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JOÃO LEONARDO MARQUES ROSCHILDT
DA CONSTRUÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO DIREITO EM JOHN RAWLS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Adriano Ferraz
PELOTAS, 2010.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Maria Fernanda Monte Borges – CRB-10/1011
R791d Roschildt, João Leonardo Marques Da construção dos fundamentos do Direito em John Rawls / João
Leonardo Marques Roschildt ; orientador : Carlos Adriano Ferraz. – Pelotas, 2010.
209 f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas.
1. Filosofia do Direito. 2. Teoria do Direito. 3. Fundamentação do Direito. 4. Teoria da Justiça. I. Ferraz, Carlos Adriano, orient. II. Título.
CDD 100
Banca examinadora: ............................................................................ CARLOS ADRIANO FERRAZ (Orientador)
............................................................................ LUIZ BERNARDO LEITE ARAÚJO ............................................................................ DENIS COITINHO SILVEIRA
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Hugo e Nara Regina, pelo amor recebido ao
longo dos anos, pelo incentivo em todos os momentos necessários e pela minha
formação moral.
De igual forma agradeço à minha Avó Iara, que com sua fonte de alegria
constante, me motivou a dar prosseguimento no esforço empreendido nesta
pesquisa.
Um especial agradecimento à minha namorada Priscila, que ao longo
desta jornada foi incansável no que tange ao apoio e carinho em todos os instantes.
Além disto, suas ponderações críticas, leituras e avaliações acerca do meu trabalho
em muito contribuíram para o resultado final.
Um fraterno agradecimento ao meu orientador, professor Carlos Ferraz,
que sempre me auxiliou fazendo apontamentos precisos tanto sobre os aspectos em
que eu apresentava falhas quanto em meus acertos, incentivando a minha vida
acadêmica em sua completude.
Por fim, um agradecimento aos professores do departamento de filosofia
que contribuíram para o meu aprimoramento intelectual, em especial aos
professores Denis Silveira, João Hobuss e Manoel Vasconcellos.
Resumo:
O foco do presente trabalho é a construção de um conceito de Direito que seja
compatível com a noção de justiça construída por John Rawls. A verificação das
estruturas formas e materiais da justiça como eqüidade acabará determinando o tipo
de Direito que cabe ao pensamento rawlsiano, qual seja, a doutrina interpretativa.
Nesta medida é adequado destacar que a teoria do Direito em Rawls se contrapõe
ao positivismo jurídico, e se mostrando independente como uma concepção política
liberal de justiça assim exige.
Palavras-chave: Filosofia do Direito; Teoria do Direito; Fundamentação do Direito;
Teoria da Justiça.
Abstract: The focus of the present work is the construction of a concept of Right that is
compatible with the notion of justice formulated by John Rawls. The verification of the
formal and material structures of justice as fairness will finish determining the type of
Right that fits to the Rawlsian thought, which is the interpretative doctrine. Thus it is
appropriate to emphasize that the theory of the Right in Rawls is opposed to legal
positivism, showing itself independent as a liberal political conception of justice so
require.
Keywords: Philosophy of Law; Theory of Law; Grounds of Law; Theory of Justice.
Sumário
1 Introdução.......................................................................................................... 8
1.1 O problema..................................................................................................... 8
1.2 Tese proposta................................................................................................. 10
1.3 Estrutura da dissertação............................................................................... 11
2 A teoria da justiça de Rawls e suas idéias elementares............................... 13
2.1 A posição original sob o véu da ignorância................................................ 13
2.2 O princípio da igual liberdade e os seus respectivos desdobramentos
formais e materiais...............................................................................................
24
2.3 O segundo princípio de justiça: igualdade eqüitativa de oportunidades
e o princípio da diferença....................................................................................
38
3 Aprofundamentos teóricos da justiça como eqüidade................................. 52
3.1 O mecanismo justificacional do equilíbrio reflexivo................................... 52
3.2 A idéia dos bens primários como pressuposto material do Direito......... 60
3.3 A justificação pública e a legitimidade política........................................... 71
3.4 O consenso sobreposto: um acordo político independente..................... 78
3.5 Sobre a democracia constitucional.............................................................. 112
4 A efetivação da justiça como eqüidade e o âmbito do Direito..................... 124
4.1 Uma idéia central: a aplicação dos princípios de justiça na seqüência dos quatro estágios.............................................................................................
124
7
4.2 Por uma idéia do Direito em (e a partir de) Rawls....................................... 152
5 Conclusões........................................................................................................ 204
Referências........................................................................................................... 206
1 Introdução
1.1 O Problema
Desde a publicação de Uma teoria da justiça (1971), do filósofo político John
Rawls, natural de Baltimore, o universo da filosofia política foi radicalmente
transformado. As mudanças foram sentidas de forma mais acentuada na esfera de
fundamentação (justificação) dos preceitos que se utilizam em sociedade, tanto para
designar como ela é como para determinar como a mesma deve ser. Nisto surgiram
correntes interpretativas que em muito se aproximaram do pensamento rawlsiano,
reconhecendo a importância de sua teoria1 e aprofundando os pontos teóricos que
julgaram deficitários, ao passo que outros círculos de pensamento (mais numerosos)
foram criados, se mostrando críticos para com a justiça como eqüidade2.
O objetivo deste trabalho é averiguar um dos momentos de aplicação dos
princípios de justiça de Rawls que se mostram mais obscuros na proposta do filósofo
norte-americano: o Direito3. As razões pelas quais o tema do Direito se apresenta de
forma indeterminada no liberalismo político rawlsiano podem ser fixadas pelos
seguintes pontos: (i) o objetivo do referido filósofo é estabelecer critérios objetivos
(abstratos) que possam reger toda a sociedade e tenham a capacidade de
determinar o que é justo; (ii) pelo fato do pluralismo razoável e das diversas formas
de democracia presentes no ocidente; (iii) pela razão de que o tipo de restrição
1 Como os liberais igualitários, notadamente representados por Ronald Dworkin, que afirma ser a
teoria da justiça de Rawls insuficientemente igualitária. 2 Aqui um dos críticos mais contundentes é representado por robert Nozick em Anarchy, State and
Utopia, no qual repudia principalmente o princípio da diferença de Rawls (e seu Estado excessivamente ativo na distribuição de renda), declarando este último como um liberal insuficientemente liberal. Outras críticas advém do marxismo analítico (em que se destacam G. A. Cohen e Jon Elster, por exemplo), do comunitarismo (com os célebres Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor) e do republicanismo (nomes fortes são os de Cass Sunstein e Frank Michelman). 3 Ressalta-se que a órbita analisada diz respeito tão-somente a idéia apresentada para uma
sociedade democrática nacional, o que exclui a obra O direito dos povos do presente trabalho. Tal ponto pouco trabalhado na justiça como eqüidade é reafirmado por Höffe: “Rawls desenvolve certamente certos princípios da justiça para a ordem fundamental de uma sociedade; e, contudo, a legitimação ética de uma realização destes princípios com forma jurídica e do Estado e com isto seu mandato para o exercício da coerção não surge no programa nuclear da teoria” (2005, p. 14).
9
formal exigida em uma etapa de elaboração dos princípios de justiça difere
substancialmente daquela apresentada em um momento de determinação de quais
direitos os cidadãos possuem.
Todas estas questões estão conectadas, visto que Rawls visa estabelecer
princípios gerais para sua teoria da justiça, não tendo o intento de assentar uma
metodologia de aplicação dos mesmos de forma estanque: cada sociedade, partindo
do padrão da justiça como eqüidade, escolhe o tipo de formatação adequada a
execução dos critérios de justiça4. Lembrando-se que o fato do pluralismo razoável,
além de ser aplicável às doutrinas morais abrangentes razoáveis, também tem um
alvo de aplicação para com as diversas sociedades herdeiras das democracias
ocidentais, e que apresentam peculiaridades distintas mas que podem chegar a um
mesmo resultado justo de diversas formas. Assim, a forma com que o Direito deve
ser exercido, em suas minúcias e procedimentos, não foi o objetivo de Rawls, pois
este era conhecedor daquela dificuldade (do acordo entre doutrinas razoáveis).
Mas mesmo diante destas dificuldades, o objeto de análise da presente
pesquisa (o Direito) não se mostra inviável, pois existem diversos elementos que
conduzem a um tipo de argumento que pode vir a defender uma proposta acerca
desta esfera jurídica. Até mesmo porque para que se imagine uma aplicação para o
justo, se necessita compulsoriamente de um elemento que seja o meio termo entre a
abstração da justiça e a aplicação na realidade, qual seja, o Direito5.
Desta forma os objetivos da presente investigação podem ser resumido em
dois grandes centros: (i) um primeiro que reside no aspecto de construção
metodológica, e (ii) um segundo que busca verificar que tipo de Direito pode ser
extraído da filosofia política rawlsiana e suas implicações sistêmicas. Neste sentido,
as preocupações postas podem ser resumidas pelas seguintes questões: (a) o
Direito em Rawls se mostra com aspectos morais ou meramente formais? (b) O
mesmo tem autonomia frente ao campo da moralidade, é dependente ou é
interdependente? (c) O Direito se aproxima de um viés positivista ou está mais
inclinado a uma noção que seja mais adequada com o interpretivismo jurídico? (d)
como o Direito se refere ao quarto estágio de aplicação dos princípios de justiça,
4 Mesmo que se tenha uma ampla moldura que determine o que é permitido e o que não é.
5 Nenhuma teoria política é elaborada com o mero escopo de ser um simples exercício de abstração
racional sem nenhuma intenção prática.
10
fase em que não se possui mais o véu da ignorância6, ao se adotar uma corrente
como a que possivelmente represente o ideal rawlsiano acerca deste tema, não se
estaria incorrendo em um tipo de doutrina abrangente?
1.2 Tese proposta
Com o desenrolar desta pesquisa, vai ser defendida uma concepção de
Direito7 presente na justiça como eqüidade em Rawls que demonstre os seguintes
aspectos centrais: (i) o Direito, bem como a teoria da justiça, são formais na medida
em que guardam viés procedimental muito firme, mas ao mesmo tempo possuem
conteúdo (o que descaracteriza a crítica de um formalismo vazio para ambos); (ii) a
autonomia do Direito em relação às doutrinas morais abrangentes razoáveis, tal e
qual a proposta de justiça; (iii) a interdependência com a justiça como eqüidade que
este apresenta no que tangem às limitações impostas nos três estágios (anteriores)
de aplicação dos princípios de justiça; (iv) a adequação do Direito rawlsiano com a
formulação interpretativa do sistema jurídico, refutando o positivismo; (v) e por fim
que o Direito em Rawls não pode ser relacionado como uma doutrina moral (ou
política) abrangente qualquer (mesmo sem o véu da ignorância) em virtude deste ser
parte da justiça como eqüidade.
Obviamente que quaisquer das afirmações realizadas acima não encontram
respaldo claro e evidente no desenvolvimento teórico esboçado por Rawls ao longo
de suas obras. Contudo, todas as afirmações realizadas se encontram na base das
melhores interpretações concretizadas nos últimos anos sobre o pensamento
rawlsiano: a própria interpretação sobre o Direito em Rawls se mostra
demasiadamente nova em comparação com as análises disponíveis sobre os
mecanismos de justificação da teoria da justiça.
Assim, para o desenvolvimento da presente dissertação haverá de se dar
conta de temas de fundamentação da justiça como eqüidade para que depois se
6 Sem restrições formais.
7 Convém assinalar que há uma sólida oposição entre Direito e direito: o primeiro é visto como uma
grande moldura no qual o segundo se efetiva nas particularidades dos cidadãos. Em outras palavras, o segundo apresenta um caráter subjetivo, ao passo que o primeiro se presta a carregar uma estrutura formal de aplicação e de execução que visa determinar de quem é o direito. Enquanto o primeiro é objetivado no plano de uma estrutura de justiça (e de instituições sociais), o segundo é materializado no sujeito, conferindo-lhe poderes perante outrem. O alvo da presente pesquisa é o Direito.
11
possa depreender uma noção de execução destes pressupostos formais essenciais
e dos conteúdos extraídos. Como corolário, temas que envolvem a participação das
três grandes obras de Rawls8 se fazem necessários para a compreensão do Direito,
tanto em sua forma quanto em sua substância.
1.3 Estrutura da dissertação
Para que os objetivos em questão sejam conquistados, a presente pesquisa
apresentou os seguintes eixos temáticos: (i) em um primeiro momento optou-se
pelas contruções mais fundamentais esboçadas por Rawls acerca da justiça como
eqüidade, quais sejam, as idéias fundamentais que apresentaram o filósofo norte-
americano para o universo político: o revigoramento da teoria do contrato social
aliado aos dois princípios de justiça que dotam de substancialidade a justiça como
eqüidade.
Logo, optou-se por uma análise de pressupostos teóricos que surgiram em
obras posteriores a Uma teoria da justiça (mesmo que tais idéias já estejam latentes
nesta obra), notadamente àqueles voltados para temas de legitimidade política. Uma
ênase especial foi dada para a questão do consenso sobreposto, em virtude de que
este mecanismo justificacional se mostra como uma peça fundamental para que se
compreenda a independência do Direito.
Por fim, partiu-se para um análise acurada acerca do tema da aplicação dos
princípios de justiça na realidade, sub-dividida em duas etapas: no primeiro
momento buscou-se uma averiguação sobres os métodos utilizados por Rawls para
a execução dos princípios abstratos em sociedade, demonstrados os quatro
estágios de aplicação destes. Já em um segundo momento, tentou-se problematizar
o tema do Direito com o escopo de responder as questões fundamentais que
fomentaram a pesquisa, bem como acrescentar uma proposta que pudesse
responder às indagações fundamentais que motivaram esta pesquisa.
A estruturação se deu nestes moldes em virtude da própria disposição trazida
por Rawls acerca dos quatro estágios de aplicação: parte-se de restrições severas a
concepção de pessoa e sociedade para que através dos sucessivos relaxamentos
8 Uma teoria da justiça, O liberalismo político e Justiça como eqüidade:uma reformulação.
12
de execução se obtenha uma efetividade dos princípios de justiça em sociedade.
Desta forma, se mostrou bastante lógico tratar de temas afeitos a estruturação da
justiça como eqüidade9 para que, somente após uma análise minuciosa destes, se
pudesse passar a análise da aplicabilidade dos valores engendrados (os dois
princípios de justiça).
9 Selecionados a partir das necessidades mais prementes. Todavia, cabe lembrar que alguns
mecanismos de justificação ficaram de fora por escolha do autor em virtude da tese defendida nesta dissertação (por exemplo, a razão pública não mereceu a devida orientação pelo fato de que esta corrente poderia produzir um não-Direito em Rawls a partir da noção de possível omissão do judiciário em casos controversos, privilegiando a razão que emana do legislativo).
2 A teoria da justiça de Rawls e suas idéias elementares 2.1 A posição original sob o véu da ignorância
Principia-se a presente exposição com uma crítica desenvolvida por Ronald
Dworkin acerca do tipo contratualista adotado por Rawls em sua teoria da justiça19:
Rawls does not suppose that any group ever entered into a social contract of the sort he describes. He argues only that if a group of rational men did find themselves in the predicament of the original position, they would contract for the two principles. His contract is hypothetical, and hypothetical contracts do not supply an independent argument for the fairness of enforcing their terms. A hypothetical contract is not simply a pale form of an actual contract; it is no contract at all (DWORKIN, 1975, p. 17-18).
Essa representa uma pequena passagem crítica, contudo, dada a sua profundidade
e acidez, merece uma averiguação mais detalhada para que este mecanismo de
justificação rawlsiana não sucumba, levando consigo todo seu sistema.
A este tempo, a título de análise metodológica, surge a necessidade de
responder aos seguintes questionamentos, frente ao espólio contratualista que
Rawls se diz herdeiro: O pacto para a construção principiológica surge como e
quando? Com que forma se aderirá à justice as fairness? A resposta se encontrará
no entendimento do que venha a ser a “posição original” no pensamento rawlsiano,
que dará solidez a urdidura teórica do referido autor, em uma formatação formalista
e procedimental, mas que resguarda um firme espaço substancial.
Assim sendo, primeiramente há de se determinar como se dá a posição
original, em que condições a mesma é estabelecida, bem como os objetivos da
mesma. Assim, a posição original encontra suas raízes no estado de natureza
oriundo de filósofos como Locke e Rousseau, contudo não pode ser entendida como
algo análogo, haja vista que, caso fosse, receberia as mesmas críticas que aqueles
receberam, e não acrescentaria nada para a história da filosofia, significando uma
mera repetição de um pensamento desenvolvido séculos atrás. E tal afirmação é
substancialmente corroborada por uma célebre passagem de Rawls, na qual afirma
que “meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generalize e eleve a
19
O motivo da adoção de um modelo que vai da crítica para depois efetuar a elucidação do tema do acordo se mostra para verificar o quão sustentável se mostram os pilares de Rawls, mesmo que se parta de uma análise contrária – em partes – ao seu pensamento.
14
um nível mais alto de abstração a conhecida teoria do contrato social conforme
encontrada em, digamos, Locke, Rousseau e Kant” (RAWLS, 2008, p. 13). Eis que
fica claro a fonte e os interlocutores necessários para a compreensão dos intentos
rawlsianos em sua teoria da justiça.
Mas há de se entender em que medida ocorre um aprofundamento das
teorias contratualistas dos séculos XVII e XVIII, para que se entenda em que partes
Rawls se diferencia metodologicamente e substancialmente da herança por ele
adotada. Primordialmente, a posição original significa uma situação inicial de
igualdade, para um acordo acerca dos princípios a serem distribuídos entre as
instituições sociais e os seres vistos em suas individualidades. Estes princípios de
justiça são acordados entre as partes sob um véu da ignorância, que garante que as
mesmas não sejam egoístas em seus interesses, construindo assim uma plataforma
que impulsione a todos, sem privilegiar um determinado segmento social em
detrimento de outro, de forma injusta, pois se aduzirão princípios que preservem
tanto o interesse individual como coletivo.
Destarte, pode-se dizer que a idéia da posição original, então, se imiscui com
a de estado de natureza, bem como com a de contrato social para o
estabelecimento da sociedade civil (mas obviamente que tal interpretação rawlsiana
não faz uma apropriação indistinta destas concepções de Locke e Rousseau). A
título de uma simples diferenciação, pode-se aventar que no estado de natureza
lockiano, tem-se a afirmação de que é um estado de perfeita liberdade e igualdade
entre os homens, na qual a liberdade garante o pleno uso e gozo da sua
propriedade (aqui entendida como sendo equivalente a vida, liberdade e posses de
todo o gênero), enquanto a igualdade garante que não haja nenhuma espécie de
submissão entre os seres humanos, não havendo poder pelo qual os homens devam
se submeter.
É claro que até este ponto, a posição original de Rawls talvez convergisse
sem demais correções com o pensamento de Locke, contudo, há neste último
filósofo um acréscimo que merece destaque e talvez possa expor uma diferença
fundamental: a lei da natureza. Ora, para Locke, o estado de natureza não pode ser
um estado de amplas liberdades, de tudo se fazer e querer, mas sim, um estado no
qual seja regido por uma lei da natureza – identificada ao longo de sua obra magna
sobre filosofia política como sendo a razão – que dite aos homens os limites de sua
ação, obrigando-os a não prejudicarem outrem (no mais amplo leque que isto possa
15
significar). Para Rawls, uma lei da natureza seria inconcebível, face sua herança
analítica, que não permite o estabelecimento de uma fundamentação última dos
princípios morais a serem adotados em sociedade.
Esta não aceitação de uma fundamentação verdadeira de princípios morais
pode ser vista da seguinte forma: na maneira em que liberdade e igualdade são
critérios que guardam uma verdade absoluta para Locke – e para Rousseau e Kant,
mas por outras justificativas –, na qual todos aqueles que pensarem contrariamente
a sua argumentação incorrerão em erro, em Rawls “se deve observar que não se
conjetura a aceitação desses princípios como uma lei ou probabilidade psicológica”
(RAWLS, 2008, p. 146), tendo-se que seus princípios de justiça são aqueles que se
apresentam no momento do acordo na posição original, como sendo os mais
corretos para a sua teoria da justiça – o que mostra certo caráter parcial, mas que
não pode ser visto como algo ruim ou errado, na adoção dos mesmos, pois os
princípios se voltam para fundamentar a sua teoria da justiça, que para Rawls se
apresenta como a mais adequada para atender aos anseios individuais e coletivos
do homem pós-iluminismo.
Logo, os princípios de justiça – que serão tratados em partes precedentes –
da posição original são ad hoc, tanto com relação à teoria da justiça, garantindo sua
coerência, quanto para a função que virão a desempenhar para o estabelecimento
(não sendo absoluto nem com força de verdade, mas sim de correção) do que seja o
justo em sociedade. E com relação a parcialidade exposta no parágrafo anterior,
pode-se aventar a argumentação rawlsiana acerca do tema, corroborando tal
assertiva, com o seguinte trecho:
Como já afirmei, há muitas interpretações possíveis da situação inicial. Essa concepção varia, dependendo de como as partes contratantes são concebidas, do que se afirma serem suas crenças e interesses, de quais opções lhe estão disponíveis, e assim por diante. Nesse sentido, há muitas teorias contratualistas possíveis. A justiça como equidade é apenas uma delas. Mas a questão da justificação é resolvida, na medida do possível, demonstrando-se que há uma interpretação da situação inicial que expressa melhor as condições que em geral se considera razoável impor à escolha dos princípios que, ao mesmo tempo, leva a uma concepção que caracteriza nossos juízos ponderados em equilíbrio reflexivo. Essa interpretação preferida, ou padrão, chamarei de posição original (RAWLS, 2008, p. 147).
Eis que com isso tem-se claramente a admissão por parte de Rawls de que os
princípios de justiça escolhidos, ao lado da teoria de justiça demonstrada, são
expostos e construídos de maneira parcial – objetivando algo que se toma como o
16
mais correto, mas não verdadeiro – a partir de uma posição inicial de igualdade
imparcial das partes. Faz-se uma ressalva de que são todos os juízos morais
existentes em sociedade que podem ser utilizados neste equilíbrio reflexivo que se
efetua na posição original, pois se assim o fosse, recairia o sistema rawlsiano em
uma espécie de falácia naturalista, pois se adquiriria a fundamentação de seus
princípios e de sua teoria, em última análise, nos juízos morais lato sensu contidos
em sociedade; sendo assim, se utilizam os juízos morais ponderados por estes
possuírem um status diferenciado, que não se confunde com tudo o que é
encontrado na realidade natural.
Ainda sobre o trecho citado, poder-se-ia perguntar: como que Rawls assume,
no seio de seu mecanismo contratualista e construtivista, a parcialidade do seu
sistema – ao dizer que existe uma interpretação preferencial para dar conta dos
objetivos de sua teoria da justiça –, mesmo se utilizando largamente do conceito de
imparcialidade, que em última análise é garantido pelo véu da ignorância? Ora,
pode-se vislumbrar com clareza solar que na passagem exposta de Uma Teoria da
Justiça, Rawls fala que há muitas interpretações e concepções sobre uma situação
inicial que gere princípios de justiça, dependendo esta variação das partes, suas
crenças e suas opções. Neste sentido, o autor norte-americano declara que a sua
teoria da justiça é apenas mais uma dentre as diversas teorias contratuais existentes
(ou que existiram), mas seria a que mais se adapta com os tipos de partes
contratantes (que ocupam uma posição inicial de igualdade, sob um véus da
ignorância), seus desejos e possibilidades.
Ao dizer isso, Rawls assevera cabalmente que a sua teoria não é a
verdadeira, mas sim a que pode produzir os melhores resultados (uma breve
vertente utilitária, mas que não desconsidera a pessoa tomada em sua
individualidade), bem como ser a mais correta para o tipo de situação inicial
esboçada por ele, aceitando a existência da diversidade de concepções filosóficas
acerca da temática (fato do pluralismo razoável). Por fim, respondendo a questão
proposta, pode-se ter: o autor de Uma Teoria da Justiça cria um mecanismo de
justificação que se utiliza de uma concepção de pessoa de forma imparcial (todas as
partes são vistas de forma igual, possuindo uma esfera inviolável de direitos que
nenhuma espécie de acordo pode romper), sendo parcial na sua escolha da
estrutura que melhor se ajusta a esta idéia de pessoa com todas as circunstâncias
sociais e naturais; e ao admitir esta parcialidade em sua escolha, sem dizer que sua
17
tomada de posição representa a verdade absoluta, admite que existam outras
concepções que possam produzir resultados diversos do seu (mesmo que para o
tipo de pessoa idealizada por ele, no fim das contas, se verifique que sua concepção
de pessoa é a mais adequada).
Mas qual seria a real definição, ou a que mais se pode aproximar da idéia de
Rawls, acerca da posição original? Esta pode ser entendida de forma autônoma ou
deve se recorrer a complementaridade do véu da ignorância e outros mecanismos
que foram desenvolvidos em escritos posteriores? Primordialmente, há de se
entender que “na justiça como eqüidade, a situação original de igualdade
corresponde ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato” (RAWLS, 2008,
p. 14). Esta afirmativa inicial pode entrar em choque com algumas premissas
delineadas no início desta parte expositiva sobre a posição original, pois algumas
diferenciações severas foram feitas no que tange aos aprofundamentos contratuais
trabalhados por Rawls em relação aos filósofos contratualistas de séculos
anteriores. Contudo, há de se entender que a correspondência entre a posição
original e o estado de natureza, que Rawls assume, se dá muito mais como um
plano de elucidação exemplificativa da idéia do referido autor, para que o leitor tenha
uma noção básica do que seja esta posição original, através de um exemplo retirado
da história da filosofia, haja vista que, conforme já foi exposto, ocorre um grande
aprofundamento das teorias contratuais dos séculos XVII e XVIII.
Desta maneira, a “posição original” é “a situação hipotética na qual as partes
contratantes (representando pessoas racionais e morais, isto é livres e iguais),
escolhem, sob um ‟véu da ignorância‟ (veil of ignorance), os princípios de justiça que
devem governar a „estrutura básica da sociedade‟ (basic estructure of society)”
(OLIVEIRA, 2003, p.14). E tal estrutura, conforme assinala Scanlon, há de ser
entendida de forma a destacar o seu caráter teorético e dedutivo, qual seja:
“principles of justice are justified if they could be derived in the right way, institutions
are just if they conform to these principles, and particular distributions are just if they
are the products of just institutions” (SCANLON, 2003, p. 139).
Há de se rememorar que na obra rawlsiana, os princípios formadores da
justiça como eqüidade são frutos dos juízos morais cotidianos que convergem,
encontrando aqui o seu critério de absoluto, no plano, obviamente, do razoável (o
absoluto em questão não faz referência alguma a algo como verdadeiro ou falso). E
especial cuidado há de se ter quando Rawls identifica a “posição original” como um
18
contrato lato sensu em que as partes se inserem para fundar a estrutura da
sociedade. Partes não são pessoas nem indivíduos, o que faz-se mister estabelecer
uma diferença fundamental que ofertará ainda mais substancialidade a doutrina de
Uma Teoria da Justiça: os indivíduos são os sujeitos pertencentes a uma categoria
histórico-contingentes, que apresentam como características básicas,
eventualidades pessoais como idade, sexo, etc.; as pessoas são as formalizações
dos indivíduos, sem distinção alguma; já as partes, são as consciências fazendo um
acordo representando as pessoas. Neste último âmbito atinge-se um altíssimo grau
de imparcialidade moral, que dará o norte da orientação teórica de Rawls.
Isto posto, outra idéia básica que se deve ter acerca da posição original, é
que a mesma “é entendida como situação puramente hipotética, assim caracterizada
para levar a determinada concepção de justiça” (RAWLS, 2008, p. 14), em que há
uma clara vertente kantiana nesta determinação. Ao declarar que a situação original
é meramente uma hipótese filosófica, que por consequência apresentará o contrato
como mera hipótese – lembrando-se fundamentalmente aqui, da crítica de Ronald
Dworkin no início desta exposição –, Rawls afirma que seu mecanismo de
justificação dos princípios de justiça não é real e nem recorre de comprovações
históricas de existência fática e natural. E, ao não se engajar em tal corrente de
pensamento que declara que algum dia os homens estiveram ou podem vir a se
encontrar em um estado de natureza, o filósofo de Uma Teoria da Justiça se
diferencia de Locke e Rousseau, pois estes, continuamente asseveram a existência,
em tempos remotos, de homens que se encontravam em um estado de natureza
(Locke chega a exemplificar povos que em algum tempo estiveram em tal estágio de
desenvolvimento social, como espartanos ou tribos indígenas na América).
Por não acatar tal posicionamento naturalista (por assim dizer), Rawls se
assemelha ao posicionamento kantiano de concepção contratual, mas sem se
aproximar de seu fundacionalismo moral, que estabelece uma verdade única e
absoluta do que seja o bem e o justo, não admitindo outra visão que discorde de tais
determinações teóricas. Até mesmo porque, frente aos entendimentos da filosofia
analítica e com os avanços da lógica, na qual Rawls faz ampla aplicação ao longo
de suas obras, em que se tem uma afirmação de que os valores morais nada mais
são do que valores determinados pelos sujeitos envolvidos na questão, seria de
difícil defesa imaginar uma situação original que houvesse existido na prática para
comprovar determinados valores defendidos por um filósofo sobre o que deve ser o
19
melhor para uma sociedade civil, sem cair em uma enorme falácia naturalista, pois
comprovações reais e valores morais pertencem a registros lógicos evidentemente
distintos.
Outra razão para Rawls não abraçar a tese de que a posição original e o
contrato social tenham existido no mundo real, é o fato de que se estes existiram
foram concretizados e realizados por sujeitos reais, o que traz a seguinte crítica:
como efetuar um contrato que preserve os direitos oriundos do estado de natureza,
com homens que apresentam vontades distintas, com poderes e instrumentos de
barganha diversificados, sem que alguma parcela social não perca excessivamente,
ou ceda, os direitos originais do estado de natureza em prol de outro segmento
social? Eis que
A descrição costumeira do estado de natureza é injusta porque algumas pessoas têm mais poder de barganha do que outras – mais talentos naturais, recursos naturais ou simples força física – e conseguem resistir mais para obter um negócio melhor, ao passo que os menos fortes e talentosos têm de fazer concessões (KYMLICKA, 2006, p. 78).
Portanto, o que surge é que a posição inicial de filósofos como Locke e Rousseau
apresenta-se como sendo problemática pelo motivo de que ela, ao tratar de homens
reais que tem propriedades físicas e sabem de seus lugares no mundo – status
social, gênero, raça, etc. –, não se mostra totalmente imparcial em seu limiar, haja
vista as contingências que cercam os mesmos. E ao se apelar para a racionalidade,
é racional que os homens no estado de natureza venham a lutar pela defesa –
através do contrato civil – de seus interesses prévios e parciais: ou seja, não se
pregaria uma defesa ao bem político e público – preservando espaço para a esfera
individual – de forma imparcial, pois é natural que os homens busquem a sua
preservação, que é representada pela defesa de seus interesses individuais.
E este seria um resumo crítico do que os filósofos contratualistas que
enfatizaram a realidade prévia de um estado de natureza que outorgasse direitos
aos sujeitos sofreram por parte dos seus adversários. Assim, fica claro que a
viragem filosófica empreendida por Rawls necessita de outro dispositivo que garanta
a igualdade moral dos agentes do contrato hipotético, para que os mesmos não
obtenham vantagens pessoais que ofusquem a intuição rawlsiana de que a
cooperação – levar em conta o interesse próprio e de outros – é algo bom para
20
estabilidade social, fundamentando com uma igualdade moral os direitos
decorrentes do pacto: a isto se dá o nome de véu da ignorância.
Com isto tem-se que a posição original não pode ser compreendida de forma
autônoma, visto que se for por este caminho, acabará por aderir – e em nada
acrescer tanto metodologicamente quanto substancialmente – ao caminho
contratualista traçado por Locke, Rousseau e Kant (mesmo este último
apresentando o mecanismo contratual como hipotético). Necessário faz-se a
introdução de um véu da ignorância na posição original, que represente um
obstáculo ao egoísmo pleno e simbólico que a simples racionalidade – sem a
razoabilidade – possa representar para uma sociedade que almeje se fundar por
bases da imparcialidade, sem nenhum tipo de vício (que advém naturalmente
quando os sujeitos sabem das contingências que cercam um acordo).
E o que representaria o “véu da ignorância”, bem como qual seu significado?
Como significação, pode-se afirmar que este é um procedimento sob o qual as
partes ficam adstritas para que realizem o elenco de princípios formadores da justiça
como eqüidade, sem conhecerem as posições e situações que vivenciarão na
comunidade real que foi elaborada na posição original. Logo, o “véu da ignorância”
daria uma maior força ao critério da imparcialidade moral igualitária presente neste
neo-contratualismo, e que, em contratualistas do séc. XVIII foi duramente criticado
por não apresentar justificativas que se esquivassem de que: como (1) o contrato
social é feito por homens, (2) estes defenderão seus interesses de forma egoísta, o
que traz como consequência a noção (3) de que o contrato não visa a defesa do
bem público, sendo (4) uma quimera sujeita a um jogo de interesses entre os
contratantes, no qual o mais forte e com maior poder de barganha acabará por deter
mais direitos (não se atingindo uma igualdade plena).
Nesta seara, nunca se pode olvidar da argumentação que traz anexada ao
mecanismo da posição original sob o véu da ignorância, o efeito aduzido pelo
equilíbrio reflexivo, pois este dota de coerência circular (sem um ponto último de
fundamentação que estabeleça um critério de verdade) e subjaz a escolha de
princípios naquela posição inicial da sociedade. Com isto, tem-se a realização de um
fluxo e refluxo entre juízos morais ponderados, princípios morais (chamados de
princípios de justiça) e uma teoria moral (a teoria da justiça de Rawls).
Sem mais delongas, ao rememorar a crítica inicial de Dworkin para com a
posição original e o contrato social de Rawls, há de se salientar que a posição
21
original é um “device of representation, or alternatively, a thought experiment for the
purpose of public – and self – clarification” (RAWLS, 2001, p. 17). Evidente, portanto,
que ao ser designada a posição original como um mecanismo com a finalidade de
uma justificação pública acerca dos princípios de justiça a serem adotados em
sociedade, é claro que não se tem a presença de uma obrigação para algo. Note-se
que Rawls não deseja obrigar moralmente os indivíduos a seguir os acordos do
pacto hipotético, pois o mesmo não existe de fato, mas sim criar um instrumento
abstrato e representativo que possibilite uma visualização idealizada dos mais
corretos princípios de justiça para uma sociedade bem-ordenada: falar em falta de
obrigação moral na posição original rawlsiana pelo fato da mesma ser hipotética, se
torna descabido.
Poder-se-ia trazer à tona o argumento de que um mecanismo hipotético,
como o da posição original, por ser algo sem concretude real, não possuiria um vigor
argumentativo suficiente para sustentar uma teoria da justiça que visasse uma
estabilidade social. Eis que surge uma lição lapidar:
Moreover, the fact that na agreement or other event is hipothetical surely cannot imply that it hás no probative value. Some of the most fundamental advances in inqury are based on thought experiments regarding the behaviour of individuals or objects in hipotethical situations that are not practicalyy possible (for example, conditions of perfect competition in price theory, motion in vacuum in Newtonian physics, and objects with mass traveling at the speed of light in special relativity). Just as hipothetical situations can be used to state fundamental laws of physics or economics, they should be helpful in philosophy in discovering or justifying basic moral principles (FREEMAN, 2007, p. 144-145).
E isto pode ser dirigido a todos aqueles que argumentam que tal mecanismo de
representação não se efetiva na prática por uma diferenciação entre o plano ideal e
uma dita real natureza humana (que não seria compatível com tais enunciações
rawlsianas).
Frente ao que foi asseverado, fica claro que o instrumento contratualista
utilizado pela teoria da justiça de Rawls, representa uma ferramenta poderosa para
desenvolver os princípios de justiça sob uma ótica imparcial: a posição original
acaba por salvaguardar os valores de liberdade e igualdade. Eis que a original
position (caráter substancial, tratando-a ontologicamente) não seria mais do que
algo que explicitaria a maneira (caráter formal) com que a conceituação de justiça
22
como eqüidade adquire forma, demonstrando suas implicações com relação aos
princípios de justiça, que se aplicam aos indivíduos e instituições sociais.
Mesmo assim, como fugir de uma crítica que trata da “posição original” como
mera abstração formalista para justificar a construção de princípios e adentrar no
plano da substancialidade metodológica? Ao se fixar a igualdade como chave
mestra do procedimentalismo rawlsiano da “posição original”, dota-se o
entendimento desta abstração hipotética com um caráter substancial que lhe poderia
ser aduzido como faltante, ao se entender, por exemplo, como a proposição de que
a igualdade é boa. Ainda resta uma indagação sobre que tipo de igualdade estaria
Rawls tratando? Tal acepção da palavra pode ser traduzida por igual condição de
possibilidade das partes, que nada mais são do que consciências morais
representantes de formalizações de indivíduos, capazes de estabelecerem princípios
balizadores de uma estrutura social, que dará forma a justiça como eqüidade (e aqui
encontra-se um forte caráter abstrato garantidor de uma imparcialidade moral muito
rígida).
Frente as proposições expostas, há de se pressupor a posição original como
um contrato de uma pluralidade de partes com o escopo de ofertar uma publicidade,
através do consenso, para os princípios de justiça. E o ponto de partida utilizado, há
de se lembrar, é o de uma moral mínima comum, demonstrado, por exemplo, por um
consenso sobre um repúdio à escravidão bem como o de uma tolerância religiosa,
no qual vem a ser juízos morais convergentes, que por sua vez serão o substrato
para que se derivem princípios (não entendidos como verdadeiros ou falsos, mas
sim como razoáveis ou não razoáveis).
O procedimento de representação das pessoas através de partes na “posição
original” há de ser entendido como uma abstração filosófica, ou em outras palavras,
como um processo de justificação da espécie de teoria a ser fundamentada (no caso
em tela, o de Uma Teoria da Justiça, a carga principiológica é a que necessita de
bases sólidas), sendo assim, um maquinismo formal. Este formalismo garante com
que não haja nenhuma obrigatoriedade de concretização no mundo real (caso
exigisse tal comprovação, se aproximaria de um empirismo), logo, hipotético, ao
mesmo tempo em que se adapta a qualquer tempo ou época, fruto da representação
das partes (consciências morais), o que afiança a sua a-historicidade.
E quanto à crítica realizada contra os contratualistas do séc. XVIII
(especialmente), de que suas teorias filosóficas de um pacto inicial para a formação
23
de uma sociedade seriam abstrações pouco efetivas? Esta crítica se alargaria a
Rawls?
Deste modo, afasta-se (tal e qual já foi dito em outra banda) a crítica da
doutrina de um estado de natureza, e conseqüentemente da “posição original” de
Rawls, do âmbito da historicidade, pois esta não entra no cerne da questão, nem se
apresenta como melhor via de interpretação. A presença forte de um viés ligado a
idéia de uma igualdade moral individual atrelado ao estabelecimento de novas
liberdades políticas parece ser a que melhor se adapta a intenção dos
contratualistas e neo-contratualistas aqui representados por Rawls, pois aliaria um
formalismo construtivista e justificador (de um governo, de um Estado ou de
princípios de justiça, por exemplo) com a substancialidade que uma igualdade inicial
pode ofertar para as partes poderem construir estruturas sociais com o critério da
imparcialidade moral. Nesta ótica, o contrato social lato sensu (sejam os do séc.
XVIII ou o de Rawls) foge da crítica tênue da existência ou não histórica de seu
procedimento e adentra no campo de uma solidez lógica justificadora (dentro de
uma razoabilidade) muito robusta para fundamentar sua pretensão de formação da
sociedade.
Isto posto, Rawls segue esta padrão contratualista desenvolvido a partir do
séc. XVIII, mas com a dinâmica diferenciada em que os princípios de justiça (linha
mestra da sociedade) são determinações a partir de uma densa posição de
igualdade das consciências morais (nominadas de partes). Eis que
In justice as fairness the original position of equality corresponds to the state of nature in the traditional theory of the social contract. This original position is not, of course thought of as na actual historical state of affairs, muche less as a primitive condition of culture. It is understood as a purely hypothetical situation characterized so as to lead to a certain conception of justice (RAWLS, 1971, p. 12).
Mas esta correspondência entre a posição original e o estado de natureza não se dá
em grau, quantidade e valor, e sim somente através de equivalência de parentesco
muito tênue, conforme já foi exaustivamente tratado.
E como o mecanismo de revestimento para escapulir da semelhança integral
entre o Estado de Natureza e a posição original é representado pelo véu da
ignorância, há de se conhecer pelas palavras do próprio autor norte-americano a
formatação de significação desta metodologia, em que
24
ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe ou seu status social; e ninguém conhece sua sorte na distribuição dos recursos e das habilidades naturais, sua inteligência, força e coisas do gênero. Presumirei até mesmo que as partes não conhecem suas concepções do bem nem suas propensões psicológicas especiais. Os princípios de justiça são escolhidos por trás de um véu da ignorância. Isso garante que ninguém seja favorecido ou desfavorecido na escolha dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência de circunstâncias sociais. Já que todos estão em situação semelhante e ninguém pode propor princípios que favoreçam sua própria situação, os princípios de justiça são resultantes de um acordo ou pacto justo (RAWLS, 2008, p. 15).
Destarte, a “posição original” visa uma igualdade dentro do campo de pessoas
morais em que se extraem princípios de justiça derivados de um não conhecimento
de fortunas naturais e demais contingências; e tais princípios são gerados
eqüitativamente dentro do plano de uma elaboração metodológica, atingindo o alvo
da justice as fairness. Com isso fica evidente o espírito que a posição neo-
contratualista de Rawls procura demonstrar, conciliando o contratualismo clássico
com a tese de que não existem (ou fica difícil estabelecer) princípios definitivos e
absolutos a serem escolhidos na “posição original”, o que (esta última parte)
coaduna com a filosofia analítica. Sedimentado está, desta forma, que se os
princípios a serem escolhidos não se pautam por um critério no qual esteja
destacado um conceito de “bem” ontológico (sujeitos a forte carga da filosofia
analítica) e seguem por um critério de imparcialidade moral construtivista, logo
estarão sempre sujeitos a verificação através da razoabilidade. E a congregação de
teorias filosóficas de séculos distintos, sublinhando a razoabilidade como o critério
absoluto na elaboração principiológica da “posição original”, consegue responder
que entre os diversos juízos morais divergentes, podem-se extrair juízos morais que
convirjam pensados razoavelmente, sob o lume da imparcialidade moral.
2.2 O princípio da igual liberdade e os seus respectivos desdobramentos formais e materiais
Para principiar este sub-capítulo, há de se entender à luz de quais origens o
pensamento de Rawls percorre em sua doutrina acerca da igual liberdade, afim de
que se descubra a natureza – não no sentido metafísico ou relativamente a uma
teoria do conhecimento que inspire em uma verdade absoluta ofertada por um
Criador comprovada na prática, haja vista a herança lógica rawlsiana na qual toda e
qualquer determinação de valores morais para algo, nada mais são do que meros
25
valores dados pelo próprio ser humano – da mesma, para assim fixar seus objetivos
e seu papel na fundamentação de uma teoria da justiça. Há de se destacar que o
liberalismo – corrente do pensamento filosófico, político e econômico, que carrega
consigo o conceito de liberdade – apresentou ao longo da história duas espécies de
doutrinas distintas, mas que por vezes andaram de mãos dadas, produzindo
resultados sociais mais ou menos perversos: pode-se destacar (1) uma vertente
econômica e (2) uma vertente político-filosófica do pensamento liberal. A primeira
pode ser vista, em linhas gerais, como uma defesa de mercados livres, ou com
pouquíssima, regulamentação estatal.
A segunda espécie pode ser analisada sob a ótica na qual todos os homens
são vistos como iguais e livres desde o momento de seu nascimento; “that
governments have a duty to respect these liberties and tolerate different religious
confessions; and that polítical power is to be exercised for the common good”
(FREEMAN, 2007, p. 43). E é exatamente esta última corrente de pensamento
liberal que Rawls adota em seu discurso acerca da igual liberdade em seu corpo
sistemático sobre a teoria da justiça.
Ressalta-se que o posicionamento assinalado como pertencente a Rawls, é
derivado fundamentalmente, por assim dizer, do filósofo John Locke, tratando do
aspecto religioso principalmente na sua Carta Acerca da Tolerância, na qual
expressa que “nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a
outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos
os direitos que lhe pertencem como indivíduo ou como cidadão, são invioláveis e
devem ser-lhe preservados” (LOCKE, 1978, p. 9). Há de se destacar que a
conceituação de bens civis em Locke é bem abrangente e não pode ser confundida
com bens móveis e imóveis tão-somente, pois abarca a vida, a liberdade, a proteção
física ao sujeito, assim como a posse de bens materiais externos – propriedades lato
sensu, no sentido jurídico hodierno (LOCKE, 1978, p. 5).
No tocante às liberdades que dizem respeito a sociedade civil e o respeito
que o governo deve ter para com o fato de que todos os homens nascem livres e
iguais, ou seja, agindo visando o bem comum, é de se salientar que os homens são
“por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de
sua propriedade e submetido ao poder político de outrem se dar consentimento”
(LOCKE, 1978, p. 71). Tem-se, assim, limitações ao exercício do poder político, bem
como ao papel da religião – tolerância –, circunscrito por determinações acerca de
26
qualidades morais que os homens apresentam por natureza: livres e iguais. E tal raiz
é a que Rawls segue no intuito de fundamentar sua teoria da justiça. Obviamente
que o pensamento lockiano assumiu, ao longo dos tempos, variegadas correntes de
pensamento com consequências distintas, que são muito diferentes do pensamento
desenvolvido pelo filósofo norte-americano em tela, como o que pode se vislumbrar
em Anarquia, Estado e Utopia de Robert Nozick, no qual também se vislumbra uma
matiz lockiana.
Desta forma, de antemão pode-se fixar que a
Rawls‟s conception of social justice, „justice as fairness‟, is a liberal conception in that it protects and gives priority to certain equal basic liberties, which enable individuals to freely exercise their consciences, decide their values, and live their chosen way of life. Liberal governments and societies respect individual‟s choices and tolerate many different lifestyles as well as religious, philosofical, and moral doctrines (FREEMAN, 2007, p. 44).
Mas como seguir o padrão esboçado por Locke, sem cair em uma argumentação
que represente uma fundamentação última da moral?
A indagação acima é efetuada pelo motivo de que o pensamento lockiano
segue um padrão de investigação empirista, ou seja, ao afirmar que a igualdade e a
liberdade são inerentes ao ser humano, o pensador inglês está asseverando a
verdade absoluta (no plano da moralidade e da política) de sua afirmação, o que
para a filosofia analítica e contemporânea (da qual Rawls é herdeiro) seria um
enorme erro. Assim, pode-se esboçar que Rawls assume efetivamente o
pensamento de Locke, mas sem considerar a igual liberdade como valor verdadeiro
(pois implicaria em ter de provar a falsidade de todo e qualquer argumento contrário,
tarefa árdua e quase inviável), mas sim como correto, pois desta forma basta criar
um mecanismo metodológico que mostre coerência entre certos juízos morais,
princípios morais e uma teoria moral, em que não se atestará a verdade, mas sim a
correção do argumento.
Para tratar do princípio da igual liberdade em Rawls, há de se cuidar uma
diferenciação básica: “Rawls‟s first principle refers, not to „liberty‟ but to „basic
liberties‟” (FREEMAN, 2007, p.45). Esta distinção serve como base de enunciação
na qual o filósofo norte-americano não faz uma defesa ampla da liberdade lato
sensu, o que traria como implicação a necessidade de uma explanação acerca do
que seria tal liberdade em si mesma ou na defesa de qualquer tipo de liberdade
27
(pois dentro da aposta de que há critérios de correção moral, existem liberdades
indefensáveis), ou ainda na exposição que poderia redundar naquilo que se pode
chamar como liberdades básicas, caso adotasse o caminho de determinar de que
tipo de liberdade se está tratando, sua natureza e objetivos, o que simplesmente
tomaria fôlego sem qualquer grande acréscimo a sua teoria da justiça. E, desta
maneira, Rawls parte diretamente para uma análise e exposição das liberdades
básicas, pois para pressupor a existência destas, há de se admitir, nem que seja
implicitamente, que os cidadãos sejam livres.
Destarte, qual é a idéia central do primeiro princípio de justiça exposto por
Rawls em sua teoria da justiça? Ao afirmar que todas as pessoas devem possuir um
programa de liberdades e direitos iguais para todos, na qual este programa, para
sua plena e satisfatória existência, deva ser compatível com os programas de
direitos e liberdades de outros indivíduos, Rawls busca dizer que existem certos
direitos e liberdades – não no sentido ontológico da mesma – que devem ser
privilegiados em detrimento de outros direitos e liberdades em sociedade. Acresce-
se que esta dinâmica engloba uma noção moral dos cidadãos, pois os toma como
cidadãos livres e iguais para que assim estruturem a legislação na qual hão de
conviver, no âmbito público, ao passo que lhes permitem adotar e modelar um plano
de vida da forma com que desejarem, sendo isto, intrínseco a tradição liberal de
Locke e Kant.
Mas se foi afirmado no parágrafo anterior que os cidadãos possuem plenos
direitos de determinarem seus rumos na vida privada, por que ao tratar a teoria da
justiça como um aprofundamento da tradição liberal e contratualista demonstradas
por Locke, Rousseau e Kant (RAWLS, 2008, p. 13), Rawls não acresceu o
pensamento de Hobbes? Ora, uma pequena digressão há de ser feita neste âmbito
para entender, em linhas gerais, os motivos de não adotar o modelo contratual
hobbesiano. Em um primeiro momento, o tipo de liberdade tratada por Hobbes é
muito distinta das liberdades formuladas nos modelos de Locke, Rousseau e Kant:
enquanto Hobbes entende o homem no Estado de Natureza com uma liberdade
ilimitada, podendo efetivar tudo o quanto deseja para a defesa de seus interesses,
pois ali não há regras, se não a regra da auto-preservação, em Locke, por exemplo,
ao tratar do estado de natureza e da liberdade do homem, há a seguinte afirmação:
28
embora seja este um estado de liberdade, não o é de licenciosidade; apesar de ter o homem naquele estado liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posses, não tem a de destruir-se a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse, senão quando uso mais nobre do que a simples conservação o exija. O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que tão-só a consultem, sendo todos iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses (LOCKE, 1978, p. 36).
Logo, para Locke, existem regras definidas para o exercício da liberdade. E neste
mesmo esquema se assemelha o pensamento de Rousseau, pelo qual o homem
submetido a um corpo legislativo de leis, dadas por ele mesmo através do conceito
de vontade geral e na participação da comunidade, se encontra mesmo assim livre;
assim como se segue com a doutrina filosófica kantiana e as famosas leis da
liberdade, conceito que parece contraditório, mas que em uma análise acurada se
mostra plenamente aceitável.
Outra diferença vislumbrada entre Hobbes e os contratualistas posteriores,
mais especificamente em Locke, pode ser visto a partir do ponto de vista no qual no
primeiro filósofo acaba por ocorrer um pacto de transferência de poder, na qual os
sujeitos, pretendendo obter segurança e tranqüilidade social, acabam por outorgar a
um terceiro, o poder coercitivo da comunidade, concedendo sua liberdade em
benefício estatal. Em Locke, o pacto para a formação do estado civil, ocorre por
consentimento e aprovação de todos os cidadãos, objetivando preservar seus
direitos originários do estado de natureza, sem concedê-los a um terceiro (pois os
direitos são inalienáveis), mas sim a um corpo político unitário que representa todos
os cidadãos. Há de se destacar que quando não são atendidas as expectativas
sociais do governo constituído pelo consentimento de todos, ou quando o mesmo
faz algo que excede aquilo que foi legitimamente pactuado, o poder político retorna
para os cidadãos vistos individualmente (ASHCRAFT, 2006, p. 226-230), para que
constituam novo estado ou reforme o existente, o que caracterizaria a possibilidade
de uma desobediência civil, o que não se vislumbra em Hobbes.
Eis que Rawls não concebe a liberdade nos moldes hobbesianos, tampouco
aceita a forma contratual de submissão total ao poder de outrem para a garantia da
paz e estabilidade social. A primeira porque traria como consequência o fato de que
ao se permitir que um sujeito faça tudo que lhe seja permitido para a defesa de seus
interesses, acabe por não considerar outros sujeitos como detentores de um valor
29
intrínseco de uma igual liberdade, ou, mesmo que considere, adotaria para a
resolução de conflitos, fatores contingentes como os dotes naturais ou aspectos
econômicos eventuais, o que para Rawls não é justo, conforme será aclarado em
outras passagens. Em um segundo momento, Rawls não aceita em hipótese alguma
uma transferência de certos direitos, que em sua visão (compartilhada desde Locke),
são considerados inalienáveis, contrariando Hobbes.
O presente aspecto da teoria da justiça se presta a uma investigação acerca
da esfera da igual liberdade na doutrina da justiça exposta por John Rawls,
enfocando esta questão, primordialmente, a partir da análise de seu opus magnum,
que é Uma Teoria da Justiça. O ato de perscrutar a liberdade e sua função para a
fundamentação do sistema rawlsiano como um todo, terá como objetivo central (1)
verificar as bases e justificações adotadas pelo filósofo norte-americano acerca dos
motivos pelos quais a liberdade é prioritária frente a igualdade, (2) em que medida a
liberdade se sobrepõe em face da igualdade (ou melhor dizendo, em que dimensão
e circunstâncias o primeiro princípio de justiça se agiganta frente ao segundo
princípio de justiça), e (3) se de certas determinações da liberdade (como os direitos
provenientes dela ou mesmo o próprio princípio da igual liberdade), Rawls não cairia
em uma espécie de fundamentação última da sua teoria da justiça, levando ao
entendimento de que a liberdade seria o motor absoluto de sua estrutura filosófica, o
que redundaria em graves problemas de justificação, face aos avanços da lógica e
da epistemologia do século passado.
Para tanto, há de se ter claro que o grande corpo crítico do pensamento
filosófico de Rawls não se deteve tanto neste primeiro princípio de justiça –
conforme é denominado o princípio da igual liberdade –, pois “a suposição de que os
direitos civis e políticos devem ter prioridade é amplamente compartilhada em nossa
sociedade” (KYMLICKA, 2006, p. 68). Mesmo sem severas críticas a respeito –
cotejando com o seu segundo princípio de justiça, obviamente –, a análise da
liberdade não pode ser deixada de lado, pois se o seu conceito e sua metodologia
de aplicação não forem bem aclarados, todo o corpo sistemático da teoria da justiça
rawlsiana pode sucumbir, ou dar margem para interpretações equivocadas (a título
exemplificativo, o sentido de uma igual liberdade em Rawls é completamente distinto
da concepção de liberdade atribuído por Nozick, conforme já citado).
Outra questão fulcral para a exposição em questão advém das origens e dos
objetivos do conceito de liberdade adotado por Rawls: em um primeiro momento
30
exsurge como um aprofundamento doutrinário de determinações emanadas por
John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant, filósofos apegados a uma
dogmática liberal (Rawls se diferencia fundamentalmente, entre tantas distinções,
por não julgar a liberdade como um fundamento último da moral e da política); e
como objetivo central, a teoria da justiça rawlsiana visa dar uma resposta na seara
da filosofia política que (1) não represente uma fundamentação última nos moldes
iluministas (já tratados), ao mesmo tempo em que (2) busca se esquivar das
consequências ruins do utilitarismo, que traz consigo o princípio do sacrifício (maior
bem para a coletividade, mesmo que um sujeito saia prejudicado), o que contraria
um sistema de igual liberdade entre os cidadãos, e que era largamente defendido
nos países norte-americanos.
Obviamente que ao se tratar dos mecanismos de justificação que consolidam
a ordem lexical da liberdade frente a igualdade, inerente será a presença de
estruturas e categorias presentes em obras posteriores a Uma Teoria da Justiça,
mesmo que o foco seja nesta última. Questões acerca do consenso sobreposto,
razão pública e equilíbrio reflexivo poderiam ser levantadas para dotar de maior
sustentabilidade a argumentação rawlsiana a respeito deste tema, contudo, pode-se
facilmente explicitar esta temática recorrendo-se a posição original, que em última
análise engloba os mecanismos citados (salienta-se que os mesmos receberão
tratamento adequado em outros capítulos).
Para tratar do segundo aspecto da liberdade, qual a seja, a medida pela qual
esta se mostra para o sistema da teoria da justiça do filósofo em questão, é
necessário verificar sobre qual arcabouço está assentado a mesma, como por
exemplo, quais os direitos que dela decorrem, como os agentes são livres, quais os
deveres decorrentes da liberdade, bem como o que os agentes podem fazer com a
liberdade. No que tange ao terceiro aspecto a ser demonstrado, há de se ter em
conta, a partir de sua intersecção íntima com o ponto que trata a respeito da
limitação da liberdade, se a tentativa de prevalência da liberdade frente a igualdade,
não leva a formação de um sistema, que em última análise, crie um tipo filosófico de
fundamentação última da moral, alicerçada neste princípio e conceito que está
sendo debatido.
Dividindo a análise da liberdade em três grupos, não se deseja criar
categorias estanques, mas tão-somente dividir de forma didática e clara a
conceituação de liberdade, demonstrando qual é a fundamentação exposta por
31
Rawls ao adotar o princípio da igual-liberdade como uma das balizas de sua teoria
da justiça. O autor de uma teoria da justiça mostra explicitamente a igual liberdade
como sendo um princípio de seu sistema de justiça no § 11 de Uma Teoria da
Justiça, embasando-se no melhor modelo kantiano: “A primeira formulação dos dois
princípios é a seguinte: Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema
mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um
sistema similar de liberdades para as outras pessoas” (RAWLS, 2008, p. 73). Há de
se deixar claro que este primeiro princípio de justiça, tal e qual o segundo, se aplica
a estrutura básica da sociedade, objetivando a estabilidade do corpo social. É claro
que este, auxiliado pelo princípio da igualdade equitativa de oportunidades e o
princípio da diferença, acabam, também, por distribuir direitos e deveres para os
cidadãos, tomados em suas particularidades, o que pode ser entendido por uma
estabilidade lato sensu.
Mas uma distinção básica, entre o princípio da igual liberdade e o segundo
princípio de justiça, que se ramifica em duas partes, há de ser feita no âmbito da
aplicabilidade. Ao se falar de liberdade (e dos direitos decorrentes) trata-se de
“aspectos do sistema social que definem e garantem as iguais liberdades
fundamentais” (RAWLS, 2008, p. 74), ao passo que o princípio da igualdade
equitativa de oportunidades e o princípio da diferença se referem a estrutura
destinada a um ajuste no recinto das desigualdades sociais e econômicas. Ou seja,
pode-se expandir tal diferenciação nos seguintes termos: o primeiro princípio toma
conta daquilo que é pertencente a esfera individual, ao passo que o segundo
princípio se destina muito mais ao âmbito da coletividade. Uma ressalva frente a
afirmação realizada deve ser feita: ao se afirmar que a igual liberdade se destina ao
indivíduo visto de forma privada, enquanto a igualdade equitativa de oportunidades e
o princípio da diferença estariam mais voltados para o corpo social, não se quer
limitar de maneira estanque os âmbitos de atuação, haja vista que a igual liberdade
também se destina a uma estabilidade da estrutura básica da sociedade.
Mas haveria possibilidade da igual liberdade se voltar muito mais para garantir
determinados interesses dos indivíduos, vistos de forma privada, mesmo destinada,
de acordo com o sistema rawlsiano, a garantir a estabilidade social (aliada ao
segundo princípio de justiça)? Para elucidar esta questão, há de se trazer à tona os
direitos que emanam do primeiro princípio de justiça, quais sejam:
32
a liberdade política (o direito ao voto e a exercer cargo público) e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de consciência e de pensamento; a liberdade individual, que compreende a proteção contra a opressão psicológica, a agressão e a mutilação (integridade da pessoa); o direito à propriedade pessoal e a proteção contra prisão e detenção arbitrárias, segundo o Estado de Direito” (RAWLS, 2008, p.74).
Assim, ao se exemplificarem os direitos decorrentes do primeiro princípio de justiça,
pode-se vislumbrar que estes se destinam fundamentalmente a garantir uma esfera
de inviolabilidade de direitos básicos para sustentar a estrutura básica de justiça,
direitos estes que se voltam a esfera privada dos cidadãos.
Destarte, Rawls busca fundamentar seu princípio da igual liberdade (e que
nesta exposição está sendo referido como a liberdade em seu mais amplo sentido),
a partir de uma forte garantia a um mínimo razoável de direitos a todos os
indivíduos, que não possa ser transgredido em hipótese alguma por qualquer tipo
decisão que avalie que determinada vantagem social deve prevalecer frente a tais
direitos oriundos da igual liberdade. E isto ocorre devido ao forte embate que o autor
faz contra o utilitarismo, visto que deste, por vezes, se tem o princípio do sacrifício
como que um critério justificador para se obterem maiores benefícios sociais. Nesta
lógica, o objetivo é o maior bem para o maior número de pessoas, mesmo que isto
rompa com uma possível esfera de direitos que os cidadãos vistos em sua
individualidade, teriam, o que contraria o objetivo de Rawls.
Obviamente que não tratar-se-á da doutrina utilitarista e as objeções
demonstradas pelo filósofo norte-americano em questão, contudo, quer-se deixar
claro que ao estabelecer (através do mecanismo da posição original) o princípio da
igual liberdade garantida a todos os cidadãos, Rawls refuta fundamentalmente a
prevalência de vantagens sociais frente aos interesses individuais. Tal
demonstração também pode ser vista no artigo Two Concepts of Rules, escrito pelo
autor de Uma Teoria da justiça em 1955, no qual este já expõe de maneira clara as
consequências nefastas que o princípio do sacrifício e a própria doutrina utilitarista
possuem para gerar uma instabilidade social. É trazido à baila, neste artigo, o
exemplo em que em uma determinada localidade, há um assassino a solta e que já
cometeu diversos homicídios sem que a polícia o tenha identificado; para tanto, para
uma maximização do bem para o maior número de pessoas, deve-se forjar provas
contra algum suspeito (mesmo que este não seja o próprio assassino), condená-lo e
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levá-lo a forca, para que, a partir deste exemplo, outros possíveis assassinos se
sintam intimidados e não venham a praticar mais atos nocivos ao corpo social.
Ora, frente ao exemplo extraído da doutrina utilitarista e demonstrado no
artigo de Rawls em 1955, pode-se concluir que ao permitir que o poder judiciário ou
poder policial forjem provas contra um dado indivíduo suspeito, a fim de servir de
exemplo social para evitar a prática de novos homicídios, os cidadãos viverão em
enorme incerteza institucional, pois nunca saberão quando poderão ser culpados ou
não de algo que não fizeram. Dito de outro modo, o sujeito não possui nenhuma
garantia de direitos básicos que o protejam frente a maximização do bem da
sociedade, o que pode gerar graves injustiças. Desta forma, ao não se preservarem
os direitos básicos e razoáveis de um sujeito, não se garantirá a tão almejada
estabilidade social.
Eis que assim já se pode vislumbrar a prioridade do primeiro princípio de
justiça (liberdade) em face ao segundo princípio de justiça (igualdade e fraternidade,
por assim dizer), na maneira em que para Rawls o utilitarismo, de maneira errônea,
sacrificaria o indivíduo em detrimento da sociedade. Mas como e por que isto não
poderia ser aceito? Para tal resposta poderia se recorrer ao mecanismo da posição
original sob o véu da ignorância: não pareceria ser racional que a parte ao não saber
de sua futura posição social, étnica e econômica, optasse por efetuar um tipo de
decisão aos moldes de um contrato original para a sociedade em que admitisse o
princípio do sacrifício (ou seja, a maximização do bem para o maior número de
cidadãos), pois este poderia recair não sobre outrem, mas sobre si própria.
Ainda sobre o tema da prioridade da liberdade sobre a igualdade, pode-se
indagar: de que tipo de preponderância se está tratando? Ora, Rawls expõe que tal
prioridade se dá de acordo como uma ordem serial (em outras passagens denomina
de ordem léxica), tal e qual a apresentada em um dicionário, por exemplo. Este
ordenamento faz com que para que se obtenha de forma plena o princípio
subseqüente, o anterior há de estar totalmente efetivado. Isto foi expresso por
Rawls, ao tratar genericamente do ordenamento serial, da seguinte maneira:
é uma ordem que nos exige a satisfação do primeiro princípio para que possamos passar ao segundo; do segundo para passar ao terceiro, e assim por diante. Determinado princípio entra em ação depois que os anteriores a ele estejam totalmente satisfeitos ou não se apliquem (RAWLS, 2008, p. 52).
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Para o caso de sua teoria da justiça, o filósofo norte-americano acaba por asseverar
que para a plena efetivação do segundo princípio de justiça, garantindo igualdade e
fraternidade (se é que se pode utilizar tal terminologia), há de se ter uma garantia
mínima de liberdades básicas distribuídas de forma igual.
Outra forma de expor o pensamento acima demonstrado é na maneira de que
a ordem serial, dentro da teoria da justiça de Rawls, garante a sua repulsa ao
utilitarismo: nenhuma vantagem social ou econômica pode sobrepujar ao princípio
da igual liberdade que os cidadãos possuem, exatamente pelas características
apresentadas pelas partes na posição original, e que já foram aclaradas. Na esteira
deste pensamento de aversão a esta parte do utilitarismo (e falo esta parcela, pois
Rawls deseja em seu sistema da teoria da justiça os melhores resultados possíveis
em sociedade, tal e qual a doutrina utilitarista, com a ressalva de um forte resguardo
ao âmbito do indivíduo, o que a caracterizaria, talvez, como uma doutrina utilitarista
mitigada) em confronto com o primeiro princípio de justiça, o filósofo norte-americano
afirma que princípios de bases consequencialistas ou teleológicas “na melhor das
hipóteses concedem bases incertas para a liberdade ou pelo menos para as
liberdades iguais” (RAWLS, 2008, p. 302), o que pode ser facilmente corroborado
pelo exemplo extraído do artigo Two Concepts of Rules.
Assim, ao definir o sistema rawlsiano de ordenação principiológica no formato
serial, tem-se a base metodológica da prioridade do primeiro princípio de justiça em
face ao segundo princípio de justiça, ao passo que ao apresentar a fundamentação
material a respeito dos motivos que o levam a tomar a liberdade como prioritária
sobre a igualdade e fraternidade, pode-se dividir o argumento de Rawls em várias
esferas de atuação.
Uma primeira justificativa pode ser aduzida a respeito de um mecanismo de
justificação, independente e complementar ao da posição original, que é o do
consenso sobreposto, ou mesmo o do equilíbrio reflexivo (este último presente de
forma evidente na própria posição original). Ao se falar em consenso sobreposto e
em equilíbrio reflexivo, Rawls trata enfaticamente de doutrinas morais abrangentes
razoáveis que os sujeitos, no momento de um acordo (lato sensu), carregam consigo
para que fundamentem racionalmente a estrutura básica em sociedade (isto está
posto em linhas gerais, pois não vou me ater a cada um destes mecanismos de
justificação, visto não ser o foco do presente trabalho).
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Ora, ao ser admitido um pluralismo razoável em sociedade (diversas
doutrinas morais abrangentes) e ao não se buscar uma fundamentação última da
moral (ou seja, regras morais que representem a verdade absoluta e assim, venham
a excluir outras regras morais que sejam julgadas falsas, mesmo que sejam
razoáveis), fica evidente que deve ser resguardada a esfera das liberdades básicas
dos cidadãos. Logo, para fundar um pacto (lato sensu) que garanta uma estabilidade
social, há uma dependência implícita da possibilidade de exposição de uma doutrina
moral abrangente razoável, o que traz como corolário, que se opte pela igual
liberdade como prioritária a respeito do segundo princípio de justiça, que se
destinará muito mais ao estabelecimento e correção de desigualdades econômicas e
sociais.
Aclarando ainda mais as afirmações feitas acima, pode-se pensar que
somente se pode admitir o fato do pluralismo razoável na maneira de que este
garanta a estabilidade social, se ocorra uma prioridade da liberdade sobre o
segundo princípio de justiça, pois é a liberdade que garante que as doutrinas morais
abrangentes razoáveis se façam respeitar e dividam o espaço público de forma
harmônica (a liberdade em John Rawls pode figurar como sinônimo de igual
liberdade). Um ponto a ser lembrado é que as liberdades (aqui no sentido dos
direitos decorrentes do princípio da igual liberdade) não se apresentam de forma
absoluta, “já que podem ser limitadas quando se chocam umas com as outras”
(RAWLS, 2008, p. 74), bem como que “a primazia da liberdade significa que a
liberdade só pode ser limitada em nome da própria liberdade” (RAWLS, 2008, p.
302). Ao não se apresentarem como absolutas, e ao poderem ser limitadas em
nome da própria liberdade, as liberdades básicas assumem uma das vestes
fundamentais do sistema rawlsiano: a razoabilidade.
Uma segunda forma de apresentar razões materiais dos motivos que o
levaram a estabelecer a ordem léxica da primazia do primeiro princípio de justiça
pode ser destacada a partir dos resultados provenientes dos dois princípios de
justiça. Estes resultados podem ser entendidos como os direitos que surgem para
que a estrutura básica social possua a estabilidade necessária, visando os melhores
efeitos sociais ao mesmo tempo em que permita com que os indivíduos
desenvolvam seus objetivos e planos de vida de forma razoável. Estes direitos
recebem classificações derivadas a partir do princípio de justiça nos quais estão
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vinculados: do primeiro princípio de justiça advém direitos perfeitos, ao passo que do
segundo princípio de justiça surgem direitos imperfeitos.
Ambos os direitos são construídos a partir dos deveres assumidos em
sociedade, que podem ser entendidos como juízos morais que não são fatos morais,
mas sim convicções de que se deve algo para com a sociedade, ou seja, existem
deveres universais e deveres públicos que devem ser efetivados. Os princípios de
justiça são obtidos porque se assumem determinados valores políticos a partir das
doutrinas morais abrangentes razoáveis (mais uma vez a liberdade vista de forma
velada, justificando em parte a adoção do primeiro princípio de justiça como
preponderante em face ao segundo princípio de justiça), sem as quais a teoria da
justiça de Rawls não poderia sequer existir, pois não se teriam princípios de justiça
na formatação e construção apresentadas.
Retornando-se aos direitos oriundos dos princípios de justiça, pode-se então
dizer que a prioridade do primeiro princípio de justiça sobre o segundo princípio de
justiça se dá pela evidência na qual os direitos perfeitos (oriundos da igual liberdade)
seriam maiores e mais qualificados do que os direitos imperfeitos (frutos do segundo
princípio de justiça), haja vista que o primeiro grupo de direitos gera deveres, ao
passo que o segundo não gera deveres. Assim, dos direitos perfeitos, estabelecendo
fortemente os deveres, se vai aos direitos imperfeitos, ou seja, do primeiro princípio
de justiça se chega ao segundo princípio de justiça. Se fosse ao contrário, haveria
de se ter uma doutrina fundacionalista que explicitasse uma verdade absoluta
justificando tal premissa, o que não ocorre em Rawls.
Adentrando no debate acerca da medida em que a liberdade prepondera
sobre a igualdade, crê-se que tal temática foi abordada ao longo da explanação do
primeiro ponto, contudo, pequenas considerações podem ser trazidas. Não se pode
pensar que a preponderância da liberdade em face ao segundo princípio de justiça
traz como consequência uma aproximação de Rawls ao libertarianismo demonstrado
por Nozick em Anarquia, Estado e Utopia, no qual entende a liberdade tão-somente
como algo que não deva ser preenchida por nenhuma espécie de redistribuição de
bens. Ou seja, Rawls ao pensar em sua ordem serial de prioridades está dizendo
que se deve efetivar o primeiro princípio de justiça para assim se buscar a
concretude do segundo princípio de justiça. Nozick não avança nestes termos, pois
entende que a distribuição de bens é coercitiva e negadora da dignidade da pessoa
humana. Para este, qualquer tentativa de redistribuição seria uma intromissão na
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vida das pessoas, contrárias a sua liberdade (o argumento Wilt Chamberlain de
Nozick trata a respeito do tema).
Outra observação acerca dos limites da preponderância da igual liberdade
sobre o segundo princípio de justiça há de ser feita no sentido de que Rawls, em
Uma teoria da justiça admite que “pode haver a necessidade de se abdicar de parte
dessas liberdades, quando isso for exigido para transformar uma sociedade menos
afortunada em uma sociedade na qual as liberdades fundamentais possam ser
plenamente desfrutadas” (RAWLS, 2008, p. 307). Poder-se-ia aventar uma crítica a
Rawls no sentido de que mesmo em face de sua contínua luta contra o utilitarismo,
em uma simples passagem, ele cairia em contradição sistêmica. Mas esta crítica não
se sustentaria, pois uma pequena supressão de partes destas liberdades
fundamentais teria como alvo a concretização de uma sociedade que
potencializasse o pleno gozo das liberdades fundamentais mais importantes (aliado
ao fato de que tudo isto se dirige a situações sociais extremas), e não o rompimento
destas em prol do maior benefício social.
Outro ponto a ser tratado é o relativo ao qual poderia se pensar que a igual
liberdade com todas as suas derivações de direitos e deveres, representaria a
fundamentação última da moral rawls