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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós-Graduação em Administração - PROPAD
Jogos de poder na revitalização dos centros históricos: o caso do bairro de Jaraguá em Maceió
Lourdes Magalhães Corrêa de Oliveira Andrade
Recife, 2005
3
Jogos de poder na revitalização dos centros históricos: o caso do bairro de Jaraguá em Maceió
Lourdes Magalhães Corrêa de Oliveira Andrade
Orientadora: Dra. Cristina Amélia Pereira de Carvalho Dissertação apresentada como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração, área de concentração em Organizações, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco
Recife, 2005
Andrade, Lourdes Magalhães Corrêa de Oliveira
Jogos de poder na revitalização dos centroshistóricos : o caso do bairro de Jaraguá em Maceió /Lourdes Magalhães Corrêa de Oliveira Andrade. –Recife : O Autor, 2005.
241 folhas : il., fig., quadros.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Administração, 2005.
Inclui bibliografia, apêndices e anexos.
1. Administração – Organizações. 2. Inter-relações organizacionais – Relações de poder – Conflitos versus cooperação. 3. Desenvolvimento local – Revitalização de centros históricos – Bairro de Jaraguá , Maceió (AL). I. Título.
658 CDU (2.ed.) UFPE 658 CDD (22.ed.) BC2005-486
Agradecimentos
Aos meus pais, Roberto e Cecília Aos meus irmãos, Roberto e Renata Aos membros do Observatório da Realidade Organizacional À professora e orientadora Cristina Carvalho Aos entrevistados e organizações que participaram desta pesquisa À cidade de Maceió e seus conterrâneos Aos colegas de turma, professores e funcionários do mestrado em administração da UFPE Às amigas, Flávia e Carla Ao Grupo Viramundo
A Lourdes Magalhães (in memorian), eu dedico as páginas que se seguem...
“A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. [...] Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras” (CALVINO, 1990, p.14-15).
Resumo
Esta dissertação analisa os arranjos de poder, os conflitos e alianças entre os atores
organizacionais envolvidos na revitalização do bairro histórico de Jaraguá, em Maceió capital
de Alagoas. Seu propósito é discutir sobre a contribuição das inter-relações organizacionais
para a promoção do desenvolvimento local. Confere-se à pesquisa um caráter interdisciplinar,
no qual o espaço urbano é observado, simultaneamente, por teorias organizacionais e de
desenvolvimento. Metodologicamente, optou-se por uma abordagem qualitativa de análise de
dados, a partir da realização de 25 entrevistas, aliadas ao levantamento bibliográfico e
documental. O estudo tem perspectiva longitudinal com cortes transversais, imprimindo a
revitalização de Jaraguá em três momentos, respectivamente: a fase de planejamento da
intervenção urbana, a etapa de concretização das obras de reestruturação e, por fim, o efetivo
funcionamento dos novos usos almejados para o espaço. Em cada um desses momentos, são
mapeados os atores organizacionais relevantes, seus objetivos e suas bases de poder com fins
de desvelar a configuração das inter-relações organizacionais. Paralelamente, analisa-se a
estratégia de desenvolvimento traçada para o bairro, comparando-a às variáveis orientadoras
de duas vertentes da literatura de desenvolvimento local: a social e a competitiva. Os
resultados, analisados sob uma abordagem assimétrica de poder, sugerem que as inter-
relações organizacionais são predominantemente conflituosas e os arranjos de poder não-
cooperativos. A revitalização do bairro apresentou ampla sintonia com uma estratégia de
desenvolvimento local empresarialista urbana (competitiva). Conclui-se que, em função da
divergência dos objetivos operativos dos atores, as inter-relações organizacionais no processo
de revitalização de Jaraguá, desde o planejamento até a implementação, não favorecem o
desenvolvimento local sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento local. Revitalização de centros históricos. Poder (conflito
versus cooperação) e inter-relações organizacionais.
Abstract
This dissertation analyzes the arrangements of power, the conflicts and the alliances among
the organizational actors involved in the revitalization of the historic Jaraguá neighborhood in
Maceió, the capital of Alagoas (Brazilian State). Its purpose is to discuss the contribution of
organizational inter-relations for the promotion of local development. This research has an
interdisciplinary character, where the urban space is observed, simultaneously, through
organizational and development theories. Methodologically, the option was made for a
qualitative approach analysis of data, from the achievement of 25 (twenty-five) interviews,
allied with bibliographical and documental surveys. The study has a longitudinal perspective
with transversal cuts, bringing the revitalization of Jaraguá in three moments, respectively: the
planning of the urban intervention phase, the conclusion of the restructuring works phase and,
for last, the effective longed for uses of the spaces. In each one of these moments, the relevant
organizational actors are mapped, their objectives and their bases of power with conclusions
to uncover the configuration of the organizational inter-relations. Parallel to this, the strategy
for the outline development of the neighborhood was analyzed, comparing it to orientating
variables from both sides of the local development literature: the social one and the
competitive one. The results, analyzed under an asymmetrical approach of power,
suggest that the organizational inter-relations are predominantly conflictive and the
arrangements of power are non-cooperatives. The revitalization of the neighborhood
presented large tuning with an entrepreneurialism (competitive) strategy of local
development. It is concluded that, in function of the divergence towards the actors’ operative
objectives, the organizational inter-relations in the process of revitalization of Jaraguá, since
it’s planning until implementing, do not favor the sustainable local development.
Key-words: Local development. Revitalization of historic centers. Power (conflict versus
cooperation) and organizational inter-relations.
Lista de figuras
Figura 01 (2) - Inter-relações organizacionais diáticas ............................................................... 065 Figura 02 (2) - Inter-relações tipo conjunto organizacional ........................................................ 066 Figura 03 (2) - Inter-relações tipo rede ........................................................................................ 066 Figura 04 (4) - Atores menos beneficiados com a revitalização de Jaraguá ............................... 146 Figura 05 (4) - Atores mais beneficiados com a revitalização de Jaraguá .................................. 146 Figura 06 (4) - Inter-relações organizacionais no planejamento da revitalização ....................... 189 Figura 07 (4) - Inter-relações organizacionais na implementação das obras revitalizadoras ...... 196 Figura 08 (4) - Inter-relações organizacionais no funcionamento de novos usos/atividades ...... 202 Figura 09 (4) - Investimentos do município de Maceió pelo PRODETUR/NE .......................... 212
Lista de quadros
Quadro 01 (2) - Desenvolvimento local: social versus competitivo ........................................... 038 Quadro 02 (2) - Resumo comparativo entre as tipologias de poder ............................................ 058 Quadro 03 (3) - Descrição do tratamento dos dados e operacionalização da pesquisa ............... 082 Quadro 04 (4) - Dinâmica de apresentação e análise de dados ................................................... 085 Quadro 05 (4) - Resumo dos programas do plano de desenvolvimento de Jaraguá .................... 107 Quadro 06 (4) - Incentivos ficais ofertados pelo poder público .................................................. 119 Quadro 07 (4) - Principais reivindicações dos empresários de Jaraguá ...................................... 137 Quadro 08 (4) - Avaliação dos programas do plano de desenvolvimento de Jaraguá ................. 165 Quadro 09 (4) - Atores envolvidos na revitalização de Jaraguá .................................................. 169 Quadro 10 (4) - Aspectos intraorganizacionais, objetivos oficiais e operativos dos atores ........ 174 Quadro 11 (4) - Critérios de preservação de sobrados históricos ................................................ 193 Quadro 12 (4) - Inter-relações organizacionais de poder na revitalização de Jaraguá ................ 203 Quadro 13 (4) - Intensidade das variáveis de desenvolvimento local nas fases de planejamento e de implementação da revitalização de Jaraguá ......................................................................... 204
Siglas e abreviaturas
ACM – Associação Comercial de Maceió AMAPAZ – Associação dos Moradores e Amigos da Av. da Paz APA – Arquivo Público de Alagoas BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNB – Banco do Nordeste do Brasil CASAL - Companhia de Água e Saneamento de Alagoas CEAL – Companhia de Eletricidade de Alagoas CEECP - Conselho Estadual de Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico de Alagoas COBEL - Companhia Beneficiadora de Lixo COMURB - Companhia Municipal de Obras e Urbanização DETRAN – Departamento de Trânsito DPJ – Departamento de Parques e Jardim da Prefeitura ENTURMA – Empresa Municipal de Turismo de Maceió (Antiga SETURMA) ETJ – Escritório Técnico de Jaraguá IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IHGA – Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas IMA – Instituto do Meio-Ambiente de Alagoas ÍMPAR – Instituto Municipal de Planejamento e Ação Regional (Antiga SEMPLA) IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano ISS – Imposto Sob Serviço MISA – Museu de Imagem e Som PIB –Produto Interno Bruto PNB – Produto Nacional Bruto PRODETUR/NE - Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste PSB – Partido Socialista Brasileiro SEMMA - Secretaria Municipal do Meio Ambiente SEMPLA – Secretaria de Planejamento de Maceió SETURMA – Secretaria de Turismo de Maceió SIMA - Superintendência Municipal de Energia e Iluminação Pública de Maceió SMAS – Secretaria Municipal de Ação Social SMC – Secretaria Municipal de Cultura SMCU - Secretaria Municipal de Controle Urbano SMDU – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano SME – Secretaria Municipal de Educação SMF – Secretaria Municipal da Fazenda SMS – Secretaria Municipal de Saúde SMTU – Secretaria Municipal de Transportes Urbanos SPA - Setor de Preservação Ambiental SPHAN - Secretaria do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural SPR - Setor de Preservação Rigorosa SSP – Secretaria de Segurança Pública TELASA - Telecomunicações de Alagoas S/A UEM – Unidade Executora Municipal ZEP - Zona Especial de Preservação
Sumário
1 Introdução ................................................................................................................................. 015 1.1 Objetivo geral ........................................................................................................................ 022 1.2 Objetivos específicos ............................................................................................................. 022 1.3 Justificativa teórica e prática ................................................................................................. 023 2 Abordagem Teórica .................................................................................................................. 026 2.1 Centros históricos revitalizados: uma retrospectiva .............................................................. 026 2.1.1 As transformações do papel do Estado ............................................................................... 027 2.1.2 Desenvolvimento local: o novo paradigma ........................................................................ 030 2.1.3 O império dos centros históricos revitalizados ................................................................... 038 2.2 As múltiplas facetas do poder ................................................................................................ 044 2.2.1 A perspectiva simétrica de poder ........................................................................................ 047 2.2.2 A perspectiva assimétrica de poder .................................................................................... 049 2.2.3 O poder no escopo da teoria organizacional ....................................................................... 052 2.2.4 Poder: suas fontes e bases ................................................................................................... 059 2.2.5 Poder nas inter-relações organizacionais ............................................................................ 064 3 Procedimentos Metodológicos ................................................................................................. 073 3.1 Perguntas norteadoras do modelo metodológico ................................................................... 073 3.2 Definição constitutiva e operacional de termos e variáveis .................................................. 074 3.3 Delineamento da pesquisa: caracterização do estudo ............................................................ 076 3.4 Delimitação da pesquisa: população e amostra ..................................................................... 077 3.5 Instrumentos e técnicas de coleta de dados ........................................................................... 079 3.6 Instrumentos e técnicas de análise de dados .......................................................................... 081 3.7 Limitações da pesquisa .......................................................................................................... 083 4 Apresentação e análise de dados .............................................................................................. 085 4.1 A enseada das canoas: ontem e hoje ...................................................................................... 086 4.1.1 Aspectos geográficos, sociais e econômicos de Jaraguá .................................................... 086 4.1.2 Jaraguá de outrora: maresia, boemia e melaço ................................................................... 090 4.1.3 A revitalização do velho (ou novo?) Jaraguá ..................................................................... 100 4.1.3.1 Momento 1 - O planejamento: luta pelos recursos e elaboração do roteiro .................... 101 4.1.3.2 Momento 2 - Os bastidores: construção do cenário e articulação com atores ................. 116 4.1.3.3 Momento 3 - O espetáculo: tempos de glória versus ocaso ............................................ 133 4.2 Desvelando as cortinas da revitalização de Jaraguá .............................................................. 168 4.2.1 Mapeando os atores e seus objetivos oficiais e operativos ................................................. 168 4.2.2 Delineamento das inter-relações organizacionais ............................................................... 184 4.2.3 Desenvolvimento local: social ou competitivo? ................................................................. 204 5 Conclusões e considerações finais ............................................................................................ 219 5.1 Revitalização de Jaraguá: um espetáculo do poder ............................................................... 219 5.2 Poder, Interorganizações e desenvolvimento local ................................................................ 227 5.3 Sugestões para pesquisas futuras ........................................................................................... 231 Referências .................................................................................................................................. 233 ANEXO A - Investimentos do poder público em Jaraguá ANEXO B - Organograma da UEM (configuração em 2004) ANEXO C - Modelo de habitação projetado para a favela de Jaraguá ANEXO D - Indicadores de criminalidade no Brasil ANEXO E - Indicadores turísticos da cidade de Maceió ANEXO F - Controle dos usos/atividades em Jaraguá APÊNDICE A - Plano de coleta de dados e cronograma de execução de atividades
APÊNDICE B - Fotos antigas e contemporâneas de Jaraguá APÊNDICE C - Noções de estatística descritiva (resumo básico) APÊNDICE D - Quadro síntese dos fatos históricos de Jaraguá APÊNDICE E - Lista de estabelecimentos de turismo, lazer e cultura em Jaraguá APÊNDICE F – Mapas da região em estudo
15
1 Introdução
Becos, esquinas, ruas, avenidas; praças, prédios, monumentos; rumores de vozes,
passos e carros; símbolos elaborados nos espaços urbanos. Palco do luxo e da miséria, locus
da cidadania e da marginalidade, a cidade é plural em manifestações e realizações, singular
em sua história e identidade (FISCHER, 1997). Dão tom a essa pluralidade e singularidade
debates que perpassam setores diversos da sociedade, trazendo à tona temas como a
intervenção em centros históricos urbanos*.
A gestão do patrimônio cultural, na qual se insere a intervenção nesses centros, é uma
vertente própria da ação desenvolvida pelo poder público e se fundamenta na instituição da
memória social e da identidade coletiva, bem como na transmissão desses bens, enquanto
manifestações culturais e símbolos da nação, para gerações futuras. Este pelo menos é o
discurso que costuma justificar o desenvolvimento de políticas públicas de preservação.
A prática contemporânea de intervenção nos centros históricos, entretanto, tem sido
caracterizada não apenas pela participação do setor público como também de outros atores,
nomeadamente a iniciativa privada. Além disso (ou talvez por isso), essas intervenções não se
limitam à preservação do patrimônio arquitetônico através da recuperação dos velhos
sobrados presentes na área, elas englobam, conjuntamente, o estabelecimento de atividades
comerciais em geral voltadas para o lazer e a cultura.
Esse novo panorama que envolve o processo de intervenção em centros históricos se
fortaleceu sob a idéia de promoção, via turismo, do desenvolvimento local sustentável,
entendido como:
*Por centros históricos, compreende-se o segmento de um acervo maior, intitulado Patrimônio Cultural, correspondente a áreas antigas com edificações e construções de grande qualidade arquitetônica representativas de gerações passadas. (LEMOS, 1987).
16
[...] um novo modo de promover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades mais sustentáveis, capazes de: suprir suas necessidades imediatas; descobrir ou despertar suas vocações locais e desenvolver suas potencialidades específicas; e fomentar o intercâmbio externo aproveitando-se de suas vantagens locais (BRASIL, 1998, p.6).
Da convergência entre esse paradigma de desenvolvimento emergente e as
intervenções preservacionistas urbanas resultaram, em várias partes do globo, estratégias de
revitalização de centros históricos, que, como o próprio nome sugere, significa dar nova
vitalidade a espaços urbanos antigos, freqüentemente degradados pelo descuido e abandono.
Não por acaso, esse cenário vem à tona num momento em que mudanças no papel do Estado
contribuem com um forte protagonismo das cidades na vida econômica, política e social.
Com a crise do Welfare State (Estado do bem estar social), assiste-se à ascensão da
idéia de redução da atuação do Estado a partir da participação da iniciativa privada em
serviços outrora executados pelo poder público. O efeito mais penetrante desta retórica foi a
“[...] massiva implementação de políticas públicas orientadas por princípios de mercado”
(REZENDE, 1996, p. 196), em que a eficiência, a eficácia, a administração por objetivos, a
competição e a descentralização tornam-se elementos centrais.
Paralelamente, processos associados à globalização e ajustes econômicos realizados
em inúmeros países, por injunções de organismos multilaterais, sinalizam a relevância do
subnacional e local ante o nacional e transnacional (FISCHER, 2002, p.12). Eis que os
municípios ganham maior autonomia e se tornam agentes ativos do processo de
desenvolvimento.
Essa descentralização do Estado, segundo Harvey (1998), vem acompanhada de uma
competição inter-regional ou interurbana que se pauta na idéia de melhorar a posição da
cidade na divisão internacional do consumo. Em aliança com a iniciativa privada, os governos
locais passam a formular estratégias de desenvolvimento através da construção de ambientes
urbanos repletos de opções turístico-culturais num fenômeno denominado de empresarialismo
17
urbano (HARVEY, 1998; 1996). De acordo com o autor, o intuito é dotar a cidade de apelo
inovador e criativo de modo a vendê-la como um lugar para consumo cultural.
Desenhava-se, assim, o cenário promissor para que as áreas urbanas antigas de grande
qualidade arquitetônica entrassem no campo de visibilidade das políticas locais de
desenvolvimento. Um vocabulário repleto de revalorizações e recuperações invade a cena
urbana e as cidades, mimetizando umas às outras, lançam seus planos de desenvolvimento
calcados na construção dos então intitulados centros históricos revitalizados.
Iniciado nos países centrais, o processo de revitalização de centros históricos foi
rapidamente disseminado na América Latina com apoio explícito do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento). Inúmeras foram as experiências nacionais de
intervenção. Só na região nordeste, destaca-se, entre outros, o Projeto Reviver em São Luiz, o
Pelourinho em Salvador, o Bairro do Recife na cidade de mesmo nome e Jaraguá em Maceió.
Este último é o objeto de pesquisa do presente trabalho.
É intensa a polêmica circunscrita ao processo de revitalização de centros históricos,
entre os quais o de Jaraguá. Das diversas vozes que versam sobre o assunto, duas (não
necessariamente dicotômicas) emergem com maior força: as que veiculam o desenvolvimento
sustentável local promovido pela intervenção nestes espaços, via parceria setor público-
empresariado, e as que questionam a relação direta entre centros históricos revitalizados e
esse desenvolvimento.
De acordo com as primeiras vozes, as transformações ocorridas nesses centros deram
nova vitalidade aos mesmos, reforçando a identidade coletiva através da recuperação do
patrimônio arquitetônico de grande valor histórico para as cidades e de suma importância
diante da homogeneização do mundo globalizado. Os expoentes desta vertente costumam
destacar que projetos vinculados ao setor turístico-cultural se consubstanciam como fator de
desenvolvimento sustentável local, posto que viabilizam uma série de benefícios e efeitos
18
multiplicadores como a geração de novos empregos diretos e indiretos, distribuição de renda,
valorização das potencialidades locais, melhoria da qualidade de vida e inclusão social nos
núcleos receptores.
Em contrapartida, as segundas vozes alegam que, longe da promoção do
desenvolvimento local, estas áreas sofreram um processo “gentrificação”, ou seja, exclusão
social decorrente do enobrecimento de espaços anteriormente populares. Para estes, a cultura
torna-se apenas um captador de investimentos, uma mercadoria em torno da qual se formula
(leia-se: importa) um consenso sobre o que deve ser a cidade, financiada pelo capital privado
e internacional (COM CIÊNCIA, 2002). Apoiando-se nestes argumentos, a presente pesquisa
analisa, sob uma perspectiva organizacional, o caso Jaraguá. O intuito é aprofundar o debate
em torno das estratégias de desenvolvimento local associadas à revitalização de centros
históricos, freqüentemente estimuladas na mídia, nos meios acadêmicos e governamentais
como uma alternativa a crises e descaminhos do sistema.
Na contemporânea sociedade das organizações, é indubitável que cabe às corporações
responsabilidade substancial em tais crises e descaminhos (SERVA, 1997), uma vez que os
interesses desses microcosmos organizadores da vida humana são legitimados como
preponderantes e a sobrevivência dos mesmos chega a se sobrepor à dos indivíduos. Com
efeito, nada mais sensato do que chamar a teoria organizacional a dar sua parcela de
contribuição na compreensão desse paradigma de desenvolvimento emergente.
Inserindo a temática no escopo organizacional, Fischer (2002) afirma que esse modelo
de desenvolvimento é mobilizado por um conjunto de organizações que trabalham juntas ou
pelo que denomina de interorganizações, cuja característica mais relevante é a hibridização e
a complexidade. Não há homogeneidade nas interorganizações, senão que uma interação
dinâmica entre componentes de diferentes papéis, níveis de responsabilidade e bases de poder.
Ainda que se descarte uma visão monolítica das interorganizações, a integração e a conexão
19
das relações entre os atores organizacionais são destacadas no conceito. “As interorganizações
são constituídas por organizações diferenciadas, conectadas por propósitos comuns, isto é,
integradas” (FISCHER, 2002, p.19, grifos da autora).
A influência das inter-relações organizacionais na questão do desenvolvimento local é
também o foco de análise deste trabalho. Admite-se, entretanto, que um corpo teórico cuja
ênfase se deposita no critério funcional de agregação entre os atores (como a perspectiva das
interorganizações) não capta, em essência, a complexidade das relações que se dão no seio do
processo de revitalização de centros históricos. Com efeito, julgou-se adequado investigar as
inter-relações organizacionais na reestruturação urbana de Jaraguá, confrontando abordagens
de poder que destacam a harmonia entre os atores (e, portanto, mais compatíveis à perspectiva
interorganizacional) com as perspectivas que realçam os conflitos reais e potenciais nas
relações de poder.
A literatura especializada no que tange à questão do desenvolvimento local defende,
no seu bojo, que esse paradigma de desenvolvimento emergente exige a combinação de
esforços governamentais e não governamentais, públicos e privados. A articulação entre o
setor público, a iniciativa privada e a sociedade civil é um elemento central para sua efetiva
consubstanciação. Os três elementos deste triângulo deveriam atuar em sinergia, formando
interorganizações e conjugando recursos de poder a fim de produzir algo de realmente novo
em termos de desenvolvimento (HOLANDA; VIEIRA, 2003).
Segundo Oliveira (2001, p.12), entretanto, o desenvolvimento local que se pretende
alcançado na revitalização de centros históricos substitui na prática a cidadania. Em tais
intervenções, esse paradigma de desenvolvimento emergente tende a virar as costas para a
complexidade da realidade por meio do apaziguamento do conflito, tornando-se sinônimo de
cooperação, de completa convergência de interesses, de harmonia e de paz social. O
20
desenvolvimento local é apresentado como um emplastro*, capaz de curar as mazelas de uma
sociedade pervertida, colocando-se no lugar bucólicas e harmônicas comunidades.
Nas palavras do autor, o fenômeno de revitalização de centros históricos tem
fortalecido um processo de diferenciação social:
[...] pobres, mendigos, prostitutas, bares de má fama com seus rufiões, botecos sujos e tristes, pensões baratas [são] substituídos por maquiagens do que se considera, então, “os velhos bons tempos”. Esvazia-se a história de quem viveu lá; em lugar da memória, o esquecimento. Trata-se de operações de elevação de renda da terra urbana, vale dizer, de uma acumulação primitiva pela via do investimento público. Outra vez, privatizou-se o público, mas não se publicizou o privado: sobe a renda da terra e a parcela dos novos proprietários no excedente social, e decresce a parcela de todos os “sem”. Nenhum critério que publicize o lucro, no sentido de introduzir nele o conflito. A justificativa está sempre à mão: novos empregos, aumento da renda, da segurança, da convivilialidade. Entre iguais. E distância dos desiguais (OLIVEIRA, 2001, p.24).
O relato acima retrata uma realidade incomensuravelmente oposta ao que ostentam as
estratégias de desenvolvimento local calcadas na revitalização de centros históricos. Tal
lacuna compõe atualmente a não pequena lista de problemas freqüentemente apontados,
estudados e debatidos nos seminários internacionais de desenvolvimento sustentável e
encontros das cidades patrimônio mundial das Américas*. Parece simplória e inócua, portanto,
qualquer explicação em torno da temática, quando se desconsidera o cerne da questão: os
jogos de poder, os interesses díspares e as coalizões entre os atores envolvidos na
revitalização de antigos espaços urbanos.
É diante do delineamento deste quadro, que se evidencia a latente necessidade de
investigar as transformações ocorridas na revitalização de centros históricos a partir de um
corpo teórico cujo núcleo conceitual perceba os conflitos e arranjos de poder, estabelecidos
entre os atores organizacionais envolvidos neste processo. Tal abordagem permite
* Do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis (capítulo II, "O emplastro"). No referido livro, Brás Cubas (defunto autor) relata, ironicamente, que morre devido a uma pneumonia adquirida quando preparava e apurava uma invenção milagrosa, um medicamento sublime (o emplastro) destinado a aliviar “nossa melancólica humanidade”, capaz de curar todos os males e de trazer-lhe a notoriedade e a fortuna.
21
compreender como e por que os atores se relacionam, a influência que exercem uns sobre os
outros, bem como os reais interesses que subjazem seus objetivos oficiais (metas
publicamente assumidas).
A convergência de objetivos e interesses do tripé setor público, iniciativa privada e
sociedade civil é o pilar sob o qual se sustentam os discursos, pautados numa perspectiva
simétrica de poder, que buscam atestar a ampla sintonia entre a revitalização de centros
históricos e o desenvolvimento sustentável local. Para a perspectiva assimétrica, este é um
pilar de vidro, frágil, à medida que coloca à distância o conflito entre os atores
organizacionais envolvidos.
O presente trabalho investiga a efetiva contribuição da configuração das inter-relações
organizacionais no caso Jaraguá para a promoção do desenvolvimento local sustentável,
abarcando desde a fase de planejamento desta intervenção urbana até sua implementação. A
hipótese central do estudo é que a divergência entre os objetivos operativos (fins realmente
visados) dos atores implica em relações predominantemente conflituosas e que os arranjos de
poder entre os mesmos pressupõem transformação de suas ações, uma vez que necessitam
fazer concessões entre si a fim de que se tornem parceiros. Adota-se como premissa, portanto,
que, em função dos jogos de poder e de interesses, as inter-relações organizacionais no âmbito
da revitalização de Jaraguá, analisadas sob uma abordagem assimétrica, não favorecem o
desenvolvimento sustentável local.
Considerando as questões levantadas, o presente estudo se propõe a investigar o
seguinte problema de pesquisa:
*A exemplo do Relatório do 1o Encontro de Cidades Patrimônio Mundial das Américas e do 2O Seminário Internacional de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (SOUZA, 2003).
22
Como os jogos de poder e a divergência de interesses nas
inter-relações organizacionais afetam a relação entre a revitalização de Jaraguá e o
desenvolvimento local sustentável?
Responder à pergunta central deste trabalho sugere seu desdobramento em objetivos
geral e específicos, os quais encontram-se descritos a seguir.
1.1 Objetivo geral
Investigar de que maneira os jogos de poder e a divergência de interesses nas
inter-relações organizacionais afetam a relação entre a revitalização de Jaraguá e o
desenvolvimento local sustentável.
1.2 Objetivos específicos
• Identificar os atores organizacionais do centro histórico Jaraguá;
• Identificar os objetivos (oficiais e operativos) desses atores;
• Caracterizar as relações e arranjos de poder entre esses atores, tais como: alianças e
conflitos;
• Identificar as bases e fontes de poder dos atores nestas relações;
• Comparar a estratégia de desenvolvimento formulada e aprovada para Jaraguá (e sua
aplicação real) às variáveis orientadoras do desenvolvimento sustentável local;
• Caracterizar a relação entre a revitalização de Jaraguá e o desenvolvimento sustentável
local a partir da configuração das inter-relações dos atores organizacionais envolvidos.
23
1.3 Justificativa teórica e prática
A relevância da presente pesquisa reside primeiramente na exploração da perspectiva
das organizações como um fenômeno relevante da contemporaneidade, que absorve a
sociedade à medida que converte a política, a família, as classes sociais, a economia em
variáveis dependentes (PERROW, 1991). A própria compreensão da sociedade é
condicionada pela compreensão das organizações, devido ao poder que estas exercem sobre
àquela (VAREJÃO et al, 2003).
Na sociedade organizacional do século XXI, as relações entre as organizações
despontam intensas, crescentes e complexas. Como corolário, estudos embasados na
perspectiva das inter-relações organizacionais são úteis para a investigação de fenômenos
macrossociológicos. Segundo Turk (1970 apud Hall, 1984, p.171), “[...] as provas
concernentes ao caráter proveitoso dessa abordagem são suficientes para levantar a questão:
será que a organização não é a unidade adequada para a análise dos sistemas sociais
modernos?”.
Ao focar a análise na questão das inter-relações organizacionais, a presente pesquisa
contribui para ampliar as dimensões dos estudos organizacionais a partir de uma interpretação
dos espaços urbanos enquanto emaranhados de organizações que perfilham uma
multiplicidade de lógicas e bases de poder e, indiscutivelmente, estabelecem relações entre si,
modificando e influenciando umas às outras e também a sociedade.
Trabalhos recentes revelam como os espaços urbanos são alvos de múltiplos olhares
que podem se cruzar nas rotas transdisciplinares dos estudos organizacionais e dos estudos
urbanos, a exemplo de Fischer (1997), Mc Allister (2002), Carvalho e Fischer (2003) entre
outros, cujas investigações exibem por pano de fundo a metáfora da cidade enquanto
24
organização complexa, enquanto megaorganização ou organização virtual*, composta por
múltiplas unidades organizativas (FISCHER, 2002, p.15).
A pesquisa se concentra também na aplicação da abordagem de poder nas inter-
relações organizacionais, o que contribui para ampliar seu escopo, aprofundar seus
fundamentos conceituais e fortalecer sua capacidade explicativa. Muito embora exista uma
vasta literatura nacional e internacionalmente sobre a temática (MONTE, 2003; MONTE,
2004), a questão do poder, que possui centralidade na análise organizacional, não tem sido
utilizada na compreensão das relações entre atores organizacionais envolvidos nas de
revitalizações de centros históricos.
Muitas investigações realizadas por acadêmicos e consultores que versam sobre o
processo de revitalização de centros históricos se concentram em aspectos pragmáticos a
partir de uma perspectiva funcionalista. A participação e engajamento entre o setor público, a
iniciativa privada e a sociedade civil bem como o incentivo a parcerias ativas que articulem os
três elementos desse triângulo através de uma gestão integrada de políticas públicas são
elementos tomados por certos em tais investigações.
É flagrante a ausência de uma dimensão política, ou seja, da compreensão desses
centros históricos como um palco de disputas, um complexo jogo de poder entre atores
organizacionais portadores de diferentes capitais econômicos e simbólicos que se encontram
distribuídos de forma desigual na estrutura da sociedade (BOURDIEU, 2000), configurando,
assim, descompassos, distinções e desigualdades sociais. Desigualdades essas que se refletem
e se atualizam dialeticamente nesses espaços.
Na contemporânea sociedade das organizações, os indivíduos e grupos que exercem
papel de influência nesses microcosmos organizadores da vida humana, podem usá-los (e
* Ao tratar a cidade como megaorganização ou organização virtual, Fischer (1997) faz uma alusão à relevância do papel das organizações na sociedade contemporânea e da teoria organizacional na compreensão dos estudos urbanos. Trata-se de uma linguagem metafórica, que não desconsidera a cidade enquanto produto social provido de infra-estrutura, patrimônio, etc.
25
freqüentemente o fazem) de modo a afetar políticas públicas, visando à obtenção de
privilégios, tais como a manutenção e ou expansão de seu poder (PERROW, 1986). Com
efeito, justifica-se a presente pesquisa, em termos de sua originalidade (MONTE, 2004), por
abordar as relações entre os atores organizacionais envolvidos nas estratégias de revitalização
de centros históricos urbanos depositando ênfase não sob um enfoque harmônico, senão que
numa abordagem assimétrica de poder.
O trabalho discute ainda a apropriação do patrimônio cultural pelo mercado e pela
atividade turística. Apropriação esta que tende a gerar um mecanismo de homogeneização
asfixiante para as manifestações culturais tradicionais e que faz do espaço urbano, ou melhor,
da cidade-empresa-cultural, o locus em que eventos e atividades do mercado cultural
atualizam-se e alteram-se como espetáculo (COM CIÊNCIA, 2002). Há pouco, Yázigi (1995)
alertava para a carência de estudos que retratem as perdas irreparáveis ao patrimônio cultural
em prol das possíveis divisas oriundas dessa atividade. Hoje, alguns esforços têm sido
despendidos no intuito de minorar tal carência. Esta pesquisa soma-se a esses esforços
(MONTE, 2004), procurando desvelar os reversos aparentemente camuflados nas estratégias
de revitalização de centros históricos.
No mais, a pesquisa permite acirrar o debate em torno da relação direta entre
estratégias de revitalização e o desenvolvimento sustentável local, chamando os estudos
organizacionais a dar sua parcela de contribuição na compreensão desse novo paradigma
emergente, que se propõe a alcançar “[...] padrões de desenvolvimento economicamente
viáveis, socialmente justos e sustentáveis em termos ambientais” (GOULART; VIEIRA,
2003, p. 116). O intuito precípuo é contribuir com políticas de patrimônio e de
desenvolvimento que sejam efetivamente políticas públicas.
26
2 Abordagem teórica
A preocupação central deste capítulo é contemplar um suporte teórico capaz de
fundamentar a proposta do presente trabalho: vislumbrar os jogos de poder que permeiam as
relações entre os atores organizacionais envolvidos no processo de revitalização do centro
histórico Jaraguá. Com efeito, o edifício teórico sobre o qual repousa esta dissertação
debruça-se em duas abordagens, respectivamente, a emergência dos centros históricos
revitalizados e as múltiplas facetas do poder.
2.1 Centros históricos revitalizados: uma retrospectiva
Ao contrário de muitas produções culturais com demandas da sociedade mais
definidas, tais como o cinema, a música e a literatura, as demandas em relação às políticas de
preservação do patrimônio são difusas e diminutas. Esse fato exibe ressonância ainda mais
forte quando visualizado na cena brasileira. No país das belezas tropicais, do futebol e do
samba, o patrimônio arquitetônico parece funcionar “[...] mais como símbolos abstratos e
distantes da nação do que como marcos efetivos de uma identidade nacional com que a
maioria da população se identifique” (FONSECA, 1997, p.17).
Nas últimas décadas, entretanto, assistiu-se à ascensão dessa temática, evidenciada por
uma prática que vem imperando nas grandes cidades do Brasil e de muitos países do globo: a
revitalização de centros históricos. Campanhas publicitárias exaltando o orgulho cívico e a
identidade do lugar tomam conta da mídia, dando início a uma série de intervenções em
antigos espaços urbanos, cujas edificações retratam a história e a cultura regional.
27
Não por coincidência, esse movimento emerge sob um cenário de mudanças no papel
do Estado, de empresarialismo urbano e de identificação do turismo como vetor de
desenvolvimento local e sustentável. Mas no que consiste tal cenário? Quais as
transformações do papel do Estado? O que caracteriza a sustentabilidade e a revalorização da
esfera local? E como fica a questão urbana no meio de tudo isso? As linhas abaixo procuram
responder a essas perguntas, essenciais para a compreensão do fenômeno de revitalização de
centros históricos.
2.1.1 As transformações no papel do Estado
As discussões acadêmicas e não acadêmicas, nas últimas décadas, foram férteis em
relação às transformações do papel do Estado na sociedade (REZENDE, 2002), tendo esse
assunto ocupado o centro da cena no que tange aos debates que versam sobre a questão do
desenvolvimento (SACHS, 1999).
O problema da relação entre o Estado e a sociedade, para a sociologia e a ciência
política, remonta ao momento histórico do surgimento do Estado moderno. Nas formas pré-
capitalistas de produção, quando o mercado não se configurava como o mecanismo
institucional básico de coordenação econômica e de apropriação do excedente, não havia
distinção entre a esfera pública e a privada e, conseqüentemente, o problema da afirmação do
Estado perante a sociedade e, inversamente, desta sobre o Estado, não se colocava
(PEREIRA, 1999).
Numa perspectiva mais recente, a definição do papel do Estado na sociedade pode ser
retratada através da taxonomia de H. J. Change (SACHS, 1999), a qual sugere que, a partir da
segunda guerra mundial, três estágios abarcam as transformações na forma de atuação da
esfera estatal: a) a era da regulação (1945-1970); b) o período de transição (1970-1980) e a
era da desregulação (1980-2000).
28
O primeiro estágio é marcado pelo aumento dos gastos governamentais e regime de
acumulação fordista-keynesiano, cujo apogeu data da década de sessenta. Entre as
características basilares deste regime, destaca-se a existência de um Estado forte, regulador e
interventor, que, ao lado do sistema de produção em massa, procurava garantir o pleno
emprego via políticas tri-partites envolvendo o poder público, empresas e sindicatos
(FERNANDES, 1998, p. 8-10).
As políticas públicas de desenvolvimento, neste período, eram comumente elaboradas
e executadas pelos governos centrais, sob o pressuposto de que estes primariam por uma
coordenação das ações do país como um todo, de modo a minorar os desequilíbrios regionais.
A correção se concretizaria sob uma perspectiva redistributiva e compensatória, isto é, através
da promoção da distribuição de renda entre as diferentes áreas do país no intuito de
compensar o menor crescimento das regiões deprimidas (MOURA; CODES; LOIOLA,
2003).
O segundo período, o da transição, caracteriza-se pelo ataque político aos regimes
intervencionistas de pós-guerra e o surgimento de teorias econômicas antiitervencionistas, que
preparam o terreno para a era da desregulação. Esta emerge da ampla aceitação do
esgotamento das possibilidades de manutenção das práticas keynesianas e da tentativa de
redução da intervenção do governo via privatizações e cortes orçamentários, cujas
justificativas encontravam respaldo no arcabouço teórico aintiintervencionista.
É nesse contexto que a idéia de um “Estado mínimo” - que não crie nenhum embaraço
ao mercado – ganha força e, com ela, a tendência nos últimos anos de reduzir as dimensões do
Estado. O discurso intitulado por muitos como “o fim do Welfare State” foi exaustivamente
enunciado por intelectuais e políticos das economias chamadas desenvolvidas – lideradas
pelos EUA – e que, com efeitos mais deletérios, acabou sendo importado pelos países da
América Latina (DUPAS, 1998, p. 2-3).
29
A idéia de minimalização dos governos disseminada pelos ideólogos do laissez faire
praticamente dominou o cenário político-econômico, uma vez que estes interpretaram a
falência das economias centralmente planejadas como uma prova da excelência de seu
modelo (SACHS, 1999). A ressonância desta retórica se traduziu numa “[...] massiva
implementação de políticas públicas orientadas por princípios de mercado” (REZENDE, 2002
p. 195-196). Como colorário, emerge um novo paradigma de organização do setor público,
que incorpora os conceitos de descentralização, eficiência e eficácia, aliança público-privado,
participação e co-responsabilidade social, administração por objetivos e voltada ao cliente.
Na contemporaneidade, os reversos da dicotomia Estado mínimo versus Estado do
bem-estar social traz à tona, de forma crescente, a necessidade de uma articulação entre as
esferas pública, privada e também das organizações civis. Contudo, segundo Sachs (1999,
p.198), mais perturbador do que a falência desses dois pólos opostos tem sido a ascensão
desorientada dos programas e políticas de meio termo, que procuram “[...] pragmaticamente
mesclar os domínios público e privado, o mercado e o planejamento, o Estado e a empresa e,
mais recentemente, o Estado e a sociedade civil”.
Em concomitância a este panorama de transformações, assiste-se a uma tendência
mundial de descentralização do papel do Estado, bem como de revalorização e redescoberta
da esfera local, intensificadas a partir dos anos oitenta pela crise fiscal do Estado. Consolidada
a noção de que não há mais espaço para a administração centralizadora outrora marcada pela
hipertrofia do Estado, o município se fortalece e sua autonomia é ampliada visando
desempenhar um papel de sujeito ativo na promoção do desenvolvimento (HOLANDA;
VIEIRA, 2003).
A difusão desse padrão de conduta junto aos governos locais perpassou, em ritmos
variados, tanto os países centrais como os periféricos, acirrando o debate sobre a
descentralização da gestão administrativa do Estado (MOURA, 1998). Eis a atmosfera
30
necessária para a emergência de um novo paradigma de desenvolvimento, centrado na
formulação de parcerias entre atores diversos do mercado, do poder público e das
organizações civis: o desenvolvimento local.
2.1.2 Desenvolvimento local: o novo paradigma
Na concepção popular, o termo desenvolvimento costuma-se apresentar como
sinônimo de crescimento econômico, de progresso, de ampliação quali-quantitativa dos
recursos de produção (OLIVEIRA, 2003 p.47). Não há, contudo, um consenso entre os
cientistas sociais quanto à definição do referido termo. Segundo Sen (1999, p.51), duas
amplas linhas teóricas engendram a temática: a vertente da “dureza e disciplina” e a vertente
“amigável”.
A primeira perspectiva abarca a tradição mais antiga e costuma defender que o
desenvolvimento se configura como “[...] o binômio formado pelo crescimento econômico
(mensurável por meio do crescimento do PNB ou do PIB) e pela modernização tecnológica,
em que ambos se estimulam reciprocamente” (SOUZA, 1999, p.18, grifos do autor). Para
muitos teóricos desta vertente, o desenvolvimento é um processo que requer “dureza e
disciplina” de modo que a existência de redes de seguridade social para proteger os muitos
pobres, bem como o fornecimento de serviços sociais para a população podem a vir a ser
favorecidos num segundo momento, quando da suficiente produção dos frutos oriundos do
processo de desenvolvimento.
Em ruptura com o paradigma de desenvolvimento da visão clássica, situam-se os
expoentes do desenvolvimento enquanto processo “amigável”. Dependendo da versão
específica, presume-se, nesta vertente, que a consubstanciação do desenvolvimento se
relaciona às trocas mutuamente benéficas, à atuação de redes de segurança social e à liberdade
política. Os componentes constitutivos do desenvolvimento não se resumiriam às bases
31
materiais, agregando também a qualidade de vida, a eqüidade, a democratização, a
participação cidadã, a proteção ao meio-ambiente, entre outros. Esta última linha teórica tem
recebido atenção especial nos últimos anos e é a mais compatível com a abordagem de
desenvolvimento local.
Entre as múltiplas vozes envolvidas no debate sobre a questão do desenvolvimento
local, adquire uma elevada ressonância a fundamentação do tema num movimento que se
pauta pela noção de sustentabilidade*. A fórmula básica encontra-se disseminada e exaltada
nos manuais das Nações Unidas: trata-se de um desenvolvimento economicamente viável,
socialmente justo e sustentável em termos ambientais (DOWBOR, 1999). Segundo Fisher
(2002, p. 17), a referida definição é uma reação à camisa de força das definições calcadas no
arcabouço econômico e sugere a integração dessa esfera a outras duas (a dimensão social e a
preocupação ambiental) de modo a constituir o tripé do desenvolvimento.
Numa linha similar de orientação, Dowbor (1995) afirma que esse paradigma de
desenvolvimento não consiste no abandono da centralidade dos aspectos econômicos e nem
tampouco em se entregar à lógica economicista. No que tange à questão da promoção da
cidadania, defende o autor, só é aceitável uma visão de desenvolvimento que permita destacar
os indivíduos e os interesses coletivos das maiorias, convergindo e potencializando as
capacidades de todos os seres humanos. Fatores como a qualidade de vida, socialização do
poder, distribuição da renda e democratização do acesso aos serviços públicos, aos bens
culturais e aos benefícios da tecnologia também compõem o cerne na questão do
desenvolvimento local.
Pode-se constatar sem dificuldades que as palavras de Fischer (2002) e Dowbor (1995)
se coadunam à visão amigável de desenvolvimento ora apresentada. No entanto, a novidade
que emerge com esse novo paradigma é idéia de favorecimento das potencialidades locais e
32
regionais de uma dada comunidade. Elucidativas neste sentido são as palavras de Ávila (2000
p. 68, grifos meus), que, a partir do exame de várias concepções abraçadas ao assunto,
sintetiza os aspectos basilares do conceito de desenvolvimento local:
[...] desenvolvimento local consiste essencialmente no efetivo desabrochamento das capacidades, competências e habilidades de uma “comunidade definida” (portanto com interesses comuns e situada em determinado território ou local com identidade social e histórica), no sentido de ela mesma se tornar paulatinamente apta a agenciar e gerenciar (diagnosticar, tomar decisões, planejar, agir, avaliar, controlar, etc.) o aproveitamento dos potenciais próprios, assim como a “metabolização” comunitária de insumos e investimentos públicos e privados externos, visando à processual busca de soluções para os problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que mais direta e cotidianamente lhe dizem respeito.
É subjacente à idéia de buscar soluções e aspirações de toda ordem e natureza, que
reside um aspecto nuclear na concepção do desenvolvimento local: a valorização do espaço
local como o locus em que todas as dimensões da sustentabilidade (econômicas, ambientais,
sociais, políticas, institucionais, éticas, humanísticas e culturais) poderiam ser mais facilmente
integráveis na construção social de um projeto de desenvolvimento (HOLANDA; VIEIRA,
2003). Com efeito, o município desempenha um papel central no processo. “De certa forma, a
cidade desponta como a unidade social básica da organização social, desempenhando um
papel semelhante, para a sociedade, ao que a empresa moderna representa para as atividades
econômicas” (DOWBOR, 1999, p.6).
É também na esfera local que os diversos atores sociais se conhecem e que as
parcerias entre eles podem ser organizadas da maneira mais flexível. O desenvolvimento local
requer a participação e o engajamento do poder público, da iniciativa privada e das
organizações civis de modo a refletir um modelo de gestão participativa e integrada de
políticas públicas que articule os três elementos do triângulo (PIMENTA, 1998). “Já não se
* Por sustentabilidade, compreende-se aquilo que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades, conforme definido pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e desenvolvimento.
33
trata mais de escolher entre o Estado e o privado, entre o social e o econômico. O conceito-
chave não é escolha e sim articulação” (DOWBOR, 1999, p.5 grifos do autor).
As macroestruturas, quer seja do poder estatal, quer seja do poder privado, não
responderão “[...] às necessidades prosaicas da sociedade em termos de qualidade de vida, de
respeito ao meio ambiente, de geração de um clima de segurança, de preservação do espaço
de liberdade e de criatividade individual e social” (DOWBOR, 1999 p.7). O desenvolvimento
regional e local não pode prescindir de parcerias e alianças estratégicas entre os atores sociais.
Ele deve integrar demandas, interesses, recursos, ações de diferentes áreas, níveis e
organizações. A promoção do desenvolvimento local exige liderar e estimular os atores de
modo que estes participem do processo de desenvolvimento. Em parceria com eles, deve-se
estabelecer o consenso e a adesão criativa ao projeto estratégico de desenvolvimento
(COSTA; CUNHA, 2002).
Faz-se importante ressaltar, contudo, que a valorização da esfera local enfatizada por
esse modelo de desenvolvimento não se contrapõe ao nacional, ou mesmo ao global. Segundo
Pimenta (1998), aspectos essenciais para a construção de um Estado justo e solidário são a
descentralização com integração, a participação direta com a manutenção de estratégias
nacionais e regionais, a articulação intergovernamental e intersetorial. A localização no
âmbito municipal ou regional não descarta o papel das políticas nacionais, que foram
concebidas e operadas no espaço da União:
Descentralização com integração são as palavras chave neste processo. O poder central não desaparece, mas muda a sua forma de atuação e influência, enquanto os poderes locais assumem uma parcela maior na responsabilidade de gerir e executar políticas públicas. Já a sociedade continua demandando a existência de um Estado, mas amplia a sua participação direta no processo decisório, havendo uma descentralização não só ao poder local e à comunidade, mas também diretamente ao indivíduo (PIMENTA, 1998).
Indo mais além na compreensão desse modelo de paradigma emergente, Ávila (2000)
tece uma distinção entre “desenvolvimento local” e “desenvolvimento no local”. Para ele,
34
evidencia-se a diferença fundamental entre esses dois conceitos na forma com que ambos
visualizam a participação da comunidade no processo. O desenvolvimento no local implica
em que “[...] agentes externos se dirigem à “comunidade localizada” para promover as
melhorias de suas condições e qualidade de vida, com a “participação ativa” da mesma”. Já no
desenvolvimento local, é a própria comunidade que desabrocha suas capacidades, suas
competências e habilidades de agenciamento e gestão “[...] da qualidade de vida,
“metabolizando” comunitariamente as participações efetivamente contributivas de qualquer
agente externo” (ÁVILA, 2000, p. 69 grifos do autor).
No primeiro caso, os promotores do desenvolvimento são os agentes externos e a
comunidade apenas se envolve participando. No segundo, a própria comunidade agencia o
desenvolvimento e os agentes externos é que se envolvem participando como engrenagem que
acionam a comunidade para que ela mesma se torne capaz de promover o progresso, a
harmonia com o meio ambiente e a qualidade de vida, enfim sob os mais variados pontos de
vista, inclusive no que tange à contínua atração e metabolização das contribuições exógenas
(ÁVILA, 2000, p.69).
Ávila (2000) ressalta ainda que o “estopim” de desencadeamento do processo de
desenvolvimento local consiste na capacidade que cada comunidade tem de despertar seus
potenciais endógenos, de mentalizar e mobilizar dinamismos e forças individuais, familiares,
coletivas e também físico-ambientais presentes explícita ou implicitamente no cotidiano de
cada comunidade localizada, tais como os interesses e objetivos comuns, a identidade social,
cultural e histórica, a diversidade de funções individualizadas. Trata-se da capacidade da
comunidade de edificar paulatinamente, mesmo que com algum tipo de “empurrãozinho”
externo, o seu progresso em todas as dimensões: infra-estrutural, social, econômica, cultural,
meio-ambiental entre outras.
35
Para uma efetiva promoção do desenvolvimento local, de acordo com este raciocínio,
há que se somar e interagir estratégias de dinâmicas tanto exógenas como endógenas, uma vez
que estas sem aquelas se configuram como mera ‘caiação desenvolvimentista’ e aquelas sem
estas funcionam como um puro mecanismo de isolamento societário. Conforme escreve o
autor:
Há que se trabalhar para que as próprias comunidades conheçam o que são e o que têm e, com base nisso e em sua capacidade metabolizadora de fatores externos, se desenvolvam “de dentro para fora” (isto é, assumam as rédeas de seus destinos comuns), implica radical metamorfose de nossa secular cultura desenvolvimentista: requer clareza de intenções, coragem de “remar contra a maré” político-econômica mundialmente vigente e, sobretudo, perspicácia, pertinácia, competência e habilidades de influir sem impingir, de ajudar sem forçar e, enfim, de “contaminar a comunidade” para que paulatina e processualmente conquiste a capacidade da permanente construção do autodesenvolvimento (ÁVILA, 2000, p.74).
A argumentação tecida sobre a questão do desenvolvimento local até o momento
reflete, no seu bojo, uma perspectiva cuja ênfase se deposita, segundo Moura (1998) em
aspectos sociais e humanistas. Na referida literatura, os expoentes dedicam-se a lançar
diretrizes que funcionem como vetores para a promoção do desenvolvimento econômico da
cidade com vistas a melhorar a qualidade de vida da população local, gerar emprego e renda.
Entretanto, a autora sugere que, em contraponto à referida abordagem social, há entre os
teóricos do desenvolvimento local uma outra maneira de vislumbrar a temática, a intitulada
abordagem competitiva ou liberal.
Nesta segunda abordagem, “[...] o desenvolvimento almejado coincide com
desempenho da cidade na competição interurbana dentro do mercado mundial [...]”
(MOURA; CODES; LOIOLA, 2003). Com efeito, ampliar as vantagens comparativas das
localidades e primar por investimentos urbanos capazes de elevar a posição econômica da
cidade para melhor posicioná-las frente a suas concorrentes torna-se a palavra de ordem. A
análise de Harvey (1996) quanto ao forte protagonismo adquirido pelos governos locais e
regionais na cena urbana, nomeadamente em cidades européias e norte-americanas a partir
36
dos anos 80, reflete esse fenômeno, o qual é denominado pelo autor de empresarialismo
urbano.
O termo empresarialimo ou empresariamento (do inglês entrepreneurialism)
relaciona-se à maximização da eficiência e da eficácia. A atuação da esfera pública dentro
dessa orientação caracteriza o desenvolvimento de um paradigma de funcionamento do
Estado, que exerceu influência na mudança estrutural do padrão de gestão das cidades. Eis a
definição do fenômeno:
[...] um conjunto de ações do governo local com efeitos nas instituições urbanas bem como nos ambientes urbanos construídos, que visam potencializar a vida econômica através da criação de novos padrões e estruturas urbanas de produção, mercado e consumo (FERNANDES, 1998, p.19).
Três aspectos fundamentais compõem o conceito: a atração de fontes externas de
financiamento; a compatibilização de interesses do poder público e do setor empresarial
sugerindo a atuação conjunta e permanente entre ambos não só na execução, mas inclusive na
concepção de projetos urbanos; e a priorização de ações e intervenções pontuais na escala do
lugar (cidade) ao invés do conjunto territorial metropolitano. Convertidos em atores ativos, os
governos locais primam pela otimização dos atrativos econômicos potenciais das áreas locais,
assumindo uma dimensão empreendedora e estratégica de modo que seus projetos se dotam
de risco, dificuldades especulativas e competição tal qual um projeto ou investimento
empresarial.
Destaca-se ainda no conceito de empresarialismo a chamada “criação de uma imagem
urbana”. Esta estratégia empresarialista se consubstancia nas fortes campanhas publicitárias
que estimulam a solidariedade social, o orgulho cívico e a identidade do lugar, procurando
desenvolver no cidadão um senso de responsabilidade e participação nos projetos urbanos. O
empreendedorismo urbano se confunde com a identidade local, abrindo um leque de
mecanismos de controle social (HARVEY, 1996, p.60).
37
Nas palavras de Harvey (1996, p.60):
'Pão e circo' foi a famosa fórmula romana, que está sendo agora reinventada e revivida, enquanto a ideologia da localidade, de lugar e da comunidade, tornam-se centrais para a retórica política da gestão urbana que se concentra na idéia de união como defesa contra um mundo hostil e ameaçador do comércio internacional e de alta competição.
David Harvey alerta também para um aspecto importante no capitalismo
contemporâneo, que acentua o papel empreendedor dos governos locais: a competição entre
lugares, cidades ou regiões. Na economia pós-fordista, ocorre a formação de blocos
comerciais gerando uma intensa competição entre cidades e regiões, em que as mesmas
estimulam suas principais funções comerciais, de serviços, ou sua infra-estrutura a fim de
promover o desenvolvimento e garantir a vinda de novos recursos e investimentos privados
(FERNANDES, 1998). A “turistificação” dos espaços urbanos é exemplar nessa orientação.
“A ênfase no turismo, na promoção e consumo de espetáculos, na promoção de
eventos efêmeros numa dada localidade representam os remédios favoritos para economias
urbanas moribundas” (HARVEY, 1996, p.59). Esses investimentos urbanos tendem a ser
paliativos imediatos, porém efêmeros aos problemas urbanos além de altamente
especulativos. De acordo com Melo (apud Fernandes, 1998), típicas dessas ações locais são a
construção de complexos turísticos de lazer a exemplo das operações de renovações em
conjuntos históricos.
Note-se que, apesar de divergentes, as abordagens de desenvolvimento local aqui
expostas (a social e a competitiva) possuem muitos pontos entrelaçados. O quadro 1 (2)
abaixo sintetiza os principais aspectos convergentes e divergentes entre ambas as vertentes de
desenvolvimento local.
38
Quadro 1 (2) - Desenvolvimento local: social versus competitivo Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
Legenda:
É interessante ressaltar uma das convergências entre a vertente competitiva e social: a
gestão integrada de políticas públicas, mediante engajamento de uma multiplicidade de atores
(públicos, privados e organizações civis) como meio apontado para a efetiva concretização
dos planos e projetos de desenvolvimento (MOURA; CODES; LOIOLA, 2003). Sobre este
aspecto, estudos recentes, a exemplo de Holanda e Vieira (2003), têm demonstrado a sua
difícil operacionalização, já que a articulação entre os atores sociais, central no discurso desse
paradigma, não ocorre milagrosamente. Buscando aprofundar a temática, a presente pesquisa
foca nas relações de poder entre atores envoltos na revitalização de centros históricos,
nomeadamente o de Jaraguá, analisando a efetiva contribuição destas relações para a
promoção do desenvolvimento local.
2.1.3 O império dos centros históricos revitalizados
A apologia ao turismo cultural como vetor de desenvolvimento sustentável local
tornou-se lugar comum na imprensa, nos veículos acadêmicos e governamentais. Essa
Variáveis orientadores do desenvolvimento local Papel ativo dos governos locais
Intervenções pontuais na escala do lugar (cidade) Favorecimento das potencialidades locais
Gestão integrada de políticas públicas (formação de redes) Descentralização com integração
Ênfase recai sob aspectos sociais e humanistas, mediante combate à exclusão social Desenvolver economicamente a cidade para ampliar, sobretudo, qualidade de vida, emprego e renda para a
população local Comunidades locais agenciam ativamente o desenvolvimento
Forte presença das esferas da sustentabilidade Ênfase recai sob a competição interurbana mediante ampliação das vantagens comparativas da cidade
(eficiência/eficácia) Investir na cidade para atrair, sobretudo, fontes externas de financiamento e parceria setor público/empresariado
A “criação de uma imagem urbana” Forte destaque para “turistificação” dos espaços urbanos
Variáveis comuns a ambas as correntes: social e competitiva Variáveis mais intensas na corrente social Variáveis mais intensas na corrente competitiva
39
retórica, quando associada à questão do patrimônio arquitetônico, recheia-se do ideal de
promover o desenvolvimento da cidade, mediante revitalização de seus centros e áreas
históricas de modo a garantir às gerações futuras a oportunidade de conhecer e reviver o seu
passado através da materialização do espaço.
A política de revitalização pretende, dessa forma, somar esforços à preservação do
patrimônio cultural. É possível evidenciar diferentes escolas que discorrem sobre a
conservação e recuperação de edificações de valor histórico, das quais duas se destacam. Por
um lado, alguns estudiosos defendem que o valor dos monumentos históricos só se mantém
quando estes permanecem inalterados, intocáveis. Por outro, há aqueles que primam pela
execução de ações de intervenção de imóveis que visem repor com exatidão os desgastes e
deteriorização dos mesmos.
A primeira vertente, mais rígida, desaprova qualquer intervenção que não seja o
desgaste do próprio tempo, prezando pela conservação do envelhecimento natural do imóvel.
A segunda considera fundamental para a adequada leitura do valor histórico dos imóveis, que
os mesmos sejam mantidos íntegros através do que se poderia chamar de uma restauração
interpretativa, pautada em estudos arqueológicos e históricos dos monumentos (BARBOSA,
2001). Esta última, aparentemente, tem sido mais aceita entre os estudiosos.
Em contraponto aos teóricos que defendem o congelamento de monumentos
históricos, a Carta de Veneza de 1964 determina que estes necessitam de manutenção
permanente e que sua conservação é compatível com a função útil à sociedade, desde que a
evolução dos usos e costumes não altere a disposição ou a decoração do edifício. O referido
documento concerne sobre políticas de conservação e restauração de imóveis, ditando
parâmetros e procedimentos adequados a essas atividades, bem como evocando a integridade
dos aspectos originais do patrimônio histórico, inclusive de suas cores:
[...] A opção de monumentos históricos compreende a criação isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho a uma civilização
40
particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. [...] A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes de cores serão proibidas. [...] A restauração é uma operação que deve ter caráter opcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos (BARBOSA, 2001, p.75-76).
Pressupondo sintonia com a Carta de Veneza e as políticas de preservação de centros
históricos vigentes, as estratégias de revitalização se fundamentam, numa primeira dimensão,
na luta contra a homogeneidade e massificação culturais contemporâneas, impostas por um
mundo globalizado, conforme exposto por Lacerda (ca. 2000, p.1-2):
Na época contemporânea as obras de arte perderam em geral a sua capacidade de evocar. Em relação à pintura não mais provoca o enraizamento a uma determinada tradição cultural, aos registros únicos de experiências vividas pelo autor. O objeto de arte, neste caso, se desmaterializou, as formas se tornaram abstratas, livres do contexto em que foram criadas. O mesmo ocorreu com a arquitetura. Quantos de nossos prédios são completamente descontextualizados? Estão aqui, mas poderiam estar na Noruega, na Suécia ou nos Estados Unidos. A arte e a arquitetura se massificaram.
Em concomitância a esta retórica, a descentralização do papel do Estado e a promoção
dos governos locais a agentes ativos (já expostas no sub-tópico anterior) são apontadas como
as molas propulsoras para que as cidades fossem compelidas a gerar estratégias municipais de
desenvolvimento calcadas na idéia de criar valores para as suas especificidades locais
(ZANCHETH; LACERDA, 1998). Invoca-se uma convivência simultânea e ao mesmo tempo
paradoxal das esferas locais e globais, em que as especificidades locais (com destaque
especial para os atributos ambientais, culturais e históricos urbanos) tornam-se decisivas no
jogo da competição dos municípios por investimentos produtivos (ZANCHETH, 2001).
Nas palavras de Lacerda (ca. 2000, p.2),
Mais do que nunca as cidades, nesta nova ordem, têm que explorar positivamente as suas próprias especificidades. E estas aparecem, entre
41
outras, na cultura, na tradição, no meio ambiente construído ou natural. Felizmente, estamos aprendendo que o resgate da memória histórica da cidade é essencial pelo seu potencial de desenvolvimento econômico, mas também pelo seu potencial de construção de identidade, indispensável para o equilíbrio psíquico das pessoas.
Neste ínterim, as áreas urbanas históricas de grande qualidade arquitetônica, em geral
aquelas que coincidem com os espaços centrais mais antigos, os “berços das cidades”,
assumem um papel importante na elaboração de políticas locais de desenvolvimento
(ZANCHETI; LACERDA, 1998), tornando-se palcos da construção dos então intitulados
centros históricos revitalizados. A escolha dessas áreas não se dá por acaso, senão que pelo
isolamento das mesmas diante do alargamento dos espaços urbanos, o que viabilizou a
permanência dos históricos sobrados na contemporaneidade, ainda que muitos deteriorados e
desprovidos de uma política de proteção.
É que o desenvolvimento das cidades tende a resultar num forte crescimento
horizontal e adensamento vertical das mesmas. Não obstante,
[...] no interior deste modelo, as áreas centrais das grandes cidades, que concentram parte significativa dos sítios históricos, começam a perder posição relativa, em favor dos novos bairros sofisticados da periferia. Este movimento se refletiu na montagem não só das políticas locais, mas no próprio processo de expansão imobiliária que, gradativamente, foram desprivilegiando os centros tradicionais como espaço de investimento continuado, o que contribuiu para aceleração do processo de degradação que hoje caracteriza parte significativa das áreas centrais das grandes cidades (PNUD/MDU 1995 apud SARMENTO, 1997 p.10).
Por esta razão, as revitalizações nestas áreas costumam ser compreendidas tal qual
define Lacerda (ca. 2000, p.2), isto é, como um processo de requalificação espacial, que
viabiliza a recuperação de espaços, agregando valor àquilo que existe de específico e
irreprodutível, a partir do princípio de sustentabilidade. Ainda segundo a autora, a
revitalização sustentável somente é assegurada mediante o envolvimento de múltiplos atores
sociais e uma conjunção de valores e práticas sedimentadas cultural e historicamente.
42
A prática da revitalização dos centros históricos teve início em vários países europeus
e nos Estados Unidos a partir dos anos 70. Barcelona, Paris, Londres, Baltimore e muitas
outras cidades realizaram projetos de recuperação de áreas históricas, cujo âmago é o
reaproveitamento de antigos edifícios, integrando-os a áreas remodeladas de edificações mais
modernas. As atividades de lazer e turismo dão tom aos projetos, com ênfase nos aspectos
tradicionais da cultura local (LOUREIRO; SANTIAGO, 2003).
Importando o processo dos países centrais, as cidades da América Latina aderem ao
movimento. Como em grande parte de seus centros históricos, concentram-se povoados de
baixa renda (HARDOY, 1986), a revitalização parece se revestir ainda mais fortemente da
expectativa de trazer benefícios econômicos, sociais, ambientais, culturais (e em todas as
demais esferas da sustentabilidade), através da atividade turística e do apoio dos organismos
multilaterais. Como corolário, os notáveis sítios arquitetônicos urbanos antigos, outrora
desvalorizados, tornam-se alvos de intervenções, recuperações e revalorizações, que
engendraram mudanças, escrevendo um novo capítulo na trajetória de políticas públicas de
preservação dos conjuntos históricos destas cidades.
Eis o quadro também pintado na cena brasileira. No Brasil, o Programa das Cidades
Históricas, nos anos setenta, configura-se um divisor de águas na trajetória da proteção dos
bens culturais nacionais. Ele é o ponto de partida para a emergência da recuperação de
conjuntos arquitetônicos e se lança sob o objetivo de compatibilização de interesses que
conjugam o crescimento das cidades à preservação das raízes históricas presentes nos centros
urbanos. As linhas abaixo ilustram o fato:
[...] as intervenções em núcleos históricos podem ser realizadas a partir de duas óticas complementares: a econômica e a cultural. No primeiro caso, considera-se o núcleo como lugar produtivo, de intercâmbio e de reprodução do espaço econômico. No segundo caso, o núcleo é visto a partir de visão sociológica e cultural, como forma de uma linguagem urbana de integração entre os diferentes agentes sociais que, através da acumulação histórica, proporcionam à comunidade sinais de identidade (BRASIL, 1980, p.153).
43
Ainda que se considere o referido programa um marco, as experiências que
articularam efetivamente o planejamento econômico e urbano à preservação de centros
históricos foram raras na década de setenta. Somente nos anos oitenta, as formas de gerir o
desenvolvimento das cidades brasileiras começam a tomar novos rumos (SARMENTO, 1997,
p.10), tendo sido impulsionada pela nova Constituição da República de 1988. Esta desobriga
o governo central das políticas públicas locais, transferindo a responsabilidade para as
instâncias subnacionais (ZANCHETI; LACERDA, 1998), o que repercute na retórica da
revitalização de centros históricos como forma de promover o desenvolvimento sustentável
pelos governos locais.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, a temática de revitalização no Brasil se
fortaleceu, transformando as áreas centrais no filão econômico da vez. Projetos mobilizados
por empresas em parceria com as prefeituras visando à preservação dos conjuntos urbanísticos
das principais cidades brasileiras vieram à tona, a exemplo do “Cores na Cidade”
implementado pela Fundação Roberto Marinho e Tintas Ypiranga. As ações intervencionistas
nestes espaços ganharam uma intensa repercussão societária, polarizando um debate que
vislumbra o processo por dois ângulos opostos, um depositando ênfase nos aspectos positivos
e outro nos negativos.
Num primeiro horizonte, a reconstituição de calçadas e praças, a restauração de
edifícios, a revalorização da esfera cultural num mundo homogeneizado, a criação de novos
espaços urbanos e o incentivo à abertura de bares e restaurantes para contemplar o mercado de
classes médias da cidade e do turismo, com todas os benefícios que o segundo promete trazer,
tais como renda e emprego. Num segundo plano, a “limpeza” social mediante a expulsão
compulsória dos antigos moradores, a falta de investimentos públicos direcionados às
camadas mais baixas da escala social, a descaracterização de antigos sobrados, e cidades que,
44
paradoxalmente, buscam um diferencial e se vêem cada vez mais iguais, diante da intersecção
entre mercadoria e cultura em prol da atividade turística.
A despeito das críticas tecidas pelo segundo horizonte exposto, o movimento de
revitalização de centros históricos no Brasil imperou num curto espaço de tempo, seguindo os
ditames dos casos internacionais e/ou nacionais considerados modelos e com freqüência
expostos nas vitrines. Com nuances e peculiaridades diversas, os exemplos de renovação em
conjuntos históricos abundam nas cidades do país, eis algumas: Recife-PE, Salvador–BA, Rio
de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, São Luiz- MA, Belém-PA, Curitiba-PR, Florianópolis-SC, São
Sebastião-SP, Santos-SP, Poços de Caldas-MG e ainda o aqui estudado bairro de Jaraguá em
Maceió-AL.
2.2 As múltiplas facetas do poder
Até recentemente Bertram Gross afirmava que o “poder, assim como o sexo na Era
Vitoriana, embora procurado, desejado e utilizado sob a proteção das trevas, não era
considerado um tema apropriado de conversação” (KRAUSZ, 1991, p.11-12). Para além do
desuso, a referida citação permanece válida no cenário contemporâneo. A luta pelo poder
revela-se uma faceta obscura que poucos assumem abertamente: aqueles que o desejam,
ambicionam, invejam ou utilizam costumam não mencioná-lo.
Apesar de comumente camuflado e mascarado, o fenômeno do poder é uma questão
crucial e onipresente na vida social bem como das mais antigas nos estudos das ciências
humanas, abarcando uma série de definições e abordagens por vezes opostas entre si. A
gênese de seu conceito vincula-se propriamente à filosofia e à ciência política, mas seu uso se
disseminou para todas as áreas dos estudos sociais (FARIA, 2003, p. 67), tendo alcançado
centralidade na esfera organizacional.
45
Diante de tal interdisciplinaridade e das inúmeras correntes que versam sobre o
assunto, vislumbra-se que uma das grandes dificuldades na conceituação do poder pelos
teóricos reside em estabelecer um quadro de referências amplo o suficiente para viabilizar a
inclusão de todas as manifestações sob as quais este fenômeno fugidio e multiforme pode
surgir (KRAUSZ, 1991, p.14).
Na tentativa de sistematizar o conceito, Dahl (1966, p.72) sugere que o poder de um
agente A sobre um agente B consiste na capacidade de A em conseguir influenciar B a fazer
alguma coisa que B não teria feito sem a intervenção de A. O estudo deste cientista político, e
de outros expoentes de vertente similar, considera a existência de múltiplos grupos igualmente
capazes de ter acesso à arena da decisão. O objetivo maior era o de reconhecer quem
prevalece sobre quem nesta arena (VIEIRA; MISOCZKY, 2000; HARDY; CLEGG, 2001).
Na definição apresentada, o poder se configura como um processo visível, em que não
participar da tomada de decisão refletia o sentimento de satisfação diante de uma dada
situação. Não obstante, ao longo dos anos, esta definição clássica e aparentemente simples de
poder tem sido contestada, estendida, criticada e repelida, mas permaneceu como um dos
pontos de partida para um variado leque de estudos sobre a temática (HARDY; CLEGG,
2001).
Desvelando uma outra faceta do poder, Peter Bachrach e Morton Baratz constatam que
este fenômeno não é tão visível como supõe a concepção de Dahl (1996). Partindo da
premissa de que o uso da não-decisão pode ser funcional para suprimir temas inconvenientes
aos que dominam a arena de decisão, eles constatam que o poder pode ser exercido (e
freqüentemente o é) via limitação das decisões da arena política a temas relativamente
seguros. Um grande leque de barreiras para evitar uma participação plena de subordinados no
processo decisório estaria disponível aos grupos dominantes (VIEIRA; MISOCZKY, 2000,
p.9; HARDY; CLEGG, 2001, 267).
46
Indo mais além, Steven Lukes sugere que o poder é freqüentemente invisível. O autor
alega que o modelo de Peter Bachrach e Morton Baratz permanecia confinado ao conflito
observável, sendo frágil por desconsiderar que o poder poderia ser utilizado para evitar a
manifestação do conflito via manipulação de percepções e cognições dos indivíduos. Neste
caso, o poder é exercido pela supressão dos interesses concretos de um ator e a criação de
uma falsa consciência, ou seja, pela manutenção do conflito no modo latente. Eis o conceito
de Robert Dahl revisado: “A exerce poder sobre B quando A afeta B de um modo contrário
aos interesses de B” (VIEIRA; MISOCZKY, 2000, p.9; HARDY; CLEGG, 2001, 268).
Um olhar sob a forma como os autores citados até então (e muitos outros) vislumbram
a questão do poder permite inferir a existência de denominadores comuns subjacente às
inúmeras concepções que abarcam o tema. De fato, no âmago das visões de poder, dois
aspectos são amplamente aceitos pelos teóricos: o caráter relacional e a noção de provocação
de conseqüências. Ambos perpassam se não em totalidade, ao menos a maior parte dos
conceitos de poder.
No que tange ao primeiro aspecto, Arendt (1997, p.213) defende que “[...] o único
fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens”. O
poder revela sua característica social por excelência, ele permeia de tal maneira as relações
sociais, que estas poderiam ser denominadas “relações de poder”. O poder não é propriedade
do indivíduo, já que este não o possui isolada e independentemente, senão que num processo
de interação social. Por conseguinte, o exercício do poder só se configura quando um ator
(seja ele um indivíduo ou uma coletividade) está em relação com algum outro (HALL, 1983).
Quanto ao segundo, Lukes (1980, p. 825) chega a afirmar que “[...] o núcleo
absolutamente básico e comum a todas as concepções de poder é a noção de provocação de
conseqüências, sem nenhuma restrição ao que tais conseqüências poderiam ser ou o que as
provoca”. Qualquer concepção de poder útil à compreensão das relações sociais incorpora a
47
idéia de conseqüências causais não-triviais, ou seja, incorpora o critério de significação,
contemplando a resposta à pergunta: o que torna significativas as conseqüências provocadas
por um dado ator de modo a considerá-las como poder?
O relativo consenso entre os teóricos quanto aos dois aspectos supracitados não
encerra, contudo, o debate em torno das múltiplas concepções que abarcam o tema. Aliás,
estes parecem ser os pontos em que a convergência e a sinergia terminam neste campo
notavelmente diverso da literatura. Diante da multiplicidade de vozes que falam sobre o
assunto (HARDY; CLEGG, 2001), há uma longa história que retrata o esforço de estudiosos
no intuito de classificar as variadas visões de poder.
Nesta linha de orientação, insere-se a taxonomia de Lukes (1980), que, debruçado
sobre as perspectivas de poder no âmbito da ciência política e sociológica, sugere que as
mesmas divergem quanto à identificação de fatores e elementos que provocam o fenômeno do
poder. O autor enquadra as concepções de poder em duas amplas categorias não mutuamente
excludentes: a simétrica e a assimétrica.
2.2.1 A perspectiva simétrica do poder
Nesta categoria, o poder é consensual, representa uma conjunção de forças em torno
de um objetivo comum. “[...] O poder é exercido mais com os outros do que sobre eles [...]” e
tende a ser compreendido como uma realização harmoniosa, na qual todos podem ganhar
(LUKES, 1980, p. 829). Como o próprio nome sugere, há uma relação de simetria entre as
partes: ressalta-se o caráter benigno e comunal do poder, acreditando na capacidade de
realização coletiva do homem à medida que este persegue objetivos estabelecidos
consensualmente.
A perspectiva simétrica remonta a Platão e Aristóteles que, sob a idéia de Polis (a
cidade-estado grega), imputavam à comunidade a detenção do poder político. Esses autores
48
enfatizavam a convergência de interesses entre os indivíduos, argumentando que os cidadãos,
unidos em busca de objetivos comuns, seriam capazes de trazer benefícios à coletividade.
(CARVALHO, 1998 p.10).
Entre os teóricos contemporâneos inseridos nesta categoria, destaca-se o trabalho de
Hannan Arendt. A autora faz referência a uma concepção clássica da política na qual a
essência do poder não se fundamenta na relação de mando-obediência senão que na “[...]
capacidade humana de agir em conserto” (LUKES, 1980, p. 830). Para ela, os homens
somente retêm poder à medida em que vivem tão próximos uns dos outros que as
potencialidades de ação estão sempre presentes. Com efeito, a fundação das cidades (que,
como as cidades-estados, converteram-se em paradigmas para toda organização ocidental) foi
a condição prévia material mais importante do poder (ARENDT, 1970, p.213).
Segundo Hannan Arendt, o que manteria as pessoas unidas depois do momento fugaz
da ação e o que elas mantêm vivo ao permanecerem unidas é o poder. Todos que se isolam
renunciam ao poder e se tornam impotentes. Focando no aspecto relacional deste fenômeno,
Arendt (1997, p.212) defende que, ao contrário da força (aqui compreendida como uma
qualidade natural de um indivíduo isolado), o poder não é uma entidade imutável e
mensurável, ele passa a existir entre os homens quando estes agem juntos e desaparece no
instante em que se dispersam.
Em contraponto, Talcott Parsons, também expoente da categoria simétrica, defende
que o poder não é somente poder sobre os outros, é também um capacitador para atuar,
podendo não só ser distribuído como também produzido. Este autor é considerado o mais
influente entre os que concebem o poder como um fenômeno consensual. Para ele,
[...] [este fenômeno se trata] da capacidade generalizada para servir à realização de obrigações encandeadas pelas unidades dentro de um sistema de organização coletiva, quando as obrigações são legitimadas por referência à sua relação com os objetivos coletivos (VIEIRA; MISOCZKY, 2000, p.6).
49
Nesta concepção, pressupõe-se a existência de objetivos coletivos que oferecem aos
detentores do poder certos direitos e impõe algumas obrigações em relação àqueles que lhe
estão sujeitos. Os que se encontram no poder e aqueles sobre os quais o poder é exercido
estão sujeitos a obrigações recíprocas. Por poder, compreende-se a mobilização dos recursos
sociais na consecução de metas, em torno das quais houve (ou pode haver) um compromisso
público geral (LUKES, 1980, p. 830). Como corolário, o exercício do poder se dá num
contexto social marcado pela estabilidade, interação cooperativa, normas e obrigações
compartilhadas tanto pelos que exercem o poder quanto pelos demais (CLEGG, 1990 apud
VIEIRA; MISOCZKY, 2000, p.6-7).
O poder aparece como funcional à perpetuação da ordem, conforme observada quando
da analogia por Parsons entre dinheiro e poder. O autor parte da premissa de que tanto o poder
quanto o dinheiro exercem um papel similar. Ambos correspondem ao meio ou mecanismo de
assegurar a obtenção das coisas no interior de dois subsistemas funcionais: o econômico e o
político, respectivamente. É a legitimidade (reconhecimento como autoridade) do dinheiro e
do poder que confere aos seus detentores o reconhecimento dos demais (VIEIRA;
MISOCZKY, 2000).
Ainda que o enfoque simétrico do poder não encerre uma categoria dicotômica à
perspectiva assimétrica que será apresentada a seguir, pode-se afirmar que, ao visualizar o
poder como fenômeno consensual, Arendt e Parsons encontram-se “no outro extremo do
espectro” de alguns expoentes da perspectiva assimétrica de poder, para os quais o fenômeno
é inerentemente conflitivo.
2.2.2 A perspectiva assimétrica do poder
Para além de uma relação harmoniosa, o poder, na categoria assimétrica, tende a
vincular-se intrinsecamente a conflitos e resistências (reais ou potenciais), sendo caracterizado
50
pela inserção da variável competitividade quando da interpretação das relações sociais ou
políticas. A resistência e a perturbação dos efeitos do poder de um ator sob o outro são, com
freqüência, destacadas.
De acordo com Lukes (1980, p. 827), a perspectiva assimétrica de poder abraça três
enfoques intimamente relacionados, mas analiticamente distintos: o da obtenção da
aquiescência ou controle (quer seja tentado quer seja conseguido), o enfoque da relação de
dependência e o da desigualdade.
O primeiro destaca a sobreposição da vontade de uns em detrimento da vontade de
outros, sendo a resistência e o conflito inevitáveis no exercício do poder, porém não
necessariamente manifestos. Neste caso, o poder pode ser concebido como um modo de
controle social e sua efetividade é diretamente proporcional à capacidade de evitar conflitos
bem como ao grau de aquiescência obtido daqueles sobre os quais o poder é exercido.
Inseridos neste enfoque, encontram-se Hobbes, os seguidores de Maquiavel e muitos
cientistas políticos behavoristas.
No segundo, potencializa-se a dependência entre os atores sociais. Havendo uma
relação de dependência entre dois atores, o mais dependente se submeterá não devido a
ameaças e coerções de um sob o outro, senão que em virtude das próprias relações entre
ambos. A ênfase aqui se deposita na análise “[...] dos tipos e formas como se sustentam as
relações de dependência entre o sujeito e o objeto do ato de poder, e ainda porque e como este
último a ele se submete” (CARVALHO, 1998, p.11).
Na terceira perspectiva, interpreta-se o poder como “[...] uma noção distributiva que
focaliza as capacidades diferenciais dos atores dentro de um sistema para assegurar vantagens
e recursos valiosos, mas escassos” (LUKES, 1980, p.828). Sob o enfoque da desigualdade, o
poder é exercido independente da obtenção de aquiescência ou da relação de dependência
51
entre os agentes. Mensura-se o poder pela determinação dos que ganham e dos que perdem,
ou seja, pela capacidade de um ator lucrar a expensas de um outro.
Segundo Lukes (1980, p.828-830), o sociólogo e cientista político Max Weber
visualiza o poder sob esta última perspectiva, posto que compreende as classes e os grupos de
status como fenômenos de distribuição de poder dentro de uma comunidade. Entretanto, o
autor ressalta que os três enfoques de poder assimétrico delineados acima são
simultaneamente compatíveis à famosa definição weberiana, segundo a qual o poder se refere
“[...] a probabilidade de que um ator, dentro de uma relação social, esteja em condições de
realizar sua própria vontade apesar da resistência, independente da base na qual essa
probabilidade repousa”.
Interpretando o referido conceito, percebe-se que, para Weber, o poder é tanto maior
quanto a capacidade do indivíduo ou grupo de impor seus interesses e objetivos sobre os
outros, abarcando os que relutam ou se opõem. Ou seja, refere-se à habilidade de uma ou mais
pessoas em realizar a própria vontade num ato comum contra a vontade de outros que
participem do mesmo ato (KRAUSZ, 1991, p.14).
Max Weber é um dos teóricos basilares freqüentemente referenciados na literatura de
poder. Ele e muitos cientistas políticos e sociológicos construíram o pilar sob o qual o estudo
do poder em outras ciências se apoiou, entre elas, a administração. O pensamento
administrativo é relativamente novo, emergindo em paralelo à modernização da sociedade
com a consolidação da lógica de mercado e das estruturas burocráticas enquanto forma de
organização do trabalho humano (MOTTA; VASCONCELOS, 2002 p.11). Natural, então,
que muitos dos pressupostos dessa ciência sejam concebidos, revistos e reinventados a partir
de outras disciplinas, os estudos sobre a questão do poder no escopo da teoria organizacional
refletem tal influência.
52
2.2.3 O poder no escopo da teoria organizacional
A discussão específica sobre o poder, para a teoria organizacional, remonta à época
dos famosos estudos de Hawthorne, quando da efetiva constatação da existência das
organizações informais e da necessidade de controlá-las. Neste momento, os estudos
organizacionais que até então se concentravam na estrutura formal (CLEGG; DUNKERLEY,
1991), depositam sua ênfase “[...] sobre o quantum de desvio da estrutura formal”
(CARVALHO, 1998 p. 13; grifos da autora). Hardy e Clegg (2001), examinando trabalhos-
chaves para as fundações da atual literatura sobre o poder no âmago das organizações,
afirmam que os estímulos vieram de dois vetores distintos ainda que não de todo antagônicos,
os quais os autores denominam de abordagem crítica e abordagem funcionalista.
A perspectiva crítica compõe a tradição mais antiga e recebeu influência de trabalhos
dos sociólogos Karl Marx e Max Weber. As contribuições desses autores são o ponto de
partida para pesquisas organizacionais centradas na estreita relação entre poder e dominação,
bem como na resistência enquanto forma de confrontar esta dominação. Ainda que sob visões
diferentes, pode-se afirmar que, para ambos os estudiosos, o poder era derivado da
propriedade e do controle dos meios de produção e reforçado por estruturas e regras
organizacionais.
O primeiro defendia que os interesses de classes são pré-determinados: “[...] condições
econômicas regulam o contexto no qual o trabalho é vendido e o capital levantado e, logo de
início, duas classes são definidas: aqueles que possuem capital e aqueles que não o possuem”
(HARDY; CLEGG, 2001, p.263). Já o segundo argumentava que o poder não se reduzia, de
forma exclusiva, às categorias dicotômicas propriedade e não propriedade, uma vez que o
mesmo também se originava do conhecimento das operações, da capacidade de certas pessoas
de controlar os métodos de produção. Dentro de certos limites, os membros da organização
53
dispunham de criatividade, discernimento e de meios de ação para utilizar o poder, não
obstante, o sistema de regras tentasse anular e obscurecer o discernimento dos trabalhadores.
O espaço para a capacidade de discernimento e de oportunidades estratégicas de ação
dos trabalhadores descrito por Marx apresenta-se mais reduzido do que o descrito por Weber.
O legado deixado por este último proveu as bases teóricas de reflexão sobre a resistência de
grupos subordinados. Já a descrição do lapso entre a capacidade de trabalho e sua efetiva
realização é o cerne de tradições marxistas de análise, nomeadamente a da alienação. As obras
desses autores constroem o pilar sob o qual muitos teóricos organizacionais realizam suas
investigações no que tange ao caminho pelo qual o poder se estrutura no desenho
organizacional.
Embasado em tais fundamentos, o corpo de trabalho da perspectiva crítica enfoca a
existência de conflitos de interesses, pautando-se na existência de uma multiplicidade de
objetivos dos indivíduos nem sempre convergentes com os objetivos da organização. Os
teóricos da literatura crítica tratam o poder como uma forma de dominação legitimada nas
estruturas organizacionais: o poder penetra nessas estruturas “[...] de modo a servir a alguns,
mas não a todos os grupos de interesse” (HARDY; CLEGG, 2001, p.4). Muitos destes
estudiosos se empenham em demonstrar que, em função das sofisticadas manobras exercidas
por grupos dominantes, a opção de que os trabalhadores desafiem o poder daqueles que os
controlam está longe de ser exercida.
Entre os sociólogos cujas obras têm inspirado e norteado recentes trabalhos na área
organizacional sob uma perspectiva crítica de poder, cita-se Pierre Bourdieu (a exemplo dos
estudos de Madeiro e Carvalho (2003) e Vieira e Misoczky (2000)). Nuclear no trabalho de
Bourdieu (2000) é a compreensão da sociedade como um campo social, onde se desenvolvem
disputas entre os detentores dos diferentes tipos de capitais. A sociedade é substituída por um
espaço simultâneo de conflito e competição em que os atores estão em permanente jogo ou
54
luta pelo poder, almejando definir a estruturação e as regras do campo. Mudanças no campo
se configuram, então, como reestruturações das relações de poder entre os atores.
Nas palavras de Bourdieu (2000, p.135):
Pode-se descrever campo social como um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital – quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto de posses.
Neste campo, os atores fazem uso de múltiplas estratégias vislumbrando o poder
simbólico: “[...] poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que
não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2000, p. 6-
7). O poder simbólico é um poder subordinado, de uma forma transformada, irreconhecível,
legitimada e transfigurada de poder e seu alcance é determinado não pela simples posse dos
diferentes capitais, senão que pelo reconhecimento dos demais frente à combinação destes
capitais.
Evidentemente, a distribuição dos capitais entre os atores não é igualitária, nem
tampouco os valores desses capitais são fixos no campo. Com efeito, os atores se impõem
sobre os demais num movimento constante, dinâmico. Como a sociedade contemporânea
logra excessivo valor ao capital econômico, aqueles que abarcam para si esse tipo de capital
tendem a conseguir determinar as regras do campo em maior potencial do que os demais.
Sob um outro enfoque, a abordagem funcionalista, dominante no âmbito
organizacional, se desenvolve efetivamente a partir dos próprios estudos dessa área
disciplinar. A definição de autoridade, enquanto poder legitimado e aceitação racional da
autoridade, decorrente da concepção weberiana de poder (VIEIRA; MISOCZKY, 2000) é
também resgatada por teóricos da literatura gerencialista, entretanto, para estes, os arranjos
organizacionais não são estruturas de dominação, senão que autoridade formal, legítima e
55
funcional. Nomeadamente, mas não exclusivamente, o campo do management calca-se no
pressuposto de que o poder legítimo é aquele incrustado na hierarquia das organizações,
derivado direto da autoridade e decorrente da aceitação racional da mesma.
Para a retórica funcionalista, se há poder, tende a inexistir o conflito, já que este
sinaliza a ausência ou fragilidade de poder. É assim que muitas investigações desse corpo de
trabalho se voltam para a observação das ações que caem fora das estruturas legitimadas e que
ameaçam os objetivos e interesses organizacionais, ou seja, a forma como os grupos diversos
da organização buscam adquirir e manter um poder que não lhes foi concedido dentro do
padrão oficial, o denominado poder ilegítimo. Entre os estudiosos organizacionais desta
abordagem inserem-se Thompson, Bennis, Michel Crozier e outros.
O último destes três autores abordou o problema das relações de poder através de uma
pesquisa de grande envergadura realizada em uma estatal francesa produtora de tabaco.
Segundo Crozier (1981), na referida organização, a área de manutenção detinha em suas mãos
uma poderosa fonte de poder: a capacidade de consertar o maquinário quando de uma pane.
Este era o único acontecimento relevante que não podia ser previsto nem tampouco havia
como estabelecer regras estritas, impessoais e imperativas para evitá-lo. Como os operários de
manutenção eram as únicas pessoas capazes de resolvê-lo, adquiriam importância capital.
A partir desta pesquisa, Crozier (1981, p.234) constata que o controle dos recursos nas
organizações não é distribuído uniformemente e o comportamento dos atores nem sempre são
facilmente previstos de modo que, aqueles que controlam determinados recursos (as zonas de
incerteza) impõem-se frente aos demais. O autor lança, então, um novo conceito de poder que
parte do clássico conceito de Dahl (1966, grifos nossos): “o poder de A sobre B depende da
previsibilidade do comportamento de B para A e da incerteza que B se encontra no tocante ao
comportamento de A”.
56
Nesta definição, percebe-se que capacidade de discernimento do indivíduo bem como
a possibilidade deste de desafiar o poder frente aos que os controlam são consideravelmente
mais amplas do que as descritas na perspectiva crítica. O poder como resistência, no campo
do management, é o poder de uma espécie ilegítima, disfuncional. É por esta razão que, para
os teóricos críticos, a abordagem funcionalista configura-se como gerencialista e pragmática,
subestima os abusos de poder pelos grupos dominantes e prima pela condução dos indivíduos
para que cooperem com os interesses da organização. Nas palavras de Carvalho (1998), tal
perspectiva enfatiza preferencialmente o consenso e a harmonia e se é verdade que inclui o
conceito de conflito na sua análise, não é menos verdade que o faz de forma marginal, com
caráter passageiro.
Uma outra forma de classificar as visões de poder na esfera organizacional é
apresentada por Morgan (1996, p.193). Utilizando termos oriundos da ciência política, o autor
sugere a compreensão das organizações como mini-estados em que “[...] o relacionamento
entre o indivíduo e a sociedade caminhe lado a lado com o relacionamento entre o indivíduo e
a organização”. Os diferentes enfoques de percepção pelos teóricos sobre esses “mini-
estados” afetam a de poder.
Para a visão unicista, a sociedade é retratada como um todo integrado em que
interesses do indivíduo coincidem com os da sociedade. A imagem da organização é coesa, na
qual os indivíduos encontram-se unidos sob um guarda-chuva de interesses comuns. Aqui o
conflito se trata de um fenômeno raro e ainda passageiro, podendo ser removido através de
ações gerenciais apropriadas. O papel do poder na vida organizacional torna-se prerrogativa
para atingir os interesses e objetivos compartilhados.
A perspectiva pluralista caracteriza tipos idealizados de democracias liberais, na qual
tendências autoritárias são potencialmente mantidas sob controle por meio de um jogo livre de
grupos de interesses. A sociedade possui diferentes grupos que negociam e competem “[...]
57
por uma participação no equilíbrio do poder e usam a sua influência para realizar o ideal
aristotélico da política: uma ordem negociada que cria unidade a partir da diversidade”
(MORGAN, 1996, p.192). A organização, por sua vez, apresenta uma pluralidade de
detentores de poder, que são obtidos mediante uma pluralidade de fontes. Aqui, o conflito se
define como característica inerente e inevitável da organização, entretanto, a ênfase se
deposita em seus aspectos potencialmente positivos e funcionais. Com efeito, por poder
compreende-se a forma pela qual os conflitos de interesses são afinal aliviados e resolvidos.
Muitos autores da abordagem funcionalista (a exemplo de Thompson e Michel Crozier)
podem ser enquadrados como expoentes da visão pluralista.
A visão radical enxerga a sociedade como classes antagônicas de interesses,
caracterizadas por divisões sociais e políticas profundas e enraizadas. Influenciada por uma
perspectiva marxista, a visão radical deposita sua ênfase nas divergências de interesses,
visualizando o poder como um fenômeno desigualmente distribuído em função da divisão de
classes. As relações de poder na organização são compreendidas como reflexos destas
relações na sociedade, estando próximas de amplos processos de controle social como, por
exemplo, o controle do poder econômico, do sistema legal e da educação. Reconhece-se aqui
que o conflito pode ser suprimido, sendo este predominantemente latente em lugar de uma
característica manifesta na sociedade e na organização (MORGAN, 1996, p.192-193). Vários
autores que se fundamentam sob uma abordagem crítica (a exemplo de Pierre Bourdieu)
podem ser igualmente inseridos na perspectiva radical.
Toda e qualquer tipologia, ainda que válida e relevante para a melhor compreensão de
um dado fenômeno, trata-se de um esforço de classificação e, por corolário, tende a apresentar
algumas lacunas ou mesmo arbitrariedades quando do enquadramento de um dado autor em
suas categorias analíticas. Ora, se a inserção de um teórico numa dada perspectiva já
apresenta algumas arbitrariedades, esta tende a ter uma ressonância ainda mais forte quando
58
da tentativa de se igualar as categorias analíticas das tipologias de diferentes autores. A
análise das três tipologias anteriormente citadas - Lukes (1980); Morgan (1996); Hardy e
Clegg (2001) - é bastante elucidativa neste sentido, permitindo inferir que as mesmas
debruçam-se sobre pilares distintos, quando da classificação das perspectivas de poder.
Ressalvas à parte, é possível delinear aproximações entre as três tipologias ora
apresentadas. Uma forma de retratá-las se dá mediante a comparação entre os desdobramentos
dos interesses e dos conflitos, elementos centrais nas variadas taxonomias de poder e
concernentes a todas as categorias analíticas das distintas tipologias. Ao menos sob os
aspectos mencionados, há uma maior aproximação entre, de um lado, a perspectiva
assimétrica, radical e crítica e, de outro, a perspectiva unicista, pluralista, funcional e
simétrica, conforme exposto na tabela abaixo. Obviamente, a aproximação realizada reflete
um esforço de melhor compreensão das variadas tipologias, não estando nem de longe imune
às mesmas arbitrariedades e lacunas inerentes aos esforços de classificação.
CATEGORIAS INTERESSES CONFLITO PODER ASSIMÉTRICA Divergentes Ênfase nas relações
conflituosas (conflito real ou potencial)
É um fenômeno caracterizado pela interpretação das relações sociais como competitivas e inerentemente conflituais
RADICAL Divergentes Ênfase nas relações conflituosas (conflito latente)
É um fenômeno desigualmente distribuído em função da divisão de classes
CRÍTICA Divergentes Ênfase nas relações conflituosas
É uma forma de dominação, penetrando nas estruturas organizacionais de modo a servir a alguns, mas não a todos os grupos de interesses
PLURALISTA Potencialmente convergentes
Ênfase nos aspectos positivos e funcionais (conflito inevitável, mas pode ser resolvido)
É um meio de aliviar e resolver os conflitos
FUNCIONALISTA Potencialmente convergentes
Ênfase nos aspectos positivos e funcionais (o conflito deve ser vencido)
O poder nas organizações refere-se à estrutura hierárquica dos cargos e a suas relações recíprocas (em geral classificado como poder legítimo)
SIMÉTRICA Convergentes Relações potencialmente harmônicas
É uma capacidade ou realização coletiva em que todos podem ganhar
UNICISTA Convergentes Relações potencialmente harmônicas (conflito raro e passageiro)
É uma prerrogativa para que os interesses comuns sejam atingidos
Quadro 2 (2) - Resumo comparativo entre as tipologias de poder Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
59
Em função da variedade de vertentes que abarcam a questão do poder, um arcabouço
teórico bem delineado é não apenas relevante, mas essencial quando um trabalho se propõe a
desvelar as múltiplas facetas inerentes à temática. Em todas as tipologias anteriormente
expostas e sintetizadas no quadro 2 (2) acima, há sempre a divisão entre, percepções mais
harmônicas e percepções mais conflituosas do poder, entretanto, a maioria dos cientistas
sociais compartilha da segunda visão.
No âmbito das inter-relações organizacionais, as disputas e divergências que
perpassam a sobreposição de uns atores em detrimento de outros levam a crer que a
perspectiva do conflito é a mais representativa, contudo, grande parte da literatura
organizacional se concentra sob aspectos funcionais, gerencialistas e, predominantemente,
harmônicos. Com efeito, adotou-se, na presente pesquisa, a abordagem do conflito que será
analisada em confronto com a vertente harmônica, de modo a estabelecer parâmetros
comparativos entre ambas.
Parte-se do pressuposto que os atores organizacionais de Jaraguá procuram com seus
recursos de poder controlar uns aos outros e controlar o ambiente, em função dos mais
diversos objetivos e movidos pelos mais variados interesses. Nesta arena, freqüentemente há
os que, detentores de maiores recursos de poder subjugam e dominam outros, suprimindo um
conflito latente. Nesta arena, atores de parte a parte, sós ou em coalizões, disputam pelas
fontes e as bases de poder, utilizando as que dispõem para se relacionarem, resistirem,
influenciarem, sobreviverem e progredirem (ANDRADE; MOURA, 2004).
2.2.4 Poder: suas fontes e bases
Uma melhor percepção da dinâmica do poder perpassa a seguinte questão: “de onde
provém o poder ou essa capacidade de influenciar o outro ou outros?” (KRAUSZ, 1991, p.18)
A resposta a essa indagação simples, porém central, deposita-se na compreensão das fontes e
60
bases de poder. Estas correspondem àquilo “[...] que indivíduos ou grupos controlam e que os
torna capazes de manipular o comportamento de outrem”. Aquelas referem-se “[...] à maneira
como as partes passam a controlar as bases de poder” (HALL, 1984, p.96).
Uma análise sobre a literatura em torno desta temática permite inferir que, apesar da
distinção entre as fontes e bases de poder, elas se encontram bastante entrelaçadas e em
alguns estudos chegam até mesmo a se confundir. A referida literatura é ainda bastante ampla,
sendo possível encontrar contribuições dos mais variados investigadores quer se aproximem
de uma perspectiva mais conflitiva, quer de uma visão mais consensual.
Max Weber, ao vislumbrar que o poder emana por múltiplas formas, contribuiu
bastante com a temática, defendendo que “[...] todas as qualidades possíveis de um homem e
toda a espécie de constelações de possibilidades podem colocar alguém em posição de impor
sua vontade em determinada situação” (WEBER, 1983, p.113). É sob uma linha de orientação
similar, que uma infinidade de estudos se dedicam a desvelar, delinear e categorizar as
variadas fontes e bases de poder.
Galbraith (1986) retrata a existência de três fontes de poder que, na prática,
apresentam-se de maneiras combinadas, são elas: personalidade, propriedade e organização.
Segundo o autor, tais fontes vinculam-se de forte modo a três instrumentos de poder
específicos, respectivamente denominados de condigno, compensatório e condicionante.
A personalidade refere-se à qualidade do físico, mente, discurso e outros aspectos
pessoais. Esta fonte estaria mais associada ao poder condigno, poder exercido de forma
coercitiva punitiva, compelindo o dominado à submissão. Neste caso, as características
pessoais do indivíduo facilitariam o exercício do poder, mediante a utilização de mecanismos
de persuasão por parte deste no intuito de fazer prevalecer seus interesses sobre outros.
Por propriedade (ou riquezas) compreende-se a posse de bens materiais, o que facilita
a submissão de um ator por outrem em função de critérios econômicos. Essa fonte se vincula
61
ao poder compensatório. Assim como o condigno, o poder compensatório se caracteriza pela
obtenção de aquiescência por parte de um ator dominante sobre um outro dominado,
entretanto, neste caso, a obtenção se efetiva via compensações, geralmente de caráter
pecuniário.
Já a organização é considerada das mais importantes fontes de poder na sociedade e
envolve institucionalização de valores, utilizados na legitimação de ações. Essa fonte conecta-
se ao poder condicionado (poder em que crenças socialmente aceitas induzem um ator
dominado a agir de acordo com interesses dominantes de modo consciente ou não). O
dominado não costuma questionar aquilo que é socialmente aceito, não discute valores
sociais, a realidade é compreendida de forma paradigmática.
Segundo Krausz (1991, p.18) a tipologia de Galbraith (1986) aponta aspectos
relevantes para a análise das fontes de poder, mas se configura como limitada no que tange à
construção de um quadro conceitual de validade universal. Em detrimento da referida
tipologia, a autora sugere a existência de duas fontes de poder de caráter mais geral: a pessoal
que prima pela dimensão individual do ser humano e a contextual que prima pela dimensão
social.
A fonte de poder pessoal independe do status e dos papéis que os indivíduos ocupam
na sociedade. Refere-se a um conjunto de atributos pessoais e profissionais que não pode ser
distribuído nem atribuído, tais como a personalidade, criatividade, competência técnica, nível
de assertividade e motivações interiores. “É individual, intransferível e inalienável, fruto de
experiências pessoais que constituem um patrimônio único de cada ser humano. É uma fonte
interna de poder” (KRAUSZ, 1991, p. 18).
A fonte do poder contextual se deposita no sistema em que o indivíduo está inserido,
vinculando-se à função que o mesmo ocupa e à extensão que tal função lhe confere na
aplicação de atos influenciais, freqüentemente disfarçados sob o manto da racionalidade de
62
regras e normas. Ao contrário do primeiro, este poder é passível de distribuição e atribuição às
pessoas, podendo também ser “[...] retirado e concentrado nas mãos de uma minoria, em
nome dos interesses ou pseudo-interesses coletivos” (KRAUSZ, 1991, p. 19).
Numa perspectiva similar aos autores anteriormente citados, Bacharach e Lawler
(1980 apud HALL, 1984, p.96) afirmam que o cargo ou a posição estrutural, as características
pessoais como o carisma, bem como a especialização (formação profissional, por exemplo)
configuram-se enquanto fontes de poder. Os autores acrescentam que também compõe as
fontes de poder a oportunidade ou a combinação de fatores que fornece às partes a chance de
utilização de suas bases de poder.
As bases de poder podem ser enumeradas a partir dos estudos de French e Raven
(CARVALHO, 1998; HALL, 1984; KRAUSZ, 1991). Esses autores estabelecem uma
tipologia de cinco bases de poder fundamentadas nas relações interpessoais entre o detentor e
o receptor do poder: (a) poder coercitivo: capacidade de influenciar via punições e sanções;
(b) poder de recompensa: capacidade de influenciar via distribuição de compensações ou
vantagens; (c) poder legítimo: baseado na posição que o indivíduo ocupa em uma estrutura
hierárquica; (d) poder de perícia/conhecimento: baseado numa especialização ou relevante
numa dada situação e (e) poder referente: aquele advindo da admiração ou identificação por
pessoas tomadas como referência. Bacharach e Lawler (1980 apud HALL, 1984 p.96)
acrescentam a essas cinco bases, uma sexta referente ao acesso à informação ou
conhecimento.
Diante das taxonomias apresentadas, infere-se que a análise do poder por meio de suas
fontes e bases carrega um problema inevitável: a enumeração e sua pretensa capacidade de
explicar todas as situações (CLEGG; DUNKERLEY, 1991). Esse caráter é invalidado diante
da própria riqueza e diversidade no cotidiano das organizações. Nas palavras de Hardy e
Clegg (2001, p.266):
63
Enumerar todos os recursos [...] é impossível, uma vez que coisas diferentes tornam-se recursos diferentes em contextos diferentes. Sem uma teoria total dos contextos, o que é impraticável, não se pode demarcar todas as bases sobre as quais surge o poder. Elas podem ser qualquer coisa sobre as condições apropriadas.
É assim que ao procurar identificar as fontes e bases de poder, este trabalho tenta
vislumbrar as nuances que perpassam o contexto das inter-relações organizacionais do centro
histórico Jaraguá. Ao afirmar que uma organização utiliza uma fonte ou base de poder para se
relacionar com outras, nem de longe se pretende dizer que os indivíduos nas organizações,
irmanados sobre um ideal comum, relacionam-se com outros indivíduos igualmente
irmanados. Ao contrário, por organizações compreende-se “coalizões de interesses díspares”
ou “coalizões de objetivos múltiplos”, isto, é palcos de luta entre esses interesses e objetivos
diferentes (CARVALHO, 1998).
Não obstante, é inegável que os membros destas organizações, em geral os que
dispõem amplamente das fontes e bases de poder, podem utilizá-las no intuito de fazer
prevalecer seus interesses. Eles moldam as direções que as organizações tomam influenciando
os rumos de outras organizações e inevitavelmente afetando a sociedade (HALL, 1984 p.15-
16). É importante ponderar, contudo, que se é verdade que a relação entre organizações trata-
se essencialmente de relações entre pessoas, não é menos verdade que a realidade das relações
pessoais é diversa das organizacionais.
O uso das organizações permite às pessoas abarcarem uma parcela de poder
incomensuravelmente maior do que um indivíduo isoladamente (PERROW, 1986), o que leva
inclusive à reificação das mesmas por alguns teóricos, ou seja, a tratá-las como algo além de
um sistema de indivíduos em interação. Obviamente, este fato confere distinções à análise do
fenômeno do poder quando tratado não no âmbito interno de uma organização, senão que na
dimensão das inter-relações organizacionais.
64
2.2.5 O poder nas inter-relações organizacionais
Já foi salientado que a questão do poder refere-se às relações entre dois ou mais atores
sociais, em que o comportamento de um é afetado pelo outro (HALL, 1984). Esses atores
podem ser indivíduos, grupos, associações, organizações, estados, nações (DAHL, 1966;
KRAUSZ, 1991). Entretanto, parece coerente relativizar que a análise do poder nas inter-
relações organizacionais, e não entre indivíduos, grupos e unidades circunscritos aos limites
organizacionais, apresenta algumas peculiaridades.
Segundo Perrow (1986), quando o estudo se dá em torno das interações entre
organizações, o foco de análise torna-se mais amplo e abrangente, devendo-se identificar
quais os níveis de relações entre os atores, o papel do Estado, os valores, símbolos e
referências da comunidade. Estes aspectos geram impactos substanciais, que se refletem em
cada organização, condicionando a luta pelo poder. Dimensões tecnológicas, legais, políticas,
econômicas e culturais do ambiente são cruciais na análise das relações entre organizações
(HALL, 1984).
Parece correto afirmar então que, se para a teoria organizacional, a discussão
específica sobre o poder numa perspectiva intra-organizacional remonta à época dos famosos
estudos de Hawthorne, quando da efetiva constatação da existência das organizações
informais (CARVALHO, 1998); sob a perspectiva das inter-relações organizacionais, o marco
coincide com os estudos que versam sobre a relação ambiente-organização.
A percepção de que as organizações se revelam como sistemas abertos (e não
fechados em si) trouxe à tona a idéia de que o ambiente exerce influência nas estruturas e
processos organizacionais. Há uma relação recíproca, uma confluência de mão dupla, entre
ambiente e organização. Um afeta o outro à medida que interagem (HALL, 1984). Os efeitos
da complexidade e turbulência desses ambientes na vida organizacional foram exaustivamente
65
tratados em inúmeros trabalhos, de modo que hoje a relação entre ambientes mutáveis e
impactos na organização tornou-se lugar comum. Não obstante, muitos teóricos têm
observado que também as relações entre as organizações nesses ambientes vêm se tornando
cada vez mais complexas, afetando as próprias organizações e a sociedade.
O estudo das relações entre as organizações foi retratado a partir da perspectiva
interoganizacional. Boa parte da literatura especializada sobre a questão se fundamenta no
pressuposto de que as relações interorganizacionais ocorrem quando da conscientização da
interdependência real ou potencial entre as organizações envolvidas. Estas relações se dão em
função de razões ou bases de contato que incluem desde situações ad hoc (quando há pouca
ou nenhuma padronização) até aquelas determinadas em leis e regulamentos (HALL, 1984).
HALL (1984, p.171) apresenta três formas de relações interorganizacionais: diática,
conjunto organizacional e rede interorganizacional. A primeira é a forma mais simples de
interorganizações, tratando-se de relações que ocorrem aos pares, ou seja, entre duas
organizações, conforme figura 1 (2). Na segunda, “a ênfase recai sobre um órgão focal e suas
relações diáticas com outras organizações”, tal qual a figura 2 (2). A terceira, exposta na
figura 3 (3), é mais inclusiva e consiste em “[...] um aglomerado de organizações que se
entrelaçam num sistema social para atingir metas coletivas e de auto-interesse ou para
solucionar problemas específicos numa população-alvo” (VAN DE VEN; FERRY, 1980 apud
HALL, 1984 p.173).
Figura 1 (2) - Inter-relações organizacionais diáticas Fonte: HALL (1984)
Legenda: 1, 2 – Atores organizacionais
21
66
Figura 2 (2) - Inter-relações tipo conjunto organizacional Fonte: HALL (1984)
Legenda: 1, 2, 3, 4 – Atores organizacionais / F – Órgão focal
Figura 3 (2) - Inter-relações tipo rede
Fonte: HALL (1984) Legenda: 1, 2, 3, 4, 5 – Atores organizacionais
A última forma de interorganizações (as redes) parece receber uma atenção especial na
contemporaneidade. Neste caso, as organizações apresentam-se interconectadas por meio uma
relação específica, da descoberta de vínculos entre todas as organizações numa dada
comunidade. É sob essa dimensão que muitos estudos têm se centrado na compreensão dos
espaços urbanos, conforme observado nas palavras de Turk (1970) apud Hall (1984, p. 171):
“Os teóricos começaram a conceituar as cidades e comunidades como redes de organizações
1 3
2 4
F
1
52
43
67
ou como “agregados de organizações que aparecem, desaparecem, modificam-se, fundem-se e
estabelecem relações entre si”.
A interpretação do conceito de interorganizações sugere uma relação direta entre
interdependência das partes envolvidas e alcance dos objetivos comuns. A idéia subjacente a
esta premissa é a de que raramente uma organização é capaz de controlar todos os recursos de
que necessita, dependendo, portanto, de outras. Logo, os objetivos comuns tendem a ser
alcançados a partir de relações de troca. Como seria inócuo ignorar que as organizações
almejam fazer com que outras tornem-se dependentes delas, a teoria interorganizacional
aponta também preocupações com a questão do poder nas relações que as organizações
estabelecem umas com as outras.
A partir da revisão de diversos estudos que abarcam o assunto, Hall (1984, p. 174-188)
constata que, os correlatos do conflito nas relações interorganizacionais costumam não ser
bem compreendidos e a razão fundamental disso é a crença difundida de que o conflito é um
processo a ser evitado. Para o autor, nas relações interorganizacionais, as organizações
cooperam em algumas situações e entram em conflito em outras. Esse conflito tende a estar
relacionado às diferenças de poder entre as partes. Nas palavras de Hall (1984), os conflitos
podem funcionar como integradores e desintegradores do sistema e, assim como, “[...]
existem poucas Guerras dos Cem Anos entre as organizações, é seguro concluir que a maioria
dos conflitos é solucionada”. A resolução de velhos conflitos prepara o cenário para novos
conflitos de forma dialética.
A partir da análise dessa retórica, infere-se que, mesmo entre os teóricos que
perpetuam o conflito na perspectiva interorganizacional, fazem-no em caráter funcional,
passageiro e ainda visível. Ora, a não-eclosão de uma guerra entre as organizações não
significa inexistência do conflito, posto que ele, como defende Lukes (1980), é
freqüentemente invisível. As relações de poder não se limitam a um conflito observável, a
68
não-reação de uma parte não significa satisfação diante de uma situação. E mais: longe de
resolvido o conflito tende a se manter de forma latente, ainda que possa se manifestar ou não.
Como compreender, então, as relações entre as organizações quando o critério funcional de
agregação entre os atores parece não captar em essência a realidade?
Neste trabalho, sugere-se que uma possível resposta a essa pergunta repousa na
interpretação das inter-relações organizacionais a partir de uma abordagem de poder que
permita evidenciar como os atores procuram impor seus interesses sobre os dos outros e como
o conflito (visível ou não) pode ser o elemento-chave para a compreensão das relações entre
os atores organizacionais do centro histórico Jaraguá. Com efeito, em contraponto à noção de
redes, a cidade, neste trabalho, é compreendida como um “emaranhado” de organizações que
longe de trabalharem em torno de objetivos comuns, almejam interesses particulares e
díspares. A cooperação existe quando a parte interessada vislumbra a possibilidade de
alcançar seus próprios interesses e ainda quando ela é compelida por uma outra parte,
conscientemente ou não.
Em desacordo à visão integracionista da perspectiva funcional, a análise dos objetivos
organizacionais numa perspectiva estrutural debruça-se sobre a existência de objetivos
múltiplos e conflitivos, podendo, portanto, oferecer suporte enquanto arcabouço teórico mais
condizente com a abordagem deste trabalho. Na interpretação dos analistas estruturalistas,
objetivos organizacionais são abstrações que teriam pouca ou mesmo nenhuma capacidade de
explicar as atividades dos membros e grupos das organizações (CARVALHO, 1992). É a
partir dessa compreensão da realidade organizacional que Perrow (1978, p.309) dedica sua
atenção na diferenciação entre objetivos oficiais e operativos.
Os objetivos oficiais são as propostas que as organizações expõem nos seus
pronunciamentos e manifestações públicas bem como em seus relatórios oficiais. Já os
objetivos operativos designam os fins realmente visados pelas organizações e desvelam o que
69
estas de fato almejam. A convergência entre os dois tipos de objetivos não é descartada,
entretanto, em geral, ocorre uma fraca correspondência entre ambos. Tecendo sua
argumentação sobre o assunto, Perrow (1978, p.310) observa:
[...] quando os objetivos operativos fornecem o conteúdo específico dos objetivos oficiais, eles refletem escolhas entre valores competitivos. Podem ser justificados com base em um objetivo oficial, muito embora possam subverter outro objetivo oficial. De certa forma, são um meio para alcançar os objetivos oficiais, mas visto que estes são vagos ou altamente abstratos, os meios se tornam fins em si mesmos [...].
Os objetivos operacionais podem estar estreitamente relacionados aos objetivos
oficiais, contudo, objetivos operacionais não-vinculados às metas oficiais tendem a florescer.
Tais objetivos operacionais não-oficiais costumam estar mais diretamente relacionados aos
objetivos de grupo (em geral estão estreitamente ligados aos interesses dos grupos
dominantes) e, ainda que possam apoiar ou subverter os objetivos oficiais, não
necessariamente têm uma ligação com estes.
São exatamente as decisões sobre questões inerentes aos objetivos operativos que
distinguem duas organizações com objetivos oficiais idênticos (PERROW, 1978). Com efeito,
o desvelamento e a diferenciação dos objetivos operativos e oficiais das organizações
contribuem para uma melhor visualização das relações de poder nas inter-relações
organizacionais. Ora, a não distinção entre esses diferentes tipos de objetivos sugere que
organizações com objetivos oficiais idênticos potencialmente não entrariam em conflito, já
que seus objetivos se reforçam e se coadunam. Se objetivos oficiais são aqueles publicamente
assumidos, então, estes irão compor os objetivos exaltados pelas organizações quando as
mesmas realizam coalizões e parcerias. Os conflitos nas inter-relações organizacionais
parecem advir, então, da divergência de objetivos operativos. Como estes não costumam ser
publicamente assumidos, qualquer estudo que pretenda identificar as relações de poder deve
mergulhar a fundo para desvendá-los.
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As organizações representam a fonte de grande parte dos conflitos em sociedade.
“Embora o conflito individual, sob a forma de lutas e debates, tiroteios e assim por diante seja
a matéria-prima de que são feitos os filmes e as manchetes de jornais, é o conflito entre as
organizações que realmente altera e estrutura a sociedade” (HALL, 1984, p.13). O usual
resultado de um conflito manifesto é a alteração da situação que o antecede. Sendo
componentes importantes do conflito na sociedade, as organizações também são centrais para
a mudança social.
A organização é fruto de um construto social calcado na interação entre indivíduos ou
grupos de indivíduos, exercendo papel central quando da tomada de decisão no que tange às
prioridades e realidades da sociedade. Logo, longe de massas inertes, as organizações têm
repercussões societárias. Precisa-se ter em mente, contudo, que o poder das organizações é
freqüentemente utilizado para a manutenção do status quo. Apesar de o fenômeno do poder se
configurar como mecanismo de viabilização da mudança organizacional, ele pode ser
direcionado para impedi-las, para efetivar a manutenção de uma dada situação, conservando a
desigualdade dos recursos existentes entre pessoas e entre as organizações (LUKES, 1980).
Segundo Perrow (apud Hall, 1980), tende-se a esquecer ou negligenciar que as
organizações têm um grande potencial para afetar todos que entram em contato com elas e
dispõem de um poder consideravelmente maior do que um indivíduo. As organizações
controlam ou podem ativar uma multiplicidade de recursos que vão bem além de maquinarias
e empregados. Elas podem requerer alterações diversas em áreas do governo, apoiar ou lutar
contra determinadas políticas públicas.
A idéia de que as organizações agem em torno de seus próprios objetivos não se
restringe às organizações produtoras de bens e serviços. As organizações governamentais não
afetam a sociedade apenas pela coordenação ou pelos serviços que proporcionam, elas
também podem servir aos seus próprios interesses. As “informações oficiais” podem ser
71
usadas para servir aos propósitos de detentores de cargos e de servidores públicos (HALL,
1984, p.16). O mesmo raciocínio pode ser utilizado para as organizações civis, ainda que com
freqüência estas abarquem uma parcela de poder consideravelmente menor que as duas
primeiras.
“Em síntese, as organizações geram uma grande quantidade de poder que pode ser
usado de uma maneira não diretamente relacionada com a produção de mercadorias e serviços
ou com a sobrevivência” (HALL, 1984 p.12). Elas são agentes de mudanças ativos uma vez
que lutam por uma legislação e normas favoráveis a seus próprios programas, programas
esses que conduzem mudanças societárias. Sayles (1958) desenvolveu um estudo com grupos
de indivíduos em interação, no qual demonstra a existência de quatro tipos de ação coletiva,
que podem ser estendidas para a compreensão dos estilos de luta das organizações: a apatia, a
errática, a estratégica e a conservadora.
A apatia implica em uma vida de grupo passiva com poucas revoltas e uma fraca
atuação da liderança (ou mesmo inexistência de líder). A errática se caracteriza por muitas
revoltas, ainda que irregulares, uma capacidade de mobilização maciça do grupo, uma forte
dependência de um líder e certa desproporção entre a intensidade da luta e o objetivo
perseguido. A estratégica é marcada por uma atuação do grupo com pressão contínua e
planejada, apresentando uma forte capacidade de negociação que independe exageradamente
de um líder. A conservadora, por fim, destaca-se pela existência de grupos específicos, coesos
e fechados em si mesmos, em geral orientados pela defesa de seus interesses particulares.
É assim que esta pesquisa buscará identificar os conflitos de interesses, os jogos de
poder e o estilo de luta coletiva dos atores envolvidos na recuperação de Jaraguá. Adota-se
por premissa que as organizações nos espaços urbanos apresentam-se imersas num jogo de
espelhos, cujos reflexos emanados traduzem as distorções com que umas vêem as outras,
traduzem a assimetria de suas relações. O projeto de desenvolvimento via revitalização do
72
bairro Jaraguá representa o elo que supostamente uniria as organizações envolvidas no
processo. Julga-se que esse é um vínculo frágil diante das relações de poder entre as partes,
diante dos descompassos e das relações de desigualdades entre os atores organizacionais.
73
3 Procedimentos metodológicos
Um trabalho teórico-empírico não se estrutura sem o sólido apoio de uma adequada
discussão metodológica (CARVALHO, 1992). É através desta que o pesquisador poderá
alcançar os objetivos que norteiam a investigação, corroborando ou refutando a premissa
central do estudo. Este capítulo reúne os procedimentos metodológicos que forneceram as
bases para a operacionalização da presente dissertação de mestrado.
3.1 Perguntas norteadoras do modelo metodológico
Contribuíram para orientar e sistematizar a concretização deste estudo científico, as
seguintes perguntas de pesquisa:
• Quais os atores organizacionais do centro histórico Jaraguá?
• Quais os objetivos (oficiais e operativos) dos referidos atores?
• Como se caracterizam as relações e arranjos de poder entre esses atores?
• Quais as fontes e bases de poder dos atores nestas relações?
• Como se caracteriza a comparação da estratégia de desenvolvimento formulada e
aprovada para Jaraguá (e sua aplicação real) às variáveis orientadoras do
desenvolvimento local?
• Como se caracteriza a relação entre a revitalização do Jaraguá e o desenvolvimento
sustentável local a partir da configuração das relações entre os atores organizacionais?
Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa maior intitulada “Configuração do
campo da cultura no contexto da incorporação da lógica mercantil e os novos atores
74
organizacionais” (CNPq – processo nº 474155/2003-0, sob coordenação da Profa. Dra.
Cristina Amélia Pereira de Carvalho). Com efeito, a seleção dos termos centrais e variáveis
bem como de alguns elementos do delineamento desta dissertação, que serão descritos a
seguir, estão em consonância com a citada pesquisa (HOLANDA, 2003).
3.2 Definições constitutivas (DC) e operacionais (DO) de termos e variáveis
Em sintonia com o referencial teórico proposto e no intuito de tornar claros os
elementos centrais desta pesquisa, expõem-se as definições constitutivas (DC) e operacionais
(DO) de termos e variáveis:
• Atores organizacionais
DC: organizações diversas (empresas privadas, organizações governamentais e civis,
representantes de classes, associações), que detêm recursos de poder, utilizando-os nas
relações que se estabelecem junto a outros atores (HALL, 1984; HOLANDA, 2003).
DO: foram mapeados pela identificação das principais organizações envolvidas no processo
de revitalização do centro histórico Jaraguá.
• Inter-relações organizacionais
DC: relações formal ou informalmente desenvolvidas entre atores organizacionais num
sistema social, em função de compartilharem uma situação que perpassa os interesses
particulares das partes envolvidas (HALL, 1984).
DO: foram operacionalizadas por meio da identificação das regras (expressas e obscuras) que
permeiam as relações entre os atores organizacionais do centro histórico Jaraguá.
75
• Poder
DC: “O núcleo absolutamente básico e comum a todas as concepções de poder é a noção de
provocação de conseqüências, sem nenhuma restrição ao que tais conseqüências poderiam ser
ou o que as provoca” (LUKES, 1980, p.825).
DO: mensurou-se a partir das citações dos atores, procurando detectar a capacidade de uma
organização de influenciar as ações de uma outra.
• Conflitos
DC: divergências de interesses entre os atores, podendo provocar reação das partes
(MORGAN, 1996).
DO: foram identificados a partir dos discursos dos entrevistados, procurando verificar suas
reações e descontentamentos frente à alocação de recursos que priorizem um dado grupo de
atores ou coalizão em detrimento de outro.
• Objetivos oficiais
DC: correspondem aos objetivos publicamente assumidos pelos atores organizacionais
(PERROW, 1978).
DO: foram identificados a partir da leitura do plano desenvolvido para a intervenção urbana
no bairro de Jaraguá, bem como através da análise do material de divulgação e outros
documentos utilizados pelos atores organizacionais.
• Objetivos operativos
DC: correspondem aos fins realmente visados pelos atores organizacionais (PERROW, 1978).
DO: foram identificados a partir da análise do discurso dos entrevistados quanto à efetivação
dos objetivos traçados no plano de revitalização do Jaraguá e outros documentos utilizados
76
pelos atores organizacionais, bem como através da observação das prioridades dadas ao
cumprimento desses objetivos.
3.3 Delineamento da pesquisa: caracterização do estudo
A pesquisa se desenvolve em nível de análise societal, sendo a unidade de estudo os
atores envolvidos na revitalização de Jaraguá. Como parâmetro de classificação da
investigação, adotou-se a taxonomia de Vergara (1998), que a qualifica em dois critérios:
quanto aos fins e quanto aos meios.
No que tange às suas finalidades, a pesquisa apresenta caráter descritivo-explicativo.
Evidencia-se a natureza descritiva através da exposição de como se desenvolveram os fatos no
processo de revitalização de Jaraguá e a explicativa diante da leitura desta realidade com base
no referencial teórico proposto. Em outras palavras, a pesquisa se concentrou não apenas na
descrição da evolução das inter-relações organizacionais do centro histórico de Jaraguá, como
também na explicação da essência implícita nessas relações, interpretando e analisando os
jogos de poder e conflitos de interesses entre os atores organizacionais envolvidos.
No tocante aos meios, a pesquisa reuniu investigações bibliográficas, documentais e
de campo, partindo de uma retrospectiva dos antecedentes históricos que envolvem o
desencadeamento do processo de revitalização do patrimônio arquitetônico das cidades,
particularmente aqueles voltados para construção de espaços turísticos, culturais e de lazer, tal
qual o centro histórico Jaraguá em Maceió, capital do Estado de Alagoas.
Levando em conta a natureza e dinâmica do estudo, caracteriza-se a pesquisa por
longitudinal com cortes transversais. A configuração das inter-relações organizacionais do
centro histórico Jaraguá foi retratada a partir do desvelamento dessas relações ao longo dos
anos e apresentadas em três momentos, respectivamente: a fase de planejamento da
intervenção urbana, de concretização das obras e de efetivo funcionamento dos novos
77
usos/atividades almejadas para Jaraguá. Essa perspectiva seguiu a orientação de Hall (1984,
p.178), segundo o qual um estudo que se disponha a analisar relações entre organizações
necessita compreendê-las e reconstruí-las através do tempo.
A estratégia de pesquisa utilizada foi o estudo de caso tendo sido escolhido, conforme
já exposto, o centro histórico do bairro Jaraguá enquanto objeto de análise. A escolha do
bairro não ocorreu por acaso, senão que em função das peculiaridades do mesmo.
Nomeadamente conhecida pela beleza de suas praias, Maceió é um exímio exemplo entre as
cidades latino-americanas que investiram no turismo como alternativa de desenvolvimento. A
revitalização do centro histórico da cidade apresenta ampla sintonia com esta orientação, uma
vez que objetivou fomentar a atividade turística, aliando as belezas naturais já existentes em
Maceió às opções culturais e de lazer pleiteadas para Jaraguá.
Julgou-se adequado fazer uso do estudo de caso como estratégia de pesquisa, porque
este permite a investigação de um fenômeno contemporâneo no âmbito da vida real (YIN,
2001). A vantagem marcante dessa estratégia repousa na possibilidade de se obter uma
profundidade na análise diante da concentração no caso objeto de estudo, que não seria
permitida por outras estratégias (LAVILLE; DIONNE, 1999; YIN, 2001).
O estudo de caso prima dela descoberta, buscando retratar os diferentes e, inclusive,
conflitantes pontos de vista presentes numa determinada situação social (YIN, 2001). Com
efeito, procurou-se, através desta estratégia, melhor compreender o problema de pesquisa,
descrevendo a realidade do centro histórico Jaraguá em seus variados níveis, de forma
completa e considerando sua complexidade.
3.4 Delimitação da pesquisa: população e amostra
A população da presente pesquisa é composta por todos os atores organizacionais
envoltos na formação e/ou desenvolvimento do processo de revitalização de Jaraguá.
78
Identificou-se esta população a partir da compilação de uma lista com seus respectivos
elementos componentes, oriunda da reunião de informações colhidas na UEM (Unidade
Executora Municipal) e na SETURMA (Secretaria de Turismo de Maceió), bem como através
de observação direta, de indicações de informantes-chaves e de análise bibliográfica e
documental.
Diante da inviabilidade em aplicar a pesquisa a todos os elementos componentes do
levantamento populacional delineado, os entrevistados foram escolhidos intencionalmente
através da seleção dos atores representativos da revitalização de Jaraguá em diferentes
momentos. A amostra, classificada como não probabilística, abarcou representantes das
organizações do poder público, da iniciativa privada e civis, envolvidas no processo de
recuperação do bairro, totalizando 25 inquiridos (relação de entrevistados disponibilizada em
anexo reservado), distribuídos da seguinte forma:
• 13 (treze) entrevistas aos representantes dos órgãos públicos, particularmente, do
Gabinete da Prefeitura e das Secretarias de Planejamento (com destaque para os membros
da Unidade Executora Municipal), de Turismo e de Cultura;
• 06 (seis) entrevistas com representantes da iniciativa privada (em geral, proprietários e
ex-proprietários de bares e restaurantes);
• 06 (seis) entrevistas com líderes de organizações civis, nomeadamente das associações de
moradores do bairro.
Por adotar uma população amostral que se constitui de atores com funções centrais
ao longo do processo de revitalização de Jaraguá e que compõem os três elementos do
triângulo formado pelo setor público, a iniciativa privada e as organizações civis, infere-se
que a delimitação da presente pesquisa foi orientada de modo a viabilizar a auscultação de um
leque vasto de entrevistados, capaz de retratar os múltiplos interesses desses três segmentos,
em sintonia com a proposta deste trabalho.
79
3.5 Instrumentos e técnicas de coleta de dados
A coleta de dados, realizada nomeadamente no período de setembro a dezembro de
2004, foi antecedida pela elaboração de um plano (disponível no apêndice A), com base nas
variáveis orientadoras do trabalho, dividido em três etapas igualmente importantes que se
sobrepuseram em certos momentos: definição dos tópicos de investigação, mapeamento de
unidades de estudo para a coleta de dados secundários e elaboração de roteiro para realização
de entrevistas.
Numa etapa preliminar, identificou-se os tópicos de investigação em sintonia com as
perguntas norteadoras da pesquisa. Os tópicos resultaram do desdobramento dos objetivos
pré-estabelecidos na introdução deste trabalho e forneceram as coordenadas essenciais ao
descortinamento da problemática em análise. A partir do delineamento desses pontos de
investigação (e visando atendê-los), o plano de coleta de dados discorre sobre as diretrizes
e/ou instrumentos que prepararam a realização das duas etapas seguintes, respectivamente,
coleta de dados secundários e entrevistas.
A coleta dos dados secundários decorreu da consulta e análise dos documentos e
acervos literários disponíveis em bibliotecas, faculdades, bem como arquivos e órgãos
públicos. As unidades de estudo pertinentes à pesquisa foram previamente identificadas e
selecionadas por meio de um mapeamento dos principais tópicos de investigação a serem
contemplados nas mesmas. Nesta etapa, também se realizou um levantamento cartográfico e
fotográfico de Jaraguá, que permitiu retratar o bairro em diferentes momentos de sua história.
Dentre as dificuldades encontradas durante a coleta de dados secundários, destaca-se a
fragmentação e o baixo grau de categorização, sistematização e organização das informações
disponíveis sobre o processo de revitalização do Jaraguá, em especial, nos acervos dos órgãos
públicos da cidade de Maceió.
80
A terceira etapa destinou-se à realização de entrevistas em profundidade. A
identificação dos indivíduos com as qualificações pertinentes à entrevista ocorreu em função
dos dados secundários coletados na fase anterior e dos próprios entrevistados que atuaram
como informantes-chaves, contribuindo com a indicação de outros atores relevantes para a
compreensão do fenômeno, num efeito intitulado por Roesch (1999, p.140) de “bola de
neve”. No total, foram aplicadas 25 (vinte e cinco) entrevistas junto à população amostral.
Destas, 23 (vinte e três) acompanhadas de gravador, 01 (uma) através de e-mail e 01 (uma)
sem auxílio de gravador, por opção do entrevistado.
O tempo médio de duração das entrevistas foi de 75 minutos, tendo sido os inquiridos
orientados a solicitar o desligamento do gravador a qualquer momento que lhes conviesse. As
entrevistas foram conduzidas por roteiro misto, isto é, parte estruturado e parte semi-
estruturado. Nas questões fechadas, os sujeitos poderiam optar por julgar (quantificar) ou não
cada item de investigação em análise. As questões abertas não foram impostas e serviram de
estímulo à conversação entre a pesquisadora e os entrevistados sem inibir o desenvolvimento
espontâneo do discurso dos segundos. Ao longo dos depoimentos dos sujeitos, a
pesquisadora procurou observar, simultaneamente, as mensagens verbais e não-verbais por
eles apresentadas e não emitir juízos de valor ou opiniões pessoais que viessem a influenciar
as respostas dos entrevistados (HOLANDA, 2003).
A utilização das diferentes técnicas e instrumentos de coleta de dados supracitados
objetivou captar a complexa realidade que envolve os jogos de poder no processo de
revitalização de espaços urbanos, ratificando informações das diversas fontes pesquisadas a
partir do cruzamento de dados e procedendo as verificações adicionais decorrentes de
contradições que aparentemente surgiam no decorrer da pesquisa (CARVALHO, 2001).
81
3.6 Instrumentos e técnicas de análise de dados
Os estudos que versam sobre a temática de desenvolvimento freqüentemente
expressam seus resultados numa perspectiva quantitativa. No caso da avaliação dos resultados
decorrentes da revitalização de centros históricos não tem sido diferente. Números que
ostentam novos empregos, aumento da renda e da segurança nestes espaços são
costumeiramente apontados.
Como este trabalho investiga o outro lado da moeda, ou melhor, a quem se destinam
esses números e que grupos de interesse dominam o espaço e se beneficiam dos resultados,
optou-se uma abordagem prioritariamente qualitativa de análise de dados, visando conhecer o
problema de pesquisa em sua essência, diante do contato do pesquisador com a realidade
vivenciada versus as participações dos atores envolvidos na composição desse real.
De acordo com Godoy (1995), a pesquisa qualitativa busca obter dados sobre pessoas,
lugares e processos interativos através do contato direto do investigador com a situação em
estudo, no intuito de compreender o fenômeno sob a ótica dos atores que participam do
mesmo.
Assim, no seu bojo, os dados foram interpretados por meio da análise de conteúdo de
orientação qualitativa (GODOY, 1995; BARDIN, 2000), com base no norteamento teórico
elaborado para o estudo. Esse tipo de análise, nas palavras de Bardin (2000, p.38),
[...] utiliza procedimentos de descrição de conteúdo de mensagens manifestas, latentes ou ocultas, que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção dessas mensagens, que podem ser lingüísticas ou documentais.
Os fatos históricos necessários à compreensão da atual configuração das relações de
poder entre os atores organizacionais envoltos no processo de revitalização de Jaraguá foram
interpretados com o auxílio de escalas cronológicas, procurando evidenciar aspectos de ordem
social, política e econômica relevantes.
82
Paralelamente à análise qualitativa dos dados (e visando apoiá-la e corroborá-la), as
respostas dos entrevistados à parte estruturada do roteiro de pesquisa foram contabilizadas por
meio de estatística descritiva (DONAIRE, 1985), elaboração de gráficos ilustrativos e
interpretação dos resultados apurados.
O tratamento dos dados envolveu a categorização temática de trechos dos discursos e
do levantamento bibliográfico e documental. Os temas foram classificados em principais e
secundários, no qual o primeiro representa o conteúdo dos dados pesquisados e o segundo
especifica os aspectos desdobrados dos temas principais (RICHARDSON, 1999). O
alinhamento dos temas seguiu o planejamento exposto no quadro 3 (3) abaixo.
Quadro 3 (3) - Descrição do tratamento dos dados e operacionalização da pesquisa Fonte: elaborado com base nos indicadores da literatura.
TEMAS PRINCIPAIS TEMAS SECUNDÁRIOS COLETA DE DADOS
Identificação dos atores organizacionais do centro
histórico de Jaraguá
• Estudo da evolução histórica do processo de
revitalização de antigos centros urbanos; • Mapeamento dos atores organizacionais
relevantes no processo de revitalização do centro histórico Jaraguá;
• Delineamento das funções e atividades desempenhadas por estes atores.
Análise
bibliográfica, documental, observação
direta e entrevistas.
Investigação dos objetivos oficiais e operativos dos
atores
• Identificação das metas e diretrizes traçadas no plano de desenvolvimento do bairro, nos materiais de divulgação e em outros documentos utilizados pelos atores;
• Investigação do cumprimento e da prioridade dada às metas e diretrizes constantes nestes documentos;
• Investigação de aspectos intra-organizacionais determinantes no estilo de luta coletiva dos atores.
Análise
documental, levantamento fotográfico e
entrevistas em profundidade.
Delineamento das inter-relações organizacionais
• Delineamento dos arranjos de poder (conflitos
e alianças) e da capacidade de um ator influenciar a ação dos demais
• Identificação das fontes e bases de poder dos atores organizacionais
Análise documental e
Entrevistas em profundidade.
C A T E G O R I A S
A N A L Í T I C A S
Identificação da estratégia de desenvolvimento local
adotada para o bairro
• Análise dos indicadores da literatura. Análise documental e entrevistas.
83
No mais, o campo de investigação de trabalhos que abarcam a temática poder é vasto e
polissêmico, permitindo a eleição de um leque inesgotável de problemáticas, norteadas por
enquadramentos teórico-metodológicos os mais díspares. A utilização da combinação dos
métodos de análise acima expostos remonta à intenção de ter acesso a diferentes níveis da
realidade, de modo a mergulhar a fundo na proposta central desta pesquisa que consiste em
desvelar a configuração das relações de poder entre os atores organizacionais do centro
histórico Jaraguá.
3.7 Limitações da pesquisa
A primeira dificuldade enfrentada neste trabalho foi a impossibilidade de entrevistar
todos os atores relevantes no processo de revitalização de Jaraguá, dado o elevado número de
membros envolvidos no processo sejam da iniciativa privada, do poder público ou de
organizações civis. Em função desta limitação, a escolha dos indivíduos e organizações foi
conduzida de modo a contemplar de forma representativa esses três segmentos (conforme
detalhado no tópico 3.4).
Por se pautar no depoimento dos entrevistados, os resultados encontrados na presente
pesquisa encontram-se suscetíveis à subjetividade e percepção dos mesmos. Esta segunda
limitação incitou o cuidado por parte da pesquisadora em selecionar representantes oriundos
de diversas áreas e que participaram da recuperação de Jaraguá em épocas variadas, de modo
a imprimir a realidade sob diferentes pontos de vista. Em paralelo, outras fontes de
informações foram utilizadas na triangulação dos dados coletados em entrevistas, tais como o
levantamento bibliográfico e documental (HOLANDA, 2003).
Outro fator limitador do trabalho decorreu das desconfianças e resistências por parte de
alguns entrevistados em fornecer documentos necessários à pesquisa e/ou manifestarem
abertamente suas opiniões (CARVALHO, 1992). Além disso, a pesquisa ocorreu num ano de
84
eleições municipais, dificultando o acesso a atores (potenciais entrevistados) ocupantes de
cargos públicos que, durante boa parte do segundo semestre de 2004, dedicaram-se às
campanhas eleitorais. Em conseqüência, o prazo inicialmente previsto para a coleta de dados
foi dilatado, visando minorar os efeitos desses problemas sob os resultados da investigação.
A inviabilidade de generalização das conclusões alcançadas em estudo é também um
implicativo limitante. A presente pesquisa retrata a realidade observada no processo de
revitalização do centro histórico de Jaraguá e, embora válida para subsidiar outras pesquisas
sobre o tema, seus resultados não podem ser estendidos aos demais casos de revitalização de
centros históricos (YIN, 2001; STAKE, 1994).
Por fim, há que ressaltar a coerente seleção dos procedimentos metodológicos
adotados no trabalho. Apesar dos aspectos limitantes expostos, os métodos escolhidos para
coleta e tratamento dos dados se configuram como os mais apropriados diante dos objetivos
de pesquisa, contribuindo adequadamente à consecução da análise dos resultados. Os
cuidados descritos no presente capítulo conferem ao estudo, portanto, um caráter
eminentemente científico.
85
4 Apresentação e análise de dados
Este capítulo discorre sobre a revitalização de Jaraguá e se divide em duas grandes
subseções, sendo a primeira de natureza descritiva e a segunda analítica. Na subseção 4.1,
resgata-se o desenrolar dos fatos circunscritos ao processo desta intervenção urbana que
remontam às origens do bairro. Na subseção 4.2, propõe-se uma leitura interpretativa da
descrição das informações expostas na subseção anterior, à luz do referencial teórico proposto
nesta dissertação, em sintonia com os objetivos de pesquisa. O quadro 4 (4) abaixo sintetiza
os principais aspectos abordados na dinâmica de apresentação e análise de dados.
APRESENTAÇÃO DOS DADOS - A enseada das canoas: ontem e hoje
ANÁLISE DOS DADOS - Desvelando as cortinas da revitalização de Jaraguá
Aspectos geográficos, sociais e econômicos de Jaraguá
Este item discorre brevemente sobre a localização espacial, a topografia, o inventário e o uso do solo da área em estudo. O intuito precípuo é esboçar um desenho das características naturais, construídas e sócio-econômicas do bairro, consideradas relevantes para uma adequada compreensão de sua evolução histórica, bem como do processo de revitalização nele ocorrido.
Mapeando os atores e seus objetivos oficiais e operativos
O presente item realiza uma breve apresentação das organizações envolvidas na revitalização de Jaraguá. A análise se concentra nos atores organizacionais mais representativos. Estes foram estudados do ponto de vista intra-organizacional, de modo a mapear as características nucleares que compõem o estilo de luta coletiva dos mesmos, bem como os seus objetivos oficiais e operativos.
Jaraguá de outrora: maresia, boemia e melaço O tópico apresenta os principais acontecimentos históricos de Jaraguá desde sua formação até os anos noventa, quando se inicia o planejamento de intervenção no bairro. A descrição do desenvolvimento do bairro abarca três grandes fases, incluindo a fase de comércio fino e residências abastadas, a de comércio atacadista e, por fim, a do porto mecanizado e prostituição.
Delineamento das inter-relações organizacionais Neste tópico, foram delineadas as inter-relações organizacionais, visando compreender os arranjos de poder existentes (simétricos e assimétricos) e o impacto destes nas ações dos atores em estudo. Para tal, buscou-se identificar e analisar os conflitos, alianças e também as fontes/bases de poder que caracterizam estas relações.
A revitalização do velho (ou novo?) Jaraguá Esta secção destina-se a relatar a história da revitalização de Jaraguá, delineada em três momentos: • Momento 1 - O planejamento: luta pelos recursos e
elaboração do roteiro • Momento 2 - Os bastidores: construção do cenário
e articulação com atores • Momento 3 - O Espetáculo: tempos de glória
versus ocaso
Desenvolvimento local: social ou competitivo? Esta seção destina-se a comparar e analisar a estratégia de desenvolvimento adotada para o bairro de Jaraguá, através de sua revitalização, com os indicadores existentes da literatura de desenvolvimento local do tipo social e do tipo competitivo. O intuito é averiguar qual das duas vertentes melhor representa as ações planejadas e implementadas em Jaraguá.
Quadro 4 (4) - Dinâmica de apresentação e análise de dados Fonte: elaboração própria
86
4.1 A enseada das canoas: ontem e hoje
A história de Jaraguá ou de Yar-a-guá, topônimo de herança indígena que simboliza
‘enseada das canoas’, é o foco central do presente sub-tópico (MOREIRA E SILVA apud
COSTA, 1981, p.2). A exposição inicial abrangerá a caracterização geográfica, social e
econômica do bairro, sua origem e importância enquanto recanto histórico emblemático da
capital alagoana. A seguir, será delineado, em três momentos, o processo de revitalização da
área, abarcando o planejamento desta reestruturação urbana, a concretização das obras
mediante articulação com atores envolvidos e, por fim, o efetivo funcionamento dos novos
usos e atividades almejados para o bairro.
4.1.1 Aspectos geográficos, sociais e econômicos de Jaraguá
A área de estudo da presente pesquisa localiza-se em Maceió, capital do Estado de
Alagoas, situada a 9º30” de latitude sul e 35º44” de longitude oeste, na Região Nordeste do
Brasil (MACEIÓ, 1995). Planície quartenária de origem marinha, Jaraguá apresenta altitude
de apenas dois metros acima do nível do oceano e já possuiu formações antigas de dunas, hoje
aplainadas pelo homem. A enseada das canoas ocupa uma área de 140,64ha e faz divisa com
o centro de Maceió a Oeste, a praia de Pajuçara a leste, o bairro do Poço ao norte e o Oceano
Atlântico ao sul (ver mapa 02, do apêndice F) (NOGUEIRA, 1981).
Ancoradouro natural, a batimetria do porto de Jaraguá, constituída de arrecifes,
favoreceu o aportamento de embarcações desde o início da história do bairro. Segundo um
membro da coordenação cultural da Associação Comercial de Maceió (E16), "[...] o porto de
Jaraguá é um porto natural. Antes mesmo de ser feito esse porto [leia-se: instalado o cais do
porto], ele já servia de porto [...]”. Os arrecifes constituem uma barreira de proteção contra as
perigosas ações de correntes marinhas e, simultaneamente, servem de apoio ao cais.
87
O açúcar ensacado e, posteriormente, a granel foi um dos principais gêneros
transportados pelo porto de Jaraguá. Com a implantação da SALGEMA, Indústria Química
S.A. e do Complexo Cloroquímico de Alagoas, as cargas movimentadas pelo porto se
diversificaram, refletindo em mudanças na utilização de suas áreas adjacentes. Numa
configuração mais recente, pode-se afirmar que a exportação de produtos relacionados ao pólo
cloroquímico alcança 40% das cargas transportadas, o açúcar representa cerca de 27% e o
petróleo aproximadamente 18%. O trigo, combustível e fertilizante também compõem o
volume de mercadorias importadas (MACEIÓ, 1995).
Jaraguá de desenvolveu através de seu porto, em torno do qual foram edificados seus
primeiros sobrados históricos e implementada sua infra-estrutura urbana. No apêndice F,
disponibiliza-se uma série de mapas que retratam, com detalhes, a localização do patrimônio
natural e construído de Jaraguá na atual configuração, destacando suas ruas, praças, prédios
históricos símbolos, estacionamentos, favelas bem como as águas que cortam a enseada. Esses
mapas deverão nortear o leitor na compreensão da história do bairro, que será descrita nos
próximos subitens.
É Nogueira (1981) quem descreve o uso do solo de Jaraguá na década de 80. De
acordo com a autora, o uso ocorria de duas maneiras distintas: a zona portuária, incluindo os
serviços e comércio que dela derivam e a área residencial. A primeira abarcava,
principalmente, a orla marítima, a administração do porto, os armazéns e as ruas Sá e
Albuquerque e Barão de Jaraguá. A segunda ocupava grande parte do número de edificações
do bairro, situando-se, em maior intensidade, nas ruas posteriores à Barão de Jaraguá.
Vinte anos mais tarde, após a revitalização ocorrida no bairro, observa-se similar perfil
do uso do solo de Jaraguá (ver mapa 04, disponível no apêndice F) traçado em Pereira (2001),
sendo que há um incremento e diversificação no setor de serviços, outrora concentrado quase
em sua totalidade na área portuária. Evidencia-se, neste momento, a presença de instituições
88
bancárias, faculdades, bares, danceterias, restaurantes entre outros estabelecimentos
vinculados a este setor. O percentual do número de imóveis de uso habitacional, por sua vez,
apresenta um decréscimo6 de aproximadamente 5,55%.
No tocante às características sócio-demográficas de Jaraguá, não foi possível
estabelecer uma comparação de seus aspectos antes e depois do processo de revitalização a
que se submeteu, posto que, as unidades de pesquisa pertinentes dispõem de dados sobre o
município de Maceió como um todo, mas não de informações específicas sobre o bairro de
Jaraguá na qual se possa evidenciar uma série histórica contínua entre esses dois momentos.
Contudo, algumas poucas inferências podem ser realizadas a partir do confronto entre o
levantamento encomendado pela Prefeitura de Maceió na década de noventa, antes da
intervenção urbana em Jaraguá, e os dados fornecidos pelo IBGE no censo de 2000, quando o
bairro, em separado, foi analisado por este instituto de pesquisa.
Em 1991, o bairro de Jaraguá abrigava uma população de 3817 residentes, sendo 1742
homens e 2075 mulheres. Este número totaliza 0,6% da população urbana de Maceió e
corresponde a um adensamento populacional de 27.15 hab/há. Não foram encontradas
informações sobre as condições de vida dos habitantes que residiam nos domicílios
permanentes, neste período, mas, pelo próprio curso da história do bairro, estima-se o
predomínio de pessoas de classe média baixa (com provável concentração nas regiões mais
internas do bairro) e uma ínfima parcela de pessoas de classe média alta (aparentemente
situadas no entorno da Av. da Paz). É lícito afirmar, entretanto, que, já a esta época, o uso
residencial do bairro se acentuava nos domicílios não-permanentes (improvisados), em função
da presença de uma favela à beira-mar, localizada ao longo da Av. Cícero Toledo, também
conhecida como Vila (ou comunidade) dos Pescadores (MACEIÓ, 1995).
6 O decréscimo do uso habitacional trata-se de uma especulação diante das informações disponíveis, posto que não foram encontradas pesquisas com metodologias idênticas para confronto, o que pode provocar distorções nesta inferência. Procurou-se minimizar tais distorções, adequando os parâmetros classificatórios utilizados em Nogueira (1981) e Pereira (2001).
89
A comunidade de baixa renda de Jaraguá é descrita, em meados dos anos noventa,
como constituída por casebres erguidos com restos de madeira sem revestimento e/ou pintura
e, em geral, de cômodos únicos. É composta por cerca de 1800 pessoas predominantemente
jovens (a grande maioria sem qualquer documentação de seu imóvel) e que sempre moraram
em Jaraguá. A favela abriga moradores que vivem direta ou indiretamente da atividade
pesqueira, mas também habitantes do setor informal da economia, com baixa renda e escassa
qualificação profissional. As atividades pesqueiras destacam-se pelo caráter artesanal e seu
produto se destina nomeadamente ao abastecimento da cidade e ao consumo familiar. Entre as
principais funções exercidas por esse núcleo populacional, encontram-se pescadores,
peixeiros, salgadeiras, barqueiros, vendedores ambulantes, catadores, biscateiros, empregadas
domésticas, etc (MACEIÓ, 1995).
Segundo o IBGE, em 2000, a população de Jaraguá apresentou um crescimento em
números absolutos para 4.219 habitantes, sendo 1963 homens e 2256 mulheres (BRASIL,
2000). Considerando o aumento vegetativo da população maceioense, tem-se um pequeno
decréscimo proporcional, em relação à década anterior, já que este número totaliza 0,52% da
população de Maceió no referido ano. De acordo com a estatística fornecida por esta
instituição, a renda média dos moradores de Jaraguá responsáveis pelo domicílio em que
residem era de R$ 724,65, sendo que aproximadamente 12,62% não possuem qualquer
rendimento, 55, 48% detêm renda de até três salários mínimos, 21,56% mais de três a dez
salários, 7,09% mais dez a vinte e 3,25% recebem renda superior a vinte salários (BRASIL,
2000).
Os indicadores de 1991 e 2000 não sugerem alterações substanciais no perfil sócio-
demográfico do bairro de Jaraguá neste intervalo. A inexistência de dados concretos e
complementares sobre a população residente em domicílios permanentes não permite realizar
inferências sobre modificações no tocante ao poder aquisitivo dos moradores do bairro no
90
período em análise. Pode-se afirmar apenas que a atual condição de vida das comunidades de
baixa renda, nomeadamente a da vila de pescadores, permanece precária, defrontando-se com
a improvisação na moradia (favelas) e também com total inexistência de infra-estrutura
urbana básica.
4.1.2 Jaraguá de outrora: maresia, boemia e melaço
Ah, Jaraguá! Jaraguá de antigamente com suas noites cheirando a pecado, seus sobrados pecaminosos com gente ávida por camas adúlteras. Jaraguá exalando o cheiro sensual do melaço. Lá na frente, o velho porto cheio de destinos em navios abarrotados de riquezas [...] (DANTAS, 1998)
As origens de Jaraguá encontram-se estreitamente ligadas ao seu porto, saudosamente
exaltado nos versos acima, por onde escoavam as exportações e importações do Estado de
Alagoas. Em função de sua localização central e do seu ancoradouro natural, o bairro tornou-
se um pólo comercial de forte ascensão e é considerado por muitos o núcleo formador da
cidade de Maceió, o berço da capital de Alagoas. Citações do tipo “Maceió começou aqui em
Jaraguá” (escritor e presidente de uma das associações de moradores do bairro - E03) ou “É
um bairro que deu origem à Maceió” (membro da coordenação cultural da Associação
Comercial de Maceió - E16) são, com freqüência, observadas no discurso dos entrevistados e
na mídia, ilustrando este raciocínio.
O delineamento da história de Jaraguá, contudo, é antecedido por uma discussão em
torno do surgimento da cidade Maceió. Embora a interligação das evoluções urbanas do
bairro de Jaraguá e da cidade de Maceió seja fato para os historiadores alagoanos, não há um
consenso entre os mesmos quanto à verdadeira origem da capital. Algumas vozes defendem
que a cidade surgiu de um pequeno povoado (núcleo de pescadores) e entreposto de venda e
embarque de mercadorias em Jaraguá. Essa versão contradiz a teoria predominante segundo a
91
qual Maceió teve início por volta do século XVIII a partir de um fluxo populacional em torno
de um engenho (MACEIÓ, 1999a).
A última teoria pressupõe o surgimento de Maceió em decorrência da expansão do
povoamento alagoano, movido nomeadamente pela industrialização da cana-de-açúcar. A
fundação de engenhos em várias cidades interioranas como Porto Calvo, Penedo, São Miguel
dos Campos, Camaragibe e Santa Luzia do Norte teria alcançado as margens do riacho
Maçayó (atual Salgadinho), onde se ergueria, por volta de 1708, um engenho de mesmo nome
(MACEIÓ, 1995). As origens da capital estariam vinculadas ao referido engenho de açúcar,
conforme retratam os fragmentos abaixo:
Depois da restauração é que deve ter tido início o povoado de Maceió, pelo engenho de açúcar que aí existiu [...] Alguém, certamente de Santa Luzia do Norte, desgarrou-se do burgo lacustre, com escravaria e gado, à aventura da indústria do açúcar, e, à margem do riacho Maçayó, fundou um engenho (COSTA, 1981, p.8-9). Maceió já existia em meados no Séc. XVIII. Era um pequeno povoado pertencente a um engenho de açúcar, situado no atual palacete da Assembléia Legislativa, pertencente ao Capitão Apolinário Fernandes Padilha [...] (ESPÍNDOLA 1871 apud NOGUEIRA, 1983 p.10). Ainda ao expirar o século XVIII Maceió era apenas a senzala de um engenho bangüê, no sítio em que foi mais tarde construído o prédio do Tesouro Provincial [...] O bangüê que amamentou a povoação de Maceió pertencia ao Capitão Apolinário Fernandes Padilha e sua mulher D. Beatriz Ferreira Padilha (ALTAVILA, 1962, p. 73-74).
As afirmações dos historiadores supracitados são embasadas numa tradição oral, pois
nenhum deles conheceu documentação escrita que ateste a existência do tal engenho Maceió
erigido pelo então capitão Apolinário Fernandes Padilha. O que vem a consolidar essa
tradição é a descoberta da “boca de fornalha” do engenho, em 1851, quando foram cavados os
alicerces do prédio da Assembléia Legislativa Provincial. É somente em junho de 1972,
contudo, que o professor e escritor Moacir Sant’ana encontra um testamento do capitão
Padilha datado de 1724, o qual discorre sobre o engenho de nome Maceió (NOGUEIRA,
1981; SARMENTO, 1997).
92
O citado testamento relata que o engenho moeu apenas duas safras, ambas de forma
precária, pois se localizava em terras desfavoráveis ao cultivo da cana-de-açúcar. Ainda
segundo o documento, o ano de 1724 foi de fogo-morto e o engenho teve curta duração, o que
corrobora a conclusão por alguns estudiosos (Nogueira (1983), por exemplo) de que o
engenho erigido pelo capitão Apolinário não se desvelou como a causa inicial da expansão do
vilarejo da cidade. Essa linha de pensamento dá tom à versão de que Maceió surgiu em função
do porto de Jaraguá:
[...] ao chegarem a Santa Luzia do Norte, os fundadores do engenho já encontraram um pequeno povoado de pescadores e entreposto de embarque de mercadorias, aí localizados devido às qualidades do ancoradouro natural de Jaraguá. O engenho não teve vida longa, mas o povoado prosperou por causa do porto e do comércio [...] (MACEIÓ, 1995, p. 18).
A questão central do debate permanece em aberto: a origem de Maceió decorreu do
comércio pelo porto de Jaraguá ou foi o porto e o bairro de Jaraguá que evoluíram em função
da cidade? (NOGUEIRA, 1981) Divergências à parte, as narrativas de historiadores alagoanos
deixam transparente que a cidade de Maceió e o bairro de Jaraguá apresentaram um
desenvolvimento paralelo (MACEIÓ, 1995). A prosperidade da atividade comercial pelo
porto de Jaraguá solidificou o crescimento do bairro e, em conseqüência, da cidade. Essa
interligação de fatos remonta à emancipação política de Alagoas.
Em 1534, quando da divisão do território brasileiro em capitanias hereditárias por D.
João III, Alagoas era parte integrante da Capitania de Pernambuco (MACEIÓ, 1995), de
quem só se desmembrou em 16 de setembro de 1817 com a nomeação do primeiro
governador da Província, Sebastião de Melo Povoas. O governador chegou a Maceió (já
elevada à categoria de vila pelo alvará régio de 1815) em 27 de dezembro de 1818, criando
instalações de novas unidades administrativas e judiciárias, que intensificaram o
desenvolvimento da cidade (NOGUEIRA, 1981).
93
A enseada das canoas, por esta época, era um areal alvo e escaldante com algumas
habitações, trapiches e a igreja Nossa Sra. da Mãe do Povo, pertencentes ao português
Antônio Martins que percebera a vocação comercial do local (COSTA, 1981). É a partir da
capela citada que tem início o núcleo de Jaraguá, com suas edificações definitivas, construídas
por outros habitantes que lá também passaram a residir (NOGUEIRA, 1981). Costa (1981,
p.37) descreve os primeiros sobrados do bairro:
[...] o sobrado baixo, de largas biqueiras, de taipa, com grades de pau pintadas às janelas, era o tipo de habitação de gente rica, que ia, aos poucos, abandonando as casas térreas. Marca um estilo arquitetônico que o português deixou no Brasil, transplantado da terra natal.
As preocupações do governador da província, segundo Costa (1981, p. 152), não
ficaram limitadas, “[...] foram adiante, estenderam-se à remodelação urbana, traçando o plano
de uma cidade, cortada por grandes avenidas, partindo do mar [...]”. Pode-se afirmar que as
histórias de Jaraguá e Maceió caminham juntas neste momento. Em registros históricos, fica
inconteste a relevância do porto do bairro (também intitulado “Portal de Maceió”) para esta
fase de desenvolvimento da cidade, beneficiando a região com impulso econômico e a infra-
estrutura destinada ao comércio e residências que por ali surgiam (NOGUEIRA, 1981;
SARMENTO, 1997).
O fácil acesso ao porto de Jaraguá favorecia a saída e entrada dos produtos
comercializados. No início do séc. XIX, o povoado de Maceió desponta como um empório
comercial de certa notoriedade. As especiarias destinadas à venda como açúcar, algodão,
fumo, cereais, madeiras de construção civil e naval, farinha de mandioca e couro chegavam ao
litoral em carros de boi e comboios de bestas. O açúcar revelava-se o “[...] gênero principal de
exportação, em caixas, e a sua hegemonia na vida econômica das Alagoas ficou até hoje,
atestando a ausência de iniciativas agrícolas e a falta de previsão dos lavradores na exploração
racional da terra, propícia às mais variadas culturas” (COSTA, 1981, p.22).
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Nova notícia sobre Jaraguá data de 1839 e é fornecida por um viajante que desembarca
no porto da enseada das canoas. Segundo ele, “[...] um pouco atrás da linha d’água se elevava
um único correr de casas brancas, sombreadas, aqui e acolá, por moitas de coqueiros
majestosos. [...] Um pouco atrás de uma colina, eleva-se a cidade, habitada por quase três mil
almas”. O ‘correr de casas’ ao qual o viajante se refere, delineia os primeiros traços da atual
Rua Sá Albuquerque, núcleo histórico principal de Jaraguá (NOGUEIRA, 1981, p.15). Em
1840, a citada rua apresenta-se inteiramente definida e delineada no mapa de Maceió.
A partir de 1868, quando surgiram os primeiros ramais ferroviários e pontes, Jaraguá
começou a se definir como espaço urbano. Maceió passou a receber diversos produtos de
Portugal e da Grã-Bretanha (vinhos, azeites, algodão, linho, ferragens, chapéus, entre outros),
o que provocou a construção de lojas sofisticadas, imponentes residências e clubes sociais da
época. Na segunda metade do século XIX, Jaraguá já esboçava sua tendência para bairro
residencial de famílias abastadas (MACEIÓ, 1999a):
Em 7 de setembro de 1886, surge, na Rua da Igreja, em Jaraguá, a Fênix Alagoana, sociedade de gente aristocrática, fina, endinheirada, quase toda daquele bairro. [...] nas festas solenes, nos grandes dias, nos bailes a rigor, logo terminadas, se enchiam os bondes especiais da Companhia Alagoana de Trilhos Urbanos, a CATU, como era conhecida, e que, aguardando gente de tão alto destaque, tinham permanecido na Rua Sá Albuquerque [...] (LIMA JÚNIOR, 1976, p.51, grifos meus).
No final do século XIX, construções suntuosas davam tom ao conjunto arquitetônico
de Jaraguá e uma vida cultural intensa caracterizava o bairro (ver fotos antigas do bairro no
apêndice B). Segundo estatística fornecida pela UEM (ver MACEIÓ, 1999a), neste período,
Jaraguá possuía fábricas de vinagre, refinaria, o consulado provincial (atual prédio do Museu
de Imagem e Som – MISA), 05 (cinco) armazéns de grande porte, 09 (nove) pontes para
embarque e desembarque de carga e passageiros, 02 (duas) agências bancárias, 05 (cinco)
agências de navegação e 04 (quatro) trapiches alfandegários. Estes últimos são descritos com
precisão por Lima Jr. (1976, p. 133-134, sic):
95
Os trapiches eram construídos de taipa ou de alvenaria de tijolos, cobertos com telhas fabricadas no Siri, no Rio Morto, nas proximidades de Satuba. Suas pontes avançavam mar a dentro e as madeiras escolhidas para a construção era a massaranduba, que resiste cem anos dentro d´água, sucupira, etc. Nestas pontes, na parte final, colocavam dois ou três guindastes, facilitando o embarque e desembarque de mercadorias, pois nelas atracavam botes, iates e barcaças, não havendo necessidade de transbordo. Algumas pontes eram cobertas ou semi-cobertas; outras inteiramente descobertas. Fechadas com portões de madeira, por elas corriam carrinhos Decauville.
Por volta de 1910, Jaraguá desponta como terceiro porto do Brasil (MACEIÓ, 1999a).
O intenso movimento comercial no porto, aliado ao aparecimento das primeiras usinas no
Estado, multiplica o número de trapiches na região, que, estendidos sobre as palafitas,
funcionavam como diferenciais econômicos e paisagísticos. Entre os mais famosos, destacam-
se o Trapiche Novo, o Velho, Jaraguá e Faustino (NOGUEIRA, 1981).
Na primeira metade do século XX, o bairro conta com fábrica de sabão, bonde elétrico
e a Associação Comercial, um dos prédios de maior destaque arquitetônico de Jaraguá e
cartão postal da cidade de Maceió. Em concomitância, os trapiches e suas velhas pontes, local
preferido dos casais, perdem sua funcionalidade e têm sua morte decretada (LEITE JR, 2000).
É que em 1942, o cais do porto de Jaraguá foi inaugurado com fins de facilitar o escoamento
da produção do Estado e receber navios de grande porte. “Inaugurado o cais, só mesmo para
depósito serviam os trapiches, pois açúcar, algodão, coco, tecidos, etc. tudo era conduzido
para bordo em possantes caminhões americanos” (LIMA JR., 1976, p. 134).
Na contramão deste próspero cenário, Jaraguá acolhia, em função de seu porto,
comunidades menos favorecidas e o baixo meretrício. Segundo Lima Jr (1976), a construção
do cais do porto de Jaraguá suscitou o acúmulo excessivo de areia entre o este e a Rua Sá
Albuquerque. O assoreamento distanciou o mar da citada rua, gerando um amplo espaço que
cedeu lugar, depois de 1950, à rua Cícero Toledo, onde um núcleo de pescadores se instalou
paulatinamente, formando uma favela à beira-mar (NOGUEIRA, 1981). O aporte de navios
96
maiores (e com eles seus marinheiros) também favoreceu o crescimento do número de cabarés
e prostitutas que se fixavam em Jaraguá, sob o disfarce de pensões e bares.
Como afirma um entrevistado,
O que acontece em torno de cais e ancoradouro? É bodega, birosca e outras coisas mais. Então, aqui em Jaraguá, por causa do ancoradouro, começou a ter uma birosca ali, outro barzinho ali, começou a ter um puteiro ali, outro acolá e tal. Então, as famílias daqui começaram a sair daqui de Jaraguá [...] [O bairro tornou-se] um grande corredor de bordel. [...] (escritor e presidente de uma das associações de moradores do bairro - E03).
Muitas são as profanas histórias de bordéis tagareladas por saudosistas nos bancos de
praças e ruelas de Jaraguá (MONTEIRO, 2004), sempre repletas do pitoresco das noites
boêmias ao som de boleros, twist e músicas da Jovem Guarda típicas dos anos 50 e 60. Neste
período, a antiga Rua da Alfândega (hoje Sá Albuquerque) concentrava cabarés luxuosos que
dispunham de bebidas caras e mulheres bem vestidas destinados à classe abastada da
sociedade. Nas ruas adjacentes, proliferavam casas noturnas mais modestas, freqüentemente
visitadas pelos menos afortunados.
No final dos anos sessenta, sob imposição do Cel. Adauto Teixeira, a “zona” de
Jaraguá (como era chamada a região dos bordéis) foi transferida para espaços mais afastados
da cidade, para satisfação das senhoras que residiam nos bairros da redondeza e protesto dos
boêmios descontentes com a distância. As palavras a seguir ilustram o referido momento:
Em 1969, com pressão das madames daqui de Maceió, as ‘socialites’, as mulheres que moravam na Ponta Verde, Pajuçara começaram a pressionar. Toda vez que elas iam para a cidade, elas tinham que passar por aqui, de bonde, ônibus, carro e outras coisas mais. Pressionaram, então, em 1969, as putas foram expulsas daqui de Jaraguá. Todas elas foram lá pro Canaã, lá pro tabuleiro [...] (escritor e presidente de uma das associações de moradores do bairro - E03).
Segundo o mesmo entrevistado, as prostitutas foram responsáveis, ainda que
involuntariamente, pela conservação do acervo arquitetônico de Jaraguá:
Que aconteceu quando as putas saíram daqui? No outro dia, no modo se dizer, o armazém do Faustino foi derrubado para colocar esse Bradesco [...] E vários prédios começaram a ser derrubados aqui. [...] Eu quando olho esse
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Bradesco aí me dá uma raiva [...] que aquilo ali era o armazém mais bonito que a gente tinha aqui, era o armazém do Faustino [...] Então, devido a isso, eu tenho uma teoria que nós temos o Jaraguá graças às putas que permaneceram aqui. [...] Foram elas que conservaram esse acervo arquitetônico histórico nosso, aqui de Maceió.
Paralelamente à destruição dos antigos sobrados na área, o progresso da cidade, a
aglomeração de famílias carentes ao longo da margem do Complexo Reginaldo/Salgadinho
(antigo riacho Maçayó) e, em especial, os aportes maciços de dejetos e esgotos depositados
pela companhia de água e saneamento de Alagoas contribuíram com a poluição do mesmo, e,
em conseqüência, das águas que banham a praia de Jaraguá (também conhecida como praia da
Av. da Paz). A referida praia tornou-se um depósito de lixos, dejetos e agentes poluidores
diversos, canalizados por um grande esgoto a céu aberto (CEFET/AL, 2002).
Isto ocorreu porque desde os anos 40, a Ilha de Chiés (um trecho por onde passa o
Salgadinho) foi aterrada e o antigo riacho Maçayó passou a desaguar na praia da Av. da Paz.
É o historiador Lima Jr (1976, p.139-141) quem avalia o caso:
O aterro do riacho, fazendo-o desaguar na belíssima praia de Jaraguá, incontestavelmente foi, mais do que um crime, um erro. [...] Mudaram a foz do Salgadinho. Por que e para que? Encerrou-se, melancolicamente, um período da vida da cidade e de muito menino vadio.
Cenário do cotidiano maceioense, o Salgadinho, particularmente a Ilha do Chiés,
testemunhou as brincadeiras de muitos meninos com imaginação ardente que, sonhando em
encontrar Robson Crusoé7 e o índio Sexta-Feira ou tesouros enterrados por piratas caolhos de
perna-de-pau, fugiam do Liceu Alagoano, do Almeida Leite e outros colégios da época, para
mergulhar e remar em suas águas sobre velhos paus de jangadas (LIMA JR, 1976). A
poluição do Salgadinho e da Praia de Av. da Paz aguça as lembranças dos saudosos:
Me criei nessa bela praia da avenida, que não tinha poluição porque o Salgadinho não era poluído. Eu cheguei a pescar no Salgadinho, tomar banho. [Eu e um amigo de infância] fizemos uma cota e compramos uma rede e tínhamos uma jangada, de tronco de bananeira, e colocava no
7 Personagem do livro de mesmo nome de Daniel Defoe. Robson Crusoé é um jovem que foge de casa num navio, sonhando em viajar pelo mundo, encontrar novas terras e viver aventuras. É amigo do índio Sexta-Feira.
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Salgadinho até lá embaixo, onde hoje é a Escola Técnica (escritor e presidente de uma das associações de moradores do bairro - E03).
Eis que Jaraguá chega aos anos oitenta com parte de seu patrimônio natural e
construído depredado. A ‘enseada das canoas’ abrigava, então, uma população
predominantemente de baixa renda. Outros bairros de Maceió figuravam, neste momento,
posições de destaque enquanto recantos das classes mais favorecidas da cidade. Mesmo o
porto do bairro, que esteve entre os mais modernos e movimentados do país, apresenta sinais
de esvaziamento e de utilização pouco expressiva, com indícios de deterioração urbana em
função do desuso das edificações e da sua utilização como ‘passagem’ de veículos e
transeuntes (SARMENTO, 1997).
Com o desaquecimento funcional e a deterioração física e natural, a ‘enseada das
canoas’ foi paulatinamente relegada ao esquecimento pelo poder público. Um dos
entrevistados discorre sobre o fato: “[...] era um bairro esquecido sim, podemos dizer, pela
administração [pelo poder público]. As pessoas não gostavam de morar lá, porque se deixou
morrer, a gente chamava ‘até parece mais um bairro-fantasma’ [...]” (ex-secretária de
planejamento da Prefeitura de Maceió – E17).
Contudo, a mescla funcional das atividades portuárias, de serviço, comércio e
habitações da qual Jaraguá foi palco ao longo dos anos se refletiu na tipologia de seu
patrimônio urbanístico (MACEIÒ, 1995), conferindo valor histórico aos sobrados da área e
acentuando sua singularidade no âmbito da cidade de Maceió, em especial, no entorno da Rua
Sá e Albuquerque:
“[...] causa um efeito de contraste entre os grandes armazéns e a singeleza dos sobrados e das casas de porta e janela. Essa estrutura conserva toda a sua força na rua Sá e Albuquerque e nas suas imediações. [...] Individualmente as edificações [do bairro] não dispõe[m] de maior valor, porém o conjunto delas compõe um acervo urbanístico de grande interesse ambiental e urbano. A maior parte de seus edifícios não se enquadram nos valores e critérios clássicos e consagrados de Patrimônio. No entanto, adotando o critério de significação para a cidade, de caráter e representação regional somados aos critérios tradicionais, históricos e culturais, o conjunto de edificações do
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Bairro de Jaraguá é bastante representativo da realidade econômica, social e cultural de Maceió, conferindo-lhe um caráter próprio (MACEIÓ, 1995, p. 54, sic).
Somente em 1984, o valor histórico do patrimônio edificado de Jaraguá é reconhecido
pelo Conselho Estadual de Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e
Natural de Alagoas (CEECP), o qual, por meio da Resolução nº 2 de 16 de abril do mesmo
ano, propõe o tombamento do bairro, com fins de promover ações de conservação,
valorização e restauração de seu acervo cultural (MACEIÓ, 1984).
Segundo o citado documento, tais ações deveriam obedecer aos ditames da Carta
Internacional de Veneza (1964) no tocante à conservação e restauração de monumentos e
sítios históricos, bem como às normas/orientações da SPHAN (Secretaria do Patrimônio
Histórico, Artístico e Natural) e do próprio CEECP. A Resolução nº 2 versa também sobre a
proibição de certas obras e atividades em Jaraguá, tais como demolições, armazenamento de
inflamáveis ou explosivos, produção de vibrações ou sobrecargas excessivas, construções
novas que alterem a ambiência, entre outras (MACEIÓ, 1984).
Com efeito, o Decreto Estadual nº 6.061 de dezenove de novembro de 1984, em seu
artigo 1º, acata a decisão do Conselho de Preservação de Alagoas: “[...] Fica homologada a
Resolução nº 2 do Conselho Estadual de Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico,
Artístico e Natural - referente ao tombamento do acervo cultural do bairro de Jaraguá, nesta
cidade de Maceió, compreendendo o espaço urbano, monumentos, bens imóveis e áreas
verdes” (ALAGOAS, 1984, p.1). Sarmento (1997, p.39) assinala, contudo, que essa decisão
não concorre para a conservação de Jaraguá, uma vez que suas edificações permaneceram em
abandono, quando não descaracterizadas pelo uso inadequado de materiais modernos.
Nos anos noventa, com a ascensão da atmosfera de promoção do desenvolvimento
local via recuperação de antigos espaços urbanos, a ‘enseada das canoas’, outrora
abandonada, torna-se alvo de múltiplos olhares e interesses. Não demorou muito para que os
100
governos locais percebessem que um grande filão econômico se escondia por trás de seus
históricos sobrados em estado de depreciação. E o velho Jaraguá, que nascera sob os signos da
maresia, da boemia e do melaço, seria então revitalizado para se transformar num pólo
turístico, cultural e de entretenimento da cidade.
4.1.3 A revitalização do velho (ou novo?) Jaraguá
A palavra revitalizar é amplamente expressa entre os teóricos que interpretam e
analisam a reativação de espaços urbanos na contemporaneidade. Mas o que significa
revitalizar? Denotativamente, o vocábulo em questão simboliza ‘tornar a vitalizar’, isto é, dar
vida novamente a algo/alguém sem vigor, morto. Em se tratando da revitalização de antigos
centros históricos, o pressuposto em geral subjacente é que de estes ambientes passaram por
um processo de degradação e de abandono, necessitando, portanto, de atividades, em geral
turístico-culturais, que fomentem seu re-povoamento e sua recuperação física, em sintonia
com as normas vigentes de preservação do patrimônio arquitetônico.
É sob esta conotação que o processo de revitalização de centros históricos,
nomeadamente o de Jaraguá, é observado no presente trabalho. A presente sub-secção
destina-se a relatar a história da revitalização do bairro, delineada em três momentos que
abarcam, respectivamente, a fase de planejamento com a formulação do plano de
desenvolvimento (1993-1996), a etapa de concretização das obras e articulação com atores
envolvidos (1996-2000) e, por fim, a descrição do efetivo funcionamento dos novos usos e
atividades almejados para o bairro (2000-dias atuais). Cabe ressaltar que a divisão proposta é
meramente didática, posto que, na prática, houve uma concentração (e não a totalidade)
dessas ações nos períodos estipulados.
101
4.1.3.1 Momento 1 - O planejamento: luta pelos recursos e elaboração do roteiro
As primeiras ações substancialmente representativas rumo à revitalização de Jaraguá
foram tecidas durante a gestão da Prefeitura Municipal de Maceió por Ronaldo Lessa (1993-
1996). O cenário dos anos 90 foi extremamente promissor para que o ideal de transformar
Jaraguá num pólo turístico, cultural e de entretenimento ocupasse o centro dos debates entre
os representantes dos poderes locais e efetivamente se consolidasse. Nesta época, diversas
revitalizações de antigos espaços urbanos ocorriam nacional e internacionalmente e
espelharam a recuperação do bairro:
Antes da gente começar aquilo ali [a revitalização de Jaraguá][...] a gente viu uma revitalização em Porto Alegre, nós vimos aquela [revitalização] de Buenos Aires, Porto de Madeira [...] e o próprio Recife antigo. Fui lá, a gente foi lá ver o Recife antigo, ver qual era a proposta do bairro [...] Fomos em Fortaleza onde fizeram aquela revitalização também. A gente precisava ver onde é que estava dando problema pra gente copiar na verdade, copiar as coisas para facilitar, não queria inventar nada, a gente queria ver onde que estava a coisa fluindo com mais rapidez e a gente copiar, copiar pra gente ser mais rápido e ser mais eficiente com isso. Então, tudo isso aí, essas propostas já estavam em andamento, já estavam funcionando. De alguma forma, a gente verificou antes de fazer a nossa aqui (ex-secretário executivo da UEM – E14).
O mimetismo entre cidades, particularmente de Maceió a outros espaços urbanos, fica
bastante transparente no fragmento acima e reflete as respostas dos entrevistados como um
todo, que se revelaram contundentes sobre este aspecto. O intuito precípuo era não só copiar o
processo de revitalização dos centros históricos de outras cidades, como, inclusive, identificar
seus pontos fortes e fracos, visando enfatizar os primeiros e minorar os segundos. É uma ex-
secretária municipal de planejamento (E17) quem ilustra a estratégia da cidade de Maceió de
aprimorar esse processo, através da reestruturação urbana de Jaraguá: “[...] ninguém quer
inventar a roda, porque a roda já foi inventada, você pode até decorá-la melhor”.
Entre as revitalizações que serviram de modelo para a intervenção em Jaraguá, a do
Recife Antigo, em Recife, e do Pelourinho, em Salvador, assumem papel de destaque (em
especial a primeira) e despontam como as mais citadas pelos inquiridos. Tal fato pode ser
102
explicado, inicialmente, devido à própria localização da cidade de Maceió, relativamente
próxima a Recife e Salvador, mas também em função de uma competição interurbana pelo
mercado turístico nordestino. As próprias expressões ‘decorar melhor a roda’ ou ‘copiar pra
ser mais eficiente’ sugerem uma espécie de benchmarking8 ou o que poderíamos chamar de
certa rivalidade/disputa competitiva.
As palavras abaixo, retiradas de um documento que versa sobre o planejamento da
revitalização de Jaraguá, coadunam-se a este raciocínio:
Ao visitá-la [a cidade de Maceió] não se consegue identificar algo de próprio, algo que lhe seja característico, algo que a diferencie de outras cidades nordestinas. Por diversos momentos é possível se encontrar perdido sem saber se se está em Natal, Fortaleza ou Aracajú ou em outra cidade do nordeste. [...] Nas cidades nordestinas podemos apontar algumas com características próprias bastante fortes. É o caso de Salvador. O que mais a identifica, o que mais a torna diferente das outras, é o seu bairro histórico, o Pelourinho; em Pernambuco, Recife, sua orla, suas pontes, e a cidade histórica de Olinda. E em Maceió? Maceió tem o seu bairro de Jaraguá, que é único e diferenciado. A cidade precisa reconhecer este fato e valorizá-lo a ponto de que o bairro se torne o seu símbolo (MACEIÓ, 1994a, p.29-30, sic).
A citação permite inferir que Maceió não almejava ficar à deriva das demais capitais
nordestinas e que, para atrair visitantes, seria imperial investir em espaços turístico-culturais,
destacando a singularidade e a história da cidade. Não por acaso, as atenções se voltam para
Jaraguá. A ‘enseada das canoas’ na década de noventa era um sítio histórico abandonado,
detentor de posição estratégica privilegiada e talvez o único da capital alagoana que marque
uma época por sua arquitetura. Preenchia, dessa forma, os requisitos basilares e norteadores
das revitalizações de centros históricos em diversas partes do globo. Ademais, tratava-se de
um bairro com condições ímpares em termos de ambiente urbano e caracterizado pelo
binômio ambiente construído e ambiente natural (MACEIÓ, 1994a).
8 Benchmarking é um processo de comparação entre práticas gerenciais frente os concorrentes mais fortes, a fim de identificar as práticas que se revelam mais eficientes e de maior vantagem competitiva.
103
As intenções de recuperação do centro histórico de Jaraguá apresentam ampla sintonia
com o fomento à atividade turística: o pano de fundo desta intervenção urbana expressa a
motivação dos poderes locais em aliar as belezas naturais já existentes em Maceió às opções
culturais e de lazer pleiteadas para Jaraguá. O pressuposto implícito é que investimentos desse
porte contribuem para ampliar o tempo de permanência do turista na cidade, como assinala
Ronaldo Lessa, então prefeito da cidade, no fragmento do ofício nº051/94 que pleiteia apoio
para a revitalização do bairro:
[...] definimos como prioridade de nosso governo, ações para o desenvolvimento do turismo a fim de que, através desta atividade se possa gerar mais divisas para o município e por via de conseqüência, mais investimentos visando não só promover melhorias na área urbana, como também criar mais oportunidades de emprego e renda para a nossa comunidade. Maceió, por certo, transformou-se nos últimos anos, em um dos pólos mais atrativos aos turistas nacionais e internacionais; porém firmou-se apenas às custas das belezas naturais de nosso litoral, fato que por si só não favorece uma maior permanência daqueles que nos visitam e conseqüentemente o aumento da receita municipal (MACEIÓ, 1994b, p.1).
Nomeadamente conhecida pelo verde de suas praias, Maceió figura entre as cidades
latino-americanas que investiram no turismo como alternativa de desenvolvimento. Conforme
as palavras de um entrevistado, “[...] todos os candidatos políticos em Alagoas dizem que a
saída do Estado é o turismo. E alguém já disse até que Maceió é a Miami dos miseráveis [...]”
(empresário e membro da cúpula da Associação de Bares e Restaurantes - E02). A
expectativa, portanto, era de que o projeto de recuperação de Jaraguá viesse a atrair visitantes
de classes sociais mais abastadas e que completasse o “turismo de sol e mar”, que segundo
Denise Gomes, ex-gerente de turismo da UEM, tratava-se até então do principal produto
ofertado por Maceió (JARAGUÁ, 1997).
Revitalizar Jaraguá, contudo, exigiria uma parcela significativa de recursos. O
PRODETUR/NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), resultado de uma
parceria entre o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o BNB (Banco do
Nordeste do Brasil), financiava investimentos no setor turístico. Um ex-secretário executivo
104
da UEM (E14) recorda que o BID apresenta uma série de estudos com indicadores que
realçam a relevância do turismo como vetor de desenvolvimento.
Em verdade, a política do Banco Interamericano demonstra, através de seus estudos,
duas grandes razões pelas quais o investimento no setor do turístico se revela mais promissor
do que os investimentos no setor industrial. A primeira supõe que o turismo acentua a
promoção de renda e empregos diretos e indiretos em números consideravelmente maiores e a
segunda que se trata de uma solução mais econômica para estados e regiões de menor porte.
Salientando uma conversa com um representante da cúpula do BID em que o mesmo expõe
esses argumentos, um dos entrevistados, cujo papel foi de destaque no processo de
planejamento da revitalização de Jaraguá, conclui:
[...] desde aquela época [de planejamento da revitalização de Jaraguá] e hoje mais forte ainda, a gente tem consciência que a nossa grande indústria é o turismo, nós não vamos pensar em trazer uma Ford, uma multinacional pra cá, porque isso não existe, não tem como num estado pequeno, o nordeste como um todo. Mesmo os estados maiores, Pernambuco, a Bahia [...] (ex-secretário executivo da UEM – E14)
O Estado de Alagoas, neste momento, passava por um processo de depressão
econômica e inadimplência. Com efeito, foi a administração do então prefeito Ronaldo Lessa
que conduziu as negociações com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, pleiteando
recursos para a concretização das obras de recuperação do bairro:
[...] ele [Ronaldo Lessa] tinha essa idéia na cabeça da revitalização do bairro e ele teve um problema naquele momento: [...] o Banco Interamericano não financiava para o município, só financiava para Estado e União. Então, o que aconteceu? A minha batalha na verdade era pra tentar convencer ao Banco, que ele exigisse tudo o que exigiria para o estado e exigir do município, e analisasse a nossa capacidade de endividamento do município e daí me dissesse: ‘olhe o seu tamanho é esse, eu posso lhe emprestar isso’. E daí a gente adaptaria o nosso projeto ao tamanho que a gente poderia adaptar [...] (ex-secretário executivo da UEM – E14).
Em novembro de 1993, a Prefeitura Municipal de Maceió apresenta sua intenção de
revitalização do bairro de Jaraguá e do Complexo Reginaldo/Salgadinho à diretoria do BID,
em Washington, a qual sinaliza uma aprovação preliminar. Destas articulações iniciais resulta
105
a inserção de Maceió no PRODETUR/NE, através de um projeto mais amplo denominado
Paraíso das Águas que inclui ações diversas ao longo do litoral alagoano e cuja proposta
previa investimentos na ordem de U$ 55.000.000,00 (cinqüenta e cinco milhões de dólares).
A Prefeitura de Maceió inicia, então, uma longa caminhada, visando atender às
exigências do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Através do IMPAR - Instituto
Municipal de Planejamento e Ação Regional (atual Secretaria de Planejamento), a Prefeitura
contrata a empresa ‘TCI planejamento, Projeto e Consultoria Internacional Ltda’ para elaborar
o plano de desenvolvimento e revitalização de Jaraguá de modo a materializar as aspirações
da administração municipal.
Segundo o referido plano, a intervenção em Jaraguá se circunscreve sob a idéia de
promover uma “[...] revitalização do ponto de vista histórico-urbanístico, social, ambiental,
infra-estrutural etc, numa visão onde se harmonizem as exigências de seu desenvolvimento
com a preservação dos sistemas cultural e natural”. A contemplação de todas essas esferas
ocorreria mediante a transformação de Jaraguá em um centro de atração turística, que
ofertasse aos visitantes opções culturais de entretenimento e, ao mesmo tempo, gerasse
emprego e renda, provendo um retorno substantivo para uma administração auto-sustentável
(MACEIÓ, 1995, p.10).
Esta transformação retrata, em síntese, o objetivo nuclear da revitalização, a partir da
qual se irradiaria o desenvolvimento do bairro. Sua operacionalização se pauta em dois tipos
de intervenção: a direta e a indireta. O estabelecimento de formas específicas de intervenção
forneceu as diretrizes para a elaboração de sete programas do poder público municipal, que,
em seu bojo, constituem o produto principal do plano de desenvolvimento da área em estudo
(MACEIÓ, 1994a).
A intervenção direta pressupõe o desenvolvimento de projetos de infra-estrutura
urbana, reurbanização e restauração de edifícios e logradouros históricos de caráter público
106
que, no conjunto, visam elevar a qualidade de vida urbana e induzir mudanças de uso e
ocupação do solo. Estas ações são previstas para curtos e médios prazos e encontram-se
definidas no plano como “[...] condição de especial relevância para habilitação da área a
investimentos da iniciativa privada” (MACEIÓ, 1994a, p.41).
No tocante à intervenção indireta, os prazos previstos para desenvolvimento e
implementação são mais elásticos, em geral, médios e longos. Este tipo de intervenção
encontra-se prevista sob duas formas: primeiro, através da elaboração de legislação corretiva
ou de controle, e montagem de dispositivos especiais de acompanhamento e de fiscalização; e
segundo, por meio de dispositivos de estímulo e/ou desestímulo à atuação da iniciativa
privada. O intuito é proporcionar abertura e opções alternativas para o setor privado,
incentivando e norteando investimentos na área (MACEIÓ, 1994a, p.41-42).
Os sete programas de intervenção, os órgãos envolvidos na elaboração destes
programas e o grau de prioridade para sua consecução estão sintetizados no quadro 5 (4).
Cada programa é composto por subprogramas, ações ou projetos setoriais, que, no conjunto,
constituem um roteiro com medidas de planejamento (como criação de legislação específica,
unidade gestora para o bairro, etc) e de implementação (execução de obras e dinamização do
espaço) que norteiam e subsidiam o efetivo alcance do objetivo previamente estipulado no
plano de desenvolvimento de Jaraguá.
De acordo com o plano de desenvolvimento, a reestruturação desse centro histórico
culminaria com um vasto elenco de beneficiários, respectivamente: a população de baixa
renda de Jaraguá, os demais habitantes do bairro e os visitantes (incluindo toda a população
de Maceió e os turistas), os investidores da área, o Município e o Estado e, ainda, a cidade de
Maceió como um todo, uma vez que o tratamento conferido a Jaraguá com implementação
dos programas sugeridos serviria de indução para a remodelação de outras áreas urbanas da
capital alagoana.
110
Outros documentos oficiais da Prefeitura Municipal de Maceió expressam o
planejamento do poder público em criar na área alguns espaços que também se configurariam
como centros indutores de desenvolvimento, capazes de promover a valorização imobiliária e
funcional em Jaraguá, bem como gerar benefícios para o bairro, seu entorno e a cidade de
Maceió como um todo. Destes, dois se destacam: a construção de um centro de convenções e
a criação de uma marina.
O primeiro ocuparia uma área de 10.000m2 em antigos armazéns do bairro
(nomeadamente seis de seus galpões com um corredor central). A proposta contempla a
instalação de um centro cultural e de exposições com cinema, teatro, biblioteca, oficinas de
arte, academia de dança e videoteca. A localização da segunda estava prevista entre a Av.
Cícero Toledo e a Bacia de Evolução do Porto (ver mapa 04, apêndice F). Conforme relatado
no tópico 4.1.1, Jaraguá reúne condições naturais (geológicas, morfológicas e oceanográficas)
favoráveis ao seu desenvolvimento. Segundo relatório técnico da Technica Consultoria e
Projetos, solicitado pela Prefeitura de Maceió, estas condições eram também propícias à
implantação de uma marina, que permitiria dinamizar os esportes marítimos e alavancar o
setor náutico, estimulando a rede hoteleira da região.
As articulações com o BID ainda estavam em trâmite em 11 de agosto de 1995,
quando a gestão administrativa da Prefeitura Municipal de Maceió organiza o ato simbólico
de lançamento da pedra fundamental do projeto de revitalização de Jaraguá no coreto da Av.
da Paz, onde se colocou uma placa comemorando a data e marcando o princípio da
revitalização. Nesta oportunidade, a Prefeitura apresentou algumas das propostas almejadas
para o bairro, que se iniciariam com recursos do próprio município. A solenidade contou com
a participação do presidente do BNB e do BID, respectivamente Byron Costa de Queiroz e
Enrique Iglesias. Este último foi homenageado na ocasião pela Prefeitura Municipal de
Maceió por sua participação no desenvolvimento da cidade.
111
Uma das exigências do BID para a liberação dos recursos era a criação da Unidade
Executora Municipal (UEM), que seria responsável por gerir o programa de revitalização do
bairro. Como corolário, o prefeito Ronaldo Lessa sanciona a Lei Municipal 4.487/96, que
dispõe sobre a criação da UEM e suas atribuições:
Art. 1º - Fica criado a Unidade Executora Municipal do PRODETUR/NE, de natureza temporária, com vigência igual a duração do projeto, ligada diretamente ao IMPAR – Instituto Municipal de Planejamento e Ação Regional (MACEIÓ, 1996a, p.1, sic, grifos do documento). Art. 2º - A Unidade Executora Municipal do PRODETUR/NE, no âmbito da Prefeitura Municipal, responsável pela coordenação do mesmo nas fases de definição dos objetivos, de planejamento estrutural e de implantação e execução do citado programa (MACEIÓ, 1996a, p.1, sic, grifos do documento).
O citado documento discorre ainda sobre a estrutura organizacional da UEM, que
detinha a seguinte composição inicial: um secretário executivo, três cargos de assessoria
(jurídica, de projetos e administrativo-financeiro), duas coordenações (sendo uma operacional
e outra de desenvolvimento institucional) e quatro gerências (de obras civis, de saneamento,
de meio-ambiente e de turismo). O ETJ, núcleo composto por seis arquitetas e responsável
pela fiscalização das obras de Jaraguá, também se vincula à Unidade Executora Municipal.
Tal estrutura, que sofreu algumas modificações no decorrer da implantação do projeto (ver
organograma atual da UEM no anexo B), foi também uma exigência do BID, conforme relato
de um entrevistado:
[...] o Banco Interamericano de Desenvolvimento obriga a qualquer recurso que ele mande, que ele financie, que haja uma unidade executora. Então quando é no município, Unidade Executora Municipal. [...] É obrigado você criar um organograma. [...] E tinha uma exigência, o organograma é do Banco, o Banco disse: ‘eu quero assim’, tipo ‘funcione desse jeito...’ (ex-secretário executivo da UEM – E14).
Possivelmente, o rigor do BID na elaboração de organograma específico da unidade
executora deve-se ao fato de que o Banco Interamericano de Desenvolvimento aceita os
gastos na UEM (inclusive a remuneração de seus integrantes) como contrapartida no
112
financiamento. Segundo um ex-secretário executivo da UEM (E14), esse fato proporcionou ao
poder público, por um lado, as condições de numerário necessárias para ofertar melhores
salários e, em conseqüência, contratar profissionais de destaque no mercado com fins de
compor o corpo técnico da unidade. Por outro, a equipe técnica da UEM foi utilizada, dentro
do tempo disponível, em trabalhos paralelos “[...] para ter uma espécie de planejamento e de
execução de coisas também do município, independente daquela unidade especifica do
bairro”. Em outras palavras, a administração da Prefeitura de Maceió procurou conciliar as
exigências do BID às necessidades do município, “[...] sem afetar nenhum trabalho do banco
[...]”, conforme pondera o inquirido.
Em 14 de novembro de 1996, é publicada a Lei Municipal 4.545/96, que discorre
sobre as normas de proteção à edificação e aos conjuntos de edificações expressivos da
arquitetura e história da cidade de Maceió, bem como disciplina a preservação desses bens
que constituem o patrimônio cultural construído da cidade. De acordo com o Capítulo I,
parágrafo único da referida lei, “[...] O Chefe do Executivo Municipal, mediante decreto,
estabelecerá cada Zona Especial de Preservação (ZEP) aprovando seu respectivo regulamento
e destinação, detalhando as normas edilícias e de uso e ocupação, de aplicação específica para
cada uma das ZEP instituídas” (MACEIÓ, 1996b, p.1).
É assim que o prefeito Ronaldo Lessa assina o Decreto Municipal nº 5.569 de 22 de
novembro de 1996, no qual o bairro de Jaraguá é intitulado Zona Especial de Preservação 1
pelo capítulo I, art. 1º: “[...] fica instituída a Zona Especial de Preservação 1 (ZEP-1),
constituída pelo sítio histórico de Jaraguá, considerada área de interesse histórico e
arquitetônico, tendo sua preservação dirigida à vocação turística, de lazer e de cultura”
(MACEIÓ, 1996c, p.1). Através deste documento, a ZEP-1 é dividida em cinco setores de
preservação (ver mapa 03 referente ao polígono de preservação da ZEP-1 e sua setorização,
no apêndice F), conforme descrito abaixo:
113
I - O Setor de Preservação Rigorosa 1 - SPR-1, sendo a área constituída pelo núcleo que mantém a morfologia urbana e a tipologia das edificações de interesse histórico e arquitetônico, sujeitando-se por isso a rígido controle das intervenções (MACEIÓ, 1996c, grifos do documento, p.1); II - O Setor de Preservação Rigorosa 2 - SPR-2, sendo constituído pelas ruínas, Edificações isoladas e/ou conjuntos antigos isolados situados dentro da Zona Especial de Preservação - ZEP-1, e cujas características deverão ser mantidas obedecendo a um rígido controle de intervenções, a exemplo do SPR-1 (MACEIÓ, 1996c, grifos do documento, p.1); III - O Setor de Preservação Ambiental 1 - SPA-1, sendo a área de entorno do SPR-1, de uso predominantemente residencial, que mantém na maioria das ruas a escala e o traçado urbano primitivo (MACEIÓ, 1996c, grifos do documento, p.1); IV - O Setor de Preservação Ambiental 2 - SPA-2, sendo área de entorno do SPR-1 onde se verifica uso residencial, comercial e de serviços, na sua grande maioria ligados à atividade portuária (MACEIÓ, 1996c, grifos do documento, p.1); V - O Setor de Preservação Ambiental 3 - SPA-3, sendo área de entorno do SPR-1, considerada de interesse social por ser constituída de construções ocupadas por população de baixa renda cuja atividade principal é a pesca. (MACEIÓ, 1996c, grifos do documento, p.1)
É sob o SPR-1 que se concentraram as principais ações de revitalização de Jaraguá,
sobretudo no entorno da Rua Sá e Albuquerque, conforme afirma um documento da UEM:
“[...] o núcleo de preservação, instituído por decreto municipal, concentrou o foco das ações
de revitalização, priorizando a Rua Sá e Albuquerque”, núcleo histórico principal de Jaraguá
escolhido para ancorar os empreendimentos que serão os agentes irradiadores da revitalização
para as demais áreas do bairro (MACEIÓ, s/d, p.1). As atividades implementadas nos outros
setores assumem caráter mais específico. Como corolário, a atenção deste trabalho se acentua
no SPR-1, abarcando, nas demais regiões, apenas áreas pontuais contempladas no plano de
desenvolvimento de Jaraguá.
No decorrer deste intenso período de planejamento da revitalização de Jaraguá, a
sociedade civil organizada em Maceió teve uma fraca expressão em torno da temática de
preservação do patrimônio natural e construído do centro histórico do bairro. Entre os raros
esforços neste sentido, destaca-se o papel da AMAPAZ (Associação dos Amigos da Av. da
Paz), fundada pelo escritor Carlito Lima. A citada associação chegou a realizar alguns
movimentos em defesa do bairro, particularmente, no tocante ao saneamento do Complexo
114
Reginaldo/Salgadinho, almejando o retorno da balneabilidade das águas da praia da Av. da
Paz. Dois deles alcançaram maior repercussão, com cobertura dos jornais locais.
O primeiro data de 1991 (antecede o período de planejamento da revitalização) e
ocorreu durante uma visita do então Presidente da República Fernando Collor à cidade,
conforme descreve um representante da AMAPAZ: “[...] colocamos 36 faixas – até hoje eu
me lembro o número – e a faixa pedia: ‘Fernando, por favor, o Salgadinho despoluído.
Queremos a volta da avenida da Paz, como era antes. Queremos a despoluição do
Salgadinho’[...]”. O segundo foi em 1993, em protesto ao fétido odor exalado pelo riacho
Salgadinho. É o mesmo entrevistado quem descreve:
[...] esse foi um protesto dos mais bonitos já feitos em Maceió. Fizemos uma propaganda, saímos por aí [...] Quatro mil pessoas, todos eles com uma máscara aqui na cara e cantando, essa coisa toda, foi uma coisa... Foi assim de duas horas da tarde até cinco horas [...] (membro da cúpula da AMAPAZ - E03).
Outras campanhas foram realizadas ao longo dos anos 90 pela AMAPAZ como, por
exemplo, a tentativa de atrair a atenção da população para o coreto da Av. da Paz via
programação em que constavam serestas e manifestações artísticas em geral (CEFET/AL,
2002). Também foi realizada uma homenagem às prostitutas de Jaraguá (placa colocada em
um dos sobrados do bairro – ver foto 31 no apêndice B), que, para o líder desta associação,
marcaram uma época da cidade e preservaram involuntariamente os sobrados do bairro. As
ações solitárias desta entidade, carente de apoios, foram, entretanto, descontínuas.
No final de 1996, contudo, reascende-se a expectativa de que as obras de revitalização
de Jaraguá e inclusive de saneamento do complexo Salgadinho (ambos contemplados no
plano de desenvolvimento elaborado para o bairro) saíssem do papel. Neste momento,
estendem-se as negociações entre a Prefeitura Municipal de Maceió e o BID, culminando com
a assinatura do contrato de financiamento. Percebe-se certo orgulho no discurso dos
115
entrevistados ao discorrer sobre o assunto, sempre enfatizando que Maceió foi o primeiro9
município do nordeste a conseguir tal concessão do BID, já que este tradicionalmente só
financiava para os níveis estadual e federal, conforme afirma um ex-secretário executivo da
UEM (E14):
[...] foi realmente uma luta muito grande, só na saída do governo [gestão do prefeito Ronaldo Lessa] foi que a gente conseguiu assinar o contrato. Então o recurso só foi usado, na verdade, numa administração posterior, a da Kátia Born, mas, naquele momento, podia ter sido qualquer candidato. A gente queria deixar, pelo menos, aquele recurso para a idéia do projeto. Esse foi o grande início como surgiu [a revitalização de Jaraguá]. Graças a Deus, Maceió foi o primeiro município acho que de todo Brasil que teve financiamento do BID.
Com esse acontecimento, as obras de Jaraguá, em seu bojo, seriam efetivamente
financiadas pelo PRODETUR/NE I em sessenta por cento10, sendo quarenta por cento com
recursos próprios da Prefeitura a título de contrapartida. Segundo um dos coordenadores
operacionais da UEM (E12), acorda-se, neste momento, que o BID financiaria a longo prazo
(20 anos) e o BNB administraria e repassaria os recursos, sob o pagamento de uma taxa pelo
município. Haveria uma carência (até a conclusão da obra) e em seguida a Prefeitura
começaria a amortizar. Mesmo com a assinatura do contrato (protocolo de intenções na qual o
município demonstra que tem capacidade de endividamento e pagamento para tomar o
financiamento), as negociações e articulações com os bancos se estenderiam.
Antecede a liberação efetiva de recursos, a aprovação de projetos específicos que
devem passar pelo crivo de estudos exigidos pelo banco, nomeadamente o de impacto sócio-
econômico e o de impacto ambiental. Também seria exigida uma minuta do edital de licitação
antes que este fosse publicado pela Prefeitura de Maceió. Periodicamente, o município teria
9 Observou uma assimetria quanto a esta informação no discurso dos entrevistados, alguns diziam que Maceió foi o primeiro município do NE a receber esta concessão do BID, outros do Brasil e há quem diga que foi uma concessão a nível mundial. Pela análise de dados secundários, pode-se afirmar que Maceió foi o primeiro município contemplado pelo PRODETUR/NE I. 10 Em alguns documentos, encontrou-se a informação de que o BID financiaria 50% e o município de Maceió entraria com a contrapartida de 50%. Aparentemente, esse foi o percentual inicialmente acordado, mas houve uma negociação entre o município e o BID com fins de diminuir a contrapartida do primeiro para 40%.
116
que enviar as faturas das obras que viesse implementando. Estas seriam fiscalizadas pelo
BNB e somente então se consolidava o envio dos recursos, como prossegue o inquirido.
Com o plano de desenvolvimento elaborado, contrato de financiamento assinado,
Unidade Executora Municipal (gestora do programa) criada e legislação municipal de
preservação do patrimônio histórico estabelecida, a Prefeitura Municipal de Maceió dispunha
de todos os requisitos necessários para efetiva implementação das obras revitalizadoras do
bairro histórico da capital alagoana. Jaraguá estava muito próximo de passar por uma
profunda reestruturação urbana, rumo à modernização. Eis que a velha ‘enseada das canoas’
começaria a ganhar cores e ares novos.
4.1.3.2 Momento 2 - Os bastidores: construção do cenário e articulação com atores
A implementação do plano de desenvolvimento de Jaraguá compreende, em primeira
instância, a realização de obras revitalizadoras na cena urbana, que se apóia numa gestão
integrada de políticas púbicas, conforme documento oficial: “A condução do projeto Bairro
Jaraguá se dará através da implantação de uma estrutura formal de funcionamento que integra
os parceiros do Setor Público, Privado e da Sociedade Civil (MACEIÓ, s/d, p.3)”. Este
período pode ser descrito em duas grandes fases, que se sobrepõem em certos momentos. A
primeira abarca as ações de recuperação e reativação do bairro realizadas nomeadamente pelo
poder público e a segunda decorre das articulações com os atores potencialmente envolvidos
na revitalização, como iniciativa privada e as comunidades locais.
As primeiras obras de recuperação do bairro se iniciaram ainda na gestão de Ronaldo
Lessa, a partir de 1996. Em 1997, Kátia Born assume a Prefeitura Municipal de Maceió.
Aliada política e integrante do mesmo partido do ex-prefeito Ronaldo Lessa (PSB), a então
prefeita dá continuidade às aspirações da gestão anterior. É na sua administração que a
revitalização de Jaraguá é efetivamente concretizada. As principais ações desenvolvidas
117
perfilam a recuperação do sistema viário, de prédios, praças e monumentos públicos, ações de
saneamento no Complexo Reginaldo/Salgadinho e o fortalecimento institucional da Prefeitura
e seus órgãos (MACEIÓ, ca. 2001).
No sistema viário de Jaraguá, foram implementadas melhorias nas condições de acesso
ao bairro com a pavimentação da Av. Assis Chateaubriand, Av. Humberto Mendes, Av.
Robert Kennedy, Av. Duque de Caxias e da Rodovia MAC-204. O asfalto negro da Rua Sá
Albuquerque, centro vital de Jaraguá, foi substituído por pedras de modo a relembrar a origem
do bairro. Nesta mesma rua, realizou-se o aterramento das redes elétricas e telefônicas e
foram substituídos os postes em concretos que lá existiam por postes de época em ferro
fundido importado da França. Estes últimos causaram polêmica nos veículos de comunicação
da época, em função dos altos gastos do poder público.
Os prédios históricos do Museu da Imagem e do Som (MISA) e da Associação
Comercial entre outros foram recuperados sendo que este último através do sistema de
comodato. Houve também a restauração do coreto da Av. Duque de Caxias e das praças Dois
Leões, Dezoito do Forte de Copacabana, Bom Jesus dos Navegantes, Rayol, Marcílio Dias,
Aloísio Nogueira e Homero Galvão. As pontes do bairro foram reforçadas e/ou alargadas.
Um pouco mais tardiamente, implantou-se em Jaraguá também um amplo
estacionamento numa área de 37.536m2 com capacidade de cerca de 1.400 vagas. No tocante
ao saneamento do Vale Reginaldo/Salgadinho, foi construída uma estação elevatória de
esgoto com recursos do governo federal, por intermédio da Caixa Econômica e do programa
Habitar Brasil (cujas articulações iniciais ocorreram na fase de planejamento – momento 1). O
resultado foi uma medida paliativa, muito aquém da despoluição do riacho como planejada,
para o descontentamento da população maceioense e, particularmente, da AMAPAZ, que
lutou pelo seu saneamento.
118
Paralelamente à execução das obras, desenvolveu-se um projeto de reordenamento
institucional da Prefeitura de Maceió e seus órgãos, objetivando torná-los eficazes e em
condições operacionais adequadas para manter o patamar de qualidade dos serviços almejados
para Jaraguá. Houve fortalecimento de estrutura de informática, aquisição de equipamentos de
trabalho e cursos de capacitação profissional nos órgãos municipais (com a qualificação de
cerca de 2500 servidores públicos). Os principais órgãos beneficiados foram EMTURMA,
SEMMA, SIMA, SMCU, SEMPLA, COMURB e COBEL (MACEIÓ, ca. 2000).
Neste período de investimento, o poder público procurou transmitir para os cidadãos
maceioenses a mensagem de que o bairro de Jaraguá estava passando por um grande processo
de transformação que o retiraria do abandono e do esquecimento. Um informativo sobre o
projeto de Jaraguá exibe em letras garrafais: “REVITALIZAÇÃO FAZ DE JARAGUÁ UM
CANTEIRO DE OBRAS” (JARAGUÁ, 1997, p.1). À medida que as obras iam sendo
concluídas, havia cobertura pelos veículos de comunicação e desenvolvimento de campanhas
publicitárias, com slogans do tipo “Revitalização de Jaraguá, restaurando a história de
Alagoas”. Um documento informativo veiculado pela UEM na época ilustra o caso:
“Atualmente o bairro está passando por uma transformação profunda, o Projeto de Revitalização de Jaraguá está instalando no local um complexo turístico e cultural. Através dessa iniciativa, será devolvido ao bairro um clima de prosperidade, ao mesmo tempo que são divulgadas as raízes e a tradição de Maceió e de Alagoas” (MACEIÓ, 1999a, sic)
Em concomitância à divulgação do plano de desenvolvimento de Jaraguá e das obras
revitalizadoras implementadas, o poder público procura despertar o interesse da iniciativa
privada pelo bairro:
[...] a Prefeitura conclama o empresariado a acreditar em nossa terra, participando desse mutirão que visa consolidar Maceió no roteiro turístico nacional e internacional. Jaraguá, enfim, desempenha como atrativo, papel preponderante. Inclusive como instrumento gerador de emprego e renda em nossa comunidade (prefeita Kátia Born em entrevista para o informativo JARAGUÁ, 1997, p.8).
119
São também reforçados na mídia, inclusive com apoio de empresas de engenharia e
arquitetura, os incentivos fiscais ofertados pelo município para a abertura de estabelecimentos
voltados à cultura e ao lazer aliados à recuperação de imóveis em Jaraguá. A política de
incentivos fiscais ocorre de acordo com o tipo de obra realizada pelo investidor e uso
destinado ao estabelecimento (conforme expõe quadro 6 (4) abaixo), podendo alcançar até 10
anos de isenção de IPTU, redução de ISS em 20% pelo período de um ano e ainda isenções de
taxas para licenciamento (MACEIÓ, 1996b).
Em contraponto, os empresários beneficiados deveriam preservar a arquitetura dos
prédios históricos, segundo os ditames da Lei Municipal 4.545/96, que prevê penalidades por
seu descumprimento, desde o embargo, multa até demolição da obra irregular. Os projetos de
recuperação dos imóveis da iniciativa privada também se submetiam à aprovação e
fiscalização do ETJ/UEM, que, a esta época, encontrava-se devidamente instalado em um dos
sobrados de Jaraguá, sito à Rua Sá e Albuquerque.
TTIIPPOOSS DDEE OOBBRRAASS//UUSSOOSS IINNCCEENNTTIIVVAADDOOSS
IINNCCEENNTTIIVVOO FFIISSCCAALL
Conservação: “[...] intervenção de natureza preventiva, que consiste na manutenção do Bem Cultural a ser preservado”.
Isenção de IPTU pelo prazo de até dois (02) anos.
Reparação: “[...] intervenção de natureza corretiva, que consiste na substituição, modificação ou eliminação de elementos estranhos ou incompatíveis com a unidade arquitetônica do conjunto ou edifício isolado a ser preservado”.
Isenção de IPTU pelo prazo de até cinco (05) anos.
Restauração: “[...] intervenção, também de natureza corretiva, que consiste na reconstituição das características originárias de imóvel, mediante a recuperação da estrutura afetada e dos elementos destruídos, danificados ou descaracterizados ou, ainda, o expurgo de elementos estranhos ao Bem Cultural a ser preservado”.
Isenção do IPTU pelo prazo de até dez (10) anos.
Conservação, reparação ou restauração, em conformidade com as normas estabelecidas na Lei nº 4.545/96 e com regulamentação própria da ZEP baixada pelo Decreto nº 5.569/96.
Isenção da taxa relativa à concessão de licença para execução de obras de construção.
Usos diversos incentivados pelo poder público em conformidade com o Decreto nº 5.569/96 (ver relação no anexo F).
Isenção da taxa relativa à concessão de licença de instalação e funcionamento.
Usos diversos incentivados pelo poder público em conformidade com o Decreto nº 5.569/96 (ver relação no anexo F).
Redução em 20% das alíquotas do ISS pelo prazo de 01 (um) ano.
Quadro 6 (4) - Incentivos fiscais ofertados pelo poder público Fonte: elaborado com base na Lei Municipal 4.545/96, capítulo IV, art. 32 (MACEIÓ, 1996b, p.7-8).
120
A Lei Municipal 4.545/96 em seu capítulo IV e art. 33 também incentiva “[...] a
transferência, para fora da ZEP de atividade não compatível com os usos para ela previstos no
seu respectivo decreto regulamentador” (MACEIÓ, 1996b, p.8). Para estes casos, o município
de Maceió oferta: 1) isenção da taxa relativa à concessão de licença para instalação e
funcionamento em outra localidade; 2) isenção de IPTU, quando para transferência forem
realizadas obras de construção (por até cinco anos) e de reforma (por até dois anos) e 3)
isenção da taxa relativa à concessão de licença para execução das obras, à qual se refere o
incentivo anterior. Pelo exposto, ratifica-se o interesse do poder público em concentrar
atividades específicas nas Zonas Especiais de Proteção e, em Jaraguá particularmente,
mediante o fomento às atividades de lazer, turismo e entretenimento.
Além de ofertar incentivos às empresas de atividades não compatíveis a ZEP I no
intuito de que estas se transferiram para outros bairros da cidade, a UEM procurou,
simultaneamente, negociar com alguns empresários, cujos estabelecimentos funcionavam em
Jaraguá antes do início da revitalização, almejando que estes também recuperassem os prédios
históricos em que funcionavam. Um caso bastante citado pelos inquiridos foi o do Bradesco
sediado no antigo armazém Faustino e que, nesta época, estava totalmente descaracterizado.
Apesar das negociações entre a UEM e a direção do citado banco, a recuperação deste antigo
trapiche não se concretizou. Oficialmente, o poder público alegou que não havia valor
histórico na restauração do armazém Faustino, dado ao elevado nível de descaracterização em
que ele se encontrava. O Bradesco e outros prédios totalmente descaracterizados permanecem
em Jaraguá até os dias atuais (ver foto 12 no apêndice B).
Em 1998, contudo, atraídos pelo início da recuperação do bairro e pelos incentivos
fiscais, alguns empresários começam a se instalar em Jaraguá realizando obras revitalizadoras,
em grande parte proprietários de bares, restaurantes e danceterias. O Píer Jaraguá foi o
primeiro bar-restaurante de alto padrão a se instalar no bairro, antes mesmo de se iniciar os
121
trabalhos da revitalização. Outros empresários de ramos diversos já funcionavam em Jaraguá.
Neste período, as recuperações urbanas promovidas pelo poder público ainda estavam em
andamento, o que provocou certo desconforto aos empresários da área, insatisfeitos com os
transtornos provocados pela execução das obras.
Essa lentidão na implementação e concretização efetiva das obras revitalizadoras é
justificativa em veículos de comunicação da época pela dificuldade em realizar as
desapropriações para dar continuidade às ações nas malhas viárias. A análise das atas de
reunião interna da UEM presidida pelo então secretário executivo, Otávio Lessa, sugere que
além desta dificuldade, o poder público enfrentava outras de natureza intra-organizacional.
É possível observar nestas atas, em diferentes momentos, as tentativas da UEM de
engajar os demais órgãos da Prefeitura Municipal nos trabalhos que vinham sendo
implementados no bairro, assim como, a detecção de problemas de comunicação interna na
própria unidade gestora da revitalização e da necessidade de maior autonomia dos técnicos do
ETJ em prol de uma maior fluidez na implementação dos projetos. Problemas desta ordem
aparentemente resultam na dilatação do prazo de implementação das obras em Jaraguá,
conforme fragmentos das atas de reunião citados abaixo:
[...] com relação ao acompanhamento das obras de Revitalização Jaraguá, definiu-se a necessidade do envolvimento de outras secretarias e órgãos da Prefeitura em suas áreas específicas e da formação de grupos multidisciplinares de trabalho para cada projeto, devendo cada secretaria indicar seu representante. [...] A fiscalização das obras de Jaraguá foi outro tema em pauta, já que foi questionada a falta de um acompanhamento mais eficaz em campo e a falta de relatórios atualizados de obra (ata de reunião da UEM de 09/01/98). A falta de informação entre os setores da UEM desencadeou o que vem acontecendo hoje, a falta de prioridades para os projetos. [...] Cada técnico do escritório deverá acompanhar os projetos a que foram designados, podendo ter autonomia mediante qualquer resolução (ata de reunião da UEM de 18/03/98).
É razoável admitir que a utilização da equipe da UEM em trabalhos correlatos do
município (conforme descrito no momento1) também pode ter contribuído para ampliar as
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dificuldades no acompanhamento das obras de Jaraguá. De fato, é possível observar, em
diferentes momentos, ações acompanhadas pela equipe da UEM em outro bairro,
nomeadamente no centro de Maceió, que, em princípio, em nada se relacionam com o projeto
de revitalização de Jaraguá, a exemplo das obras realizadas no prédio da Intendência (onde
funciona a atual sede da Prefeitura de Maceió).
Em seu bojo, as obras públicas do núcleo histórico principal do bairro (entorno da Rua
Sá e Albuquerque) foram concluídas por volta de 1999. Neste mesmo ano, a administração da
Prefeitura Municipal de Maceió e a UEM, dispostas a incrementar o investimento da
iniciativa privada no bairro, elaboram um convênio de cooperação técnica e financeira para a
revitalização de Jaraguá com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), “[...] com vistas ao
fomento e ao desenvolvimento de atividades turísticas, objetivando incentivar que novos
empreendedores do setor venham a se instalar no bairro de Jaraguá, bem como aqueles que já
desenvolvam um trabalho nesse segmento” (MACEIÓ, 1999b, p.1).
Nesta parceria, compete à Prefeitura de Maceió e à UEM divulgar o convênio à
sociedade e orientar os empresários interessados em investir em Jaraguá sobre os benefícios
ofertados, nomeadamente os incentivos fiscais municipais e o financiamento pelo BNB. Este
se responsabiliza por disponibilizar os recursos, previstos na ordem de cinco milhões de reais.
O intuito precípuo era financiar gastos em construção, reformas e benfeitorias nos imóveis,
aquisição de máquinas e equipamentos novos, instalações elétricas e hidráulicas, meio de
transporte novos (integrados ao empreendimento e de uso exclusivo do turismo), móveis e
utensílios, capacitação da mão-de-obra para o empreendimento, implantação de sistema de
gestão de qualidade, projetos de assessoria empresarial e técnica e outras despesas
caracterizadas como pré-operacionais.
O financiamento contempla como beneficiários as empresas nacionais privadas que
tenham como principal objetivo econômico a exploração da atividade turística nos segmentos
123
que compõem o trinômio turismo, cultura e lazer. Com efeito, abarca empresários de ramos
específicos, a saber: hotéis, pousadas, agências de viagens e turismo, operadoras e
transportadoras turísticas, cafés, restaurantes, lanchonetes, empreendimentos que promovam
atividades de animação, casas de diversão eletrônica, cinemas, teatros, museus, bibliotecas,
lojas de artesanato, galerias de arte e similares.
O convênio, em sintonia com a Lei Municipal 4.545/96, também incluiu linha de
financiamento para a transferência dos agentes produtivos sediados em Jaraguá cujas
atividades não estivessem em consonância com a construção do pólo turístico cultural e de
lazer almejado para o bairro, conforme expõe o termo do próprio documento: “[...] serão
também beneficiados com esta linha de financiamento aqueles agentes produtivos que
queiram se transferir do bairro de Jaraguá, por exercerem atividades não contempladas por
este convênio” (MACEIÓ, 1999b, p.2).
Com a possibilidade de obter recursos pelo BNB, os incentivos fiscais e a conclusão
das obras públicas municipais no núcleo histórico de Jaraguá, amplia-se o interesse dos
empresários pelo espaço e novos empreendimentos começam a se instalar. Essa fase inicial de
articulação entre poder público e iniciativa privada no processo de revitalização de Jaraguá é
marcada pelo entusiasmo de ambas as partes. Frases do tipo “No início foi tudo lindo [...]” ou
“No começo foi legal, mas depois...” (proprietário de uma danceteria do bairro – E06) são
comuns no discurso dos inquiridos. Os estímulos criados pelo poder público pareciam
despertar o interesse do empresariado de investir no espaço. Um ex-proprietário de um bar de
Jaraguá (E21) discorre sobre o assunto:
Em relação ao inicio do ‘[entrevistado cita o nome de seu bar]’, eu não tive problema com o poder público. Houve inicialmente uma facilidade pra gente abrir o negócio, eles nos mostraram alguns benefícios, algumas isenções [...].
Os benefícios e incentivos, contudo, não parecem se revelar como o estímulo principal
para a atração de investidores ao local. Os discursos dos entrevistados demonstram que, se
124
para alguns, a isenção fiscal foi um atrativo relevante, outros consideraram os descontos
pouco expressivos e uma parte dos empresários sequer requisitou seus direitos, conforme se
observa nos fragmentos abaixo:
Teve uma série de incentivos [...] Isso foi passado para todas as pessoas, através de meio de comunicação. [...] Enfim, foi bem divulgado isso, mas mesmo assim muitas pessoas desconhecem esses direitos que elas têm com a questão do bairro de Jaraguá (secretária de planejamento do município – E17). [...] na ocasião, o único incentivo que foi dado pra gente que quis investir aqui, foi a não cobrança do IPTU. Hoje o IPTU aqui é irrisório [...], é muito pouco a título de incentivo (proprietário de um bar em Jaraguá – E02 e membro da Associação de Bares e Restaurantes). [...] Eu peguei cinco anos de isenção [a entrevistada se refere à isenção do IPTU]. O prédio não era meu, eu aluguei, mas eu fiz a reforma todinha do prédio (proprietária de um restaurante em Jaraguá – E19). Olha, a razão que me fez ir para o Jaraguá foram as isenções e na época, digamos assim, a noite estava concentrada lá. Então, eu tinha um ponto muito bom, eu tinha uma idéia muito boa e tinha uma isenção que era na época possível. Então eu fui para lá, para o Jaraguá (ex-proprietário de um bar de Jaraguá - E21).
Mais do que incentivos fiscais, o que definitivamente pareceu atrair os empresários ao
local foi a expectativa de que Jaraguá se transformaria na ‘bola da vez’, no point da cidade e,
portanto, num espaço propício ao lucro rápido. Nesta época, as revitalizações de centros
históricos eram o acontecimento-chave de várias cidades latino-americanas e Jaraguá soava
para os investidores como o “novo Pelourinho” ou o “novo Recife Antigo”. A iniciativa
privada embarca, então, numa corrida para revitalizar imóveis particulares, onde viriam a
funcionar cerca de 40 (quarenta) empreendimentos, como bares, restaurantes, danceterias,
cyber-café, galerias, antiquários, casa de eventos, entre outros, sobretudo os três primeiros,
conforme esclarece um entrevistado:
O empresariado simplesmente se sentiu atraído pelo processo de revitalização e enxergou ali uma mina de ouro. Sem planejamento se instalaram a toque de caixa, a toque de caixa mesmo, sem nenhum planejamento. [...] Todos eles de bares, bares e boates [leia-se a maioria]. Então, eles foram seduzidos pelo canto da sereia, eles achavam que ali seria uma mina de ouro. Então, entraram exclusivamente para
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explorar economicamente o processo de revitalização de Jaraguá, eles não deram contrapartida nenhuma. [...] Eles acharam que houve esse processo lá no Pelourinho, houve esse processo no Recife Velho, achava que ia dar certo aqui e não deu certo. (representante de uma entidade da sociedade civil organizada voltada para a preservação do patrimônio cultural alagoano – E13).
Apesar do entusiasmo nesta fase de concretização das obras de recuperação de imóveis
particulares pela iniciativa privada sob incentivo do poder público, algumas dificuldades
relacionais são apontadas por ambos os segmentos. Em geral, trata-se de impasses decorrentes
dos cuidados com o restauro exigidos aos investidores pela equipe de arquitetos do ETJ/UEM.
Para o poder público, a atenção aos detalhes, às cores e à arquitetura da época nem sempre era
atendida pelo empresariado, que deseja dispor do espaço tendo em vista sua funcionalidade e
capacidade de atração do consumidor, reformando sobrados (via demolição parcial da
arquitetura) ou utilizando cores berrantes, que desprezam características históricas do local. Já
para a iniciativa privada, as exigências do poder público eram, por vezes, mandatórias e
rígidas, segui-las à risca onerava o custo das obras.
Quando perguntado a representantes do poder público se havia diferenças substanciais
no tocante às obras revitalizadoras implementadas pela iniciativa privada e as do poder
público, as respostas foram contundentes:
Ah, com certeza! [...] o poder público [...] ele apenas quer revitalizar. Até faz questão de ter uma coisa nos padrões antigos mesmo, que mostre o passado num presente novo. A iniciativa privada tinha discussões, com a equipe [do ETJ]. A equipe era uma luta tremenda, porque cada coisa que fosse fazer ali tinha que ter uma aprovação prévia dessa equipe de arquitetos, justamente para você manter um padrão arquitetônico dentro de uma coisa bonita, mas atendendo também às necessidades da iniciativa privada [...] Então, existe uma diferença enorme com relação a isso, os interesses são diferentes: a iniciativa privada está muito na frente naquele sentido de querer atrair o cliente dela. Então, o poder público [...] quer colocar bonitinho, ficar como antigamente, tudo bonitinho e tal, que o turista venha olhe e goste. E a iniciativa privada não, ela quer copiar o que está dando certo no Sul, no Sudeste trazer para cá e que eles ganhem bastante dinheiro realmente [...] (ex-secretário executivo da UEM - E14).
126
Eu acho que reflete, e muito. [Quando] o projeto partia da gente do setor público, você acompanhava e desenvolvia da forma que você queria, então, houve um rigor muito grande na questão da argamassa, na questão do detalhe, da recuperação, da pintura. Nós éramos fiscais de um projeto nosso, a gente tentou dar, fazer o melhor. No setor privado é diferente, você não tinha esse acompanhamento detalhado do dia-a-dia, do desenvolvimento do projeto, você tinha que adequar as necessidades do usuário com as necessidades do setor público, então, com isso, você fugia um pouco [...] Então, não é fácil você colocar na cabeça das pessoas que você tem que deixar algum rastro histórico presente. Não é aquela coisa que só esteja no papel, um documento ‘ali existiu’ [...] Então, não foi fácil, isso aí foi uma dificuldade imensa. Eu também compreendo o lado dos comerciantes, porque eles lutavam de todas as formas para fazer os projetos do jeito que os arquitetos deles queriam [...] Então, muitos pegavam... O projeto já vinha fechadinho pra chegar aqui implantar e não é dessa forma. Então, aí teve que ter esse rigor todo que foi uma luta terrível do Escritório Técnico de Jaraguá (secretária de planejamento do município – E17). Eu tenho casos que eles [a iniciativa privada] demoliram parte do prédio, se a gente não chega a tempo iria acabar com a arquitetura. [...] É porque na verdade todo mundo diz ‘fica mais caro’, mas pesquisou se fica mais caro? Viu se realmente chega a ficar tão cara a construção? Que percentual é esse que aumenta na questão da restauração? [...] (gerente de planejamento urbano da UEM – E01).
Por outro lado, os empresários expressam suas dificuldades em relação às exigências
do poder público:
[...] eu tive um problema com relação à pintura da área externa. Como o meu era um restaurante-bar, então, eu estava pensando numa coisa, que ele ficasse mais escuro, o ambiente, e eles reclamaram da cor [...] Desde o inicio eles [o entrevistado se refere ao ETJ] fizeram essa solicitação para modificação da cor, mas eu consegui, digamos assim, ajeitar a situação e [...] depois de 1 (um) ano a gente fez essa modificação da pintura [...] Outra coisa que eu me lembre é do telhado [...] Eu queria colocar na época brasilit ou outra forma de telha que me fosse mais acessível, eles queriam mesmo que fosse telha de madeira, caibro, tudo da mesma como antigamente. (relato do ex-proprietário de um bar em Jaraguá que pintou um sobrado histórico de preto - E21). [...] na ocasião que eu peguei isso aqui, que era uma ruína pra recuperar. A gente fez um projeto básico, apresentou para elas [as arquitetas do ETJ/UEM]. Elas fizeram as modificações dentro das necessidades, dentro das exigências. E as arquitetas adequaram tudinho, inclusive opiniões até mandatórias a respeito de cores, tipo de piso, tipo de telhado [...] (proprietário de um bar em Jaraguá e membro da cúpula da Associação de Bares e Restaurantes – E02). Nós alugamos uma parte daquele prédio em frente [a entrevistada indica o sobrado]. Meu marido queria pintar (e até pintou inclusive) algumas partes de verde e elas [as arquitetas do ETJ/UEM] não queriam. Foi uma coisa meio complicada, pois meu marido acha que se o prédio era dele. Era
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alugado, nosso no caso. [...] Ele achava que se era dele, ele poderia colocar a cor que quisesse. Foi um negócio enjoado, mas depois foi contornado. Elas aceitaram a cor que ele quis usar. Elas entenderam que ele não era mais menino [...] Elas terminaram cedendo porque elas viram que quem não iria ceder era ele (empresária de Jaraguá – E19).
As vozes do empresariado demonstram uma negociação com o setor público, em que
este acaba por ceder aos interesses dos primeiros. Não houve relato pelos empresários
entrevistados de aplicação das penalidades previstas na Lei 4.545/96 pelo município na
condução de suas obras e, segundo uma gerente de planejamento da UEM (E01), houve
poucas autuações no bairro, nenhuma aos proprietários de bares e restaurantes. Tendo em
vista as dificuldades relatadas pelo próprio poder público e as concessões realizadas por este,
segundo os empresários, ratifica-se a existência de uma política de negociação entre ambos os
segmentos.
Inicialmente o ETJ procurou impor rigor no tocante aos cuidados com os restauros
realizados pelo empresariado. Aparentemente, este fato reforça o propósito do poder público
(descrito no momento 1) de “decorar melhor a roda”, isto é, promover uma revitalização mais
minuciosa e criteriosa do que as capitais nordestinas vizinhas tomadas como espelho. Nesta
época, muitas críticas já vinham sendo feitas às descaracterizações do patrimônio cultural
decorrentes das ações revitalizadoras em vários centros históricos. Apesar disto, o ETJ não
conseguiu sustentar sua política inicial e precisou ser mais flexível para atender às pressões e
aos interesses dos empresários, conforme relata um entrevistado:
Olhe não é fácil, porque todo mundo é importante, todo mundo tem seus aderentes que são importantes, enfim. [...] A prática começou a nos mostrar que não precisava rigidez toda para você ter o que queria [...] A lei não chega a dizer você tem que usar isso, isso e isso, a própria lei tem sua flexibilidade e na vida a gente também tem que ter essa flexibilidade (secretária de planejamento do município – E17).
Os fragmentos das vozes do poder público e da iniciativa privada retratados
demonstram que os primeiros depositam uma atenção mais apurada na preservação da parte
128
externa dos sobrados com as cores e a originalidade dos detalhes arquitetônicos. As
descaracterizações costumavam a ocorrer com mais freqüência nos imóveis revitalizados pela
iniciativa privada. Pode-se inferir com propriedade também que as obras promovidas pela
Prefeitura Municipal abarcaram atividades de conservação, reparação e também de
restauração (conforme se observa em seus documentos oficiais), enquanto as dos investidores
se concentraram nas duas primeiras.
Evidencia-se tal fato pelo número de anos isentos de IPTU dado como incentivo à
iniciativa privada. Entre os empresários entrevistados, todos os que tiveram isenção,
receberam-na pelo período de dois a cinco anos. Tal informação foi também corroborada pela
gerente de planejamento da UEM (E01), segundo a qual nenhum proprietário de
bar/restaurante chegou a receber uma concessão de isenção de IPTU superior a cinco anos
(ver quadro 6 (4) sobre concessão de incentivos fiscais por tipo de obra).
É importante ressaltar, contudo, a observação de um membro da coordenação cultural da
Associação Comercial de Maceió (E16), o qual defende que, sobretudo na parte interna dos
prédios históricos, é possível observar descaracterizações no patrimônio de Jaraguá
promovidas não só pelo empresariado, mas também pelo poder público:
Muitas vezes, por uma questão de como vai ser usado aquele prédio, você é obrigado, dentro do prédio, a fazer determinadas concessões. Então, você preserva pelo lado de fora, mas, pelo lado de dentro, você é obrigado a colocar um piso diferente, um ar condicionado, alguma coisa que muda, que prejudica. Então, infelizmente ocorre isso. Um exemplo vivo disso é o MISA [Museu de Imagem e Som, revitalizado pelo poder público]. [...] O MISA tem umas colunas de madeira no meio que foram revestidas por uns painéis de vidro, uma iluminação própria [...]; na frente colocou-se uma porta de vidro, para poder usar ar condicionado; quer dizer, é uma série de coisas, foi colocado um elevador... Então, é uma série de coisas que entrou ali, que foi colocado ali, que mudou realmente.
A própria Lei Municipal 4.545/96, em seu capítulo III, seção II, artigo 16º, prevê a
necessidade de modificação da estrutura interna dos sobrados: “[...] Internamente os edifícios,
localizados em Setor de Preservação Rigorosa (SPR), podem sofrer modificações desde que
129
não provoquem alteração no seu aspecto externo, podendo ser analisados em condições
especiais em relação ao código de edificações do Município” (MACEIÓ, 1996b, p.4). Infere-
se, então, a aceitação de concessões legais para a realização de obras no interior dos sobrados,
em detrimento de sua arquitetura original e que poderiam ser implementadas tanto pela
Prefeitura de Maceió como pelo empresariado. O rigor maior concentrava-se na preservação
da fachada dos sobrados.
Em verdade, o comprometimento da estrutura interna e/ou externa dos sobrados de
Jaraguá se justifica diante dos interesses de ambas as partes: poder público e iniciativa
privada. Este, sobretudo, pela tentativa de explorar economicamente o espaço e atrair os
clientes, quer sejam turistas, quer sejam habitantes locais. Aquele, em função da atividade
turística, almejando contemplar ou mesmo superar as expectativas dos visitantes, através, por
exemplo, do revestimento de espaços públicos, tal qual o museu citado, com materiais e
equipamentos modernos. Essas descaracterizações em Jaraguá colocam em cheque o
verdadeiro significado e valor histórico dos sobrados. As palavras de um entrevistado ilustram
o raciocínio:
[...] essa interface da cultura com o turismo é saudável, mas por vezes estupra alguma coisa com relação ao processo de revitalização. Intervém demais, exacerba no processo [...] Então, eu acredito que parte dessa extravagância que eles fizeram em Jaraguá se deve a isso, a atender necessidades de turismo, a tornar visualmente, na visão deles, mais atraente, mais bonito. [...] Eu acho que isso influi no visual, se você perguntar à geração que alcançou a efervescência daquele bairro, [essa geração] vai achar estranho aquelas cores. A geração que eu falo, é a geração que tem 60 anos, 70 anos, que conviveu com a efervescência daquele bairro, enquanto bairro portuário. Então, eu acho que interfere, que deveria ter as cores originais (representante da sociedade civil organizada voltada para a preservação do patrimônio cultural – E13).
Simultaneamente à articulação com a iniciativa privada na fase de implementação das
obras revitalizadoras de Jaraguá, o poder público também procurou divulgar as propostas do
plano de desenvolvimento destinadas a contemplar a Vila de Pescadores. Segundo o relato de
um entrevistado, durante o primeiro mandato da então prefeita Kátia Born, os pescadores
130
foram informados sobre as ações que seriam desenvolvidas para minorar os problemas da
favela e fomentar a atividade da pesca:
[....] ela [a prefeita Kátia Born] fez uma reunião com todos os pescadores de liderança da comunidade, mostrando uma maquete [o entrevistado provavelmente se refere à apresentação do projeto em um programa de computação gráfica] da construção da vila dos pescadores que ia ser construída, que os pescadores não iam sair daqui de Jaraguá porque ela apoiava o pescador dentro de sua área de trabalho [...] (representante de uma das organizações civis da Vila dos Pescadores – E10).
Em 1998, em consonância com a tentativa de aprimorar a atividade da pesca prevista
no plano de desenvolvimento de Jaraguá, a fábrica de gelo dos pescadores é construída,
através de financiamento junto ao Banco do Nordeste em nome da Associação dos
Trabalhadores da Pesca. Houve apoio do poder público no sentido de negociar a liberação de
recursos aos pescadores pelo BNB e, inclusive, de ceder o terreno onde foi erguida a fábrica.
Apesar de se tratar de um prédio moderno, as obras realizadas para a concretização da fábrica
de gelo também seguiram certos padrões da revitalização (aparentemente simulando algumas
nuances do estilo de sobrados da área) e foram fiscalizadas pela UEM, conforme relata um
representante das organizações civis da Vila dos Pescadores (E11):
[...] mas era muito protocolo, chegava arquiteto, engenheiro, parava a obra: ‘Ah não pode, tem que ser igual à revitalização de Jaraguá’11. Isso é que encareceu muito, porque o empréstimo era de 90 mil reais e ficou em torno de 145 mil, porque a gente teve que fazer de acordo com a revitalização. Isso foi bom pra gente, mas prejudicou também. Fomos fazer uma estrutura que a gente não pode assumir perante o banco. E a gente ficou de uma forma assim sufocado.
O projeto de reurbanização da Vila dos Pescadores, contudo, não foi implementado.
Ao longo do depoimento dos entrevistados, observou-se o esforço de alguns representantes do
poder público em destacar a tentativa da Prefeitura Municipal de Maceió, em conjunto com
11 Embora a fábrica de gelo se trate de uma edificação moderna, observa-se que as portas e janelas foram projetadas num estilo arredondado lembrando os demais sobrados da área, o que aparentemente demonstra a intenção do poder público de deixar esta edificação em sintonia com a revitalização. Não se pode afirmar que a fábrica de gelo foi erguida com parâmetros idênticos à revitalização (a exemplo do tipo de material, detalhes, etc), mas o rigor da equipe técnica parece ter provocado o descontentamento dos trabalhadores da pesca dado o encarecimento da obra, como relata a entrevistada em questão.
131
seus órgãos e secretarias, para fazer cumprir a reurbanização da favela. De modo geral, há um
reconhecimento, por parte destes, do significado e impacto da não concretização do projeto da
Vila dos Pescadores, conferindo ao bairro uma imagem contrastante entre prédios
revitalizados e favelas.
Ao tentar delinear as razões para a não implementação deste projeto, não houve
uniformidade nas respostas dos entrevistados, que apresentaram duas justificativas: um grupo
informa que o PRODETUR/NE I não possui linha de financiamento para habitação e um
segundo grupo enfatiza as dificuldades para realizar ações de remoção e re-assentamento de
parte dos habitantes da Vila dos Pescadores. Um dos coordenadores operacionais da UEM
(E12), contudo, discorreu sobre o caso com uma resposta que parece contemplar ambas as
justificativas.
Segundo o inquirido, o citado programa financiaria as obras de reurbanização da
favela, entretanto, o projeto foi recusado devido à reprovação em um de seus estudos, o de
impacto sócio-econômico, o qual o entrevistado intitula de “calcanhar de Aquiles”. Esse
estudo precisaria demonstrar que os habitantes que não permaneceriam em Jaraguá teriam
condições de sobreviver no bairro de destino. Aparentemente, a verba se destinaria apenas à
construção da Vila dos Pescadores, os recursos para habitação provenientes de ações de re-
assentamento/remoção não estariam contemplados.
Apesar desta explicação, não se pode deixar de mencionar e realçar a existência de
outros programas (além do PRODETUR/NE I) que financiam investimentos em habitação (a
exemplo do Programa Habitar). Imagina-se que esse fato poderia suprir a lacuna de recursos
alegada oficialmente, desde que fosse dispensado ao projeto de reurbanização da Vila dos
Pescadores a devida e necessária atenção.
Justificativas e possibilidades à parte, a questão é que o projeto da Vila dos
Pescadores, definido como meta de prioridade 1 no plano de desenvolvimento, permanecia no
132
papel (ver anexo C). Restava, contudo, a expectativa da sociedade maceioense e, em especial
dos atores envolvidos na revitalização de Jaraguá, no tocante à conclusão/implementação
deste e dos demais empreendimentos/ações previstos em documentos oficiais do poder
público.
Ao serem interrogados sobre o montante do valor de seus investimentos, os
empresários entrevistados (proprietários de bares/restaurantes) apresentaram valores de ordem
bastante variada entre R$ 60.000,00 e R$ 300.000,00, resultando numa média estimada por
estabelecimento de R$ 180.000,0012. Os investimentos do poder público no bairro,
exclusivamente através do PRODETUR/NE I, totalizaram o valor de R$33.618.729,36. As
ações no Complexo Reginaldo/Salgadinho foram estimadas na ordem de R$ 14.200.000,00
(ver investimentos detalhados do poder público, data de atualização dos valores apresentados
e alguns esclarecimentos adicionais no anexo A). A construção da fábrica de gelo pela
Associação dos Trabalhadores da Pesca alcançou cerca de R$145.000,00.
Segundo informações prestadas pelo município em relatório de avaliação do
PRODETUR/NE, estima-se a geração de cerca de oito mil empregos diretos e indiretos
durante a execução das obras (MACEIÓ, ca. 2000). No apêndice B, figuram fotos de Jaraguá
contemporâneo, que retratam os exemplares símbolos do patrimônio cultural do bairro, alguns
de seus prédios, equipamentos e monumentos urbanos. Estas fotos ilustram o reflexo das
ações de revitalização e recuperação nas edificações.
A implementação das obras revitalizadoras constituiu o cenário, em que as relações
entre os atores vieram a se intensificar. Neste momento, os proprietários de bares, restaurantes
e danceterias, os moradores locais, em especial da Vila dos Pescadores, e os órgãos do poder
público responsáveis pela gestão de Jaraguá estavam mutuamente envolvidos, quer por dividir
12 O número corresponde apenas ao montante dos investimentos na reestruturação (interna e externa) dos imóveis, não inclui valor de aquisição. Todos os entrevistados da iniciativa privada entrevistados afirmam ter alugado os imóveis, exceto um (E06), que teve dois estabelecimentos sendo um alugado e outro (uma danceteria), cujo espaço foi efetivamente comprado, pelo valor de um milhão de reais.
133
o mesmo espaço físico, quer por almejar a concretização de seus objetivos mediante o efetivo
funcionamento dos novos usos planejados para o bairro.
4.1.3.3 Momento 3 - O espetáculo: tempos de glória versus ocaso
A cidade de Maceió não dispõe de muitos espaços noturnos voltados ao
entretenimento e lazer. Poucos são os ambientes expressivos que contam com a aglomeração
de restaurantes e similares, a exemplo da Orla marítima e do Stella-Maris (ver mapa 06,
apêndice F) e, mesmo estes se caracterizam mais pela gastronomia do que como espaços para
divertimento com bares e casas noturnas dançantes. Com efeito, a revitalização de Jaraguá,
mediante a transformação do bairro num centro turístico, cultural e de lazer, revestiu-se da
expectativa de mudar este quadro. As estimativas de público para o funcionamento conjunto
das atividades fomentadas em Jaraguá demonstravam-se bastante otimistas:
[...] 600.000 pessoas o público potencial que deverá freqüentar o novo bairro Jaraguá, incluindo-se os turistas e a população de Maceió. Empreendimentos âncoras deverão liderar a ocupação do público com atrativos específicos para cada um dos segmentos: classes A, B, C, e D, Criança e Turistas (MACEIÓ, s/d, p.2).
Esta fase de funcionamento dos novos usos/atividades almejados para Jaraguá é
caracterizada pela realização de festas, programações culturais e divulgação do bairro. Neste
momento, a Unidade Executora Municipal (gestora do programa) conta com a participação da
SETURMA (que dividia o mesmo sobrado onde se instalou a UEM) para a promoção dessas
atividades de dinamização do espaço. Tais atividades estavam em consonância com a própria
estratégia de revitalização, que, segundo Denise Gomes (ex-gerente de turismo da UEM),
pauta-se em propiciar a exploração de segmentos particulares de turismo, tais como o turismo
de eventos (JARAGUA, 1997).
É possível observar, em variados momentos, material de divulgação elaborado pela
SETURMA com apoios diversos, que marcam a presença de Jaraguá em eventos nacionais e
134
internacionais, inserido-o como ponto turístico. Entre os slogans de campanha, destaca-se:
“Venha descobrir que Maceió é muito mais que praia” e “Maceió é bom demais”, que exibem
as belezas naturais da cidade e culturais em Jaraguá, como retrata um fragmento: “Mas não é
só isso! A cidade que durante o dia esbanja beleza natural, à noite muda de cenário e abre
espaço para o agito e a badalação da vida noturna”. Em geral, esse material exibe, aliado às
praias, fotos da noite maceioense e fotos de sobrados e de atividades folclóricas locais,
imprimindo uma imagem exuberantemente colorida a Jaraguá.
Também se procurou lançar um novo conceito do bairro revitalizado para a
comunidade maceioense, sob o slogan “Bairro de Jaraguá – Estação do Divertimento e
Prazer”, como expõe um documento promovido pela Prefeitura de Maceió/UEM:
Bairro que retoma a vanguarda de sua história e propõe um novo porto para os ACONTECIMENTOS de Maceió. Parte do ir e vir das pessoas, Jaraguá oferece agora uma Estação permanente para seu PRAZER e DIVERTIMENTO. O antigo que se renova com um novo jeito de viver e morar. Ponto de chegada e saída, uma atração para TURISTAS que querem conhecer e se deixar atrair por Alagoas e Maceió (MACEIÓ, letras garrafais do próprio documento, s/d, p.5).
A Fundação de Ação Cultural (Secretaria de Cultura), também sediada em Jaraguá,
não teve uma participação ativa na condução do projeto de revitalização do bairro, nem
tampouco na implementação de eventos culturais que atraíssem o público para o espaço. Já
nesta época, a articulação entre a Secretaria de Cultura e a SETURMA revela-se tênue e fraca,
limitando-se a apoios esporádicos fornecidos pela segunda à primeira, conforme relata a
presidente da Fundação de Ação Cultural (E22):
Olhe, toda a programação existente no corredor cultural de Jaraguá é de inteira responsabilidade da Secretaria de Turismo. Até porque a própria Secretaria de Turismo é inserida nesse trajeto, neste corredor [a entrevistada se refere ao eixo da Rua Sá e Albuquerque, a Fundação Cultural situa-se próximo à SETURMA, mas fora deste corredor principal]. Então, desde o início da política, da gestão de Kátia Born, que ficou a Secretaria de Turismo responsável pelo corredor de Jaraguá. Então, tudo aquilo ali é planejado, orientado, acompanhado, avaliado pela Secretaria de Turismo.
135
No final do segundo milênio, o novo pólo de entretenimento de Jaraguá já funcionava
a todo vapor. Dada a elevada concentração de bares, restaurantes, danceterias em conjunto
com a realização de eventos e shows públicos, o bairro se torna o novo ponto de encontro da
cidade, atraindo significativa parcela da população local e, em conseqüência, de turistas e
visitantes de Maceió. Não por acaso, Jaraguá alcança, neste período, o centro dos debates e
noticiários político-eleitorais. O ano de 2000 presencia as eleições municipais e o projeto de
revitalização torna-se alvo simultâneo de elogios e críticas entre as várias facções e partidos
políticos.
A administração da então prefeita Kátia Born enfatiza a relevância da recuperação do
bairro para o orgulho e auto-estima maceioense, bem como para a promoção do turismo e do
desenvolvimento da cidade. A conclusão da estação elevatória de esgoto no Salgadinho
(descrita anteriormente) foi atestada pessoalmente pela prefeita Kátia Born, que mergulhou
em suas águas às vésperas das eleições. É a oposição, contudo, quem confere o contra-
marketing, trazendo à tona os elevados gastos nas obras de revitalização. Os elogios
aparentemente se sobrepuseram às críticas e a população escolhe mais uma vez Kátia Born
como chefe do executivo de Maceió, a qual permanece na Prefeitura Municipal por mais um
mandato (2001-2004).
No início da segunda gestão da prefeita Kátia Born, Jaraguá apresenta uma imagem de
ambiente de preços elevados de produtos e serviços. O auge do bairro e a forte presença do
público no local despontam como principais aliados dos empresários, que passam a cobrar
altos valores por serviços/produtos ofertados. Uma das diretoras da Secretaria de Turismo
(E04) discorre sobre o assunto: “[...] era uma grande reclamação da população, do público,
dos visitantes e da população local, porque se tornou um lugar muito caro, a cerveja era muito
mais cara do que em qualquer outro lugar, o tira[-gosto], o petisco também [...]”.
136
Os valores dos imóveis de Jaraguá também aumentaram neste período e, em
conseqüência, de seus aluguéis. Nas palavras de uma representante da SETURMA (E04),
“[...] Houve uma valorização enorme do patrimônio imobiliário, [...] foi uma valorização
estupenda”. Com efeito, observa-se o deslocamento de moradores, financeiramente incapazes
de permanecer no local, para outras regiões da cidade. A especulação imobiliária é descrita
por um inquirido:
[...] o que houve aqui em Jaraguá foi um processo inverso [à revitalização]: aumentou-se mais ainda o despovoamento por conta da especulação imobiliária. [...] Havia pouca vida e essa pouca vida foi expulsa de Jaraguá. Se você pegar essa rua aqui, por exemplo, em pouco menos de seis anos, nós já vimos mais de oito famílias saírem [...] (representante da sociedade civil organizada voltada para a preservação do patrimônio cultural - E13)
A inexistência de indicadores sócio-demográficos de Jaraguá antes e depois da
revitalização não permite expressar em números a repercussão dessa especulação imobiliária.
Contudo, a citação acima se soma à mudança no perfil do uso do solo de Jaraguá antes da
revitalização e em 2001, ou ainda ao decréscimo proporcional da população do bairro entre
1991 e 2000, conforme relatados no item 4.1.1. Nesta oportunidade, demonstrou-se um suave
declínio do espaço de Jaraguá destinado a áreas residenciais e uma maior diversificação no
setor de serviços.
Como o último perfil de uso do solo do bairro foi traçado em 2001 e o último censo do
IBGE é de 2000, essas mudanças apresentam-se sutis muito provavelmente porque os efeitos
da especulação imobiliária estariam em seu estágio inicial. Tal alteração aparentemente
decorre da venda/locação pelos proprietários dos imóveis às novas atividades que vinham se
instalando no bairro, com fins de ampliar seus rendimentos. Com efeito, tem-se um
deslocamento da população local para outras regiões menos afortunadas.
O tempo de glória em Jaraguá, entretanto, foi fugaz. Ainda durante a fase áurea do
bairro, marcada pela supervalorização de imóveis e pelos preços elevados de
produtos/serviços, observa-se a existência dos primeiros problemas relacionais entre o poder
137
público, a iniciativa privada e as organizações civis do local. A partir da análise de relatórios
de reuniões entre poder público e os empresários de bares e restaurantes de Jaraguá, que
periodicamente ocorriam na Associação Comercial de Alagoas, observa-se a existência de
uma série de reivindicações por parte dos segundos, sintetizadas no quadro 7 (4).
As reivindicações dos empresários abarcavam desde problemas pontuais e específicos
até dificuldades de maior amplitude. É possível afirmar que algumas destas solicitações
tiveram soluções imediatas, outras foram avaliadas, ao longo das atas de reunião, com
consideráveis melhorias. Entretanto, foi, sobretudo, as cinco primeiras reivindicações que
alcançaram maior ênfase por parte dos entrevistados. É sobre estas que serão realizadas
algumas descrições e inferências ao longo da apresentação da história da revitalização de
Jaraguá neste terceiro momento.
PPRRIINNCCIIPPAAIISS RREEIIVVIINNDDIICCAAÇÇÕÕEESS DDOOSS EEMMPPRREESSÁÁRRIIOOSS DDEE JJAARRAAGGUUÁÁ
01. Realização de eventos: os investidores desejam que a Prefeitura promova mais eventos para atrair o público e preencher o bairro com atividades, inclusive em ruas paralelas e transversais à Sá e Albuquerque, mais desertas. 02. Propaganda: reivindicação de ampla divulgação do bairro e também dos empreendimentos ali instalados. 03. Policiamento: a segurança no bairro é avaliada pelos empresários em atas de forma intercalada: em algumas demonstra-se que houve melhoras, em outras reivindica-se novas providências. Solicita-se, conjuntamente, o controle de ambulantes (intensificar fiscalização). 04. Regulamentação/normatização da ocupação de Jaraguá: solicita-se que a Prefeitura Municipal priorize a busca de estabelecimentos e atividades carentes (âncoras) necessários no bairro. 05. Fechamento das Rua Sá e Albuquerque: reclamação dos empresários quanto ao não cumprimento regular dos horários de fechamento da citada rua, conforme estabelecido em reunião. 06. Agilização dos processos de incentivos fiscais: refere-se à concessão de isenção fiscal (IPTU, ISS, etc) aos empresários pelas obras revitalizadoras realizadas no bairro. 07. Passagens de carros pesados: reivindicação quanto ao controle/fiscalização da passagem de carros pesados nas ruas e praças do bairro. 08. Limpeza: os empresários solicitam providências em relação à limpeza pública do bairro, quanto ao acúmulo de insetos em espaços abandonados, bem como retirada de entulhos resultante de obras. 09. Rede de esgotos da Rua Sá e Albuquerque: observa-se reclamação do empresariado referente aos problemas com as bocas de lobo da Rua Sá e Albuquerque. 10. Problemas específicos diversos: empresários solicitam providencias quanto à adequada iluminação das ruas do bairro, ao efetivo conserto de equipamentos urbanos em geral, ao estabelecimento de horários das reuniões para evitar evasão, etc.
Quadro 7 (4) - Principais reivindicações dos empresários de Jaraguá Fonte: elaboração própria.
Nota: este quadro foi montado com base nas atas de reunião entre o poder público/empresariado realizadas em datas diversas. Trata-se da compilação de informações documentais fragmentadas, posto que as atas encontravam-se dispersas em diferentes instâncias do poder público e não foi possível ter acesso irrestrito. Como o conteúdo desse material apresenta-se em tópicos, aliou-se também a análise de discurso dos entrevistados, a fim de prover a compreensão mais ampla das reivindicações pleiteadas.
138
No tocante às duas primeiras, observa-se que ambas decorreram das queixas dos
empresários quanto à ausência de clientes no bairro em certos dias da semana. Segundo um
assessor do gabinete da Prefeitura Municipal (E5) “[...] era um público de sexta e sábado e os
comerciantes queriam, pelo menos, de quarta a sábado”. Visando atrair os consumidores, a
iniciativa privada almejava novos investimentos para a área: realização de shows, eventos e
uma intensa campanha de marketing eram as principais solicitações.
O empresariado chegou a planejar uma campanha de marketing com cobertura intensa
em televisão, folder, cartaz, outdoor, e outros. O objetivo central era atrair o público para o
bairro, focando a mensagem ‘Maceió: praia de dia, Jaraguá à noite’. Os empresários
apresentaram o projeto ao poder público, pleiteando que este entrasse com o capital. A
campanha, contudo, não foi implementada sob a alegação de ausência de recursos por ambas
as partes, como prossegue o entrevistado E05, “Divulgar o trabalho, é um projeto muito caro.
[...] Se você realmente quer fazer uma mídia boa, [...] não é uma coisa fácil, você tem que
desembolsar muito dinheiro [...]”.
A divulgação conjunta do bairro mediante parceria entre a iniciativa privada e o poder
público foi bastante incipiente. Segundo a gerente de planejamento da UEM (E01), houve por
parte dos empresários uma postura passiva, no sentido de aguardar que o poder público
custeasse uma campanha publicitária capaz de atrair o público para Jaraguá:
[...] aí chega um momento que tem que ter um parceiro. [...] Eles [os empresários] queriam só o apoio do poder publico, eles estão esperando que a prefeitura dê o material pra divulgação [...] Só cobrar do poder publico, ele [o poder público] já investiu, agora é fazer a sua parte.
Em 2002, o centro turístico-cultural de Jaraguá apresenta sinais de queda do público
em maior intensidade e alguns estabelecimentos começaram a falir. Paralelamente, os
problemas de segurança cresciam em Jaraguá, resultando em reivindicações mais
contundentes quanto ao policiamento do bairro (item três do quadro 7 (4) ). Os furtos e roubos
eram freqüentemente associados à Vila dos Pescadores, conforme relatos dos empresários:
139
A segurança, eu acho que foi o principal fator do declínio do Jaraguá, [...] a gente já sabia para aonde é que estava indo as coisas [...] Se você for lá no “inferninho” ali [o entrevistado se refere à Vila dos Pescadores], você acha lá com certeza, se for lá, o pessoal usa para trocar por droga. Nós tínhamos reuniões constantes com o pessoal da polícia civil, da polícia militar, mas nada. Assim, depois da reunião, o primeiro final de semana até que funcionava, ficava cheio de guarda, cheio de policial lá. Agora, passou 15 dias, acabou (proprietário de um restaurante em Jaraguá – E09). [...] moradores, a maioria aí dessa área que a gente já citou anteriormente [favela dos pescadores], eles quebravam o vidro do carro para roubar o que estivesse em cima do banco. Depois começaram a roubar som de carro, aprenderam a tirar isso. E chegou um ponto que nós fomos pedir socorro à Prefeitura por problemas de segurança. ‘Existe problema, não é problema da Prefeitura, é problema do Estado’ [o entrevistado cita esta frase como se retratasse os argumentos expostos pelos representantes da Prefeitura de Maceió]. O Estado por sua vez dizia que não podia colocar a polícia para tomar conta de estacionamento [...] A gente argumentou que aquilo não era um espaço privado, era uma parte da cidade que estava sendo submetida a constantes assaltos, roubos e arrombamentos [...] (empresário e membro da cúpula da Associação de Bares e Restaurantes – E02).
O poder público, por sua vez, confirma o aumento dos problemas de segurança,
entretanto, alega que este quadro não é exclusivo do bairro de Jaraguá, mas da cidade de
Maceió como um todo:
O pior é o seguinte o Jaraguá virou uma vitrine política [...] Podia acontecer qualquer tipo de assalto, roubo de carro, em qualquer parte de Maceió, se acontecesse em Jaraguá, era um caos (ex-secretária de turismo do município - E20).
A análise do poder público se coaduna com a das comunidades carentes locais. A
interpretação do discurso dos representantes da Vila dos Pescadores permite inferir que os
mesmos reconhecem a criminalidade na favela de Jaraguá, mas não confere a ela a causa
exclusiva da marginalidade no bairro. Há, por parte destes, uma defesa veemente dos
moradores da comunidade, em especial dos que vivem da pesca:
[...] eles [os proprietários de bares, danceterias e restaurantes] dizem assim: não posso colocar o carro ali, porque os marginais de Jaraguá vêm e quebra rádio e quebra os vidros do carro, rouba os toca-fitas do carro. Eu quero deixar bem claro que não é a população de Jaraguá, porque nós pescadores não precisamos, nem os nossos filhos, de andar roubando rádio de carro de ninguém, nem quebrando vidro de carro de ninguém. [...] Eu quero dizer para a população que os marginais não são da favela de Jaraguá, são de todos os bairros, porque em todos os bairros tem marginalidade [...] Não só
140
é a favela de Jaraguá. Essas criaturas [...] só dizem: é a favela de Jaraguá, mas não é da favela de Jaraguá, é de todos os bairros, porque existe crime em todas as favelas, em todos os bairros. [...] Pronto, agora mesmo, teve essa morte aí na Arena [a entrevistada se refere a um recente caso de assassinato envolvendo jovens de classe mais abastadas]... Foi da favela de Jaraguá? Não foi da favela de Jaraguá, não é? [...] (presidente de uma das associações da comunidade dos pescadores – E07).
De acordo com o proprietário de um bar/restaurante (E09), os problemas de segurança
dificultaram o funcionamento de um amplo estacionamento de Jaraguá que, inclusive, por ter
sido construído mais tardiamente (conforme descrito no momento 2) chegou a figurar entre as
reivindicações da iniciativa privada:
O estacionamento também foi outro elefante branco que foi feito no Jaraguá que a gente achou que fosse dar certo. [...] Eu digo elefante branco pelo fato de a gente não poder utilizar, porque os marginais roubam os cabos de eletricidade, o estacionamento fica todo escuro. Aí não tem ninguém pra deixar o carro no breu, naquela escuridão toda.
O referido estacionamento se situa muito próximo à Vila dos Pescadores (ver mapa 04,
apêndice F). Os moradores desta favela, embora neguem ligação com os problemas de
segurança, não deixam de expressar descontentamento em relação à construção do
estacionamento, sugerindo que o mesmo é amplo demais e pouco utilizado. De acordo com o
presidente de uma das associações da comunidade (E10), o estacionamento é uma forma de
encurtar o espaço para pressionar a saída dos pescadores. Sua área seria melhor aproveitada,
segundo ele, se destinada à implementação do projeto de reurbanização da Vila dos
Pescadores:
[...] acho que eles já fizeram isso já para jogar o pessoal fora, porque eu não estou vendo utilidade nenhuma naquele estacionamento, grande demais e que você vê todo dia poucos carros estacionando [...] Do meu ponto de vista, eles já fizeram aquilo ali mesmo, já pra dizer quando quiser revitalizar aquilo que botou em projeto: ‘ah não vai dar não que não tem espaço’. Quer dizer, e que houve, claro, união entre empresários.
É verdade que os problemas de segurança no bairro não podem ser ignorados, não é
menos verdade que colocá-los como fator nuclear do declínio e falência dos bares,
141
restaurantes e danceterias de Jaraguá parece precipitado ou mesmo uma justificativa
conveniente para a iniciativa privada. A cidade de Maceió não se encontra entre as capitais
brasileiras com elevados índices de criminalidade. Em pesquisa de âmbito nacional referente à
criminalidade nas capitais brasileiras no período de 1999-2001 (ver anexo D), Maceió
apresentou indicadores relativamente baixos se comparados às demais capitais nordestinas e
ao Brasil como um todo.
Em relação à quantidade de assaltados em proporção ao número de habitantes, Maceió
revela-se como a capital do NE de menores taxas nos três anos consecutivos da pesquisa. O
mesmo ocorre em relação à quantidade de roubos de veículos, exceto no ano de 1999, quando
a cidade apresentou índices mais altos que Fortaleza e João Pessoa. No tocante aos demais
roubos, Maceió só possui taxa mais elevada no período em relação a Fortaleza. A cidade
apresenta a menor taxa de lesão corporal seguida de morte em 1999, sendo que em 2001
alcança índices maiores do que João Pessoa.
A pesquisa demonstra que Maceió aparentemente não possui um quadro grave de
criminalidade e que aferir a falência dos investidores do bairro a esse fator é ocultar diversos
aspectos relevantes e inerentes à gestão de seus estabelecimentos. Embora em jornais e
noticiários locais se observe a incidência da marginalidade em Jaraguá, a cidade de Maceió
possui outros bairros tipicamente conhecidos pela violência, cujos índices de ocorrências são,
provavelmente, maiores. Além disso, os próprios empresários sugerem, que, a longo prazo,
houve uma melhoria substancial no tocante às questões de segurança:
Agora, hoje a gente tem a segurança policial muito boa, o estacionamento está funcionando, está bem iluminado [...] Realmente conseguimos uma melhora quantitativa e qualitativa, sem precedentes, no bairro. Hoje a gente pode dizer: o bairro à noite é seguro (empresário e membro da cúpula da Associação de Bares e Restaurantes – E02).
Apesar das considerações acima, não se pode negar que os problemas relacionados à
criminalidade em Jaraguá aliados ao crescente número de pedintes nas ruas do bairro
142
resultaram numa difícil convivência entre uma parcela de empresários (em especial os
localizados na Rua Sá e Albuquerque, dada a proximidade) e moradores da Vila de
Pescadores. Um ex-secretário executivo da UEM (E14) ao ser questionado sobre a relação
entre estes dois atores, responde de forma contundente: “Uma guerra! Eu vejo uma guerra,
que a gente administrava na nossa época com muito cuidado [...]”.
A insatisfação da iniciativa privada aparenta reforçar uma atitude por parte da
Prefeitura no tocante aos problemas de segurança e à favela de Jaraguá. O município, desde a
elaboração do projeto da Vila dos Pescadores, previa o deslocamento de parte dos moradores
desta comunidade (os que não trabalhavam diretamente na pesca) para outras regiões da
cidade. Entretanto, apenas tentativas e ações paulatinas de retirada dos moradores, ao longo
dos anos, foram implementadas pelo poder público. Os destinos, segundo a comunidade dos
pescadores, eram o Tabuleiro dos Martins, Clima Bom e Benedito Bentes, bairros distantes de
Jaraguá e de menor poder aquisitivo de Maceió (ver mapa 02, apêndice F).
Segundo o ex-secretário executivo da UEM (E14),
[...] Nós tínhamos um projeto e um cadastro prontos para atender só os pescadores, só iria ficar ali pescadores. As casinhas muito bonitinhas, muito arrumadas no padrão arquitetônico, lembrando a arquitetura antiga. Uma coisa muito legal, muito eu acho que eficiente. A gente no primeiro momento tirou bastante família dali, as famílias que não tinham nada a ver com a pesca, foi tirada e colocada num conjunto aqui no Tabuleiro. A dificuldade é que a gente não conseguiu realizar a construção dessa Vila dos Pescadores, porque quando você [constrói] essa vila dos pescadores, você dá uma conotação diferente e aí talvez a iniciativa privada aceitasse a coisa com mais tranqüilidade, porque [...] quando você tem a residência é uma coisa que dá muita dignidade ao cidadão, a sua postura muda. Mesmo que você seja o mais humilde possível, uma pessoa completamente analfabeta, mas você tem endereço, isso dá cidadania. Então, [com] a cidadania você diminui muito algum tipo de restrição que a iniciativa privada tinha, porque [os empresários argumentam:] ‘aquilo é uma favela, como é que o turista vai vim aqui, a favela lá e o menino vem pedir dinheiro...’ e que tem fundamento também o que eles estão dizendo, não é?
Este relato deixa claro que o propósito da Prefeitura Municipal de Maceió era realmente
reduzir a quantidade de moradores das comunidades carentes do bairro de Jaraguá, com fins
143
de que ali permanecesse apenas um núcleo bastante restrito, o da pesca. Contudo, o
entrevistado prossegue afirmando que foi, inclusive, estudada uma possibilidade de retirar
todos os habitantes da favela de Jaraguá, mesmo o núcleo de pescadores:
[...] tem aquela proposta definida, mas tem uma proposta auxiliar13, que seria realmente tirar todo mundo e jogar os pescadores ali para beira da lagoa dentro de um conjunto residencial e tal, que é muito difícil porque existe uma distinção do cara que pesca na lagoa, do cara que pesca em alto mar, não dá pra você conciliar isso, mas é uma coisa que não foi realmente realizada e realmente esse conflito é muito forte [...] Na minha opinião, o primeiro passo que nunca pôde acontecer já que o estacionamento está pronto, é realmente tirar... Ou fazer o projeto acontecer da vila dos pescadores, fazer um cadastro apertado, só pescador mesmo, verificar se o cara é pescador (ex-secretário executivo da UEM - E14).
Não foram encontradas estimativas do número de pessoas que permanecem atualmente
na Vila dos Pescadores, das que saíram e nem tampouco das que retornaram. Contudo, de
acordo com as informações dos representantes entrevistados das associações existentes na
comunidade, um grande agravante nesse processo é que muitas pessoas que viviam direta ou
indiretamente da pesca também foram retiradas, isto porque nem todos possuem documentos
oficiais como pescador, que serviu de base para as ações de re-assentamento do pessoal por
parte do poder público.
Em conseqüência, muitos dos que foram expulsos não tiveram como desenvolver outra
atividade remunerada nos locais de destino, conforme palavras da presidente da Associação
de Moradores da Vila dos Pescadores (E07): “[...] lá não tem de que eles viverem, você vê
que um peixe fora d’água morre”. Além disso, os entrevistados afirmam que as condições dos
locais de destino são péssimas: “[...] ali é uma fábrica de marginal, ali não tem como o
pescador viver” (representante de uma das associações da Vila dos Pescadores – E08). Ainda
de acordo com o inquirido, as ações por parte do poder público são desumanas:
[...] a casa da presidente [da Associação dos Moradores da Vila] foi derrubada com os móveis dentro. Você acredita nisso?! [...] Ela perdeu
13 A pesquisadora não teve acesso a essa proposta. Aparentemente tratou-se de uma cogitação entre os membros da cúpula da administração municipal, que não foi implementada. O mais provável é que tal proposta não tenha sido divulgada oficialmente, já que este entrevistado foi o único a discorrer sobre o fato.
144
televisão, pertences de casa, ela perdeu tudo. [...] Aqui é como se fosse uma aldeia, nós nascemos e crescemos aqui, então, nós temos um direito nosso, só que eles não querem saber.
Segundo alguns entrevistados do poder público e mesmo da iniciativa privada, os
próprios pescadores tinham interesse na retirada das pessoas que não viviam da pesca,
havendo inclusive, na época, algumas denúncias por parte dos moradores da própria Vila.
Contudo, talvez pela própria forma como as ações de retiradas foram realizadas pelo
município e dada a não-consecução do projeto de reurbanização da Vila dos Pescadores, os
habitantes da favela parecem ter desenvolvido um senso de união em torno da causa bastante
aguçado, conforme palavras da presidente da associação (E07):
Ninguém sai daqui. Ninguém sai. Nós estamos todos unidos: é um por todos e todos por um. A gente só sai daqui no caixão. Todos aqui! Nós estamos todos combinados, porque eu mesmo criei dez filhos sem pai aqui dentro, meus filhos não usam drogas, meus filhos não roubam, meus filhos são educados.
A Associação de Moradores da Vila dos Pescadores chegou a realizar alguns
protestos, quando das novas tentativas de retirada da população local, como afirma um
representante desta organização (E08): “[...] fizemos um piquete, interditamos essa passagem
de carro aí [Rua Cícero Toledo], tocamos fogo em pneus. Foi uma revolta grande”. Ainda
segundo o entrevistado, a comunidade da pesca se fortaleceu ao longo dos anos em
decorrência das investidas do poder público de retirar seus habitantes:
Só que nós ficamos fortes, perdemos o medo, porque nós tínhamos medo, perdemos esse medo e fomos para o Ministério Público. Botamos a boca no trombone mesmo, fomos para rádios, TV. E aí eles acalmaram mais, mas não está muito longe de acontecer de novo não. Daqui a alguns anos pode acontecer a mesma coisa. É por isso que estamos fazendo uma associação aqui [o entrevistado se refere a reestruturar a associação já existente] e juntando o povo pra que nós fiquemos fortes.
Entretanto, ele reconhece a inatividade da Associação de Moradores da Vila, falando
sobre a mesma em tom de ironia: “[a associação funciona] há oito anos, agora é só no papel
145
como esse projeto no Jaraguá [o projeto da Vila dos Pescadores]”. O medo de uma nova ação
de despejo por parte do poder público está presente não só no discurso dos líderes da
comunidade, como nas atas de reunião da associação, quando estes invocam a participação
dos demais: “[...] é importante que nós nos organizemos para impedir qualquer projeto de
remoção da comunidade deste local para outro, por parte do poder público porque é aqui que
conseguimos o nosso pão de cada dia” (ata de assembléia da Associação da Vila dos
Pescadores realizada em 04/12/2004).
O descumprimento das promessas de recuperação da Vila dos Pescadores por parte do
poder público isolou os moradores do processo de revitalização, construindo um muro
invisível que divide Jaraguá em dois, como sugere um representante da Associação de
Moradores da Vila dos Pescadores (E08):
Eu visualizo o seguinte: os dois Jaraguá. Eu posso concluir, assim, os dois Jaraguá, porque nesses dois Jaraguá existe o nosso Jaraguá, que é o nosso dos pescadores, e o Jaraguá dos senhores dos donos de boates, dos senhores da alta sociedade. [...] Dois Jaraguá: o pobre e o rico. Você olha para cá, pobre; e olha pra lá, o Jaraguá rico.
A beleza da recuperação apenas do ‘Jaraguá dos ricos’ soa quase que como uma
afronta para os moradores da região e é completamente desprovida de significado para os
mesmos:
A revitalização de Jaraguá foi boa para os ricos, mas para os pobres não foi [...], porque isso é uma vergonha. Jaraguá aí bonito com a favela aqui dentro. Isso aqui é o centro [leia-se núcleo formador] de Maceió. Então, é uma vergonha. Eu achava que a prefeita devia ter olhado a Vila dos Pescadores para poder ela fazer o bairro tão bonito que nem ela fez. Só virou em discoteca, restaurante [...] (presidente de uma das associações da Vila dos Pescadores – E08).
146
50%
17% 17%
8% 8%
ATORES MAIS BENEFICIADOS NA REVITALIZAÇÃO DE JARAGUÁ SOB A ÓTICA DOS ENTREVISTADOS
PROPRIETÁRIOS DOS IMÓVEIS EMPRESÁRIOS
PODER PÚBLICO ARTISTAS
JOGO EM QUE TODOS PERDERAM
As comunidades de baixa renda, segundo os entrevistados, foram os atores menos
beneficiados com a revitalização de Jaraguá, conforme figura 4 (4). A revolta dos moradores
da favela aparenta se acentuar no que se poderia interpretar como uma postura demagoga por
parte dos candidatos às eleições municipais em relação ao projeto de reurbanização da Vila
dos Pescadores:
[...] época de política aí eles [os candidatos] vêm aqui pegar nas nossas mãos, nos abraça, mas depois já era, esquece. Depois eles fazem um muro, fecha tudo, tem direito a mais nada. [...] No início da campanha dela [o entrevistado se refere à prefeita Kátia Born], ela veio aqui sentou com a gente, comeu com a gente [...] e depois ela fechou os olhos, começou a remover todo mundo. [...] Na reeleição, ela teve aqui sentou com a gente, sentou na nossa mesinha simples, comeu com a gente no pratinho de plástico. [...] A gente deveria ter expulsado ela na época, mas não fizemos isso. Como pobres, como humildes, nós suportamos todas as coisas dela. Só que depois chegou o momento de não aceitar nem ela, nem mais ninguém. (representante da Associação de Moradores da Vila dos Pescadores – E08)
A queda de público e os problemas relativos à segurança (freqüentemente associados à
permanência dos moradores na favela) aumentaram o descontentamento dos investidores do
local. Nesta época, a UEM, outrora sediada no próprio bairro, já havia se transferido para o
centro de Maceió. Os empresários, por sua vez, alegavam abandono por parte do poder
público e ausência de uma unidade responsável por concentrar ações de cunho gerencial e
operacional do bairro, já que as ações da Unidade Executora Municipal focaram-se na
68%
14%9% 9%
ATORES MENOS BENEFICIADOS NA REVITALIZAÇÃO DE JARAGUÁ SOB A ÓTICA DOS ENTREVISTADOS
COMUNIDADES DE BAIXA RENDA EMPRESÁRIOS
PODER PÚBLICO JOGO EM QUE TODOS PERDERAM
Figura 4 (4) - Atores menos beneficiados Figura 5 (4) - Atores mais beneficiados Fonte: elaboração própria, com base nas entrevistas. Fonte: elaboração própria, com base nas entrevistas.
147
implementação das obras. As palavras de um representante da cúpula da AMAPAZ (E03)
ilustram o fato:
[...] aqui o caso é o seguinte: houve uma grande participação do poder público na parte física. Houve incentivos, os investidores também vieram para cá, corresponderam. Agora, na parte operacional, que devia haver a manutenção do projeto, o poder público [...] foi omisso. Praticamente foi omisso. Ele deixou o barco correr [...]
É assim que em 2002 a Prefeitura Municipal de Maceió designa a Secretaria de
Turismo como gestora oficial de Jaraguá. O objetivo era delegar à SETURMA determinadas
ações operacionais do bairro bem como conferir à Secretaria o papel de coordenadora dos
órgãos municipais e estaduais, essenciais para o adequado funcionamento dos novos usos
almejados ao bairro. Desde então, a SETURMA, além de permanecer promovendo os eventos
artísticos e culturais do bairro e de receber os navios turísticos, passou também a ativar órgãos
de segurança (polícia militar e guarda municipal), de controle do trânsito (estacionamento,
sinalização, fechamento/abertura de ruas, etc), realizar reuniões periódicas com a iniciativa
privada, entre outros.
A designação da SETURMA para gestora oficial do bairro culmina com o
reconhecimento por parte do poder público do maciço investimento na parte física de Jaraguá:
“[...] o projeto de revitalização de Jaraguá concentrou-se em seu primeiro momento nas obras
de infra-estrutura, deixando para um segundo plano ações complementares e fundamentais no
que consiste a ações de gestão e marketing”, como assinala release da própria Secretaria de
Turismo do Município (MACEIÓ, ca. 2003). Com efeito, a SETURMA, agora responsável
por dinamizar o bairro, implanta, em 2003, o projeto ‘Jaraguá: porto cultural e de
entretenimento’, que, entre outros, tem por objetivos ampliar a freqüência e a diversificação
do público bem como realizar uma campanha intensiva de marketing.
A estratégia de fomentar o desenvolvimento e a dinamização do bairro permanece
calcada no segmento de eventos, isto é, na atração da população local e do turista mediante a
promoção de festas e shows artístico-culturais. Segundo release, o projeto “[...] procura
148
acolher o maior número de eventos possíveis para o bairro a fim de movimentar a cena
cultural maceioense centrada no bairro de Jaraguá [...]” (MACEIÓ, ca. 2003). O ‘Jaraguá:
porto cultural e de entretenimento’ pretendia reforçar também uma política de gestão
integrada, já que funcionaria como um elo articulador entre as diversas instituições e órgãos
da administração pública municipal, vislumbrando a consolidação de Jaraguá como um pólo
de turismo, cultura e negócios (MACEIÓ, 2004).
O projeto se pauta em orientações fornecidas pelo relatório de uma empresa de
consultoria contratada pelo poder público, a Trade Consultoria e Marketing, que compõe a
‘Agenda Jaraguá 2003’. Há, neste momento, um re-planejamento da revitalização por parte do
poder público, mais uma vez centrado nas alianças com o empresariado local:
[...] numa visão crítica e construtiva constata-se que a consolidação de Jaraguá como produto turístico e cultural dar-se-á a partir do momento em que ações concretas, consistentes, sistemáticas e sistêmicas sejam implantadas. Evidentemente, comprovam-se relevantes avanços no tocante as questões de infra-estrutura. Porém, entraves significativos persistem e emperram o desenvolvimento do bairro [...] Firmar a imagem de pólo cultural e de negócios para o bairro de Jaraguá exigirá do setor público e privado uma visão convergente e ações planejadas com esse propósito. (MACEIÓ, ca. 2002, p.1-3).
Destaca-se, então, a implementação de uma série de atividades voltadas à dinamização
do espaço, entre elas, cita-se: ‘cinema na praça’, com exibições de filmes de longa e curta-
metragem; ‘Feira do Porto’, uma feira de variedades (de colecionadores, antiquários, etc) com
estrutura móvel de barracas; ‘jogos lúdicos e esportivos’, que recebiam campeonatos de
xadrez, dama, tênis de mesa, etc; ‘Você é o show’, evento semanal em que um espaço com
som e palco era cedido pelo poder público para que os artistas locais apresentassem suas
produções e talentos; “Viva Jaraguá”, shows realizados nas escadarias da Associação
Comercial às sextas-feiras, entre outros.
Algumas ações de marketing foram desenvolvidas, com a confecção de material
promocional específico do bairro, tais como cartazes, banners, programação semanal de
149
Jaraguá, entre outros. A partir da análise do material de divulgação da programação semanal
neste período (tanto promovida pelo poder público como, internamente, pelos bares e
restaurantes), observou-se a constante realização de eventos diversos, como shows e danças,
atração de folguedos populares, oficinas, lançamentos (livros, CDs, etc), exposições,
comemorações em datas festivas (carnaval, São João, Natal, aniversário da cidade, etc)
palestras e outros, durante variados dias da semana em largos, museus, praças e ruas do bairro
(ver mapa 05, apêndice F).
Tentando dinamizar o bairro, a SETURMA, utiliza o slogan “Programe sua vida para
o novo Jaraguá” em material publicitário, discorrendo sobre as novas atividades que seriam
promovidas: “[...] um novo Jaraguá estará de braços abertos para você. Cultura,
entretenimento, gastronomia, esportes, educação e comércio vão movimentar o bairro
histórico de Maceió como você nunca viu”. Em release, o orgulho cívico também é enfocado:
“É indiscutível a importância econômica, social e cultural que a revitalização de Jaraguá
trouxe para a cidade de Maceió. Interferindo, inclusive, na auto-estima maceioense, que se
orgulha em poder usufruir e mostrar aos visitantes a beleza arquitetônica de edificações
restauradas [...]” (MACEIÓ, ca. 2003).
O relatório da Trade também incentiva a realização de alianças estratégicas na
realização destes eventos e do material de divulgação. É possível evidenciar a participação de
diversos atores, sendo alguns em caráter mais freqüente e outros com ações mais tênues,
contudo, em geral, não há propriamente um programa com divisão de responsabilidades e
ações contínuas, de caráter mais sólido. Entre os principais aliados, cita-se: Associação
Comercial, Banco do Nordeste, Museu Théo Brandão, Sebrae, Fundação Pierre Chalita,
Petrobrás, Secretaria de Turismo e de Cultura do Estado, Fundação de Ação Cultural, etc.
A intitulação da SETURMA enquanto unidade gestora oficial do bairro marca,
contudo, a estagnação ou mesmo falência de alguns setores da Unidade Executora Municipal.
150
O organograma da UEM, neste momento, compõe-se de variadas gerências que inclui
inclusive uma específica para marketing, turismo e investimento. Não houve uma articulação
desta gerência com a SETURMA, conforme demonstra a gerente de marketing e turismo da
UEM (E25) “[...] a SETURMA foi designada [gestora oficial do bairro], com isso, ela
ignorava o cargo de gerência de turismo daqui da UEM”.
A gerência de marketing e turismo da UEM revela-se completamente esvaziada de
função. Quando questionado se as ações de marketing eram implementadas por esta gerência,
a resposta foi enfática: “Não!” (gerente de marketing e turismo da UEM - E25). Esse quadro
não era exclusividade da citada gerência, outras áreas da UEM, que chegaram a desempenhar
papéis ativos ou mesmo nucleares no processo de revitalização de Jaraguá, tiveram suas
atividades paulatinamente fragilizadas. É possível falar mais de suas funções no passado do
que no atual cotidiano.
A desarticulação entre as diferentes secretarias e órgãos do poder público é descrita
por um dos entrevistados:
Um dos meios para que todo esse funcionamento entre secretarias pudesse ter uma maior abrangência é que faltou esse elo, esse entrosamento, essa troca de idéias, essa cooperação mútua. Todo mundo trabalhou e trabalhou muito, mas isoladamente. Então, é preciso que se pense nisso futuramente, porque quando se junta, quando há realmente uma harmonia, a coisa tende a render muito mais (presidente da Fundação de Ação Cultural – E22).
Apesar das ações implementadas pela SETURMA, a satisfação dos empresários, agora
já organizados coletivamente pela Associação de Bares e Restaurantes, não se amplia. As
reuniões entre o poder público e a iniciativa privada são consideradas ineficazes por ambas as
partes, como se observa nos discursos abaixo:
[...] o que acontecia ali é que alguns empresários se reuniam para tentar melhorar a nossa situação no bairro. Então, alguns donos de bares e restaurantes tinham reuniões semanais com o pessoal da SETURMA. A gente estava sempre exigindo, solicitando algumas coisas, tentando viabilizar algumas coisas para que a gente conseguisse levantar novamente o Jaraguá, que o Jaraguá voltasse a ser o que era. Mas era muito difícil. A gente, apesar de ter essas reuniões semanais com o pessoal da SETURMA,
151
não conseguia sair da estaca zero. A gente queria fazer as coisas e não conseguia, por mais que a gente tentasse e que mostrasse, muitas vezes, o foco dos problemas, mas parece que o pessoal da SETURMA também estava de mãos atadas, não sei porquê. [...] Tanto que chegou uma hora que nós desistimos. Nós éramos convocados para reunião e ninguém ia mais. Falava: ‘eu vou para reunião para fazer o que? Pra ouvir ela falar, jogar um monte de asneira no ouvido da gente e o que a gente quer fazer nem ser analisado?’ Então, esses motivos que foram se acumulando, fizeram com que a gente passasse a ter a idéia de estar saindo de Jaraguá (proprietário de um restaurante - E09). [...] o que eu sentia é que esses membros participavam das reuniões mais para cobrar. Cobrar assim, porque eles estão falindo, estão fechando, ou não estão dando certo, é porque o poder público não faz nada. Agora a minha opinião, é que quem não faz é ele, porque oportunidade foi dada [...] Agora se você quer sobreviver, tem que fazer alguma coisa, você é quem tem que fazer. Então não deve só culpar: ‘eu não sobrevivo, porque o poder público não faz isso’, esperar que o governo faça alguma coisa. Eu acho que não é por aí. Então, assim, havia isso sim em reunião, essa cobrança, mas eu sempre coloquei como uma postura errada. Eles estão há tantos anos ali e reclamando que estão na mesma coisa e o que é que eles fizeram para poder mudar? Minha pergunta sempre era essa. E você nesses anos todinhos, o que é que você fez para mudar, para reverter essa situação? Quer dizer, durante esses anos todos continua reclamando? Se você não reverter vai continuar a mesma coisa. Então, acho assim: tinha muitas queixas nessas reuniões sim, mas sempre cobrando do poder público alguma coisa, não que eles pudessem trazer uma solução, ‘olha vamos fazer isso’ (gerente de marketing e turismo da UEM - E25).
De fato, tudo leva a crer que não foi apenas a Prefeitura de Maceió que deixou a
desejar na parte operacional da revitalização de Jaraguá. A iniciativa privada também incorreu
em má gestão de seus estabelecimentos, o que suscitou entraves significativos no
funcionamento dos bares, restaurantes e danceterias abertos. Os altos preços cobrados pelo
empresariado, por exemplo, criavam uma imagem negativa para este complexo turístico,
cultural e de lazer.
Os empreendedores evitaram relatar o lucro bruto apurado no período de auge do
bairro. O entrevistado (E21) é um dos poucos que se arrisca: “Na época de picos eu cheguei a
tirar na faixa de oito mil, nove mil reais por dia”. Todos, contudo, relatam diferenças
substanciais no lucro entre essa fase do bairro e o momento atual ou quando optaram por
fechar seu estabelecimento/transferi-lo para outra localidade.
152
Esse fato se soma à falta de planejamento, por parte dos investidores de Jaraguá, da
qual fala o inquirido E13 no segundo momento da revitalização delineado neste trabalho. É
muito comum nos discursos dos entrevistados o relato de uma ausência de estudo orientado de
oferta versus demanda, com fins de averiguar se havia clientela suficiente para tantos
empreendimentos similares no mesmo espaço. Os estabelecimentos abertos, em sua maioria,
eram bares e boates bastante similares entre si, com rara diversificação temática e/ou oferta
diferenciada de produtos/serviços. Como exemplificam alguns entrevistados:
[...] Lá [em Jaraguá] você não tinha nem um bar que tivesse um diferencial gastronômico. Se você colocasse uma venda nos seus olhos, fosse passando de bar em bar, com exceção de um ou dois, mas de modo geral [você teria a mesma coisa] [...], não tinha nada diferente em Jaraguá [...] (ex-secretária de turismo do município – E20). [...] Quando foi montado aqui o Jaraguá, todos os bares começaram a fazer a mesma coisa. [...] Não houve uma perspectiva de ‘vou fazer alguma coisa diferente para poder sobressair, para poder sobreviver’, porque quando você tem diferencial, você sobrevive (gerente de marketing e turismo da UEM – E25).
Essa falta de planejamento, e conseqüente similaridade entre os estabelecimentos, é
enfatizada por muitos entrevistados e inclusive detectada como uma das razões centrais da
falência dos negócios. A atração de investimentos/atividades diferenciados e, sobretudo,
âncoras é solicitada pelos próprios empresários em reuniões, compondo a quarta reivindicação
dos investidores do quadro 7 (4). A gerente de planejamento da UEM (E01), contudo,
apresentou uma opinião divergente no tocante a esse aspecto, como salienta: “[...] tem alguns
lugares no Brasil que tem vários bares e funciona super bem”. Com efeito, procurou-se
investigar a validade desta observação, averiguando, em caráter mais profundo, as possíveis
razões para a falência/fuga dos empreendimentos de Jaraguá.
Aparentemente, o pressuposto de que os bares, restaurantes e danceterias tenham
sufocado uns aos outros se sustenta na tentativa de trabalhar o espaço urbano de Jaraguá com
o conceito mercadológico de shopping, como defende uma ex-secretária de turismo (E20). O
153
que caracteriza esses centros comerciais? A existência de estabelecimentos e eventos âncoras,
a seleção de empreendimentos diferenciados e uma administração central que coleta taxas
mensais aos empresários para as despesas comuns de propaganda, segurança, etc. É
exatamente a seleção dos empreendimentos e de investimentos âncoras, sob a ótica dos
entrevistados, que não haveria ocorrido e, que teria decretado, em conseqüência, a morte dos
bares, restaurantes e danceterias de Jaraguá.
Uma aparente contradição nesta inferência, contudo, foi observada. No depoimento
dos entrevistados, alguns discorrem sobre bares/restaurantes considerados oferecedores de
produtos/serviços diferenciados, citando nomeadamente estabelecimentos já fechados ou
transferidos para outras localidades, a exemplo da Cantina Di Baco e do Virgulino. Detectou-
se, ainda, a falência de investidores de outros ramos do setor turístico-cultural que, ao que
tudo indica, não possuíam tantos concorrentes em Jaraguá, como galerias de arte/antiquário. O
natural seria que estes empreendimentos permanecessem abertos e sobrevivessem no espaço.
Além disso, se a cidade de Maceió não se caracteriza por ter muitas opções de lazer noturno,
imagina-se que a quantidade de bares, restaurantes e danceterias abertos contaria com um
público potencial razoável.
Esse fato sugere a existência de outros problemas mais intrínsecos. Como, na presente
pesquisa, entrevistou-se uma média de 12,5% dos empresários que investiram em Jaraguá, é
possível realizar algumas inferências sobre o perfil dos mesmos e seu estilo de gestão. Muitos
inquiridos revelaram baixa ou mesmo nenhuma experiência anterior no ramo de bares e
restaurantes e apresentaram formação profissional bastante variada, em geral, sem qualquer
relação com administração/gerenciamento de negócios ou áreas correlatas. A ampla maioria
alugou os imóveis que revitalizaram e os montantes investidos sugerem que os mesmos
pertencem à classe média e alta da sociedade de Maceió. Ninguém revelou vínculos
substanciais entre seus estabelecimentos e a cultura local. Todos atestaram a divergência de
154
interesses entre grupos de empresários e uma completa ausência de senso de coletividade,
além da inatividade da Associação de Bares e Restaurantes.
Tal perfil levanta, como corolário, três outras causas possíveis para o insucesso dos
empreendimentos. Uma decorre da própria especulação imobiliária (já relatada), que
aparentemente, justificaria a saída de alguns empreendimentos já que muitos alugaram os
imóveis. Nas palavras de uma empresária de Jaraguá (E19), “[...] os donos dos prédios
pensavam que tinha sido descoberto a galinha dos ovos de ouro, porque os preços são altos
dos alugueis e por isso a maioria [dos estabelecimentos] fecha”. Também segundo uma
secretária de turismo (E20),
[...] alguns bares e restaurantes saíram da Sá e Albuquerque, porque não tiveram condições de renovar os seus aluguéis a preço que estavam sendo mantidos anteriormente. E isso na verdade já era o efeito dominó, [com] isso você começa também a ver que o negócio morreu.
Contudo, como a valorização tende a ser proporcional à demanda, talvez explique
melhor a razão da saída de empreendimentos que ali se estabeleceram antes mesmo do início
do processo de revitalização ou num momento inicial deste processo. As outras duas causas
do fechamento dos estabelecimentos parecem se depositar em esferas de cunho
administrativo, nomeadamente, a baixa qualificação/ experiência dos empreendedores no
ramo de bares/restaurantes e a completa ausência de visão cooperativa.
Segundo uma ex-secretária municipal de turismo (E20), houve uma má qualidade dos
serviços ofertados pelos estabelecimentos de Jaraguá, o que pode ser justificado pela baixa
qualificação profissional dos investidores. Nas suas palavras: “bares caros e com atendimento
precário [...]”. Corroborando este raciocínio, nas atas de reuniões entre empresários e poder
público, também se observou a detecção da necessidade de “[...] buscar informações para o
desenvolvimento de pessoal em atendimento, desempenho dos garçons e gerenciamento” (ata
de reunião de 05/03/01). Essa inferência se coaduna a observação de uma empresária da área
(E19):
155
Aconteceu com o Jaraguá a mesma coisa que aconteceu com o Iguatemi, o Shopping Iguatemi quando chegou aqui em Maceió. A maioria das famílias que nem eram comerciantes na ocasião, mas que tinham poder aquisitivo alto, comprou uma loja no Iguatemi pensando que a loja era somente estar funcionando naquele pedaço e todo bonito recebendo amigos. Mas quando as contas chegavam, começaram a fechar. Aqui no Jaraguá aconteceu a mesma coisa. Quem tinha poder aquisitivo alto e tinha filho adulto, com vinte anos, eles fizeram bares e restaurantes noturnos que não deviam nada aos do Rio de Janeiro, São Paulo. Mas nenhum deles trabalhava. Os meninos estavam sempre lá, mas não para trabalhar. Sempre teve gerente, sempre tinha quem fizesse por eles. Inclusive a gente via que muitos donos sentavam nas mesas e bebiam como se fossem clientes comuns. Participavam das noitadas como clientes.
A baixa experiência contribui também com a tomada de empréstimos sem um estudo
de viabilidade adequado, o que só vem a reforçar uma atividade predatória de
superexploração do espaço, evidenciada pelos altos preços dos produtos/serviços ofertados
pelos empresários, ávidos pelo retorno do investimento. Alguns entrevistados chegam a
justificar sua permanência em Jaraguá em função de terem utilizado recursos próprios na
recuperação dos sobrados e não ter se endividado, como os que optaram por tomar
financiamentos. Segundo um empresário e membro da cúpula da Associação de Bares e
Restaurantes (E02), “[...] quem pegou dinheiro no Banco do Nordeste, quebrou”.
No entanto, a razão que aparentemente mais contribui para desmistificar o pressuposto
central de que a falência dos empreendimentos se deve nomeadamente à abertura de muitos
estabelecimentos do mesmo ramo é o individualismo e a competitividade entre os
empresários, inerente ao mundo dos negócios e que, definitivamente, os impedem de se
organizar em coletividade. Interrogado sobre o funcionamento da Associação de Bares e
Restaurantes, um empresário (E06) define categoricamente a organização: “[...] era uma coisa
só pra dizer que existia”. Não houve entre os integrantes da Associação de Bares e
Restaurantes uma atuação conjunta em torno da promoção da dinamização do espaço, a
organização sequer chegou a ter contribuições de seus associados.
156
Os relatos sobre a realização de eventos coletivos financiados pelos investidores são
raros, como prossegue o inquirido: “[...] se houve foi muito fraco, foi uma coisa que não teve
conotação nenhuma”. Segundo um membro da AMAPAZ (E03), “[...] cada investidor, ele
fazia as coisas individualmente, ele não fazia a coisa coletiva”. Também os próprios
empresários reconhecem que a competitividade entre os diversos bares, restaurantes e
danceterias caracteriza suas relações: “[...] Lá era cada um por si, mesmo porque eram todos
concorrentes, então, cada um fazia o que era melhor para si” (proprietário de uma danceteria -
E06).
Numa mesma linha de orientação, uma proprietária de restaurante (E19) afirma: “[...]
as pessoas que tinham bar, eu sempre digo que eles legislavam muito em causa própria. Eles
se preocuparam muito com a parte deles”. Ao ‘legislar em causa própria’, os empresários
consumiam as reuniões em discussões de interesses particulares. Não havia uma convergência
de opiniões e de reivindicações entre os próprios empresários; estes se dividiam em grupos
opostos. Algumas destas divergências alcançaram patamares elevados e exigiram, inclusive, a
intervenção da SETURMA.
A título de exemplo, uma polêmica foi gerada em torno da abertura/fechamento da rua
principal de Jaraguá, que compõe a quinta reivindicação do quadro 7 (4). De forma geral, os
investidores situados na Rua Sá Albuquerque desejavam o fechamento da mesma para a
realização de eventos coletivos capazes de atrair o público. Em contraponto, os proprietários
de danceterias (que possuem suas próprias atrações internas) e outros localizados em ruas
mais periféricas do bairro desejavam que a Sá e Albuquerque permanecesse aberta, facilitando
o fluxo de carros. Como expõe o entrevistado,
[...] era uma briga constante. A gente queria, pra gente trazer público pro Jaraguá, o que atrai o turista era sempre o quê? Era um evento, tinha que ter um evento, uma música na rua, alguma coisa assim. Pra gente colocar uma música na rua, tinha que fechar a rua, a Sá e Albuquerque, a principal. Quando a gente conseguia fechar a rua era uma briga, era uma briga medonha, um queria, o outro não queria, ficava aquela briga de interesses. (proprietário de um restaurante - E09).
157
Tal discussão sobre abertura/fechamento de ruas atingiu grandes proporções, como
argumenta uma ex-secretária de turismo do município: “[...] quase os empresários vão às vias
de fato, de briga, por discordância disso. E no meu entendimento o fato de fechar a rua era
apenas um apêndice na questão do Jaraguá. O que tava por trás da gestão do Jaraguá era
muito maior do que uma rua aberta, fechada”. A discussão foi tamanha que o poder público
realizou uma pesquisa com a população visando julgar o caso, mas discordâncias diversas
quanto ao âmbito da pesquisa (se só em Jaraguá ou se em Maceió como um todo), quanto à
padronização do questionário e quanto ao próprio resultado apurado, tornaram-na sem efeito.
Mesmo nos momentos em que houve o fechamento da Rua Sá e Albuquerque, as
dificuldades relacionais entre os empresários desta facção não pareciam se extinguir. As
poucas realizações de eventos coletivos também geraram polêmica. A questão era que alguns
se achavam menos beneficiados a depender de onde e como os eventos eram realizados.
Observe as palavras de uma das investidoras (E19):
Calcule que eles fizeram um evento aqui bem grande e botaram o palco de costas para cá. O palco ficou de costas, uma concha acústica que eles botaram ali junto da Associação Comercial e, ao invés de colocarem ela de frente para cá, para a Sá e Albuquerque, colocaram assim inclinado. E nós ficamos nos fundos [...] Quer dizer, pra gente não adiantava de nada.
A insatisfação também emergia quando os empresários traziam atrações individuais:
[...] chegou o ponto de termos no início da rua [Sá e Albuquerque] quatro bares e o desentendimento entre eles. E por omissão e falta da ação da Prefeitura, ficou um caos. O camarada colocava no meio da rua um palco com uma banda de forró, o outro a vinte metros colocava lá um sambão. O outro de lá de trás, que já colocava um violão e voz, ficou prejudicado. Então, ali a gente tinha uma confusão de sons, começaram a surgir problemas (empresário e membro da cúpula da Associação de Bares e Restaurantes – E02).
O perfil dos empresários também demonstra um baixo vínculo entre os
estabelecimentos e a cultura local, embora seja possível observar a associação do nome de
seus estabelecimentos à preservação do patrimônio cultural quer em decoração interna, quer
em material publicitário, a exemplo do Piano Bar e do Bar da Sogra. Ao que tudo indica, não
158
houve nenhum tipo de campanha de divulgação de Jaraguá custeada pelos empresários em
conjunto; os que confeccionaram material promocional, fizeram-no individualmente. O tênue
interesse dos proprietários de bares, restaurantes e similares pela história e cultura local é
reforçado pelas palavras de um membro da coordenação cultural da ACM (E16): “[...] não me
convence que uma pessoa pegue um cartaz de propaganda de um show de uma boate e pregue
numa parede de um prédio histórico”.
Outro exemplo da desarticulação entre os empresários também foi evidenciado na
tentativa de realização de alianças com outras empresas do setor turístico. Em verdade, houve
uma participação extremamente fraca de hotéis, pousadas, operadoras turísticas, agências de
viagens e transportadoras turísticas na revitalização de Jaraguá e na formação de parcerias
com os proprietários de bares e restaurantes do bairro, conforme salienta a secretária de
turismo do município (E15), “[...] o turismo enquanto ação dirigida, não incluiu ainda Jaraguá
no circuito turístico”.
Esse fato demonstra uma incipiente agregação dos atores organizacionais do setor
privado turístico em torno da estratégia de revitalização. Segundo uma ex-secretária de
turismo do município (E20), a SETURMA procurou mobilizar e dinamizar o trade turístico e,
inclusive apoiar ações conjuntas de alianças entre uma agência turística de viagem e os
proprietários de bares, restaurantes e danceterias de Jaraguá. Cada um desses três atores (a
agência, os proprietários de bares e restaurantes e a SETURMA) desempenharia um papel
específico nesta parceria.
A agência estava interessada em ampliar a venda de seus pacotes opcionais com
destinos às praias do litoral alagoano, inserindo entre eles, como um gancho de vendas, o
Jaraguá boêmio. À medida que o turista comprasse dois ou três pacotes, ganharia também um
passeio noturno para Jaraguá em um dia específico da semana. Os investidores de Jaraguá se
beneficiariam com o aumento do público para o bairro no dia estipulado, contudo, precisariam
159
arcar com o custo da vinda dos ônibus, nomeadamente R$50,0014 por cada. A SETURMA,
por sua vez, disponibilizaria, neste dia específico, uma atividade cultural, como um grupo de
folclore ou artistas alagoanos. Contudo, como observa a mesma inquirida,
[...] o projeto não foi adiante, porque houve divergência entre a [a entrevistada cita o nome da agência de turismo] e os bares e restaurantes. Os bares e restaurantes não queriam pagar os R$ 50,00, pelo custo operacional, só o custo mesmo, de ter o ônibus ali com eles (ex-secretária de turismo do município (E20).
Os empresários salientam que os ônibus não chegavam totalmente cheios do hotel:
“[...] chegava ônibus aqui com quinze pessoas, com dezoito pessoas. Daqui a pouco teve um
dia que nós tivemos doze ônibus aí, doze vezes [valor cobrado]. O número de pessoas, talvez
desse pra encher três ônibus. Inviabilizou...” (empresário e membro da cúpula da Associação
de Bares e Restaurantes – E02). Também foi argumentado que estes turistas permaneciam
pouco tempo em Jaraguá e que olhavam as edificações, mas não ingressavam nos bares,
restaurantes e danceterias. A ex-secretária de turismo no município (E20), entretanto, pondera
este raciocínio:
[...] o turista chegava ali e ia escolher o bar dependendo do cardápio que tivesse, da atratividade que tivesse. Então, levar o turista para lá, era um papel. Manter ele dentro do bar era uma responsabilidade de cada um desses empresários.
Em síntese, pode-se afirmar que a dependência das ações do poder público, por parte
do empresariado, revela-se bastante intensa. Ao perguntar a um proprietário de danceteria
(E06) sobre como ele avalia a participação da iniciativa privada e do poder público na
revitalização, o mesmo responde:
Eu acho que a parte da iniciativa privada já era estar fazendo com que acontecesse o Jaraguá [...] E a parte da Prefeitura era botar todo final de semana, ou dia de semana, projetos culturais, artistas, não só alagoanos, mas artistas nacionais... Tentando conduzir a sociedade ao Jaraguá. [...] Acreditamos numa coisa que estava para acontecer, a Prefeitura era a
14 Houve divergência entre os entrevistados quanto ao valor cobrado pela a vinda dos ônibus. Segundo um empresário e membro da cúpula da associação de bares e restaurantes (E02), o valor pago pelos empresários correspondia a R$70,00 por ônibus.
160
mais interessada em que o negócio desse certo. Então, é como se dissesse assim: ela abandonou o barco, então, a gente foi abandonado.
Por fazer com que o Jaraguá acontecesse, o entrevistado compreende a transformação
do bairro outrora abandonado “em casas que viessem a atender à sociedade”, mediante
investimento dos empresários em seus próprios imóveis. É interessante observar que há por
parte deste e outros empresários inquiridos, a concepção de que cabe à Prefeitura de Maceió
trazer o público para seus estabelecimentos. É como se a responsabilidade dos investidores
para com o sucesso do projeto de revitalização se limitasse ao simples fato de abrirem bares,
restaurantes e danceterias no local. E mais: embora o poder público organizasse eventos
semanais com artistas alagoanos, via o projeto ‘Jaraguá: porto cultural e de entretenimento’,
estes aparentemente não satisfaziam a iniciativa privada. Como afirma o entrevistado, faz-se
necessário promover eventos com artistas nacionais, capazes de atrair efetivamente o público.
É um representante das organizações civis (E13) quem pondera sobre a real
contribuição desta discussão em torno da necessidade de se desenvolver festas e shows para
dinamizar o bairro:
E no tocante a criar situações ou âncoras que possam atrair a população, o que tem-se feito aqui em Jaraguá são apenas festas. Festas, no nosso entender, são eventos. E eventos a palavra já diz: são coisas passageiras, são coisas que não deixam marcas.
O entrevistado recorda que não faltaram eventos promovidos, semanalmente, pelo
poder público em Jaraguá. Mediante levantamento, análise e contagem dos cartazes de
divulgação da programação do bairro nos arquivos da SETURMA, em geral referentes ao
projeto “Jaraguá: porto cultural e de entretenimento’, a presente pesquisa corrobora este
argumento. O problema da falta de público de Jaraguá aparenta assumir proporções estruturais
mais amplas. A revitalização de centros históricos pautada exclusivamente na transformação
do espaço urbano em um pólo turístico cultural carece da implementação de ações/atividades
menos fugazes, de caráter permanente. O mesmo entrevistado prossegue afirmando que não
161
foi incentivado em Jaraguá a habitação, de modo a gerar um efetivo re-povoamento das áreas
abandonadas do espaço.
Também a gerente de planejamento da UEM (E01) parece compartilhar deste
argumento:
Inicialmente, a revitalização esteve voltada para o turismo. Na verdade, cada área histórica tem um perfil. Quem quer morar no centro? Quem quer morar em Jaraguá? Em que área você quer morar no Jaraguá? E, na verdade, a permanência da habitação dá vida aos espaços. [Com] pessoas morando, começa a não ter espaços abandonados, segurança. A habitação traz de volta aquilo que você resgata em uma cidade: pessoas, mobilidade, uma padaria, um mercadinho. Você começa a ter um serviço que extrapola a residência e também tem o sentido de morar.
No final de 2003, boa parte dos bares, danceterias e restaurantes de Jaraguá
encontravam-se fechados ou se transferiram para outros bairros, conforme palavras de um
empresário que se mudou de Jaraguá para o bairro de Ponta Verde (E19): “[...] tantos foram
os problemas que no fim eu falei: ‘se eu ficar aqui em Jaraguá, eu não agüento mais não, eu
quebro’”. Nas entrevistas realizadas nesta pesquisa, foram contactados não só os empresários
que permaneceram no espaço como os que desistiram de Jaraguá. O que se percebeu é que
tanto uns, quanto outros conferem a culpa do insucesso do projeto de revitalização ao descaso
do poder público. O desânimo assola inclusive os poucos que permaneceram em Jaraguá,
alguns alegam não saber por quanto tempo persistirão.
A Prefeitura de Maceió se defende:
Houve, assim, uma visão do empresariado que a Prefeitura, já que ela preparou o bairro e eles vieram para cá, é como se eles pensassem assim: ‘a Prefeitura é quem tem que fazer tudo para que o bairro dê certo, por nós também’. E esse não é um papel público [...] Chegou uma época em que todo fracasso do bairro, a culpa era da Prefeitura. O que não é, como eu falei anteriormente. Claro que tinha alguns aspectos, talvez de gerenciamento, mas não dos negócios não darem certo (diretora da Secretaria de Turismo do município – E04).
É por todas as dificuldades intra-organizacionais e inter-organizacionais expostas até o
presente momento, que a presente pesquisa captou através do discurso dos entrevistados, um
162
profundo sentimento de frustração quanto ao processo de revitalização de Jaraguá, em
especial das organizações civis e do empresariado. Indiscutivelmente, o ocaso é o retrato do
da condução do projeto de revitalização no ano de 2004, quando da realização da coleta de
dados da presente pesquisa.
Não há dados oficiais sobre a quantidade de empregos gerados em Jaraguá com o
efetivo funcionamento das atividades almejadas ao bairro, nem na fase áurea e nem na
configuração atual. No último laudo de análise do projeto de revitalização, enviado pelo
município ao BNB/BID, a resposta ao quesito número de empregos gerados em função do
funcionamento dos sobrados históricos símbolos de Jaraguá é “nada a informar” (MACEIÓ,
ca. 2005, p. 10-11). As expectativas atuais, contudo, são desanimadoras: “no início [da
revitalização], a oferta de empregos foi bastante [numerosa]. Muito trabalho, não só na área
de engenharia, lembro que havia vários garçons. Essa avaliação é do antes [do passado].
Depois, teve uma redução, com certeza” (gerente de planejamento da UEM – E01).
Além de reduzidos, tudo indica que estes empregos nunca beneficiaram diretamente a
população carente e de baixa qualificação profissional de Jaraguá. É um ex-empresário do
local (E19) quem discorre sobre o assunto:
Para que isso acontecesse, seria necessário haver um treinamento para esse pessoal, porque esse é um pessoal bruto. Não é um pessoal que tem facilidade de acesso, de conversar com o cliente, são pescadores [...] Eu não recordo de ninguém que era daquele miolo ali [da comunidade dos pescadores], que tivesse trabalhando nas casas [nos bares, restaurantes e danceterias].
Na favela dos pescadores, o quadro é desolador (ver fotos no apêndice B). Além de
não terem o projeto de reurbanização da Vila implementado, os pescadores, através da
Associação dos Trabalhadores da Pesca, enfrentam dificuldades para pagar o financiamento
da fábrica de gelo junto ao BNB, o que vem causando descontentamentos e atritos entre seus
membros. Estes se julgam prejudicados com os preços, acima do valor de mercado, cobrados
pela fábrica, outrora erguida sob o intuito de facilitar a atividade pesqueira. Alguns
163
pescadores passaram, inclusive, a comprar gelo na concorrência. Tal fato, aliado à
inexistência de infra-estrutura básica na área e ausência de um sistema adequado de produção,
gestão e troca de suas mercadorias (fruto da atividade pesqueira), que também se
viabilizariam com o plano de revitalização, entrava a auto-sustentabilidade da comunidade.
Ainda segundo o relatório para o PRODETUR/NE, a quantidade de visitantes/usuários
dos principais prédios históricos de Jaraguá, a exemplo do MISA e da ACM, é
contemporaneamente estimada entre 250 e 300 pessoas/mês, o que reflete os atuais números
minguados do público de Jaraguá, que foi potencialmente previsto como capaz de mobilizar a
sociedade maceioense e seus turistas. Esse fato se soma à inferência de uma empresária do
local (E19) sobre um dos dias da semana que já concentrou a noite de Jaraguá: “[...] o sábado
aqui é totalmente morto. Não passa uma alma nem voando, quanto mais andando” e também
de um empresário que saiu do bairro (E09): “[...] as casas [os bares, restaurantes e
danceterias] ficaram às moscas”.
Os indicadores turísticos dos últimos anos (resumidos no anexo E) aparentemente
refletem a política de investimento da cidade neste setor. Fica evidente nesses indicadores,
contudo, que, mesmo com a revitalização de seu bairro histórico, “[...] Maceió continuou
vendendo lá fora a imagem de paraíso das águas” (membro da coordenação cultural da ACM -
E16). O fator decisório da visita dos turistas nos últimos três anos se pautou,
indiscutivelmente, nos atrativos naturais, enquanto o patrimônio histórico/cultural amarga
ínfimas taxas (sempre inferior a 1%) neste mesmo período (ver tabela 05 do anexo E). Por
outro lado, a taxa de permanência do turista na cidade, a taxa de ocupação e o fluxo hoteleiro
apresentaram valores oscilantes.
Jaraguá, em 2004, conta com a presença de cerca de um terço dos proprietários de
bares, restaurantes e danceterias que investiram no local. Observa-se também a permanência
de faculdades, instituições bancárias e outros estabelecimentos não vinculados à atividade
164
turístico-cultural, que também realizaram ações revitalizadoras. As obras do centro de
convenções encontram-se em ritmo acelerado, mas o centro náutico (marina) não foi
implementado. A valorização imobiliária, neste momento, é estimada, pelo poder público, em
torno de 40%.
Também neste ano, ocorreram as eleições municipais e, mais uma vez, o projeto
Jaraguá se insere nos debates político-eleitorais. Ironicamente, a mesma cena da prefeita Kátia
Born mergulhando nas águas de Salgadinho é apresentada, agora pela oposição, atestando a
ineficiência/ineficácia das ações de saneamento realizadas. O caso entra, definitivamente, para
o anedotário político. Certas promessas, obras e ações do plano de desenvolvimento de
Jaraguá não se consolidam e são enfatizados na mídia, contribuindo para minorar as intenções
de votos ao candidato apoiado pela administração da então prefeita. Desta vez, um segmento
da oposição sai vitorioso e assume a Prefeitura de Maceió. Esse fato, sob a ótica dos
entrevistados, corrobora a insatisfação da população no tocante à implementação do projeto
de revitalização de Jaraguá.
A avaliação estruturada do plano de desenvolvimento de Jaraguá abarca ações
implementadas nos três momentos descritos para esta intervenção urbana. O quadro 8 (4)
sintetiza os resultados encontrados, que, aparentemente, coadunam-se à apresentação dos
dados até então realizada. É importante ressaltar que esses números visam tão somente prover
um retrato simplificado da revitalização do bairro, exibindo as metas que, sob a ótica dos
entrevistados, foram cumpridas e aquelas aparentemente relegadas ao esquecimento. Não se
trata de um julgamento no tocante à qualidade técnica da implementação das ações. O intuito
é tentar captar o descontentamento e a satisfação dos inquiridos quanto à condução dos
programas previstos.
166
O tratamento dos dados, através de estatística descritiva, permite que o leitor visualize
as variações das respostas dos inquiridos, tais como os julgamentos mais freqüentes, o grau de
aproximação/distanciamento dos mesmos, entre outros (ver apêndice C). Não se objetiva
discorrer sobre todos os resultados encontrados, o intuito precípuo é apoiar as informações
qualitativas apuradas, que dão sustentação e consistência a este trabalho. Com efeito, ao longo
do tópico 4.2, serão realizados comentários analíticos, incluindo inferências sobre as respostas
dos entrevistados em relação aos aspectos mais relevantes observados nesta etapa específica
da coleta de dados.
Cabe, entretanto, ressaltar alguns aspectos de âmbito geral. Em primeiro lugar, os
resultados tendem a expressar, em maior dimensão, as respostas de representantes do poder
público não só porque estes compuseram a maior parte da população amostral como também
pelo fato de que os representantes da Prefeitura Municipal de Maceió tiveram amplo contato
com a realidade em análise, o que suscitou um maior número de respostas por parte destes. De
modo geral, os programas foram avaliados pelo poder público com pontuações mais altas do
que as aferidas pela iniciativa privada e pelas organizações civis, o que, de certa forma,
suscita uma elevação da média geral.
Outro aspecto relevante é que, como uma espécie de protesto, boa parte dos
representantes das classes de baixa renda e, inclusive alguns empresários, recusavam-se a
pontuar os programas em que, sob a ótica destes, houve efetivo investimento do poder público
ou exprimiam seu desejo de aferir baixas conceituações, solicitando reiteradas vezes a nota
zero (não enquadrada entre as possíveis respostas). Esse fato se refletiu na avaliação de alguns
programas. O programa de nº6 foi afetado pela insatisfação da favela dos pescadores, já que
não houve a reestruturação da infra-estrutura urbana da Vila, que estava prevista no programa
de nº3 (nem sempre foi possível evitar uma correlação entre esses dois programas). A
167
avaliação do programa de nº2 recebeu as menores pontuações por parte do empresariado, o
que revela descontentamento em função da diminuição do público de Jaraguá.
Observou-se ainda que a avaliação do projeto de despoluição do Complexo
Reginaldo/Salgadinho foi motivo de anedota por muitos entrevistados e, de defesa, por parte
de uma minoria, o que se explica em função da repercussão que o mesmo teve na mídia. As
menores pontuações à avaliação do sub-programa da comunidade dos pescadores foram
atribuídas, sobretudo, por parte do poder público e das organizações civis. Os poucos
julgamentos mais elevados recebidos por este sub-programa, em geral, procederam da
iniciativa privada.
A despoluição do Complexo Reginaldo/Salgadinho e o sub-programa da comunidade
dos pescadores (ambos definidos no plano como meta de prioridade 1) aliados à criação de
linhas de crédito para habitação, ao sub-programa educacional e às ações previstas através do
‘Seu bairro sua casa’ se configuram entre as metas que receberam menores pontuações. Por
outro lado, as ações que obtiveram maior pontuação pelos inquirido foram: inventário,
restauração de edifícios e logradouros públicos, revitalização de praças e aterramento do
sistema de energia elétrica/telefonia, sendo que as duas primeiras estavam definidas como
meta de prioridade 2 e as duas últimas como prioridade 1.
A boa avaliação do primeiro decorre, aparentemente, do investimento da Prefeitura no
geoprocessamento (vinculado à SMCU), o que permitiu um mapeamento e cadastramento dos
imóveis do bairro de Jaraguá (e da cidade de Maceió), através de recursos tecnológicos
avançados de fácil visualização e consultas digitais (MACEIÓ, ca. 2001). Nestes mapas,
observa-se o levantamento das edificações de interesse histórico, ruas, praças e dos
exemplares símbolos de Jaraguá, auxiliando o controle das intervenções no bairro.
Apesar da pontuação elevada, ressalta-se que não há um estudo detalhado, compilado
em documento específico, sobre a história e arquitetura dos sobrados, definindo prioridades e
168
critérios de preservação. Segundo a gerente de planejamento da UEM (E01), o inventário
completo do bairro se encontra em elaboração. A restauração de edifícios e logradouros
públicos e a revitalização de praças, por sua vez, revelaram-se entre as poucas metas que não
receberam a pontuação 1 (um) por nenhum entrevistado. O aterramento de sistema de energia
elétrica/telefonia chamou atenção por ter figurado entre as ações mais bem avaliadas por parte
dos empresários.
4.2 Desvelando as cortinas da revitalização de Jaraguá
A presente seção, de natureza interpretativa-analítica, destina-se a responder às
perguntas nucleares da pesquisa, a partir da apresentação dos atores envolvidos na
reestruturação urbana de Jaraguá, identificação de seus objetivos oficiais e operativos,
delineamento de suas inter-relações, arranjos, fonte e bases de poder, bem como verificação
do tipo de estratégia de desenvolvimento local compatível com a revitalização de Jaraguá. As
respostas investigadas decorrem do confronto entre o arcabouço teórico e os dados expostos
no item 4.1. Este último, em função de abarcar uma ampla quantidade de informações, foi
brevemente sintetizado no apêndice D, com fins de arrematar a apresentação dos dados, bem
como nortear as análises aqui realizadas.
4.2.1 Mapeando os atores e seus objetivos oficiais e operativos
O mapeamento dos atores em estudo compõe-se das organizações envolvidas no
processo de revitalização de Jaraguá, abarcando as três fases descritas no item 4.1.3, e foi
norteado pelo objetivo central da estratégia de revitalização, que se traduz na promoção do
desenvolvimento do bairro de Jaraguá, mediante sua transformação em um centro turístico,
cultural e de entretenimento. Com base nos critérios de seleção expostos no capítulo de
169
metodologia desta dissertação, chegou-se à configuração apresentada no quadro 9 (4), que não
se pretende estanque, mas procura sintetizar os atores reais e potenciais no âmbito da
reestruturação planejada e implementada no bairro, destacando os de maior
representatividade, sob a ótica dos indivíduos entrevistados.
AATTOORREESS QQUUEEMM SSÃÃOO EELLEESS??
PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIÓ*
Planejou e conduziu, através de suas secretarias e órgãos, as diretrizes centrais para o desencadeamento do processo de recuperação de Jaraguá. O objetivo da Prefeitura de Maceió, no âmbito da revitalização, encontra-se explícito em diversos documentos oficiais e pode ser sintetizado no ideal de promover o desenvolvimento sustentável do bairro mediante sua consolidação como pólo turístico, cultural e de entretenimento, que se concretizaria por meio de uma gestão integrada de políticas públicas.
IMPAR/ SEC. DE
PLANEJAMENTO*
Contratou a empresa de consultoria responsável pela elaboração do plano de desenvolvimento de Jaraguá, participou diretamente das ações que envolveram a formulação das leis de patrimônio e de criação da UEM, que deram respaldo para a concretização das obras revitalizadoras do bairro.
UEM/ETJ* Criada por exigência do BID, a Unidade Executora Municipal (UEM) é o
órgão gestor do projeto de revitalização de Jaraguá. Sua estrutura organizacional (ver organograma no anexo B) é composta por cargos de comissão de natureza temporária condicionados à duração do projeto de revitalização de Jaraguá. Através do Escritório Técnico de Jaraguá (ETJ), a UEM fiscalizou as obras públicas e particulares que ocorriam no bairro.
SETURMA*
Possui, além de uma área administrativa, duas direções, sendo uma operacional (responsável pela realização de eventos e shows) e outra de desenvolvimento (que realiza ações de planejamento, de marketing, etc). Intitulada gestora oficial do bairro de Jaraguá em 2002, implementou, entre outras atividades, o projeto ‘Jaraguá: porto cultural e de entretenimento’, coordenou reuniões com os empresários, ativou órgãos de segurança (polícia militar e guarda municipal), determinou o controle do trânsito (estacionamento, sinalização, fechamento/abertura de ruas, etc).
FUNDAÇÃO DE AÇÃO
CULTURAL Funciona como uma secretaria municipal de cultura. Forneceu apoios às atividades e eventos culturais promovidos no bairro em caráter esporádico. Não houve um planejamento conjunto ou divisão responsabilidade de programas específicos com os órgãos/secretarias envolvidas na gestão de Jaraguá.
ÓRGÃOS/SECRETARIAS MUNICIPAIS DIVERSOS
Os demais órgãos/secretarias municipais também se envolveram na revitalização, em suas variadas fases, com vistas a ampliar os serviços sob sua esfera de atuação a Jaraguá. Alguns foram, inclusive, reestruturados para tal, bem como ativados através das entidades gestoras do bairro. Estas unidades organizativas vinculam-se à dinâmica própria da gestão urbana, prestando serviços de infra-estrutura, limpeza, iluminação, saneamento, controle e convívio urbano, etc.
(continua...)
170
AATTOORREESS QQUUEEMM SSÃÃOO EELLEESS??
PRODETUR/BID/BNB*
O PRODETUR/NE, resultado de uma parceria BID/BNB, tem como objetivo geral “[...] a melhoria da qualidade de vida da população residente nas áreas de sua atuação” e, como objetivos específicos, “[...] o aumento das receitas provenientes das atividades turísticas e a capacitação gerencial para estados e municípios” (BRASIL, 2004). O PRODETUR/NE visa oficialmente “[...] desenvolver e consolidar a atividade turística no Nordeste brasileiro, ao mesmo tempo garantindo alternativas de sustentabilidade através de uma das atividades econômicas que mais cresce no mundo” (BRASIL, 2004). Através deste programa, o plano de revitalização de Jaraguá foi financiado em 60%, com contrapartida da Prefeitura de Maceió em 40%. Nesta parceria, o BNB repassa os recursos oriundos do BID. Cabe ressaltar que o primeiro também atuou na revitalização, financiando despesas pré-operacionais dos empresários interessados em investir em Jaraguá.
PROGRAMA
HABITAR-BRASIL (CEF/GOVERNO FEDERAL)
Oficialmente, “[...] incentiva a geração de renda e o desenvolvimento em assentamentos de risco ou favelas, promovendo melhorias nas condições habitacionais, construindo novas moradias, implantando infra-estrutura urbana, saneamento básico e recuperando áreas ambientalmente degradadas” (BRASIL, 2005). O programa é de iniciativa do governo federal em parceria com o município. A Caixa Econômica Federal é o agente financeiro, técnico e operacional responsável pela implementação deste programa, que financiou recursos para as ações de saneamento do Complexo Reginaldo/Salgadinho, incluído no plano de desenvolvimento de Jaraguá.
TCI
TCI Planejamento, Projeto e Consultoria Internacional foi a empresa que elaborou o plano de desenvolvimento e revitalização de Jaraguá.
TRADE
Trade Consultoria e Marketing foi a empresa que elaborou o projeto integrador de Jaraguá objetivando uma dinamização do espaço, que deu origem às ações implementadas pelo projeto “Jaraguá: porto cultural e de entretenimento”.
EMPRESAS DE
ARQUITETURA E ENGENHARIA
Empresas que realizaram as obras revitalizadoras em Jaraguá, incluindo recuperação de sistema viário, praças, sobrados, monumentos, etc. Nas obras públicas, foram contratadas pelo regime de licitação (ver relação no anexo A). É possível observar a associação dos nomes de algumas destas empresas à revitalização de sobrados históricos, mediante a confecção de material publicitário conjunto com o poder público divulgando os benefícios de se investir em Jaraguá, a exemplo da OAS, Sistema Engenharia ltda e Amorim Barreto engenharia ltda, bem como ressaltando, oficialmente, o orgulho de estarem participando das obras de preservação de Jaraguá, a exemplo da Cipesa.
ASS. DE BARES E RESTAURANTES*
Fundada em 2002, tem por objetivo oficial atuar como agente de manutenção e desenvolvimento de Jaraguá em conjunto com o poder público. Trata-se de uma organização que reuniu vários proprietários de bares, restaurantes e danceterias de Jaraguá (ver relação no apêndice E). É formalmente estabelecida (com estatuto) e composta por presidente, vice, tesoureiro, relações públicas, conselho fiscal e administrativo. Coordenou várias reuniões com os proprietários de bares e restaurantes de Jaraguá, contudo seus associados nunca estabeleceram uma taxa para contribuir com despesas ou necessidades coletivas. Atualmente, encontra-se esvaziada/estagnada de função e praticamente não dispõe de associados. Embora os bares, restaurantes e danceterias, em geral, sejam também integrantes da ACM, esta não chegou a desempenhar o papel de representante dos mesmos, tendo apenas cedido o espaço em que ocorriam a reunião destes empresários com o poder público.
(continuação)
171
AATTOORREESS QQUUEEMM SSÃÃOO EELLEESS??
ALIADOS ESTRATÉGICOS (EVENTOS/DIVULAGAÇÃO)
Atores diversos que participaram da realização de eventos artísticos e culturais promovidos no bairro e/ou forneceram apoios para a divulgação de Jaraguá em parceria com a Prefeitura de Maceió. Entre eles: Sebrae, Petrobrás, Museu Théo Brandão, Associação Comercial, Misa, instituições bancárias, Secretaria de Turismo do Estado, Secretaria de Cultura do Estado, etc.
AMAPAZ*
Esta organização é conhecida por Associação dos Amigos da Av. da Paz e foi fundada em 1990 sob liderança do escritor Carlito Lima, popularmente chamado de Duque de Jaraguá. Aparentemente, o núcleo da Av. da Paz (e entorno) concentra os residentes da classe mais favorecida de Jaraguá. A associação se estrutura em função de seu líder-fundador, um intelectual e historiador da sociedade maceioense, cujas ações objetivam, oficialmente, defender/preservar o patrimônio natural e construído de Jaraguá, nomeadamente no tocante ao saneamento do Complexo Reginaldo/Salgadinho.
ASS. MORADORES DA VILA
DOS PESCADORES* Fundada legalmente em 1996, esta organização se situa na Vila dos Pescadores e representa a classe menos favorecida do bairro de Jaraguá. É intitulada em estatuto como ‘Associação de Moradores e Amigos de Jaraguá’ e tem como objetivo oficial resolver as necessidades do bairro de Jaraguá, a partir da união de seus moradores. A associação, entidade sem fins lucrativos, apresenta-se praticamente desativada, funcionado em caráter esporádico, sem reuniões ou contribuições regulares. Possui presidente, vice, tesoureiro, secretário e conselho fiscal. Desempenha funções/finalidades de intermediar e resolver problemas/atividades específicos da convivência de seus membros, bem como “lutar contra discriminação e injustiça social praticada contra os moradores do bairro de Jaraguá” (ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E AMIGOS DE JARAGUÁ, 1996, p.1). Na revitalização do bairro, a associação representa os interesses da comunidade na reurbanização da Vila prevista no plano de desenvolvimento elaborado para o bairro, tendo atuado, sobretudo, no fortalecimento da comunidade quando das tentativas de expulsão dos habitantes locais por parte do poder público. Durante a fase de coleta de dados, passava um processo de reestruturação com novas eleições previstas.
ASS. TRABALHADORES DA
PESCA* Fundada em novembro de 1995, tem por objetivo oficial organizar a comunidade dos pescadores para facilitar a atividade pesqueira, melhorando suas condições de trabalho. Trata-se de uma organização formalmente estabelecida com estatuto e sem fins lucrativos. É administrada pelo presidente, 1ª secretária e 2ª secretária. Na fase de coleta de dados, a associação contava apenas com cerca de 22 associados legalizados, dos quais a grande maioria não é contribuinte ativo. Representa os interesses dos trabalhadores da pesca no processo de revitalização do bairro, nomeadamente, no tocante às ações previstas no plano com fins de aprimorar o trabalho da pesca, tais como a abertura da fábrica de gelo, que ocorreu em maio de 1998 e é gerida pela associação até os dias atuais. A organização já contou com uma líder fortemente reverenciada pelos entrevistados, Creuza dos Santos (falecida), que exerceu papel de articuladora com o poder público para a consecução da fábrica de gelo.
(continuação)
172
AATTOORREESS QQUUEEMM SSÃÃOO EELLEESS??
OUTROS ATORES DO PODER PÚBLICO
Secretarias/órgãos públicos de instâncias diversas que participaram indiretamente do processo de reestruturação urbana de Jaraguá, ampliando os serviços sob sua esfera de atuação ao bairro. Na fase de planejamento da intervenção urbana, cita-se, por exemplo, a capitania dos portos e a administração do porto que se encontravam potencialmente envolvidas com a expectativa de implementação de uma marina no bairro (na prática não consolidada). Também as entidades envolvidas no plano de desenvolvimento (ver relação de programas/órgãos descrita no momento 1) merecem destaque. Na fase de funcionamento das novas atividades pleiteadas para Jaraguá, a ênfase recai sob a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Alagoas, em função dos problemas de furtos/assaltos observados em Jaraguá.
OUTROS ATORES DA INICIATIVA PRIVADA
A estratégia de revitalização prevê a potencial participação de uma série de atores vinculados à atividade turística, a exemplo de hotéis, pousadas, agências de viagens e turismo, operadoras e transportadoras turísticas, etc. Na prática, a inserção desses atores no processo de revitalização de Jaraguá ocorreu de forma bastante incipiente. Não se detectou um envolvimento substancial de estabelecimentos privados de serviço/comércio de ramos diversos localizados em Jaraguá com a reestruturação ocorrida. Observou-se também a existência de outros atores da iniciativa privada envolvidos, em menor porte e/ou com projetos específicos, na revitalização de Jaraguá como empresas de consultoria e prestadores de serviços diversos contratados pelo poder público e não contemplados nesta lista.
OUTROS ATORES DA
SOCIEDADE CIVIL
É possível evidenciar outras associações/grupos de interesse da sociedade civil que sofreram impactos com a implementação do plano de desenvolvimento elaborado para Jaraguá, contudo suas ações foram aparentemente menos expressivas. Exemplos: população de classe média baixa concentrada após a Rua Barão de Jaraguá (aparentemente não organizada coletivamente), outras organizações civis da Vila dos Pescadores vinculadas à atividade pesqueira, as comunidades de baixa renda ao longo do Complexo Reginaldo/Salgadinho, os proprietários de imóveis no bairro (inclusive os desapropriados em função das obras realizadas), etc. Embora potencialmente envolvidos na revitalização, não se detectou a presença de expressões organizacionais da sociedade civil vinculadas ao turismo ou ao patrimônio cultural cujas ações tivessem reflexo na reestruturação urbana ocorrida em Jaraguá, com raras e, ainda assim tênues, exceções a exemplo da Anima, ONG sediada no bairro que pleiteia a valorização e defesa do patrimônio cultural alagoano.
O plano de desenvolvimento de Jaraguá se configura como o elo entre todos os atores
mapeados, em que cada um desempenha um papel. Oficialmente, a efetiva concretização do
plano depende da atuação conjunta de todas as unidades organizativas real ou potencialmente
envolvidas na revitalização do bairro. Em função da impossibilidade de estudar todos os
(conclusão) Quadro 9 (4) - Atores organizacionais envolvidos na revitalização de Jaraguá
Fonte: elaboração própria. Legenda: *Atores organizacionais mais representativos na revitalização de Jaraguá, sob a ótica dos inquiridos.
173
atores, este trabalho concentra a atenção, nomeadamente, na análise das organizações mais
representativas, segundo a ótica dos entrevistados, conforme especificado no quadro 9 (4).
No levantamento dos atores, foram destacadas seis unidades organizativas que
compõem o objeto de estudo central do presente trabalho, são elas: PRODETUR/BID/BN,
Associação de Bares e Restaurantes, Associação dos Trabalhadores da Pesca, Associação de
Moradores e Amigos do Bairro de Jaraguá (ou Associação de Moradores da Vila dos
Pescadores), Associação dos Amigos da Av. da Paz e a Prefeitura Municipal de Maceió que
atua, sobretudo, através de duas secretarias a de Turismo (gestora de Jaraguá) e a de
Planejamento (em especial por meio da UEM).
É possível observar, ao longo da apresentação da história da revitalização de Jaraguá e
na própria descrição destas seis unidades organizativas, que os objetivos oficiais destes atores
em torno da estratégia de revitalização de Jaraguá se coadunam. Todos de alguma forma
expressam a necessidade de articulação com os demais atores, da formação de parcerias ativas
entre si, do senso de união e cooperação em prol do turismo, do desenvolvimento sustentável
e/ou do zelo e compromisso para com o desenvolvimento do bairro de Jaraguá. Enfim,
oficialmente, cada um desses atores compõe o retalho de uma colcha, a parte de um todo, a
peça de um quebra-cabeça, que, quando unidas, funcionariam como uma espécie de alavanca
para o desenvolvimento sustentável.
O PRODETUR/NE exalta oficialmente seu papel de agente na melhoria da qualidade
de vida e no fomento à atividade turística. Os empresários, em especial os proprietários de
bares e restaurantes, reforçam suas ações voltadas para a recuperação do patrimônio histórico
e cultural e demonstram a preocupação com o desenvolvimento do bairro em conjunto com o
poder público. As associações das comunidades locais destacam o zelo em relação aos
ambientes naturais e/ou construídos de Jaraguá, bem como a preocupação dos moradores (e
amigos) do bairro para com as necessidades de Jaraguá. Os documentos oficiais da Prefeitura
174
de Maceió contemplam diretrizes e ações voltadas para atração de investidores e realçam o
amplo apoio às comunidades locais de baixa renda.
E operacionalmente como isto ocorre? A análise dos objetivos operativos das
organizações em estudo leva a crer que existem diferenças e também de similaridades entre os
objetivos oficiais e operativos. Aparentemente, isto ocorre em função dos primeiros se
apresentarem em caráter híbrido (com dúbio sentido), sutil (reforçando subliminarmente
outros aspectos) ou ainda extremamente abstratos (vagos). No quadro 10 (4), sintetizou-se os
aspectos intra-organizacionais relevantes visualizados nas seis unidades organizativas em
estudo, envolvidas pela estratégia de desenvolvimento do bairro de Jaraguá, e seus objetivos
operativos, em confronto com o objetivo oficial coletivo.
OBJETIVO OFICIAL COLETIVO Considerando a proposta do plano de desenvolvimento de Jaraguá, infere-se a expectativa de que os atores do tripé poder público, iniciativa privada e organizações civis envolvidos na revitalização de Jaraguá atuem conjuntamente com os demais, de modo a proporcionar o desenvolvimento sustentável do bairro.
ATORES ASPECTOS INTRA-ORGANIZACIONAIS
RELEVANTES
OBJETIVOS OPERATIVOS
PRODETUR/BID/BNB Determinação de regras expressas e claras, formulação de estudos e pesquisas minuciosos/detalhados. Atuação coletiva estratégica.
• Vender a idéia de que os investimentos no setor turístico despontam como solução viável (menos onerosa e mais eficaz) para economias moribundas. • Ditar a agenda de desenvolvimento dos países periféricos, em geral calcadas na atividade turística.
EMPRESÁRIOS DE JARAGUÁ (sobretudo danceterias, bares e restaurantes)
Elevada competitividade, dificuldades relacionais expressivas e baixa experiência no ramo de investimento. O individualismo se sobrepõe à luta coletiva.
• Explorar economicamente o espaço; • Lucro rápido.
COMUNIDADES LOCAIS (Associação dos Trabalhadores da Pesca, Associação de Moradores e Amigos de Jaraguá e Associação dos Amigos da Av. da Paz)
Desenvolvimento do senso coletivo mediante circunstâncias de dificuldades específicas. Estilo de luta coletiva errático e/ou apático.
• Atrair investimentos do poder público para redutos específicos de Jaraguá, sob o qual repousam os interesses centrais de seus membros;
(continua...)
175
ATORES ASPECTOS INTRA-ORGANIZACIONAIS
RELEVANTES
OBJETIVOS OPERATIVOS
PREFEITURA DE MACEIÓ (secretarias e órgãos)
Implementação de ações/atividades com visível desarticulação e algumas dificuldades relacionais entre secretarias e órgãos. Estilo de luta coletiva conservador.
• Implementar uma estratégia de desenvolvimento local empresarialista, pautada na ampliação das vantagens comparativas de Maceió (realização de obras), na competição interurbana (pelo mercado turístico nordestino), na ‘criação de uma imagem’ para a cidade (orgulho cívico) e na turistificação dos espaços urbanos (ênfase no turismo como forma de promover o desenvolvimento)
(conclusão)
Quadro 10 (4) - Aspectos intra-organizacionais relevantes e objetivos oficiais e operativos dos atores Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
É importante ressaltar que os objetivos oficiais foram delineados, sem imperativos
dificultantes, através da análise de documentos e/ou do discurso e configuram-se, portanto,
enquanto indicadores precisos. Os operativos, que por natureza exigem maior sutileza para
apuração, foram identificados não só pelos instrumentos anteriormente citados, mas,
sobretudo, mediante a interpretação de alguns indicadores específicos, nomeadamente, as
ações implementadas pelos atores, o modo como elas foram priorizadas, as características
intra-organizacionais relevantes na identificação da forma de luta coletiva e as lacunas
observadas entre o discurso e a prática. O confronto entre ambos para cada uma das seis
unidades organizativas estudadas permitirá evidenciar as razões pelas quais se alcançou a
configuração apresentada na tabela 10 (4).
Aparentemente, o PRODETUR/BID/BNB é um programa caracterizado pela presença
de um estilo de ação/luta coletiva estratégica, segundo tipologia de Leonard Sayles (1958).
Isto se evidencia pelas exigências minuciosamente planejadas dos bancos, particularmente
pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, para a inserção de diferentes instâncias de
poder público (federal, estadual e municipal) no programa de desenvolvimento turístico, na
assinatura de um contrato de financiamento e, inclusive, na liberação de recursos. Também os
estudos que destacam o turismo como vetor de desenvolvimento local, disponibilizados pelo
176
BID, demonstram sua forte capacidade de negociação (leia-se transação com a outra parte),
que independem da existência de um líder específico, como sugere a literatura.
A adesão maciça aos programas deste organismo multilateral, como observada na
contemporaneidade, ratifica que as pesquisas veiculadas pelo BID, por si, vêm influenciando,
de forma contínua, a condução das políticas de desenvolvimento dos países periféricos na
América Latina pautadas, sobretudo, no fomento à atividade turística. Implícito a idéia de
exercer influência, deposita-se uma provável modificação no curso de ação de um ator em
função de outro, isto é, uma relação de poder. Mais do que incentivar a atividade turística
como forma de promover a qualidade de vida aos núcleos receptores, como propõe
oficialmente, o BID dissemina, através de seus estudos, o pressuposto de que este é o caminho
mais adequado para economias urbanas moribundas.
Por mais adequado, compreende-se que o investimento no setor turístico implica em
gastos menores do que no setor industrial, além de gerar emprego e renda em números bem
mais elevados. Com efeito, admite-se que convencer as nações sobre esta teoria compõe a
relação de objetivos operativos do BID, subscritos em seus próprios estudos e objetivos
oficiais que realçam e atestam os benefícios proporcionados pela atividade turística. Este fato
sugere uma correlação com a inferência de Perrow (1978), segundo a qual os objetivos
oficiais podem se encontrar estreitamente relacionados com os objetivos operacionais,
servindo, inclusive como suporte para apoiá-los.
Para Perrow (1978), quando há íntima correlação entre objetivos oficiais e operativos é
porque os segundos tendem a ser um meio de atingir os primeiros, mas como os objetivos
oficiais são extremamente abstratos e vagos, os meios (objetivos operativos) se consolidam
como fins. Ao se retirar os recheios mais abstratos que suavizam o discurso oficial do BID e
analisar o curso de suas ações, compreende-se que, indiretamente, o Banco Interamericano
impõe a agenda de desenvolvimento dos países periféricos (freqüentemente pautada no
177
turismo), ditando quando, onde e como seus investimentos serão realizados. Infere-se,
portanto, que este é também um objetivo-fim deste ator organizacional.
O desenrolar dos fatos no âmbito da revitalização de Jaraguá reforça esse raciocínio.
No momento 1 desta intervenção urbana, descreveu-se como a repercussão da política
disseminada pelo BID determina a opinião de um dos entrevistados que exerceu função
central na fase de planejamento da revitalização de Jaraguá (E14), fazendo com que o mesmo
afirme categoricamente a superioridade do setor turístico frente ao setor industrial para
economias de menor porte. O inquirido demonstra também a clara necessidade de se submeter
a todas as exigências deste organismo multilateral. Esta relação BID/Prefeitura de Maceió
será analisada mais adiante, como uma inter-relação organizacional, sob o arcabouço teórico
de poder.
No tocante aos empresários envoltos na revitalização de Jaraguá, observou-se uma
fraca correspondência entre seus objetivos oficiais e operativos. Estes aparentemente
florescem sem um vínculo específico com aqueles, como Perrow (1978), aliás, assinala que
freqüentemente tende a ocorrer nas organizações. Pode-se afirmar que a expectativa do lucro
rápido foi a engrenagem motora para a atração dos investidores na área, retratando o objetivo-
fim basilar destes atores.
Na fase de implementação das obras de recuperação dos prédios históricos (momento
2), fica transparente, no discurso dos entrevistados, que os empresários ingressaram em
Jaraguá com fins de explorar economicamente o espaço. Enquanto outras revitalizações
exigiram um esforço do poder público em fazer com que a iniciativa privada acreditasse nas
recuperações de centros históricos (a exemplo do Pelourinho), em Jaraguá, essas restrições
foram menores porque os investidores aderiram sob a expectativa de que o bairro se
transformaria numa “mina de ouro”, similar ao que vinha ocorrendo nas capitais nordestinas
vizinhas.
178
Conforme descrito quando da apresentação dos dados, a preocupação dos empresários
era baratear os custos e revitalizar os sobrados de forma que estes se tornassem atrativos ao
cliente, mediante o uso de tonalidades de cores fortes e ampliação da funcionalidade do
espaço, o que ratifica a inexistência de um comprometimento real com a preservação de
sobrados históricos, enfatizada oficialmente. Também os altos preços cobrados pelos
produtos/serviços ofertados corroboram que o objetivo operacional da iniciativa privada era o
de retorno imediato de seus investimentos.
As características intra-organizacionais da Associação de Bares e Restaurantes no
local ratificam esse pressuposto. A competitividade, individualidade e rivalidade entre os
empresários-membros da associação, inerente à lógica instrumental e mercantil, faz com que
uns não cooperem com outros, obscurecendo, inclusive, a visualização na literatura de uma
forma específica de luta coletiva. Por outro lado, também atestam a própria
ineficiência/ineficácia de comparar os espaços urbanos, do ponto de vista metafórico, aos
shoppings.
Diferente dos shoppings, em que se consolida previamente uma administração central
com a cobrança de taxas coletivas impostas a todos os estabelecimentos que desejam aderir ao
núcleo comercial, nos espaços urbanos não há como obrigar qualquer tipo de colaboração
mútua. A própria lógica de mercado prima pela lei da vantagem, em que os atores só tendem a
cooperar se todos forem obrigados a tal, porque ninguém quer agir coletivamente e beneficiar,
em conseqüência, aqueles que por ventura não-cooperam. É por esta razão que Associação de
Bares e Restaurantes aparenta não funcionar, já que “fazer lucro” e “vencer a concorrência”
são as palavras de ordem.
No espaço urbano, não há um mecanismo de coerção que outorgue a um órgão central
as decisões que contemplem a maioria (como nos shopping). Em conseqüência, haverá
sempre aquele que não irá contribuir com a organização central, no caso a Associação de
179
Bares e Restaurantes. As razões são inúmeras: há os que se sentem prejudicados (a exemplo
da empresária que afirma que o palco de um evento coletivo ficou de costas para seu
estabelecimento e não a beneficiava), há os que não vêem muitas vantagens na realização de
eventos coletivos em conjunto com os demais (caso dos estabelecimentos com atrações
internas), e há ainda aqueles que simplesmente pretendem usufruir e tirar vantagens dos
esforços empreendidos por outros.
Como ninguém quer arcar com os custos e, implicitamente, ajudar quem não está
contribuindo, o resultado é que nenhum dos empresários se dispõe a agir coletivamente, todos
permanecem optando por trabalhar em caráter individual e particularizado. Assim é, e, muito
provavelmente, é assim que permanecerá sendo. As alianças só ocorrem quando os atores
imaginam que seus interesses são contemplados, ou pelo menos que não saiam prejudicados.
Por exemplo, era senso comum entre os empresários a necessidade de melhorar a segurança
no bairro, aparentemente todos a queriam e a achavam necessária. Exigir do poder público
providências neste sentido não causa qualquer polêmica/cisão entre o empresariado,
entretanto, no caso do fechamento/abertura da Rua Sá e Albuquerque o mesmo não ocorreu,
porque grupos opostos de empresários desejavam opções divergentes.
O que melhor explica a fraca existência de propagandas, eventos coletivos e de apoio à
atração de turistas para o bairro através da promoção “Jaraguá boêmio”, custeados pelos
empresários em conjunto, é o fato de cada um deles estar preocupado exclusivamente com os
seus próprios negócios e não com a prosperidade do bairro, como atestam oficialmente. O
equívoco, portanto, parece ser o de esperar que a iniciativa privada se organize coletivamente
para promover o bem comum. Pressupõe-se, de forma inócua, que, fomentando associações e
cooperativismos, os empresários irão milagrosamente se organizar em prol do
desenvolvimento de Jaraguá. Na prática, como se observa no caso em estudo, isso tende a não
ocorrer. “As empresas falam em seu nome e em nome de seus interesses, e o primeiro deles é
180
não perder” (FREITAS, 1999, p. 320). Por conseguinte, suas ações, enquanto cidadãs, são
diretamente proporcionais ao retorno visado.
Jaraguá não é o primeiro espaço urbano (e nem será o último) em que se concentram
estabelecimentos do mesmo ramo. Mas o que faz com que um pólo/centro urbano de
estabelecimentos similares permaneça rentável? É a baixa competitividade e capacidade de
pensar no bem comum? Não! A rivalidade e disputa entre os estabelecimentos é parte
indissociável do mundo dos negócios e ela permanece. Esses centros conseguem sobressair,
entretanto, através de um outro requisito: a imagem. É sob esse pilar que se sustentam os
pólos que logram sucesso, a imagem de bons serviços/produtos, de preços adequados ao
público potencial e de concentrar o que se tem de melhor sobre um ramo específico do
mercado, ainda que muitos apresentem produtos/serviços similares entre si.
Contudo, o perfil dos empresários de Jaraguá reflete a inexperiência profissional no
mercado e a atividade predatória de uma nata da sociedade maceioense, que tenta fazer de
bares/restaurantes sofisticados (inclusive mediante elevados financiamentos), uma espécie de
‘sala de visitas’ na qual se recebem amigos/familiares, e onde também se ostenta elevado
poder aquisitivo. O efeito é a oferta de serviços/produtos completamente desprovidos de
qualidade e, sobretudo, caros. Eis a imagem negativa criada para o bairro e algumas possíveis
razões, do ponto de vista intra-organizacional, da inevitável bancarrota de muitos
estabelecimentos.
A sociedade civil maceioense, por sua vez, apresenta-se fracamente organizada. A
desarticulação entre os membros componentes da AMAPAZ, da Associação de Moradores e
Amigos de Jaraguá e da Associação dos Trabalhadores da Pesca é uma característica que
aparentemente predomina no cotidiano dessas organizações. O estilo de luta/ação coletiva das
associações apresenta simultaneamente características da apatia e da ação errática (SAYLES,
181
1958). Observou-se que a articulação entre seus membros tende a ocorrer de forma
esporádica, em geral, marcada por ações reivindicatórias.
No caso da AMAPAZ, a forte dependência do líder (característica do estilo errático)
foi fortemente encontrada. A Associação dos Amigos da Av. da Paz se estrutura em torno de
seu fundador, Carlito Lima, cujas ações lhe conferiram o título simbólico de Duque de
Jaraguá. Uma evidência deste fato ocorre durante a fase de coleta de dados: este líder (e não a
organização) foi reiteradas vezes indicado e lembrado pelos entrevistados. Contudo, a
entidade apresenta uma vida de grupo predominantemente passiva, com poucas ações
reivindicatórias (a exemplo das citadas no momento 1), características estas que são mais
comuns da apatia.
Em se tratando das duas associações da comunidade da pesca, a dependência do líder
também foi percebida. O fragmento da ata de reunião da Associação de Moradores e Amigos
de Jaraguá (apresentado no momento 3), por exemplo, demonstra a tentativa de mobilização
maciça por parte dos membros da cúpula desta entidade sobre os demais (característica do
estilo errático). Esses representantes exerceram papel influenciador nas revoltas, protestos e
manifestações implementados pela Vila dos Pescadores. A veemência das palavras de seus
líderes com expressões do tipo “a gente só sai daqui no caixão” reflete a intensidade com que
visualizam a luta (marcada sobretudo pela permanência no bairro de Jaraguá), o que também
se coaduna com a ação coletiva errática.
No entanto, a atuação cotidiana dessas entidades indica sintonia com estilo apático,
sobretudo, quanto a outras questões também pertinentes a essas associações. Não se
evidenciou, por exemplo, uma organização substancial no sentido de reivindicar as ações
prometidas no plano de desenvolvimento elaborado para o bairro no tocante à reurbanização
da Vila e raras exceções para a melhoria do trabalho da pesca (a exemplo da construção da
fábrica de gelo). A segregação social da qual Jaraguá (dos ricos e dos miseráveis) é palco
182
encontra repúdio por parte dos moradores, mas não ações de protesto ou articulações efetivas
no sentido de modificar este quadro.
Os membros aparentemente só se articulam numa atitude de defesa, com fins de
persistirem no local onde hoje residem. Sobre este último, contudo, houve, aparentemente, um
fortalecimento da organização. A transferência de parte de seus membros para outros bairros
afastados e a dificuldade que estes encontraram em sobreviver nos espaços de destino
funcionaram como uma espécie de aprendizado para a comunidade, que taxa esses locais de
“fábrica de marginais” e luta a todo custo, colocando em questão a própria vida, para
permanecer em Jaraguá.
Segundo Perrow (1975) a convergência entre as propostas que as organizações
expõem nos seus pronunciamentos/manifestações públicos e os fins realmente visados,
embora pouco comum, não é descartada. No caso das organizações civis supracitadas, não se
visualizou diferenças substanciais entre os objetivos oficiais e operativos, posto que há uma
correspondência entre ambos. O grau de abstração dos primeiros, entretanto, tende a ser maior
que os segundos. Nos objetivos oficiais destas entidades, é comum se encontrar expressões
que evocam a amizade pelo bairro de Jaraguá como um todo (inclusive presente em seus
nomes oficiais). Operacionalmente, o que tende a ocorrer é uma ação particularizada ao locus
de interesse da entidade organizacional.
A comunidade dos pescadores, por exemplo, deseja a implementação do projeto de
reurbanização da favela, permanecer em Jaraguá e aprimorar as condições do trabalho da
pesca, isto é, ela tem objetivo-fim de atrair investimentos ou prover melhorias para o seu
âmbito de atuação e não para o bairro de Jaraguá como um todo. No caso da AMAPAZ,
foram observadas ações implementadas por Carlito Lima em outras regiões de Jaraguá (a
exemplo da homenagem às prostitutas de Jaraguá na Rua Sá e Albuquerque, descrita no
momento 1), entretanto, as lutas coletivas mais intensas dizem respeito à despoluição da Praia
183
de Jaraguá, que beneficiaria diretamente o entorno da Av. da Paz, locus de primordial
interesse da entidade.
A Prefeitura Municipal de Maceió, por fim, apresenta um estilo de luta coletiva, sob a
perspectiva de Sayles (1958), mais condizente com a posição conservadora, caracterizada pela
existência de grupos coesos, que, no curso de suas ações, fecham-se em si mesmos. A análise
do discurso dos entrevistados permite evidenciar que as diferentes secretarias e órgãos
municipais trabalharam isoladamente, sem que houvesse um planejamento em conjunto e/ou
divisão de programas.
Corrobora este raciocínio, os fragmentos das atas das reuniões internas da UEM
(apresentados no momento 2), quando se observou que esta unidade, reiteradas vezes, vinha
solicitando a necessidade de um maior envolvimento de outros órgãos/secretarias do poder
público, destacando inclusive a necessidade de indicação de um representante dos mesmos
para responder e apoiar a reestruturação urbana pela qual Jaraguá vinha passando. Problemas
de comunicação interna e necessidade de maior autonomia por parte do corpo técnico da
UEM também foram identificados.
Além disso, com a intitulação da SETURMA como gestora oficial do bairro (descrita
no momento 3), não houve uma perspectiva de somar forças à Unidade Executora Municipal,
até então gestora do programa de revitalização. Esta teve parte de suas funções esvaziadas, o
que resultou inclusive no sentimento, por parte de alguns de seus setores, de estarem sendo
ignorados por aquela. Por outro lado, a Fundação de Ação Cultural, potencialmente envolvida
de forma contundente com a recuperação do bairro, reconhece que nunca desempenhou um
papel significativo neste processo. Apresentou, isto sim, uma tênue articulação com as demais
unidades organizativas municipais gestoras de Jaraguá, limitando-se a fornecer apoios
esporádicos em eventos.
184
Essa assimetria interna, aparentemente, repercute no alcance dos objetivos operativos
da Prefeitura Municipal, que pode ser traduzido pela tentativa de fomentar, através da
revitalização, um tipo de desenvolvimento local empresarialista. Este se caracteriza entre
outros aspectos, segundo David Harvey, pela ampliação das vantagens comparativas de
Maceió (mediante investimento em obras e marketing político), competição interurbana (pelo
mercado nordestino), ‘criação de uma imagem’ para a cidade (despertando o orgulho cívico) e
pelo fenômeno de ‘turistificação’ dos espaços urbanos.
Em sintonia com as inferências de Perrow (1978), observou-se que os objetivos
operacionais do município apóiam alguns objetivos oficiais (evidenciados nos documentos
oficiais e pronunciamentos públicos em caráter sutil), embora subvertam outros objetivos
oficiais (visualizados através de um discurso híbrido). Optou-se por explicar e detalhar este
caso específico dos objetivos oficiais e operativos da Prefeitura Municipal de Maceió,
contudo, no tópico 4.2.3, quando a revitalização de Jaraguá (no discurso e na prática) será
confrontada com os indicadores da literatura de desenvolvimento local, expostos no
arcabouço teórico deste trabalho.
A identificação dos atores, de seus objetivos oficiais e operativos e das características
intra-organizacionais basilares na determinação do estilo de luta coletiva dos mesmos,
realizada no presente sub-tópico, constitui o pano de fundo para a compreensão das inter-
relações organizacionais do processo de revitalização do bairro. É a partir deste delineamento
preliminar que se propõe a demarcação da rede de relacionamentos, dos conflitos e das
coalizões que interligam e/ou afastam os atores entre si.
4.2.2 Delineamento das inter-relações organizacionais
O delineamento das inter-relações organizacionais na revitalização de Jaraguá será
analisado sob a ótica de duas abordagens de poder descritas no arcabouço teórico,
185
respectivamente: a da harmonia, com ênfase em inferências comuns/compatíveis à visão
simétrica, pluralista e funcionalista, e a do conflito, com ênfase em inferências
comuns/compatíveis à visão assimétrica, crítica e radical. As relações entre os atores
organizacionais envolvidos na revitalização de Jaraguá foram ilustradas nas figuras 6 (4), 7
(4) e 8 (4). Estas não visam apresentar todos os atores envolvidos na reestruturação urbana do
bairro, mas apenas os mais representativos, em cada uma de suas três fases.
O fenômeno do poder, conforme ressaltado no suporte teórico deste trabalho, implica
na existência de duas condições prévias: o caráter relacional e a noção de provocação de
conseqüências. Em se tratando do processo de revitalização do centro histórico Jaraguá,
ambos os aspectos são satisfeitos. A ação do setor público e a inserção de novos atores
organizacionais via parcerias (nomeadamente a iniciativa privada) sugerem a relação entre o
primeiro e o segundo bem como entre ambos e as comunidades locais quer seja através de
coalizões, quer seja a partir de conflitos. Inevitavelmente, esses conflitos e/ou coalizões geram
conseqüências significativas que afetam mutuamente os três elementos do triângulo, tornando
esse espaço propício às disputas econômicas e simbólicas que o tornam um campo do
exercício do poder.
Na fase de planejamento da revitalização de Jaraguá (momento 1), observa-se a
formação interorganizacional do tipo “conjunto organizacional” (HALL, 1984), na qual a
ênfase recai sobre uma organização focal (a Prefeitura Municipal de Maceió, através de sua
administração e do IMPAR), que estabelece relações diáticas com as demais organizações
(TCI, HABITAR-BRASIL/CEF, PRODETUR/BID/BN, e AMAPAZ). Por razões já
esclarecidas, este estudo se concentra nas relações entre o poder público e as duas últimas
organizações.
A relação entre o PRODETUR/BID/BN e a Prefeitura de Maceió se desponta com
forte base de contato entre as partes e formalmente estabelecida (através de contrato).
186
Segundo a tipologia de Galbraith (1986), a fonte de poder dos atores que perfilam esta relação
é caracterizada pela propriedade (ou riquezas), vinculada ao poder compensatório. Enquanto o
município possui o perfil do potencial tomador de financiamentos do PRODETUR
(capacidade de endividamento e pagamento), o BID detém os recursos pleiteados pela
administração da Prefeitura de Maceió.
Interpretando esta relação sob a perspectiva simétrica descrita por Lukes (1980),
poderíamos defini-la como predominantemente cooperativa. Há uma conjunção de forças
entre as partes em torno de um objetivo comum: prover o desenvolvimento da cidade de
Maceió, mediante o fomento à atividade turística. A inexistência de conflitos manifestos nos
relatos dos inquiridos vem a fortalecer o pressuposto de uma relação harmoniosa entre o BID
e o município. O próprio pronunciamento público de lançamento da pedra fundamental da
revitalização de Jaraguá, em que o presidente do BID foi homenageado pela Prefeitura de
Maceió por sua participação no progresso da cidade, funciona como um dos indicadores de
cooperação mútua entre as partes.
Por outro lado, na abordagem assimétrica (com enfoque na dependência) de Lukes
(1980), a presença contínua de conflitos latentes é observada. Caracteriza-se a obtenção da
submissão de um ator freqüentemente subordinado (Prefeitura de Maceió) por um outro
dominante (BID), mediante confronto entre fontes de poder e a padronização relacional. Na
apresentação dos dados, relatou-se que a fase de planejamento da revitalização é marcada pelo
que o poder público chama de “uma luta intensa”, “uma batalha” com fins de atender aos
requisitos exigidos para a liberação de recursos. O município de Maceió se submete aos
ditames do BID não devido a ameaças ou coerções, senão que em virtude das próprias
relações entre ambos, em que a fragilidade da fonte de poder do primeiro o torna
inevitavelmente dependente do segundo.
187
O município acata todas as imposições do BID, detentor dos recursos financeiros que
pleiteia. Com efeito, muito embora não se evidencie conflitos reacionais entre as partes, estes
existem em sua forma latente. A ausência da manifestação de conflito se dá não pela
convergência de interesses, mas pela própria impossibilidade de revidar. Indiretamente, é o
BID quem dita/controla os parâmetros centrais dos programas de revitalização que a
Prefeitura realiza, da estruturação e funcionamento da unidade gestora da revitalização, das
despesas com os salários do corpo técnico da UEM, dos estudos de viabilidade sócio-
econômica e de impacto ambiental, entre outros.
A Secretaria de Planejamento (ex-ÍMPAR) atende a todos os requisitos formais
exigidos pelo BID, ainda que, quando possível, tente lapidá-los para contemplar seus
interesses concretos, a exemplo da utilização da equipe da UEM em atividades fora do âmbito
de Jaraguá. Além disso, percebe-se também a existência de uma outra forma de poder entre as
partes: o poder de manipulação de percepções e cognições dos indivíduos. Os resultados dos
estudos do BID que reforçam os investimentos no setor turístico na América Latina em
detrimento do setor industrial (aqui entendidos como um de seus objetivos operativos) são
absorvidos por um dos inquiridos basilares na fase de planejamento de Jaraguá (E14), de
modo que ele toma, como se dele fossem, os pressupostos disseminados pelo banco.
Isso é o que Steven Lukes chama de poder invisível na qual surge a criação de falsa
consciência ou, segundo Galbraith (1986), uma fonte de poder vinculada ao instrumento
condicionante, em que o dominado age de acordo com os interesses dominantes de forma
paradigmática, de modo consciente ou não. O próprio ambiente, neste momento, com diversas
revitalizações ocorrendo nacional e internacionalmente sob incentivo do BID, torna-se
extremamente favorável à credibilidade dos benefícios oriundos com as estratégias de
revitalização de centros históricos.
188
Este contexto contribui para que o inquirido citado enxergue a realidade através de
uma lente que toma por certo o discurso em que a atividade turística é compreendida como
uma espécie de solução mágica para as economias moribundas. Cabe ressaltar que aceitar essa
condição, aparentemente, coaduna-se aos interesses da cúpula da Prefeitura de Maceió, já que
viabiliza a concretização de seu objetivo operacional, isto é, fornece os recursos para a
implementação de uma estratégia de desenvolvimento local empresarialista, capaz de
promover a atuação do poder público perante os cidadãos maceioenses. Tem-se, dessa forma
um arranjo de poder entre as partes, visando concretizar seus reais interesses.
Os contatos relacionais entre a AMAPAZ e a Prefeitura de Maceió, por sua vez, são ad
doc (com pouca padronização) e apresentam caráter ocasional, o que dificulta a visualização
de uma relação específica de poder. Pode-se afirmar, contudo, que a Prefeitura de Maceió
detém uma fonte de poder contextual, como define Krausz (1991). Em nome dos interesses
comuns da sociedade, uma minoria, representada pelo poder público, concentra em suas mãos
a decisão de concretização dos investimentos pleiteados pela Associação dos Amigos da Av.
da Paz, nomeadamente o saneamento do Complexo Reginaldo/Salgadinho. Contudo, a
inexistência de uma articulação contínua da sociedade civil maceioense não confere aos
membros da AMAPAZ uma base/fonte de poder capaz de fazer valer seus interesses.
Conforme já ressaltado, a AMAPAZ tem uma fraca expressão enquanto unidade
organizacional. Efetivamente, o que atrai a atenção para as suas ações e campanhas
apaixonadas é a estruturação em torno de seu líder, o duque de Jaraguá Carlito Lima, bem
comparado a um contemporâneo Dom Quixote* (ver CEFET/AL, 2002). As inócuas ações
implementadas pelo poder público no Riacho Maceió não aparentam decorrer da canalização
de forças dos movimentos solitários realizados pela referida organização civil, senão que das
próprias metas e objetivos pré-definidos e traçados pelo primeiro.
* Herói romântico, idealista e sonhador da obra D. Quixote de la Mancha, de Cervantes.
189
Segundo a perspectiva simétrica de poder, as manifestações da associação podem ser
compreendidas como expressões de conflitos (descontentamento situacional), entretanto,
como a natureza de suas ações é fugaz e esporádica, a relação poder público/AMAPAZ tende
a ser interpretada, nesta abordagem, como predominantemente neutra, isto é, nem
cooperativa, nem conflituosa. Indo mais além, a abordagem assimétrica detecta o conflito
suprimido em função da própria dificuldade intra-organizacional da associação de reivindicar
seus objetivos operacionais. Neste caso, as campanhas desenvolvidas pela AMAPAZ nada
mais são do que manifestações reacionais que exteriorizam o conflito latente. Como a praia de
Jaraguá permanece poluída, a insatisfação (e nela o conflito) não se extingue.
Figura 6 (4) - Inter-relações organizacionais na fase de planejamento da revitalização (momento 1) Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
Na fase de implementação das obras revitalizadoras (momento 2), a formação
interorganizacional, ainda que se intensifique, permanece do tipo “conjunto organizacional”
(HALL, 1984), sendo que, neste momento, a Unidade Executora Municipal encontra-se criada
e em funcionamento, representando a Prefeitura de Maceió com o papel de organização focal.
As relações diáticas em estudo são aquelas estabelecidas com os investidores da iniciativa
Contato forte Contato regular Contato ocasional Não estudado
AMBIENTE
PRODETUR-NE/BID
TCI
HABITAR-BRASIL/CEF
ÍMPAR UEM
ÓRGÃOS/SECRETARIAS
Unidade em criação
AMAPAZ
Atores preponderantes
PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIÓ
190
privada (nomeadamente os proprietários de bares, restaurantes e danceterias), o
PRODETUR/BID e com as associações dos moradores da vila dos pescadores e dos
trabalhadores da pesca.
As relações entre o poder púbico e os proprietários de bares e restaurantes são intensas
e com relativa formalização (por leis que regem a preservação do patrimônio histórico, os
incentivos ficais, etc). Interpretado, segundo a taxonomia de French e Raven, a Prefeitura,
através da UEM, detém nesta relação algumas bases de poder: o poder legítimo (decorrente da
nomeação de órgão fiscalizador e gestor que lhe foi conferida no âmbito da recuperação de
Jaraguá), o poder de recompensa (oriundo da capacidade de ofertar incentivos fiscais aos
investidores) e ainda o poder de perícia/conhecimento (posto que sua estrutura se compõe de
profissionais com as qualificações pertinentes à concretização das obras revitalizadoras). Os
empresários, por sua vez, conforme Galbraith (1986), detêm a fonte de poder denominada
propriedade ou riqueza, vinculada ao poder compensatório e expressa pela capacidade dos
mesmos em realizar investimentos na área.
Há, neste caso, um confronto entre fontes/bases de poder, no qual ambas as partes
procuram impor seus interesses concretos. Conforme relatado na apresentação dos dados,
conflitos emergiram em função do descontentamento da iniciativa privada frente às exigências
da equipe técnica do ETJ e a demora na conclusão das obras. Em síntese, observou-se uma
mudança da política inicialmente adotada pela UEM ao longo do processo de revitalização. A
unidade gestora do programa de recuperação de Jaraguá precisou ser mais flexível para
atender às necessidades da iniciativa privada e, em conseqüência, abdicou de um de seus
propósitos iniciais: o de “decorar melhor a roda”, isto é, revitalizar com maior propriedade do
que outras recuperações de centros históricos que serviram de modelo para Jaraguá.
Embora, nesta relação, o poder púbico detenha bases de poder, a relevância destas para
a iniciativa privada assume caráter limitado. No caso do poder de recompensa, por exemplo,
191
observou-se que os incentivos fiscais não despontaram como a causa central da atração dos
investidores para o local. As demais bases também se revelaram diminutas quando
comparadas à fonte de poder da iniciativa privada: o capital econômico. Conforme visto no
referencial teórico, Bourdieu (2000) defende que o alcance do poder não é determinado pela
simples posse de diferentes capitais (ou bases de poder), senão que pelo reconhecimento dos
demais frente a essa combinação de capitais.
Esse fenômeno, quando interpretado sob uma ótica funcionalista, demonstra que as
relações entre poder público e iniciativa privada se apresentaram com caráter alternado entre o
estado conflituoso e cooperativo, com predominância do segundo. Visualizam-se os conflitos
decorrentes da paralisação de algumas obras por intervenção da UEM e das discussões entre
empresários e técnicos do poder público no tocante ao uso de cores e disposição funcional do
espaço. Contudo, para esta abordagem de poder, a relação poder público/iniciativa privada,
neste momento do processo de revitalização, é substancialmente cooperativa, porque o
processo de revitalização em si não deixa de ocorrer, uma vez que os inconvenientes citados
são, de alguma forma, superados ou mesmo compreendidos como um problema de caráter
passageiro. O entusiasmo dos atores, neste caso, prevalece.
A perspectiva crítica, por sua vez, compreende a mesma situação como
predominantemente conflitiva, havendo, simultaneamente, conflitos reacionais e latentes,
sobretudo os segundos. Os conflitos reacionais são os mesmos visualizados pela abordagem
funcional, já os latentes são reflexos de uma aparente divergência entre os objetivos
operativos do poder público e do empresariado, já expostos no subitem anterior. Essa
abordagem desmistifica um suposto interesse do empresariado no tocante à preservação do
patrimônio histórico e sugere que mais valia para a Prefeitura Municipal de Maceió acatar as
expectativas do empresariado, tornando-se flexível, menos rígida.
192
O indicador mais apurado deste fato é que, embora alguns empresários tenham
investido bastante nos seus estabelecimentos (o que levou inclusive ao endividando de
alguns), nenhum proprietário de bar e restaurante investiu em obras de restauração (mais
onerosas), limitando-se a atividades de conservação e reparação (conforme exposto na
apresentação dos dados). Aparentemente, os que realizaram investimentos vultuosos, fizeram-
no com vistas a ampliar a funcionalidade do espaço, adquirir lucro, atrair clientes e/ou
ostentar riqueza para a nata da sociedade maceioense. Esses interesses culminam com a
própria descaracterização do patrimônio histórico, já que os empresários negociam com o
poder público para dispor dos sobrados históricos como efetivamente desejam.
Isso é acatado pelo poder público, porque, neste momento, o município já havia
investido muito na recuperação de Jaraguá e necessitava da inserção do setor privado na área
para dar continuidade ao projeto. Apesar de reconhecer infrações pelos empresários, a
aplicação das penalidades da lei que rege o patrimônio histórico termina por não ocorrer
(conforme relatado no momento 2). Em verdade, desde a fase de planejamento da
revitalização o poder público reconhecia a necessidade de investir no bairro através de uma
intervenção direta (mediante implementação de obras de infra-estrutura e de recuperação de
sobrados símbolos), para que, então, o empresariado se interessasse por Jaraguá. A atração da
iniciativa privada, mediante intervenção indireta (como incentivos fiscais) era condição
necessária e central para o sucesso da estratégia de revitalização.
Tem-se, mais uma vez, um arranjo de poder, do ponto de vista assimétrico, pautado no
enfoque da dependência do poder público, inicialmente de recursos internacionais (BID) e,
neste momento, também do capital privado (empresários). Esse arranjo não se caracteriza pela
cooperação mútua, mas pela escolha de cada ator do melhor caminho que viabilize alcançar
seu objetivo-fim. Fazer concessões à iniciativa privada foi a trilha percorrida pela Prefeitura
Municipal de Maceió. O maior efeito dessas relações de poder é uma repercussão nos próprios
193
critérios da política de preservação do patrimônio histórico, que termina por se adaptar ao
consumo cultural de massa. No arcabouço teórico, apresentou-se duas vertentes divergentes
no conceito de preservação do patrimônio arquitetônico: uma rígida e outra flexível. O
presente estudo observa, contudo, que a revitalização de Jaraguá se pautou em critérios
distintos de ambas as correntes.
Na apresentação dos dados, foram expostos os principais indicadores de
descaracterização evidenciados em Jaraguá, os quais ocorrem em maior incidência nas obras
promovidas pela iniciativa privada (com modificações internas e externas dos sobrados),
ainda que também possam ser observadas em ações promovidas pelo poder público
(nomeadamente na arquitetura interna dos prédios históricos). Em prol da atividade turística e
do consumidor, a revitalização do bairro rompe com as políticas de conservação de bens e
monumentos histórico-culturais vigentes, conforme sintetizado no quadro 11 (4) abaixo.
CCRRIITTÉÉRRIIOOSS DDEE PPRREESSEERRVVAAÇÇÃÃOO DDEE SSOOBBRRAADDOOSS HHIISSTTÓÓRRIICCOOSS EE AA RREEVVIITTAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDEE JJAARRAAGGUUÁÁ
CORRENTE RÌGIDA Os sobrados devem ser conservados sem qualquer intervenção, ainda que em estado de ruína. Qualquer tipo de restauração é uma violação, posto que faz com que o monumento torne-se diferente do real. Prima pela manutenção do envelhecimento natural do imóvel.
CORRENTE FLEXÌVEL
Os sobrados devem ser recuperados e restaurados, mediante trabalho minucioso que retrate fielmente suas características arquitetônicas e históricas. O imóvel deve permanecer íntegro, mediante expulsão de elementos estranhos e interpretação de suas feições originais.
REVITALIZAÇÃO JARAGUÁ
Em diferentes formas e intensidades, boa parte dos sobrados sofre modificações internas e/ou externas em prol da atividade turística e empresarial. Principais indicadores: demolições parciais, cores externas fortes e/ou chamativas, ampliação da funcionalidade do espaço, substituição da originalidade por materiais mais baratos. Há ainda relatos de revitalizações mais criteriosas, o que implica em compatibilidade com a corrente flexível, porém desacordo com a corrente rígida.
Quadro 11 (4) - Critérios de preservação de sobrados históricos Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
A relação entre a Associação dos Trabalhadores da Pesca e a UEM ocorre em torno da
construção de uma pequena fábrica de gelo para a comunidade dos pescadores. A base de
contato entre ambas, neste período, desponta como intensa e com relativa padronização. As
194
bases de poder da UEM, nesta relação, são as mesmas descritas em suas inter-relações com os
empresários, isto é, poder legítimo, poder de recompensa e poder de perícia/conhecimento.
Ao contrário dos empresários, contudo, a Associação dos Trabalhadores da Pesca não detém o
poder compensatório (capital financeiro), o que a torna mais suscetível às determinações do
poder público do que os primeiros.
A cessão do terreno para a construção da fábrica de gelo pelo poder público, a
intermediação deste para que a associação obtivesse o financiamento das obras pelo BNB e a
inexistência de conflitos manifestos são indicadores de uma relação cooperativa para a teoria
simétrica de poder. Segundo esta perspectiva, ambas as partes ganham: a Prefeitura caminha
ao encontro das metas previstas no plano de desenvolvimento (fomentar a atividade
pesqueira) e a comunidade aprimora as condições de seu trabalho. Numa abordagem
assimétrica de poder, contudo, detecta-se a contínua insatisfação da Associação dos
Trabalhadores da Pesca.
Os integrantes da associação expressam, em seus depoimentos, as dificuldades de
manutenção da fábrica de gelo em função dos elevados valores que permanecem pagando ao
BNB e do encarecimento das obras decorrentes das exigências da Unidade Executora
Municipal, isto é, construir a fábrica simulando nuances da revitalização. A fábrica termina
por perder a funcionalidade, já que os pescadores precisam arcar com um alto custo na
compra do gelo. A ausência da manifestação desse conflito se dá, ao que tudo indica, em
função da própria dificuldade da associação de se organizar coletivamente para reivindicar
opções de menor custo à UEM.
Além disso, sem o apoio de poder público, muito provavelmente a fábrica não seria
erguida, o que gera um caráter de dependência desta entidade em relação ao poder municipal.
Também para a teoria radical de poder, a consecução de alguma ação em prol da comunidade
dos pescadores, ainda que ínfima se considerado todo o projeto de revitalização destinado à
195
Vila, pode ser conveniente à própria Prefeitura de Maceió como uma espécie de mecanismo
de controle social, já que o projeto de recuperação da favela em si não saiu do papel. Tal
atitude pode ser entendida como uma forma de camuflar que o poder é um fenômeno que não
se distribui uniformemente, mas em função da divisão de classes.
É, no mínimo, contraditório a exigência do poder público em construir a fábrica em
sintonia com os sobrados existentes em Jaraguá. Conforme apresentado na descrição dos
dados, segundo a UEM, não há valor histórico em devolver a fachada original do Bradesco
(antigo Armazém Faustino). Ora, por que o aparente rigor, então, para que uma construção
contemporânea (fábrica de gelo) não destoasse da revitalização? Uma possível resposta a essa
pergunta é que a Prefeitura Municipal detinha recursos de poder para com a Associação de
Trabalhadores da Pesca (interessada em abrir a fábrica de gelo), mas o mesmo não ocorria
com o Bradesco.
O mais provável é que a Prefeitura almejasse a recuperação do trapiche Faustino,
ainda que este estivesse desprovido de valor histórico. Se bem observado, o próprio curso da
evolução de Jaraguá (descrito no sub-tópico 4.1.2) demonstra que, embora uma parte do
patrimônio do bairro mantivesse feições originais, outra foi deteriorada por usos diversos ao
longo dos anos, o que, por si, comprometia seu verdadeiro valor histórico. A Prefeitura
importou postes franceses e substituiu o re-capeamento da Rua Sá Albuquerque, tudo isso
para imitar um estilo antigo que já não existia. Evidentemente essas ações, embora possam
trazer beleza física, não conferem ao espaço significado de preservação da memória, senão
que a representação (e, portanto, irreal) daquilo que o bairro foi numa época específica.
A relação entre o PRODETUR/NE e a Prefeitura, neste momento, é uma extensão das
relações efetivamente traçadas em contrato, de modo que não foram evidenciadas mudanças
substanciais no tocante ao que já foi descrito no momento 1. O mesmo ocorre na relação
Prefeitura/AMAPAZ, já que a insatisfação quanto às ações de saneamento do Complexo
196
Salgadinho permanecem em seu estado latente. No que tange à relação entre o poder público e
a Associação de Moradores da Vila dos Pescadores, nesta fase de implementação de obras da
revitalização, pode-se afirmar que esta até então havia se desenvolvido de forma muito
esporádica, limitando-se à apresentação pela Prefeitura do projeto de reurbanização da Vila
dos Pescadores. Por essa razão, considerou-se mais adequado tecer comentários sobre as
relações de poder entre ambas no momento 3, quando a base de contato se intensifica.
Figura 7 (4) - Inter-relações organizacionais na fase de implementação de obras da revitalização (momento 2) Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
Na fase de efetivo funcionamento dos novos usos e atividades almejados para Jaraguá
(momento 3), tem-se a formação interorganizacional do tipo “rede” (HALL, 1984). Este
modelo é o mais condizente com a análise da dinâmica cotidiana dos espaços urbanos. A
ênfase não mais recai sob uma organização focal, senão que no conjunto dos atores
organizacionais entrelaçados num dado sistema social. Foram estudadas, neste momento, as
relações entre a Prefeitura Municipal de Maceió (e suas secretarias e órgãos), os bares,
Contato forte Contato regular Contato ocasional Não estudado
AMBIENTE
PRODETUR-NE/BID
EMPRESÁRIOS DE JARAGUÁ (BARES, BOATES E RESTAURANTES)
AMAPAZ
HABITAR-BRASILUEM
ÓRGÃOS/SECRETARIAS
EMPRESÁRIOS DE JARAGUÁ (RAMOS DIVERSOS)
EMPRESAS DE ARQUITETURA E ENGENHARIA
ASS. TRAB. PESCA
BNB
ASS. MORADORES VILA
PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIÓ
Atores preponderantes
197
restaurantes e danceterias organizados coletivamente e as comunidades locais, focando
particularmente a Associação de Moradores da Vila de Pescadores. A relação entre os atores,
neste momento, caracteriza-se pela intensidade, inclusive em função da divisão de um mesmo
espaço físico, e pela baixa padronização.
Para a perspectiva funcionalista, caracteriza-se a relação entre o poder público e
empresariado como cooperativa na fase áurea de Jaraguá, em que o bairro encontra-se repleto
de consumidores e turistas ávidos por conhecer o novo espaço da capital alagoana. O
entusiasmo inicial de ambos é evidenciado mediante a satisfação das partes e rara
manifestação de conflitos. De um lado, o poder público faz do projeto de Jaraguá uma vitrine
eleitoral e logra êxito, com a reeleição da prefeita Kátia Born. Do outro, a iniciativa privada
consegue cobrar preços elevados por seus produtos e serviços, obtendo o lucro desejado.
Simultaneamente, ambas as partes estariam caminhando em direção ao desenvolvimento do
bairro como destacado oficialmente. Consolida-se no auge de Jaraguá, sob esta ótica, o ideal
do campo do management, em que o poder se revela uma prerrogativa para atingir os
objetivos compartilhados entre as partes envolvidas.
A abordagem radical de poder, no entanto, analisa esta mesma relação como um
arranjo de poder que aprofunda as divisões sociais e políticas enraizadas na sociedade
maceioense. Tem-se, neste momento, o retrato da divisão de classes, no qual bares e boates
sofisticados convivem lado a lado com uma favela (Vila dos Pescadores), que em nada se
beneficia com a beleza, o lucro e a riqueza que parte do novo Jaraguá ostenta, nem mesmo
com a possibilidade de oferta de emprego, dada a própria desqualificação da mão-de-obra. O
inquirido (E8) deixa claro este conflito ao falar da existência de dois Jaraguás, um dos ricos
pertencente aos senhores donos de bares e boates e outro dos pobres pertencente aos
pescadores.
198
Esta inferência em muito lembra a terra de contrastes que é o Brasil desde os
primórdios de sua história e, em Alagoas, reflete nomeadamente a dicotomia senhores de
engenho e latifundiários versus desapropriados de terra e escravos. Se analisado sob a ótica de
Lukes (1980), pode-se afirmar que a oligarquia maceioense faz uso de seu poder objetivando
a manutenção de seu status quo, utilizando-o para conservar a desigualdade de recursos entre
a nata da sociedade e aqueles que não detêm o capital econômico. O arranjo de poder entre
poder público/iniciativa privada na revitalização de Jaraguá não suaviza as diferenças sociais,
ao contrário, só contribuem para fortalecê-las.
A relação entre o município e o empresariado tende a se fragilizar, no entanto, com o
surgimento de algumas dificuldades relacionais, evidenciadas em maior intensidade na etapa
de declínio do bairro. Neste momento, a exteriorização dos conflitos se dá de tal maneira que
ambas as perspectivas, simétrica e assimétrica, conseguem visualizá-los. A falência dos
estabelecimentos ou a transferência para outras áreas são manifestações desse conflito e da
insatisfação dos empresários. Esse fato, somado às reivindicações dos proprietários de bares e
restaurantes nas reuniões realizadas com as unidades gestoras do bairro, incitam atitudes
diversas por parte do poder público, tais como providências no tocante às questões de
segurança, a determinação de uma unidade responsável pelo funcionamento operacional do
bairro (SETURMA), ações de marketing, investimento em shows e eventos, entre outros
citados quando da apresentação de dados.
No conjunto, todas essas ações do poder público visavam de alguma forma atender às
expectativas dos investidores. Há mais uma vez um confronto entre bases/fontes de poder, na
qual o poder público (representado nomeadamente pela SETURMA neste momento) detém o
poder legítimo e contextual, isto é, poder de contemplar os anseios da iniciativa privada. Esta,
por sua vez, faz uso de seu capital econômico. Havia interesse por parte da Prefeitura de
Maceió na permanência dos investidores no espaço, contudo, os discursos de representantes
199
do poder público demonstram insatisfação com o caráter de dependência dos empresários, que
minimizavam seu papel de empreendedor, transferindo a responsabilidade da sobrevivência
de seus estabelecimentos para o município.
Essa dependência demonstra a postura paternalista do empresariado local, que
aguarda, convenientemente, uma atitude de proteção por parte do poder público. Contudo,
ainda que se observe a capacidade da iniciativa privada de influenciar as ações da Prefeitura
Municipal de Maceió, a competitividade intra-organizacional detectada na Associação de
Bares e Restaurantes não gera uma uniformidade de reivindicações, fragilizando sua base de
poder. Por outro lado, a desarticulação intra-organizacional na Prefeitura de Maceió dificulta
o atendimento dos anseios do empresariado.
A relação entre a iniciativa privada e as comunidades locais de baixa renda também
desponta como conflituosa. Aparentemente, a insatisfação da iniciativa privada, expressa
pelas constantes reclamações quanto ao aumento do número de roubos e furtos no bairro,
fortalecem as providências do setor público no sentido de minorar esses problemas, que, para
os empresários de modo geral, estavam relacionados aos habitantes da Vila dos Pescadores. O
conflito, neste momento, também se torna extremamente visível e é absorvido tanto pela
teoria assimétrica de poder como pela funcionalista. Enquanto os empresários possuem o
capital econômico ou poder de recompensa, as comunidades locais, pela própria
desarticulação entre os membros de suas organizações, não dispõem de uma base de poder
representativa para confrontar os primeiros.
Parte dos moradores da favela foram expulsos, o que corrobora a fragilidade de suas
fontes/bases de poder na relação. É relevante ressaltar, contudo, que, o fortalecimento intra-
organizacional da Associação de Moradores da Vila dos Pescadores, visando impedir a
transferência dos que residiam na favela para outros bairros de Maceió, contribuiu para a
permanência em Jaraguá de um núcleo de moradores e ainda a aceitação, entre eles, do
200
retorno de uma parcela dos expulsos. Entende-se que as comunidades locais desenvolveram
uma base/fonte de poder que pode ser compreendida mediante a extensão do que Galbraith
(1986) denomina de poder condigno ou ainda o que Krausz (1991) intitula de poder pessoal.
Em ambos os casos, os autores conferem uma fonte de poder às características
pessoais do indivíduo. As organizações, ainda que se tratem de coalizões de interesses
múltiplos, também podem desenvolver algumas características intra-organizacionais que
expressam e contemplam os interesses da maioria. É o caso da Vila dos Pescadores, que
desenvolveu um vínculo forte em torno de um interesse coletivo, que reflete o interesse
individual de seus membros: permanecer em Jaraguá. Essa fonte de poder parece advir,
sobretudo, da luta pela sobrevivência, ao reconhecer as dificuldades de vir a morar nos bairros
que lhes foram reservados pelo poder público.
Observa-se que, ao contrário da AMAPAZ e da Associação dos Trabalhadores da
Pesca que reivindicaram ações em consonância com o plano de desenvolvimento, a
Associação de Moradores de Jaraguá lutou pela minimização de uma ação prevista em plano
(a retirada de parcela dos moradores de Jaraguá). As ações de saneamento do Complexo
Reginaldo/Salgadinho e o apoio à abertura da fábrica de gelo não parecem decorrer de uma
base/fonte de poder que as duas primeiras organizações detinham, mas da sintonia com metas
já previstas pelo próprio poder público. A Associação de Moradores da Vila, ao contrário,
aparenta ter se fortalecido em função do descrédito do poder público (que não implementou o
programa de reurbanização da Vila dos Pescadores), tendo desenvolvido uma fonte de poder a
partir da articulação de seus membros.
É verdade que essa fonte não garantiu forças para a concretização da reurbanização da
Vila como prometida pelo poder público, contudo, parece ter suavizado o peso das ações da
Prefeitura Municipal de Maceió em torno da retirada compulsória dos moradores, ainda que,
muito provavelmente, a contragosto dos empresários. Na relação entre poder público e as
201
comunidades locais, há, por parte do primeiro, a mesma base/fonte de poder que detinha para
com os empresários: o poder legítimo e contextual, traduzido na condição legal de que dispõe
a Prefeitura Municipal para concretizar as ações de remanejamento e obras de revitalização da
favela dos pescadores.
Os conflitos são latentes e manifestos. De modo geral, os habitantes da Vila dos
Pescadores não abarcam para si os canais institucionais de participação popular na decisão de
seus próprios destinos. Não se observa uma luta organizada da comunidade para reivindicar as
promessas do poder público no tocante à reurbanização da favela. A insatisfação das
comunidades locais e o predomínio do conflito sob esse aspecto são visualizados por uma
abordagem crítica de poder. Numa perspectiva funcional, essa mesma relação nem é
cooperativa, nem conflituosa. Contudo, há uma relação de conflito manifesta quando da
tentativa de retirar a população do local e esta é captada tanto pelas abordagens simétricas
quanto assimétricas de poder.
Ressalta-se, por fim, o predomínio do conflito nas relações entre os atores estudados.
Na contemporânea configuração das inter-relações organizacionais de Jaraguá, esse conflito
se torna de tal forma externalizado que ambas as vertentes de poder (simétrica e assimétrica)
conseguem visualizá-lo. A forma como os atores vêem uns aos outros, durante todo o
processo de revitalização, sugere uma espécie de ‘diálogo entre surdos’, em que cada parte
visualiza tão somente os seus próprios interesses. Trata-se, portanto, de uma realidade que
muito diverge do triângulo harmonioso entre poder público, iniciativa privada e organizações
civis, no qual se calca as teorias de desenvolvimento local.
202
Figura 8 (4) - Inter-relações organizacionais na fase de funcionamento de novos usos (momento 3)
Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
No quadro 12 (4), as inter-relações organizacionais dos atores nos três momentos da
revitalização de Jaraguá foram sintetizadas. A análise conjunta dessas fases sugere que os
atores que efetivamente conseguiram gerar conseqüências causais, modificando as ações de
outros, foram com freqüência os detentores, em maior potencial, do poder compensatório
(riqueza). Essa conclusão encontra respaldo nas palavras de Bourdieu (2000), quando o
mesmo assinala que, na sociedade contemporânea, aqueles que abarcam o capital econômico
tendem a conseguir determinar as regras do campo de poder, impondo seus interesses
concretos em detrimento dos demais.
SETURMA
PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIÓ
EMPRESÁRIOS LOCAIS
COMUNIDADES LOCAIS
ASS. DE BARES, BOATES E RESTAURANTES
UEM
ÓRGÃOS/SECRETARIASMUNICIPAIS
EMPRESÁRIOS DE JARAGUÁ (RAMOS DIVERSOS)
TRADE
ALIADOS ESTRATÉGICOS(EVENTOS/DIVULGAÇÃO)
FUND. CULTURAL
AMAPAZ
ASS. TRAB. PESCA
ASS. MORADORES VILA
PRODETUR-NE/BID
HABITAR-BRASIL/CEF
Contato forte Contato regular Contato ocasional Não estudado
Atores preponderantes
AMBIENTE
204
4.2.3 Desenvolvimento local: social ou competitivo?
É inconteste a consonância entre a intervenção urbana ocorrida em Jaraguá e os
indicadores da literatura disponível sobre desenvolvimento local. O confronto entre ambos
permitiu inferir a existência de aspectos entrelaçados, que variam em intensidade na fase de
planejamento e de implementação da revitalização. O quadro 13 (4) sintetiza as variáveis
orientadoras do desenvolvimento local discutidas no arcabouço teórico deste trabalho e a
intensidade com que estas foram observadas no caso em estudo. O intuito precípuo é discutir
qual vertente de desenvolvimento local (social ou competitiva) melhor retrata a reestruturação
a que se submeteu o bairro histórico de Maceió.
Quadro 13 (4) - Intensidade das variáveis de desenvolvimento local no planejamento e na implementação da revitalização de Jaraguá
Fonte: elaboração própria com base nos indicadores da literatura.
Legenda:
Variáveis orientadores do desenvolvimento local
Intensidade no planejamento
Intensidade na implementação
Papel ativo dos governos locais Forte Forte Intervenções pontuais na escala do lugar (cidade) Forte Forte Favorecimento das potencialidades locais Forte e híbrido Forte e híbrida Gestão integrada de políticas públicas (formação de redes) Forte e híbrido Fraco Descentralização com integração Forte Fraco Ênfase recai sob aspectos sociais e humanistas mediante combate à exclusão social
Forte e híbrido Fraco
Desenvolver economicamente a cidade para ampliar, sobretudo, qualidade de vida, emprego e renda para a população local
Forte e híbrido Fraco
Comunidades locais agenciam ativamente o desenvolvimento Forte e híbrido Fraco Forte presença das esferas da sustentabilidade Forte e híbrido Fraco Ênfase recai sob a competição interurbana mediante ampliação das vantagens comparativas da cidade (eficiência/eficácia)
Sutil Forte
Investir na cidade para atrair, sobretudo, fontes externas de financiamento e parceria setor público/empresariado
Forte Forte
A “criação de uma imagem urbana” Sutil Forte Forte destaque para “turistificação” dos espaços urbanos Forte Forte
Variáveis comuns a ambas as correntes: social e competitiva Variáveis mais intensas na corrente social Variáveis mais intensas na corrente competitiva
205
O primeiro aspecto a ressaltar diz respeito ao forte protagonismo dos governos locais
com intervenções pontuais na escala do lugar (cidade), que se revela um pressuposto basilar
do desenvolvimento local, quer do tipo social, quer do tipo competitivo. Essa variável
encontra elevada sintonia com o caso em estudo já que todo o processo de recuperação e
revitalização do bairro foi planejado e implementado pela Prefeitura de Maceió, o que
indubitavelmente destaca o papel ativo das instâncias locais de poder na condução políticas de
desenvolvimento, como enfatizado pela literatura.
É possível observar nos documentos do poder público a identificação da necessidade
de uma participação conjunta entre os órgãos públicos municipais e também destes com os
demais níveis de poder (federal e estadual). Na análise intra-organizacional da Prefeitura
Municipal de Maceió, demonstrou-se a veemente desarticulação entre suas secretarias e
órgãos, o que, por si, dificulta a realização de uma política integrada entre a Prefeitura
Municipal de Maceió e as demais esferas de poder. Os problemas de segurança que surgiram
no bairro, embora minimizados contemporaneamente, ilustram o caso.
Aparentemente, houve dificuldades e prorrogação no encontro de soluções alternativas
imediatas de segurança pelo município, sob a alegação de que esta é uma esfera de
responsabilidade do Estado de Alagoas. Em verdade, no âmbito da revitalização de Jaraguá,
as parcerias entre diferentes instâncias de poder se revelaram pouco intensas. Dentre as
poucas ações substanciais, nestes sentido, duas se destacam: um paliativo temporário efetuado
nas águas do Salgadinho com recursos do governo federal e a realização de alguns
eventos/material de divulgação em Jaraguá organizados pela SETURMA com apoio da
Secretaria Executiva de Cultura e Turismo do Estado, ambos descritos na fase de
apresentação dos dados.
O favorecimento das potencialidades locais também é fortemente observado. Por
vários momentos, o plano de desenvolvimento do bairro sugere que todo o processo de
206
revitalização deve se pautar pelo ideal da valorizar aspectos culturais da cidade, exaltando sua
singularidade e suas diferenças frente a outros espaços urbanos. No entanto, essa retórica
assume, aparentemente, um caráter híbrido. O próprio zelo com patrimônio histórico, tão
enfatizado nos discursos oficiais, é camuflado pelas famosas ‘brechas da lei’. No caso em
análise, a lei municipal nº 4.545/96 (que disciplina a preservação do patrimônio arquitetônico
da cidade de Maceió) apresenta flexibilidades, fornecendo claramente respaldo à necessidade
de desconfiguração interna dos sobrados, em detrimento de sua arquitetura.
Isso acontece, provavelmente, porque o próprio poder público também previa dispor
no âmbito interno dos sobrados históricos, visando funcionalidade e uso de equipamentos
modernos, capazes de encantar e atrair os visitantes e turistas. Esta flexibilidade legal,
contudo, é incompatível com uma preservação rigorosa dos prédios históricos de Jaraguá. Em
verdade, tem-se uma transformação dos valores. Ao invés de primar pela preservação dos
sobrados em função da memória da cidade, o que se observa é sobreposição do valor da
modernidade e da beleza ao próprio significado histórico.
Na prática, a forma de implementação da recuperação do patrimônio cultural reforça
essa orientação. Fato que, no mínimo, traz à tona um questionamento quanto ao verdadeiro
valor histórico de parte daqueles sobrados que foram desgastados e deteriorados pelo uso
inadequado ao longo dos anos, descaracterizados internamente, artificialmente coloridos por
fora, quando não, em certos casos, até parcialmente demolidos. Uma interpretação profunda
dos documentos oficiais demonstra que a estratégia de revitalização não se ateve
propriamente ao zelo com a arquitetura de época, mas, sobretudo, à atividade turística.
Mesmo a rigidez inicial da UEM adaptou-se e moldou-se ao suposto gosto do turista e do
freguês. Em síntese: não só a implementação foi corrompida, mas, o planejamento, inclusive,
ainda que em caráter aparentemente mascarado.
207
A gestão integrada de políticas públicas também é inerente ao discurso estratégico da
revitalização e consta em diversos documentos oficiais do poder público já apresentados
quando da descrição dos dados. Nestes mesmos discursos oficiais, contudo, encontra-se certa
hibridez. Por um lado, evoca-se, como grandes beneficiadas com a revitalização, as
comunidades locais de baixa renda, a exemplo da Vila dos Pescadores. Simultaneamente,
entretanto, a retirada destes habitantes (nomeadamente daqueles não vinculados à atividade
pesqueira) também é prevista desde o próprio plano de desenvolvimento do bairro, ainda que
justificada sob palavras recheadas de sustentabilidade e com o pressuposto de que essa ação
beneficiaria tal população. Isso é tão verdade que este mesmo documento oficial do município
contém uma pesquisa de consulta aos moradores da favela para o caso de uma eventual (leia-
se real) necessidade de remanejamento.
Esse fato encontra elevada consonância com a inferência da escolha entre valores
competitivos de Perrow (1978), segundo a qual, um objetivo operativo pode estar em sintonia
com um objetivo oficial, muito embora subverta um outro objetivo oficial. Ao propor
oficialmente o deslocamento dos habitantes de Jaraguá da área em que sempre residiram, o
plano de desenvolvimento subverte um de seus objetivos oficiais, isto é, o de inclusão social e
o de prover desenvolvimento sócio-econômico, no qual se obteria melhorias substanciais na
qualidade de vida da população de baixa renda do bairro de Jaraguá. Na prática, as
comunidades de baixa renda foram consideradas pela maior parte dos inquiridos como os
atores menos beneficiados com a revitalização, conforme gráfico 6(4).
Em verdade, a retirada dessa população também se trata de um objetivo operativo
justificado, com base num discurso híbrido, em um objetivo oficial, uma vez que o poder
público sempre soube dos problemas de convivência e de segregação que existiriam entre os
moradores da Vila dos Pescadores e a nova classe mais abastada da sociedade maceioense
para a qual o bairro de Jaraguá estava sendo recuperado. A região beira-mar da cidade de
208
Maceió e, particularmente, a orla do bairro de Jaraguá, são espaços nobres da cidade. Por esta
razão, tem-se implicitamente o pressuposto de que estes não deveriam estar sendo ocupados
por uma comunidade carente, senão que a uma camada social mais privilegiada da sociedade.
Aparentemente, a construção da Vila dos Pescadores, exclusivamente para o núcleo
específico da comunidade que efetivamente vivia da pesca, também figurava entre as
interrogações nas listas de decisões a tomar pela cúpula da administração municipal. A
evidência deste fato é que um dos entrevistados (E14) discorre sobre a cogitação (não
implementada) de uma proposta alternativa à reurbanização da favela, que se traduzia na
transferência de todos os habitantes (e inclusive pescadores) para uma outra área de Maceió,
onde estes continuariam a exercer a atividade pesqueira em lagoa e não em alto-mar
(conforme relatado no momento 3). Ao que parece, a comunidade dos pescadores sempre
representou o ‘calcanhar de Aquiles’, porque operacionalmente a estratégia de revitalização
de Jaraguá nunca se destinou de forma efetiva a esta comunidade, nem em planejamento e,
muito menos, na prática.
A Prefeitura de Maceió aguardava, com a revitalização, um público-alvo das mais
variadas classes sociais, mas visava, sobretudo, fomentar o turismo de alta renda (ver
descrição no momento 1). Um dos pólos indutores desses visitantes de alto poder aquisitivo
seria a construção do centro náutico (marina). No mapa 04 (apêndice F), observa-se que a
comunidade da pesca ficaria bastante próxima desta marina. Por mais que o município
investisse na Vila dos Pescadores, o natural seria que, ao longo dos anos, a baixa capacidade
de sustentação dessa comunidade, viesse a impor uma imagem de pobreza ao local
(vestimentas penduradas em varal, deteriorização dos imóveis, etc) que tende a ser
incompatível com o novo cenário rico e próspero pleiteado para Jaraguá.
O contraste social retratado estaria, cedo ou tarde, indubitavelmente, presente. A
construção da Vila dos Pescadores contribuiria para afastar investidores potencialmente
209
interessados na construção da marina, além de desagradar e conflitar com os interesses dos
empresários que optaram por abrir seus estabelecimentos em Jaraguá (como efetivamente
ocorreu). É muito provável, portanto, que essas razões somadas também tenham contribuído
para fazer cair por terra a idéia de transformar a Vila dos Pescadores numa espécie de atrativo
turístico local, como sugere o projeto de revitalização do bairro.
Se a inserção das comunidades locais assume caráter híbrido na estratégia de
revitalização de Jaraguá, o mesmo não ocorre em relação ao empresariado. O pressuposto de
que parcerias entre o poder público e a iniciativa privada são a chave do sucesso da
revitalização é reverenciado em diversos documentos de planejamento desta intervenção
urbana. Contudo, o mapeamento dos atores envoltos na revitalização de Jaraguá atenta
claramente para a tênue articulação e ausência de cooperação mútua na relação entre
Prefeitura Municipal de Maceió e empresariado local.
Ainda que toda a estratégia de recuperação do bairro se paute na idéia de fomentar a
atividade turística, o engajamento do setor privado turístico (agências de viagens, pousadas,
hotéis, operadoras e transportadoras turísticas, entre outros) desponta extremamente fraco.
Apenas os bares, restaurantes e danceterias exerceram um papel ativo como atores, realizando
alianças mais sólidas com o poder público e, mesmo assim, muito distante do que se define
por gestão integrada. Conforme mostrado no sub-tópico anterior, as relações entre esses dois
segmentos, especialmente quando analisadas sob uma perspectiva assimétrica de poder,
demonstraram-se predominantemente conflitivas e não-cooperativas.
De modo geral, pode-se afirmar que não ocorreram parcerias significativas entre o
poder público e outras organizações privadas do setor turístico (atores potenciais), nem entre
estas e os proprietários de bares e restaurantes em nenhum dos três momentos do processo de
revitalização do bairro. Uma das poucas parcerias evidenciadas envolveu os proprietários de
bares e restaurantes, a SETURMA e uma agência de turismo (conforme relatado no momento
210
3), contudo, demonstrou-se além de fugaz, conflituosa. Jaraguá, em conseqüência, encontra-se
fracamente inserido no circuito turístico da capital alagoana. Por outro lado, as expressões das
organizações civis vinculadas às atividades turísticas e de patrimônio cultural da cidade de
Maceió aparentemente não se articulam. Praticamente não se observou qualquer tipo de
manifestação e/ou dedicação de esforços substanciais, por parte destas, em torno da
reestruturação urbana ocorrida em Jaraguá.
Somando tamanha desarticulação do triângulo poder público, iniciativa privada e
organizações civis, corrobora-se a idéia de que o mero fomento ao turismo pelo poder público
não é suficiente para que alianças e parcerias representativas no setor turístico ocorram e, em
conseqüência, que se promova o tão almejado desenvolvimento sustentável local capaz de
melhorar significativamente a qualidade de vida, gerar emprego e renda aos núcleos
receptores, como sugere a literatura. Conforme relatado na apresentação de dados, os números
de empregos gerados com a revitalização, em sua configuração atual, revelam-se baixos e, ao
que tudo indica, não contemplou as comunidades de baixa renda de Jaraguá. A relação direta
entre o turismo e o desenvolvimento local, pautada na harmonia deste tripé, tende a ser,
portanto, falaciosa.
Analisada sob a perspectiva de um dos teóricos da vertente social, Ávila (2000), a
revitalização de Jaraguá se coaduna mais com uma estratégia de desenvolvimento no local do
que com uma estratégia de desenvolvimento local. Isso porque, apesar de tomar as esferas da
sustentabilidade como palavras de ordem nos documentos oficiais, a hibridez dos mesmos
acarreta inevitavelmente numa fraca visualização das variáveis norteadoras de
desenvolvimento local social na implementação da revitalização. Demonstra, inclusive, que,
desde seu planejamento (ainda que em caráter sutil e/ou híbrido), a revitalização de Jaraguá
nunca se ateve a aspectos sociais e humanistas.
211
A estratégia de revitalização de Jaraguá caracteriza-se por uma forte intervenção direta
ou indiretamente promovida pelo poder público, que se concretizaria mediante consecução de
fontes externas de financiamentos e fomento à parceria com a iniciativa privada. São estes
atores (o poder público e a iniciativa privada), e não as comunidades locais, os agentes
promotores do desenvolvimento, que, em tese, seriam capazes de envolver a população local,
de fomentar sua participação ativa e, em conseqüência, beneficiar e prover melhoria da
qualidade de vida nos núcleos receptores. A participação da sociedade civil, neste caso, é uma
conseqüência.
A própria estratégia de revitalização de Jaraguá (e não apenas sua implementação)
calca-se na criação de um sistema de financiamentos (a exemplo do convênio da Prefeitura
com o BNB para fomentar os investidores privados), e também na isenção de taxas e
concessão de incentivos fiscais. Ora, que classe pode se integrar a esse sistema? Muito
provavelmente a população residente em Jaraguá antes da revitalização, caracterizada
majoritariamente pela baixa renda, não poderia adquirir um financiamento junto ao Banco do
Nordeste. Tal fato, por si, corrobora que a estratégia de revitalização de Jaraguá sempre se
destinou a uma classe de poder aquisitivo mais elevado.
Essa sintonia mais abrangente com o desenvolvimento no local (em contraponto ao
desenvolvimento local) encontra maior respaldo na perspectiva competitiva ou empresarialista
urbana de desenvolvimento local. A intervenção em Jaraguá destaca-se como um mecanismo
de ampliação das vantagens comparativas da cidade de Maceió, com investimentos em obras
e construção de uma espécie de cenário turístico e cultural no espaço urbano.
Indiscutivelmente, a Prefeitura de Maceió conduziu todo o processo de revitalização de
Jaraguá pautada no aspecto físico-estrutural.
212
77%
23%
INVESTIMENTOS NA REVITALIZAÇÃO DE JARAGUÁ PELO PRODETUR/NE I
OBRAS DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL
Figura 9 (4) - Investimentos do município de Maceió pelo PRODETUR/NE Fonte: elaboração própria, com base em informações fornecidas pela UEM.
NOTA: Em obras, foram incluídos investimentos em infra-estrutura (sistema viário, enterramento de rede elétrica e telefonia, resíduos sólidos, etc), bem como obras de recuperação e restauração de praças, sobrados, monumentos, etc). Em desenvolvimento institucional, inseriu-se a estruturação e modernização dos órgãos públicos, a capacitação de seus servidores, bem como contratação de consultorias.
A avaliação qualitativa e quantitativa do plano de desenvolvimento, sob a ótica dos
entrevistados, deixa claro que foi, sobretudo, sob este aspecto que a Prefeitura Municipal
concentrou suas ações, como, aliás, o próprio poder público reconhece em seus documentos
oficiais. No gráfico de investimentos do município através do PRODERTUR/NE (figura 9
(4)), observa-se que as obras de infra-estrutura urbana e de recuperação de praças e suntuosos
sobrados foram o ponto central da ação do poder público, onde houve maior alocação de
recursos.
É provável que as causas subjacentes para essa concentração dos investimentos no
aspecto físico-estrutural, viabilizada por meio de uma estratégia de revitalização, deposite-se
no marketing político que as grandes obras são capazes de proporcionar. Maceió é uma cidade
que passou muitos anos sem que houvesse um grande investimento em obras públicas do
porte da reestruturação de Jaraguá. Na fase de planejamento desta intervenção urbana, é
possível observar, nos veículos de comunicação local, inferências sugerindo que o atual
governador Ronaldo Lessa (nesta época prefeito da capital alagoana) entraria para a história
213
da cidade como uma espécie de salvador do bairro histórico de Maceió. Isso porque, tal como
planejada, a recuperação de Jaraguá se configurava como uma das maiores obras públicas a
ser executada na cidade pelo menos nos últimos dez anos.
Aparentemente, a implementação de obras e o marketing político compõem os
objetivos operativos da cúpula gestora da Prefeitura de Maceió. Como afirma Perrow (1978),
os objetivos operativos tendem a refletir os interesses do grupo dominante de uma
instituição/organização e podem, inclusive, destoar de alguns objetivos oficiais, como
efetivamente ocorre em Jaraguá. Ao priorizar a realização obras, o programa de apoio ao
desenvolvimento sócio-econômico, definido em plano como meta de prioridade 1, bem como
as campanhas educacionais e ambientais, tão presentes no discurso da sustentabilidade, foram
aparentemente deixados pelo município em patamar de relevância inferior ou, em alguns
casos, similar às ações consideradas de prioridade 2, conforme se pode observar na pontuação
aferida pelos inquiridos no quadro 8 (4).
Jaraguá, outrora recanto da boemia, transformou-se numa vitrine política, alvo dos
debates eleitorais. Na campanha de re-eleição da prefeita Kátia Born, observa-se a
publicidade em torno das obras concluídas. Estas, sobretudo a recuperação das praças e de
edifícios/logradouros públicos, alcançaram as maiores pontuações dos inquiridos na avaliação
da implementação do plano de desenvolvimento de Jaraguá, conforme quadro 8 (4). Também
o programa de reestruturação da infra-estrutura obteve uma pontuação elevada, ainda que em
menor expressão em função da ressalva realizada quando da apresentação deste mesmo
quadro.
O destaque, contudo, fica por conta do banho da prefeita nas águas fétidas do
Salgadinho, às vésperas das eleições. Cabe ressaltar que o inócuo investimento realizado no
riacho, através do programa HABITAR, correspondeu a um valor superior ao estimado para a
construção da vila dos pescadores (ver anexo A), a qual não se beneficiou com a
214
concretização do projeto de reurbanização da favela prevista em documentos oficiais. O
investimento no Complexo Reginaldo/Salgadinho também se soma ao aparente interesse da
poder público na realização de obras de impacto.
A recuperação do complexo Reginaldo/Salgadinho já havia preenchido, por anos, as
agendas de compromissos e promessas dos políticos alagoanos. Além disso, a poluição do
riacho chegou a atrair a atenção, em diferentes momentos, da sociedade civil organizada. O
efeito político-eleitoral especulado com o efetivo retorno da balneabilidade da Praia de
Jaraguá (na prática não alcançada) parece assumir proporções maiores do que um possível
investimento no desenvolvimento sócio-econômico da favela de Jaraguá, por exemplo. Para
esta, existiam outras alternativas, como transferi-la (ou melhor, escondê-la) para regiões
menos nobres de Maceió, como de fato aconteceu com parte desse contingente, num
fenômeno que expressa evidente limpeza social.
A competição interurbana também se faz presente na estratégia de desenvolvimento
traçada para o bairro. Nos documentos e na mídia, é possível observar correlações entre
Maceió e as demais cidades nordestinas (ver descrição no momento 1), demonstrando que a
capital do Estado de Alagoas necessita valorizar seu bairro histórico como forma de dispor de
espaços diferenciais e de ressaltar sua singularidade. Implícito a este raciocínio, deposita-se
um pressuposto sutil de que Maceió precisa se sobressair na disputa pelo mercado turístico
nordestino.
A competitividade entre cidades fica mais transparente, contudo, nos discursos de
alguns entrevistados, que discorrem sobre a tentativa de promover, na prática, uma
intervenção mais eficiente e eficaz do que as revitalizações que também ocorriam nacional e
internacionalmente. O benchmarking, sobretudo diante do Recife Antigo e Pelourinho, é
observado tanto na fase de planejamento, como de implementação da reestruturação almejada
para Jaraguá. Contraditório nesta política é que, ao mimetizar outras cidades, o mais lógico é
215
que os espaços urbanos tendam a se tornar cada vez mais iguais e não singulares como
pressupõe a retórica das estratégias de revitalização.
No plano de desenvolvimento, atrela-se ainda o sucesso da revitalização à necessidade
de realizar uma forte campanha de marketing para Jaraguá, capaz de enfatizar suas
peculiaridades, de atrair o público e de informar à população sobre a transformação pela qual
o bairro estava passando. Este documento fornece o pano de fundo do que Harvey (1996)
denomina de “criação de uma imagem urbana” e seus inerentes mecanismos de controle
social. É, sobretudo, no levantamento e análise do material veiculado e nos pontos enfatizados
pela campanha de marketing implementada, que essa imagem se torna mais transparente.
As mensagens divulgadas centram-se na consonância entre a revitalização do bairro e
sua contribuição para a preservação da identidade da capital de Alagoas, realçando o orgulho
de ser maceioense, bem como destacando o papel e a responsabilidade do cidadão na
condução dos projetos urbanos. Entre os exemplos desta orientação, encontram-se as
coberturas publicitárias sob os slogans “Revitalização de Jaraguá, restaurando a história de
Alagoas”, ou “Jaraguá: porto cultural e de entretenimento”, o release fornecido pela
SETURMA destacando o orgulho cívico que desperta a recuperação do bairro e também os
informativos veiculados pela UEM, que focam na idéia de que a revitalização devolveria o
clima de prosperidade a Jaraguá e, simultaneamente, exaltaria as raízes e a tradição da cidade
de Maceió e do Estado de Alagoas.
Os shows e eventos em datas comemorativas do ano (como o aniversário da cidade,
festas carnavalescas, juninas e natalinas) reforçam a ideologia da localidade e também se
coadunam com a “criação de uma imagem urbana”. Estes eventos públicos e de gozo comum
a todos os cidadãos maceioenses, aliados a algumas políticas assistencialistas, traduzem quase
que a totalidade dos benefícios proporcionados às populações de baixa renda de Jaraguá com
a intervenção urbana, muito aquém dos que foram previstos em plano. Faz lembrar, inclusive,
216
uma das nuances da gestão urbana empresarialista descrita por Harvey (1996): a reinvenção
da política romana de ‘pão e circo’.
O delineamento da história de revitalização de Jaraguá demonstra que a ênfase no
turismo está fortemente presente tanto na fase de planejamento como de implementação desta
intervenção urbana, inclusive, com a nomeação da Secretaria de Turismo para gestora oficial
do bairro. Todo o processo de revitalização se pauta na construção de um complexo turístico,
cultural e de entretenimento, que se somaria aos atrativos naturais da cidade de Maceió. A
título de exemplo, cita-se os slogans das campanhas publicitárias focadas na promoção da
capital alagoana enquanto cidade de belezas naturais e também culturais, como ‘Venha
descobrir que Maceió é muito mais que praia’ e ‘Bairro de Jaraguá – Estação do Divertimento
e Prazer’. A fraca participação da Fundação de Ação Cultural, dessa forma, indica a
submissão da cultura maceioense ao mundo do turismo.
Essa orientação encontra plena sintonia com a “turistificação” dos espaços urbanos ou
o que Harvey (1996) intitula de remédios favoritos das economias urbanas moribundas. A
rápida ascensão de Jaraguá na fase áurea da revitalização (seguida do fulminante ocaso)
retrata o quanto esses investimentos turísticos despontam como paliativos imediatos, contudo,
altamente especulativos e efêmeros aos problemas urbanos. Uma evidência da fugacidade
desta estratégia é que os principais investidores que permaneceram em Jaraguá são
nomeadamente aqueles caracterizados por prestar serviços que independem da atividade
turístico-cultural, tais como as faculdades e instituições bancárias.
A especulação imobiliária que, ao que tudo indica, resultou na expulsão de parte da
população residente e até de empresários incapazes de permanecer em função do aumento
voraz dos preços de aluguéis na área, revela-se um indicador também representativo. Esse fato
somado à limpeza social ocorrida no bairro ilustra um processo de “gentrificação” com o
deslocamento de famílias menos abastadas para outras regiões da cidade e a preparação do
217
bairro para um novo público: a classe média e alta. Contradiz, inclusive, o próprio conceito de
revitalização, calcado na idéia de re-povoamento da região com o incentivo à habitação e
moradia, o que definitivamente não ocorreu em Jaraguá, tal qual quadro 8 (4). Explica
também as respostas dos inquiridos que aferiram aos proprietários dos imóveis o papel de ator
mais beneficiado com revitalização, conforme figura 5 (4).
As estratégias de revitalização, de modo geral, calcam-se no pressuposto de
revalorização dos centros históricos urbanos abandonados (com pouca vida) e degradados
(com patrimônio histórico deteriorado). Em Jaraguá, o que se observou é que o bairro
apresentava-se bastante povoado e com grande parte do uso do solo destinado à habitação
(conforme relatado no tópico 4.1.1), entretanto, tratava-se de uma população de baixa renda.
A revitalização é que teria suscitado a saída de parte desses habitantes. E, quanto ao descaso
com o patrimônio histórico, se analisado por uma vertente rígida de preservação, também
termina por aumentar com a revitalização. Para esta corrente, a deteriorização do tempo é
aceitável e não as ações intervencionistas (de recuperação, restauração, etc).
Sob esta ótica, muito provavelmente a ocupação dos imóveis por pessoas de baixa
renda ou mesmo pelo baixo meretrício termina por ser menos prejudicial do que as ações
intituladas de revitalizadoras. A AMAPAZ, por exemplo, defende que as prostitutas de
Jaraguá foram responsáveis involuntárias pela preservação do bairro. Com efeito, infere-se
que o uso turístico-cultural, almejado com a revitalização de Jaraguá, embora possa ter
embelezado a cena urbana, tende a contribuir para desvalorizar ainda mais o patrimônio
cultural do bairro e não para conservá-lo.
No mais, a própria estratégia de transformar Jaraguá em um centro, turístico, cultural e
de lazer demonstra-se fugaz, de curta duração. O pressuposto nuclear dessa estratégia é de que
a dinamização do espaço urbano decorre da atração do público, mediante a realização de
eventos e produção de espetáculos de consumo, que, por natureza, são passageiros, não
218
deixam vínculos, nem raízes. Sem atentar para fatores administrativos e de gestão intra-
organizacionais basilares, muitos empreendedores de bares, restaurantes e danceterias
adotaram esta premissa como solução para sua sobrevivência. Em conseqüência, observa-se a
transferência da responsabilidade do insucesso dos estabelecimentos, por parte destes, para o
poder público, o qual deveria promover eventos e marketing, constantemente, visando atrair o
público para Jaraguá.
Por todos os argumentos expostos, constata-se, a partir do confronto entre as variáveis
norteadoras do arcabouço teórico de desenvolvimento local e a realidade do caso em análise,
que a revitalização de Jaraguá apresenta ampla sintonia com uma estratégia de
desenvolvimento local do tipo competitiva. Detectou-se a presença de indicadores do estilo de
gestão urbana empresarialista na fase de planejamento (por vezes em caráter sutil) e,
sobretudo, na implementação desta intervenção.
219
5 Conclusões e considerações finais
“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio
condutor de seu discurso seja secreto, que suas regras sejam obscuras, as suas perspectivas
enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa [...]” (CALVINO, 1990, p.44).
Ao comparar as cidades a sonhos, admite-se que elas não são feitas apenas de concreto, senão
que de um complexo quebra-cabeça, que se esconde por trás do que vemos. É exatamente este
o sentido de espaço urbano adotado no presente trabalho, no qual extrapola-se o conceito
geográfico de Jaraguá, para compreendê-lo como um símbolo da existência humana,
manifestado em suas unidades organizativas.
Este trabalho pretendeu discutir sobre os conflitos, coalizões, interesses e jogos de
poder nas inter-relações organizacionais das revitalizações de centros históricos, debruçando-
se particularmente sob a investigação da intervenção urbana planejada e implementada no
bairro de Jaraguá. O presente capítulo destina-se a responder à pergunta central que norteou a
pesquisa e a apresentar um posicionamento frente à hipótese do estudo. A seção encontra-se
dividida em três etapas, respectivamente: as conclusões empíricas sobre o caso em análise, as
inferências teóricas da investigação somadas a algumas inspirações da autora e, por fim, as
sugestões para pesquisas futuras.
5.1 Revitalização de Jaraguá: um espetáculo do poder
O cerne desta pesquisa se depositou sob o delineamento das inter-relações das
unidades organizativas envolvidas na revitalização de Jaraguá, com fins de averiguar se as
mesmas favorecem o desenvolvimento sustentável local. O pressuposto implícito sustenta que
220
as relações entre os atores, analisadas sob uma perspectiva assimétrica de poder, são
predominantemente conflitivas em função da divergência entre seus objetivos operativos e,
por esta razão, não estão coerentes com o tripé harmonioso de desenvolvimento formado pelo
poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil, tão enfatizado e disseminado pela
literatura.
O mapeamento das organizações envolvidas na reestruturação de Jaraguá norteou-se
pelo que se pode denominar de intuito nuclear desta intervenção urbana: a transformação do
bairro num pólo turístico, cultural e de lazer, pleiteando que este se somasse aos atrativos
turísticos naturais da cidade de Maceió. A investigação constatou que os atores símbolos da
cena turística maceioense (como hotéis, agências de viagens, transportadoras e operadoras
turísticas, bares/restaurantes, as organizações civis e órgãos públicos diversos voltados ao
turismo e a cultura) não formam interorganizações e tampouco conjugam recursos de poder
para estabelecer canais geradores de desenvolvimento. Ao contrário, muitos sequer compõem
a relação de atores representativos nos diferentes momentos que perfilam todo o processo da
revitalização do bairro, abarcando o planejamento, a concretização de obras e o efetivo
funcionamento dos novos usos/atividades fomentados.
O estudo se concentrou nas inter-relações organizacionais dos atores que participaram,
em caráter passivo ou ativo, das questões contempladas no plano de desenvolvimento de
Jaraguá. No setor público, realçou-se o papel da Prefeitura Municipal de Maceió, que atuou na
gestão do bairro através da UEM e da SETURMA. Do empresariado local, destacou-se a
participação de bares, restaurantes, danceterias e certos estabelecimentos de arte/artesanato.
Nas organizações civis, o engajamento decorre, sobretudo, em função da divisão do espaço
físico, quando se observou a intensificação relacional das associações representativas das
comunidades locais de Jaraguá com os dois primeiros segmentos citados. O BID, através do
221
PRODETUR/NE I, também compôs a relação dos atores significativos envolvidos na
revitalização e analisados neste trabalho.
A partir da compreensão de características intra-organizacionais basilares que dão tom
ao estilo de luta coletiva de cada um desses atores, a pesquisa retratou que os conflitos e a
não-cooperação são características predominantes nas suas inter-relações. Ao estudar a base
de contato que tais atores estabeleceram entre si, sob uma perspectiva assimétrica de poder,
aprofundou-se o conhecimento no tocante aos interesses concretos e aos objetivos operativos
dos mesmos, destacando, em particular, a capacidade concernente às unidades organizativas
de influenciar, moldar ou modificar a ação de uma outra.
O caso em análise inferiu, com transparência, que tal capacidade apresentou-se
incomensuravelmente maior pelos atores que detêm o capital econômico, sendo estes os
principais contemplados na arena de decisão que permeou a reestruturação ocorrida em
Jaraguá. A Prefeitura de Maceió aparentou conduzir suas ações de modo a atender às
exigências e anseios do BID e do empresariado local, ratificando a submissão do poder
público ao capital internacional e privado. Esses arranjos de poder determinam o curso da
intervenção no âmbito da revitalização de Jaraguá, culminando com sérias repercussões nas
políticas públicas de desenvolvimento e preservação de centros históricos.
Na revitalização de Jaraguá, observou-se a ‘turistificação’ do patrimônio cultural.
Parte de seus sobrados históricos tiveram a arquitetura convertida em mercadoria e foram
artificialmente coloridos para compor o mundo do simulacro, desprovido de significado para a
população maceioense. Recuperou-se este espaço da cidade para transformá-lo num locus no
qual se realiza a apresentação (e representação) de eventos folclóricos e culturais, de festas
montadas e produzidas para o consumo do turista e do cliente, exprimindo um aparente
cotidiano maceioense. Em meio a um cenário de velhos (leia-se novos) sobrados, a cultura
222
tornou-se um espetáculo com hora e data marcadas para acontecer: o show se inicia quando
chegam os ônibus repletos de turistas e de visitantes.
Implícito à estratégia de criar um pólo turístico-cultural, tem-se o enclausuramento da
cultura numa redoma, num espaço físico preciso e apurado. Com a revitalização, Jaraguá
transformou-se numa espécie de recanto da capital alagoana, onde todas as manifestações
culturais deveriam se concentrar, porque é ali o lugar em que a cultura maceioense acontece.
Ignorou-se que a cultura é tecida no dia-a-dia, faz parte dos costumes de um povo, daquilo
que é realizado no seu cotidiano. Esqueceu-se que a cidade não conta a sua história e nem sua
cultura para quem chega, ela as contêm expressas em cada detalhe de suas construções, no
contorno de seus monumentos, nos hábitos, ritos e mitos de seu povo. Relegou-se que o
espaço urbano tem que ser bom, sobretudo, pra quem nele mora, para aqueles que compõem
seu dia-a-dia e não um local de passagem, fictício, elaborado para o turista e para o cliente.
A exploração do patrimônio histórico pelo turismo não parece promover diferenciação
cultural e nem tampouco destacar a singularidade do espaço urbano maceioense. Ao contrário,
o mais provável é que o mimetismo de Maceió a outras cidades, decorrente da exposição dos
casos de revitalização modelo como espelhos, tenha gerado, em reflexo, a homogeneização
entre Jaraguá e outros centros históricos revitalizados. O apelo visual deste bairro desperta o
interesse da sociedade atraída pelo belo (e não pelo valor histórico), mesmo que isso tenha
significado, em contraponto, a transformação e remodelação de seu patrimônio. A imagem
exuberantemente colorida de parte de seus sobrados em conjunto com manifestações culturais
locais tornam-se um mecanismo de sedução e encantamento de turistas, reforçado através de
campanhas publicitárias.
Ao que tudo indica, essa mercantilização cultural decorre, em parte, porque a
Prefeitura de Maceió defrontou-se com a necessidade de atender aos interesses empresariais
de lucro rápido da nata oligárquica maceioense e por ter aceitado as estratégias disseminadas
223
pelos organismos multilaterais que ditam a agenda de desenvolvimento do município, em
geral, calcada na atividade turística. Contudo, o poder público também aparentou optar pela
revitalização de Jaraguá pleiteando a transformação do bairro numa espécie de vitrine
político-eleitoral, subvertendo, indubitavelmente, seu papel enquanto representante maior da
sociedade, capaz de minimizar as diferenças sociais.
No conjunto, esses fatos demonstram que os jogos de poder entre os atores
dominantes, mais do que afetar a relação entre a revitalização de Jaraguá e o desenvolvimento
local, determinaram, inclusive, a formulação dessa estratégia enquanto política de
desenvolvimento. A estratégia de criação de um complexo turístico, cultural e de lazer
mediante a reestruturação do bairro se revelou um mecanismo que contribui para fortalecer a
manutenção do poder de tais atores, ainda que suas alianças demonstrem-se
predominantemente não-cooperativas e conflituosas, no modo latente ou manifesto. No caso
da relação empresariado local/Prefeitura de Maceió este conflito tornou-se de tal maneira
exteriorizado que tanto as perspectivas simétricas como assimétricas de poder conseguiram
visualizá-lo.
Na corrida pela ‘mina de ouro’, a camada mais afortunada da sociedade maceioense,
em geral, com baixa ou mesmo nenhuma experiência em administração de empresas,
tampouco em gestão de bares, restaurantes e similares, revelou-se incapaz de gerenciar seus
próprios negócios. Parte dos históricos sobrados de Jaraguá foram transformados em
empreendimentos sofisticados, mas com precária qualidade e elevados preços na oferta
produtos/serviços, criando uma imagem negativa para o bairro. Em conseqüência, esses
empresários minimizaram sua tarefa como empreendedor, transferindo a responsabilidade do
pleno funcionamento de seus negócios para as esferas concernentes ao poder público. Este
precisou reiteradas vezes acatar as exigências daquele, ainda que reconhecesse a postura de
dependência (e, diga-se de passagem, oportuna) do empresariado, ou, do contrário, precisaria
224
assistir ao insucesso da revitalização com o fulminante fechamento de diversos
estabelecimentos.
Os dois fatos se concretizam, apesar de a Prefeitura de Maceió ter desprendido
esforços para dinamizar o bairro, mediante promoção de festas e shows diversos com fins de
atrair o público, conforme solicitado pelos empresários. Isso não acontece por acaso, mas,
sobretudo, porque a própria natureza das estratégias de revitalização calcadas na construção
de um pólo turístico, cultural e de entretenimento, como foi a de Jaraguá, tende a ser efêmera.
Tais estratégias se sustentam primordialmente num segmento específico do turismo e de
atração da classe média e alta das cidades: o de eventos. Com efeito, ou se alimenta
continuamente a dinamização do espaço com mais e mais festas e marketing ou a bancarrota é
inevitável. No caso em análise, os conflitos entre a iniciativa privada e o poder público, bem
como a ausência de promoção do bairro mediante ação conjunta e parceira terminam por
acelerar a fugacidade da própria estratégia.
Num curtíssimo espaço de tempo, o ciclo vital da revitalização de Jaraguá alcançou o
ápice (tempos de glória) e, com igual velocidade culminou no ocaso. Neste intervalo, Jaraguá,
centro histórico-arquitetônico significativo da capital alagoana, sequer chegou a se consolidar
no circuito turístico de Maceió, o qual permanece focado em suas belas praias, atestando a
ineficácia da estratégia municipal de construção de um complexo turístico-cultural. Enquanto
empreendimentos correlacionados à construção deste complexo fecham, registra-se a presença
de faculdades, instituições bancárias e outros estabelecimentos, outrora não existentes em
Jaraguá. Tal fato ocorre, aparentemente, porque suas atividades empresariais, independem de
ações paternalistas do poder público e/ou da dinamização turístico-cultural do espaço com
shows, eventos e similares.
O discurso oficial pautava-se na expectativa de que a iniciativa privada viesse a
promover um retorno substantivo, mediante cooperação mútua entre os membros da
225
Associação de Bares e Restaurantes, bem como entre tal associação e o poder público.
Desconsiderou-se, visivelmente, que a competitividade e a expectativa de fazer lucro são
inerentes à lógica que permeia o mundo dos negócios e, portanto, indissociável ao próprio
meio empresarial. Invocar uma espécie de redenção voluntária destes e sua efetiva
consolidação como empresas cidadãs tende a ser uma postura essencialmente inócua. Na
prática, a cooperação entre os proprietários de bares, restaurantes e danceterias não ocorreu
nem intra-organizacionalmente, nem tampouco nas inter-relações com o poder público. E
mesmo tendo um estilo individualista de luta, os empresários conseguiram ter maior poder de
barganha frente à Prefeitura de Maceió do que as comunidades locais.
Paralelamente às concessões do município aos interesses empresariais, o programa de
desenvolvimento sócio-econômico para comunidades carentes de Jaraguá, o qual também se
concretizaria com a revitalização, foi simplesmente relegado ao esquecimento. Em verdade, o
poder público sempre teve conhecimento do inevitável conflito que se estabeleceria entre os
núcleos de baixa renda e o novo empresariado que ingressaria no bairro, atraídos pela
revitalização. A intervenção urbana de Jaraguá nunca se focou na promoção de melhorias
substanciais às comunidades locais carentes. O próprio sistema de financiamentos e
incentivos fiscais para a recuperação de sobrados históricos se destina à elite da sociedade
maceioense, às classes com maior poder aquisitivo, posto que desconsidera o impacto social
advindo implicitamente: o afastamento dos habitantes que outrora residiam em Jaraguá,
financeiramente incapazes de adentrar a esse sistema.
A natureza da própria estratégia de transformar Jaraguá num recanto para turistas de
alta renda e para famílias mais abastadas da sociedade maceioense, por si, revela-se
incompatível com a persistência de uma favela e de classes menos afortunadas que ocupavam
o espaço antes da reestruturação urbana. Como corolário, ao invés de minimizar, a
revitalização reforça e revalida os descompassos, as distinções e as desigualdades sociais.
226
Diante do rolo compressor da ‘limpeza social’ e da ‘gentrificação’ da qual Jaraguá foi palco,
as descaracterizações no patrimônio histórico e cultural do bairro tornam-se questões
menores. Ainda que não mais retrate com fidelidade a história alagoana, o âmbito do concreto
foi recuperado. Aprimorou-se a infra-estrutura urbana e imprimiu-se uma imagem bela
(apesar de artificial) à cidade.
Revitalizaram sobrados e monumentos, mas, definitivamente, não revitalizaram as
pessoas. A intervenção urbana no bairro coaduna-se com a ampliação das vantagens
comparativas da cidade de Maceió, expressando claramente um estilo de gestão
empresarialista, especulativo e de competição interurbana em prol do mercado turístico
nordestino. Neste contexto, é comum a tentativa de criar uma imagem urbana, fazendo uso de
expressões bucólicas que invocam o engajamento dos núcleos receptores, a solidariedade
social e o orgulho cívico, gestão integrada, parcerias e alianças, combate à exclusão social,
auto-sustentabilidade, etc.
As estratégias de revitalização de centros históricos, particularmente a de Jaraguá, têm
se revestido desse léxico, que, definitivamente, não se consolida. O presente trabalho, ao
estudar as relações entre os atores através de uma abordagem assimétrica de poder, sugere a
existência de motivos mais profundos do que a má implementação de um plano de
desenvolvimento, do que uma mera lacuna entre discurso e prática: as expressões bucólicas e
harmônicas são, antes, mecanismos vorazes de controle social, máscaras de que faz uso a
dominação. A razão subjacente para que a retórica permaneça no papel deposita-se também
na perversa dubiedade, sutileza e/ou hibridez dos próprios objetivos oficiais intrínsecos a esse
tipo de estratégia, que subvertem uns aos outros. Desmistifica-se, assim, um suposto
planejamento em prol do social e do humano com a política turístico-cultural de revitalização
dos centros históricos.
227
Pelo exposto, no caso Jaraguá, as expressões organizativas que compõem o tripé setor
público, iniciativa privada e organizações civis, longe de formar interorganizações, inserem-se
numa arena de disputas na qual a palavra de ordem se traduz em seus interesses concretos.
Nesta arena, conflitos (latentes e manifestos) perpassam e se enraízam nas relações entre os
atores que, sós ou em coalizões, tentam com suas fontes e bases de poder, subjugar,
influenciar e dominar uns aos outros. A revitalização de Jaraguá é um exemplo vivo das
múltiplas facetas de poder. Infere-se, portanto, que os resultados apontados pela presente
pesquisa corroboram, com propriedade, a hipótese do estudo: definitivamente as inter-
relações organizacionais em torno da revitalização de Jaraguá, desde a fase de planejamento
até a configuração atual, não favorecem o desenvolvimento sustentável local.
5.2 Poder, interorganizações e desenvolvimento local
Os resultados desta investigação atentam para as diferentes nuances que perpassam
as perspectivas harmônicas e conflituosas de poder. As lentes sob as quais as abordagens
pluralistas/funcionais visualizam o poder demonstraram-se mais adequadas para a análise dos
conflitos visíveis, em que há reação de uma ou mais partes envolvidas numa dada relação. As
abordagens críticas/radicais de poder conseguem ampliar as lentes de alcance das primeiras
abordagens, analisando não só os conflitos manifestos como os latentes, independente da
existência ou não de reação das partes. O estudo constatou, inicialmente, que os conflitos
manifestos tendem a florescer com maior freqüência nas relações ad doc do que nas relações
padronizadas, entretanto, detectou-se a persistência de conflitos latentes nas relações de alto,
médio e, inclusive, de baixo nível de formalização.
Com a aplicação dessas duas vertentes de poder no caso em estudo, observou-se que
as perspectivas mais harmônicas tendem a fornecer um retrato simplificado e reificado da
realidade, enquanto o oposto ocorre nas perspectivas conflituosas, que captam o mundo real
228
de forma dinâmica, com foco em suas múltiplas complexidades. Por outro lado, foi também
visualizado que as abordagens simétricas revelaram-se extremamente úteis para fins
pragmáticos, enquanto as assimétricas tendem a apresentar difícil operacionalização. É por
esta razão que as teorias interorganizacionais, inclusive aquelas que incluem o conflito em
suas análises, são trabalhadas sob as abordagens de poder mais simétricas. Isso se explica
porque tanto a perspectiva harmônica de poder como as interorganizações se sustentam no
ideal aristotélico de criação de uma ordem negociada que cria unidade a partir da diversidade.
As perspectivas conflituosas de poder desconstroem tal ideal e apresentam aspectos
incompatíveis, do ponto de vista da axiologia, com as abordagens interorganizacionais. Estas
depositam ênfase no equilíbrio das relações entre os atores e na estrutura, não conseguindo
absorver a profundidade analítica daquelas. O caso em estudo corrobora essa inferência,
demonstrando que as perspectivas de poder que estudam não apenas os conflitos manifestos,
mas também os latentes, tendem freqüentemente a captar, nas relações em análise, a presença
de alguma forma de conflito (reacional ou não).
Isso ocorre porque as relações sociais são elas mesmas relações dinâmicas de poder,
em que os atores tendem a se sobrepor, influenciar e dominar uns aos outros. As próprias
figuras 6 (4), 7 (4) e 8 (4) sobre as inter-relações organizacionais apresentadas neste trabalho
são compreendidas como inócuas para esta perspectiva, uma vez que fragmentam um
momento específico da realidade (estático), como se a congelasse no tempo e no espaço e,
especialmente, por se pautar em um pressuposto de irmandade entre os diversos atores,
depositando ênfase na possibilidade de que estes caminhem unidos, de mãos dadas, de modo a
evitar, aliviar, superar ou mesmo resolver os conflitos existentes.
Ao analisar o caso Jaraguá sobre uma perspectiva assimétrica de poder, o estudo
sugere a existência de explicações mais profundas pelas quais, na prática, observa-se a
fragilidade nos discursos e pressupostos das teorias de desenvolvimento local (do tipo
229
competitivo e social) que enfatizam um potencial engajamento entre os atores. É importante
ressaltar, entretanto, que a proposta deste trabalho não se concentrou em detectar a
desarticulação e apoiar, como corolário, a necessidade da atuação conjunta entre os atores que
compõe esses três segmentos tal qual se observa em um vasto número de estudos urbanos e de
desenvolvimento, calcados numa perspectiva simétrica de poder.
Pelo contrário, julga-se que, apenas somando esforços para a desconstrução desse
paradigma, será possível galgar estratégias de desenvolvimento mais realistas que não se
pautem numa erradicação da assimetria relacional dos atores, posto que utópica. A presente
pesquisa não se dispôs a apontar casos de sucesso de revitalização ou receitas prescritivas,
capazes de suavizar o peso da sociedade atomizada em que vivemos. Ateve-se, tão somente, a
chamar a atenção quanto à fragilidade da retórica interorganizacional, dos atores
potencialmente irmanados, da suposta união contra um mundo hostil, tão presentes nas
estratégias de revitalização de centros históricos e em tantas outras políticas de
desenvolvimento.
A desarticulação entre poder público, empresariado e sociedade civil tem sido
corroborada por um amplo leque de pesquisas, que, apesar disto, permanecem invocando a
necessidade de ajuda mútua entre os atores. Motivou o trabalho uma investigação norteada
pelo questionamento da própria aplicabilidade do conceito de interorganizações, que prevê a
conjugação de fontes e bases de poder entre os atores como mecanismo de estabelecer canais
geradores de desenvolvimento. Com uma abordagem do conflito, procurou-se dar um
mergulho mais profundo na temática, demonstrando que tal desarticulação deve-se, sobretudo,
às estruturas de dominação da sociedade que reforça o poder nas mãos de um pequeno grupo
mediante controle de recursos econômicos, do sistema legal, da educação, etc. Isso tende a ser
ainda mais presente num país de traços paternalistas tão arraigados.
230
O tênue engajamento das organizações civis em geral e sua participação
predominantemente apática e/ou errática é reflexo dessa dominação. A racionalidade
instrumental do mundo do mercado e os impactos desta nas tão sonhadas esferas da
sustentabilidade freqüentemente advindos das coalizões empresariado/poder público também.
O mesmo ocorre com o desenvolvimento subalterno ao qual os países periféricos vêm se
submetendo em função dos financiamentos para políticas turístico-culturais de
desenvolvimento milagrosas disseminadas pelos organismos multilaterais.
A atividade turística tem sido apontada por estes últimos como uma espécie de
emplastro, de solução mágica para economias urbanas depressivas. A estratégia turístico-
cultural de revitalização de centros históricos apresenta plena sintonia com esta retórica. Os
números fabulosos de renda e emprego indicados por estas reativações em antigos núcleos
urbanos, contudo, têm também se revelado fugazes. Alardeando os benefícios milagrosos da
intitulada “indústria do turismo”, incita-se conjuntamente o aumento da dependência
tecnológica, industrial e científica dos países periféricos em relação aos países centrais. É,
sobretudo, em função dos investimentos nessas áreas, que ocorreu o desenvolvimento das
economias do “primeiro mundo”, tal qual retrata a sua própria história.
Há muito o Brasil não possui uma política de desenvolvimento planejada e tem
optado pelo turismo como solução rápida e de baixo custo. Essa é uma solução que,
definitivamente, vem saindo cara, às custas do consumo da cultura e de seu simbolismo. Tal
retórica tem encontrado respaldo e aceitação pelos governantes nacionais e por um pequeno
grupo detentor do capital econômico quer por fazerem uso da máquina pública para a
implementação de estratégicas empresarialistas político-eleitorais, quer por almejar o lucro
rápido, quer pela própria dominação a que sucumbem.
O fator mais relevante detectado pela abordagem assimétrica de poder é o
reconhecimento de que este cenário muito dificilmente se alterará, porque as relações de
231
poder primam pela manutenção do status quo destes atores e não por mudanças sociais de
caráter mais profundo. Os mecanismos de controle são cada vez mais perversos e intensos,
apresentam-se camuflados por um discurso propositadamente ingênuo e bucólico que só
fortalece a concentração de poder.
Esta pesquisa convida o leitor, portanto, a refletir sobre uma questão atual no âmbito
das políticas públicas de desenvolvimento: será que o efetivo caminho de desencadeamento
com pleno sabor das esferas da sustentabilidade são soluções aparentemente tópicas e
efêmeras como as estratégias turístico-culturais de revitalização de centros históricos? Os
resultados apurados na presente investigação, indubitavelmente, não conferem respaldo ou
qualquer consonância com uma resposta otimista: escrever sobre coalizões, conflitos e jogos
de poder suscita denúncias e muito pouca esperança...
5.3 Sugestões para pesquisas futuras
O presente trabalho não teve a pretensão de esgotar a discussão em torno da
problemática investigada. As políticas contemporâneas de desenvolvimento e,
particularmente, o fenômeno de criação dos novos espaços urbanos, como os intitulados
centros históricos revitalizados, merecem a atenção dos muitos estudiosos interessados em
gestão de cidades. Com a expectativa de abrir caminhos capazes de enriquecer o debate, bem
como de aprofundar questões não investigadas em função dos imperativos limitantes deste
trabalho, sugere-se as seguintes pesquisas futuras:
1. Delinear o campo organizacional do turismo na cidade de Maceió, procurando
investigar, com maior profundidade, as razões da fraca inserção de Jaraguá no mesmo.
232
2. Réplica do estudo em outros centros históricos revitalizados (experiências nacionais e
internacionais) com fins de realizar uma análise comparativa frente aos resultados
apurados em Jaraguá e de averiguar os efeitos do isomorfismo mimético que
aparentemente caracterizam a competição interurbana pelo mercado turístico.
3. Identificar outras ações de políticas públicas de desenvolvimento local do tipo social e
do tipo competitivo, procurando vislumbrar, sob uma perspectiva assimétrica de
poder, diferenças substanciais decorrentes do confronto de seus resultados.
Há um longo caminho a percorrer no aprofundamento da pergunta central de
investigação elaborada. As conclusões e reflexões aqui apresentadas traduzem algumas
inspirações da autora, com as quais o leitor poderá ou não se identificar, mas que espera-se
não o deixe indiferente ao problema tratado.
233
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ANEXO D - indicadores de criminalidade no Brasil
LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE
Taxa por 100.000 habitantes Capitais/Anos 1999 2000 2001
Porto Velho 1 3,9 4,7 Rio Branco ... 0,4 0 Manaus 0,6 0,7 1,2 Boa Vista ... 5 0 Belém 1,9 1,6 1,5 Macapá ... ... 0,7 Palmas ... ... 2 Total Norte 3,5 11,6 10,1 São Luís ... 1,7 2,6 Teresina ... ... 0,8 Fortaleza 1,3 2,3 0,7 Natal 1,6 0,7 0,3 João Pessoa 0,9 0,8 0 Recife 0,6 0,1 1,7 Maceió 0,3 ... 0,1 Aracajú 5,2 ... 0,4 Salvador 0,6 0,8 0,9 Total Nordeste 10,5 6,4 7,5 Belo Horizonte 1,2 0,3 0 Vitória ... 6,5 0,3 Rio de Janeiro 1,1 1,2 1,7 São Paulo 3 1,9 2 Total Sudeste 5,3 9,9 4 Curitiba 0,3 0,8 0,9 Florianópolis 0,7 0,6 0 Porto Alegre 4,6 5,7 4,6 Total Sul 5,6 7,1 5,5 Campo Grande 2 1,2 0,9 Cuiabá ... ... ... Goiânia 1,3 2,2 1,1 Distrito Federal 2,7 4 3,7 Total Centro-oeste 6 7,4 5,7
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública IBGE- (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000)
ASSALTOS
Taxa por 100.000 habitantes Capitais/Anos 1999 2000 2001
Porto Velho 775,1 1128,9 1440,7 Rio Branco 294,8 258,8 262 Manaus 264,9 330,2 232 Boa Vista 346,9 118,2 110,8 Belém 692,3 837,6 857,7 Macapá 509,3 549,6 172 Palmas ... ... 170,3 Total Norte 2883,3 3223,3 3245,5 São Luís ... 645,2 664,6 Teresina ... ... 526,1 Fortaleza 62,2 54,3 50,7 Natal 627,8 881,9 605,4 João Pessoa 415 190,2 412,2 Recife 635,6 719 522,6 Maceió 19,1 41,4 36,7 Aracajú 450,7 ... 660,5 Salvador 765,8 691,4 799,6 Total Nordeste 2976,2 3223,4 4281,4 Belo Horizonte 143,3 177,8 115,2 Vitória 360,3 558,3 324,3 Rio de Janeiro 529,8 595,7 763,7 São Paulo 1104,5 1042,9 1067,1 Total Sudeste 2137,9 2374,7 2270,3 Curitiba 352,9 599,1 694,8 Florianópolis 228,8 226,1 272,4 Porto Alegre 1143 1334,9 1421,8 Total Sul 1724,7 2160,1 2389 Campo Grande 125,6 115,6 158,3 Cuiabá ... ... ... Goiânia 689,8 697,9 881,3 Distrito Federal 786,3 896,3 980,8 Total Centro-oeste 1601,7 1709,8 2020,4
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública IBGE- (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000)
ROUBOS
Taxa por 100.000 habitantes Capitais/Anos 1999 2000 2001
Porto Velho 1862,1 2050,4 2263,2 Rio Branco 1100 1630,8 1853,7 Manaus 585,3 806,3 946,6 Boa Vista 1744,2 1410 1639,7 Belém 1096,9 1191,5 1102 Macapá 2229,8 1941 1626,2 Palmas ... ... 1210,9 Total Norte 8618,3 9030,4 10642,3 São Luís ... 2047,1 2132 Teresina ... 1428,8 1441 Fortaleza 48,4 59 60,4 Natal 1674,3 1972,3 1563,8 João Pessoa 806 576,5 881,4 Recife 726,1 743,6 515 Maceió 64,6 162,1 111,1 Aracajú 1315 ... 2075,6 Salvador 1104,6 1251,8 1418,8 Total Nordeste 5739 8241,2 10199,1 Belo Horizonte 720,5 819 660,3 Vitória 1004,7 1657,9 1135,4 Rio de Janeiro 579,7 650,8 714,5 São Paulo 1121,8 1030,8 1098,9 Total Sudeste 3426,7 4158,5 3609,1 Curitiba 1037,3 1337,4 1492,6 Florianópolis 5074,7 4366,7 3926,5 Porto Alegre 2955,6 3149,5 3159 Total Sul 9067,6 8853,6 8578,1 Campo Grande 1143,6 528,5 666,9 Cuiabá ... ... ... Goiânia 1732,1 1869 2348 Distrito Federal 1665,5 1933,8 2251,6 Total Centro-oeste 4541,3 4331,2 5266,5
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública IBGE- (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000)
ROUBOS DE VEÍCULOS
Taxa por 100.000 habitantes Capitais/Anos 1999 2000 2001
Porto Velho 109,8 81,3 86,2 Rio Branco 9,2 32 24,9 Manaus 45,7 31,9 28,9 Boa Vista 143,6 41,4 119,9 Belém 30,7 20,3 32,5 Macapá ... ... 4,7 Palmas ... ... 59,6 Total Norte 339 206,9 356,7 São Luís ... 38,4 24,1 Teresina ... 44,3 50,4 Fortaleza 15,2 34,3 71,5 Natal 108,3 97,1 93,3 João Pessoa 21,4 15,7 43,5 Recife 103,5 157,1 31,7 Maceió 24,5 6,3 19,9 Aracajú 42 ... 29,9 Salvador 75,3 63,3 81,5 Total Nordeste 390,2 456,5 445,8 Belo Horizonte 94,1 424,3 50,5 Vitória ... ... 185,8 Rio de Janeiro 250,7 196,4 198,4 São Paulo 601,5 581,2 536,2 Total Sudeste 946,3 1201,9 970,9 Curitiba 534,8 386,8 514,4 Florianópolis 219,6 136,1 174,2 Porto Alegre 404,5 443,8 494,9 Total Sul 1158,9 966,7 1183,5 Campo Grande 126,4 158,5 136,5 Cuiabá ... ... ... Goiânia 183,1 133,5 146,5 Distrito Federal 281,3 305,4 328,8 Total Centro-oeste 590,8 597,4 611,8
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública IBGE- (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000)
NOTA: todas as informações apresentadas neste anexo, referentes a indicadores de criminalidade nas capitais brasileiras, foram retiradas (com adaptação) da pesquisa intitulada “Perfil de País - Brasil” (BRASIL, 2003), cuja elaboração competiu ao Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). Realizou-se um recorte das tabelas sobre questões de segurança do referido documento, posto que estas tratam de demonstrativos pertinentes às constatações aferidas neste trabalho.
ANEXO E - indicadores turísticos da cidade de Maceió
Tabela 01 – Perfil do turista de Maceió em função do sexo Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
SEXO 2002 2003 2004 Masculino Feminino
52,02% 47,98%
52,52% 47,48%
54,14% 45,86%
TOTAL 100% 100% 100%
MOTIVO DA VIAGEM 2002 2003 2004 Passeio Negócio/Trabalho Visita a Parente/Amigo Congresso/Convenção Saúde Religião
49,73% 20,02% 21,53% 3,17% 2,34% 0,34%
56,67% 17,03% 21,66% 0,64% 1,84% 0,24%
48,05% 30,54% 15,94% 1,58% 1,58% 0,12%
FAIXA ETÁRIA 2002 2003 2004 De 14 a 17 anos De 18 a 25 anos De 26 a 35 anos De 36 a 50 anos De 51 a 65 anos Acima de 65 anos
4,04% 16,71% 26,2% 32,93% 12,52% 7,6%
3,84% 15,51% 30,22% 31,89% 13,27% 5,27%
2,31% 13,75% 28,22% 40,03% 13,26% 2,43%
TOTAL 100% 100% 100%
PERMANÊNCIA MÉDIA0 (dias/pessoas)
2002 2003 2004
Nacionais Estrangeiros Geral
8,8 9,56 8,84
7,79 7,07 7,76
10,86 8,31 10,61
TOTAL 100% 100%
FATOR DECISÓRIO DA VISITA 2002 2003 2004 Manifestações populares Atrativos Naturais Ecoturismo Turismo Rural Patrimônio Histórico/Cultural Custo Total da Viagem Compras Outros
1,37% 90,79% 1,66% 0,1%
0,98% 0,98% 0,59% 3,53%
0,71% 92,81%
- 0,14% 0,99% 2,11% 0,85% 2,39%
0,25% 92,91% 0,76% 0,51% 0,25% 1,01%
- 4,31%
TOTAL 100% 100%
MEIO DE TRANSPORTE UTILIZADO
2002 2003 2004
Avião Ônibus/Carro Outros
62,06% 37,65% 0,29%
53,08% 46,52% 0,4%
51,83% 46,59% 1,58%
TOTAL 100% 100% 100%
MEIO DE TRANSPORTE UTILIZADO 2002 2003 2004 Hotel Casa de parente/amigo Pousada Apart-hotel Casa/Aptº aluguel Casa própria Pensão/hospedaria Camping Albergue Outros
36,61% 32,34% 17,54% 6,57% 4,68% 1,95% 1,17% 0,58% 0,34% 1,22%
34,29% 31,97% 18,07% 6,63% 4,56%
2% 0,72% 0,08% 0,64% 1,04%
39,17% 37,96% 15,57% 0,85% 3,04% 1,7% 0,24%
- 0,37% 1,1%
TOTAL 100% 100%
FLUXO GLOBAL
2001 2002 2003 2004
Maceió Alagoas
833.731 1.250.596
889.622 1.334.433
1.012.6181.518.927
951.922 1.427.883
FLUXO HOTELEIRO 2001 2002 2003 2004
342.830 384.139 357.758 372.868
RANK CIDADES MAIS VISITADAS (2003)
1º Rio de Janeiro 2º São Paulo 3º Salvador 4º Fortaleza 5º Recife 6º Foz do Iguaçu 7º Búzios 8º Porto Alegre 9º Florianópolis 10º Belo Horizonte 11º Natal 12º Curitiba 13º Balneário de Camboriu 14º Manaus 15º Belém 16º Brasília 17º Porto Seguro 18º Maceió 19º Paraty 20º Morro de São Paulo 21º Ipojuca 22º Ouro Preto 23º Vitória 24º João Pessoa 25º Angra dos Reis
Tabela 02 – Perfil do turista de Maceió em função do motivo da viagem Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 03 – Perfil do turista de Maceió em função da faixa etáriaFonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 04 – Permanência média dos turistas em Maceió Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 05 – Perfil do turista de Maceió em função do fator decisório da visitaFonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 07 - Perfil do turista de Maceió em função do meio de hospedagem utilizadoFonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 09 – Fluxo hoteleiro de Maceió Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 10 - Estudo da demanda turística internacional Fonte: EMBRATUR
Tabela 06 – Perfil do turista de Maceió em função do meio de transporte Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
Tabela 08 – Fluxo global de turistas Fonte: Secretaria Executiva de Turismo do Estado de Alagoas
NOTA: as tabelas apresentadas neste anexo (exceto a tabela de nº 10), referentes a indicadores turísticos de Maceió, foram retiradas (com adaptação) do ‘Relatório de Finalização de Projeto do PRODETUR/NE I’ (MACEIÓ, ca. 2005), elaborado pelo município de Maceió. Deste documento, realizou-se um recorte das informações que permitiam traçar o perfil do turista da capital alagoana.
ANEXO F - controle dos usos/atividades em Jaraguá
Decreto municipal nº 5.569, de 22 de novembro de 1996 - Prefeitura de Maceió (relação dos usos/atividades de instalação permitida e/ou que receberam incentivos fiscais na ZEP-1)
R - Uso Residencial
Até o limite de 2 (dois) pavimentos, incluindo o térreo, sem limite de área. Pode ser: R1 - Quando existe apenas 1 (uma) unidade domiciliar no lote R2 - Quando existem 2 (duas) unidades domiciliares no lote R3 - Quando existem 3 (três) ou mais unidades domiciliares no lote R6 - Conjunto habitacional ou programa de interesse social para as populações baixa renda
CPP - Uso Comercial de Pequeno Porte
Atividades de comércio que atendam às necessidades de consumo vicinal e/ou cotidiano até o limite de 200m² (duzentos metros quadrados) de área construída :
• Padaria • Pastelaria • Sorveteria (*) • Mercearia • Açougue • Armarinho • Quitanda • Farmácia • Mercadinho
CMP - Uso Comercial de Médio Porte
Atividades de comércio que atendam às necessidades de consumo geral e especializado, até o limite de 350 m² (trezentos e cinqüenta metros quadrados) de área construída. Incluem-se neste caso, todas as atividades acima citadas que ultrapassem o limite de área do CPP, e mais:
• Loja de tecidos • Loja de confecção pronta • Loja de artesanato (*) • Loja de artigos de uso doméstico • Loja de artigos de escritório • Loja de artigos religiosos • Loja de brinquedos • Loja de discos e vídeo • Loja de artigos náuticos (*) • Loja de informática e equipamentos • Loja de plantas medicinais • Loja de produtos alimentícios • Floricultura (*) • Jóias e relógios (*) • Vidraçaria • Fotóticas • Antiquários (*) • Galerias de arte (*) • Papelaria • Drogaria • Livraria • Tabacaria
• Numismática (*) • Filatelia (*) • Mini-shopping (*)
CGP - Comércio de Grande Porte
Atividades de comércio que atendam às necessidades de consumo geral e especializado e que se constituam em um aglomerado de atividades de CMP, exclusivamente:
• Shopping center • Loja de departamentos (*)
CE - Comércio Especial
Engloba Atividades Especiais de grande porte relacionados ao comércio atacadista: • Depósito de lojas • Entreposto de mercadoria • Armazém de estocagem • Frigorífico • Armazém de frios
SPP - Serviço de Pequeno Porte.
Engloba atividades de prestação de serviço que atendam às necessidades da vizinhança imediata, até o limite de 200m² (duzentos metros quadrados) de área construída:
• Confecção sob medida • Conserto de sapatos • Salão de beleza (*) • Tinturaria • Lavanderia • Salão de cabelereiro (*) • Copiadora • Casa funerária (**) • Casa lotérica • Encadernação • Revelação fotográfica (*) • Posto dos correios • Consultório médico e odontológico • Consultório Veterinário (**) • Laboratório de análises (**) • Escritório de profissionais liberais • Reparação de móveis, conserto, restauração e conservação de objetos • Agência de empregos • Agência de turismo (*) • Pousada (*) • Lanchonete (*)
SMP - Serviço de Médio Porte
Engloba atividades de prestação de serviço que atendam às necessidades gerais e especializadas, até o limite de 500m² (quinhentos metros quadrados) de área construída. Incluem-se nesse caso todas as atividades acima citadas que ultrapassem a área limite do SPP e mais:
• Cinema (*) • Teatro (*) • Jogos de salão (*)
• Jogos eletrônicos (*) • Clube noturno (*) • Boates (*) • Cafés (*) • Danceterias (*) • Auditório de rádio e/ou televisão (*) • Estúdio fotográfico (*) • Restaurantes (*) • Bares (*) • Hotel (*) • Hotel residência (*) • Hospedaria (*) • Albergues (*) • Firma de consultoria e projetos • Escritório de despachantes e corretores • Agências bancárias e financeiras • Agência de correios e telégrafos (*) • Centrais telefônicas (*) • Gráficas • Termas, saunas e centro de cultura física (*) • Guarda e estacionamento de veículos (*) • Estabelecimentos de ensino especializado - dança, música, teatro, pintura, escultura e afins (*) • Creche particular • Pré-Escola (particular) (**) • Escolas de 1º e 2º graus particular (**) • Cursinhos • Leiloeiros (*)
SGP- Serviço de Grande Porte.
Engloba atividades de prestação de serviço específicos para o incremento do turismo que tenham área superior a 500m² (quinhentos metros quadrados):
• Espaço de exposições (*) • Ginásio de esporte (*) • Parque aquático (*) • Marina (*) • Aglomerados de atividades de SMP em uma única edificação (*)
IU- Uso Institucional Urbano
Engloba estabelecimentos, Instalações e espaços de atendimento urbano de qualquer porte: • Instituições beneficentes • Agremiações culturais • Bibliotecas • Museus • Centro cultural • Centros comunitários • Creches públicas • Cooperativas • Clubes recreativos • Estabelecimentos de ensino público pré-escolar, 1º grau e 2º grau (**) • Estabelecimento de ensino público especializado (datilografia, dança e similares)
• Escolas técnicas • Posto de saúde • Posto policial • Repartições públicas • Templos religiosos • Sindicatos
IPP- Uso Industrial de Pequeno Porte.
Engloba atividades Industriais não poluentes : • Metalurgia de metais preciosos • Fabricação de artigos de joalheria e ouriversaria • Fabricação de artigos de bijouteria • Lapidação de pedras preciosas • Fabricação de sorvetes, bolos e tortas • Fabricação de gelo usando freon como refrigerante • Fabricação de artigos de couro • Fabricação de móveis de madeira, junco ou vime (**) • Fabricação de artefatos de bambu, vime, junco ou palha trançada (**) • Fabricação de artigos de papel, papelão e cartolina, impressos ou não, não associados a
produção de papel • Fabricação de artigos de passamanarias, fitas, filós, rendas e bordados • Fabricação de artigos de madeira, exceto mobiliário.
LEGENDA:
(*) Estão marcadas com um asterisco as atividades que deverão ter sua instalação permitida nos SPR-1 e SPR-2 e estimulada através dos incentivos fiscais de que trata o inciso V do artigo 32 da Lei municipal nº 4.545, de 14 de novembro de 1.996, que concede isenção da taxa relativa à licença de instalação e funcionamento e o inciso VI do artigo 32 da mesma Lei, que concede isenção de 20% (vinte por cento) do Imposto sobre Serviços (ISS) pelo prazo de um ano.
(**) Estão marcadas com dois asteriscos as atividades que terão sua instalação permitida apenas para o
SPA-1 e SPA-2.
OBSERVAÇÕES:
1- As atividades permitidas para o SPA-3 serão apenas as referidas no quadro de usos urbanísticos.
2- Outras atividades de natureza e portes similares aos especificados serão analisadas de forma especial pela Comissão Técnica do orgão competente da Prefeitura Municipal de Maceió.
QUADRO DE USOS E ÍNDICES URBANÍSTICOS - ZEP - 1 – JARAGUÁ
Nº de Afastamentos
Usos permitidos Taxa de ocupação
pavi-mentos
Gabarito máximo
Frontal Lateral (mínimo) *9
Fundos (mínimo) *9
SPR-1
residencial R1 (*1) ; R2 (*1)
comercial CPP, CMP,CGP
prestação de serviços
SPP, SMP, SGP
institucional IU
industrial IPP (*2)
misto R1/CPP (*1); R1/SPP (*1); R1/CMP (*1); R1/IPP (*1); IPP/CPP (*1)
SPR-2
residencial R1
comercial CPP, CMP
prestação de serviços
SPP, SMP, SGP
institucional IU
industrial IPP
misto R1/CPP; R1/SPP; R1/CMP; R1/IPP;
IPP/CPP
SPA-1
residencial R1; R2 (*2); R3 (*3)
70% 2 7,00 m 0 - -
comercial CPP; CMP (*4); CGP (*4)
70% 2 7,00 m 0 - -
prestação de serviços
SPP; SMP (*5)
SGP (*5) 70% 2 7,00 m 0 - -
institucional IU (*4) 70% 2 7,00 m 0 - -
industrial IPP 70% 2 7,00 m 0 - -
misto R1/CPP; R1/SPP; R1/CMP; R1/IPP
70%
2
7,00 m
0
-
-
SPA-2
residencial R1; R2 (*3); R3 70% 2 7,00 m 0 - -
comercial CPP; CMP;
CE (*6); CGP 60% 3 12,00 m - - -
prestação de serviços
SPP; SMP; SGP 60% 3 12,00 m - - -
industrial IPP 70% 2 7,00 m 0 - -
misto - - - - - - -
SPA-3
residencial R6
comercial CMP (*7)
prestação de serviços
-
institucional IU (*6)
Industrial -
misto -
FONTE: Todas as informações constantes no presente anexo foram retiradas do Decreto municipal nº 5.569 (em seus anexos III e IV com adaptação), de 22 de novembro de 1.996, onde ser observa os usos permitidos em Jaraguá e o fomento às atividades turístico-culturais nomeadamente na SPR-1, núcleo histórico principal de Jaraguá, através de incentivos fiscais (MACEIÓ, ca. 2005).
Observação: ver artigos 5º e 7º deste
Decreto e a Lei municipal nº 4.545/96
Observação: ver artigos 5º e 7º deste Decreto e a Lei municipal nº 4.545/96
Observação : ver artigo nº 19 deste
Decreto
APÊNDICE A - plano de coleta de dados e cronograma de execução das atividades (planejamento versus realização)
1. Plano de coleta de dados
O plano de coleta de dados encontra-se dividido em três momentos: tópicos de
investigação, coleta de dados secundários e entrevista. No primeiro, contemplou-se os pontos
relevantes que nortearam a pesquisa. A partir do desdobramento dos tópicos de investigação,
foram traçadas as diretrizes para a realização da coleta de dados secundários e do roteiro de
entrevista. Cada etapa destes dois últimos momentos vincula-se a pelo menos um tópico de
investigação, procurando, assim, atender aos objetivos destacados previamente nesta pesquisa
e sistematizar a coleta de dados.
Tópicos de investigação
Nesta etapa, os tópicos de investigação da coleta de dados foram delineados em função
dos seis objetivos pré-estabelecidos na dissertação, são eles:
1) Identificar os atores organizacionais do centro histórico Jaraguá;
a. estudar e delinear a história/geografia do Estado de Alagoas, da cidade de Maceió e
nomeadamente do bairro Jaraguá antes, durante e depois da revitalização;
b. identificar indivíduos/organizações com papéis relevantes ao longo da história de
revitalização do bairro
c. verificar a função exercida por esses indivíduos/organizações
2) Identificar os objetivos (oficiais e operativos) desses atores;
a. traçar características gerais dos atores organizacionais selecionados para entrevista
(história, público-alvo, atividades desempenhadas, faturamento, etc)
b. levantar objetivos declarados em documentos e material de divulgação (publicitário)
utilizados pelos atores
c. verificar o cumprimento desses objetivos, bem como a prioridade dada para a execução
dos mesmos
d. identificar as razões para o funcionamento do estabelecimento/instituição no bairro
Jaraguá
3) Caracterizar as relações e arranjos de poder entre esses atores, tais como: alianças e
conflitos;
a. delinear as relações entre o setor público, a iniciativa privada e organizações civis
b. identificar grau de participação dos atores na revitalização do Jaraguá (força dos atores
no processo)
c. verificar o desenvolvimento de parcerias entre os atores (interesses envolvidos,
dificuldades, etc)
d. verificar quando essas parcerias (nomeadamente entre setor público e privado) tiveram
início
e. analisar impacto das parcerias entre os atores no desenvolvimento de políticas públicas
de preservação de centros históricos
f. identificar os atores mais/menos beneficiados com a revitalização
4) Identificar as fontes e bases de poder dos atores nestas relações;
a. identificar benefícios/incentivos pleiteados pelos atores quando do estabelecimento de
parcerias
b. identificar a contrapartida para a obtenção desses benefícios/incentivos
5) Comparar a estratégia de desenvolvimento formulada (e aprovada) para o centro histórico
Jaraguá e sua aplicação real;
a. identificar quais objetivos, metas e programas planejados para o desenvolvimento do
bairro foram implementados e quais não foram;
b. verificar, quando pertinente, as causas da lacuna entre o planejamento e sua aplicação
real;
6) Caracterizar a relação entre estratégia de revitalização de Jaraguá e o desenvolvimento
sustentável local a partir da configuração das relações entre os atores organizacionais.
a. comparar a estratégia de revitalização de Jaraguá às variáveis orientadoras do
desenvolvimento sustentável local (competitivo versus social)
b. analisar as relações entre os atores organizacionais, à luz da teoria de poder
NOTA: por estratégia de revitalização, compreende-se não apenas a recuperação das casas e ruas, mas esta recuperação aliada à transformação do espaço urbano (centros históricos antigos) em um pólo turístico, regado por um cenário de imóveis históricos revitalizados e pelo estímulo à promoção de estabelecimentos e eventos artísticos, culturais e de lazer no local.
Dados secundários
Para consulta do acervo bibliográfico que compôs essa fase de coleta de dados, as
seguintes unidades de estudo foram selecionadas:
• Sede da Prefeitura Municipal de Maceió
• SETURMA
• UEM
• Arquivo Público
• IBGE
• IHGAL
• SMCCU (geoprocessamento)
• Associação Comercial
• MISA
• UFAL e outras faculdades
• Bibliotecas em geral
• Outras
A visita e consulta ao acervo das unidades supracitadas contemplou, em especial, os
seguintes tópicos de investigação:
• História de Alagoas, Maceió e de Jaraguá (vínculo: tópico 1a)
• Mapeamento de Maceió e Jaraguá (vínculo: tópico 1a)
• Documentos/material de divulgação dos atores: (vínculo: tópico 2b)
• Projetos de dinamização do bairro (vínculo: tópico 2b)
• Plano de Desenvolvimento e programas correlacionados (vínculo: tópico 2b)
• Levantamento estatístico das condições do bairro no IBGE (vínculo: tópico 2c)
• Uso do solo de Jaraguá (vínculo: tópico 1a)
• Informações estatísticas sobre turismo em Maceió (vínculo 6a)
• Cronograma de execução das atividades de Jaraguá (vínculo: tópico 2c)
• Atas de reunião dos atores (vínculo: tópico 2c)
• Perfil dos empresários da área (vínculo: tópico 2a)
• Investimentos realizados em Jaraguá (vínculo: tópico 2b)
• Jornais e revistas especializadas sobre o assunto (vínculo geral/formar opinião)
Entrevista
Para a realização das entrevistas, elaborou-se o roteiro descrito a seguir.
UFPE/PROPAD - Programa de Pós Graduação em Administração da
Universidade Federal de Pernambuco
Objetivo da entrevista: analisar a relação entre a estratégia de revitalização do Jaraguá e o
desenvolvimento local, a partir da configuração das inter-relações entre os atores
organizacionais envolvidos.
NOTA: os nomes dos entrevistados serão relacionados no apêndice reservado, isto é, aquele que, pela natureza das informações que contém e preservação do compromisso de sigilo, não é divulgado para o público em geral, constando apenas na versão do trabalho entregue à Banca Examinadora. 1 Controle Número da entrevista:
Data coleta: ____/____/________ Entrevista analisada em: ____/____/________
Local de realização: ______________________________________________________
Autorização para gravar entrevista: ( ) Sim ( ) Não
Deseja receber resumo final do trabalho: ( ) Sim ( ) Não
2 Informações gerais
Preencher os dados solicitados abaixo (levantar informações antes da entrevista):
SOBRE O ENTREVISTADO Nome: ________________________________________________________________
Função (qualificação pertinente à entrevista): _________________________________
Tel: ________________________ Horário para contato: ________________________
E-mail: ________________________________________________________________
SOBRE O ESTABELECIMENTO/INSTITUIÇÃO
Nome da entidade: ______________________________________________________
Endereço: ______________________________________________________________
___________________________ Telefone: ___________________________________
Home page: ____________________________________________________________
3 Perguntas norteadoras da entrevista
Sobre a revitalização e a relação entre os atores...
• Que fatos históricos foram relevantes para o desencadeamento do processo de
revitalização de Jaraguá? (vínculo: 1a)
• Desde quando a Prefeitura de Maceió começou a investir na revitalização de centros
históricos? E, particularmente, no centro histórico de Jaraguá? (vínculo 3e)
• Como o Sr (a) avalia a revitalização de Jaraguá diante da atual competição interurbana
pelo mercado turístico? (vínculo 6a)
o revitalização de Jaraguá como forma de destacar a cidade de Maceió frente às
demais cidades nordestinas
o revitalização do Jaraguá como forma de atrair recursos para Maceió oriundos
da atividade turística e promover desenvolvimento local
• Como se desenvolveu a campanha de marketing em torno da revitalização do Jaraguá?
(vínculo 6a)
o Formas de divulgação: destacar meios utilizados e intensidade da campanha
o Aspectos enfatizados: elementos culturais locais, geração de emprego e renda,
o orgulho de ser maceioense, marketing político, etc.
• A revitalização de Jaraguá se espelhou em alguma experiência de revitalização? Qual
(is)? (vínculo 6a)
o experiências urbanas nacionais, em especial, nas cidades nordestinas (Recife
Antigo em Recife-PE, Pelourinho em Salvador-BA, etc.)
o experiências urbanas internacionais
o similaridades X diferenças entre as experiências
• Que indivíduos ou organizações desempenharam um papel relevante no processo de
revitalização de Jaraguá? (vínculo 1b)
o do poder público (esferas de poder, órgãos e secretarias envolvidos)
o da iniciativa privada (bares e restaurantes, hotéis, construtoras, etc.)
o das organizações civis (ONGs, associação de moradores, etc.)
o Organismos multilaterais
• Que função esses indivíduos/organizações exercem ou exerceram? (vínculo 1c)
• Como o Sr(a) avalia o grau de participação do tripé ‘setor público, iniciativa privada e
organizações civis’ no processo de revitalização do centro histórico Jaraguá? (vínculo
3b e 6b)
o no delineamento da estratégia de revitalização (elaboração do plano,
programas, agendas, etc)
o na recuperação dos imóveis, praças, logradouros;
o na promoção de eventos artísticos/culturais no local;
o na divulgação do espaço junto à mídia;
o outros
• Os atores que compõem este tripé sentem que trabalham unidos em prol da estratégia
de revitalização do centro histórico Jaraguá? (vínculo 3a e 6b)
• Na sua opinião, como esses atores se relacionam e olham os demais? (vínculo 3a e 6b)
• Os atores participam/participaram com forças (de decisão, de influência, etc.)
similares na revitalização de Jaraguá? (vínculo 3b e 6b)
• Que parcerias foram realizadas entre as organizações que participaram da revitalização
de Jaraguá? (vínculo 3c e 6b)
• Quais razões levaram essas organizações a idealizar parcerias? (vínculo 3c e 6b)
• Como estas parcerias se originaram e se desenvolveram? (vínculo 3c e 6b)
• Quais as dificuldades enfrentadas ao estabelecer essas parcerias? (vínculo 3c e 6b)
• Quem ou o que impõe/impuseram essas dificuldades? (vínculo 3c e 6b)
• Que incentivos foram oferecidos aos parceiros? Sob quais condições ou imposições?
(vínculo 4a, 4b e 6b)
o Desconto/isenção de impostos: ISS e IPTU (municipal), ICMS (estadual), etc.
o Capital: empréstimos, financiamentos, doações
o Publicidade
• Que benefícios e retornos foram vislumbrados com a parceria? (vínculo 4a e 6b)
• Como o setor público controla/avalia as recuperações e revitalizações implementadas
por seus parceiros? (vínculo 5a)
• Para o Sr(a), essas parcerias implicam/implicaram em mudanças nas políticas públicas
de preservação de centros históricos? (vínculo 3e)
o diferenças nas formas de recuperação de imóveis: cores, cuidados no restauro,
“turistificação”, apoio a eventos culturais, etc.
• Na sua opinião, qual ator foi mais beneficiado com a revitalização de Jaraguá? E
menos? (vínculo 3f e 6b)
o comunidade de baixa renda do Jaraguá
o proprietários dos imóveis na área
o a própria prefeitura (marketing político)
o empresários
o outros
Sobre o plano de revitalização...
Fase 1: neste momento, a pesquisadora cita ao entrevistado os programas previstos no plano
de desenvolvimento de Jaraguá (discriminados na tabela a seguir), solicitando que o mesmo
pontue as ações previstas em cada programa da seguinte forma:
(*) não sei/desejo responder
(1) não implementado ou implementado de forma extremamente incipiente/inadequada
(2) implementado, mas incipiente/inadequado
(3) razoavelmente implementado/adequado
(4) bem implementado/adequado
(5) excelentemente implementado/adequado
NOTA: durante a pontuação, a pesquisadora presta, se necessário, esclarecimentos adicionais sobre o programa ao entrevistado e, com base no andamento da entrevista, poderá solicitar que o mesmo justifique algumas de suas respostas. A aferição de notas destina-se apenas a complementar à análise qualitativa dos dados apurados, bem como fornecer um retrato simplificado das ações implementadas de forma adequada, segundo a ótica dos inquiridos.
Fase 2: neste momento, a pesquisadora continua a entrevista fazendo perguntas em sintonia
com o plano de desenvolvimento de Jaraguá trabalhado na fase anterior, de modo a estimular
a conversação e o esclarecimento sobre ponto específicos do plano de desenvolvimento
elaborado para o bairro.
Segue as perguntas complementares:
• Quais as principais fontes de recursos para a implementação do plano? (solicitar que o
entrevistado avalie a capacidade de investimento dos atores e sua efetiva contribuição)
(vínculo 3c)
o recursos próprios do poder público (média de investimento: R$__________)
o financiamentos (média de investimento: R$___________ )
o iniciativa privada (média de investimento: R$___________ )
o outros (média de investimento: R$___________ )
• Qual programa do plano recebeu a maior parte das verbas? E a menor? (vínculo 2c)
• Quais ações previstas no plano foram priorizadas? (vínculo 2c)
• Na sua opinião, quem ou o que facilitou a implementação destas ações? (vínculo 2c)
• E quais ações previstas no plano não foram realizadas? (vínculo 2c)
• Na sua opinião, quem ou o que dificultou/impediu a implementação destas ações?
(vínculo 5a e 5b)
• Houve a transferência de parte da população de baixa renda de Jaraguá para outros
bairros da cidade, conforme previsto em plano? Como foi a reação desta população?
(vínculo 3a)
Sobre as organizações envolvidas na revitalização...
• Discorra sobre a história deste estabelecimento/instituição. (vínculo 2a)
• Para quem esta organização serve (público-alvo)? (vínculo 2a)
• Quais os objetivos e atividades deste estabelecimento/instituição? (vínculo 2a)
• Como esta organização divulga suas atividades ao seu público e à sociedade? (recolher
material publicitário) (vínculo 2b)
o formas de divulgação e intensidade
o aspectos abordados: serviços/produtos ofertados, elementos culturais locais,
responsabilidade social, etc
• Qual a razão de abrir um estabelecimento no bairro de Jaraguá? (vínculo 2d)
• Qual a média de faturamento mensal de seu estabelecimento? Em R$: __________
(vínculo 2a)
• Com que recursos foi realizada a revitalização deste estabelecimento? (vínculo 3c)
• Qual a média do investimento? Em R$: ___________ (vínculo 3c)
• O Sr(a) já tinha experiência no ramo de investido? (vínculo 2d)
• Qual sua formação profissional? (vínculo 2d)
• Esta organização recebeu algum incentivo do setor público quando da revitalização do
imóvel? Qual? (vínculo 3c)
• O seu imóvel passou/passa por algum tipo de avaliação/fiscalização do setor público?
(vínculo 4b)
• Qual o vínculo desta organização com a cultural local? (vínculo 2c)
2. Cronograma (planejamento versus realização)
LEGENDA:
2004/2005 ATIVIDADES/ MESES J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A
P Revisão da literatura R
P Elaboração do projeto R
P Defesa do projeto R
P Coleta de dados R P Org./categ. dos
dados R P Análise dos
dados R P Redação da
dissertação R P Defesa da
dissertação R
Planejamento
Realização
APÊNDICE B - fotos de Jaraguá Esta secção destina-se a apresentar algumas fotos antigas e contemporâneas de Jaraguá
com suas edificações, praças, monumentos símbolos, área portuária e os domicílios
improvisados (favelas). No levantamento fotográfico, observa-se que a fidelidade do retrato
histórico do bairro por meio de seus velhos sobrados aparece abalada quer pelas ações de
recuperação sem critérios, quer por descaracterizações nos lados externos e internos dos
sobrados, quer pelas modificações das feições originais de parte de suas edificações ao longo
dos anos.
As tonalidades das edificações de época são nomeadamente claras, posto que a
pigmentação e variedade de cores atuais não existiam quando da construção desses sobrados.
Chama atenção o uso de cores fortes e/ou chamativas quando da recuperação de parcela dos
prédios históricos de Jaraguá. Esse quadro se intensifica nas revitalizações promovidas por
estabelecimentos de cunho turístico-cultural. Nos sobrados revitalizados pelo poder público e
também por universidades e instituições bancárias particulares, o uso de tonalidades fortes
tende a ser menos intenso.
A cor chamativa, entretanto, não é o mais agravante na reestruturação urbana de
Jaraguá. Afinal, com o tempo, a chuva e o sol terminam por trazer de volta os tons claros dos
sobrados. Além do horizonte colorido, paira o contraste entre edificações revitalizadas e a
favela ‘preto e branca’ da Vila dos Pescadores, situada no bairro. As fotos selecionadas, neste
apêndice, ilustram o caso.
Fotos antigas:
Foto 01 – Vista de Jaraguá com o Trapiche novo em primeiro plano. Observa-se também o prédio da Associação Comercial e alguns trapiches avançando sobre o mar. Foto 02 – Fachada da Fábrica de sabão “Dois Irmãos” e sua ponte. Escritório da Rua Sá e Albuquerque, nº 6. Foto 03 – Banco de Alagoas na Rua Sá e Albuquerque Foto 04 – Rua Sá e Albuquerque. Foto 05 – Rua Sá e Albuquerque. Foto 06 – Ponte de embarque em Jaraguá na Rua Sá e Albuquerque. Foto 07 – Igreja Nossa Sra. da Mãe do Povo Foto 08 – Rua Sá e Albuquerque, 137 (Pedro Vianna Filho)
Foto 09 – Rua Sá e Albuquerque, 141 (Pharmacia Sul Americana) Foto 10 – Rua Sá e Albuquerque, 117 (Fohlmann e Cia – exportadores de açúcar) Foto 11 – Alfândega Foto 12 – Rua Sá e Albuquerque, 75 (Henrique Vianna) Foto 13 – Rua Sá e Albuquerque, 123 (Tavares Irmão Typographia) Foto 14 – Rua Sá e Albuquerque, 115 (Typographia Americana) Foto 15 – Rua Sá e Albuquerque (Padaria Ramires) Foto 16 – Perfil da Rua Sá e Albuquerque Foto 17 – Rua Sá e Albuquerque Foto 18 – Associação Comercial de Maceió Foto 19 – Fotografia provavelmente tirada de cima da ponte de embarque, vendo-se a Recebedoria (atual MISA) Foto 20 – Recebedoria Estadual (atual MISA) Foto 21 – Museu Théo Brandão antes de sua feição atual Foto 22 – Vista da Av. da Paz Foto 23 – Av. da Paz com destaque para o local onde foi construída a Capitania dos Portos Foto 24 – Trecho da Av. da Paz Foto 25 – Museu Théo Brandão, na Av. da Paz Foto 26 – Museu Théo Brandão, visto a partir do Salgadinho Foto 27 – Av. da Paz com o coreto em construção Foto 28 – Av. Duque de Caxias Foto 29 – Rua Barão de Jaraguá no carnaval de 1905, em frente à antiga sede do Clube Fênix Alagoana Foto 30 – Av. Comendador Leão (enchente ocorrida em 1924) Foto 31 – Ponte de desembarque de Jaraguá Foto 32 – Construção do Porto de Jaraguá Foto 33 – Construção do primeiro armazém do cais do Porto de Jaraguá Foto 34 – Inauguração do Porto de Jaraguá com a presença de Getúlio Vargas em 20/10/1940 Foto 35 – Visita dos navios mineiros ao Porto de Jaraguá em dezembro de 1940 Foto 36 – Praça Manoel Duarte em 1950 Foto 37 – Praça Manoel Duarte (inundação em 1960) Foto 38 – Praça Dois Leões em 1910 Foto 39 – Praça Dois Leões em 1950 Foto 40 – Trapiche Novo Foto 41 – Canteiro de obras da Associação Comercial com Trapiche Novo ao fundo. Foto 42 – Armazém Faustino (atual Bradesco), pintura de decoração do bar Casa da Sogra
Foto 43 – Armazém Faustino (atual Bradesco), pintura de decoração do bar Casa da Sogra Foto 44 – Estátua da Liberdade na Praça do Centenário, então chamada Getúlio Vargas Foto 45 – Grupo escolar Diegues Jr. em 1924 Fotos contemporâneas: Foto 01 – Associação Comercial de Maceió revitalizada pelo poder público (comodato) Foto 02 – Associação Comercial de Maceió (lateral) Foto 03 – Associação Comercial de Maceió (frente) Foto 04 – Associação Comercial de Maceió à noite Foto 05 – Coreto da Av. da Paz Foto 06 – MISA – Museu de Imagem e Som Foto 07 – Museu Théo Brandão, revitalizado pelo poder público Foto 08 – FAL- Faculdade de Alagoas Foto 09 – Caixa Econômica Federal Foto 10 – Salgadinho em obras Foto 11 – Receita Federal Foto 12 – Bradesco (antigo armazém Faustino). Foi descaracterizado antes da revitalização Foto 13 – Danceteria Foto 14 – Casa de eventos Foto 15 – Bares (e similares) da Av. Sá e Albuquerque Foto 16 – Sobrados diversos revitalizados em Jaraguá Foto 17 – Trecho das fachadas de empreendimentos do setor turístico-cultural Foto 18 – Arena Foto 19 – Armazém revitalizado Foto 20 – Aeroporco Foto 21 – Bar da Sogra Foto 22 – Casa de eventos Foto 23 – Bar Zona Foto 24 – Noite de Jaraguá Foto 25 – Barbarico Foto 26 – Escola de arte (hoje danceteria) Foto 27 – Píer Jaraguá Foto 28 – Barão de Jaraguá Foto 29 – Armazém 384 Foto 30 – Nação caeté
Foto 31 – Placa em homenagem às prostitutas pregada num sobrado da Rua Sá e Albuquerque Foto 32 – Porto de Jaraguá Foto 33 – Monumento da Praça Dois Leões Foto 34 – Poste importados da França Forte 35 – Poste importado da França Foto 36 – Porto de Jaraguá Foto 37 – Barracos da Vila dos Pescadores Foto 38 – Barracos da Vila dos Pescadores Foto 39 – Barracos da Vila dos Pescadores Foto 40 – Barracos da Vila dos Pescadores Foto 41 – Vila dos Pescadores Foto 42 – Vila dos Pescadores
APÊNDICE C - estatística descritiva (resumo básico)
A estatística descritiva, também conhecida por estatística indutiva, “[...] é a parte da
estatística que, baseando-se em resultados obtidos da análise de uma amostra da população,
procura inferir, induzir ou estimar as leis de comportamento da população da qual a amostra
foi retirada” (DONAIRE, 1985, p.14). Optou-se por tratar os dados através de estatística
descritiva, na presente investigação, porque esta abarca um conjunto de técnicas analíticas que
resume os dados coletados em relativamente poucos números. Segue, portanto, uma breve
explicação sobre as ferramentas de tal modalidade estatística utilizadas neste trabalho:
• Média aritmética (M): entende-se por “[...] média aritmética de duas ou mais
quantidades como o valor que cada uma delas teria se, mantendo-se a soma delas,
todas fossem iguais” (PAIVA, 2002, p. 221). Assim, a média aritmética dos números
[X1, X2, X3,...Xn] é dada por:
M= X1 + X2 + X3 + ...Xn
n
• Mediana (Md): ao colocarmos uma série numérica em ordem crescente, a mediana é o
elemento que ocupa a posição central, quando a quantidade de valores da série for
ímpar e a média aritmética dos dois elementos centrais, quando a quantidade de
valores da série for par (DONAIRE, 1985). Assim, dada a série: [5,7,8,10,14], Md = 8
dada a série: [5,7,8,10,14, 15], Md = 9.
• Moda (Mo): moda é o valor dominante de uma série numérica, o valor que possui
maior freqüência que os valores contíguos do conjunto (anterior e posterior) ordenado.
Um conjunto de valores pode ser plurimodal (conter mais de uma moda) ou unimodal
(conter apenas uma moda) (GONÇALVES, 1978). Assim, dada a série:
[4,5,6,6,6,7,7,8,9], Mo = 6 e dada a série: [4,5,6,6,6,7,7,7,8,9], Mo = 6 e Mo = 7.
• Desvio Padrão (DP): um das medidas de dispersão que permitem identificar até que
ponto os resultados se concentram ou não ao redor da tendência central. O desvio
padrão pode ser calculado pela a raiz quadrada da variância (V2). Esta trata-se de uma
medida que indica o afastamento dos elementos de uma série numérica em relação à
média aritmética, podendo ser definida como a média aritmética entre os quadrados
dos desvios dos elementos de uma série numérica (PAIVA, 2002). Assim, a variância
e o desvio padrão dos números [X1, X2, X3,...Xn] são dados por:
V2 = (X1 – M)2 + (X2 – M)2 + (X3 – M)2 + ... + (Xn – M)2 e DP = V n
• Erro padrão (EP): trata-se do desvio padrão da estimativa. Assim, considerando a série
[X1, X2, X3,...Xn], tem-se o seguinte erro padrão:
EP = DP n
• Contagem (Ct): contagem é a quantidade de valores existentes em uma série numérica.
Assim, dada a série: [1,2,4,5,7,8], Ct = 6 e dada a série [7,7,8,9], Ct = 4.
• Soma (S): corresponde à soma total dos valores de uma série numérica. Assim, dada a
série: [5,5,6,6,2,2], S = 26 e dada a série [5,6,6,6], S = 23.
• Valor máximo (Mx): trata-se do maior valor de uma série numérica. Assim, dada a
série: [1,2,3,4,5], Mx = 5
• Valor mínimo (Mn): trata-se do menor valor de uma série numérica. Assim, dada a
série: [1,2,3,4,5], Mn = 1
APÊNDICE D - síntese dos fatos históricos de Jaraguá
ASPECTOS GEOGRÁFICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS DE JARAGUÁ Jaraguá é ancoradouro natural e teve o açúcar como principal gênero transportado pelo seu porto. Atualmente, possui uma zona portuária (incluindo serviços e comércio que dela derivam), estabelecimentos turístico-culturais (nomeadamente bares, restaurantes, danceterias e alguns estabelecimentos de arte/artesanato) e núcleos habitacionais situados predominantemente nas áreas mais internas do bairro (posteriores à Barão de Jaraguá), no entorno da Av. da Paz e na Cícero Toledo (favela à beira-mar).
JARAGUÁ DE OUTRORA: MARESIA, BOEMIA E MELAÇO Formação e Povoamento 1534 Alagoas é parte integrante da capitania hereditária de Pernambuco. 1708 Engenho Macayó (Maceió surgiu em função do Porto de Jaraguá ou foi o Porto e o bairro de
Jaraguá que evoluíram em função da cidade?). 1815 Maceió – elevada à categoria de Vila por alvará régio 1817 Desmembramento de Alagoas e nomeação do primeiro governador da Província. 1818 O governador Sebastião de Melo Povoas chega à cidade de Maceió, criando instalações de novas
unidades administrativas e judiciárias. 1839 Descrição de Jaraguá por um viajante: “único correr de casas brancas [...]”. 1840 Mapa mostra que a Rua Sá e Albuquerque encontra-se inteiramente delineada e definida. Fase de comércio fino e residências abastadas 1850 Construção do Trapiche Faustino e da primeira ponte de desembarque de passageiros. 1857 Abertura da Comendador Leão e calçamento da Sá e Albuquerque. 1868 Surgimento dos primeiros ramais ferroviários e pontes. 1869 Consulado Provincial (atual MISA). 1869 Primeira ponte de desembarque do porto. Além de exportar, Maceió importa gêneros de Portugal e
Grã-Bretanha. Fase de comércio atacadista 1880 Estrada de ferro ligando Maceió aos municípios produtores. 1910 Jaraguá desponta como terceiro porto do Brasil. 1910 Usinas de açúcar e aumento do número de trapiches. 1914 Bonde elétrico. 1923 Associação Comercial de Maceió. Fase do porto mecanizado e prostituição 1940 Aterro da Ilha de Chiés. O Riacho Maçayó passa a desaguar na praia da Av. da Paz. 1942 Cais do porto e exportação de açúcar a granel. 1942 Observa-se que os trapiches começam a perder funcionalidade e a se tornar obsoletos. 1950 Baixo meretrício já ocupava os sobrados. 1950 Assoreamento cede espaço à Rua Cícero Toledo e à sua ocupação por uma favela beira-mar (Vila
dos Pescadores). 1969 As prostitutas de Jaraguá são transferidas para o Tabuleiro pelo Cel. Adauto Teixeira. Desaquecimento funcional e abandono Anos 80 Esvaziamento do porto e utilização pouco expressiva. 1984 Tombamento do acervo cultural de Jaraguá pelo Decreto Estadual 6.061/84. Anos 80-90 População predominantemente de baixa renda reside no bairro. Anos 90 O retrato do bairro é de abandono pela administração pública com deterioração física e natural.
REVITALIZAÇÃO DO VELHO (OU NOVO?) JARAGUÁ Momento 1 – O Planejamento: a luta pelos recursos e a elaboração do roteiro Cenário Diversas revitalizações ocorriam nacional e internacionalmente, espelhando a reestruturação
urbana planejada para o bairro de Jaraguá quando da gestão da Prefeitura de Maceió por Ronaldo Lessa.
1993 Movimento da sociedade civil organizada (AMAPAZ) pelo saneamento de Salgadinho. 1993 Prefeitura de Maceió apresenta sua intenção de revitalizar Jaraguá ao BID e é inserida no
PRODETUR/NE I. 1995 Elaboração do plano de desenvolvimento de Jaraguá. 1995 Solenidade de lançamento da pedra fundamental da revitalização.
(continua...)
Momento 1 – O Planejamento: a luta pelos recursos e a elaboração do roteiro 1996 Criação da UEM (gestora do programa de revitalização) por exigência do BID através da lei
municipal 4.487/96. 1996 Publicação da Lei Municipal 4.545/96 sobre normas de preservação e conservação de edificações
arquitetônicas expressivas da cidade de Maceió. 1996 Assinatura do Decreto Municipal 5.569/96 que intitula o bairro de Jaraguá de Zona Especial de
Preservação 1 (ZEP-1). 1996 Assinatura de contrato para financiamento de recursos da revitalização com o BID. Momento 2 – Construção do cenário e articulação com atores Cenário A construção do novo pólo turístico, cultural e de entretenimento em Jaraguá é divulgada na mídia,
destacando o orgulho cívico, a relevância do bairro para a cidade de Maceió e os benefícios de investir em Jaraguá.
1996 Primeiras obras de intervenção de Jaraguá realizadas pelo poder público. 1997 Kátia Born assume a Prefeitura Municipal de Maceió e sua administração dá continuidade às
aspirações da gestão anterior com a implementação das obras de revitalização. 1998 Atraído pelos incentivos fiscais e pelo fenômeno da revitalização, o empresariado investe em
Jaraguá recuperando sobrados, sob fiscalização da equipe técnica da UEM (surgimento de problemas relacionais entre os dois segmentos).
1998 Atraso na conclusão das obras públicas e descontentamento de investidores. 1998 Construção da fábrica de gelo na Vila dos Pescadores. 1999 Conclusão de boa parte das obras públicas no entorno da Sá e Albuquerque. 1999 Assinatura de convênio entre o município de Maceió e BNB visando fornecer financiamentos de
despesas pré-operacionais à iniciativa privada. 2000 Outras empresas privadas do setor turístico-cultural se instalam em Jaraguá. Momento 3 – O espetáculo: tempos de glória versus ocaso Cenário Jaraguá é palco de especulação imobiliária e ‘gentrificação’, apresentando imagem de ponto de
encontro da cidade e de ambiente que oferta produtos/serviços com preços elevados, mas de baixa qualidade. Realização de festas, shows e eventos diversos no bairro com aumento do número de pedintes e surgimento de problemas relacionados à segurança.
2000 Diversos bares, restaurantes, danceterias e outros estabelecimentos encontram-se instalados e funcionando a todo vapor no bairro.
2000 Jaraguá se insere nos debates políticos das eleições municipais. 2001 Kátia Born permanece na Prefeitura Municipal de Maceió. Visualiza-se, em maior intensidade,
conflitos relacionais na convivência entre setor público, iniciativa privada e comunidades locais de Jaraguá por motivos diversos.
2002 Fechamento de vários estabelecimentos em Jaraguá vinculados ao setor turístico-cultural. 2002 SETURMA é designada gestora oficial de Jaraguá, objetivando dinamizar o bairro. 2003 Novos investimentos públicos em eventos e divulgação através do Projeto ‘Jaraguá: porto cultural
e de entretenimento’, contando com aliados estratégicos. 2003 Outros estabelecimentos privados fecham/transferem-se para outros bairros da cidade. 2004 Visível insatisfação e desânimo dos atores envolvidos na revitalização de Jaraguá.
Fonte: elaborado com base em documentos oficiais diversos do poder público, literatura disponível e depoimentos dos entrevistados.
(conclusão)
APÊNDICE E - lista de estabelecimentos que compõem o trinômio turismo, lazer e cultura em Jaraguá*
ESTABELECIMENTO RESPONSÁVEL TELEFONE
AEROGATO ARNALDO (82) 336.1237 AEROPORCO RAIMUNDO/ANDRÉA (82) 9991.1948/ 9902.4444 ALHAMBRA - - ALMOÇO E CIA - - AQUI GELO MICHEL (82) 9306.3373 ÁREA - - ARENA CLUB - - ARMAZÉM 384 - - BALI KAI - - BARAGUÁ RICARDO (82) 221.7463 BARBARICO JOSÉ CARLOS (82) 9991.7080 BARBATUQUE - - BRIC-À-BRAC - - BUDEGA - - CANTINA DI BACCO LUCIANO (82) 8804.7457/326.4514 CASA DA SOGRA TANAGY (82) 223.8741/326.6348 CAZA HENRIQUE - CHURRASQUINHO ANA MARIA (82) 9977.0200 D´ ÓMENA DIVALDO (82) 2352313 DOWN TOWN ROBERTO NASI (82) 9306.2622 EMPÓRIO JARAGUÁ DIARY (82) 326.7445/ 9308.1910 ÉPOCA ANTIGUIDADES - - ESCRITORIO HOTEL PRATAGY - - ESPETINHO JARAGUÁ CARMEN LÚCIA - HANSBURGERS HANS VAN ROOY - LEKKER RAUL (82) 8805.4225/326.5171 MACARRONADA EUREKA WALTER (82) 326.4975/3033.3449 MALASARTES - - MARQUÊS D´LATRAVEA LUCIO CANUTO (82) 327.3008/9908.9288 MENOS DOIS GRAUS ERICK (82) 8805.3115 MISTURA DE CULTURA LUIZ CARLOS (82) 9966.9250 MR. ECCO - - O-PIANO - - ORÁCULO CARLOS/WAGNER (82) 32676/76/9997.6054 PIANO´S BAR E PIZZARIA ADEMIR (82) 9981.0130/326.2624 PÍER CARLOS/WAGNER (82) 32676/76/9997.6054 PLANETA DANCE RHODS B. PEREIRA (82) 8804.0760 PORTO LIVRE ROBERVAL (82) 9904.8225 QUAR UP GILBERTO (82) 9996.1333 RODA MUNDO VERÔNICA (82) 9305.8748/9311.4945 SEM CENSURA - - SURURU DE CAPOTE - - UAU MUSIC HALL CARLOS BOLA (82) 9308.3939 VARING TRAVEL - - VIRGULINO JOSÉ MARANHÃO (82) 3034.0117 ZONNA - -
Fonte: elaborado com base em dados coletados na SETURMA e UEM, aliado a depoimentos dos inquiridos.
* Esta lista inclui estabelecimentos ativos e inativos.
APÊNDICE F - mapas da região em estudo
No presente anexo, encontram-se reunidos mapas diversos sobre Jaraguá e Maceió no
intuito de retratar a área em estudo, nortear o entendimento do curso dos acontecimentos
históricos da ‘enseada das canoas’, bem como permitir uma visualização das análises e
inferências realizadas no presente trabalho. Os mapas coletados foram numerados de acordo
com a ordem de exposição, são eles:
Mapa 01 - Mapa Jaraguá antigo
Mapa 02 - Localização de Jaraguá no âmbito da cidade de Maceió (limites) e classificação dos
bairros segundo renda mensal média
Mapa 03 - Mapa de polígono de preservação da ZEP I (Jaraguá) e sua setorização
Mapa 04 - Mapa de Jaraguá em função do uso do solo
Mapa 05 - Mapa de Jaraguá em função dos espaços para dinamização (Agenda 2003)
Mapa 06 - Jaraguá no circuito de pontos turísticos/utilitários da Grande Maceió