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JOGOS MUSICAIS E A TOMADA DE DECISÃO DE PESSOAS COM AUTISMO:

UM RECORTE PELA TEORIA DA MENTE E UM RELATO DE EXPERIÊNCIA1

Ms. Dranda. Viviane Louro2

Departamento de Neurociências – UNIFESP [email protected]

RESUMO

O artigo traz uma breve abordagem sobre o autismo e a tomada de decisão pelo prisma da Teoria

da Mente e mostra, a partir de um relato de experiência, uma possível maneira de atuação neste

contexto através da educação musical.

Palavras chaves: Autismo, tomada de decisão, teoria da mente, educação musical, inclusão.

SITUANDO A TEMÁTICA

O Autismo

O autismo começou a ser descrito pelo psiquiatra americano Kaner em 1943, a partir do

estudo com 11 crianças que possuíam características semelhantes entre si no que se referia ao

comportamento. Apesar dessa descrição inicial, foi somente no início dos anos 60 que as pesquisas

sobre esse quadro evoluíram, pois até então, acreditavam que as características típicas dessa

patologia eram advindas de sérios problemas emocionais. Com o passar dos anos, o autismo deixou

de ser um distúrbio afetivo e passou a ser considerado um distúrbio cognitivo, embora atualmente

esteja enquadrado como um distúrbio do desenvolvimento, chamado de forma mais específica de

“Transtornos Invasivos de Desenvolvimento (TID)” (PEREIRA, 1999).

1 Artigo apresentado para a disciplina Neurociências e Tomada de Decisão, com orientação do Prof. Dr. Álvaro Machado.

Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Apresentação no dia 30

de Novembro de 2012.

2 - Mestre em música pela UNESP. Doutoranda em Neurociências pela UNIFESP. Coordenadora do Programa de Inclusão

da Fundação das Artes de São Caetano e diretora do Grupo Cênico-musical Trupe do Trapo (formado por pessoas com e sem deficiências). Autora de 4 livros na área de música e inclusão e de vários capítulos de livros na área de musicoterapia, inclusão e educação musical. Endereços eletrônicos: www.musicaeinclusao.com.br e www.trupedotrapo.wordpress.com

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Em 1976, a Drª Lorna Wing, resumiu as características desse quadro diagnóstico no

comprometimento de 3 áreas específicas: imaginação, socialização e comunicação. Também foi ela

que deu os primeiros passos para o conceito de um espectro autista, ou seja, uma constelação

variável de dificuldades dentro das 3 áreas citadas. Outra característica enfatizada por Wing foram

os movimentos repetitivos, chamados de esteriotipias (quando são somente motoras) e ecolalias

(quando são referentes a repetição da fala). Toda sua teoria ficou conhecida como “Tríade de Wing”

que em suma alega que independente do grau do autismo, todos terão comprometimentos na

socialização, comunicação e imaginação (LEAL, 1996).

As pesquisas atuais apontam que esse grupo de condições afeta aproximadamente 1 em

cada 200 indivíduos, sendo a maior parte meninos e que seus sintomas típicos devem aparecer

antes dos 36 meses (KLIN, 2006). Pelo Manual Diagnóstico e Estatísticos dos Transtornos Mentais

(DSM-IV), o autismo é caracterizado por complicações nas habilidades sociais e comunicativas

(atraso de linguagem), além de dificuldade cognitiva, uso constante de esteriotipias (movimentos

repetitivos) ou ecolalias (falas repetitivas), um exagero no emprego da rotina no dia a dia, interesse

acima do comum em assuntos ou temas específicos e em alguns casos, grandes habilidades para

certas realizações (OMS, 1993).

Alguns se encontram no “espectro autista”, isto é, possuem determinadas características

típicas dessa patologia, mas não se enquadram totalmente no quadro diagnóstico, por não

possuírem outras características importantes. Já o autismo típico, abrange desde os autistas não-

verbais (aqueles que não falam e por vezes nem emitem sons vocais), os verbais ecolálicos (que

repetem constantemente o que ouvem, mas sem compreensão exata do que estão falando), até os

verbais que se expressam dentro de um determinado contexto ou somente com algumas pessoas

(WILLIAMS e WRIGHT, 2008).

Os conhecidos como autistas clássicos, dificilmente se comunicam (não-verbais), além de

terem dificuldades com todo aparato cognitivo, muita esteriotipia e graves problemas na interação

social e comunicação. Já os nomeados autistas de ”alto rendimento” ou de “alto funcionamento”,

apresentam todas as características típicas do quadro diagnóstico (atraso de linguagem, dificuldade

na socialização e esteriotipias), mas possuem um diferencial: grande habilidade em alguma área

específica (fazem contas mirabolantes; sabem os dias da semana de qualquer data em fração de

segundos; desenham ou tocam um instrumento eximiamente). Um caso conhecido é do Derek

Pavacini3, um famoso pianista americano que além de autista de alto funcionamento é cego.

Dentro dos Transtornos Invasivos, há também a “Síndrome de Asperger” (SA), que se difere

um pouco do autismo clássico e do de alto funcionamento. Nesta síndrome, as pessoas tem a

capacidade de perceber que possuem comportamentos diferenciados, comparadas à maioria das

pessoas. Outros fatores determinantes nesse diagnóstico é que desde tenra idade, as pessoas com

SA possuem um falar fluente (o que não significa que compreendam profundamente o que dizem),

3- www.sonustech.com/pavacini/

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menos esteriotipias, como também, a capacidade de se adequarem socialmente de forma mais

consciente, do que um autista (WILLIAMS e WRIGTH, 2008).

Até o presente momento, o autismo não tem uma cura, mas há diversos tratamentos e

possibilidade de melhora desse quadro. Quanto mais cedo o tratamento começar, melhor o

prognóstico. Isto implica tratamento psicoterapêutico, educacional e social. Segundo este autor, o

tratamento deve ser estruturado de acordo com as etapas de vida do paciente visando sempre a

interação social e desenvolvimento da linguagem (BOSA, 2006).

Autismo, Teoria da Mente e Tomada de Decisão

Ottoni (2006) comenta que muitos dos estudiosos contemporâneos do autismo,

caracterizam esta síndrome como uma incapacidade ou deficiência na aquisição da Teoria da

Mente:

Crianças com autismo, carecem das habilidades cognitivas sociais necessárias a

uma teoria da mente e é possível que a impossibilidade para adquirir uma teoria

da mente possa ser resultante de um déficit na capacitação básica para a interação

(ARAÚJO, 2005).

A Teoria da Mente, nomeada assim pelas ciências cognitivas no final da década de 70, pelos

estudiosos Premack & Woolruff, nada mais é do que a capacidade que temos de atribuir estados

mentais a outras pessoas. Para isso, é necessário que estejamos equipados com uma habilidade que

nos permita desenvolver uma medida, isto é, um sistema de referências que viabilize comparações

entre nosso mundo interno, subjetivo e o mundo externo, dos outros. Em suma, a Teoria da Mente

nos possibilita prever sobre os sentimentos e pensamentos alheios, criar hipóteses e tomar

decisões (CAIXETA e NITRINI, 2002).

Pinheiro e Camargo Júnior (2005) colocam:

A Teoria da Mente (TM) não deve ser compreendida como uma teoria

conscientemente elaborada, mas como um mecanismo que permite um tipo

especial de representação, a representação de estados mentais [...] Para

tanto, não basta apenas desenvolver uma representação interna a respeito

das coisas, mas também é necessária a capacidade de refletir sobre essas

representações. Esse processo de metarrepresentação, a habilidade de

estabelecer “crenças sobre crenças sobre crenças” estaria comprometida no

autismo (PINHEIRO e CAMARGO JÚNIOR, 2005).

De acordo com estudos de Wimmer e Perner (1993), a partir dos 18 meses a criança já é

capaz de diferenciar o real do faz de contas. Essa é a primeira ordem da TM: a “crença”. Por volta

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dos 4 anos, elas começam a atribuir estados mentais a outras pessoas, o que inaugura o segundo

estágio da TM, ou seja, a “crença sobre a crença”. A terceira fase da TM se dá após os 5 anos, onde a

criança começa ter a capacidade de estabelecer a crença do outro sobre a crença dela: “crença sobre

crença sobre crença”. De acordo com vários autores, tais como Baron-Cohen (1989), as crianças

com autismo conseguem, no máximo estabelecer uma certa TM até o segundo estágio, mas somente

através de muito treino (PINHEIRO e CAMARGO JÚNIOR, S, 2005).

Conforme Kafies (2008), no autista a estrutura interna de linguagem está alterada e a

externa distorcida interferindo no domínio da linguagem verbal (registro e estruturação de

códigos), enquanto processo cognitivo. Para que haja Teoria da Mente precisa haver linguagem

desenvolvida, pois a língua é um dos aparatos da cognição. Por não ter linguagem desenvolvida, o

autista não consegue compreender o contexto ao seu redor e isso dificulta a habilidade de prever o

que os outros estão pensando e sentindo.

O processo envolvido na tomada de uma decisão implica em representações de modelos

mentais de futuros possíveis. Esses futuros possíveis, dependem de uma dinâmica cognitiva

(também chamada de “viagem mental no tempo” - MTT), baseados em recursos associados a

memória episódica para a ampliação do raciocínio no processo decisório. Esse raciocínio não é

necessariamente discursivo, mas sintaticamente organizado em torno de princípios comuns à

linguagem verbal (DIAS, 2010).

Se a pessoa com autismo tem dificuldade no desenvolvimento da linguagem,

automaticamente tem dificuldade para fundamentar a Teoria da Mente, sendo assim, os processos

de imaginação e planejamento ficam igualmente comprometidos. Williams e Wrigth (2008)

enfatizam que alguns aspectos da memória, em autistas, são profundamente eficazes,

principalmente para assuntos pelos quais se interessam. Por isso, com frequência querem repetir

uma mesma ação feita anteriormente, pois lembram-se dela. Mas geralmente, não conseguem usar

a memória para planejamentos futuros, pois como abordado, possuem dificuldade de

contextualização dos fatos e situações, por terem atraso no desenvolvimento e na compreensão da

linguagem.

Em suma, pela visão da Teoria da Mente, se a tomada de decisão se relaciona com a

possibilidade de uma “viagem mental no tempo”, bem como, com o potencial de criar modelos

mentais futuros organizados em torno da linguagem, podemos compreender que pessoas com

autismo terão igualmente grandes dificuldades para tomarem decisões, sejam quais forem.

Jogos de improvisações musicais, autismo e tomada de decisão

Conforme Campagne (1989), o jogo educativo se relaciona a duas questões:

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Função lúdica: propicia a diversão, o prazer e até o desprazer (lidar com a perda);

Função educativa: ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus

conhecimentos e sua apreensão do mundo.

O equilíbrio entre essas duas funções é o objetivo do jogo educativo. O jogo favorece o

aprendizado pelo erro e estimula a exploração e a solução de problemas. Além de potencializar o

aprendizado moral, integração no grupo social e a aquisição de regras (KISHIMOTO, 2003).

É muito mais fácil e eficiente aprender por meio de jogos e isso é válido para todas as idades e

para todos os perfis de pessoas, inclusive para quem tem autismo. Nesse contexto, a proposta é ir

além do jogo, do ato de jogar, para o ato de antecipar, preparar e improvisar dentro do jogo,

ampliando, desse modo, a capacidade do jogo em si a outros objetivos, tais como: a profilaxia, o

desenvolvimento de habilidades, a percepção do grupo, o desenvolvimento da teoria da mente e a

colaboração na tomada de decisão.

Os jogos musicais são de suma importância para a aprendizagem musical de

qualquer faixa etária [...]. Para pessoas com deficiências, sejam elas quais forem, os

jogos são extremamente eficazes no que tange a aprendizagem musical e o

desenvolvimento geral da pessoa, inclusive como colaborador para melhora das

próprias deficiências (LOURO, 2006).

Consoante Padilha (2008) a música é de grande utilidade para crianças com autismo, pois as

ajudam a serem mais espontâneas quanto a comunicação, diminuindo o isolamento e a ecolalia.

Além disso, a música colabora no desenvolvimento do aparato sensorial e colabora na socialização

quando é utilizada em atividades em grupos (MILLER, A. & ELLER-MILLER, 1989). Assim como,

devido sua propriedade não-verbal, é uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento da linguagem

(WIGRAM e GOLD, 2006).

A educação musical foca seus princípios no desenvolvimento de habilidades cognitivas a

partir de atividades sensório-motoras, baseadas nos parâmetros sonoros (altura, duração,

intensidade, timbre e massa sonora). Esses parâmetros, expandidos, levam à uma consciência

musical ampla, atingindo os conceitos de melodia, ritmo, harmonia e análise musical, formando

assim, uma linguagem musical complexa. Dentro da musicalização, essas questões são trabalhadas

através do corpo, com atividades lúdicas específicas, que associam gestos e movimentos a conceitos

musicais mais abstratos, criando um link entre corpo, linguagem e abstração. Sendo assim, os

princípios pedagógicos musicais podem colaborar também com o desenvolvimento da linguagem,

comunicação e tomada de decisão de pessoas com autismo.

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Consoante Bizarria (2010):

A improvisação (musical) como técnica mediadora no processo educacional agrega

elementos tais como a comunicação verbal e a não verbal. Ela estabelece, portanto,

uma maneira de aliar a intervenção por meio do som a outras formas de

comunicação e expressão para o aluno autista. [...] A improvisação abre um extenso

caminho no que tange à comunicação e integração, e é exprimindo sua capacidade

criativa e imaginativa, proporcionada pela improvisação, que o autista irá

conseguir sentir-se parte integrante e atuante do processo como um todo. [...]

(BIZARRIA, 2010).

Aliando atividades de improvisações musicais a outros tipos de jogos, como por exemplo,

jogos cênicos, ampliamos as possibilidades dentro do contexto pedagógico diante de alunos

autistas, visto que, o teatro unido à música trabalha enfaticamente com o corpo, com a imaginação,

com a ressignificação de objetos e com os princípios básicos da psicomotricidade (como tônus,

equilíbrio, esquema corporal e noção espacial), princípios esses que geralmente também estão

comprometidos no autismo (LOURO, 2012).

Sendo assim, os jogos de improvisações musicais, podem contribuir significativamente na

tomada de consciência e no desenvolvimento da Teoria da Mente por parte de alunos autistas. Com

o incentivo de pequenas tomadas de decisões no ato de improvisar musicalmente em jogos

coletivos, gradativamente o autista percebe o contexto em que está inserido e com isso desenvolve

a habilidade de compreender o universo ao seu redor e de criar coisas cada vez mais complexas.

Para decidir, por exemplo, que som ou ritmo fazer, dentro de uma atividade de

improvisação coletiva, a pessoa precisa primeiramente observar o que os outros estão fazendo.

Num segundo momento, necessita comparar o que todos estão executando para chegar à conclusão

se há um ritmo, som ou ideia principal que conduz a música improvisada coletivamente. A terceira

fase é criar uma “imagem interna” do som ou ritmo que pretende fazer e observar internamente se

está adequado musicalmente com o conjunto. Para saber se dará certo o que pretende improvisar, o

individuo precisa se remeter mentalmente a um futuro imediato, imaginando o seu som juntamente

com os demais (viagem mental no tempo -MTT). Só depois desse ato interno poderá decidir se vai ou

não executar aquele som ou ritmo imaginado. Isso é uma tomada de decisão (a escolha de um som

ou ritmo em detrimento a tantas possibilidades), bem como, a criação de uma hipótese (dará ou não

certo o som com elaborado juntamente com as demais pessoas?).

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Procedimentos metodológicos a partir de um relato de experiência

Juliano (nome fictício), tem 32 anos e um quadro de autismo de auto rendimento ecolálico,

no qual seu foco de habilidade é a música. Mesmo tendo muita facilidade para aprender tocar vários

instrumentos, ouvido absoluto4 e uma afinação impecável, preserva as características básicas do

autismo: dificuldades com todo aparato cognitivo, pouca teoria da mente desenvolvida, esteriotipia

da fala (ecolalia), dificuldade de interação social e na comunicação.

Esse jovem adulto faz parte do elenco do grupo cênico-musical Trupe do Trapo5, formado

por pessoas entre 15 e 76 anos, com e sem deficiências. Esse grupo, na ativa desde 2006, é da

cidade de Santo André, em São Paulo e atua artisticamente no cenário cultural dede então com

montagens de espetáculos cênicos-musicais. O foco do trabalho é a profissionalização artística do

elenco através da união da música com o teatro tendo como embasamento metodológico a

psicomotricidade e adaptações cênicas e musicais (devido a heterogeneidade de pessoas e

deficiências). Atualmente, o grupo conta com 18 músicos-atores sendo 12 deles com deficiências

(cognitiva, neurológica, síndromes raras, física, visual, problemas de aprendizagem, problemas

psicomotores, distúrbios psiquiátricos e autismo) e o restante sem deficiências (com as respectivas

idades: 15, 16, 54, 65 e 76 anos).

Juliano está no grupo desde 2006, ou seja, desde o início. Sua maior dificuldade, no começo,

era o excesso de ecolalia (repetia alto, por horas a fio o que ouvia durante o dia), a falta de

concentração nas atividades (começava andar pela sala quando a atividade não lhe interessava) e a

dificuldade em manter contato visual com as pessoas. Também tinha muita dificuldade para

compreender o contexto ao seu redor e as propostas das atividades solicitadas, bem como, não

tinha iniciativa para realizações espontâneas e praticamente não conseguia ter tomada de decisão.

Atualmente, Juliano apresenta pouca ecolalia (que se manifesta somente nas horas em que

não está fazendo as atividades), possui comunicação com o olhar e manifestação de afeto (joga bola

com os amigos e cumprimenta todos com abraço). Ele também consegue tomar iniciativas e

decisões dentro do processo artístico, algo que antes não realisava nem com ajuda. Hoje sua

atenção e concentração é sensivelmente maior e consegue se comportar socialmente de forma

adequada, percebendo muito melhor o contexto ao seu redor.

Todos esses ganhos são resultados de anos de trabalho. A metodologia empregada é

baseada em jogos cênicos-musicais e no desenvolvimento das etapas da psicomotricidade. Para a

4 Quando a pessoa consegue identificar que nota está tocando sem nenhuma referência auditiva para

comparar. 5 Para saber mais sobre esse grupo acesse: www.trupedotrapo.wordpress.com

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criação ou adaptação das atividades é sempre levado em consideração o momento neurológico-

pscológico e pedagógico em que o aluno se encontra, ou seja, são trabalhadas as lacunas ou

necessidades de cada um (no que se refere ao processo cognitivo e neuropsicomotor) e enfatizado

(aproveitado de forma artística) os talentos ou potenciais latentes em cada pessoa. Assim sendo,

sempre há desafios propostos, objetivos a se melhorar, mas ao mesmo tempo, por se aproveitar as

habilidades latentes de cada um, são oferecidos a segurança e o conforto emocional suficientes para

que os desafios traçados sejam trabalhadas no tempo em que forem necessários (LOURO, 2009).

Especificamente com Juliano, as metas traçadas no decorrer desses anos foram (de 2006 à

2012):

Promover autonomia;

Promover contato visual e físico com outros;

Diminuir ecolalia;

Melhorar atenção e concentração;

Ampliar a Teoria da Mente

Ampliar a Tomada de decisão;

Melhorar percepção do contexto social;

Conseguir se comportar adequadamente dentro de um determinado contexto social;

Trabalhar Tônus e Esquema Corporal;

Conseguir compreender uma história a ser encenada;

Saber se comportar de forma cênica;

Desenvolver leitura rítmica musical básica;

Aprender a tocar alguns instrumentos musicais e interagir cenicamente com eles;

Para trabalhar as metas propostas foram utilizadas diversas atividades, a grande maioria

feita em grupo e sempre dentro do âmbito artístico: cenas, improvisações musicais, desenhos,

colagens, expressão corporal. Especificamente para Juliano, foi pensado no processo de aquisição

da Teoria da Mente e no desenvolvimento cognitivo natural do ser humano, isto é, aprendemos

primeiramente através da imitação, depois, essa imitação passa a ser percebida pela própria pessoa

que imita. Num próximo momento há uma compreensão dessa imitação e a partir desse momento, é

possível refletir sobre o ato e então, mudá-lo ou inseri-lo em outras realidades (GOMES, 2005). Foi

pensando nisso que as atividades para Juliano foram criadas, da seguinte forma:

Primeira etapa: atividades de imitação e socialização – jogos colaborativos cênicos, musicais e

psicomotores para estimular a percepção de si em relação a si mesmo e ao outro, bem como, o

contato visual e físico com o outro;

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Segunda etapa: atividades de improvisações direcionadas – jogos cênicos-musicais no qual em

determinados momentos eram pedidas tarefas ou improvisações dos alunos;

Terceira etapa: atividades coletivas de criações livres – criações de cenas e trilhas sonoras em

grupos (ARTEN e LOURO, 2007).

A partir desses procedimentos, realizados gradativamente, Juliano melhorou (e vem

melhorando) sensivelmente todas as questões listadas anteriormente como objetivos a serem

alcançados por ele, dentre eles: a tomada de decisão. Isso nos aponta a importância de se

promover uma educação musical de qualidade, calcada em princípios metodológicos bem

direcionados.

BREVE CONCLUSÃO

Como vimos, é possível um trabalho pedagógico musical com pessoas autistas. Através de

atividades de criação e improvisação musical e jogos cênicos, pode-se colaborar para a melhora da

linguagem (em atividades de diálogos sonoros entre pessoas), para o desenvolvimento de tomada

de decisão (escolher que som ou ritmo fazer; escolher o melhor momento para entrar ou sair da

atividade) e para o desenvolvimento da imaginação, criação e contextualização social (participação

em grupo; adequação de comportamento diante do outro na atividade; percepção do que ocorre ao

seu redor a partir do que é proposto no jogo musical), além, é claro, da importância do próprio

aprendizado musical em si mesmo.

Por isso, é necessário expandir as metodologias pedagógicas musicais, como também, a

maneira de encarar a inclusão de alunos com autismo na educação musical e em outras realidades

pedagógicas. A aprendizagem musical (e não somente a musicoterapia) pode também ser uma

eficaz ferramenta no desenvolvimento global de pessoas com autismo. Além disso, o autista pode

aprender e se desenvolver musicalmente de forma significativa semelhante a qualquer outra

pessoa, ou seja, o fazer musical pode tornar-se uma possibilidade a mais na vida dessa pessoa, até

mesmo uma profissão a ser exercida por ela, vide o trabalho realizado pelo grupo Trupe do Trapo

(LOURO, 2009).

Mas, para que tudo isso ocorra de forma eficiente, é necessário diálogo constante entre

médicos, terapeutas, musicoterapeutas, pedagogos musicais e as famílias de pessoas com autismo.

Com uma visão mais consciente de como trabalhar com o autismo dentro da educação musical, a

inclusão no cenário pedagógico musical e mesmo no contexto escolar em geral, será, com certeza,

um fardo menos penoso a se carregar. Por outro lado, tendo a educação musical como aliada, as

terapias que focam o autismo, podem ser beneficiadas com uma abordagem a mais dentro de suas

aplicabilidades.

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