomo Verdade, como evidência, e sem ne-nhum constrangimento. Vibra, então, na atmos-fera, uma leveza que se comunica a todos e

que transforma esses dias inesquecíveis paracada um dos participantes num irresistívelimpulso para a Vida libertadora.

 João Ultimonascido é um nome, um símbolo,uma imagem. Sua história também foi contadanas Conferências da Mocidade na Polônia, na Alemanha, no Brasil e na França. Mas ela po-de tornar-se nossa história, a história de todosaqueles que estão preparados para renovarsuas vidas totalmente e erigi-las segundo asestruturas de linhas de força da Única Luz.

Possa esta edição contribuir para isso da ma-neira correta.

Trabalho da Mocidade 

 Lectorium Rosicrucianum

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Uma curiosa herança

Na manhã de seu vigésimo oitavo aniversário, João recebe, além de uma longa série de car-tões de felicitação, um envelope que tem todaa aparência de conter uma carta oficial.

 — É estranho, pensa João. Será que o Dr.Martim também me envia suas felicitações?

Mas não! A carta nada tem a ver com o ani- versário de João.

Eis o seu conteúdo:

Senhor,

Com a presente informamos que V. Sa. é o últimoherdeiro vivo do falecido senhor Semdescanso – membro de sua família que lhe é provavelmente desconhecido.

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herdeiro deve completar esses arquivos com sua contribuição pessoal.Faz também parte dessa herança a sentença que 

 pertence a essa morada, e que foi, desde a origem,transmitida de proprietário a proprietário:

Transforma esta casa segundo o plano original.Renova cada cômodo, um a um. Aquele que edifica como um mestre construtor,encontrará a pedra filosofal! 

Quanto a mim, procurei, durante toda a minha vida, o significado dessa sentença, mas não conse- gui resolver o enigma. Por esse motivo, por meiodeste testamento, desejo a João Ultimonascido,meu herdeiro, que lhe seja dado descobrir o senti-do profundo dessas palavras e realizar a missão.

 Assinado: A. Semdescanso

Lentamente, o documento cai sobre os joelhosde João. Comovido, ele suspira profundamen-te e deixa ressoar dentro de si o eco de umatão surpreendente notícia... Uma propriedadecomo herança!... Ele sente crescer no seu ínti-mo uma transbordante alegria, mesclada comuma ponta de orgulho... Uma missão muito

Capítulo 1

 Junto a esta encontra-se uma cópia de seu testa-mento.Visando o bom encaminhamento deste assunto, pedimos que venha procurar o abaixo assinado omais breve possível.No aguardo de uma rápida resposta de sua parte,

queira aceitar nossas cordiais saudações.

Dr. MartimTabelião

 A carta termina com uma bela rubrica e vemacompanhada de uma cópia do testamento.Intrigado, João começa a ler:

Últimos desejos de A. Semdescanso.

Eu, abaixo assinado, declaro, pela presente, que sete anos após meu falecimento a totalidade dos meus bens deve passar às mãos do Sr. João Ulti-monascido. Esse patrimônio consiste em uma  pequena propriedade na qual há uma velha casa de campo. Meu herdeiro tem toda liberdade de  fazer o que quiser com essa casa e com o que ela contém – com a única condição de não a vender e de conservar intactos os arquivos de seus suces-sivos ocupantes. Na medida do possível, meu14    15 

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Capítulo 1

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 João Ultimonascido

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formando um grande círculo. As flores dos ar-bustos têm cores vivas: vermelho, azul, amare-lo, rosa e laranja. Bem no centro do terreno,exatamente atrás da casa, ele descobre umafonte. Agora que João tem uma visão suficien-te do conjunto, ele retorna a passos rápidos

para a frente da casa, abre a porta de entradae, pela primeira vez, transpõe o limiar dessamorada, na qual muitas coisas irão acontecer.

especial, transmitida de morador a morador,desde a origem da propriedade... Com a pro-messa de que lhe seria até mesmo possível des-cobrir a pedra filosofal...!

Sem mais demora, João corre para o telefonea fim de marcar um encontro com o tabelião.

 Alguns dias mais tarde, João vai conhecer osolar, sua nova propriedade, e nele empreendesua primeira vistoria.

 — Esta casa tem, realmente, um jeito estra-nho!, pensa ele.

Ele passeia ao longo da cerca viva verdejan-te, podada na altura de um homem e, surpreso,contempla telhados, cumeeiras e pequenas tor-res; nenhum elemento semelhante a outro! Éevidente que as diversas partes da casa foramconstruídas em épocas e estilos diferentes, comose cada um dos habitantes precedentes tivesse

nela deixado sua marca. — Certamente levará algum tempo até que

eu me localize lá dentro!, pensa João!Ele está muito contente, caminhando pela

propriedade, examinando tudo cuidadosamen-te. Sim! Essa é "sua" casa. Tomar consciênciadisso deixa-o feliz.

 Até onde João pode enxergar, a cerca viva, todaflorida, acompanha o limite da propriedade,

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Os arquivos do solar

 Ao visitar sua nova morada pela primeira vez, João nem de longe explora todos os cômodos.

 — Por que me apressar? Tenho todo otempo, pensa ele. O mais urgente é encontraros arquivos! O que me interessa é aprendermais sobre a sentença e a missão.

 Após procurar insistentemente, ele acabadescobrindo, no fundo do porão, a preciosacaixa que contém a história da propriedade ede sua morada. Tudo está metodicamente clas-sificado de baixo para cima, segundo umaordem cronológica: bem no fundo, os docu-mentos mais antigos, com seus textos manus-critos em velhos pergaminhos amarelecidos.Depois, os documentos mais recentes, empi-lhados uns sobre os outros. No alto da pilha,   19 

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Capítulo 2 João Ultimonascido

no fim do inverno. No decorrer da primavera  poderei, então, proceder à remodelagem total do jardim e transplantar um certo número de arbus-tos de modo que as cores se harmonizem melhor.No verão, mandarei repintar a fachada. No outo-no, ou no mais tardar no início do inverno, pode-

rei, enfim, habitar A CASA IDEAL! 

Então, João começa a ler o relatório do penúl-timo proprietário:

Duodécima semana do Ano da Graça de 1892.

Pensando bem, cheguei à conclusão de que ainda falta um pequeno detalhe. Naturalmen-te, um olhar superficial não o notaria. Mas, para meus olhos, é como um espinho cruel que 

não me dá nenhum sossego.Eis, pois, do que se trata: eu decidi executar – e isso antes do fim do ano – uma modificaçãoreferente às portas e às venezianas. As dobradi-ças não estarão mais à esquerda, porém à direi-ta, para que, com a mão direita, eu possa abri-las e fechá-las mais comodamente. Todo esse tra-balho – aqui incluindo também as pinturas doexterior – deverá estar terminado no fim do próximo ano.

o relatório da atividade de A. Semdescanso,escrito à máquina, num papel de uma brancu-ra resplandecente.

 Animado por viva curiosidade, João folheiaas páginas e lê algumas passagens:

 Agosto de 1918.

Eu novamente iniciei transformações. O aspectoexterior do frontão situado a leste está longe de ser  perfeito. Estou certo de que o telhado deve ser le-vantado e a clarabóia aumentada pelo menos duas vezes. Infelizmente, é preciso começar a de-molir uma parte do telhado e o segundo andar da casa antes de poder iniciar a nova construção.Será preciso, em seguida, reformar o resto da fa-chada leste no mesmo estilo. Isso significa um tra-balho árduo, mas penso que após essas transfor-

mações magistrais a casa ficará mais harmoniosa,sintonizada com o sol, a lua e as estrelas.

E algumas páginas mais adiante:

 Janeiro de 1924.

Provavelmente as transformações do interior e a reforma do sistema hidráulico estarão terminadas 20    21

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Capítulo 2 João Ultimonascido

está muito claro – nenhum deles conseguiu tra-balhar como verdadeiro mestre construtor.

 João continua a folhear o arquivo até encontraro relatório referente ao fim do ano seguinte:

Qüinquagésima segunda semana do Ano da Graça de 1893.

Nesse meio tempo, todas as portas foram tiradas de suas dobradiças e o sentido da abertura da  porta principal foi invertido. Essa modificação foi mais trabalhosa do que eu havia imaginado! Então, com o novo ano aproximando-se a passos largos, eis o que me proponho a fazer: abriremos somente uma única porta – a porta principal.Todas as outras portas que dão para o exterior serão condenadas. Quanto às portas interiores, é inútil recolocá-las. Guardá-las-emos na estreba-ria. Dessa maneira, será bem mais fácil atraves-sar toda a casa.

 Admirado, João recoloca a pilha de documen-tos em seu lugar.

 — Agora, ele diz a si mesmo, eu compreen-do de onde vem o aspecto esquisito desta casa:é devido ao zelo intempestivo de todos os habi-tantes que a ocuparam sucessivamente. Todoseles quiseram inspirar-se no plano original paratransformar esta morada. Mas até hoje – e isto22    23

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 Algumas observaçõesrelativas aos arquivos do solar

 João não pode negar que a sentença também ofascina. Ele só tem um pensamento: entregar-seao trabalho para, por sua vez, empreender astransformações necessárias.

Então, por que continuar a mergulhar nosarquivos? Por que perder tempo com o passado?

 — Rápido, ao trabalho!, exclama ele.E, arregaçando as mangas, espera ser mais

bem sucedido do que seus antecessores.

NOTA DO NARRADOR :

Caro leitor, é isso que vai acontecer e é por essa razãoque escrevi esta história. Essa missão, João vai condu-zi-la a bom termo.   25 

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Capítulo 3

sucessivos, sejam quais forem, recebem todos a mesma missão, uma missão tão velha quanto omundo, missão misteriosa, apaixonante: transfor-mar, restaurar em sua antiga glória, o microcosmoque, desde tempos imemoriais, de nós espera a sua libertação.

 Antes de nós, existiram tantos ocupantes na casa do microcosmo! Foram numerosos aquelesque procuraram o sentido e a razão de sua exis-tência... Numerosos aqueles que encontraram a realização de suas vidas tentando transformar sua morada... Mas, infelizmente, não segundo o planooriginal, como deveria ser. Os vestígios de todosesses esforços, a essência das experiências de vida de cada um dos ocupantes, ficaram gravados nomicrocosmo, como em verdadeiros arquivos. Ecada novo ocupante recebe a possibilidade de con-tinuar a construção sobre essa base, lá onde o últi-

mo ocupante parou. Para mim, ficou claro: oimportante não é nos prendermos nas tentativasdaqueles que nos precederam, ou nos perdermosem especulações quanto ao que poderia ou deveria acontecer com esse trabalho. Não! O que conta é teros dois pés fincados no chão e os olhos fixos na gran-de Meta, hoje, no presente! Que alegria quando uma personalidade pode, enfim, reencontrar a ligação como microcosmo – uma personalidade capaz de realizaro plano original.   27 

 João Ultimonascido

26 

Eu fiz uma descoberta extraordinária na minha vida; compreendi a razão da minha existência nesta terra; reconheci a sua nobre finalidade. Além domais, pude percorrer um caminho de desenvolvi-mento segundo a intenção real e oculta por detrásdesta existência: a reconstrução da minha verdadei-

ra morada com base no plano original.Nesse caminho, quantas vezes já tropecei! Mas,cumprir essa missão permitiu-me viver experiênciasintensas, muito particulares, tão importantes para mim, que outra coisa não posso fazer, a não sercontá-las para você. Mas, como fazer para evocaraquilo que nenhuma palavra pode descrever? Comotraduzir uma realidade que dificilmente será com-preendida por aqueles que ainda não a experimenta-ram?

Então, ocorreu-me a idéia de fazê-lo sob a forma de uma história, assim como muitos outros que se

serviram de uma fábula, de um símbolo, de uma analogia, para transmitir uma verdade universal.

 Até aqui, você leu apenas uma pequena parte da história. Nesta primeira parte, tentei dar-lhe a idéia deum microcosmo, de um "micro-cosmo", de um uni-verso "tamanho reduzido" que envolve cada um de nóscomo uma casa.

 A intervalos mais ou menos regulares, esse micro-cosmo acolhe um novo ocupante, uma nova persona-lidade, assim como somos, você e eu. Esses ocupantes

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Capítulo 3

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 João Ultimonascido

Talvez você esteja surpreso por eu ter interrompidodessa maneira a história de João para explicar-lhe oporquê de tê-la escrito. Habitualmente isso não se faz;isso tira todo o interesse pela história! Mas, com-preenda bem, meu objetivo não é escrever uma histó-ria interessante ou espetacular, que você ache genial,

e então me pergunte:— Você ainda tem outras histórias que tambémsejam legais?

Não! Esta narrativa é destinada a quem se faz, real-mente, a pergunta: qual é a finalidade de minha vida?

Veja, é para tornar essa finalidade tão clara quan-to possível que, às vezes, eu interrompo esta narrati-va para dar explicações, se isso me parece necessário.

Eu vou lhe falar um pouco mais sobre a casa que João acaba de herdar.

Por que eu a descrevi como uma casa com três

andares e um porão? É que eu gostaria de compararessa casa a um homem.

No térreo encontra-se a sala de "estar". No homem,essa sala na qual ele vive é o ventre, lá onde reside oeu dialético, o centro a partir do qual o homem vivee age.

No primeiro andar, os quartos, a parte mais ínti-ma da casa. É o coração do homem, a partir do quala vida de sentimentos se desenvolve.28 

Em cima está o sótão, atravancado com ummonte de livros empoeirados e de malas velhas. Você já compreendeu: é a cabeça, na qual estão armazena-dos todo o nosso saber e todos os nossos conheci-mentos.

Finalmente, existe ainda o porão – nosso incons-

ciente – onde estão acumuladas todas as reservas,todas as forças que nos fazem agir e das quais vivemos.Lá também estão os arquivos que relatam as experiên-cias de todos os habitantes precedentes.

Haveria ainda muita coisa para dizer sobre essa morada: a chaminé, as portas e janelas, o sistema hidráulico, o jardim e a sebe que o cerca – semesquecer, na torrezinha acima do sótão, o telescópioque nos permite ver outros domínios. Certamentenão podemos deixar de mencionar, no primeiroandar, a porta trancada há muito tempo... essa porta que, dentre os ocupantes sucessivos da casa, tão

poucos souberam descobrir.Se você está de acordo, caro leitor, retomaremos

agora a história de João Ultimonascido.

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 João põe-se a trabalhar!

No momento em que João toma posse de suaherança, o que está na moda é dar o estilo maismoderno ao melhor lado da casa, aquele volta-do para a rua, que todo mundo vê: a fachada,é claro! Se sua casa não corresponde às regrasatuais da arquitetura, você está por fora! Certa-

mente, a casa de João é uma bela casa, masnão se pode dizer que seja a mais bela.

 — É preciso que isso mude!, decide ele. Euquero poder me orgulhar de possuir a maisbela de todas as casas do país. É preciso quetodo mundo me admire!

E prontamente começa a trabalhar. Ele nãoé o único; muitos de seus vizinhos têm o mesmoideal. Torna-se uma verdadeira competição ver quem trabalha mais duramente de manhã   31

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Capítulo 4

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 João Ultimonascido

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até a noite, sem parar. E durante a noite traçam-se os planos para as obras do dia seguinte.

Quanto ao interior da casa, eles o negli-genciam completamente: ninguém tem tempode se ocupar com isso. Mas, no fundo, issonão tem mesmo muita importância! Porque o

que conta – não é mesmo? – é o exterior, queé preciso adaptar às novas exigências. Dos ali-cerces ou da alvenaria, nem se fala mais! Ima-gine!... Antes de terminar um tal trabalho – umtrabalho de fôlego! – o estilo já estará fora demoda há muito tempo!

Não! Se desejarmos estar em dia com amoda, o material ideal é o gesso! Com gessopode-se instantaneamente – e com muita facili-dade – realizar arquiteturas de sonho! E, vistode longe, quem poderá imaginar que essas altastorres, essas maravilhosas ameias douradas não

são senão aparatos feitos de gesso? De longe,ninguém pode ver que, por trás dessa aparên-cia enganadora, a casa nada mais é do que umaruína. Não, ninguém... Até que caia a primeirachuva e as primeiras rajadas de vento soprem,desmanchem e carreguem tudo num piscar deolhos: graciosos beirais, torrezinhas e cornijas!

De uma experiência tão cruel, João tirou sualição. Passado o inverno, quando diante dele

os outros se afadigam, como antes, em seutrabalho inútil, ele diz resolutamente:

 — Não, eu não continuo mais. Estou cura-do! Como pude ser tão louco? Como pudeesquecer?... E pela primeira vez, depois delongo tempo, ele se lembra: a herança... o tes-

tamento... a sentença...

Transforma esta casa segundo o plano original.Renova cada cômodo, um a um. Aquele que edifica como um mestre construtor,encontrará a pedra filosofal! 

Sempre pronunciando à meia voz os versosda sentença, João sobe ao primeiro andar desua casa e se vê, de repente, diante de umaporta que jamais havia notado!

Surpreso, procura abri-la. Trabalho inútil!

 A porta continua firmemente fechada. — Sem dúvida, há uma eternidade que ela

não é aberta, diz João. Está emperrada!Rápido, ele corre à procura das ferramentas

e volta depressa com um grande pé-de-cabra. —Para onde foi essa porta? Onde ela está?

 Vejamos! Eu a descobri caminhando ao longodeste corredor, depois virando à esquerda...ou à direita? Ah! Ei-la!.... Não: esta aqui é aporta do meu quarto!

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Capítulo 4

Esperei, assim, que a doença aqui não penetrasse e que eu pudesse nela viver eternamente.Com essa finalidade, construí muralhas de seis metros de espessura. As portas e as janelas eram,evidentemente, pontos fracos. E eu também as murei. Nada mais poderia penetrar, e nem eu

 poderia sair, mas isso não era necessário, pois euqueria morar nela para sempre. Para ficar mais seguro de meu projeto, reforcei ainda as paredes do interior, até dispor somente de um espaço vital mínimo. Nesse espaço reduzido, vivi um certotempo. Mas isso não impede que eu esteja, neste momento, morrendo. Todos os meus esforços  foram, portanto, em vão! 

 João passa ao relatório do ocupante seguinte.Ele desconfiava disso: o sucessor do homem-fortaleza teve de consagrar toda a sua vida,

sem poder fazer outra coisa, a demolir as gros-sas muralhas construídas por aquele que empa-redou a si mesmo. Nessa leitura, João com-preende por que ele não agiu como seus vizi-nhos: tal fato já ocorrera antes em sua casa efora relatado nos arquivos! Ele corre à casa deseus vizinhos: é preciso avisá-los! Ele quer fazê-los compreender o quanto sua empreitada éinsensata! E todo o tempo perdido que isso re-presenta!   35 

 João Ultimonascido

 Apesar de todas as tentativas, João nãoconsegue mais encontrar a porta misteriosa.Procura, ainda, durante alguns dias, intrigado,um pouco preocupado com a idéia de queainda pudesse existir em sua casa um elemen-to desconhecido. Acaba se cansando e persua-

dindo-se de que, simplesmente, essa devia sera porta de seu quarto, que naquele dia estavadura de abrir.

...E o incidente logo é esquecido.

Nesse espaço de tempo, alguns vizinhos reu-niram-se para tentar deixar suas casas protegi-das de tudo. Eles têm seus planos: construirmuros tão grossos e tão sólidos que nadapossa atacá-los ou destruí-los.

Freqüentemente, propõem a João que sejunte a eles e vêm bater à sua porta para con-

 vencê-lo a imitá-los, mas ele não tem vontadealguma de transformar sua casa numa fortaleza.

No princípio, ele ainda nem sabia por queisso o repugnava tanto. Ele toma consciênciadisso uma noite, ao ler nos arquivos o relató-rio que, em seu leito de morte, um dos ocu-pantes precedentes escreveu:

Durante toda a minha vida eu trabalhei para forti- ficar esta casa a fim de assegurar sua perpetuidade. 34 

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Capítulo 4 João Ultimonascido

aumentar o sótão se sucedem, jamais sendosuficientes para que nele possam ser acomo-dadas as montanhas de livros que não cessamde crescer. Na mesma proporção, isso reduz oprimeiro andar, o qual, aliás, já não tem maismuita importância para João!

Em vão! Ele não consegue fazer-se com-preender e volta para casa entristecido.

 — Sem dúvida, é preciso que eles passempor isso! É preciso que eles mesmos façam aexperiência...

Então, João toma a resolução de não mais sedeixar distrair. Uma só coisa lhe interessa agora:descobrir o plano original mencionado na sen-tença.

Ele só tem uma idéia na cabeça: reunir to-dos os livros, todos os documentos capazesde ajudá-lo a reencontrar a pista do plano.

Ele passa suas noites lendo. Devora volu-mes inteiros. Fica como um louco! Perde seuscabelos, e sua cabeça começa a ficar como umbalão bem cheio.

Durante o dia, João não passeia mais em

seu jardim.Ele percorre as livrarias. Remexe nos sebos.

Inscreve-se em todas as bibliotecas municipais,regionais, nacionais e internacionais. Faz assina-tura de todas as revistas especializadas. E voltapara casa com os braços cheios de livros.

Nesse ritmo, o sótão torna-se, rapidamen-te, muito pequeno para tantos livros: é preci-so aumentá-lo, alargá-lo, erguer o teto e mes-mo rebaixar o assoalho. E os trabalhos para 36    37 

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 João, escritor!

Na porta, a multidão se comprime; de pertoou de longe, as pessoas vêm para consultaraquele que é chamado de “o mestre constru-tor”. As pessoas vêm buscar conselho e auxí-lio em sua grande sabedoria e em sua ciên-cia recém adquirida. E enquanto João estuda

e os recebe, o sótão transborda com novoslivros amontoados. Oh, João! Com que separece agora sua casa? Com um enormecogumelo: dois minúsculos andares sobre-postos pelo enorme chapéu do sótão hiper-trofiado!

E ainda não acabou: a coleção se enriquececom imponentes volumes dos quais o mestre é,agora, o autor. Mas, num dado momento, édemais!... O sótão sobrecarregado desaba,   39 

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 João Ultimonascido

arrastando João em meio aos escombros, numanuvem de poeira.

Quando volta a si, após ter recuperado ossentidos, João procura sua casa... e não vênada mais que uma ruína. E seu jardim? Aban-donado, cheio de mato, repleto de espinhos...

 — O que fiz de minha herança? diz ele a simesmo. NADA! Eu não valho mais do queaqueles que me precederam. Todos os meusesforços foram em vão.

Ele baixa a cabeça. Ele baixa os braços. Elese sente totalmente indigno, e arrasta-se parafora dos escombros de seu sótão.

E seus olhos abatidos vêem, então, dentroda fonte atrás de sua casa, a chave de ouro.

E agora, podemos ler, nos arquivos do solar, a

respeito da nova vida que João começa a par-tir de hoje:

 Após essa queda monumental, assim que, comhorror, tomei consciência da catástrofe, acredi-tei que iria enlouquecer. Lá estava eu, prisio-neiro dos escombros de meu sótão! Eu estavacheio de hematomas, e meu amor própriotambém! Não tinha mais confiança em mimmesmo. Não confiava mais em coisa alguma.40 

Capítulo 5

41

Eu era presa da dúvida: que bela herança!Uma casa carcomida, toda remendada, con-sertada grosseiramente, cuja pintura se desfaze na qual dezenas de pessoas já habitaram.Nenhum estilo, nenhuma unidade, nenhumaharmonia entre as diferentes partes. Em suma:

o resultado de caprichos absurdos acumula-dos por gerações e gerações! Bela herança, na verdade! Por que isso tinha de cair sobre mim?Por que tinha de ser eu o herdeiro disso, enão um outro?

Com grande custo consegui me desemba-raçar e pus-me de pé. Com o coração cheiode amargura, sacudi a espessa poeira que co-bria minhas roupas. Subitamente, algo me atin-giu como um raio:

 — Puxa! Nessa cacofonia você também to-cou alegremente sua nota! Você também can-

tou sua estrofe e ainda acrescentou mais... atéque o edifício desabasse! Então? Você ainda secrê melhor do que os outros?...

Caíram as vendas dos meus olhos.Envergonhado, retornei à minha casa. Ao

lado da fonte, meu espírito abatido encontrounovamente um pouco de clareza. O alegreborbulhar da água ressoava como pequenossinos claros que, vindos de uma outra dimen-são, tilintavam em meu coração! Os raios do

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Capítulo 5 João Ultimonascido

mim. Instante crucial: se eu conseguisse abriressa porta, assim eu pressentia, seria transfor-mado. Mas eu sabia também que seria inevi-tável: era preciso que a porta fosse aberta... Achave girou suavemente na fechadura. Aporta conduzia a uma pequena câmara, per-

feitamente iluminada, embora nela não hou- vesse uma fonte luminosa, nem a mínimaabertura. Uma ordem perfeita aí reinava, umagrande limpeza. No meio desse local elevava-se uma coluna de pedra bruta encimada porum disco de mármore branco. Sobre ele, ummanuscrito muito antigo, mas intacto, comose o tempo o tivesse poupado. E eu li, comoem letras de ouro:

Transforma esta casa segundo o plano original.Renova cada cômodo, um a um.

 Aquele que edifica como um mestre construtor,encontrará a pedra filosofal! 

 Abri o manuscrito, mudo de respeito. Tinhadiante dos olhos uma descrição precisa e com-pleta do plano original desta morada. Paramim, foi uma descoberta da maior importância.Examinei todas as plantas com o maior cuida-do; estudei longamente a descrição até os míni-mos detalhes... para chegar a conclusão de que

sol espelhavam-se sobre a água e fragmenta- vam-se em mil facetas coloridas. As cores doarco-íris aí se refletiam, resplandecentes. Deli-cadamente, com a palma de minha mão, tireium pouco de água da fonte para lavar meurosto. E esse gesto simples me deu coragem

para olhar as coisas de frente. Lavei tambémmeus olhos cheios de pó. E vi, no mesmo ins-tante, no fundo da água, uma chave. Umachave na fonte!... Até então, eu ainda não apercebera... Com a respiração suspensa, reti-rei-a da água: ela era pesada, mas suave aotoque.

E, enquanto a contemplava, uma outra ima-gem se impôs à minha mente: a imagem deuma estranha porta fechada, descoberta, umdia, no primeiro andar de minha casa; naquelaépoca foi-me impossível abri-la e nunca mais

pude encontrá-la. Eu a havia esquecido hámuito tempo! No entanto, desde o momen-to em que tive essa chave em minhas mãos,soube com certeza que ela me abriria a portasecreta. Sem mesmo perder tempo de me tro-car, precipitei-me em direção à porta de entra-da, que, felizmente, não estava obstruída pelosescombros do sótão.

Quase em seguida – inesperada felicidade! – a estranha porta fechada estava lá, diante de42    43

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Capítulo 5

 — Ah! Aí está ele! Não está soterrado pelosescombros do sótão! João, você está machuca-do? Como você se sente? Que queda, hein?!

 Ao descer para reunir-me a eles, ouvi asirene de uma ambulância que se aproximavae vi, ao longe, o furgão vermelho dos bom-

beiros. Dois enfermeiros carregando umamaca quiseram fazer-me entrar na ambulânciapara me levar ao hospital e deixar-me emobservação.

Tive o maior trabalho do mundo para con- vencê-los de que eu estava em plena forma,sentindo-me mesmo melhor do que nunca.Eles me olharam com desconfiança, mas, feliz-mente, pararam de insistir. O meu vizinhomais próximo ocupou-se, então, em oferecerconselhos e encorajamentos:

 — Acima de tudo, meu velho, não se preo-

cupe! É o tipo de chateação que pode aconte-cer com todo mundo. Nós ajudaremos a con-sertar. Você tem ao menos um bom seguro?Em um ano, quando muito, tudo estará emordem novamente.

Cansado de toda essa choradeira, consegui,enfim, desembaraçar-me dos importunos. O últi-mo, o mais educado e o mais persistente, que-ria forçosamente obrigar-me a fazer um segurode vida. Recusei sua oferta, sem, todavia, poder   45 

 João Ultimonascido

me seria impossível participar, eu, João Ultimo-nascido, da construção de uma tal obra. Istome pareceu evidente: não é debaixo deste solque pode ser edificada a morada segundo oplano original. A última página do manuscritotrazia uma advertência:

Se, em tua casa,servidor te tornas,as muralhas derrubas e da terra as fundações afastas,então, sem que o notem, poderás preparar tua Nova Morada e tornar-te um Nascido-duas-vezes.

Imediatamente compreendi a minha tarefa: des-truir minha herança, reduzi-la a nada. Somentea esse preço a morada original, invisível aos

olhos da carne, poderia ser restaurada em seuantigo esplendor. Deixei a câmara secreta, to-mando, então, consciência do estado lamen-tável de minhas roupas, e me troquei rapida-mente.

De repente, ouvi vozes do lado de fora, nojardim, e vi pela janela um grupo de vizinhosque observava as ruínas e balançava a cabeçaem sinal de desaprovação. Ao me verem, sus-piraram aliviados.44 

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Capítulo 5 João Ultimonascido

devesse examiná-lo atentamente uma vezmais... Mas, nesse dia, para minha grande de-cepção, a porta da câmara secreta não foiencontrada.

Sentei-me no jardim perto da fonte, indeci-so. Então, ouvi passos que vinham em minha

direção. Um homem aproximou-se e pergun-tou-me gentilmente se eu tinha ainda umexemplar da obra O vigamento à luz do nú-

mero de ouro. Após longas e infrutíferas buscas, estando

esgotada a última edição, o editor finalmenteo havia orientado a procurar-me. Fiquei mudode espanto. Sem hesitar, ofereci-lhe o últimoexemplar que me restava. E com isso, o estra-nho desapareceu tão depressa como haviachegado.

impedi-lo de me passar, furtivamente, seu car-tão de visita:

CLÁUDIO DANGÚSTIACORRETOR DE SEGUROS

ESPECIALISTA EM SEGURO DE VIDA

R UA DO R EPOUSO, NO. 13

Tratando-se de repouso, eu certamente tinhagrande necessidade, pois queria, com toda tran-qüilidade, refletir sobre os acontecimentosrecentes.

 A partir do dia seguinte, arregacei as mangas epus-me a remover o entulho. O trabalho avan-çava rapidamente e, na verdade, isso me fezmuito bem. Era muito simples: todos os livrosque encontrei... eu os queimei. Que alívio!...

 Até que, de repente, deparei-me com um livrodo qual eu era o autor e no qual pus muito demim mesmo: O vigamento à luz do número de 

ouro. Era um livro que havia sido muito bem vendido, e nas revistas de arquitetura a críticahavia sido excelente. Iria queimá-lo também?Eu o apreciava muito; isso seria desumano!Eu tinha, sem dúvida, interpretado mal a adver-tência do velho manuscrito. Era impossívelque ele exigisse uma coisa dessas!... Talvez eu46    47 

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 A última pedra

Durante o longo período necessário parareestruturar minha casa, fui freqüentementeconfrontado com decisões difíceis de seremtomadas. Um exemplo: se eu demolisse oporão sem mais nem menos, correria o riscode ver todo o edifício ruir sobre mim. Quan-

to ao sótão, ele continha tantos elementosrelativos à estrutura da casa que não me pare-ceu oportuno eliminar tudo com leviandade.Em compensação, certos arranjos indesejáveispareciam poder ser suprimidos prontamente. Assim, comecei pela demolição das partes queme pareciam supérfluas, de todos os itensextravagantes e das paredes rachadas. Tudo oque não correspondia às normas desapareceunum ritmo acelerado. Finalmente, só restou   49 

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Capítulo 6 João Ultimonascido

público. Os habitantes da comunidade à qualpertence esta propriedade chamaram nossaatenção para o fato de que este edifício, doqual o senhor é proprietário, atualmente éobjeto de obras, cujo caráter ilícito é irrefutá- vel. Este edifício não está de conformidade

com o regulamento em vigor, de acordo como artigo 378-13 do Código de Urbanismo, nãohavendo sido encaminhado nem registradoaté esta data, junto à Comissão, requerimentode permissão para demolir. As conclusões dainvestigação em curso são irrevogáveis. Eu venho a mando do Comitê Executivo desseórgão e o intimo, na qualidade de proprietá-rio, a suspender imediatamente todos os tra-balhos e a recolocar este edifício no estadoem que lhe foi transmitido por seu legatário.Uma carta registrada notificará o senhor pos-

teriormente o valor da multa que penaliza seudelito. Essa multa deverá ser paga, obrigato-riamente, em três dias, sob pena de umamajoração de cinqüenta por cento. Note bemque o senhor pode apelar dessa decisão,endereçando um recurso em três vias para onosso Serviço de Reclamações.

Então, o alto funcionário precipitou-se paradentro de seu carro e partiu rapidamente, numa

uma construção nua, despojada: as colunas desustentação, as fundações e o vigamento.

Quando cheguei a esse ponto, senti-mealiviado. Eu estava satisfeito. Recuando umpouco, olhei minha herança: despojada, elame pareceu mais bela do que nunca. A linha

pura do telhado destacava-se no céu; dasparedes emanava uma força intangível; a har-monia das cores radiava perfeição... Teria eualcançado o estado exposto no manuscrito?Teria me tornado, enfim, um servidor?

O barulho de um motor arrancou-me deminha contemplação: uma possante limusinederrapou no meu gramado. Estremeci pelasminhas roseiras, mas o bólido freou e paroubem a tempo. Dele desceu um homem bem vestido, distinto, terno cinza escuro, chapéu,

gravata, maleta. Ele lançou ao redor de si umolhar circunspecto, avistou-me e franziu assobrancelhas. Voltou-se em direção à casa,examinou-a sob todos os ângulos, meneandoa cabeça. Depois, virando-se para mim, lan-çou-me um olhar glacial e declarou com uma voz pretensamente muito oficial:

 — Eu me apresento: Isidoro Alei, alto fun-cionário, urbanista, delegado da ComissãoMunicipal de Construções para o bem-estar 50    51

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Capítulo 6 João Ultimonascido

melhor, o que restava dela, lá estava, quebra-da, vulnerável, exposta a todos os olhares. Erapreciso agora, tão rapidamente quanto possí- vel, ultrapassar essa etapa. Era doloroso, paramim, destruir aquilo a que eu estava ligadopor todas as fibras de meu ser. Mas, apenas

pensar na pedra de mármore auxiliava-me anão fraquejar. Ainda que o objetivo me parecesse estar

agora bem mais longe do que antes, em meuíntimo eu tinha a certeza de que a única solu-ção, se eu quisesse superar essa fase, seriacontinuar com a demolição. E essa profundacerteza deu-me força e coragem. O alto fun-cionário e seu possante veículo ainda fizeramalgumas incursões pela encosta que leva aosolar, mas, a cada tentativa, o carro apresen-tou um defeito. Bem de longe, Isidoro Alei

lançava-me alguns insultos, agitando um for-mulário administrativo, com seus longos bra-ços, mas isso já não me abalava.

 Assim que cheguei às fundações, a tarefatornou-se ainda mais difícil. Lembrançasmuito antigas, de toda espécie, perturbavam-me e paralisavam minha energia. Mas eu per-severava e, pedra após pedra, transformei acasa em algo de que ainda não tinha cons-ciência. E eu sentia claramente que muitas

nuvem de poeira, não sem antes danificar gra-mados e canteiros. Eu fiquei desanimado. Issojá era demais! Numerosos herdeiros haviamtransformado esta casa ao sabor de suas fan-tasias sem que jamais um de seus caprichostivesse encontrado o menor entrave, e justa-

mente a mim foi pedido que suspendesse oúnico empreendimento verdadeiramente sen-sato!

Mergulhado em reflexões, ajoelhei-meperto da fonte. A missão registrada no velhomanuscrito teria sido bem compreendida pormim? Em pensamento eu revia a pedra demármore. Sua exortação estava gravada emmeu espírito:

Se, em tua casa,servidor te tornas,

as muralhas derrubas e da terra as fundações afastas,então, sem que o notem, poderás preparar tua Nova Morada e tornar-te um Nascido-duas-vezes.

Então, compreendi meu erro. Meu trabalho dedemolição não havia sido suficientemente radi-cal. Eu ainda quis conservar alguns elementos.Ora, isso não era possível. Minha herança, ou 52    53

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 A Nova Morada

 Você pode ler, em seguida, o comunicado que,um belo dia, foi publicado no noticiário local:

Nestes últimos tempos, coisas estranhas têmacontecido na propriedade do senhor J. Ultimo-nascido, que empreendeu, já há um certo

número de anos, a restauração completa deseu solar. Na opinião dos habitantes locais, ostrabalhos estavam caminhando bem e pare-ciam prometer muito quanto à estética dessenobre e célebre patrimônio, até que um inci-dente lamentável, ocorrido durante a amplia-ção do sótão, bruscamente pôs fim a esses tra-balhos. Desde esse dia, além de os trabalhosnão terem sido retomados, e apesar dos protes-tos dos vizinhos e da vigilância reiterada das   55 

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 João Ultimonascido

coisas estavam em vias de se realizar, mesmoque isso não estivesse ainda visível.

Chegou, então, o dia em que atingi o fundo,a pedra fundamental! Sim, consegui alcançaressa pedra! Eu, aquele a quem chamavam JoãoUltimonascido! Mas há muito tempo eu não era

mais o João de antigamente. Com a maior con-centração, extirpei essa pedra, a última. E espe-rei, com as mãos vazias, humilde e confiante.

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Capítulo 7 João Ultimonascido

E, por vezes, ouve-se pronunciar a velha sen-tença:

Transforma esta casa segundo o plano original.Renova cada cômodo, um a um. Aquele que edifica como um mestre construtor,

encontrará a pedra filosofal! 

Desde então, o jardim tem sido sempre manti-do por alguns habitantes do vilarejo, como seesperassem alguma coisa ou alguém que aindadeve vir. Contudo, o Sr. João foi o último re-bento, o último-nascido de uma antiga linha-gem, cujos descendentes não haviam encon-trado o descanso. O jardim pertence a todosaqueles que o conheceram, como uma lem-brança e uma promessa.

E assim, com esse artigo surpreendente, termi-na a história de João Ultimonascido.

NOTA DO NARRADOR :

 Amigo leitor,

Certamente as últimas anotações dos arquivos con-cernentes a João Ultimonascido não nos parecem

autoridades locais, o proprietário pôs-se ademolir todo o edifício. Ele vendeu os móveisde família – de um valor inestimável – e as cole-ções de objetos preciosos acumulados comamor no decorrer de gerações. Trocou-os porobjetos de primeira necessidade, contentando-

se com o que existia de mais simples, e deu aooficial Sr. Martim os famosos arquivos do solar.Queimou parcialmente a biblioteca que haviaalcançado grande reputação em toda a região,e até mesmo muito além. Depois, com a maiordeterminação, começou a demolir sistematica-mente o edifício todo, até a última pedra, até asfundações mais antigas, que foram postas a nue desenterradas. À medida que o trabalho pro-gredia, o dono da propriedade esquivava-secada vez mais dos olhares alarmados da vizi-nhança, se bem que a última fase desse traba-

lho pareça ter sido realizada por mão invisível.Não se ouvia mais o menor ruído. Depois, tudodesapareceu. E, desde esse dia, vê-se somente,por detrás da sebe verdejante, um magnífico jar-dim em flor, no qual reina um perfeito silêncio.

Nada se ouve além do claro borbulhar dafonte no centro do jardim.

Quanto ao senhor João Ultimonascido, nin-guém mais o viu. Entretanto, ele continua vi- vendo na lembrança das pessoas do vilarejo. 56    57 

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Capítulo 7 João Ultimonascido

muito difícil, a partir desse momento, falar de JoãoUltimonascido, pois trata-se agora de um outro ser,totalmente novo, que, no decorrer de um longo pro-cesso, vai nascer e manifestar-se a partir de João.

Desde que a última pedra foi retirada e que João,

cheio de confiança, voltou-se para o TotalmenteNovo, chegou o grande momento em que a promessa gravada no esboço do plano original iria cumprir-se:

Se, em tua casa,servidor te tornas,as muralhas derrubas e da terra as fundações afastas,então, sem que o notem, poderás preparar tua Nova Morada e tornar-te um Nascido-duas-vezes.

 João tinha feito tudo o que podia. De pé, no lugaronde antes sua casa se erguia, ele parecia estar abando-nado por tudo e por todos. Seu trabalho parecia tersido em vão. Entretanto, João sabia, com certeza, quehaviam acontecido coisas que não puderam ser alcan-çadas por sua consciência comum.

No decorrer desse processo, ele freqüentemen-te sentira a presença de uma realidade que neletomava força e vida, na medida em que o trabalhoprogredia. É por isso que, no ponto em que havia 

muito satisfatórias. Elas parecem mais interrom-per o fio de sua biografia do que concluí-la. Toda-via, não é sem razão. Eu me propus um objetivo:traduzir, tão fiel e claramente quanto possível, ocaminho de desenvolvimento interior que eumesmo percorri. Tomando consciência do sentido

e da missão de sua vida, cada um poderá, assim,reconhecer o caminho que se abre à sua frente.Possa esta contribuição ser-lhe um auxílio, umguia e uma sustentação nos momentos difíceis!

 Aconteceu tudo o que escrevi: eu o vivenciei! Eisso que em mim se passou, desde os primeiros pas-sos ainda hesitantes até o bom fim, tudo isso pode –e será também – vivido por outros.

 A partir desse saber interior é que me foipossível terminar a história de João Ultimonas-cido, pelo último testemunho que ele mesmoregistrou nos arquivos, em prol de todos aque-

les que dele desejassem tomar conhecimento.Desde o instante em que a mão de João, comperfeita orientação e guiada pela Idéia do planooriginal, extirpou a última pedra das antigasfundações, desde esse instante, o curso das coisastomou um novo rumo. João ocultou-se dosolhos da carne e não fez mais parte da história tan-gível e visível.

Entretanto, tentarei traduzir com palavras o queaconteceu em seguida com João, ainda que seja  58    59 

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 João Ultimonascido

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chegado, ele não conhecia o desânimo, mas aguar-dava com o coração ardente o que deveria vir. Equando de novo ele percebeu a fonte luminosa nocentro do jardim e o sol refletido na água emincontáveis raios cintilantes, nesse momento, Joãoviu a luz, uma claridade que penetrava, transpassa-

va e continha todas as coisas. Uma luz... infinita.Nada mais! Ele, João, já nem existia. Quantotempo isso durou? Ninguém sabe. Aqui o tempo já não existe. Mas, o que no início era uma luz ofus-cante, na qual João desapareceu totalmente, ga-nhou, pouco a pouco, formas e contornos. Linhasde força apareceram, um novo mundo revelou-se,uma nova realidade. O plano apareceu, as bases deum novo vir-a-ser, estabelecido na Eternidade. João tomou parte nesse plano como co-herdeiro eco-edificador da manifestação divina. Lá reinava uma alegria incomensurável.

Um Nascido-duas-vezes retornou à casa!Ele entrou na Nova Morada por uma porta 

aberta.Um novo espaço abriu-se diante dele, depois um

outro... e mais outro...Essa Nova Morada a tudo engloba e a tudo abar-

ca, infinitamente vasta, perfeita, inviolável!

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IMPRESSO PELA GEOGRÁFICA

 A PEDIDO DA EDITORA R OSACRUZ EM NOVEMBRO DE 2004.