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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SˆO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PS-GRADUA˙ˆO EM CI˚NCIAS DA RELIGIˆO PASTORAL EM SITUA˙ˆO DE RUA AnÆlise das Aıes Pastorais da Comunidade Metodista do Povo de Rua na Cidade de Sªo Paulo 1992 2009 Por Jorge Schütz Dias Sªo Bernardo do Campo Janeiro/2010

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1

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PASTORAL EM SITUAÇÃO DE RUA

Análise das Ações Pastorais da Comunidade Metodista do

Povo de Rua na Cidade de São Paulo � 1992 � 2009

Por

Jorge Schütz Dias

São Bernardo do Campo

Janeiro/2010

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2

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PASTORAL EM SITUAÇÃO DE RUA

Análise das Ações Pastorais da Comunidade Metodista do

Povo de Rua na Cidade de São Paulo � 1992 � 2009

Por

Jorge Schütz Dias

Orientador

Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

Tese de doutorado apresentada em

cumprimento parcial às exigências do

Curso de Pós-Graduação em Ciências da

Religião para a obtenção do grau de

Doutor.

São Bernardo do Campo

Janeiro/2010.

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3

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Presidente: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva � UMESP

Presidente

__________________________________________

Prof. Dr. Clovis Pinto de Castro - UNIMEP

__________________________________________

Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho - UPM

__________________________________________

Profa Dra Sandra Duarte de Souza - UMESP

__________________________________________

Prof. Dr. James Reaves Farris - UMESP

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4

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a

reprodução total ou parcial desta tese, por processos

fotocopiadores.

São Bernardo do Campo, Janeiro 2010.

Jorge Schütz Dias

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5

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, amigo, conselheiro e orientador;

À CAPES, pelo apoio financeiro;

IEPG, pelo apoio financeiro nos primeiros meses de ingresso no Programa de Pós-

Graduação;

Aos professores/as da Pós-Graduação, guias na construção do conhecimento;

Ao GETEP � Grupo de Pesquisa em Teologia Prática no Contexto Brasileiro, ambiente

onde são forjadas pesquisas e pesquisadores/as.

Aos colegas da Pós-Graduação, companheiros/as nas agonias e nas vitórias;

Aos funcionários/as da Universidade Metodista que trabalham no Programa de Pós

Graduação competentes, rigorosos e, sobretudo, amáveis;

Aos funcionários/as e ex-funcionários/as da Comunidade Metodista do Povo de Rua que

bondosamente alimentaram-me com boas idéias por meio da pesquisa de campo;

À Nelli Schütz Dias, minha primeira moradia;

À família que acompanhou de perto o quanto é custoso transformar um sonho em

realidade, mas que é possível: Ione, Liseane, Débora, Andréa e João Raul;

Ao Gabriel Campos, um anjo a me esperar no céu;

À Julia e Isabela, sementes do futuro;

À Igreja Batista da Lapa e sua diretoria, rebanho do Senhor, temporariamente aos meus

cuidados;

À equipe ministerial e administrativa da Igreja Batista da Lapa: sempre presente nas

minhas ausências;

Ao Elton Nunes, meu irmão;

Ao Vitor Hugo Alves, revisor, que perdoou meus erros, mas os corrigiu.

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6

Minha homenagem

Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das

árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto

de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o

respeito a seus direitos e protegê-los. (www.portal.rpc.com.br/gazetadopovo)

ZILDA ARNS, 75

Médica fundadora e Coordenadora da Pastoral da Criança

Falecida em missão no dia 12 de Janeiro de 2010, no Haiti, vítima do terremoto.

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7

Rua Aprendendo a Contar Pesquisa Nacional sobre a população em situação de

Rua 1

A RUA PODE SER UMA SAÍDA E TER SAÍDAS

Patrus Ananias de Sousa Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (dezembro 2009)

1ANANIAS.P, Rua Aprendendo a contar Pesquisa Nacional sobre a população em situação de rua. Ministério do

Desenvolvimento e Combate a Fome. Brasília: 2009.

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8

DIAS, Jorge Schütz. Pastoral em Situação de Rua: Análise das Ações Pastorais da

Comunidade Metodista do Povo de Rua na Cidade de São Paulo � 1992 - 2009. Tese. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião - Universidade Metodista de São Paulo. São

Bernardo do Campo, 2010.

Sinopse

A população em situação de rua é um fenômeno urbano, agravado na contemporaneidade por fatores de ordem social, econômica, cultural que agrupa pessoas independentemente da idade, etnia, grau de instrução e gênero, em situação de exclusão social, impedidos à renda e suprimento de suas necessidades vitais, culturais e sociais. Na condição de população sobrante, enfrenta

obstáculos ao desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, biológicas e culturais; à

equidade de garantia de direitos civis, políticos e sociais; à qualidade de vida em harmonia e bem-estar objetivo dos seres humanos; e ao exercício pleno de sua cidadania. A Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR encontrou o seu espaço no início da década de noventa, ao

tempo em que a Prefeitura Municipal de São Paulo, na Legislatura da Prefeita Luíza Erundina, promoveu, através da Secretaria Municipal de Bem-Estar social, o censo para conhecer quem era, como vivia e como era vista a população de rua na cidade de São Paulo. Neste contexto, a Igreja

Metodista Coreana Ebenezer oferecia à população uma assistência dominical servindo pão, café

com leite e achocolatado na região do Parque Dom Pedro II. Sagrou-se a parceria para a criação

da CMPR através do despertar do poder público e da participação da Igreja Metodista Coreana

através do Café do Coreano. Foi fundamental a disposição dos Bispos Nelson Campos Leite e Geoval Jacinto da Silva, ambos da Terceira Região Eclesiástica da Igreja Metodista, que

iniciaram os trabalhos utilizando a instituição de caráter filantrópico da Igreja Metodista, a

AMAS � Associação Metodista de Assistência Social. Assim, com sede no Viaduto Pedroso e,

por proximidade geográfica, a CMPR vinculou-se a AMAS da Catedral Metodista de São Paulo,

atuando em três dimensões: (1) criação da Casa de Convivência, (2) abrigamento no período do inverno; (3) Criação do albergue. O Plano de Ação elaborado pela CMPR que consagrou a criação do Albergue, data da transição 1994/95 e teve como base o Credo Social, o Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista e o Plano de Ação encaminhado à Prefeitura, à luz da vertente

social do movimento Metodista a partir de João Wesley, estabelecendo que o objetivo geral da CMPR fosse o resgate da cidadania das pessoas que constituem a população de rua. Nesta dimensão, a tese está estruturada em cinco capítulos, inclusa pesquisa de campo que foi aplicada a funcionários e ex-funcionários da CMPR, com objetivo de reunir conteúdos para se analisar as ações pastorais da CMPR na perspectiva da Práxis religiosa, considerando a Práxis filosófica e

educacional, a fim de perceber se as ações pastorais são ações criadoras, reflexivas, libertadoras e

radicais, e se promovem por meio da CMPR o resgate da cidadania em população de rua na

cidade de São Paulo. Palavras-chaves: população de rua, cidadania, práxis, metodista, comunidade, pastoral,

Credo Social, Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista

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9

DIAS, Jorge Schütz. Pastoral del camino: Análisis de las Acciones Pastorales de la

Comunidad Metodista para las Personas que Viven en la Calle en la ciudad de São Paulo �

1992 - 2009. Tesis. Programa de Post-Graduación en Ciencias de La Religión. - Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2010.

Sinopsis

La proliferación de personas viviendo en las calles es un fenómeno urbano, que se agrava en la contemporaneidad debido a factores de índole social, económica y cultural. Tal realidad se produce independientemente de la edad, de la etnia o del nivel de instrucción del individuo, y agrupa a las

personas socialmente excluidas, que no disponen de recursos monetarios, ni pueden satisfacer sus necesidades básicas: vitales, culturales o sociales. Al estar en esa condición de población sobrante, el

pueblo que hace de la calle su morada se depara con obstáculos que entorpecen el desarrollo de sus

capacidades intelectuales, biológicas y culturales; que suprimen la equidad y la garantía de sus derechos

civiles, políticos y sociales; que impiden llevar una vida en harmonía, con calidad y bienestar; que

vetan el ejercicio pleno de su ciudadanía. La Comunidad Metodista para el Pueblo de la Calle (Comunidade Metodista do Povo de Rua � CMPR) encontró su espacio de acción en la década de

los noventa, en la época en que la Alcaldía Municipal de São Paulo, durante el mandato de la

alcaldesa Luíza Erundina, promovió, a través de la Secretaría Municipal para el Bienestar Social, un

censo para conocer quién era, cómo vivía y cómo era vista la población sin techo que vivía en las calles de

la ciudad de São Paulo. En este contexto, la Iglesia Metodista Coreana Ebenezer desarrollaba un programa dominical que contemplaba la distribución de pan, café con leche y chocolate entre los moradores de la

calle en la región del Parque Don Pedro II. El hermanamiento para la creación de la CMPR se consagró

con el despertar del poder público y con la participación de la Iglesia Metodista Coreana a través del Café

del Coreano. Para este empeño, fue fundamental la disposición de los obispos Nelson Campos Leite y

Geoval Jacinto da Silva, ambos de la Tercera Región Eclesiástica de la Iglesia Metodista, quienes iniciaron las acciones por medio de una institución filantrópica de la referida institución, la Asociación

Metodista de Asistencia Social (AMAS). Con su sede en el Viaducto Pedroso, y por proximidad geográfica, la CMPR se vinculó a la AMAS de la Catedral Metodista de São Paulo. La labor se proyectó

en tres dimensiones: 1) creación de la Casa de Convivencia, 2) ofrecer abrigo en el período de

invierno, 3) crear un albergue. El Plan de Acción elaborado por la CMPR, que consagró la

creación del Albergue, se remite a la época de 1994/95 y tuvo como base: el Credo Social, el Plan

para la Vida y Misión de la Iglesia Metodista, y el Plan de Acción encaminado a la Alcaldía. A la

luz de la vertiente social del movimiento metodista, inspirado en los preceptos de Juan Wesley, se determina que el objetivo general de la CMPR sería el rescate de la ciudadanía de las personas sin techo, de la población de la calle. En esta dimensión, la tesis está estructurada en cinco capítulos, incluyendo una pesquisa de campo, que fue realizada entre funcionarios y ex-funcionarios de la CMPR, con el objetivo de reunir los contenidos necesarios para el análisis de las acciones pastorales de la CMPR. El abordaje se

realizó tomando como referencia la perspectiva de la Praxis Religiosa, llevando también en consideración la praxis

filosófica y educacional.

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Palabras clave: población de la calle, ciudadanía, praxis, metodista, comunidad, pastoral,

Credo Social, Plan para la Vida y Misión de la Iglesia Metodista.

DIAS, Jorge Schütz. Pastoral in Street Situation: Pastoral Actions Analysis of the Methodist

Community of Street People in the City of São Paulo. Thesis. Postgraduate Programme in Religion Sciences - Methodist University. São Bernardo do Campo, 2010.

Abstract

The population in street situation is an urban phenomenon, currently aggravated by aspects of social, economic, cultural nature which gathers people together regardless of age, ethnicity, educational level and gender, in social exclusion situation, prevented from income and supplying of their vital, cultural and social needs. In the condition of exceeding population, they face obstacles to the development of their intellectual, biological and cultural capabilities; to the fairness in guaranteeing civil, political and social rights; to the quality of life in harmony and well-being, aim of human beings and to the utter fulfillment of their citizenship. The Methodist Community of Street People - CMPR has found its space at the beginning of the 1990s, while the Town Hall of São Paulo, in the turn of Mayor Luiza Erundina, promoted through the Social Well Being Municipal Office, the census to know who was, how was living and how the street population in the city of São Paulo was perceived. In this context, the Korean Ebenezer Methodist Church every Sunday offered assistance to the population serving bread, coffee and milk, and chocolate milk in the region of Dom Pedro II Park. It was established the partnership for the creation of CMPR through the awakening of public power and the participation of the Korean Methodist Church through the Korean Cafe. It was fundamental the willingness of Bishops Nelson Campos Leite and Geoval Jacinto da Silva, both from the Third Ecclesiastical Region of the Methodist Church, who started the work using the institution of philanthropic nature of the Methodist Church, the AMAS � Social Assistance Methodist Association. Thus, with headquarters in Bridge Pedroso and due to geographical proximity, the CMPR linked itself to the AMAS from the Methodist Cathedral of São Paulo, acting in three dimensions: (1) creation of Co-Existence House, (2) Sheltering in the winter period; (3) Creation of the Hostel. The Action Plan designed by CMPR that consolidated the creation of the Hostel, dates from the transition 1994/95 and it had as its basis the Social Creed, the Plan for the Life and Mission of the Methodist Church and the Action Plan forwarded to the City Hall, in the light of the social aspect of the Methodist movement from John Wesley, establishing that the overall goal of CMPR would be the redemption of the citizenship of the people who constitute the street people. In this dimension, the thesis is structured into five chapters, included field research that has been conducted with employees and former employees of CMPR, with the objective of gathering contents to analyse the pastoral actions of the CMPR from the perspective of religious praxis, considering the philosophical and educational.

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Key Words: street population, citizenship, praxis, methodist, community, pastoral, Social

Creed, Plan for Life and Mission of the Methodist Church

DIAS, Jorge Schütz. Pastoral in Street Situation: Pastoral Actions Analysis of the Methodist

Community of Street People in the City of São Paulo. Thesis. Postgraduate Programme in Religion Sciences - Methodist University. São Bernardo do Campo, 2010.

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12

Siglas

AAPCS Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidária

ABONG Associação Brasileira de ONGs

AI -5

AIM

Ato Institucional Número 5

Associação Igreja Metodista

AMAS Associação Metodista de Ação Social

ARENA Aliança Renovadora Nacional

BPC Benefício de Prestação Continuada

CELEP Centro Evangélico Latino Americano de Estudos Pastorais

CEMPRE Cadastro Central de Empresas

CIEMAL Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da América Latina

CLAI Conselho Latino Americano de Igrejas

CMPR Comunidade Metodista do Povo de Rua

CRAS Centro e Referência da Assistência Social

EDITEO Editora da Faculdade de Teologia

FABES Secretaria Municipal da Família e Bem Estar Social

FATEO Faculdade de Teologia

FIPE Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas

HIV Human Immunodeficiency Virus � Vírus da Imunodeficiência

Humana

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IEPG Instituto de Especialização e Pós Graduação;

IMC Igreja Metodista Coreana

IMES Instituto Metodista de Ensino Superior

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

ONGs Organizações Não Governamentais

OSCIPs Organizações Sociais de Interesse Público

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

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PDS Partido Democrático Social

PEAS Pesquisa das Entidades de Assistência Social Privadas sem Fins

Lucrativos

PIB Produto Interno Bruto

PM Polícia Militar

PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo

POT Programa Operação Trabalho

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PVMI Plano para Vida e Missão da Igreja

RJ Rio de Janeiro

RMI Rendimento Mínimo de Inserção

SAS Secretaria de Assistência Social

SESC Serviço Social do Comércio

SMADS Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de

São Paulo

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UMESP Universidade Metodista de São Paulo

UNESCO United Nations Educational, Science and Culture Organization

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Lista de Ilustrações

1 Morador de Rua que teve 40% do corpo queimado 35

2 Mulheres em movimento popular do povo de rua 67

3 Mulher negra em situação de rua 68

4 Idosa em situação de rua 69

5 Adolescentes em situação de rua 70

6 Crianças em situação de rua 71

Lista de Gráficos

1 Impedimentos de acesso a locais públicos: discriminação/exclusão 42

2 Acesso à alimentação 46

3 Condições de saúde 46

4 Recursos para higiene corporal 47

5 Necessidades fisiológicas 48

6 Posse de documentação 49

7 Acesso a programas governamentais 49

8 Participação em movimentos sociais e de cidadania 50

9 Mapeamento da população de rua no centro da cidade de São Paulo 58

10 Moradores de rua � albergados/não albergados 59

11 População de rua: homens e mulheres 59

12 População de rua: faixas etárias 60

13 População de rua: grupos por sexo 62

14 População de rua: por cor 63

15 População de rua: por idade 63

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15

16 População de rua: permanência na rua 64

17 Pernoite na rua por faixas etárias 64

18 Meio de deslocamento 65

19 Tempo de permanência no serviço da CMPR 102

20 Motivos de saída do atendimento noturno - CMPR 104

21 Faixas Etárias - Atendimento noturno 106

22 Por Sexo - Atendimento diurno - feminino 107

23 Por Sexo - Atendimento diurno � masculino 108

24 Faixa etária dos entrevistados � CMPR � pesquisa de campo 157

25 Formação dos entrevistados � CMPR � pesquisa de campo 158

26 Carga horária de trabalho � CMPR � pesquisa de campo 158

27 Forma de acesso à CMPR � pesquisa de campo 159

28 O entendimento da expressão �ação pastoral� � pesquisa de campo 160

Lista de Tabelas

1 Quadro Comparativo: Credo Social, Plano para Vida e Missão

da Igreja e Chaves metodológicas

121

2 Cidade e Cidadania: Credo Social e Plano para Vida e Missão

da Igreja

123

3 Pastoral e Pastor: Credo Social e Plano para Vida e Missão da

Igreja

124

4 Pobre e pobreza 124

5 Síntese: relatórios mensais das atividades da CMPR 127

6 Eixos da práxis religiosa 141

7 Pesquisa de campo � grupos: sexo, idade e formação 144

8 Quadro sintético da cidadania: contextos e conceitos 196

9 Constituição Federal 1988: práxis, cidadania, artigo, termo da

lei

198

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16

SUMÁRIO

Sinopse 08

Sinopsis 09

Abstract 10

Siglas 11

Lista de Ilustrações 13

Lista de Gráficos 14

Lista de Tabelas 19

Introdução geral 19

Motivação para escolha da pesquisa 19

(1) Vivência com a sociedade 19

(2) Formação Acadêmica 19

(3) Procedimentos metodológicos 20

(4) Metodologia 21

(5) Referenciais Teóricos 21

(6) Hipótese 25

A Comunidade Metodista do Povo de Rua e a População de Rua 25

A contemporaneidade da Pesquisa 27

Cresce o numero de moradores de rua na cidade em São Paulo 29

Estrutura da Tese 31

Quem se beneficiará com a pesquisa? 33

Capítulo I

O ROSTO DA POPULAÇÃO DE RUA PAULISTANA 35

Introdução 35

I. A população em situação de rua vive em exclusão 39

1.1 Experiências de impedimentos de acesso a locais:

discriminação/exclusão

42

1.2 Apontamentos das realidades urbanas, sociais e políticas no

contorno da população em situação de rua

44

1.3 Acesso à alimentação 45

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17

1.4 Condições de saúde 46

1.5 Recursos para higiene corporal 47

1.6 Necessidades fisiológicas 47

1.7 Posse de documentação 48

1.8 Acesso a programas governamentais 49

1.9 Participação em movimentos sociais e cidadania 50

II. O ser e o estar na rua-paralelos de um horizonte utópico 51

III. Mapeamento da cidade de São Paulo 56

IV. Nova geração em situação de rua: crianças e adolescentes 61

V. Imagens do cotidiano de quem SOBRE-vive na Rua 66

Capítulo II

A COMUNIDADE METODISTA DO POVO DE RUA � CAMINHOS

DO PROJETO DE AÇÃO PASTORAL

74

Introdução 74

I. Do café do Coreano à Comunidade Metodista do Povo de Rua 74

1.1 A criação da Comunidade Metodista do Povo de Rua 81

1.2 Os gestores da Comunidade Metodista do Povo de Rua 84

(1) Pastor Alcides de Lima Barros (1991-1998) 85

(2) Pastor Samuel Duarte (1992-2008) 88

(3) Luiz Wilson Pereira de Barros (2008-em curso) 92

II. Os passos iniciais: A Prefeitura da Cidade de São Paulo e a

Comunidade Metodista do Povo de Rua

93

1. Tempo de Permanência no Serviço da CMPR 102

2. Motivos de saída 103

3. Faixas etárias de atendimento na CMPR

105

Capítulo III

A INTER-RELAÇÃO ENTRE O CREDO SOCIAL, O PLANO PARA

VIDA E MISSÃO DA IGREJA E A AÇÃO PASTORAL DA

COMUNIDADE METODISTA DO POVO DE RUA

112

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18

Introdução 112

I. A vertente social do movimento Wesleyano 114

II. O quadro comparativo dos documentos: Credo Social e Plano para

Vida e Missão da Igreja

121

III. As ações denominadas de pastorais na Comunidade Metodista do Povo

de Rua

125

IV. As atividade pastorais desenvolvidas na Comunidade Metodista do

Povo de Rua

127

V. A ação pastoral na Comunidade Metodista do Povo de Rua e os

desafios da gestão

134

Capítulo IV

PESQUISA DE CAMPO

AS AÇÕES PASTORAIS A PARTIR DOS SUJEITOS QUE AS

DESENVOLVEM NA COMUNIDADE METODISTA

DO POVO DE RUA

140

Introdução 140

I. O diálogo com os sujeitos 142

II. Os subsídios para análise 157

III. Inclusão/Exclusão social 160

IV. Transformação e manutenção - a dimensão da Práxis 163

V. A ação pastoral 169

Capítulo V

CIDADE E CIDADANIA. REFLEXÕES E CAMINHOS PARA A

PASTORAL CIDADÃ

175

Introdução 175

I. Caminhos do conceito de cidadania 178

II. Cidadania e modernidade 187

III. Cidadania à brasileira 190

IV. Quatro sintético: Cidadania 194

1. A tensão entre o social e o eclesial 204

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19

2. A tensão entre a reflexão e a práxis 204

Considerações Finais 206

Referencias Bibliográficas 218

Anexos 227

Autora da Lei do Povo da Rua é secretária da Assistência Social da cidade de

São Paulo

1

Decreto 7053/2009, 23 de dezembro 2009 � Política Nacional para População

em Situação de Rua

Reportagem Agência Brasil: Lula cria política nacional de população de rua,

por Flávia Albuquerque

2

Jornal Nacional, Rede Globo � Os evangélicos: o trabalho Metodista com

moradores de Rua de São Paulo

3

Revista Veja São Paulo, 02 de dezembro 2009: Degradação que se esparrama 4

Credo Social da Igreja Metodista 5

Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista 6

Plano de Trabalho � CMPR (1º novembro 1994) 7

Plano de Ação Pastoral � CMPR, Pastor Samuel Duarte 8

Coordenadoria do Observatório de Políticas Sociais da Prefeitura Municipal

de São Paulo. Controle Mensal de Execução

9

AMAS � Relatórios de atividades do mês de dezembro de 2008 10

Pesquisa de Campo � questionário 11

Decreto nº 40232 � 02 de janeiro 2001 12

Plano de Assistência Social da Cidade de São Paulo (2002-2003) 13

Organograma da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de

São Paulo

14

Algumas considerações sobre a População de Rua na Cidade de São Paulo

(FABES, 1996)

15

Manifestação de Patrus Ananias � Ministro do Desenvolvimento Social e

combate a fome

16

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20

Introdução

Motivação para escolha da pesquisa

1. Vivência com a sociedade

O exercício do pastorado em igreja batista e o envolvimento com segmentos de pessoas

em lugares com diferentes graus de vulnerabilidade social, a experiência de mais de duas décadas

em contato com estudantes da graduação em teologia, as inserções em países africanos

notadamente depois de guerras civis, e o desafio de empreender uma ação pastoral que transcenda

o movimento repetitivo da Igreja, mas que tenha a dimensão da práxis, especialmente no contexto

urbano, foram as forças motivadoras que impulsionaram este projeto de pesquisa e a eleição de

uma ação da Igreja num centro urbano diferenciado, assim como é a cidade de São Paulo.

2. Formação acadêmica

De 2004 - 2009, presidiu a ONG � Casa Filadélfia, uma organização de orientação

evangélica não confessional, focada inicialmente no atendimento a crianças, adolescente e seus

familiares que vivem e convivem com HIV/AIDS. A Casa Filadélfia, durante os próximos 2 anos,

desenvolverá junto a Secretaria da Saúde, via Programa Estadual de DST/AIDS, um projeto na

temática do cuidado e prevenção do corpo junto às escolas da região de Ponte Rasa em São

Paulo. Ela tem atualmente ampliado sua presença social trabalhando com a SMADS - Secretaria

Municipal da Assistência e do Desenvolvimento Social - em dois programas: o Programa Ação

Família Viver em Comunidade, atendendo 1.200 famílias em situação de alta e muito alta

vulnerabilidade social na região de Ermelino Matarazzo e Ponte Rasa; e o programa CCA -

Centro da Criança e do Adolescente, atendendo crianças e adolescentes que se encontram nas

mesmas condições acima citadas.

Igreja sem Fronteiras, Fronteiras sem Igreja - Análise das práticas Pastorais nas

Igrejas Batistas da Região Leste da Cidade de São Paulo, num Contexto Urbano de Contrastes,

de 1980 a 2000, na Perspectiva da Teologia Prática. Dissertação apresentada em 2004 no

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP. Na continuidade, o

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21

pesquisador entendeu que deveria ampliar suas pesquisas e desta forma, uma vez que sua

vivência no pastorado urbano lhe desafiou a olhar para população de rua como um segmento a ser

atendido, optou pelo estudo da Comunidade Metodista do Povo de Rua, que se adéqua às suas

percepções, uma vez que se trata de uma experiência com a população de rua de recorte

confessional. Mesmo porque a população em situação de rua estava constituindo-se um fenômeno

nos grandes centros urbanos.

Produzir, portanto, a pesquisa, representa não só a reunião de conhecimento adquirido

pelo pesquisador, mas oportuniza abertura à aquisição de novos conhecimentos, os quais serão

aprofundados e reproduzidos na dimensão da Ação Pastoral e da Práxis, que sirvam a

Organismos da Igreja voltados a Pastoral, a Órgãos do Governo que elaboram políticas públicas

nas área social, as ONGs e Organizações da Sociedade Civil que se dedicam ao atendimento de

pessoas em situação de risco e alta vulnerabilidade, e a Academia na formação de estudantes

tanto em nível de graduação como de pós-graduação.

Uma vez definido o objeto de pesquisa, foram estabelecidos os procedimentos a serem

desenvolvidos na pesquisa.

3. Procedimentos metodológicos

Método

Pela natureza da pesquisa de dados, ela será desenvolvida seguindo o método dialético,

pois se entende que o método dialético, que penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação

recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza

e na sociedade2. Segundo Carlos Gil3, o Método Dialético fornece as bases para uma

interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não

devam ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influencias políticas,

econômicas, culturais e religiosas. Além desse método, será adotado o método de procedimento

estatístico que trata da coleta de dados na abrangência de uma pesquisa documental direta por

2 LAKATOS, Eva Maria e MARCONI. Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico, p. 106 3 GIL A.C., Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo:, 1999.

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22

meio de questionário constituído por uma série de perguntas que devem ser respondidas por

escrito e sem a presença do pesquisador4.

Assim, o Método Dialético irá contribuir na verificação dos pontos de unidade da prática

pastoral e os desafios para a conscientização da cidadania da pessoa em situação de rua. A coleta

de dados, pela pesquisa de campo, oferecerá elementos para a análise crítica da ação pastoral

desenvolvida na CMPR.

4. Metodologia

Na pesquisa, considerando ser no campo das ciências sociais, será desenvolvida a

metodologia bibliográfica, incluindo a análise textual, histórica e crítica em documentos da Igreja

Metodista, da Comunidade do Povo de Rua, de Publicações do Governo.

Realizando pesquisa de campo com dez sujeitos, a fim de serem colhidas, por meio de

amostragem, elementos da ação pastoral desenvolvidos pelo objeto da pesquisa.

5. Referenciais teóricos

Pela natureza serão considerados quatro referenciais teóricos que darão sustentáculos aos

conceitos usados na teses, são ela/eles:

Para as categorias inclusão/exclusão, Aldaíza Sposati5.

É indispensável que o cidadão tome consciência da sociedade e da cidade onde vive. Se

isso não acontece, ele sofre a pena de não viver nem exercer a democracia, muito menos de ser

agente ativo no seu processo histórico urbano.

A vida na cidade há de ser vivida como vida coletiva, compartilhada no mínimo e no

máximo com todos os que nela habitam. Caso contrário, uns terão mais e viverão mais e outros, o

oposto.

4 LAKATOS, op. cit. p. 107. 5 SPOSATI, Aldaíza (coord.). Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo, 2000 � Dinâmica social dos

anos 90. São Paulo: PUC-INPE, 2000.

Os direitos dos desassistidos sociais. São Paulo: Editora Cortez, 1989.

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23

O mapa da exclusão/inclusão social se propõe a registrar em gráficos a dinâmica da

cidade e como se expressa nas populações pobres e ricas, onde se encontram os bolsões de

pobreza e abandono pelos órgãos públicos. Ela também registra a criminalidade, o analfabetismo

e como as oportunidades de acesso são obstruídas e quem as obstrui, além de delinear as

tendências sociais, bem como um esboço de possíveis ações do governo com vistas a atender a

população na faixa extrema da vulnerabilidade.

A partir desta autora, faremos a reflexão da inclusão e exclusão social na cidade de São

Paulo, especialmente no centro dessa cidade, onde está inserida e atua a Comunidade Metodista

do Povo de Rua.

Para a categoria Práxis religiosa, Casiano Floristán6.

A teologia prática se propõe a analisar a teologia pastoral adotada pela igreja no decurso

de sua história. Ela procura objetivamente entender as razões e as tendências que cercam as

comunidades cristãs. Essas razões e tendências, de alguma forma, interferem nos projetos de ação

pastoral da igreja.

A teologia prática apresenta, no cenário da igreja, a figura do pastoralista � o teólogo da

práxis que difere da igualmente relevante figura do pastor em sua dedicada ação pastoral. Casiano

Floristán, nesta obra, pretende que essa figura seja entendida como um manual e adota o método

clássico de estudar os grandes temas da igreja à luz da Bíblia, da história, da teologia e da

realidade social. Ele adota como procedimento pedagógico-científico, o trinômio proposto na

assembléia de Medellín: ver, julgar e agir.7 Com este autor, analisaremos a ação pastoral a partir

da práxis.

6 FLORISTÁN, Casiano, Teología Práctica Teoría Y Praxis de La Acción Pastoral. Salamanca: Ediciones

Sígueme, 2002. 7 HIGUET, E. Medellín e o método da Teologia da Libertação. A maioridade da Teologia da Libertação Estudos de

religião 6 ano IV, no.6 , 1989. Medellín e o método ver-julgar-agir: A transformação que, na América latina, deve

atingir a totalidade da pessoa, corpo e alma, antecipa a salvação escatológica que integrará �aquelas conquistas que,

como sinais indicadores do futuro, o homem vai fazendo, através de uma atividade realizada no amor�. Essa

transformação consistirá � entre outros aspectos � na superação das �estruturas opressivas, quer provenham dos abusos das posses ou do poder, da exploração dos trabalhadores ou da injustiça das transações�. A introdução

antecipa aqui a crítica do abuso da propriedade privada dos meios de produção e da opressão exercida através do Estado no regime capitalista. As conclusões propriamente ditas são divididas em três partes: Promoção Humana;

Evangelização e Crescimento da Fé; a Igreja visível e suas estruturas. Em cada um dos dezesseis documentos que se

repartem entre as três grandes seções reaparece a mesma estrutura redacional tripar tite: análise da situação de modo

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24

Oswaldo Santos Junior8 refere-se à Teologia Prática em Cassiano Floristán apontando que

esta se compreende em:

Nem toda atividade ou ação humana é práxis. Os traços característicos da práxis são, para ele:

1) Ação criadora � e para isso é necessário certo grau de consciência crítica. A práxis criadora é

inovadora frente às novas realidades. 2) Ação reflexiva � a superação da espontaneidade exige um alto grau de reflexão. Toda ação

exige a reflexão permanente e crítica para traçar objetivos claros. 3) Ação libertadora � existe práxis na medida em que existe um projeto de libertação. A

transformação das estruturas sociais é o fim de toda práxis, bem como a ação de promover a

liberdade humana. 4) Ação radical e não-reformista � a práxis tem como objetivo transformar a organização em

direção à sociedade, mudando as relações econômicas, políticas e sociais. Numa sociedade que

se divide em classes este processo de transformação radical resulta na luta de classes. Disto

advém a atividade política que busca a transformação social na sua raiz (radicalidade). Na

construção de uma sociedade nova, sinalizada pela liberdade e pela igualdade, é necessária uma

mudança pela raiz e não uma simples reforma.

Para a categoria Cidadania, Bauman Zygmunt9.

A abordagem de Bauman contém temas contemporâneos, movimentos urbanos em

processo, são do interesse da pastoral, especialmente a transição do período entre a modernidade

e a pós-modernidade, destacando-se a segunda metade da década de 1960. Ele não analisa essas

questões por apenas um prisma, mas no verso e no reverso, permitindo ao pesquisador acessar

aos conteúdos diante de uma ampla gama de possibilidades e interpretações. Por exemplo, as

ressignificações das categorias de individualismo, liberdade, segurança, capitalismo e

neoliberalismo, e a transição dos contornos de conceituação de família a partir do conceito

judaico-cristão e sua nova dimensão de grupo multinucleado que figura na pós-modernidade. No

dinâmico, incluindo práxis, conflitos e lutas, realizada com o auxílio de um instrumental emprestado das ciências

sociais (ver); avaliação teológica, à luz da Palavra de Deus, dessa situação (julgar); orientações tanto para a ação dos

cristãos na sociedade como para a ação mais especificamente pastoral da Igreja Institucional (agir). 8 SANTOS JUNIOR, O. O. A Filosofia da Práxis em Diálogo com a pastoral urbana. In : SILVA, G.J. (Org.) �

Itinerário para uma pastoral urbana � São Bernardo do Campo - Editora Metodista, 2008. p.97 9 BAUMAN. Zygmunt Confiança e medo na cidade, Rio de Janeiro: Zahar, 2009

__________. Zygmunt Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2004

__________. Zygmunt Modernidade Líquida, Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

__________. Zygmunt Comunidade a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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25

seu livro Comunidade, um dos que se pretende circular nessa tese, ele apresenta em síntese a

complexidade dessa categoria na sociedade moderna. Ele escreve:

EEnnqquuaannttoo ooss rriiccooss ddeessffrruuttaamm ddee uumm eelleevvaaddoo ggrraauu ddee lliibbeerrddaaddee ddee eessccoollhhaa ppeessssooaall,, rreeaaggiinnddoo lliivvrree ee aalleeggrreemmeennttee aaoo ccrreesscceennttee lleeqquuee ddee ooffeerrttaass ddoo mmeerrccaaddoo,, éé ffáácciill ddeemmaaiiss ddeeffiinniirr aaqquueelleess qquuee nnããoo rreeaaggeemm ddaa mmaanneeiirraa eessppeerraaddaa ppoorr ppaarrttee ddooss ccoonnssuummiiddoorreess aaddeeqquuaaddooss,, ccoommoo ppeessssooaass iinnaappttaass ppaarraa ffaazzeerr bboomm uussoo ddee ssuuaa lliibbeerrddaaddee ddee eessccoollhhaa;; ppeessssooaass qquuee eemm úúllttiimmaa aannáálliissee,, ssããoo iinneeppttaass ppaarraa sseerreemm lliivvrreess..

Para a categoria Pobreza, Viv Grigg10.

A definição do conceito de pobreza esbarra no problema da percepção histórica em que

cada população está envolvida. Justifica-se com isso dizer que a classe média numa cidade latino-

americana é mais pobre que os pobres numa cidade norte-americana.

A pobreza absoluta é termo que qualifica o ser humano destituído de suas necessidades

básicas tais como, alimentação, vestuário e habitação.

A pobreza relativa diz respeito a padrões de vida adotados entre habitantes de uma mesma

cidade estruturada em bairros que definem superficialmente o padrão de vida daqueles que ali

habitam.

Outra maneira de se entender a questão da pobreza diz respeito à inserção do ser humano

na sociedade e o que esta sociedade oferece em termos de recursos e oportunidades para o seu

desenvolvimento no presente e no futuro.

Grigg11 afirma:

É um engano imaginar-se que os pobres só são encontrados em favelas ou em áreas de

ocupação e que os habitantes das favelas, de um modo geral, sejam todos eles, necessariamente

pobres. Favela e pobreza não têm a mesma correlação. Mesmo entre os pobres existe uma

estrutura ou categoria de classe.

6. Hipótese

10 :: GRIGG. V. O Grito dos pobres na Cidade, Belo Horizonte: Missão Editora, 1994. 11 GRIGG, V. op. cit. p.54

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Pedro Demo12, afirma que na elaboração de uma hipótese é recomendável que se parta de

uma construção de delimitações, visando posteriormente à apresentação das proposições. Nesta

base é que se construiu o objeto desta pesquisa: a análise das ações pastorais da Comunidade

Metodista do Povo de Rua junto à população em situação de rua na cidade de São Paulo, no

período de 1992 a 2009, tomando-se como foco a categoria da cidadania, uma vez que este era o

objetivo especifico da CMPR em sua implantação, conforme o Plano de Trabalho13 estabelecido

em Parceria com a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social da Cidade de São Paulo na

perspectiva da práxis nas suas dimensões filosófica, educacional e religiosa, e se as mesmas

constituem-se em práxis criadora, reflexiva, libertadora e radical. Recorrer-se-á, igualmente, aos

documentos Credo Social14 e Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista.15

A Comunidade Metodista do Povo de Rua e a População em Situação de Rua

A população em situação de rua é um dos problemas típicos do mundo urbano. A partir

dos anos 90, a população do povo de rua, por sua situação de excluídos, ganha na cidade de São

Paulo visibilidade e começa a preocupação, em torno da mesma, por parte dos poderes públicos e

privados. Tal preocupação surge porque, pela necessidade de sobrevivência, o homem e a mulher

de rua, famílias inteiras em alguns casos, ocupam os lugares vazios como habitações provisórias

para as noites, e vivem em mendicância durante o dia.

A situação de empobrecimento tem colocado indivíduos e famílias a viverem pelas ruas

das grandes cidades. Suas moradias se concretizarão na vivência durante o dia na rua e à noite

sob os viadutos, marquises e quaisquer outros lugares que possam servir de abrigo do frio ou da

chuva. Sensível a esta problemática crescente nas últimas décadas, da pessoa de rua, é que

12 DEMO, Pedro. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 2000. 13 O Plano de Trabalho � documento encaminhado à Secretaria do Bem-Estar Social da Prefeitura Municipal de São

Paulo em 1994. Ver anexo. 14 Credo Social: A Igreja Metodista afirma sua responsabilidade cristã pelo bem-estar integral do ser humano como decorrente de sua fidelidade à Palavra de Deus expressa nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos. Esta

consciência de responsabilidade social constitui parte da preciosa herança confiada ao povo metodista pelo

testemunho histórico de João Wesley. O exercício dessa missão é inseparável do Metodismo Universal ao qual está

vinculada a Igreja Metodista por unidade de fé e relações de ordem estrutural estabelecidas nos Cânones (Cânones,

1998 - artigo 4º, p. 47). 15 Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista: O Plano para Vida e Missão da Igreja é a continuação dos Planos

Quadrienais de 1974 e 1978 e consequência direta da consulta nacional de 1981 sobre a Vida e Missão da Igreja,

principal evento da celebração de nosso 50º aniversário de Autonomia (Cânones 1998 - artigo 25).

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27

Igrejas, comunidades religiosas e iniciativas independentes iniciam atividades de caráter social

para atender essa população, e com essas iniciativas também o poder público se associou em

atendimento à população em situação de rua.

As Igrejas percebem que, além da atuação assistencial, faz-se necessário oferecer abrigos

permanentes no acolhimento da população de rua, conjugando aí a presença de ações pastorais.

Nesse sentido, a Igreja Católica Romana16, a Igreja Metodista e a Comunidade Espírita foram

pioneiras no Estado de São Paulo. Dessa forma, depois de quase duas décadas, aflora a

preocupação de se analisar as propostas pastorais da Igreja Metodista desenvolvidas na

Comunidade do Povo de Rua. Assim, sob o tema, o desafio do desenvolvimento urbano

reconhece que o habitat na rua é um dos problemas típicos das grandes cidades. A partir dos anos

80, a população do povo de rua, por sua situação de excluídos, ganha na cidade de São Paulo

visibilidade e começa a preocupação, em torno da mesma, por parte dos poderes públicos e

privados. Tal preocupação surge porque, pela necessidade de sobrevivência, o homem e a mulher

de rua, famílias inteiras em alguns casos, ocupam os lugares vazios como habitações provisórias

para as noites, e vivem em mendicância durante o dia. A partir dessa situação subumana, outros

problemas como furtos, mortes violentas, etc. começam a preocupar as autoridades públicas, bem

como a população em geral. Todos se sentem ameaçados por esse novo cenário que é resultado

da realidade política, social, religiosa e econômica do país.

As Igrejas17 e outros movimentos de cunho religioso percebem que, além da atuação

assistencial, faz-se necessário oferecer abrigos permanentes no acolhimento da população de rua,

conjugando aí a presença de ações pastorais. Nesse sentido, a Igreja Católica Romana,

Movimento de Associações Espíritas, a Igreja Metodista no Brasil e outras iniciativas de

particulares e voluntários foram pioneiros na cidade de São Paulo. Dessa forma, depois de quase

duas décadas, nasce à intenção de pesquisar-se as ações da Comunidade do Povo de Rua, dentro

de seu objetivo especifico, qual seja, de resgate da cidadania à população em situação de rua na

cidade de São Paulo.

16 VIEIRA, Maria Antonieta Costa, et all. População de Rua � quem é, como vive, como é vista. São Paulo: Hucitec,

1992. p.124. A distribuição gratuita de comida nos pontos pesquisados é feita predominantemente em espaços

públicos, e ocorre em sua maioria nos finais de semana. Instituições como a Igreja Coreana, a Federação Espírita, a

Igreja Nosso Senhor dos Passos distribuem as refeições em recintos próprios, de uma a duas vezes na semana. As

que distribuem alimentação diariamente são a Obra de Santa Zita e a Igreja de São Francisco, bem como o Mesão e o

McDonald´s. 17 VIEIRA, idem p. 113-147.

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A contemporaneidade da Pesquisa

A contemporaneidade da temática e sua pertinência podem ser evidenciadas a partir da

visibilidade que a população em situação de rua vem ganhando com a atenção do poder público

mediante a criação de conselhos específicos para atender a esta demanda urbana.

As entidades que vêm se formando focadas neste segmento, tais como publicações

específicas, a exemplo do Jornal O Trecheiro18; a criação de leis focadas na população de rua, tal

como a Lei Federal 7053/0919 e a mais recente publicação, em dezembro de 2009, o livro Rua

Aprendendo a Contar Pesquisa Nacional sobre a população em situação de Rua, de autoria do

Ministro Patrus Ananias, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ilustram

a sua relevância à sociedade em geral e aos moradores das grande cidades em particular, a

atenção que a televisão20 e a mídia impressa de grande massa, assim como especificamente a

Revista Veja São Paulo21, e setores da mídia eletrônica como as Redes Globo e Rede TV, as

quais se apontam as reportagens a seguir:

Na Rede Globo de Televisão o Jornal Nacional apresenta a Comunidade Metodista do

Povo de Rua, assim:

O Jornal Nacional está apresentando, nesta semana, uma série de reportagens sobre o trabalho

social de igrejas evangélicas que atuam no Brasil. Nesta quarta, você vai conhecer o trabalho

dos metodistas nos subterrâneos da nossa maior cidade. Eles estão lá, mas pouca gente vê ou

quer ver. Vidas estacionadas nas calçadas, presas no beco escuro da indiferença. �A cidade trata

como quem não tem mais chance. Eles olham e falam: �Aquele não tem mais jeito��. É um

caminho que parece não ter volta. Viver na rua transforma a vida das pessoas por fora e também

por dentro. Sensações de raiva, angústia, fome, medo vão se multiplicando. A prefeitura de São

Paulo estima que 12 mil pessoas vivam dessa forma, numa espécie de prisão a céu aberto, nas

ruas da cidade. Pois quis a ironia que justamente no bairro da Liberdade, uma porta aberta para dentro de um viaduto se transformasse numa saída, numa chance para quem não tem mais nada A escada leva para uma espécie de oásis urbano, repleto de desencontros. �Meu nome é

Edileusa Maria de Lima�. �Sou aqui de São Paulo e quero que minha família venha me

procurar�. �Estou procurando um primo meu de Minas Gerais�. Uma chuveirada que revigora.

Um tanque para lavar as roupas. Um ferro para passar. Um lugar para trocar a dureza do cimento pelo conforto de um travesseiro. �Por enquanto, o meu endereço é o armário 59 e daqui

a pouco pode ser outra coisa melhor. Esse barulho da rua é um terror�, disse o auxiliar de

serviços gerais Paulo César Oliveira. �Quando a pessoa está perdida, ela precisa de um gesto,

18 ANEXO 1. O Trecheiro Notícias do Povo de Rua no. 95. Ano X. Março de 2002. 19 ANEXO 2. Decreto 7053/09 | Decreto no. 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Politica Nacional para População em

Situação de rua. Agência Brasil. Lula assina decreto que cria política nacional para população de rua. Flávia

Albuquerque. 23 de Janeiro de 2009. 20 ANEXO 3. Rede Globo � Jornal Nacional. SP: metodistas salvam almas nos subterrâneos. 27 de Maio de 2009. 21 ANEXO 4. Revista Veja São Paulo. 2 de dezembro de 2009. Degradação que se esparrama.

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de alguém que estenda a mão, que demonstre o amor de Cristo de forma prática. É essa fé que

nos faz olhar para essa pessoa e entender que ele foi criado a imagem e semelhança de Deus. Se

não fosse a fé, não estaríamos aqui�, declarou Marcos Antonio Garcia, pastor da Igreja Metodista. Esta é fé dos evangélicos da Igreja Metodista, fundada em Londres, no século

XVIII. Ela chegou ao Brasil em 1835 e hoje tem 341 mil fiéis. Os Metodistas são conhecidos

por serem missionários, por considerarem que o mundo é a sua paróquia e por não perderem a

esperança nas pessoas. �A fé em ação transforma muita coisa, essa é uma crença de quem está

nesses trabalhos e essa é uma crença importante porque acaba tendo uma interferência na vida

dos indivíduos�, explicou a antropóloga Christina Vital da Cunha, do Instituto de Estudos da

Religião. Quem acreditaria no vigia Antônio José de Souza, afundado nas drogas, alcoólatra,

abandonado pela família, mendigando nas ruas uma chance de sobreviver? �Eu falei assim: �Eu

posso entrar para tomar um copo de água? �. E ele carinhosamente abriu a porta. Nessa hora, o

chão parece que se abre. Essa porta aqui foi o começo de uma vida�. Antônio foi recebido no

abrigo pelo ex-capitão Luiz Pereira de Souza. Condenado a 43 anos de cadeia por assassinato. Diz que conheceu a fé na prisão. �Dia 15 de dezembro de 95 entrei em pânico e disse que não

ficaria mais um dia. Eu lembro da data, porque nesse dia eu tive uma experiência com Deus, em

que eu vi Jesus me abraçando e ali pude mudar a minha vida�. Sem esperar, ganhou um indulto depois de cumprir 14 anos de pena. �Quando eu vi o documento, estava lá: ex-sentenciado Luis Wilson Pereira de Souza está perdoado de todo o restante da sua pena, pode ir para casa. Nessa

hora, desabei, comecei a chorar, e só falava uma coisa: �Deus é fiel, Deus é fiel, Deus é fiel��. De ex-detento, o antigo capitão passou a ser salvador de almas. Luis deu a Antônio o conforto e

a chance de que ele precisava. Mudança iluminada: do esquecimento das ruas para uma vida

intensa. Neste mesmo templo, o ex-mendigo se casou com Tereza, também moradora de rua.

Tiveram uma filha, conseguiu trabalho e uma vaga no hotel social da prefeitura. A improvável

família sabe exatamente que nome dar para o que lhes aconteceu. �Nós três aqui somos um milagre�, afirmou Antônio. São 38 anos vivendo na rua. Bastaram três conhecendo a

compaixão dos metodistas para que Antônio e Tereza recuperassem a dignidade. �Eu cheguei a

dormir na 23 de maio, naqueles buracos que tem na 23. Hoje, eu moro na Brigadeiro Luis Antonio, Bela Vista�. (Edição do Jornal Nacional em de 27 de maio de 2009).

A reportagem do Jornal Nacional destacando a Comunidade Metodista do Povo de Rua,

apontando esta presença como a participação da Igreja Metodista no contexto urbano, possibilita

que se perceba o ponto do percurso atual da Ação Pastoral da CMPR que está focada na

transformação de pessoas, ação que uma igreja local está responsável em fazer, razão pela qual a

reportagem se inicia no Viaduto Pedroso e se encerra dentro do ambiente do templo. Isto aponta

que a CMPR assume a dimensão de Comunidade Alternativa, ou de Igreja focada na População

em Situação de Rua. Assim se configurando sua proposta de promover a cidadania à população

de rua tem se transformado num atendimento individualizado.

No Jornal da Rede TV22 que comparou a população de rua na cidade de São Paulo, em

Paris e em Nova York.

22 REDE TV. Jornal exibido em 04 de dezembro de 2009.

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Desta forma, demonstrando não só a relevância da temática como se observou acima, mas

que há preocupação dos governos e entidades filantrópicas e religiosas em atender esta

população, e na medida em que seja possível, o poder público que analisa a situação em cada

contexto, as igrejas e outras entidades poderão se bem se estruturarem para tanto, promoverem o

trânsito de conhecimentos e experiências com vistas a criação de políticas e procedimentos que

construam caminhos no sentido do resgate da cidadania às pessoas em situação de rua.

Cresce o número de moradores de rua na cidade em SP

Injustiça e desumanidade na maior capital brasileira. Cresce o número de moradores de Rua em São Paulo e a cidade ainda não tem condições para abrigar todo as estas pessoas. Cai à noite na maior cidade do país e aos poucos milhares de pessoas começam a tomar as calçadas e esquinas das ruas em busca de um canto para dormir. Nos últimos meses o numero de moradores de rua aumentou significativamente e não são só os cartões postais da cidade que servem de abrigo

para os sem teto, mas eles migram para outros bairros. No centro os locais mais procurados são

o vão livre do MASP, Av. Rebouças, Parque Trianon, Minhocão, Av. Joaquim Floriano, Consolação, Alameda Santos entre outros. Em 2003, segundo um estudo da FIPE � Fundação

Instituto de Pesquisas Econômicas eram 10.400 pessoas em situação de Rua. A Prefeitura de

São Paulo estima que sejam 12 mil, mas movimentos dos próprios moradores de rua apontam

que passa dos 20 mil. A Secretaria de Assistência Social dispõe de quarenta albergues na cidade

com capacidade para 9.500 pessoas. Dois foram fechados recentemente por não apresentarem condições de funcionamento: O Cirineu, na rua Santo Amaro, com 180 vagas e o São

Francisco, no Glicério, com 420 vagas, isto explica o numero de pessoas na rua. O albergue Pedroso com capacidade para 380 pessoas quer ampliar o atendimento mas ainda não encontrou

o espaço adequado.

Em Paris: O correspondente da Rede Tv News na Europa, Frans Vaseque, vai ver de perto a realidade das ruas de Paris, bem longe dos cartões postais da cidade Luz: Para muitas pessoas eles são invisíveis, mas estão por toda parte. Se fazem notar pela música

pedinte ou pelos acordes nos subterrâneos do metrô. Subindo a escada nos deparamos com mais um cartão postal da Cidade Luz, que não brilha

igual pra todos. Para quem é obrigado a fazer das ruas o lar, o rigoroso inverno Europeu é um período ainda

mais duro para os que enfrentam o calvário da fome. É na madrugada que há cinco anos o polonês Mário puxa carroça a procura do que comer Este é Dominique, sem trabalho há nove anos e meio, leva a casa nas costas apesar dos 450 euros que recebe do governo. Eles são SDF: Sigla que significa Sem Domicílio Fixo, como é chamado em Paris quem mora

nas ruas. Dominique diz que basta olhar para ele e ver que a França não é um país rico. Ele diz que na sua situação ou morre de frio ou fome. Comida mesmo só uma vez por dia. Ainda assim,

consegue se despedir com um sorriso. Mas não sem antes falar seu sonho: Morar nas ruas do Brasil. A explicação: O Desejo de dias quentes.

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Dominique e Mário pouco a pouco somem na paisagem. Eles são exemplos de europeus que vivem a miséria típica dos países pobres. Estudos mostram que nos últimos seis anos 1200 SDF

morreram nas ruas da França. Eles vivem em média 48 anos, num país onde a expectativa de

vida ultrapassa os 80 anos.

Em Nova York:

A cidade de Nova York tem cerca de 80.000 moradores de rua. A Maioria é de ex-soldados de guerra. Este é o abrigo de moradores de rua mais antigo dos Estados Unidos. Há 137 anos este local é

refúgio para pessoas que tiveram a vida devastada. Isto aconteceu com Francisco Javier Soto. Esse mexicano viveu nas ruas de Nova York durante quase dois anos. Agora Francisco passa as noites no abrigo e também faz cursos durante o dia. Ele é apenas um dos cerca 80.000 moradores de rua da Cidade de Nova York. Alguns são viciados, analfabetos, têm até mesmo

pessoas com diplomas universitários. Quem faz essa análise é o diretor do abrigo James V.

Hagen. Mas apesar do número ser tão elevado ele garante que há camas e comida para todos

que solicitarem. Porém, mesmo com opções para saírem das ruas muitos não procuram ajuda.

Segundo o diretor, parte se recusa a seguir as regras impostas pelos alojamentos. Outro dado alarmante é a quantidade de ex-soldados que vivem ao relento. De acordo com as estatísticas, um em cada três moradores de rua serviu às forças armadas. De acordo com o

diretor do abrigo, os soldados são treinados exaustivamente para viverem vinte e quatro horas por dia em alerta, prontos para a guerra, mas quando retornam do campo de batalha não

recebem orientação para voltar ao convívio social. Esses dois moradores de rua são ex-combatentes. Durante a última madrugada tentei falar com um deles, mas ele se recusou dar entrevista. Porém, sabendo que estava sendo filmado disse que não conta com a ajuda do governo. (Reportagem de Fabio Borges)

Outro fato a ressaltar é que há setores da População em Situação de Rua que já se

organizaram de tal forma a constituir um Jornal Mensal chamado de O Trecheiro23, que já esta na

sua 194ª publicação e que alinha temas do interesse da População de Rua.

No poder público há, igualmente, providências que estão sendo tomadas no sentido

jurídico e programático com a Lei do Morador de Rua de Autoria da então vereadora Aldaíza

Sposati (2002) e em seguida a Publicação do Plano de Assistência Social da cidade de São Paulo

(2002-2003), que é um documento detalhado, abrangente e consistente de caminhos e indicações

agressivas no sentido de competir as raízes da exclusão social.

Ademais, a recente lei federal 7053/09, bem como as providências do poder público

municipal no que diz respeito ao fechamento de albergues oferecidos a população de rua em que

a insalubridade expõe as pessoas a riscos agravantes a saúde, conforme a revista Veja São Paulo

de 02 de dezembro de 2009 publicou a respeito do fechamento dos Albergues São Francisco no

Glicério, Cirineu, na Rua Santo Amaro e anunciou o fechamento do Pedroso, notadamente por

23 www.otrecheiro.org.br

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condições insalubres, e também na busca de uma reestruturação uma vez que a reportagem

aponta que Prefeitura de São Paulo investiu 70 milhões de reais no assistencialismo a população

em situação de rua na cidade.

Registra-se a importância da aproximação a População de Rua e a contemporaneidade

desta pesquisa assinalando a publicação recente, no final de 2009, do texto de Patrus Ananias,

Ministro do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sob o tema Rua:

Aprendendo a Conta. Pesquisa Nacional sobre a população em situação de Rua.

A Estrutura da Tese

Atendendo as exigências acadêmicas e considerando a pertinência e a relevância a

pesquisa têm a seguinte estrutura, introdução, cinco capítulos, considerações finais e referências

bibliográficas, assim apresentadas:

No primeiro capítulo, o rosto da População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo,

se aponta a realidade da população de rua e as condições de ser e estar na rua. São apresentados

gráficos construídos pelo pesquisador a partir de dados coletados pela Prefeitura de São Paulo e

pela FIPE (Instituto Fundação de Pesquisas Econômicas). Qual é o perfil desta população, sua

formação, cultura, estado de saúde, e quais circunstâncias motivaram seu ingresso na População

em Situação de Rua, e em quais espaços do cenário urbano eles se concentram.

No segundo capítulo se apresenta A Comunidade Metodista do Povo de Rua - Caminhos

do Projeto de Ação Pastoral indicando o contexto político social em que a Comunidade Metodista

do Povo de Rua foi criada, ao tempo da gestão da Prefeita Luiza Erundina no período entre 1989

e 1993, quem recebe o mérito de promover uma pesquisa fundante a partir da qual se

desenvolveram novos caminhos de ação junto à população de rua. A relação da Igreja Metodista

com o Poder Público Municipal e a leitura que os bispos Nelson Campos Leite (1987 � 1991) e

Geoval Jacinto da Silva (1992 � 1997) fizeram das condições naquela época entendendo que

deveriam assumir parceria com o poder público municipal, e de aprofundar a ação que já vinha

sendo desenvolvida pela Igreja Metodista Coreana Ebenezer com o Café do Coreano. Também se

afirma o papel relevante da A.M.A.S. � Associação Metodista de Assistência Social, bem como,

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33

a consolidação da direção da CMPR, e assim se apontam a participação e atuação de três

gestores.

No terceiro capítulo aborda-se a inter-relação entre �O Credo Social� 24, �O Plano para

Vida e Missão da Igreja� 25 e a �Plano de Trabalho da Comunidade Metodista do Povo de

Rua/1994� 26. Nele se apresenta o documento fundante da parceria entre a CMPR e a Secretaria

de Ação Social da Prefeitura de São Paulo, no qual estão delineadas todas as intenções da

Comunidade Metodista em seus afazeres junto á População em Situação de Rua. É neste

documento, datado de novembro de 1994, que se aponta o objetivo específico da criação do

Albergue era promover a cidadania. A partir desta linha o pesquisador trouxe para o texto o

encontro do Credo Social e o Plano para Vida e Missão da Igreja, os quais foram colocados lado

a lado, observando-se que no primeiro, estão especificadas as percepções da Igreja e o que ela

constata como realidade a ser trabalhada. No segundo PVMI estão elencadas as ações

correspondentes ao que está constatado no Credo Social. E desta triangulação entre estes

documentos, Credo Social, Plano Para a Vida e Missão da Igreja e o Plano de Trabalho/1994

procurou-se delinear em que condição, em que estatura ficou o atendimento ao objetivo instituído

pela Comunidade Metodista de promover a cidadania à população em situação de rua. São

utilizadas neste encontro dos três documentos as seguintes chaves metodológicas: (1) Cidade,

urbano e comunidade; (2) Pastoral � pastorado; (3) Pobre e pobreza.

No capítulo quatro situa-se a pesquisa de campo na qual se procura perceber as ações

pastorais a partir dos sujeitos que as desenvolvem na Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Estabeleceu-se um diálogo com os sujeitos tanto os que atualmente , bem como, outros que já ali

participaram na perspectiva de se constituir um perfil dos agentes, mas não somente isto, mas

procurar perceber a forma como cada um de todos que ali atuaram, o como viveram a experiência

junto à população em situação de rua, sua formação acadêmica e cultural, seu tempo ali

empregado de trabalho, e como se inserem no plano de trabalho/1994 da Comunidade,

primeiramente perscrutando-se qual o entendimento que cada um dos sujeitos revelava sobre a

temática da ação pastoral. Esta pesquisa permitiu que se configurasse o desgaste em todos os

sentidos a que os sujeitos são expostos no contato intenso e repetitivo com o histórico complexo e

sofrido da população em situação de rua. Para a abordagem deste capítulo utilizou-se como chave

24 ANEXO 5. Credo Social da Igreja Metodista. Cânones 2007. www.metodista.org.br 25 ANEXO 6. Plano para Vida e Missão da Igreja. Cânones 2007. www.metodista.org.br 26 ANEXO 7. Plano de Trabalho da Comunidade Metodista do Povo de Rua/1994.

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34

metodológica os conceitos da Práxis Religiosa encontrada em Casiano Floristan, entretanto,

assinalou-se a Práxis como um todo, tanto em sua dimensão filosófica como educacional.

No capítulo cinco tratou-se de CIDADE E CIDADANIA. Reflexões e Caminhos para a

Pastoral Cidadã. Recorre-se a pastoralistas que tratam da questão da urbanidade e desenvolveu-se

uma trajetória do conceito de cidadania, na perspectiva de se construir uma compreensão de que

o tema tem suas especificidades, e o que se está pretendendo dizer quando se aporta esta

categoria nesta pesquisa, pois dela se fala dentro do tríplice conceito de direito: (1) direito civil,

(2) direito político e (3) direito social, como bens inalienáveis do cidadão, e quem não goza deles,

precisa se conduzido a tal, pois ele não são articulações meritórias do Estado, nem de qualquer

movimento seja religioso ou da sociedade cível. No Brasil o direito à cidadania encontrou seus

percalços, quiçá ainda os encontra. Em momentos bem marcantes, como se aponta, a cidadania

no Brasil ficou comprometida pelo período da escravidão, no coronelismo e na ditadura militar,

especificamente no Ato institucional nº 5. Apresenta-se neste capítulo um quadro sintético da

dinâmica do conceito de cidadania e apontam-se as duas tensões criativas que estão diante da

Comunidade Metodista do Povo de Rua no que diz respeito ao seu compromisso social, sua

relação com a Igreja e seu redimensionamento a partir da Práxis.

Nos encaminhamentos finais se apontam os movimentos novos em torno da população em

situação de rua, a mobilização política e social trazendo a pauta do dia dos poderes públicos este

tema. Ali são apontadas sete considerações a Comunidade Metodista do Povo de Rua no sentido

de que ela atenda ao seu objetivo original, estabelecido em 1994, alimento pelos documentos,

Credo Social e Plano para Vida e Missão da Igreja.

Quem se beneficiará com esta pesquisa?

1º A própria população em situação de rua, pois a partir de uma ação pastoral que tenha

suas raízes moldadas na práxis, o resultado será a conscientização dos direitos políticos, sociais e

civis desse segmento urbano.

2º As Igrejas e organizações religiosas poderão se valer dos dados coletados para

reorientação de suas práticas pastorais voltadas para a população em situação de rua no contexto

urbano, considerando que nesta pesquisa se entende como Pastoral a ação da Igreja, não os

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35

ofícios sacerdotais dos quais foram imbuídos os vocacionados como indivíduos dedicados a obras

religiosas intra-eclesiais.

3º A Comunidade Metodista do Povo de Rua, considerando-se que no final desta pesquisa

serão apontados sete tópicos em realce os quais poderão servir de temáticas para novas

discussões e ampliações, revertendo-se assim em contribuição que pode se ampliar na medida em

que os assuntos ali propostos forem objeto de avaliação e diálogo.

4º Órgãos governamentais terão mais uma contribuição neste amplo debate que hoje

envolve a sociedade e os órgãos públicos municipal, estadual e federal, particularmente com a

promulgação do Decreto Lei federal 7053/09, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da

Silva em 23 de dezembro de 2009, que organiza, define e orienta as ações dos níveis do governo

bem como de entidades civis e religiosas que se proponham a atuar junto à população de rua. Lei

que representa um avanço significativo na atenção a este segmento da população urbana.

5º. A sociedade urbana, especialmente das grandes capitais, uma vez que a população de

rua ocupa espaços físicos em companhia da população urbana em geral, mas aquela é

notadamente reconhecida pelos traços físicos e aparência de suas vestimentas, bem com , por

locais de concentração bem caracterizados onde se acomodam, e não raro são visto e

reconhecidos como desocupados e marginais; aponta-se que tal análise orienta as ações do poder

público via aparato do judiciário, e não dos órgãos de ação social. Reconhecidos e classificados

pela população urbana em geral na condição de marginais, essa população em situação de rua é

estimulada a agir como tal, rompendo-se assim de forma cultural, a possibilidade de sua

emancipação, de inserção e futura inclusão, sobretudo, o necessário acesso a cidadania.

6º. A academia - esta pesquisa tem o seu caráter de ineditismo uma vez que se propõe a

analisar, a partir da práxis, a ação pastoral desenvolvida pela Igreja Metodista na Comunidade

Metodista do Povo de Rua. E, se utiliza da pesquisa de campo tendo como sujeitos os agentes

pastorais, e estabelece a interface entre o credo social da Igreja Metodista e o Plano para a Vida e

Missão na dimensão da práxis realizada pelos agentes. O exercício metodológico que embasou

esta pesquisa serve como referencial para pesquisas posteriores sobre o mesmo objeto.

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36

Capítulo I

O ROSTO DA POPULAÇÃO DE RUA PAULISTANA

Ilustração 1: Foto: Fábio Santos - morador de rua que teve 40% do corpo queimado

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37

Introdução

No primeiro capítulo da tese pretende-se elaborar um percurso acerca da população de

rua, apontando os traços principais de sua constituição e expressão social no cenário urbano

brasileiro.

O tema proposto � O rosto da população de rua paulistana, a partir deste ponto, será

desenvolvido nos seguintes recortes:

1. A rua e a exclusão � Identificando-se as expressões concretas dessa condição de

excluídos.

2. Apontamentos das realidades urbanas, sociais e políticas no contorno da população

em situação de rua frente às necessidades básicas de uma pessoa � Circular no tecido urbano e

extrair dele a substância para garantir sua sobrevivência com dignidade.

3. O ser e o estar na rua - Paralelos de um horizonte utópico indicam alguns fatores,

especialmente o fortalecimento do capitalismo, que tem obrigado pessoas a encontrar para si

novos espaços e outras garantias mínimas de subsistência.

4. Mapeamento da cidade de São Paulo é uma forma de representação textual e gráfica

dos indicadores mais recentes sobre a grandeza em números e complexidades das populações

masculina, feminina, de adolescentes e crianças na busca de atendimento às suas demandas

específicas.

5. Imagens do cotidiano de quem �sobre-vive� na rua � A captação e a exposição de

imagens congelam visões em nada poéticas da condição em que vivem e se manifestam as

pessoas em situação de rua; apontando, pela aparência de seus corpos e dos símbolos que os

envolvem, a dimensão da desumanidade e da ausência de dignidade e cidadania.

A primeira interpretação que se oferece à expressão população de rua � ou população

em situação de rua, faz compreender que se trata de um grupo � não apenas de uma pessoa �

com determinados perfis sociais, econômicos e religiosos, com modelos próprios de

comunicação, e habitat27 não determinado ou fixo.

Além desses aspectos exteriores facilmente identificados, reconhece-se que, ao utilizar a

expressão de rua, este segmento social � nitidamente urbano � subverte ou é levado a subverter

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38

o conceito de moradia fixa como traço fundante da cidadania. Indivíduos que se pré-dispõem a

utilizar espaços urbanos públicos como área de domínio pessoal ou grupal, ainda que

transitório; onde estendem suas camas para o sono e reúnem seus pertences em torno de si como

forma de proteção de seu patrimônio, tornando aquele espaço inviolável. Se esse espaço for

violado, comprometerá seus próprios corpos, pois espaço e corpo formam uma unidade

inseparável.

Além dos elementos: Grupo, traços externos específicos e valores de subversão da

ordem da harmonia do espaço urbano, pode-se ainda mergulhar nos fatores não visíveis �

alavancas que movem a horda urbana da população em situação de rua. Alguns desses fatores

são: problemas mentais, desagregação familiar, estratégia de ocultação (em caso de

contraventores e procurados pela justiça), viajantes em busca de espaço e colocação profissional

nos centros urbanos. Além de fatores externos, tais como, desemprego, perda da capacidade de

produção para sobrevivência, políticas econômicas que aumentam o fosso entre ricos e pobres e

até a livre opção de morar na rua como estilo de vida temporário, pautado na pretensão de

conhecer e experimentar outro lado da vivência urbana.

A Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua28 promovida pelo Ministério

do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cujo relatório foi publicado em abril de 2008,

oferece-nos detalhes de maneira mais ampla e precisa, tais como:

A predominância é masculina � 82%;

Idade � somente pessoas com idade acima de 18 anos foram entrevistadas � mais da

metade (53%) possui entre 25 e 44 anos;

Etnia � 39,1% das pessoas entrevistadas se declararam de cor parda, o que

corresponde ao declarado no Senso Brasil em que 38,4% assim também se declaram;

Remuneração declarada � 52,6% dos entrevistados declarou receber por semana

entre R$ 20,00 (vinte reais) e R$ 80,00 (oitenta reais);

Escolaridade � 74% declararam saber ler e escrever. 17,1% não sabem escrever e

8,3% declararam saber escrever somente o próprio nome;

Escola � 95% não têm mais qualquer contato com escola;

Motivos principais que provocaram o estado em situação de rua:

a) Alcoolismo/drogas: 35,5%; b) Desemprego: 29,8%; c) Problemas familiares: 29,1%.

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39

Esses dados, em primeiro plano, oferecem indicadores consistentes nos seguintes

termos:

O alto índice de homens que fazem da rua sua condição de residência se associa ao

dado de que se trata de um contingente masculino muito jovem, entre 25 e 44 anos;

A média salarial apurada, de acordo com a remuneração declarada entre R$ 20,00 e

R$ 80,00, está em torno de R$ 50,00 por semana, equivalente a meio salário mínimo

ao mês aproximadamente. Essa condição, de certa forma, é fator que alimenta a

perpetuação da condição de rua, uma vez que a vida de confortos, lazer e outros

apelativos ao homem moderno, não cabe no orçamento dos indivíduos dessa

população.

Ressalta-se ainda a questão do abandono escolar, ao que caberia uma análise mais

profunda, observando-se a existência de uma relação intrínseca entre baixa

escolaridade, dependência química e desemprego.

A população em situação de rua é hoje um contingente expressivo em grandes cidades

como São Paulo29. Essa presença, em pequenos grupos ilhados por espaços urbanos de

características comuns, tem sido objeto de estudos e de intervenções públicas criativas durante

as últimas duas décadas. Tais intervenções respondem às demandas específicas geradas por esse

grupo. No passado, elas se limitavam ao assentamento de pessoas em terrenos periféricos

urbanos. Assim, mediante fornecimento de acesso a bens básicos como água, esgoto, energia

elétrica e, às vezes, saúde pública, essas pessoas eram de certa forma policiadas e subjugadas.

A realidade mudou. Esses cidadãos já sacudiram de sobre si �as cangas� das ações

políticas e sociais discriminatórias e passaram a buscar seu espaço urbano itinerante, um lugar

novo que se revela transitório, ainda que esse espaço seja apenas do tamanho de suas estaturas

quando na posição horizontal. Isso expõe a debilidade dos poderes públicos e das políticas

sociais, bem como surpreende a população urbana residente como um todo. Todos esperam das

autoridades e das organizações filantrópicas � religiosas ou não � ações concretas que supram

as demandas desse grupo em situação de rua em suas especificidades e de maneira eficaz,

dentro de uma ética inspirada em valores morais, espirituais e humanos. Valores que norteiam a

importância da pessoa humana.

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40

I. A população em situação de rua vive em exclusão

A pergunta que se impõe no trato com a população em situação de rua é acerca de seu

espaço de ocupação urbana. Contudo, podem ser eles denominados de excluídos? Se a resposta

for positiva, ela mesma apontará para uma nova complexidade, a saber: excluídos de onde e

para onde? E quais seriam as assertivas para promover a inclusão? Até que ponto tal inclusão

seria de fato o que se propõe?

Cabe primeiramente circunscrever o fenômeno da exclusão dentro desse quadro. Para

tanto, recorre-se ao perfil elaborado por Clodovis Boff30 que faz apontamentos deste fenômeno

em quatro dimensões:

1º O universo cultural do excluído;

2º Os valores do mundo da exclusão;

3º A sobrevivência;

4º As atitudes de base da pedagogia e as regras práticas da pedagogia do excluído.

A partir desses quatro eixos sinalizados por Boff, pode se construir o perfil do excluído

em sua dimensão humana. Dimensão em que as pessoas em situação de rua se sentem sobrantes,

inúteis e vistas como elementos rejeitados, destoando da ordem normal das coisas pelo seu

vestir, seu andar e seu habitat.

São também portadores de baixa auto-estima e manifestam essa condição emocional e

psico-social31 ajeitando-se em pequenos círculos tribais cercados de velhos utensílios

domésticos, produzindo sua própria alimentação de forma primitiva e desprovida de quaisquer

cuidados com higiene. Eles se mantêm com doações de subprodutos e restos de alimentos

provenientes de restaurantes e lares. Quando alguma Organização, em atos solidários, fornece-

lhes alimentação, tais alimentos são consumidos nesses mesmos ambientes desprovidos de

higiene e de cuidados básicos essenciais à manutenção da saúde.

A população de rua, ainda que seja formada principalmente por pessoas do sexo

masculino, como já foi mencionado e o que poderia indicar uma propensão a atos de violência,

prima por evitar tais atos entre seus pequenos nichos grupais ainda que certos atos de violência

ocorram, sobretudo contra outros cidadãos. Gestos agressivos por parte do grupo poderiam

promover ações policiais violentas, o que não lhes interessa, sendo a possibilidade de proteção a

razão para que se agrupem ao dormir como maneira preventiva de neutralizar ações violentas

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41

por parte de algum membro do grupo.

Essa população é marcada, em sua condição de exclusão, também pela forma como lida

como o tempo e pelo imediatismo de suas ações dentro da cultura de rua. Exemplo disso é a sua

disposição de fixação. Ou seja, ainda que ocupe sistematicamente o mesmo lugar, a mesma

praça, ou abrigo do mesmo viaduto, sua moradia é removida diariamente, bem como suas

necessidades fisiológicas são dejetadas em espaços diferentes e sob condições de ausência,

quase sempre, de privacidade e dignidade. Isso aponta o imediatismo de suas ações, diariamente

radicais em todos os aspectos, denotando uma instabilidade cotidiana e conformando a psique

dessas pessoas a se prepararem sempre para o pior que pode ocorrer em qualquer momento.

O lúdico e a beleza, clamor da condição humana para transformar a vida em algo belo,

são também buscados pela pessoa em situação de rua. A condição de excluído, nesse aspecto, é

revelada pelo quadro geral como essas pessoas se cercam de belezas a partir de seu mundo e de

suas próprias perspectivas. Em alguns desses grupos é possível observar como eles se dispõem

em forma de círculo familiar, alocando perto um sofá velho para dar uma dimensão de sala de

estar ao espaço ocupado e descansam seus carrinhos de coleta e trabalho em outro ambiente

próximo como se fosse uma garagem. Noutro lugar, colocam cartas sobre um caixote e ali

jogam em momentos de lazer. Outros chutam entre si um objeto fabricado de forma primitiva

semelhante a uma bola de futebol e são chamados por codinomes de jogadores famosos. Assim,

eles encontram o sonho de suas casas, suas garagens de automóveis, suas salas de jogos e do

campo particular de futebol para jornadas desportivas entre amigos. Tudo isto cercado por

matilhas de cães sem raça definida que comungam da mesma vida e cujos nomes atribuídos

fazem parte das imagens do cotidiano de gente bem sucedida: Lula, Barão, Valente, Princesa,

Pelé, Bruna, entre outros. Essa é uma forma bem humorada de achar um caminho de inserção

no mundo real. As visualizações desses quadros urbanos são simulações da vida real e do

sonho. Segundo Baudrillard32, elas são, na verdade, simulacros da realidade fria e

desorganizada das cidades.

A exclusão exige do excluído o desenvolvimento de sua criatividade e de iniciativas

pouco convencionais, atos que contribuem para sua sobrevida. À população de rua cabe o que é

descartado: bolsas, sapatos, roupas, vasilhames e tudo mais que já fora útil e utilizado dentro

dos seus propósitos de funcionalidade. Da multiformidade de objetos descartados disponíveis, à

pessoa em situação de rua compete a recuperação e a utilização do mínimo de vida útil que

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42

ainda resta a tais objetos. Motivados por sua própria criatividade, essas pessoas indicarão

intuitivamente usos não convencionais para esses objetos, dando a eles uma dimensão de

utilização não imaginada originalmente.

Aqui então se encaixa o heroísmo da pessoa em situação de rua ao consagrar o

descartado a si mesmo como espelho de sua vida também descartada, socialmente abandonada à

própria sorte e que se reinventa a cada momento.

Na condição de liberdade de locomoção, a pessoa em situação de rua vê concretizada

sua exclusão. Isso ocorre em situações bem específicas, como aponta o gráfico da Pesquisa

Nacional sobre População em Situação de Rua33.

1.1 Experiências de Impedimentos de Acesso a Locais - Discriminação/Exclusão

Percebe-se que os espaços públicos, assim como agências bancárias e até mesmo órgão

do governo, não têm consideração para com pessoas que trazem sobre seu corpo traços de

exclusão, de mendicância, de miserabilidade, incluindo-se os Shoppings, pois nestes recintos a

população em situação de rua tem seu acesso negado, em nome da segurança dos clientes.

Estabelecimen-to comercial:

31,8%

Shopping Center: 31,3%

Transporte coletivo: 29,8%

Agências bancárias:

26,7%

Repartições públicas: 21,7%

Órgão de serviço público de saúde: 18,4%

Fazer documentos:

13,9%

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43

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 1

Segundo Sposati34, inclusão e exclusão são processos sociais interdependentes

vinculados principalmente à distribuição de renda e oportunidades. Nesse sentido, ela

considera a inclusão como o movimento permanente na busca de igualdade de condições e

oportunidades para evitar diversas situações de privação. Essa definição pode ser considerada

um tanto limitada, pois a inclusão não pode ser pensada em apenas um dos aspectos sociais. Ou

seja, nesse caso, um fenômeno a ser considerado como multidimensional. O padrão básico de

inclusão é o ponto de mutação de uma dada situação de exclusão ou de inclusão. Isso exige

construir e objetivar o conhecimento que se tem sobre padrões básicos de vida humana,

dignidade, cidadania na condição de inclusão em contraponto a medidas de pobreza ou de

indigência que estão aquém da não pobreza e, seguramente, da inclusão.

Assim, para Sposati35, a inclusão se concentra na busca pelo acesso a quatro utopias

básicas:

1. Autonomia de renda (capacidade do indivíduo de suprir suas necessidades vitais,

culturais e sociais);

2. Desenvolvimento humano (condição dos indivíduos em sociedade de desenvolverem

suas capacidades intelectuais e biológicas, de forma a atingir o maior grau de capacidade

humana possível);

3. Equidade (garantia de igualdade de direitos e oportunidades, respeitando a

diversidade humana); e

4. Qualidade de vida (a democratização dos acessos às condições de preservação do

homem, da natureza e do meio-ambiente, bem como a redução da degradação ambiental).

A exclusão é a negação da cidadania36. Diferentemente de conceitos como os de

oprimidos que se referia ao processo de opressão econômica e política (aludindo inclusive às

ditaduras), ou os de marginalizados das teorias de marginalização dos anos 60 e 70 que em

contrapartida supunham a integração no projeto modernizador e desenvolvimentista37,

considero que a exclusão social tem por patamar a igualdade, a equidade e a cidadania �

conquistas da sociedade humana, ainda que virtuais, na segunda metade do século XX. Existe

um caráter diferencial na concepção de exclusão social quando territorializada ao terceiro

mundo ou a um segmento social como a pobreza � usando aqui uma concepção interpretativa

àqueles mais desiguais. Essa forma de entender supõe incorporar uma dimensão cultural,

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44

portanto relativa ao conceito de exclusão social. Ela não é unívoca a qualquer cultura ou

realidade. Há um sentido genérico que se refere à ética da dignidade humana. Todavia, o

padrão, o estatuto e a extensão dessa dignidade são uma construção social e histórica como

também o é a concepção de cidadania.

1.2 Apontamentos das realidades urbanas, sociais e políticas no contorno da

População em Situação de Rua

A pessoa em situação de rua está exposta e sofre todas as formas de violação dos direitos

humanos. Ela é sujeita à morte violenta ou execução sumária por agentes do próprio estado, por

seguranças particulares e até mesmo por pessoas de congênere condição.

Por outro lado, os órgãos públicos interpretam a situação de rua como uma questão de

segurança pública e não de uma perspectiva social. Daí vem a repressão e os embates com

agentes públicos de segurança. Diante desse quadro, grupos da sociedade civil e agentes

religiosos38 se articulam em ações concretas, de prestação de serviços sociais diretamente nos

espaços ocupados dos centros urbanos por essa nova população.

A dificuldade enfrentada nos levantamentos de dados em torno dessa população decorre

da dificuldade de cercá-la, especialmente pela falta de residência fixa e pela escassez de criação

de modelos de intervenção que sejam práticos e eficazes. Por conta desse complicador, o poder

público tem se valido, até então, dos dados disponíveis de pesquisas feitas por universidades e

outras organizações, sempre ressalvadas com emenda sobre a dificuldade em precisar e

uniformizar dados, haja vista a complexidade do objeto de pesquisa.

Somente em dezembro de 200939, em evento com a presença do Presidente da

República, em São Paulo, que o poder público federal assumiu seu compromisso com a

população em situação de rua.

A pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social aponta peculiaridades relevantes

que nos permitem a observação em forma de gráficos dos seguintes aspectos:

Acesso à alimentação; Condição de saúde; Recursos para higiene corporal; Necessidades fisiológicas; Posse de documentos;

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45

Acesso a programas governamentais;

Participação em movimento de cidadania.

1.3 Acesso à Alimentação

Acesso à alimentação saudável é o que se propugna no momento como prevenção de

doenças graves, como diabetes, e comprometimentos circulatórios. De outra forma, a

alimentação tem a sua aplicação terapêutica em casos de doenças já instaladas. Ao tempo que se

observa estes dados de que aproximadamente ¼ da população em situação de rua compra sua

alimentação com o produto de seu esforço, de bico ou outras fontes sazonais, está a se admitir

que tal alimentação fica muito aquém daquela entendida como, preventiva de um lado, e

terapêutica de outro.

Conseguem fazer ao menos uma refeição

por dia: 79,6%

Compram comida com seu

próprio dinheiro: 27,4%

Não conseguem se alimentar pelo menos uma vez por

dia: 19%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 2

1.4. Condições de saúde (29,7% afirmaram ter algum problema de saúde) O reconhecimento de que a população em situação de rua faz parte de um recorte urbano

doente e acometida de doenças graves é notadamente reconhecer o óbvio. Especialmente, em se

tratando de saúde bucal, pois não são raras as pessoas em situação de rua que têm sérios

problemas com a gengiva ou com os dentes, quando alguns desses ainda resistem aos maus

tratos da higiene precária, da alimentação pobre em nutrientes, e notadamente, pelo consumo

drogas corrosivas.

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46

Hipertensão: 10,1%

Problema psiquiátrico/mental: 6,1%

HIV/AIDS: 5,1%

Problemas de Visão/cegueira

4,6%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 3

1.5. Recursos para higiene corporal

Estar albergado, para a pessoa em situação de rua, é sinônimo de ter onde comer, onde

dormir, onde banhar-se e, se possível, fazer troca de roupas sujas por outras usadas, doadas, ou

lavar precariamente a que tem sido utilizada. Fato é que higiene corporal na dimensão plena da

palavra, pela natureza e condição da população em situação de rua, pode ser considerada uma

prioridade, entretanto as oportunidades de acesso são escassas, razão pela qual 1/3 desta

população se utiliza do espaço público para fazer a sua higiene.

Banho na rua: 32,6%

Albergues/abrigos: 31,4%

Banheiros públicos:

14,2%

Casas de parentes ou

amigos: 5,2%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 4

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47

1.6. Necessidades fisiológicas

Estar na rua implica em abrir mão da possibilidade de direito à dignidade da

privacidade, é o que indicam os dados, pois praticamente a metade da população consultada não

se serve de banheiros públicos ou da própria rua, para suas necessidades fisiológicas.

Na rua: 32,5%

Nos albergues/abrigos: 25,2%

Nos banheiros públicos: 21,3%

Em estabelecimento

s comerciais: 9,4%

Casa de parentes ou

amigos: 2,7%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 5

1.7. Posse de documentação

A população em situação de rua reserva a si esta marca de não possuir algum tipo de

documento de identificação (Certidão de Nascimento, RG, Título Eleitoral, Certificado de

Reservista), por perda, extravio intencional ou não, mas o fato é que a falta de documentação às

pessoas em situação de rua, torna-se mais um fator que corrobora o imenso conjunto de causas

adversas ao pleno acesso a este segmento urbano pelos órgãos públicos, quer para que se tenha

algum modelo de supervisão por tais órgãos, no intuito de estabelecer políticas públicas mais

adequadas, quer para que se possa conhecer de fato quais são, quantos são aquele/as que vivem

na rua.

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48

Não possuem quaisquer

documentos de identificação:

24,8%

Possuem todos os documentos de identificação mencionados na perquisa: 21,9%

Não têm documento

algum: 24,0%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 6 *Nota: A coluna de percentuais não totaliza 100%, pois a informação é coletada em

quesito de marcação múltipla.

1.8. Acesso aos programas governamentais

Os dados expostos oferecem um marcador de reflexão aos órgãos do governo no

estabelecimento de políticas públicas. Como apresenta a estatística, o forte indicador é que o

governo está ausente da experiência de vida da maioria esmagadora da população em situação

de rua.

Afirmam não receber

qualquer benefício dos

orgãos governamentais

88,5%

Recebem aposentadoria:

3,2%

Bolsa Família: 2,3%

Benefício de Prestação

Continuada: 1,3%

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49

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 7 1.9. Participação em movimentos sociais e cidadania

O levantamento de dados que envolve o aspecto da cidadania aponta um enorme vácuo

na participação da população em situação da rua na vida pública e política, seja em nível

municipal, estadual ou federal.

Não participam de qualquer movimento associativo:

95,5%

Confirmam participação em

algum movimento:

2,9%

Não exercem o direito

elementar de cidadania que é

o voto: 61,6%

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 8

Os indicadores apontados na pesquisa do Ministério do Desenvolvimento40 demonstram

que as questões ligadas à saúde física e mental, bem como a falta de acesso ou de estímulo à

vinculação da população em situação de rua, tornam permissiva e até abusiva a relação das

pessoas de rua com outros cidadãos. Isso ocorre pela ausência de consistentes movimentos

reivindicatórios de expressão social e política com intenções de buscar melhores condições de

vida e de cidadania.

II. O ser e o estar na rua � paralelos de um horizonte utópico

Page 50: Jorge Schutz.pdf

50

Os indicadores levantados pela Secretaria Municipal de Assistência Social41

(organograma em anexo) na década de 1990 na cidade de São Paulo, a partir de ampla pesquisa

envolvendo quase uma centena de técnicos, de início apontaram que as pessoas em situação de

rua formavam um contingente de sujeitos primeiramente nomeados pelo termo �ex�.

Tratava-se do ex-bancário, ex-chefe de família, ex-comerciário, ex-comerciante ou do

ex-metalúrgico; indicando que essas pessoas, oriundas de uma matriz social e econômica

estruturada, em dado momento por intercorrências externas, foram levadas a optar por um lugar

comum: o espaço urbano aberto.

Maria Vieira aponta que:

A pobreza não se reduz a uma questão meramente econômica, constituindo-se também

num parâmetro de avaliação social. Neste contexto a população de rua, que indiscutivelmente

se encontra numa situação de extrema pobreza, tem seu lugar demarcado, sendo estigmatizada

pela sociedade como um todo e pela classe trabalhadora em particular. Numa sociedade capitalista que se organiza com base na compra e venda da força de trabalho, a legitimidade social e a dignidade pessoal se afirmam através da ética do trabalho

42.

Desta maneira, o ingresso do trabalhador no segmento social do ex-trabalhador significa

mais do que simplesmente perder o emprego e o salário. Segundo a ética do trabalho na

perspectiva capitalista43, na qual a vida do indivíduo é dignificada não pelo emprego que ocupa

ou pelo salário que recebe, mas por sua capacidade de consumo, isso significa sobretudo perder

a visibilidade social. Significa desembocar no espaço dos objetos descartáveis, com

possibilidade, ainda que rara, de reutilização.

Por outro lado, o próprio sistema capitalista que produz esse tipo diferenciado de

cidadão espera que ele esteja pronto a ocupar uma nova área na escala estrutural da cadeia

produtiva. Ou seja, ele será mão de obra reserva, um sujeito cuja aspiração por reencontrar sua

dignidade e auto-estima o habilitará a servir, a trabalhar nem que seja em condição subumana e

até de escravidão. Essa será para ele a única utopia plausível. Esse grupo, alocado na área da

�invisibilidade�, será aderido ao mercado produtivo na qualidade de informalidade, da mão de

obra escrava, da ocupação ocasional, numa tabela extra-oficial da relação contratante e

contratado. Relação em que o pêndulo do lucro e o rigor das exigências produtivas estarão

sempre à mercê do contratante. A pessoa em situação de rua viverá, em relação ao trabalho e a

tudo que dele decorre, �na corda bamba� da economia. Quando a economia se desacelera, essa

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51

pessoa será a primeira vítima. Vieira expõe a observação de Stoffels, pois esta compara a

realidade brasileira com a belga e vê entre ambas, guardadas as proporções, pontos em comum.

Ela [Stoffels] 44 define o subproletariado como o grupo que, diferentemente do proletariado, possui experiência profissional contínua, não se fixa de maneira estável dentro do mundo do

trabalho industrial. Esse grupo se caracteriza pela irregularidade de emprego e de rendimento, desenvolvendo atividades intermitentes que assumem forma de trabalho informal e ocasional. (...) Geralmente esses trabalhadores possuem uma história profissional segmentada que não se

configura em torno de um ofício constituído por um processo de aprendizagem e qualificação.

(...) Não têm acesso a serviços de saúde, seguridade social e dependem de instituições públicas e assistenciais.

A partir desse olhar, consolida-se na prática uma metodologia social e econômica com

efeitos sobre os espaços urbanos quase que deterministas. Assim, pode-se indicar que os

trabalhadores que não possuem qualificação profissional mais elevada, não tenham construído

uma carreira profissional sólida dentro de determinada indústria, não se capacitaram e não

tenham sido regulares em seus empregos pregressos, estarão indicados a descer do patamar de

proletariado para o subproletariado com chances mínimas de fazer o caminho de retorno. Dessa

forma, uma vez ingressados neste segmento, submergem econômica e socialmente, aumentando

cada vez mais o bloco da miserabilidade e da pobreza, restando-lhes o socorro assistencialista

de instituições. Essas instituições também terão um limite de demanda. Transgredido esse

limite, será criada a nova ordem do sub-subproletriado, como escamas de degradação que vão

se decompondo até a morte física � uma vez que já estão sepultados pela dignidade humana e

social.

Empurrados para uma realidade nova ou tendo optado por ela como alternativa viável

para si, as pessoas em situação de rua podem ser agrupadas, ainda que não de forma absoluta,

de duas maneiras.

1- Primeiramente citamos aqueles que conseguem se encontrar e se reinventar no espaço

urbano, circulando entre praças, ruas movimentadas e intempéries. São os que, sobretudo,

conseguem lidar com o medo imposto pela hostilidade natural dos cidadãos e do poder público.

2 - Em segundo lugar, apontamos aqueles que vão além dessa primeira adequação.

Aqueles que, vencendo barreiras, estabelecem novas modalidades de relações humanas com

seus congêneres, instituindo uma forma de parceria, uma dinâmica de proteção e ajuda que, de

certa forma, vem suprir a ausência de outras relações humanas. Assim, eles dão início a uma

nova história com novos valores, novo linguajar, novos sonhos, bem como com outro sistema

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52

de regulação de autoridade e submissão.

O levantamento de dados elaborado pela Prefeitura de São Paulo na década de 1990

construiu um recorte em torno desses dois imaginários, assim:

Estar na Rua 45 expressa à situação daqueles que, desalentados, adotam a rua como local de

pernoite e já não consideram essa situação ameaçadora. Começam a estabelecer relações com pessoas da rua, a conhecer novas alternativas de sobrevivência. Procuram emprego ou

trabalhos temporários na redondeza. Transitam para outros bairros e até outras cidades (ou

estados). Quando conseguem obter algum dinheiro, procuram pensões e vagas em albergues.

Começam a freqüentar lugares de distribuição de comida gratuita e instituições assistenciais.

Procuram de certa forma se diferenciar dos moradores de rua, apresentando-se como trabalhadores desempregados. Ser da Rua é possível alternar a rua com outros lugares de residência e com trabalhos

diversos. Pode acontecer até mesmo que o indivíduo saia definitivamente da rua, retorne ao

lugar de origem, consiga emprego e constitua família. Esse processo se torna mais difícil à

proporção que aumenta o tempo na rua. De forma geral, o indivíduo vai sofrendo um processo

de depauperamento físico e mental em função da alimentação precária, das condições de

higiene e pelo uso constante de álcool.

Por estas indicações, é possível se perceber que há imbricações entre esses dois

segmentos e que de certa forma é impossível que tal classificação seja abrangente e inclua a

maioria dos sujeitos. Entretanto, observa-se um diferencial válido para a reversão de todo esse

processo, a saber, a questão que envolve o tempo de exposição na rua, desde o ingresso até a

criação da possibilidade de saída.

Esse é um indicador substancial para elaboração de políticas públicas46 e ações

pastorais47, uma vez que a intervenção de ajuda pode levar em consideração o tempo de

exposição do indivíduo. Ou seja, não possibilitar que a continuada exposição venha a se

concretizar numa irreversibilidade quanto ao retorno à condição de cidadão.

A rua oferece vantagens à pessoa em situação de rua?

Essa é uma questão instigante. Na medida em que, vencida a primeira etapa de ingresso,

onde se consolida a rua como opção de moradia, o indivíduo passa a rever sua crítica acerca de

sua própria condição e faz do que era �tenebroso� seu instrumento de proteção e subsistência.

Há nesse momento uma reversão da auto-imagem em relação à vida urbana e aos outros

cidadãos, bem como uma tomada de iniciativas em que os programas de assistencialismo

passarão a perpetuar o que está posto, valendo-se a população de rua de um escudo valioso: a

invisibilidade social. Nessa condição, eles se movimentam nos espaços urbanos sem serem

monitorados e transitam de programa em programa, desenvolvendo uma cultura e

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53

posteriormente uma rede de informações que consiste na liberdade para eles � por mais estranho

que isso pareça.

O poder público e as instituições religiosas que prestam assistência a essa população, de

certa forma, vêem esses indivíduos essencialmente como população que precisa ser

transformada. Essa é uma perspectiva preconceituosa. De um lado, eles são considerados

�massa útil�, por outro lado, como subproduto da democracia. E não é necessariamente verdade

que a pessoa em situação de rua pretenda efetivamente mudar sua condição nem mesmo que o

próprio Estado se mostre interessado em promover tal transformação, sendo a população de rua

um subproduto da democracia, como aponta Bauman48:

A história da ascensão da democracia moderna poderia ser escrita em termos do progresso

feito para eliminar, ou constranger e domar, as sucessivas causas de incertezas, ansiedade e medo. A longa cruzada contra os terrores, socialmente criados e gestados, culminou na garantia coletiva endossada pelo Estado contra o infortúnio individual (o desemprego, a

invalidez, a doença ou a velhice) e na oferta coletivamente garantida, igualmente referendada pelo Estado, das amenidades essenciais à autoformação e à auto-afirmação do indivíduo, que

constituíam a substância, ou pelo menos o objetivo orientador do Estado (mal denominado de

�do bem-estar� social).

O apontamento de Bauman indica que há uma relação estabelecida entre o Estado e a

população em situação de rua, uma vez que o poder público se equaciona criando instrumentos

de intervenção. Isso de certa forma ratifica e consolida a presença do morador de rua na rua. Por

outro lado, permite ao estado e aqueles que o representa que se exponham nesse interstício, por

meio da formulação do Estado do Bem-Estar Social.

O progresso social, econômico e cultural, bem como o acesso a bens de consumo são

forças que desembocam num espaço, nesse caso, a cidade. Com essa sinalização, pretende-se

dizer que a pessoa em situação de rua, em seu sentido plural, como população de rua, é um

grupo essencialmente urbano.

Por ser a população de rua uma população da cidade, ela subsiste e se instala na cidade.

É um fenômeno humano intrinsecamente urbano. Enquanto houver cidade, haverá pobreza e

pessoas marginalizadas. A cidade é a �chocadeira� da população em situação de rua, bem como

o espaço de sua perpetuação � especialmente as regiões centrais de grandes cidades como São

Paulo.

A concentração da população de rua em regiões centrais das cidades, ou mesmo nos

pontos comercias dos grandes bairros de capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto

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54

Alegre, configura certa dupla utilização. Primeiro, porque há espaço suficiente de moradia e de

abrigo, especialmente durante a noite. Segundo, porque durante o dia há circulação de pessoas

que oferecem de alguma maneira algum tipo de apoio a esses indivíduos; tal como o pagamento

de refeições, a oportunidade de cuidar de automóveis estacionados, a utilização da mão de obra

para carregar e descarregar caminhões e vans, bem como alguma remuneração pela coleta

seletiva de lixo como caixas de papelão e outros subprodutos de escritórios e agências

bancárias. Para auferir algum tipo de benefício, eles se vão ao extremo da mendicância,

simulando enfermidades ou se valendo de doenças e mutilações reais. É também no centro das

capitais que surge a oportunidade para pequenos furtos e para certo trânsito pela marginalidade

como alternativa para obtenção de recursos.

Um fator determinante para que a população de rua se concentre em determinado espaço

geográfico e até mantenha certa guarda para protegê-lo como reduto, é o acesso mais fácil à

alimentação, como aponta a pesquisa realizada pela Secretaria da Promoção do Bem-Estar

Social49:

Outro fator determinante da preferência por determinados lugares é o da qualidade da comida.

Em meio à variedade de alimentos distribuídos, a refeição completa � arroz, feijão, carne,

pimenta, farinha � como oferecida na Igreja Senhor dos Passos e a sopa da Federação

Espírita, ambas servidas à mesa, são preferidas dos freqüentadores, em detrimento das sopas,

cafés e lanches oferecidos por outras instituições. Quando se referem à preferência, dizem: Lá

servem comida. Como é alimentação mais substanciosa e mais próxima de sua vivência

cultural, aquela que sustenta, que mata a fome, enquanto outros tipos de alimentação não

satisfazem.

Pela amostragem que consta da pesquisa como referida acima, percebe-se que as

intervenções institucionais não coordenadas, ainda que propostas por iniciativas de boa vontade,

criam programas alternativos entre si para os moradores de rua. Esses programas tão somente

ratificam e mantêm a condição em que se encontram esses indivíduos. Destarte, também se

observa que essas refeições, ainda que subsidiadas por fundos sociais, entidades filantrópicas ou

mesmo igrejas, têm um resultado oneroso em longo prazo para quem serve e a indicação de

elementos transformadores e resgatadores pouco concretos.

III. Mapeamento da cidade de São Paulo

A Fundação de Pesquisas Econômicas (FIPE) realizou dois Censos da População de

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55

Moradores de Rua na Cidade de São Paulo e traçou o perfil socioeconômico dessa população

por encomenda da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de São

Paulo (SMADS) em 29 distritos da Capital.

A iniciativa da Prefeitura se deveu ao fato de que a população em situação de rua não

faz parte dos censos demográficos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

justamente por causa da ausência do domicílio, daí a caricatura social dessa população como

massa humana urbana invisível.

No Primeiro Censo50, realizado em 2.000, foram identificados 8.088 moradores de Rua

em São Paulo. Destes, 4.395 foram encontrados em ruas da cidade e 3.693 em albergues.

No Segundo Censo, realizado entre 2000 e 2003, foram contadas 10.399 pessoas, sendo

6.186 em albergues e 4.213 nas ruas.

Embora indique a pesquisa que os números sejam alarmantes, ela sugere que de fato o

número é ainda maior. Contudo, ela nos permite reconhecer o que previamente se supunha, a

saber: a população em situação de rua é formada por predominância masculina (80,65% no

primeiro Censo; 80,3% no segundo Censo), com idade média de 40 anos, cor parda,

manifestando sinais claros de debilidade física, vítimas de má nutrição e dependência química.

(CENSOS FIPE, 2000 e 2003).

No mapa51 espacial das pessoas em situação de rua, em onze distritos dentre todos os

recenseados em 2000-2003, há indicativos de que a forte concentração está nos distritos:

República, Pari, Santa Cecília e Sé. A aparente raridade no espaço do distrito Pari indica que

embora o número da população seja elevado, eles estão albergados, razão pela qual há esta

aparente discrepância; e o mesmo caso se dá no distrito Santa Cecília.

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56

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57

(Gráfico 9)

Do centro à direita:

1. Sé - Liberdade - Bom retiro 2. Brás - Pari � Cambuci 3. Bom Retiro � Mooca

Do centro à esquerda:

1. Sé - Liberdade - Bom retiro 2. Santa Cecília � Consolação � Bela Vista 3. Barra Funda � Perdizes e Jd. Paulista

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

2000

2003

Moradores na rua Albergados

(Elaborado pelo autor, 2009) � Gráfico 10

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58

0,0%

20,0%

40,0%

60,0%

80,0%

100,0%

2000

2003

Homens Mulheres

(Elaborado pelo autor, 2009) � Gráfico 11

0%

20%

40%

60%

80%

100%

32%

35%

14%

26 a 40 anos 41 a 55 anos Acima de 56 anos

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 12

A observação do comparativo entre os dois Censos realizados pela FIPE em 2000 e 2008

permite a composição de algumas considerações, como segue:

O acréscimo de pessoas morando na rua em três anos foi altamente significativo.

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59

Entende-se que a �produção� de moradores para alocação na rua cresce a cada ano e que

medidas de estancamento, a partir de políticas públicas, não têm sido eficientes para conter esse

crescimento numérico � sem contar com o aprofundamento e a complexidade social que isso

causa para a vida urbana. Comparando-se as grandezas em relação ao número de albergados,

considera-se que a duplicação de moradores em albergues, de 3.693 em 2000 para 6.186 em

2003, ainda que represente um crescimento significativo no atendimento, faz com que o

albergue passe ao status de moradia. O albergue começa a se configurar na qualidade de um

hotel de passagem, como aconteceu na chegada dos imigrantes a São Paulo no início do século

passado. Essa poderá ser uma saída social e urbana: a constituição de hotéis de albergados, não

mais como casas transitórias, mas conjuntos residenciais em suas formas mais primárias (FIPE,

2003).

A contagem quase que estável, entre 2000 e 2003, de homens como sendo quase quatro

vezes o número de mulheres, indica que há uma constante reposição de homens na situação de

rua. Isso indica perdas familiares e a possibilidade de maior tensão social na medida em que

eles se agruparem, constituindo hordas de gangues urbanas e promovendo atitudes violentas,

como já tem ocorrido.

É necessário que se aponte com cuidado e atenção um fato que implicará na temática

desta pesquisa, a saber, a nova geração de pessoas em situação de rua, trata-se da criança e do

adolescente.

IV. Nova geração em situação de rua: Crianças e Adolescentes

A pesquisa (2007), encomendada pela Prefeitura de São Paulo, indica que a população

em situação de rua está envelhecendo na rua. O relatório da Pesquisa Nacional da População em

Situação de Rua desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,

publicado em abril de 2008, indica que 53% dos moradores de Rua, na perspectiva de Brasil,

estão entre 25 e 44 anos. Observando o que foi apurado pela pesquisa FIPE, percebemos que o

número de moradores de rua (homens na sua maioria, ocupando o topo da curva do

envelhecimento) aponta que a sociedade civil e o complexo urbano abrigarão em breve uma

geração de pessoas de rua idosas. Pessoas que ingressarão na terceira idade sem as menores

condições de dignidade humana e cidadania.

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60

No plano do mapeamento da População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo,

encontram-se dados recentes (agosto de 2007) que fazem referência a uma pesquisa inédita,

focada na criança e no adolescente em situação de Rua na Cidade de São Paulo. Essa pesquisa

foi desenvolvida também pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisa) a pedido da Prefeitura

Municipal de São Paulo por meio de sua Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.

O recorte da Pesquisa considerou 27 das 31 subprefeituras da Capital,recenseando 1.842

crianças e 538 adolescentes. A aplicação da pesquisa contou com 200 pesquisadores que se

distribuíram nos locais em que as crianças mais transitam e permanecem, por exemplo, onde há

bares, comércio e boas condições de circulação. Eles reconheceram que, em determinados

lugares e dias da semana, ocorrem concentrações de �pico�. Isso permitiu, com esses cuidados,

sobrepor dados por meio da aplicação de dupla pesquisa. Dessa forma, a FIPE regulou a coleta

de dados, tornando-a mais aproximada do real e com mínima margem de erro.

A pesquisa de 2007 objetivou obter informações sobre três aspectos específicos acerca

das crianças e dos adolescentes em situação de rua:

1) Características demográficas dessa população;

2) As condições em que vivem e trabalham nas ruas;

3) Os vínculos familiares que mantêm.

No atendimento desses três eixos da pesquisa, o pesquisador selecionou oito áreas sobre

as quais fará apontamentos, demonstrando gráficos estatísticos que indicam os grupos por sexo,

pela cor da pele, de acordo com a idade e segundo o tempo de permanência na rua. Também

serão incluídos aqueles que dormem na rua segundo as faixas etárias, os meios de deslocamento

utilizados pelas crianças e adolescentes, o vínculo familiar demonstrado pelo agrupamento

durante a noite e as atividades informais desenvolvidas para conseguir recursos.

Grupos por sexo

O segmento formado por homens corresponde a três vezes o segmento feminino.

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61

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 13

Cor

A população em situação de rua segue a tendência de miscigenação racial no Brasil hoje,

ou seja, maioria de negros e pardos.

19,5%

41,5%38,7%

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

40,0%

45,0%

Branco Negro Pardo

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 14

Idade

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62

A população de rua é constituída majoritariamente de adolescentes e jovens.

11,4%15,0%

38,5%35,1%

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

40,0%

45,0%

Até 10 anos 11 a 12 anos 13 a 15 anos 16 - 18 anos

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 15

Permanência na Rua

O grupo da população que é efetivamente da rua, é praticamente o dobro da população

que transita pela rua.

56,8%

25,9%

3,6%11,3%

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

7 dias 5 dias 2 dias 1 dia

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 16

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63

Pernoite na rua por faixa etária

Metade das crianças que vivem na rua durante o dia, e metade dos adolescentes que

transitam na rua durante o dia, nela encontra algum tipo de abrigo para pernoitar.

0,0%

50,0%

100,0%

150,0%

52,8%

58,6%

Até 12 anos 13 a 18 anos

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 17

Meio de Deslocamento

É notório que a população em situação de rua se utiliza da malha de serviços de

transportes oferecidos nas grandes cidades, tais como São Paulo.

57,4%

18,6%11,6%

35,9%

0,0%10,0%20,0%30,0%40,0%50,0%60,0%70,0%

Ônibus Trem Metrô A pé

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 18

Os levantamentos inéditos da FIPE acerca da criança e do adolescente em situação de

rua na cidade de São Paulo no ano de 2007 nos permitem reflexões sobre esse novo movimento

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64

de massa humana urbana. Jovens que cresceram e estão crescendo na rua, aparecendo no

cenário como uma força de segunda ou terceira geração. Eles não chegaram à situação de rua

tão somente como elementos descartáveis de uma sociedade capitalista, mas por forças que

promoveram esse estado. Isso passa pela desagregação familiar e por outros componentes

sociais, tais como a criminalidade e a prostituição.

É uma tragédia a permanência da criança na rua. No caso da criança e do adolescente,

diferente do adulto, suas histórias pessoais são fragmentadas e compostas por perdas de

vínculos familiares, rompimentos dos laços de parentesco e quase sempre marcada por atos de

violência. Resolver esse problema é um desafio praticamente impossível, entretanto é razoável

que se pense em minimizá-lo.

Observa-se que nesse grupo há predominância do sexo masculino e de pessoas não

brancas. A faixa etária média se situa na idade de 14 anos, ou seja, no pleno despertar da

adolescência. Isso pode apontar atos de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da

gravidez precoce com risco para a mãe e filho. Tais circunstâncias fazem eclodir uma nova

problematização das questões sociais e de saúde pública.

Outro fator a apontar é o pernoite na rua. A pesquisa indica que mais da metade dos

adolescentes que pernoitam na rua o fazem sem a companhia e proteção de suas famílias. Essa

permanência visa à obtenção de algum tipo de recurso. Observa-se que mesmo crianças de até

12 anos, também em contingente de mais da metade, permanecem na rua. A desvinculação

familiar é um dos motivos principais para que essas crianças se instalem na rua.

Dada esta configuração, as crianças e adolescentes em situação de rua constroem seus

grupos a partir de três formatações:

a) Formam grupos exclusivamente de crianças com liderança de uma delas;

b) Associam-se aos adultos para obterem algum tipo de proteção;

c) Perambulam solitárias, fazendo eventualmente algum tipo de associação.

No que se refere à busca por algum tipo de renda, a pesquisa aponta que boa parte da

população de crianças e adolescentes se ocupa com vendas, principalmente de balas e outros

doces. Isso contraria a lógica da infância, pois tais crianças deveriam estar recebendo balas e

doces como símbolo de afeto dos adultos. Elas os vendem para sobreviver, e até por exploração

de adultos.

Quanto ao deslocamento, observa-se que a grande incidência de respostas se deu nos

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65

quesitos de ônibus e a pé. Essas indicações apontam que as crianças e adolescentes preferem se

estabelecer na rua em espaços distantes de seu local de origem ou de alguma referência espacial

que signifique algum comprometimento de ordem social. Por esses dados, também se entende

que essas crianças e adolescentes já aprenderam que a sobrevida na rua depende de uma

permanência incógnita e invisível.

V. Imagens do cotidiano de quem SOBRE-vive na Rua

A coletânea de imagens52 a seguir procura retratar, em primeiro lugar, as relações que

podem apontar saídas para minimizar a condição da população em situação de rua,

constituindo-se uma coalizão entre os elementos da religião e da política. Em segundo lugar,

permite caminhos para se construir um olhar analítico-crítico acerca dos elementos culturais e

sociais oferecidos pela imagem.

Schmitt declara:

�Todas as imagens têm sua razão de ser, exprimem e comunicam sentidos, estão carregadas

de valores simbólicos, cumprem funções religiosas, políticas e ideológicas, prestam-se a usos pedagógicos, litúrgicos e mesmo mágicos. Isto significa dizer que elas participam plenamente do funcionamento e da reprodução das sociedades presentes e passadas. (...) mas ao

concentrar-se a atenção num tempo mais recente, é verdade que o aparecimento e o

desenvolvimento exponencial das técnicas modernas de registro e transmissão de imagens

fixas (fotografias) e móveis (cinema, televisão) alteram nosso campo visual e nossas

referências culturais.�

Vê-se nestas primeiras imagens a população reunida na frente do templo da Sé; mais

abaixo um morador de rua transitando com uma cruz, à semelhança da peregrinação do Cristo, e

uma frase-chavão de crítica ao governo: �Serra você falou mas não coprio�.

A imagem a seguir reúne dois estigmas da população em situação de rua: a mulher e a

negritude.

As pesquisas, tanto do Ministério do Desenvolvimento (2000) quanto da Secretaria do

Bem-Estar Social de São Paulo (2007), mostram que a população feminina de rua mantém certa

estabilidade, havendo até decréscimo.

As outras três imagens agrupam os segmentos em maior grau de vulnerabilidade: (1) a

presença de mulheres, (2) mulher negra, (3) idoso, (4) adolescentes e crianças. Chama-se a

atenção para os adolescentes sob os cobertores. Eles aparecem, à primeira vista, uma dupla de

cadáveres e simetria emblemática de vulnerabilidade. Depois vemos a idosa encurvada e a

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66

criança em estado de torpor rente à calçada, dominada pela inalação de cola de sapateiro.

(1) Mulheres em movimento popular do Povo de Rua � Ilustração 2

integracaosemposse.zip.net/arch2005-08-01_200...

As imagens que seguem foram selecionadas do cotidiano retratando uma mulher negra,

uma idosa, bem como dois adolescentes e uma criança no ambiente externo urbano, sendo uma

numa praça, uma idosa e uma criança na calçada e dois adolescentes sob um viaduto cuja

coluna grafitada dá o tom da poluição visual que a cidade oferece em que pessoas sujas se

confundem com a sujeira do próprio espaço que ocupam.

O congelar destas imagens nos remete a Serge Gruzinski em sua obra A Guerra das

Imagens, na qual ele traça uma linha histórica da chegada de Colombo até o domínio da

imagem televisiva que não permite ao expectador ocupar-se com análise, com detalhes, com a

dimensão do exposto e aponta: Este mundo de imagens e do espetáculo é mais do que nunca um

mundo híbrido, do sincretismo e da mistura, da confusão das raças e das línguas [...]

laboratório da modernidade e da pós modernidade, caos prodigioso de duplos e de replicantes

culturas, gigantesco entreposto de resíduos onde se amontoam as imagens e as memórias

mutiladas de três continentes53

Considera-se, portanto, que ao nos depararmos com uma imagem congelada, que rompe

com o caos televisivo das imagens replicantes, coincidentes, pode-se evocar a possibilidade de

análise, e uma delas diz respeito à mulher negra assentada sobre os seus pertences na

companhia do cachorro, exposta em uma praça; a outra da idosa que sustenta, de cócoras, um

recipiente no qual espera que pessoas, caminhantes, comovidas com aquela cena dramática

urbana, lhe ofereça algum trocado.

Page 67: Jorge Schutz.pdf

67

(2) Mulher negra em situação de rua � Ilustração 3

www.jornalorebate.com/colunistas/cris4.htm

(3) Idosa em situação de rua � Ilustração 4

triangulo.org.br/site/index.php/20080403436/P...

Em ambos os quadros degradantes, sem que se caminhe pela discussão do mérito ou das

forças sociais e políticas que conduziram a esta situação, se evoca o Estatuto do Idoso - LEI Nº.

8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe o seguinte:

Artigo 1º - A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na

sociedade. Artigo 3º - I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os

direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida; III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza; CAPÍTULO IV - Das Ações Governamentais Artigo 10- Na implementação da política

nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos: I - na área de promoção

e assistência social: a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das

necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade e de

entidades governamentais e não-governamentais; b) estimular a criação de incentivos e de

alternativas de atendimento ao idoso, como centros de convivência, centros de cuidados

diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros;c) promover simpósios, seminários e encontros específicos; d) planejar, coordenar, supervisionar e financiar estudos, levantamentos, pesquisas e publicações sobre a situação social do idoso;e)

promover a capacitação de recursos para atendimento ao idoso; II - na área de saúde:a) garantir ao idoso a assistência à saúde, nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único

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de Saúde; b) prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e

medidas profiláticas; c) adotar e aplicar normas de funcionamento às instituições geriátricas e

similares, com fiscalização pelos gestores do Sistema Único de Saúde; d) elaborar normas de serviços geriátricos hospitalares; e) desenvolver formas de cooperação entre as Secretarias de

Saúde dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios e entre os Centros de Referência em

Geriatria e Gerontologia para treinamento de equipes interprofissionais; f) incluir a Geriatria como especialidade clínica, para efeito de concursos públicos federais, estaduais, do Distrito

Federal e municipais; g) realizar estudos para detectar o caráter epidemiológico de

determinadas doenças do idoso, com vistas à prevenção, tratamento e reabilitação; h) criar

serviços alternativos de saúde para o idoso;54

Jung Mo Sung55 aponta que a questão da invisibilidade da velhice é mais do que uma

cegueira do Estado e das agências sociais que compõem a malha assistencial do governo, mas

se trata de uma cultura estabelecida na sociedade, sendo esse descaso mais do que uma

consequência direta da supressão de verbas do governo para este fim, mas um modo de ser de

todos, já instituído nas relações humanas da sociedade contemporânea, como afirma: Se o grupo

de idosos se tornou invisível aos olhos das políticas governamentais, isto nos remete ao modo

como o governo e a própria sociedade conhecem a realidade social e seus problemas. Isto, aos

valores, crenças místicas, proibições e tabus que compõem a nossa cultura. Não foi somente a

política de ajuste econômico neoliberal, com seus cortes nos problemas sociais e o desmonte de

projeto de Estado de Bem-Estar Social, que levou a uma situação de descaso com os problemas

dos idosos. (SUNG, 2005. P. 101)

As duas imagens a seguir evocam igualmente possibilidades de múltiplas interpretações.

Entretanto, há legislação que sustenta o estado a promover iniciativas e providências que de

forma efetiva contribuam com atenção e erradicação de situação degradante envolvendo jovens

e crianças no espaço urbano.

(4) Criança e adolescente em situação de rua (A) � Ilustração 5

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www.vides.org.br/portal.php/Noticia?codigo=171

(5) Criança em situação de rua (B) � Ilustração 6

moradorderua.zip.net/

O Estatuto da Criança e do Adolescente - LEI Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 � propõe:

Título I - Das Disposições Preliminares Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade

incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às

pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Art. 3º A criança e o adolescente gozam de

todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral

de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade,

da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos

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direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à

infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer

atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as

exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar

da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.56

Destaca-se nesta lei o Artigo 5º que preceitua: Nenhuma criança ou adolescente será

objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos

fundamentais.

O ingresso destas imagens no corpo do trabalho segue a cultura de publicações tanto dos

órgãos do governo e entidades de filantropia, bem como, na literatura com enfoque na

População em Situação de Rua, nas quais o texto é acompanhado de imagens ilustrativas com a

intenção de conduzir o leitor não somente à reflexão pela leitura, mas também pela observação

de imagens, nem sempre tão agradáveis, assim como as selecionadas para esta pesquisa.

A pesquisa indica que a população em situação de rua na cidade de São Paulo é uma

realidade que não é mais possível de ser considerada como massa humana invisível. Justifica-se

essa assertiva pelo fato de que é possível identificá-la em dados estatísticos, fotografá-la em

imagens, reconhecer o seu trajeto migratório no tecido urbano e identificar o seu perfil

socioeconômico. Eles são moradores de rua e na rua vão se tornando patrimônio social,

econômico e cultural da cidade.

Os elementos considerados na pesquisa apontam que mesmo com as iniciativas de

políticas públicas intensificando o atendimento à população de rua e promovendo sua alocação

em albergues e casa de apoio, a população ainda fora do alcance do poder público praticamente

duplicou em número no período entre 2000 e 2003.

Outro dado que aponta um tema do interesse desta pesquisa no seu todo é a baixa

filiação das pessoas em situação de rua a grêmios associativos ou a qualquer outro programa em

que se reforcem os valores de participação política na forma de reivindicar seus direitos e

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atenção dos órgãos públicos.

Também é relevante o fato do contingente masculino que compõe a população de rua

estar em crescimento, e sua faixa etária apontar uma geração de homens que está envelhecendo

nessa condição.

De todos os elementos apontados e levantados na pesquisa, o mais grave diz respeito à

nova população que já está a vingar na cidade. População formada por crianças e adolescentes,

os quais já aprenderam a se deslocar na malha rodoviária urbana e com isto procuram novos

espaços de convivência, abrigo e trabalho, abrindo mão ou sendo levados a abrir mão de

vínculos familiares. Vínculos que, após serem rompidos, tornam cada vez mais difíceis as

possibilidades de atendimento e possíveis reabilitações dessas crianças e adolescentes.

As ilustrações por gráficos e imagens que constam deste capítulo representam uma

opção do pesquisador em ilustrar de forma concreta e em linguagem contemporânea, a realidade

de uma população que, mesmo sabendo de sua existência na cidade, negamo-nos a enxergá-la.

No Capítulo II a seguir, se tratará do contexto social em que a Comunidade Metodista de

Rua se instala no cenário urbano ao tempo da legislatura da Prefeita Luíza Erundina, em 1992.

No primeiro momento se apresentará a complexidade que configura o entorno e a

aproximação deste segmento social urbano, e para este passo se utilizará dos dados levantados e

publicados a partir do propósito do poder público de conhecer, quem é, quantos, são e como

vive a população em situação de Rua na Cidade de São Paulo.

A seguir se apresentará o conjunto de fatores sociais e eclesiásticos que deram propulsão

ao início da Comunidade Metodista do Povo e Rua, e a seguir como se tem estabelecido esta

relação de parceria entre a Igreja Metodista através da AMAS � Associação Metodista de

Assistência Social - e a Prefeitura Municipal de São Paulo, através da Secretaria de Assistência

Social.

Com a finalidade de atender ao propósito do Capítulo II foram levantados os dados

documentais em três fontes, a saber:

1. Publicações da Prefeitura Municipal de São Paulo;

2. Dados disponibilizados nos sites oficiais da Prefeitura de São Paulo;

3. Documentos cedidos pela Comunidade Metodista do Povo de Rua: relatórios,

estatísticas, planilhas de custo e contratos de parceria.

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4. Dados fornecidos por coordenadores da Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Capitulo II

A Comunidade Metodista do Povo de Rua - Caminhos do Projeto de Ação

Pastoral

Introdução

É pertinente, antes de se tratar do segmento da população em situação de rua atendida

pela CMPR � Comunidade Metodista do Povo de Rua, recorrer ao texto seminal de pesquisa

sobre a temática publicado em 1992 pela Hucitec57, quando da legislatura da prefeita Luiza

Erundina de Souza58, sendo a secretária municipal do Bem-Estar Social, Rosalina de Santa Cruz

Leite.

A pesquisa sob o título: População de Rua � quem é, como vive, como é vista (1992),

contou com uma equipe de colaboradores para redação final, para elaboração dos textos básicos

e com mais de uma centena de pesquisadores de campo, estando neste grupo dois metodistas:

Alcides Alexandre de Lima Barros59 e Thomas Gustavo Kemper60.

O trabalho de coleta de dados desenvolveu-se num período de dois anos, em locais

diferentes e com abordagens também diferentes, ora com aplicação de questionários, ora em

encontros de diálogos com segmentos da população de rua visando reunir informações.

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A comissão de redação se compôs de treze voluntários que ofereceram seus textos em

resumos, os quais foram ampliados e organizados dentro da temática, numa tentativa de

abranger e aglutinar as perspectivas mais evidentes e por assim dizer, importantes, daquele

momento social pelo qual passava a população em situação de rua na cidade de São Paulo.

A prefeita Luiza Erundina de Souza61 apresenta ao público a pesquisa e na sua abertura

dá os parâmetros com os quais se passa a pensar e elaborar tentativas de aproximação deste

segmento urbano, afirmando que:

A rua tem mudado bastante nos últimos anos. A população que hoje ocupa logradouros

públicos, ruas, praças, terrenos e imóveis abandonados não corresponde mais à figura do

andarilho ou do mendigo tradicional que pede esmolas e também não é um fenômeno

exclusivo da cidade de São Paulo. São trabalhadores desempregados e subempregados, que se

juntam a outros que perderam suas casas e outros tantos que, sem esperança, aguardam

respeito e cuidados. Não existem estatísticas precisas e confiáveis sobre essa população.

Apesar de diversas tentativas e encontros realizados pela Secretaria do Bem-Estar Social e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, não foi possível incluir no ultimo senso o

levantamento sobre esta população62.

A apresentação do texto pela então Prefeita da cidade de São Paulo já indica que havia

tentativas e intenções de aproximação da população em situação de rua, mas, embora eles

fossem fenômenos concretos, visíveis e tangíveis, não se havia até então buscado de uma

maneira minimamente científica estabelecer, pelo menos, em perspectivas estatísticas quem e

quantos eram estes cidadãos.

A iniciativa do levantamento de dados realizado pela Prefeitura de São Paulo aponta a

complexidade do fenômeno urbano oferecida ao poder público e à iniciativa privada. As

empresas ou agências sociais religiosas se revelam e simultaneamente se escondem, como se

por um momento existissem estas camadas sobrantes e no outro momento elas se diluíssem nas

ruas e avenidas, como se desintegrando no caldo humano movimentado da cidade.

A primeira complexidade é a numérica, a saber: Quantos eles são? Para fazer este

levantamento é preciso, antes de tudo, definir os que são de rua, os que estão nela e mais, os

elementos distintivos entre uma pessoa de rua e aquela, que mesmo pobre, não pode ser

considerada de rua, tendo em vista que recorre a um endereço físico urbano, ainda que seja

numa invasão de propriedade pública ou privada.

Neste aspecto o censo do IBGE63 anterior a 1991 não contribuiu para esta pesquisa, uma

vez que a metodologia adotada pelo Instituto considera em sua estatística a pessoa que ocupa

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um espaço devidamente identificado como sendo a sua moradia fixa. E, em 2006, conforme se

aponta, o IBGE realizou a primeira pesquisa visando conhecer grupos de residência não fixa e

outros sujeitos atendidos por entidades sem fins lucrativos e assistência social privada.

O segundo aspecto da complexidade diz respeito ao estilo de vida que adotam. Entende-

se por estilo de vida o conjunto de valores que norteiam a pessoa em suas relações consigo

mesma, com o próximo e com o espaço que ocupa. A aproximação deste fenômeno tem

complicadores que envolvem, inclusive, a forma como vive o pesquisador, as expectativas que

o patrocinador da pesquisa alimenta e deseja encontrar, e por outro lado, a precisão de análise

do próprio sujeito diante do que lhe está sendo posto. Desta forma pretende-se aludir ao fato de

que o estar na rua e o ser da rua, poderá significar para o pesquisador uma tragédia, para o

sujeito pesquisado, a sua libertação.

Esta dimensão da aproximação da população em situação de rua nos indica que a

confecção de um trabalho notadamente sério de pesquisa, tabulação de dados, identificação de

tendências e a elaboração de políticas públicas eficazes e/ou pastorais adequadas à demanda,

implicará na participação efetiva dos sujeitos em responder a estas questões de forma

minimamente precisas e verdadeiras. Caso contrário, as ações pastorais e intervenções do poder

público não atenderão ao desejado, uma vez que o objeto a ser atendido ainda esconde como

forma de sua proteção o enigma de quem ele é e do que ele realmente precisa.

A partir desta perspectiva, pode-se inferir que as ações pastorais e outras, bem como as

reações das pessoas em situação de rua poderão se constituir em mútua manipulação e

atendimento de interesses de parte a parte.

Em terceiro, a complexidade se revela em perscrutar como pensam os moradores em

situação de rua e quais são os símbolos com os quais eles dialogam. Neste plano de relações

entre si e com o meio, circula drogas de diferentes formas, comida, polícia, homossexuais e

outros circuitos de inter-relação e para cada um deles há uma gíria específica, o que configura a

formação de uma nova identidade e a vinculação por meio de códigos comuns. A busca desta

identidade, ainda que não signifique amizade, garante aos que estão na rua certa segurança

diante da imprevisibilidade de sua existência. Isto implica em dizer que as pessoas em situação

de rua têm a capacidade de perpetuar sua permanência nesta condição uma vez que já

elaboraram seus códigos de sobrevivência e vinculação.

Querendo-se ou não, um projeto de pesquisa e ações cadenciadas na perspectiva de

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atender a população de rua poderá ser interpretado como um risco à segurança, uma

intercorrência que poderá pôr em risco o sistema estabelecido, e quem sabe subvertê-lo.

Ora, preservar-se à margem é uma forma também de proteção e a identidade buscada

pela população em situação de rua é a essência de sua permanência nesta condição.

Bauman64 afirma:

O anseio por uma identidade vem do desejo de segurança, e ele próprio é um sentimento

ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço

pouco definido num lugar teimosamente, perturbadoramente nem-um-nem-outro torna-se ao longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado uma posição

fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente.

A pesquisa elaborada em 1991 teve como horizonte, inclusive, demonstrar que esta

categoria de população em situação de rua já tem estabelecido seus códigos de linguagem, seus

ícones de comunicação, assim como tem definido suas experiências humanas de sexualidade,

preservação da saúde, lazer e prazer, bem como, códigos de segurança pessoal. E, a intromissão

e o desvelar destes códigos, de um lado permite a abertura de vias de acesso, de outro expõe a

população è vulnerabilidade ainda maior. Isto implica em dizer que as ações de intervenção do

poder público ou outras, poderão ser interpretadas como violência, e é por isto, que não raro, o

poder público interpreta a população de rua como marginalidade na perspectiva da violência

urbana e para tanto recorre ao aparato policial para reprimí-la.

A quarta expressão de complexidade se dá em nível de responsabilidade pelo

atendimento à população e/ou pelos agentes econômicos e públicos que produzem a formação

deste caldo de sobrantes. Ou seja, atacam-se as causas ou os efeitos. Em se optando por uma

política em que as causas sejam atacadas, quanto custará este empreendimento social e quem

pagará a conta? Por outro lado, tendo-se o foco somente nas consequências, da mesma forma,

quem subsidiará o investimento e qual a pretensão do projeto; de manter a situação como está e

alimentá-la de forma basal, ou propor outra maneira em que haja não apenas reabilitação, mas

assunção da pessoa em situação de rua à posição de agente e gestor de sua própria história?

A pesquisa aponta a presença de parcerias entre instituições públicas e privadas,

inclusive faz referências a ações de organizações ligadas à Igreja Católica e Metodista, bem

como ao centro de estudos de saúde mental vinculado a PUC-SP.

Por outro lado, a força do projeto de pesquisa estava, em primeiro, conhecer a dimensão

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do problema e procurar entender as peculiaridades dos que compõem a população de rua. Em

segundo, elaborar uma avaliação crítica sobre a forma a abordagem mais adequada a este

segmento e quais efetivamente seriam as suas necessidades reais. Obviamente entendo que

qualquer que fosse a iniciativa proposta, haveria um custo não baixo.

É neste viés que surge a filantropia exercida por grupos religiosos tais como: espíritas,

católicos e metodistas, o que revela a precariedade de existência de uma proposta mais profunda

e abrangente, demonstrando que tanto o poder público, bem como o poder privado e

organizações filantrópicas são incapazes, pela complexidade, de elaborar ações que sejam de

transformação estrutural, e não pontual.

A pesquisa aponta este aspecto, como segue:

A ausência de uma política de assistência claramente formulada pode ser observada na dispersão e multiplicidade de ações institucionais em seu caráter pontual e emergencial.

Ressalta-se ainda que, no caso da assistência, o Estado, muitas vezes abarca iniciativas da

rede solidária de entidades e movimentos da sociedade civil direcionados ao enfrentamento de questões relativas à minimização da pobreza [...] a assistência de instituições de assistência

social é uma peculiaridade da civilização cristã, desde o inicio da propagação da doutrina,

pautando-se por uma ética que se propõe conciliar princípios da dignidade humana com a

conjuntura de profundas desigualdades sociais. A trajetória das instituições sociais não é

monolítica. Elas sofreram algumas transformações nos diversos períodos históricos,

diversificando suas práticas, modernizando suas estruturas burocráticas, incorporando novos

conhecimentos produzidos na sociedade. A cidade de São Paulo, desde o século XVI registra a existência de organizações instituídas com a finalidade precípua do apostolado filantrópico,

com dedicação aos segmentos excluídos. Preferencialmente os classificados como pobres e

excluídos. O campo da filantropia opera de maneira diversificada, não se restringindo à

distribuição da comida, mas ajudando tanto a indivíduos como a famílias pobres, fornecendo-lhes outros auxílios, como roupas, calçados, remédios, e cestas básicas. O trabalho dessas

organizações junto à pobreza assume um sentido de dupla ação, ora na consecução de seus

princípios doutrinários, ora na perspectiva de uma ação social. (VIEIRA, et.all, 1992, p. 117)

O que se depreende é que diante da complexidade e natureza da população em situação

de rua, a sua abordagem continuará sendo efetivamente atendida, na prática, por instituições

religiosas que datam do século XVI, dentro da perspectiva cristã de solidariedade. Ou seja, não

se elaborou de fato uma política pública consistente que de fato se aproxime desta população

com intenção transformadora e motivação efetiva de erradicação e abordagem deste fenômeno.

Continuarão, por isso, as organizações religiosas à mercê do aporte do poder público

realizando sua ação assistencialista, ainda que sob gestão moderna e eficiente, mas respirando

internamente a ambiguidade entre consolidar a sua ação missionária e doutrinal e fazer

assistência social meramente. Esta tensão parece não ter se resolvido nos últimos quatro

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séculos.

A quinta complexidade é o fenômeno da dispersão e da mobilidade. A dificuldade está

reconhecida na relação direta entre onde a população em situação de rua se abriga e as

condições de sobrevivência impostas a ela. O estar na rua exigirá desta população que ela se

envolva em pequenos trabalhos para receber algum recurso, bem como ter acesso a alimentação

sobrante de restaurantes, hotéis, lares e mesmo extrair algum benefício do lixo descartado por

empresas e escritórios. Aqueles que praticam algum tipo de pequenos furtos, de alimentos e

dinheiro, encontrarão nos setores de maior aglomeração humana seu espaço de subsistência.

Além do que, em caso de intercorrência de saúde, os hospitais públicos oferecem fácil acesso,

inclusive, as organizações filantrópicas ocupam espaços físicos nestas áreas de maior

concentração humana, a saber, o centro dos grandes centros.

Destarte, a mobilidade se dá por segurança, pois a radicalização, o ser conhecido em

determinado ambiente pode ser uma opção de alta exposição, por outro lado, a migração para

outros setores também oferece novas oportunidades de ação.

Esta característica de mobilização faz com que aumente demasiadamente qualquer

iniciativa de elaboração de uma proposta única de atendimento à população em situação de rua.

Quanto à complexidade gerada pela mobilidade, aponta a pesquisa realizada pela Prefeitura

Municipal o seguinte:

No primeiro semestre de 1991 uma associação americana ligada aos homeless protestou veementemente contra uma instituição que realizou um levantamento da população de rua e

encontrou pouco mais de duzentos mil homeless em todo o país, número inferior ao real

segundo a associação. No Brasil não existem dados confiáveis sobre o número de pessoas que

vivem nas ruas. Para a cidade de São Paulo, as estimativas variavam entre cinco mil e cem

mil pessoas. Por tratar-se de uma população móvel e bastante heterogênea, que se desloca não

só geograficamente, mas também econômica e socialmente, torna-se difícil precisar o número

de pessoas que se encontram nas ruas da cidade. Em função de suas condições de vida, tais

pessoas podem alterar a rua com outras situações habitacionais precárias e o trabalho nas ruas

através de bicos com o trabalho regular. Na rua misturam-se o morador tradicional e os que ficam temporariamente nela e que, por vezes, percorrem vários pontos do país em empregos

da construção civil e em trabalhos agrícolas. A complexidade da situação dificulta portanto, a

conceituação do que seja a população de rua e gera controvérsias a respeito de seu número.

(VIEIRA, et all, 1992. p.48)

Pode-se indicar, pelo menos inicialmente, frente a tal complexidade, que o mapeamento

da população de rua pudesse ser feito mediante eleição de quadrantes urbanos em que se

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concentram normalmente, e a partir destes quadrantes previamente definidos, como sendo rotas

de caminho e espaço de pernoite temporário, se estabelecer políticas de intervenção, de

cadastramento utilizando unidades de intervenção móveis, mediante cadastramento desses

indivíduos que por opção ou necessidade encontram-se às sombras da vida urbana. Há

tecnologias hoje disponíveis para levantar e cruzar todos estes dados.

Nesta transição reporta-se a intenção de estabelecer um marco histórico e social de

aproximação da população em situação de rua na cidade de São Paulo.

Para atender esta expectativa recorreu-se à pesquisa realizada pela Prefeitura da Cidade

(1992) ao tempo da gestão da Prefeita Luiza Erundina de Souza, que auxiliada por contingentes

da academia, da sociedade civil e agentes do poder público, ousou conhecer a dimensão, as

características, as formas de sobrevivência daquelas pessoas que ocupam ruas e logradouros,

sendo umas em trânsito, temporárias, outras, sem se perpetuar nesta condição.

A referida pesquisa, processada durante dois anos (1990/91) e publicada em 1992, é um

texto seminal, específico e diferenciado, indicando que a iniciativa fora singular e construída de

forma democrática, o que possibilitou, pelo menos em tese, a elaboração de uma avaliação

crítica das formas de atendimento a população em situação de rua, que vinha sendo

desenvolvida tanto pelo poder público, bem como por entidades filantrópicas constituídas a

partir da sociedade civil, dentre elas aquelas com traço religioso e doutrinal.

Do que a pesquisa oferece como lentes de percepção, destacou-se a temática da

complexidade, apontando-a na perspectiva de cinco eixos.

A primeira complexidade é a numérica, a saber: Quantos eles são?

O segundo aspecto da complexidade diz respeito ao estilo de vida que adotam.

Em terceiro, a complexidade se revela em perscrutar como pensam os moradores em

situação de rua e quais são os símbolos com os quais eles dialogam.

A quarta expressão de complexidade se dá em nível de responsabilidade pelo

atendimento à população e/ou pelos agentes econômicos e públicos que produzem a formação

deste caldo de sobrantes.

A quinta complexidade é o fenômeno da dispersão e da mobilidade.

Estabelecido este marco, é possível situar-se agora a observação da CMPR, seu

surgimento neste contexto, de que forma a Comunidade Metodista responde às complexidades

da população em situação de rua, e de que forma ela vive a tensão entre a pura filantropia e a

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dimensão religiosa que ela evoca como pastoral urbana.

I. Do café do Coreano à Comunidade Metodista do Povo de Rua

Neste segmento pretende-se expor a sequencia do processo de transição que culminou

com a criação da Comunidade Metodista do Povo de Rua.

No segundo momento, apresentar percepções dos três gestores que ao longo da história

da CMPR tiveram a responsabilidade não só de gerir no aspecto administrativo, mas alimentar o

objetivo para o qual a Comunidade fora criada.

1.1 A Criação da Comunidade Metodista do Povo de Rua

Barros aponta que no período entre 1987 a 1992, a Igreja Metodista do Bairro da Luz

acolhe a Igreja Metodista Coreana Ebenezer65. Esta distribuía café e achocolatado

dominicalmente na Praça Fernando Costa e no Parque D. Pedro II. O público era crescente, de

300, 700 e até 1000 pessoas participando do Café do Coreano (BARROS, 2009, p. 99).

Suzel Tunes66 mostra como se constituiu a Comunidade Metodista do Povo de Rua na

década de 1990, quando as forças políticas e sociais do governo municipal pretenderam se

aproximar deste segmento humano urbano, e quem foram os atores neste processo, conforme

narra seu texto em que recorre ao depoimento do Pastor Alcides:

Em julho de 1991, a prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Ação

Social, propôs uma parceria com a Igreja, para melhorar o atendimento aos moradores de rua, durante os meses de inverno. A prefeitura oferecia o abrigo, localizado no Viaduto Pedroso, para o atendimento e criação de uma casa de convivência. Para formalizar o contrato entre

igreja e prefeitura, o pastor Alcides elaborou um projeto que seria também, o seu trabalho de

conclusão de curso para a Faculdade de Teologia. Sarah Frances Bowden, então Secretária

Regional de Ação Social da 3ª RE da Igreja Metodista, e o missionário Thomas Kemper, na

época professor da Faculdade de Teologia da Umesp (atualmente é Secretário de Missões da

Igreja Metodista Unida, na Alemanha) foram chamados para organizar a seleção do primeiro

corpo de funcionários da casa: Sandra Corrêa Costa, Regina Célia Medeiros, Uilson Lira, Vicente Paula de Almeida, Eliene de Souza Bispo, Samuel Duarte e Welington Alves Medeiros, além do pastor Alcides Barros. E assim nasceu, oficialmente, a Comunidade

Metodista do Povo de Rua, que começou a atender no dia 26 de junho de 1992, acolhendo os moradores de rua numa casa de convivência (aberta de segunda a sexta, durante o dia) e,

inicialmente, num abrigo emergencial, aberto à noite de junho a setembro. A partir de 1996, o

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abrigo tornou-se permanente. Hoje é o maior projeto metodista voltado para população de rua

em todo o Brasil. Cabia à casa de convivência suprir necessidades básicas de higiene e

alimentação, promover auto-estima, criar laços fraternos entre as pessoas, reinseri-las na sociedade e transmitir o amor restaurador de Jesus. Para os cultos semanais, a Comunidade Metodista contava com o salão social da Igreja Central de São Paulo (atual Catedral

Metodista), contando com o apoio do pastor Jairo Monteiro e sua esposa Simei Monteiro. Dentro do templo, nos horários regulares de culto, os integrantes da comunidade não se

sentiam à vontade, diante de olhares e até atitudes explícitas de preconceito, mas procurava-se vencer essa barreira gradativamente. �Uma vez por mês, um grupo visitava uma igreja da

Região, divulgando o projeto�, conta o pastor Alcides. Hoje, as celebrações são feitas dentro

do próprio Viaduto Pedroso, mas algumas pessoas, por iniciativa própria, freqüentam

dominicalmente os cultos da Catedral Metodista. �Eles sentem necessidade de ir ao templo,

de compartilhar do espaço litúrgico. Mais do que nunca, essas pessoas estão precisando do

convívio social e a igreja precisa ser um espaço de acolhimento�, afirma o pastor Samuel. O

centro de convivência chegou a atender mais de 300 pessoas simultaneamente, pois no início

não havia a prática do cadastramento. �Às vezes a gente se sentia como um grão de areia

numa imensidão de problemas�. Mas também havia bons momentos. �Não tem alegria maior

do que você ver uma pessoa recuperada�, conta o Ver. Alcides, que atualmente pastoreia a

Igreja de Santo Estevão, em São Paulo. (TUNES, 2007)

Conforme aponta Barros, numa Celebração de Páscoa, em realização no evento do Café

do Coreano, o Bispo Nelson Campos Leite67 fez a declaração que foi a ponte entre o Café do

Coreano e a criação da Comunidade Metodista do Povo de Rua, quando afirmou: que não se

opunha a nada e que a Igreja e o poder público tinham que estar juntos à população em situação

de rua, atendendo socialmente, evangelizando e pastorando, a seguir deu a tríplice bênção em

nome do Pai do Filho e do Espírito Santo. (BARROS, 2009, 100).

O projeto de criação da Comunidade Metodista do Povo de Rua ganhou corpo com o

apoio do episcopado da Terceira Região Eclesiástica como referencia Barros à palavra do Bispo

Geoval Jacinto da Silva68, desta Terceira Região:

A Igreja Metodista na Cidade de São Paulo tem 100 anos; somos parte da história desta

cidade: trabalhar com o povo em situação de rua é para nós uma maneira de viver o

Evangelho de Jesus Cristo. Dessa forma, marcamos a presença de Deus nas diversas situações

da vida humana como apoio, a orientação e o acompanhamento no dia-a-dia deste povo que

vive na rua, e nossa manifestação concreta da presença de Cristo em nosso meio. (BARROS,

2009, p.100).

O histórico indica que atendimento à população em situação de rua no centro da cidade

de São Paulo surge num momento socialmente propício no ambiente da política social pública

municipal, que oportuniza alavancar o programa específico da Igreja Metodista Coreana

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Ebenezer que desenvolvia o embrião deste projeto oferecendo dominicalmente, durante quatro

anos, café à população de rua. Tal iniciativa se junta ao interesse da Igreja Metodista no Brasil,

à luz do seu Credo Social69 e o Plano para Vida e Missão70, de atender e assistir aos mais pobres

Evidentemente que o despertar do poder público fez a esteira do suporte que era

necessário para os atores entrarem em cena numa aproximação mais aprofundada do que vinha

sendo praticado com a Igreja Metodista Coreana Ebenezer. Para atender as exigências do poder

público municipal foi necessário vincular o ante-projeto fundante a uma instituição de caráter

social e filantrópico, no caso seria a Associação Metodista de Ação Social - AMAS, que tem

personalidade jurídica própria e está ligada a vida das igrejas metodistas locais.

Pela aproximação geográfica do que vinha acontecendo com a participação dos

coreanos, a AMAS mais próxima foi a da Igreja Metodista Central, hoje Catedral Metodista de

São Paulo. Nesta direção, as ações conjugadas pela Associação Metodista de São Paulo, pela

AMAS da Igreja Metodista Central e pela Secretaria de Ação Social da Terceira Região,

liderada por Sarah Francis Bowden e Márcia Quintino, foram significativas para estabelecer o

convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo e a efetivação do mesmo. Para consolidação

do convênio foi estabelecido um espaço público, o Viaduto Pedroso local da Comunidade

Metodista do Povo de Rua.

1.2 Os gestores71 da Comunidade Metodista do Povo de Rua

Num primeiro momento, por óbvio, era necessário formar uma equipe de trabalho, o que

foi feito com ingresso de novos atores. Esta iniciativa preliminar corrobora o foco da pesquisa

que se aplicou à equipe operacional da CMPR, e não aos assistidos, por que se entendeu que o

desenvolvimento de qualquer programa implica na gestão de pessoas e na capacitação delas

para o efetivo alcance dos alvos estabelecidos.

A narrativa histórica também expõe dois aspectos destacáveis. O primeiro diz respeito

ao atendimento, que se iniciou dentro de um regime de horário comercial, de segunda a sexta-

feira, o que já era um enorme avanço em relação à dinâmica anterior, que era semanal. Mas no

decurso desta prática, o projeto se ampliou e passou a atender sete dias por semana incluindo já

a possibilidade de albergue. O segundo destaque que se faz diz respeito à iniciativa de

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integração da população de rua aos atos litúrgicos da Catedral Metodista, que se mostrou

paulatinamente inadequado tendo em vista a dificuldade de integração entre os frequentadores

da igreja e a inserção das pessoas em situação de rua, o que indicou a necessidade de que os

atos litúrgicos da Comunidade Metodista do Povo de Rua ficassem restritos ao seu espaço

físico.

Encaminhada a questão histórica e como se entendeu que o ambiente político e social

eram propícios a alavancagem do incipiente programa de assistência oferecido pela Igreja

Metodista Coreana dominicalmente, passa-se agora a articular as expressões dos três

coordenadores da Comunidade Metodista do Povo de Rua que foram colhidas na pesquisa de

campo proposta na elaboração da tese.

(a) Pastor Alcides de Lima Barros (1991 a 1998)

A primeira e mais extensiva contribuição vem da parte do primeiro coordenador, que

oferece riqueza de detalhes sobre os acontecimentos passo a passo da Comunidade Metodista

do Povo de Rua. Assim se expressa o Pastor Alcides:

No 3º. ano do curso teológico fiz um estágio com crianças no Projeto Meninos e Meninas de

Rua em S. B. Campo. Ao iniciar o 4º. Ano (1991) fui convidado e nomeado pelo Bispo

Nelson Luiz Campos Leite para acompanhar o �Café dos Coreanos�. No período de 1987 a

1992, a Igreja Metodista Coreana Ebenezer recebeu o apoio da Igreja Metodista do Brasil no Bairro da Luz. Como prática, servem café com leite ou achocolatado e pão com manteiga para

a população moradora de rua, aos domingos no período da manhã, na Praça Fernando Costa,

Parque D. Pedro II, região central da cidade. Em 1991 foi nomeado um pastor-seminarista, Alcides Alexandre de Lima Barros, para a Igreja Metodista da Luz, com a incumbência de

acompanhar o �Café do Coreano�, assim apelidado pela população moradora de rua que

participava daquele trabalho. No segundo semestre de 1991, a Supervisora Técnica da Surbs-Sé/Lapa, da Prefeitura do Município de São Paulo, Cleisa Moreno Maffei Rosa

visitou o �Café do Coreano� e propôs um trabalho em parceria com o poder público municipal, ou seja,

um convênio da Prefeitura com a Igreja Metodista, para que fosse possível melhorar a

estrutura de atendimento àquela população que vive e mora pelas ruas da cidade. Foi uma proposta de trabalho pioneiro em que a Igreja Metodista passou a assumir uma parceria com o poder público através de uma casa de convivência conhecida hoje como Comunidade

Metodista do Povo de Rua (tendo sido elaborado um projeto que se encontra na Faculdade de Teologia como �Projeto de Ação Pastoral - Trabalho de Conclusão de Curso�). Seguindo a sugestão e a orientação da Supervisora Técnica, o pastor-seminarista Alcides Alexandre de Lima Barros elaborou um �pré-projeto� que servirá de Trabalho de Conclusão de Curso no bacharelado de teologia, que também foi enviado a P.M.S.P., Surbs-Sé/Lapa, para que fosse

possível formalizar o convênio entre a Associação Metodista de Ação Social - AMAS., da Igreja Metodista Central, e a Secretaria Municipal da Família e Bem-Estar Social - Fabes. Considerando-se que a AMAS � Central, entidade jurídica ligada a Igreja Metodista Central,

era a mais indicada para assumir o convênio, especialmente por ser reconhecida como de

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Utilidade Pública em nível federal, estadual e municipal, e por estar localizada na região da

Sé, parte central da cidade, foi solicitada sua participação pela Secretaria de Ação Social da

Igreja Metodista da Terceira Região Eclesiástica, para que assinasse o convênio com a

Prefeitura, o qual permanece até hoje. A Casa de Convivência da Comunidade Metodista do

Povo de Rua fica na área central da cidade, estabelecida no Viaduto Pedroso, pertencendo à

Surbs-Sé/Lapa, pois, assim como a AMAS., tem de pertencer a essa região central. Se, por

exemplo, o espaço geográfico da comunidade ficasse na região sul da cidade, como Santo

Amaro, teria que fazer convênio com a Surbs-Santo Amaro, isso em razão da Prefeitura

dividir-se em várias Surbs, distribuindo-as nas regiões sul, norte, leste, oeste e central da

cidade. Todo o processo que originou a elaboração do �pré-projeto� transcorreu até o final

de 1991, recebendo todo apoio institucional através dos bispos Nelson Luiz Campos Leite e

Geoval Jacinto da Silva. Através de reuniões realizadas, ficou decido que o projeto teria apoio não somente de uma igreja local, como a Metodista central, mas também de outras da Região.

Teria apoio também da Divisão de Mulheres da Junta de Ministérios Globais e de Pessoas em

Missão (ambos da Igreja Metodista Unida dos EUA); ficou também decidido que seria conveniado com a Prefeitura do Município de São Paulo. A tramitação do projeto levou

cerca de 8 meses para ser efetivado. Um vez pronto o �pré- projeto� da Casa de Convivência,

foi este apresentado em reunião da Secretaria de Ação Social da Igreja Metodista, em 28 de setembro de 1991. Foi enviada posteriormente à Secretaria Municipal da Família e do Bem-Estar Social � Fabes, da P.M.P.S., uma carta por meio da qual consultamos da possibilidade de se assinar um Protocolo de Intenções, enquanto se decidia, no âmbito eclesiástico, sob qual

de nossas entidades de Ação Social (AMAS) o convênio seria celebrado. Como a AMAS Central era a única na região do circuito pertencente à Surbs-Sé/Lapa com a possibilidade de

fazer a parceria com a Prefeitura, ela dispôs-se a assinar o convênio como pessoa jurídica e a

registrar os funcionários, como empregadora, pois a importância das Ongs está no aspecto de

se colocar a disposição como entidade civil para o trabalho com parceria. A administração da

casa de convivência seria feita por sua diretoria própria, sob supervisão da Prefeitura e da

Igreja Metodista da Terceira Região Eclesiástica. A Secretaria Municipal da Família Bem-Estar Social - Fabes aguardou todas essas decisões da Igreja Metodista e, em dezembro de 1991, iniciou o processo de efetivação do convênio. Formou-se uma equipe regional provisória para estruturar o corpo de funcionários da casa de convivência. Participaram desta

equipe Sarah Frances Bowden, Thomas Kemper. Neste momento a Igreja Metodista estava passando por uma fase de transição, e o bispo Geoval Jacinto da Silva estava assumindo o episcopado no lugar do bispo Nelson Luiz de Campos Leite, e juntamente com ela a então Secretária de Ação Social da Igreja Metodista na Terceira Região Eclesiástica. No dia 9 de janeiro de 1992, a Secretaria de Ação Social Regional reuniu-se para apreciar currículos enviados por diversos candidatos para compor a equipe de trabalho da casa de

convivência. Após inúmeras reuniões com a Secretaria de Ação Social da Igreja Metodista, a

AMAS., e a P.M.S.P., no dia 12 de março de 1992, foi assinado o convênio para que fossem

iniciados os trabalhos junto à população moradora de rua, pela casa de convivência Metodista.

Numa reunião realizada em 30 de março de 1992, algumas sugestões foram dadas para que

fosse definido o nome da comunidade que estaria ocupando o espaço do Viaduto Pedroso,

111, local onde se instalaria o projeto casa de convivência. As sugestões foram as seguintes:

Comunidade Metodista de Convivência; Casa Metodista de Convivência; Comunidade

Metodista do Povo de Rua; Casa Metodista do Povo de Rua. Foi decidido numa reunião

posterior, em 9 de abril de 1992, que o símbolo da comunidade seria uma cruz com uma

chama, tendo próximo a elas duas mãos dadas, significando a cruz a presença do Cristo vivo

junto ao povo e a constante luta pela vida; o fogo significando também a vida, porque cozinha

a comida, esquenta no frio, dá calor e força para caminhar, aquece o coração e também traz

luz e brilho para iluminar o caminho; as mãos juntas, uma segurando a outra significando

união, solidariedade. Assim, aquecidos pelo mesmo calor, seguindo a mesma luz, com fé e

esperança, um segurando bem firme a mão do outro, caminhamos lutando pela vida. Numa reunião que aconteceu no dia 14 de abril de 1992, ficou então decido que o nome do projeto

casa de convivência seria Comunidade Metodista do Povo de Rua. A Comunidade Metodista

do Povo de Rua estruturou-se acolhendo a população moradora de rua em três projetos: unidade casa de convivência; Operação Inverno (abrigo emergencial), que atende a população

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no período de junho a setembro; e a unidade abrigo, que foi instalada a partir do ano de 1995.

A partir desse projeto, a Igreja Metodista, em parceria com o poder público municipal, assumiu o compromisso de ser um referencial de atendimento à população moradora de rua na

cidade de São Paulo, trabalho esse inédito em todo o Brasil em termos de Igreja Metodista. A

Comunidade Metodista do Povo de Rua iniciou seu atendimento oficial junto a população no

dia 26 de junho de 1992. Após dois meses, ou seja, mais precisamente no mês de agosto desse

ano, o �café do coreano� deixou de existir, em razão de faltar verba para sustentá-lo (como era costume, esse grupo servia aos domingos no Parque D. Pedro). Nesse mesmo período, os

coreanos deixaram a Igreja Metodista da Luz e passaram a ocupar um espaço alugado até que

tomaram destino desconhecido. (Fonte: pesquisa de campo)

A relevante contribuição do Pastor Alcides a esta pesquisa oferece, com precisão e

detalhes, as etapas iniciais da Comunidade Metodista do Povo de Rua, tais como:

Convênio: Formalização do convênio entre a Associação Metodista de Ação Social

- A.M.A.S., da Igreja Metodista Central a Secretaria Municipal da Família e Bem-

Estar Social - Fabes. Considerando-se que a AMAS � Central, entidade jurídica

ligada a Igreja Metodista Central, foi encaminhado o TCC feito pelo então

acadêmico Alcides sendo instrumentalizado como documento de intenções dos

metodistas à PMSP.

Mobilização da liderança da Igreja Metodista, bem como do povo metodista de

outras igrejas, o que fez da CMPR uma referência para os metodistas do Brasil

conforme testemunha o Pastor Alcides: �Todo o processo que originou a elaboração

do �pré-projeto� transcorreu até o final de 1991, recebendo todo apoio institucional

através dos bispos Nelson Luiz Campos Leite e Geoval Jacinto da Silva. Através de

reuniões realizadas, ficou decidido que o projeto teria apoio não somente de uma

igreja local, como a Metodista central, mas também de outras da Região. Teria

apoio também da Divisão de Mulheres da Junta de Ministérios Globais e de Pessoas

em Missão (ambos da Igreja Metodista Unida dos EUA)�.

O símbolo da Comunidade. Não poderia deixar de faltar a linguagem simbólica para

consolidar a justificativa daquela ação nos elementos sagrados da Igreja, o que de

certa forma também reflete a tensão interna da própria igreja que têm seu símbolo

da cruz e da chama, agora acrescido de um novo elemento que traz consigo a ideia

de avanço, mas também de crítica, pois a cruz e a chama são ressignificadas, quem

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sabe até apontando um sinal de uma nova igreja, uma dissidência daquela que fez

por onde perpetuar a chama e a cruz, conforme aponta o pastor Alcides: �Foi

decidido numa reunião posterior, em 9 de abril de 1992, que o símbolo da

comunidade seria uma cruz com uma chama, tendo próximo a elas duas mãos dadas,

significando a cruz a presença do Cristo vivo junto ao povo e a constante luta pela

vida; o fogo significando também a vida, porque cozinha a comida, esquenta no

frio, dá calor e força para caminhar, aquece o coração e também traz luz e brilho

para iluminar o caminho; as mãos juntas, uma segurando a outra significando união,

solidariedade. Assim, aquecidos pelo mesmo calor, seguindo a mesma luz, com fé e

esperança, um segurando bem firme a mão do outro, caminhamos lutando pela

vida�.

(b) Pastor Samuel Duarte (1992 a 2008)

O Pastor Samuel Duarte, seguidor do Pastor Alcides na coordenação da ação pastoral da

CMPR, aponta que sua participação assume efetivamente a pastoralidade da Comunidade

Metodista do Povo de Rua, já numa dimensão eclesial.

O movimento metodista em suas origens desenvolveu-se com uma presença significativa na

rua. A Comunidade Metodista de Povo de Rua � CMPR, neste contexto urbano, vem reativando este trabalho que tem tido proporções não apenas assistencialistas, mas de

conscientização social, política e forte dimensão evangelística. Poucos são os que se

preocupam em mudar a situação deste segmento marginalizado. O poder público, a sociedade

e até a igreja, muitas vezes, tem se omitido por não apresentarem soluções e ações ou

simplesmente por não se preocuparem com esta população. A luta contra a exclusão social

tem sido uma realidade na CMPR em suas ações cotidianas. O trabalho realizado é uma busca

constante de ir além do assistencialismo, envolvendo a população em situação de rua na

medida do possível, na luta pela sociedade nova. Sonho? Talvez. Sonhar com as mãos não faz

mal. É pedagogia de Jesus. Ela deve continuar a sua missão acolhendo, amando, ajudando na

organização e luta pela mudança das estruturas sociais. Ela precisa contribuir na discussão de

políticas públicas que sejam capazes de resgatar a cidadania desta população. Ela precisa

acreditar na convivência pacífica de uma sociedade pluralista, no trabalho sério de igrejas e

entidades em defesa da vida e na segurança pública alicerçada em princípios éticos e

humanitários. Envio as informações para a sua pesquisa de campo, mas percebo uma certa

limitação em seu projeto de tese. Você não deveria analisar apenas as práticas pastorais da

Comunidade Metodista do Povo de Rua � CMPR, pois neste contexto urbano, existem também outras práticas pastorais na cidade. Há muitas outras comunidades e instituições comprometidas com o anúncio do Reino e que contribuem para fazê-lo mais perceptível aos

que vivem na cidade. Todo trabalho realizado com a população da rua acontece em conjunto e

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com diversas áreas do conhecimento: social, política, econômica, religiosa, psicológica.

Certamente olhando para estas outras áreas, você enriqueceria significativamente a sua

pesquisa de campo. A pastoral de rua é um ministério específico da Igreja Metodista. Ela tem

como objetivo principal a promoção da vida com a população de rua na cidade de São Paulo.

A ação pastoral procura ser uma das expressões do testemunho vivo de Jesus Cristo, que

caminha em solidariedade e apoio com o povo de rua, descobrindo a esperança do Evangelho

do Reino de Deus. Necessariamente é um trabalho de pastoreio. A misericórdia e o amor de

Deus se fazem presentes em todos os momentos. Pessoas desenraizadas, perdidas como ovelhas sem pastor, necessitadas de alguém que caminhe com elas ajudando-as a redescobrir sua dignidade. Este compromisso exige que nos envolvamos com este segmento excluído. O

poder passa necessariamente pelo serviço, ou então não é poder. Ser religioso no meio do

povo da rua não inclui necessariamente uma presença sacramental, mas um apontar para o

grande sacramento de Deus no mundo: a vida. �Temos que chegar no povo, pois o povo está

morrendo de frio, de fome e de pinga�. �Nós estamos na rua e somos desprezados, vocês

estão na rua e são contemplados, mas o que nos une é a alegria de estarmos juntos�. Isso é o

que dizia o Sr. Clovis Parrili, um ex-usuário da CMPR que me despertava para o desafio

constante do nosso compromisso solidário. Das coisas miúdas, dos pequenos gestos, é que vai

se forjando o homem novo e envolvendo-o no processo de transformação. Como toda Igreja, a

CMPR, tenta fazer um trabalho de evangelização, no caso, do e pelo povo que por um motivo

ou outro vive em situação de rua. Em que consiste este trabalho de evangelização? O principal

é a própria convivência, o respeito, a consideração, o acolhimento, a amizade, os laços que vão se criando. Todas as atividades são desenvolvidas em função disso. A partir daí, tudo é

possível: recobrar sua dignidade, o respeito, a confiança em si mesmo, nos outros, em Deus,

parar de beber, começar a trabalhar, sair da rua. Eles/as conversam, discutem, partilham e participam das atividades. No contato e no diálogo com as pessoas, muitas experiências são

relatadas. É um verdadeiro aprendizado. É impressionante como o povo de rua nos adverte,

eles/as descobrem que Deus está ao lado deles/as, que Deus quer a vida, pois como eles/as costumam dizer: �entre a vida e a morte, a vida é mais forte�. Em princípio, toda a atividade

da CMPR, pode comportar um momento de oração ou celebração. Afinal esta se define como

sendo a igreja do povo da rua. Raramente o povo da rua encontra seu espaço nas igrejas

estabelecidas, sejam elas católicas ou protestantes. O povo que vive na rua é marginalizado

não só em relação à sociedade, mas também em relação às igrejas. Assim, o povo de rua

geralmente não se define por uma determinada igreja ou religião; quando podem, aproveitam

um pouco de tudo o que é oferecido. O que dá sustentação e garante o caminhar com eles/as

são os laços de amizades que se constroem no dia a dia pela atenção, amor e respeito. Sem

estes laços fraternos é impossível a realização de qualquer trabalho. A missão se manifesta na

promoção da vida e do trabalho devendo haver comunhão e reconciliação com Deus e com o

próximo. (Fonte � Relatório obtido através da Pesquisa de Campo)

A contribuição do Pastor Samuel Duarte a este projeto de pesquisa oferece indicações

bem específicas de que houve de fato uma mudança na lógica da presença e da atuação da

Comunidade Metodista do Povo de Rua, que concerne em ir deixando a sua dimensão social

para consolidação de se tornar uma comunidade alternativa, focada na população de rua. Ou

seja, a valorização do homem como indivíduo que sob condições especiais de abandono, o estar

na rua, carece de assistência como tal, mas sobre tudo como um pecador perdido.

Destaca-se a questão evangelística como sendo um aspecto forte da CMPR: �vem

reativando este trabalho que tem tido proporções não apenas assistencialistas, mas

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de conscientização social, política e forte dimensão evangelística�. Noutro

segmento de sua exposição, o Pastor Samuel deixa claro que a vinculação da CMPR

é com a Igreja, como declara:

A pastoral de rua é um ministério específico da Igreja Metodista. Ela tem como objetivo

principal a promoção da vida com a população de rua na cidade de São Paulo. A ação pastoral

procura ser uma das expressões do testemunho vivo de Jesus Cristo, que caminha em

solidariedade e apoio com o povo de rua, descobrindo a esperança do Evangelho do Reino de

Deus. Necessariamente é um trabalho de pastoreio.

Estas exposições deixam claras as tensões existentes dentro do foco de serviço ou de

razão de ser da Comunidade, uma vez que se tenta preservar a face eclesiástica desta

atuação. Propugna-se uma perspectiva cidadã e uma negação ao assistencialismo,

entretanto, se consolida o imaginário de que aquele é um braço estendido da Igreja

Metodista. Por outro lado, o interlocutor ainda sugere que se amplie esta pesquisa para

outras expressões de ação pastoral urbana, o que de fato não é a dimensão deste

trabalho. Noutra parte da exposição fica bem claro que o ardor evangelístico é um

elemento bem consolidado na proposta da Igreja Metodista via Comunidade Metodista

do Povo de Rua, em que pese todo o esforço discursivo em apontar-se que a promoção

humana é a chave deste programa da Igreja na CMPR. O que sustenta de fato é a

indicação de uma evangelização diferenciada que cria uma igreja diferenciada onde só

população de rua participa, uma vez que esses não são aceitos ou acolhidos em outras

comunidades católicas ou protestantes, sendo assim um movimento específico junto a

um segmento específico, como bem expressa o pastor Samuel:

Como toda Igreja, a CMPR, tenta fazer um trabalho de evangelização, no caso, do e pelo povo

que por um motivo ou outro vive em situação de rua. Em que consiste este trabalho de

evangelização? O principal é a própria convivência, o respeito, a consideração, o acolhimento,

a amizade, os laços que vão se criando. Todas as atividades são desenvolvidas em função

disso. A partir daí, tudo é possível: recobrar sua dignidade, o respeito, a confiança em si

mesmo, nos outros, em Deus, parar de beber, começar a trabalhar, sair da rua. Eles/as

conversam, discutem, partilham e participam das atividades. No contato e no diálogo com as

pessoas, muitas experiências são relatadas. É um verdadeiro aprendizado. É impressionante

como o povo de rua nos adverte, eles/as descobrem que Deus está ao lado deles/as, que Deus

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quer a vida, pois como eles/as costumam dizer: �entre a vida e a morte, a vida é mais forte�.

Em princípio, toda a atividade da CMPR, pode comportar um momento de oração ou

celebração. Afinal esta se define como sendo a igreja do povo da rua. Raramente o povo da

rua encontra seu espaço nas igrejas estabelecidas, sejam elas católicas ou protestantes.

Desta maneira fica claro que, embora a intenção da ação pastoral da Comunidade

Metodista do Povo de Rua seja a negação ao assistencialismo, a promoção da cidadania,

a inclusão social, o que se vê com a formação de uma igreja alternativa, uma

comunidade de excluídos da rua, é nada mais nada menos do que o reverso, a saber, a

consolidação da exclusão e a formação de uma nova cultura religiosa, de rua, com uma

teologia narrativa a partir das experiências pessoais, com uma liturgia própria movida

por orações e testemunhos e com a possibilidade de uma nova leitura da sociedade. Ou

seja, é o congelamento da exclusão na sua face religiosa.

A missão � encontra-se novamente na contribuição espontânea do Pastor Samuel,

um elemento extremamente importante que, de certa forma, norteia a ação da

comunidade metodista do povo de rua e que, como se postou acima, redefine a

questão da evangelização e da ação pastoral mostrando como alcançou seu ápice na

formação de uma igreja a partir da ação evangelizadora da Igreja Metodista Central,

competente para acolher uma população que é de todo desassistida, inclusive pelo

estado e pela sociedade, ainda mais pela Igreja de recorte protestante ou católico.

Entretanto, a pergunta que se faz a partir do Credo Social da Igreja é: Qual a missão

da CMPR? Uma possibilidade de resposta é o que está posto pelo interlocutor: �A

missão se manifesta na promoção da vida e do trabalho devendo haver comunhão e

reconciliação com Deus e com o próximo�.

A interpretação do espírito do Credo da Igreja fica clara com o seguinte:

A forte preocupação do credo com a atenção aos pobres e às forças que constroem a pobreza.

Os credos mostram de forma bem objetiva que a dimensão da ação eclesial é voltada aos pobres

e que para a extinção da pobreza na construção de uma paz social, a Igreja deveria não só se

associar ao governo, mas exigir dele intervenções que tivessem como horizonte os pobres e a

erradicação da miséria. Por outro lado aponta também um instrumento de pressão política e

ação social eficaz a organização de entidades congêneres, atentas à pobreza, de tal forma que

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em rede elas pudessem ter maior expressão e visibilidade. E que para isto, se necessário, que

houvesse parceria com outras denominações cristãs.

A dimensão da Igreja expressa no Credo, em sua evolução como se apontou, que a

proposta da Igreja é a erradicação da pobreza mediante a formação de uma rede política,

inter-eclesial, de tal forma que a presença da Igreja influencie a sociedade, não

simplesmente na relação de pessoas entre si, e delas com Deus. Essa dimensão salvífica

expressada não corresponde ao conceito Salvífico maior esposado pela Igreja Metodista

através dos seus credos que consiste sim na salvação e resgate do ser humano,

resgatando com ele, através de uma presença crítica e transformadora, as estruturas

escravizantes em que estes homens estão inseridos.

(c) Luiz Wilson Pereira de Barros. (2008 - em curso)

Recorre-se agora ao terceiro interlocutor, o atual coordenador, Luiz Wilson Pereira de

Souza, que atendeu o convite do Pastor Marcos Garcia, da Catedral Metodista, e está à frente da

Comunidade Metodista do Povo de Rua a menos de um ano. Ele não possui formação na área

de teologia e traz consigo a competência da gestão. Ele ocupa o lugar de gestor. Outros dois

líderes foram o pastor Alcides Lima e o seu sucessor Pastor Samuel Duarte, sendo que nestes

dois casos a função pastoral tinha proeminência sobre a gestão, uma vez que a presença do

pastor na Comunidade Metodista do Povo de Rua nascia de nomeação do bispo da 3ª Região,

apesar de a CMPR ter sido de maneira física e legal vinculada a AMAS (pessoa Jurídica da

Catedral Metodista de São Paulo). O atual é o terceiro coordenador nos dezessete anos de

atuação da CMPR, hoje, com uma função resignada aos cuidados do Pastor da Catedral e da

AMAS vinculada à Igreja. Estabelece-se um novo modelo de gestão pastoral, vinculada aos

cuidados do pastor titular.

De sua contribuição à pesquisa coletou-se a informação que corrobora a tendência de

ação da Comunidade, a saber, assumir um perfil organizacional mais especializado e focar a sua

atuação na área da evangelização, como está colocado pelo Coordenador Wilson Pereira quando

ele aponta as linhas de trabalho que vem perseguindo no período inicial de sua gestão, dizendo:

Inicialmente uma reestruturação no posicionamento das salas da equipe técnica (gerente,

assistente financeiro, assistentes sociais e psicólogos, pois encontravam-se em lugar inadequado e estavam distantes dos educadores sócio-educativos dificultando em muito a

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comunicação; mudança do local da recepção para um lugar mais estratégico com um campo

de visão e controle melhor dos albergados; implantação do estudo bíblico de terças e quintas

feiras, após evangelização através do projeto �Brasil, Minha esperança� de Billy Grahan. (Pesquisa de Campo).

De um lado, parte-se da história e projetos Pastorais da Igreja Metodista expostos nos

Cânones e no Plano para Vida e Missão da Igreja, por outro lado, deve-se considerar que a

Comunidade Metodista do Povo de Rua tem seu surgimento na mentalidade social esposada

pela mudança política no governo municipal e o crescimento do Partido dos Trabalhadores,

mentalidade social que espraia sua vocação de atendimento aos excluídos nas legislaturas de

Luiza Erundina e Marta Suplicy, ocupando o período entre 1989 e 1993, 2000 a 2004

respectivamente.

II. OS PASSOS INICIAIS: A Prefeitura da Cidade de São Paulo e a Comunidade

Metodista do Povo de Rua

(1) Na abertura deste texto aponta-se o cenário externo à Igreja Metodista, no âmbito social. A

então Prefeita Luiza Erundina (1991) apresenta a publicação de pesquisa sobre a população em

situação de rua na cidade de São Paulo na qual fica evidente a tendência de atendimento social a

ser desenvolvida pela prefeitura em sua legislatura, focando excluídos presentes no cenário

urbano.

A rua tem mudado bastante nos últimos anos. A população que hoje ocupa logradouros

públicos, ruas, praças, terrenos e imóveis abandonados não corresponde mais à figura do

andarilho ou do mendigo tradicional que pede esmolas e também não é um fenômeno

exclusivo da cidade de São Paulo. São trabalhadores desempregados e subempregados, que se

juntam a outros que perderam suas casas e outros tantos que, sem esperança, aguardam

respeito e cuidados.

(2) Na Igreja Metodista há uma aproximação com o que vem sendo praticado em termos de

atendimento dominical pela Igreja Metodista Coreana Ebenezer no Parque da Luz no período

compreendido entre 1987 a 1992.

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(3) A aproximação com o governo ocorre no segundo semestre de 1991, quando a Supervisora

Técnica da Surbs-Sé/Lapa, da Prefeitura do Município de São Paulo, Cleisa Moreno Maffei

Rosa visitou o Café do Coreano e propôs um trabalho em parceria com o poder público

municipal, convênio da Prefeitura com a Igreja Metodista, conforme já se registrou pela

declaração do Bispo Nelson Campos Leite, que asseverou não haver quaisquer restrições à

relação de parceria entre a Igreja Metodista da 3ª Região e a Prefeitura.

(4) O estabelecimento do convênio com a Igreja Metodista e a 3ª Região Eclesiástica no

episcopado do Bispo Geoval Jacinto da Silva, quando ele declarou, como já se fez referência,

que a presença da Igreja Metodista na celebração dos 100 anos de inserção do Metodismo na

Cidade de São Paulo, também era uma forma de testemunho do amor de Deus e da presença

metodista junto à População em Situação de Rua. Foi assim que através de seu braço social

denominado Associação Metodista de Ação Social - AMAS -, sendo esta a que está vinculada à

Igreja Metodista Central por uma questão de proximidade geográfica à jurisdição da Secretaria

Municipal da Família e Bem-Estar Social � Fabes/Sé. Por outro lado a AMAS, órgão oficial da

estrutura da Igreja Metodista, dispõe de certificação de Utilidade Pública em nível federal,

estadual e municipal.

(5) A proposta de trabalho em parceria - Em 14 de abril de 1992, ficou então decidido que o

nome do projeto Casa de Convivência seria Comunidade Metodista do Povo de Rua. A

Comunidade Metodista do Povo de Rua estruturou-se acolhendo a população moradora de rua

em três programas:

> Casa de convivência, para 15 pessoas/dia

> Operação Inverno (abrigo emergencial), que atende a população no período de junho a

setembro, a partir de 150 pessoas no pernoite.

> a Unidade albergue foi instalada a partir do ano de 1995, para 150 pessoas (BARROS, In:

Caminhado 2009, p.101).

Para esta pesquisa se acessou a documentação que diz respeito ao programa do albergue,

que hoje opera como o maior espectro dos programas da Comunidade Metodista de Povo de

Rua, deixando com que os outros dois, ainda em vigor, desenvolvam-se vinculados a este.

Desde 1992 até 1995 não se teve acesso a esta documentação do nível de relacionamento entre a

Page 92: Jorge Schutz.pdf

92

AMAS � Metodista � e o poder público Municipal.

(6) O programa abrigo, ou albergue, teve sua instalação em 1995 de maneira formal, como se

verá a seguir. São 15 anos, sendo que em dois deles funcionou somente a casa de convivência,

abrigo emergencial. A questão cresceu mesmo em 1995 quando aprofundou-se a relação com a

prefeitura.

A proposta de Plano de Trabalho acordado com a Prefeitura através da AMAS, tem a

seguinte justificativa:

Há uma série de elementos que tem contribuído para o número de empobrecidos tornar-se cada vez maior em nosso país. A situação sociopolítico-econômica tem levado mais e mais

pessoas à migração, ao desemprego, à miséria e a se utilizarem da rua como local de moradia

e sobrevivência. O centro da cidade é a área que favorece a concentração de pessoas

moradoras de rua por oferecer condições de sobrevivência. É uma região com farta

concentração de pontos de comércio que geram possibilidades de bicos, prédios antigos,

marquises e viadutos que servem como pontos de dormida, além da obtenção de sobras de

alimentos junto a bares e restaurantes � fatores fundamentais para sobrevivência dos que

moram nas ruas. Em contagem realizada na noite de 23 de agosto de 1994, sob a coordenação da Secretaria

Municipal da Família e Bem-Estar Social � FABES e com a participação das entidades

sociais, verificou-se que 4.549 pessoas dormem nas ruas de São Paulo, sendo que 3.032,

significativos 66%, na região central � área da Sé. A pesquisa realizada nos abrigos municipais durante a Operação Inverno/94, aponta alguns

aspectos do perfil da população moradora de rua que merecem destaque: 62% vivem nas ruas,

no mínimo, seis meses; 92% são do sexo masculino; 70% destes na faixa etária entre 19 e 44

anos, em idade produtiva, 64% sem exercer atividade remunerada. Em levantamento efetuado na Casa de Convivência da CMPR, no período de 08 a 19 de

agosto de 1994, com 369 usuários, verificou-se: 39,57% com documentação; 16,53% com

documentação incompleta; 43% sem qualquer documentação.

Esta proposta - que está na íntegra como anexo - composta de 27 páginas, é uma

tentativa de resposta à falência do aparato denominado Casa de Convivência, que pelo texto se

percebe que era a prática até então desenvolvida. A Casa oferecia apoio durante o dia, tempo

disponível para que a pessoa em situação de rua pudesse buscar a construção de sua história.

Por outro lado, à noite, a Casa de Convivência fechada, e mesmo os albergues disponíveis em

menor número que a demanda, impulsionava o grupo à rua, em busca de proteção.

Reconhecia-se, naquela altura, a necessidade de atendimento integral para garantia dos

resultados. O mesmo documento aponta no horizonte de sua proposta o seguinte: oferecendo-

lhe acolhimento desenvolvendo atividades e projetos complementares que possibilitem o

resgate da sua cidadania.72

Page 93: Jorge Schutz.pdf

93

O oferecimento do acolhimento está pautado no documento em duas áreas: Área de

Higiene (limpeza, saúde, alimentação, refeições e repouso); Área Pedagógica, subdividida em

orientação sócio-educativa e educação para o trabalho.

O abrigo ou albergue foi a ferramenta eleita para estender o atendimento à população em

situação de rua na perspectiva da construção da cidadania. É perceptível, pela extensão do

aparato necessário com vistas a focar na construção da cidadania, que diante das carências e da

complexidade do entorno do sujeito que chegue ao estágio de residir na rua, não basta estadia

provisória com alimentação e dormida para o alcance do objetivo. O tempo proposto para

permanência inicial no albergue é de no máximo trinta dias, e, em regime de exceção, de

noventa dias, sendo que, passados estes prazos, o sujeito atendido só terá chance de voltar

depois de doze meses.

O aspecto a ressaltar no documento é o levantamento de dados que aponta a ocorrência

de 3.03273 pessoas em situação de rua na região da Sé. A proposta abrange somente 100, em

números exatos, conforme a capacidade estimada na proposta enviada e depois acordada e

implementada em 1995, em convênio com Prefeitura Municipal através de sua secretaria da

Ação Social, levando-se em conta que a permanência de cada um na média de 45 dias, voltando

depois de doze meses, permite uma assessoria intensiva, em curtíssimo prazo, tendo-se em vista

o tamanho da proposta original, que é o resgate da cidadania.

Para se manter este objetivo geral de resgate da cidadania, há que se levar em conta que

existe um fluxo que tende a ser contrário, a saber: na medida em que aumenta a população em

situação de rua, a proposta de atendimento numérico mensal de sujeitos assistidos tende a cair,

na tentativa de viabilizar o maior acesso ao um maior número de pessoas. Aumenta o número de

pessoas, diminui o tempo de assistência individual como está proposto. Caindo este tempo de

atendimento individual, cai drasticamente o significado da extensão do projeto, que é o resgate

da cidadania.

Em 1996, um ano após a implantação do Albergue da Comunidade Metodista do Povo

de Rua, a Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Família e

Bem-Estar Social � FABES/SURBES/SÉ/LAPA divulgou um documento denominado

�Algumas Considerações sobre A População de Rua�, em que praticamente admite a população

em situação de rua como um quadro explicável pelo agravamento da situação sócio-econômica

do país, e por outro lado a resistência de aceitação por parte dos membros da população de rua

Page 94: Jorge Schutz.pdf

94

do atendimento oferecido pelo poder público; de um lado, e do outro o fato de outra parcela já

estar estabelecida na rua e não querer sair dela, como segue:

O agravamento do quadro sócio-econômico do país tem gerado situações alarmantes e de

visível degradação do homem. A situação de pobreza da população em São Paulo chega a

atingir na região metropolitana, milhares de pessoas em condições de extrema miséria,

impossibilitadas de prover suas necessidades básicas. Um número considerável desse

contingente, atualmente, utiliza a rua como espaço de sobrevivência e moradia. Esse

segmento populacional em situação de total marginalização social constitui os grupos

denominados Moradores de Rua. São famílias ou pessoas que estão na cidade, sozinhas ou

agrupadas, sem moradia e inserção na vida produtiva. Há os que se encontram há muito

tempo com problemas de alcoolismo, distúrbios mentais e que não procuram e/ou não aceitam

os serviços oferecidos. Essas pessoas, que perderam toda a referência, necessitam

inicialmente de atendimento imediato. Em contrapartida, há uma parcela que já se estabeleceu

na rua e não quer sair dela. Outra, ainda, tem esperança de arrumar emprego e ter moradia

fixa. Fica, portanto, claro, que constatada a realidade e presença da situação de rua tendo-se como pano de fundo a crise socio-economica, a rejeição aos serviços oferecidos pelo governo, o compromisso com dependência química e o hábito constituído de viver na rua, que o

atendimento a esta população se classifica como no imediato, no sentido amplo do termo. No

aspecto da urgência, mas também na questão das necessidades imediatas, ou nas carências

circunstanciais denunciadas pelos sujeitos em situação e rua. Seja alimentação, banho,

documentação ou o que for. A considerar-se este aspecto, observa-se que de fato ele alimenta e fundamenta a política

municipal de Assistência Social, visto que os relatórios de atendimento da Comunidade

Metodista do Povo de Rua visa o Imediatismo, e a assistência emergencial, e um

entendimento de que o que é feito atende a premissa do imediato, do urgente do agora. Esta constatação se cruza em linhas diametralmente opostas com o que está proposto pela

Comunidade Metodista do Povo de Rua, que pretende estabelecer a dignidade da cidadania plena, mas o poder público, quem financia a ação entendida pela Igreja Metodista como

pastoral, quer saber exatamente do imediatismo. Em suma, não há sintonia nas perspectivas.

Em 2002, após as gestões Paulo Maluf74 e Celso Pitta75, Marta Suplicy76 foi eleita

prefeita da cidade de São Paulo e trouxe para a Secretaria da Assistência Social, a Dra. Aldaíza

Sposati, autora da Lei do Povo de Rua77, segundo registra �O Trecheiro�78 que estampa na

página de rosto da publicação de 5 mil exemplares o seguinte: �Autora da Lei do Povo de Rua é

Secretária da Assistência Social�.

Segue o comentário à chamada:

Agora a população que mora na rua já pode sonhar de perto com o cumprimento da Lei de

Atenção ao Povo de Rua. A Autora da lei, a vereadora Aldaíza Sposati assumiu em 28 de

fevereiro a Secretaria de Assistência Social (SAS) da Cidade de São Paulo. Uma das maiores

pastas administrativas da Cidade, a Secretaria de Assistência Social é responsável, entre

outras coisas, pelo atendimento aos mais de 10 mil moradores de Rua de São Paulo. Segundo

a nova secretaria, atualmente a SAS gasta cerca de 200 milhões de reais no seu orçamento e

tem quase dois mil servidores.

Page 95: Jorge Schutz.pdf

95

Cloves Reis registra o que denominou de compromissos assumidos pela então nova

secretária, Aldaíza, à página 4 de �O Trecheiro�:

Muito do que esta pasta faz são ações que ainda não se transformaram no campo do direito

social e isto é uma missão. Nós temos que construir muito claramente os direitos sociais, e

como diz o Frei Betto, �não são direitos animais, de ter apenas o que comer e beber�, não é

isso. É direito de gente, é direito social humano. Nós vamos ter que trabalhar nesta direção.

A prefeita Marta Suplicy na mesma ocasião, segundo o registro de Cloves Reis, declara

que durante o primeiro ano da gestão do seu governo foi ampliado em 30% as vagas nos

albergues. O número de vagas subiu de 2900 para 3. 660. Foram abertos dois novos albergues

e otimizados os já existentes.

A falta de políticas governamentais estruturadas e amplamente divulgadas, bem como a

negação da construção do direito social para população em situação de rua, torna uma

irrealidade a discussão de uma ação pastoral que conduza à cidadania na medida em que não se

trabalha pelos fundamentos da construção dessa lei de diretos sociais. O que é feito e o que

deixará de ser feito em breve como se apontará a seguir será a desmobilização de toda a rede de

assistencialismo em torno da População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo. A

Comunidade Metodista do Povo de Rua é objeto deste processo de desmonte da rede

assistencialista do governo.

Neste aspecto, em 02 de dezembro de 2009, a Revista Veja São Paulo79 publicou matéria

sob o título Degradação que se Esparrama, apontando que o fechamento dos albergues pela

prefeitura é uma das razões apontadas para migração de sem-teto para outros bairros. O

articulista antepõe dados da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) de 2003

contando na época com algo em torno de 10.400 moradores em situação de rua, mas hoje as

estimativas da prefeitura apontariam 12.000, entretanto, os movimentos ligados à população de

rua indicam que o número passa de 20.000.

O artigo registra o fechamento de dois albergues e aponta para o fechamento do terceiro,

sendo este, o do viaduto Pedroso, a saber: a Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Para o vereador Floriano Pesar (PSDB), ex-secretário da Assistência e Desenvolvimento

Social, o fechamento de dois albergues localizados na região central é a principal explicação

para essa percepção de crescimento. No ano passado, antes da posse da atual secretaria, Alda

Page 96: Jorge Schutz.pdf

96

Marco Antônio, o Albergue Cirineu, na Rua Santo Amaro, com capacidade para 180 pessoas, cerrou as portas. Em abril, já na atual gestão, foi a vez de o São Francisco , no Glicério, com

420 vagas, acabar. Para o Início do próximo ano, está previsto o término das atividades do

Pedroso, que fica sob o viaduto de mesmo nome, na Liberdade, e conta com 380 lugares. (grifo do autor).

A degradação apontada como decadência em ascendência, aponta um esgotamento da

proposta de assistencialismo, conforme aponta a reação do movimento da rede de rua, no jornal

�O Trecheiro� de dezembro de 200980, como segue apontamentos extraídos do editorial:

EDITORIAL PAC da População de Rua

Aqui estamos escrevendo o último editorial do ano de 2009 sem que se tenha notícias de

alguma mudança significativa para a população em situação de rua. Ao contrário, houve

recrudescimento das conquistas, a violência policial aumentou em quantidade e gravidade das

ações, os programas sociais que possibilitam a saída da rua foram cortados e alguns são

motivos de chacota de determinados gestores, como é o caso do POT � Programa Operação

Trabalho. Definitivamente houve uma piora dos serviços e programas em algumas cidades do

Estado de São Paulo, em particular na capital. Já não é mais a área social que cuida da

população de rua, mas sim a Guarda Civil e a Polícia Militar. São eles que tomam a decisão

de onde vão tirar as pessoas e para onde elas devem ir. Isto me lembra o que meu pai fazia

com o gado: A cada mês trocava de pasto. É como diz a música do Zé Ramalho, Êeeeeh! Oh!

Oh! Vida de gado, povo marcado Êh!... Assim parece ser a visão do poder público das

pessoas que são obrigadas a viver nas calçadas, praças e outras áreas públicas. Viver assim,

nem gado vive mais! A culpa é de quem? Será que os gestores públicos pensam que quem

está na rua é algum animal? Se não pensam, estão agindo como tal. A sociedade já não está

mais aguentando a falta de ação dos gestores. Só que a sociedade se volta contra aqueles que

já foram empurrados para esta situação degradante sem merecê-la. A falta de conhecimento e noções preconcebidas de que todos que estão na rua são mendigos, vagabundos, preguiçosos e

outras denominações levam a uma cegueira social até daqueles que estão ao lado dessas

pessoas. Não conseguem olhar que são pessoas acima de tudo, com baixa estima, deprimidos,

sentimento de fracasso, desempregados, sujos e com problemas que a classe média e alta

conseguem tratar com terapia e remédios. Para estes, as possibilidades de apoio social só

depois de alguns dias num albergue. Isto quando conseguem vaga em algum serviço da

Prefeitura. O que se fazer?

As ações mais eficientes que conhecemos é a violência policial, o preconceito social que

impede a inclusão a partir de programas diretos, a expulsão pela limpeza urbana com os jatos

d�água, os desligamentos, transferência para outras cidades por meio das kombis e o

confinamento dentro dos albergues ou casas de acolhida. Melhor solução é não ver o

problema ou quando o vemos, sabermos que está sob controle. (grifo do autor).

Destaca-se neste texto do Editorial o elenco de ações denominadas pelo editor como

eficientes, a saber:

A violência policial;

O preconceito social;

A expulsão pela limpeza urbana com jatos de água;

Transferências para outras cidades;

Page 97: Jorge Schutz.pdf

97

Confinamento nos albergues;

A relação negativa de ações à população em situação de rua inclui os albergues, que é o

caso do objeto de nossa pesquisa, a saber: A Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Este confinamento anunciado perpassa a dimensão do espaço de acesso, onde é possível

pernoitar, banhar-se, alimentar-se, mas vai além pois, a proposta de ação não é de promoção

humana, de construção de cidadania, no sentido de resgate da dignidade, como colocado no

documento de 1994 sobre o Albergue da CMPR em processo e gênese, mas há um padrão pré-

estabelecido pelo poder público, e para isto ele aplica o dinheiro do contribuinte neste projeto

de terceirização social conforme se verá a seguir nos gráficos, que são documentos

reconhecidos como oficiais, exigidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social.

A Coordenação da Comunidade Metodista do Povo de Rua � CMPR, remete tais

documentos mensalmente à Coordenadoria do Observatório de Políticas Sociais, ao Centro de

Monitoramento e Avaliação, com as atividades executadas nos períodos diurno e noturno, dia

a dia do mês.

No primeiro quadro, denominado Atendimento Noturno são requeridos dados

numéricos da frequência dia a dia e o total do mês. E depois quatro janelas que correspondem a:

permanência no serviço, motivos da saída, encaminhamentos e outras informações.

Cada quadro tem sub-itens os quais serão expostos nos gráficos a seguir.

No informático sobre o Atendimento Diurno exige-se a frequência numérica dia a dia,

também por sexo e faixas etárias. Há duas grandes janelas, duas a menos que no quadro anterior

com destaques para outras informações e atividades desenvolvidas.

Com a finalidade de possibilitar um diálogo com dados disponíveis, se colocará lado a

lado, inicialmente, no serviço diurno, as informações dos meses de setembro de 2008 e

setembro de 2009, numa escolha aleatória, dentre os relatórios disponibilizados, e os demais

meses serão encaminhados como anexos.

1. Tempo de Permanência no serviço � Atendimento Noturno

2008 2009

1 mês ou menos 84 2800

Page 98: Jorge Schutz.pdf

98

1 a 3 meses, inclusive 58 74

3 a 6 meses, inclusive 58 41

6 meses a 1 ano, inclusive 46 32

Mais de 1 ano 6 6

(Elaborado pelo autor, 2009)

84 58 58 46 6

2800

74 41 32 6

1 MÊS OU MENOS

1 A 3 MESES, INCLUSIVE

3 A 6 MESES, INCLUSIVE

6 MESES A 1 ANO, INCLUSIVE

MAIS DE 1 ANO

Atendimento Noturno

2008 2009

TEMPO DE PERMANÊNCIA NO SERVIÇO

Page 99: Jorge Schutz.pdf

99

(Elaborado pelo autor, 2009) � Gráfico 19

A primeira observação que se faz é que a procura para o atendimento na marca de 1 mês

ou menos passou de 84 para 2800, o que indica que nesta oscilação de acesso dos beneficiários

instala-se uma grande dificuldade de se manter um efetivo acompanhamento e criação de

possibilidades de processos de formação educacional, política, moral e espiritual, entre outros

objetivos da CMPR.

Entretanto, ocorre a pergunta: Esta é uma experiência isolada ou mês a mês é assim?

Para averiguar esta possibilidade, recorreu-se a escolha do período de janeiro a junho de 2009, e

a constatação foi para o tempo de permanência de um mês ou menos:

Janeiro � 970

Fevereiro � 915

Março � 907

Abril � 787

Maio � 1046

Junho � 1792

Este gráfico aponta que num período de seis meses o atendimento a beneficiários de

atendimento por um mês, inclusive, praticamente dobrou. Esta demanda oscilante, de certa

forma impossibilita qualquer aproximação mais extensiva, produtiva e capaz de propor

mecanismos alternativos e de transformação social.

2. MOTIVOS DA SAÍDA

A título de alternância dos meses, mas mantendo a metodologia de comparar mediante a

diferença de doze meses, se opta pelos meses de novembro de 2008 e 2009.

2008 2009

Encaminhamento para outro centro de acolhida 0 0

Encaminhamento para instituição de longa permanência 0 1

Encaminhamento para república de idoso/homem/mulher 0 5

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100

Infração ao regulamento interno 62 89

Internação hospitalar 0 0

Moradia autônoma 11 3

Mudança de cidade 1 6

Óbito 0 0

Retorno á convivência familiar 1 0

Tempo de permanência ao limite estabelecido 0 1

Saída espontânea 6 33

Trabalho por tempo indeterminado 0 2

Trabalho temporal ou eventual 0 0

Transferido para outro centro de acolhida 5 6

(Elaborado pelo autor, 2009)

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

2008

2009

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101

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 20

O gráfico comparativo sugere as seguintes percepções:

a) A questão disciplinar e a submissão dos beneficiários ao regulamento adotado pela

Comunidade Metodista do Povo de Rua goza de uma forte rejeição, o que implica

em abandono do atendimento conforme aponta o quadro. É senso comum que a

pessoa em situação de rua, pela sua contingência, tem sérias dificuldades em se

ajustar a normas e regulamentos, e este é um fator significativo a ser considerado na

complexidade de atuação junto à população.

b) Outro aspecto a considerar é que os programas de inserção visam oferecer aos

beneficiários em situação de rua não só acesso ao resgate de documentos

necessários ao ingresso no mercado de trabalho visando seu retorno à vida pública,

mas também a auto-manutenção. E, o que se observa nos dados é que este quesito

demonstra a fragilidade desta proposta, pois, do elevado número de beneficiários

circulantes somente dois atenderam a esta expectativa que tem forte natureza no

projeto de inserção social governamental.

c) O trânsito de usuários entre casas que oferecem serviços sociais é grande, muito

embora numericamente seja difícil plotar este processo migratório, exceto pelo

sistema reservado da SMADS, cujo acesso só é permitido aos coordenadores de

Casas que atendem à população em situação de rua, que mantém um cadastro de

beneficiário, e em chegando um a qualquer uma delas em busca de atendimento, é

possível saber, sigilosamente, em acesso a esta rede restrita, por quais Casas o

beneficiário já passou. Entretanto, o acesso a este dado não implica em rejeição ou

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102

em omissão de atendimento aos postulantes.

As informações sobre o volume de atendimento noturno de sujeitos separados por faixa

etária apontam o seguinte:

3. Faixas Etárias � atendimento noturno

Faixas Janeiro Fevereiro Março

0 a 11 anos 5 2 1

12 a 17 anos 0 0 0

18 a 26 anos 110 104 157

27 a 40 anos 504 457 482

41 a 59 anos 533 499 459

60 anos ou mais 43 71 46

(Elaborado pelo autor, 2009)

5 0

110

504

533

43

2 0

104

457

499

71

1 0

157

482459

46

0 A 11 ANOS 12 A 17 ANOS 18 A 26 ANOS 26 A 40 ANOS 41 A 59 ANOS 60 ANOS OU MAIS

FAIXAS ETÁRIAS - Atendimento Noturno

Janeiro Fevereiro Março

Page 103: Jorge Schutz.pdf

103

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 21

Os dados apontam que a primeira massa de usuários está na faixa entre 41 e 59 anos, ou

seja a transição da idade adulta para a idade adulta avançada, o que indica para o futuro o

aumento de pessoas idosas na rua nos próximos anos. A população em situação de rua está

envelhecendo.

A outra informação que o gráfico aponta dá conta de que o segundo contingente que

procura atendimento noturno na casa está na faixa da juventude, e juventude madura, na faixa

entre 26 e 40 anos. Exatamente no limiar em que é possível através de aplicação de políticas

públicas adequadas reverter a tendência de perda de sentidos desta massa populacional.

O gráfico a seguir contempla o mesmo período, Janeiro a Março de 2009, entretanto

apontará o atendimento diurno por sexo, conforme descreve o texto do relatório da

Coordenadoria do Observatório de Políticas Públicas da Prefeitura de São Paulo.

Por sexo � atendimento diurno

Feminino Janeiro Fevereiro Março

0 a 11 anos 64 22 5

12 a 17 anos 0 2 13

18 a 25 anos 43 17 280

26 a 40 anos 130 137 1149

41 a 59 anos 145 207 1097

60 anos ou mais 7 96 253

11491097

POR SEX OAtendim ento D iurno - Fem inino

Janeiro Fevereiro Março

Page 104: Jorge Schutz.pdf

104

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 22

Por sexo � atendimento diurno

Masculino Janeiro Fevereiro Março

0 a 11 anos 4 16 26

12 a 17 anos 0 14 3

18 a 25 anos 280 245 33

26 a 40 anos 725 931 113

41 a 59 anos 295 952 1097

60 anos ou mais 50 142 169

(Elaborado pelo autor, 2009)

725

931 952

1097

POR SEXOAtendimento Diturno - Masculino

Janeiro Fevereiro Março

Page 105: Jorge Schutz.pdf

105

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 23

O quadro comparativo permite perceber que o atendimento a pessoas com idade superior

a 60 anos, de ambos os sexos está praticamente equiparada, apontando que há a mesma

proporção de homens e mulheres idosas em situação de Rua.

O contingente do sexo masculino que se dispõe a procurar ajuda, a tornar-se dependente,

segundo a faixa etária 26 e 40 anos é mais expressiva que das mulheres. Esta indicação permite

o questionamento: - As mulheres em situação de rua têm mais habilidades de sobrevivência que

os homens? São mais independentes e criativas? Esta é uma suspeita a ser investigada.

Neste capítulo procurou-se estabelecer uma linha histórica da criação da Comunidade

Metodista do Povo de Rua e sua relação como o contexto social que vigorava na cidade de São

Paulo, ao tempo da administração Municipal da Prefeita Luiza Erundina. Desta forma,

apontando que a iniciativa da Igreja Metodista não aconteceu num espaço isolado, mas dentro

de um momento em que se buscava conhecer quem era, onde se abrigava e quais outros detalhes

da configuração da população em situação de rua na época aprazada.

Neste tempo, criou-se, a partir da Secretaria de Assistência Social do Município de São

Paulo, um grupo de trabalho que realizou pesquisa de campo com vistas a enxergar esta

população e a partir destes dados elaborar planos de ação governamental.

Tomou-se como referência a aproximação da Igreja Metodista ao movimento

encaminhado pela Igreja Metodista Coreana da Luz, e neste agregamento de interesse,

aprofundou-se a relação para ampliação do serviço chamado Café do Coreano, realizado

Page 106: Jorge Schutz.pdf

106

dominicalmente no Parque da Luz.

A iniciativa foi perscrutada pelo poder público e proposta a parceria de forma a

desenvolver-se um projeto mais abrangente, com verba do poder público, que tinha interesse em

atender à população em situação de rua, especialmente no centro da cidade de São Paulo,

devido a grande concentração de sujeitos na área correspondente à Sé/Lapa.

Houve a celebração da parceria da Igreja Metodista, a partir da 3ª Região Eclesiástica,

através da AMAS (localizada na Igreja Metodista Central, hoje denominada Catedral metodista

de São Paulo) uma vez que este organismo eclesiástico era a figura jurídica que poderia

estabelecer em nome da Igreja Metodista parcerias com o poder público.

A Igreja Metodista visava um projeto em três etapas, a saber,

(1) A criação da casa de convivência;

(2) O atendimento sazonal nos meses de inverno com abrigamento de pessoas durante

as noites frias;

(3) E a terceira etapa com a criação do albergue.

O albergue foi criado oficialmente em 1995, três anos depois dos dois primeiros projetos

em andamento. Esta pesquisa valeu-se dos documentos de acesso possível, considerando que o

arquivamento documental não está disponível de forma a facilitar o acesso a esses documentos,

como se pode entender por cópias de e-mails em anexo.

A proposta de intervenção social da Igreja Metodista junto à população em situação de

rua na cidade de São Paulo, com vistas à promoção humana e o resgate da cidadania mostrou-

se alimentada por uma expectativa que não considerou a complexidade da aplicação do projeto

social, a saber, desenvolver uma ação pastoral junto a esta população visando a cidadania.

Baseando-se em alguns dados ilustrativos oferece-se gráficos que se constituem em

maneiras visuais para expor a complexidade que paira sobre a abordagem da população de rua e

a fragilidade das propostas construídas, bem como, a intencionalidade frustrada dos órgãos

públicos, uma vez que a situação da população de rua se agrava, se aprofunda, torna-se cada dia

mais custosa, sem perspectivas de solução a médio e longo prazo para um segmento social que

tem envelhecido na condição de exclusão, e a ela tem se adaptado.

O próprio poder público toma a iniciativa de desativar albergues conveniados,

apontando para a desativação do albergue Pedroso, ou seja, a Comunidade Metodista do Povo

de Rua no ano de 2010. O poder público tem sido severamente criticado, por conta de sua

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107

incapacidade de gestão, particularmente por setores organizados tais como a Rede da Rua,

através de sua publicação mensal, �O Trecheiro�.

A realidade político-social de 2010 é bem diversa daquele que formou o substrato para

criação de albergues como alternativas assistencialistas à população de rua. Esta metodologia

está se configurando como esgotada, e há sinais de desarticulação desta rede assistencialista que

alimentou nesta últimas duas décadas o atendimento à população em situação de rua.

Esta realidade aponta à Igreja Metodista a urgência de abrir reflexões e rever caminhos

de suas propostas de ação pastoral urbana, caso ainda pretenda alimentar-se dos documentos

que oferecem os fundamentos de sua ação evangelizadora.

A temática da ação pastoral e sua relação com os documentos da Igreja Metodista, a

saber, os Cânones e o Plano Vida e Missão, serão objetos de análise no próximo capítulo, uma

vez que se pretende estabelecer a inter-relação entre estes documentos e a proposta de ação

pastoral desenvolvida na Comunidade Metodista do Povo de Rua.

No Capítulo III se tratará da inter-relação entre o Credo Social, o Plano para Vida e

Missão da Igreja e o Programa de Ação Pastoral da Comunidade Metodista do Povo de Rua

Para a abordagem do tema se recorrerá ao quadro comparativo entre os documentos da

Igreja que dão sustentação ao Programa de Ação da Pastoral junto à CMPR, a partir de três

eixos, os quais são:

a) Cidade � urbano � e comunidade

b) Pastoral � pastorado

c) Pobre e pobreza

Na abordagem do Credo Social se pretende enunciar quais são as situações concretas no

ambiente social que são constatadas e dimensionadas por este documento. E a seguir, se lerá

comparativamente como o Credo Social, o Plano para Vida e Missão, na perspectiva de se

reconhecer quais são as ações propostas para responder aos aspectos sociais demandadas no

Credo.

Diante desta análise de documentos da Igreja Metodista e sua inter-relação, se fará o

encontro desses com as atividades desenvolvidas na CMPR como objetivo de atender o Plano

de Ação Pastoral conforme o convênio firmado com a Prefeitura Municipal de São Paulo para

atendimento à população em situação de rua.

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108

CAPÍTULO III

A Inter-relação entre O Credo Social, O Plano para Vida e Missão da Igreja

e a Ação Pastoral da Comunidade Metodista do Povo de Rua

Introdução

A ação pastoral desenvolvida pela Comunidade Metodista do Povo de Rua, no período

de 1992 a 2009, teve como sustentação dois documentos da Igreja Metodista que nortearam as

suas ações, quais sejam: O Credo Social81 e o Plano para Vida82 e Missão da Igreja

83, os quais

serão expostos abaixo em forma sintética explorando-se as categorias neles contidas de par a

par, e o Programa de Ação Pastoral aprovado junto à Prefeitura de São Paulo através da

Secretaria Municipal da Família e Bem-Estar Social - FABES

As chaves metodológicas para leitura do Credo Social e do Plano para a Vida e Missão

da Igreja serão:

(1) Cidade, urbano e comunidade, a partir de Sygmunt Bauman;

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109

(2) Pastoral � pastorado, de Casiano Floristán;

(3) Pobre e pobreza, de Viv Grigg.

(1) cidade � urbano - comunidade, e para este fim se recorrerá a Sygmunt Bauman84, que aborda

a questão urbana na perspectiva da pós-modernidade. E em sua análise ele usa como lente a

expressão � líquido � para abrir possibilidade de entendimentos acerca do impacto da visão pós-

moderna nos chamados espaços e pensamentos sólidos ou concretos, procurando desta forma

demonstrar a fluidez de tudo aquilo que circunda o pensamento e o ser urbano em todas as suas

expressões sociais, religiosas, políticas, psicológicas e afetivas;

(2) pastoral para práxis transformadora Floristán85, que aponta o horizonte da pastoral não como

reprodução de uma cultura, geográfica e cultural, no qual está inserida a comunidade eclesial de

tal forma que sua presença, pertença e ação pastoral promovam múltiplas possibilidades de

transformação do homem e do meio onde este vivencia e constrói a sua história.

(3) O pobre � a pobreza. Na abordagem desta categoria se contará com a instrumentação

oferecida por Viv Grigg,86 justificando-se que sua abordagem do tema é produto de sua inserção

em comunidades marginalizadas urbanas, tendo constituído destas experiências pressupostos

que podem ser úteis na aproximação, interpretação e leitura de abordagens a grupos dentro

destas subcondições sociais. Reitera-se que não há a pretensão de discutir as origens da pobreza

sob diferentes óticas, mas a aproximação destes sujeitos reduzem idos a esta condição em sua

vivência concreta, suas peculiaridades históricas.

Estas categorias referidas estão em plena sintonia com a vertente que rege o pensamento

teológico metodista de cuja nascente inspirada em seu fundador, João Wesley, releva a atenção

às questões sociais como expressão de fé e compromissos com Deus, com o próximo, com o

indivíduo, com a comunidade, conforme aponta Heitzenrater87:

O caráter de um metodista (1742) era que as marcas distintivas de um metodista não eram um

esquema especial de religião ou um conjunto de idéias particulares. Ele observou corretamente que a maioria das crenças e práticas metodistas eram comuns aos grandes

segmentos do cristianismo. As marcas distintivas de um metodista eram simplesmente o amor a Deus e o amor ao próximo. À reação de que esses são somente os princípios comuns e fundamentais do cristianismo. Ele queria que os metodistas fossem diferentes do mundo

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incrédulo, porém não dos cristãos verdadeiros. Metodismo, é portanto, simplesmente,

cristianismo genuíno. Esta não é bem uma apologia do metodismo, porém uma demonstração

de que os metodistas estão interessados na unidade. Em um mundo eclesiástico onde o debate

teológico só podem ser divisores. Wesley diz que os metodistas estão interessados numa

questão básica: Você ama e serve a Deus? Esta é a base da teologia prática de Wesley.

I. A vertente social no movimento Wesleyano.

João Wesley creu e pregou o Evangelho de forma integral. Não negava a importância

dos aspectos individuais da salvação e da vida nova, mas reafirmava o sentido social da fé.

As comunidades metodistas não dispensavam seu sentido missionário como agentes de

proclamação, entretanto, eram ensinadas a levar em consideração as realidades concretas da

sociedade em que viviam as pessoas. Segundo Wesley88, o meio ambiente onde as pessoas

vivem carece também da transformação evangélica (Colégio Episcopal, 1995,p. 25). Desta

forma, se percebe que o metodista propõe e vivenciou o evangelho de forma integral: pessoal e

social; individual e comunitário.

Barbieri89 comenta que o metodismo em sua origem não foi meramente uma alternativa

eclesiástica, mas um movimento de renovação espiritual (BARBIERI, 1983, p.3) que por sua

característica de movimento religioso foi interpretado pelos contemporâneos de Wesley como

uma religião de fervor, de ânimo exaltado, de entusiasmo desmedido, associado ao

individualismo; isto porque o movimento metodista dialogava e convivia com sociedades

religiosas de tendências carismáticas. Para refutar seus críticos e opositores, comenta Barbieri,

Wesley apresentou a série de sermões baseados no Sermão da Montanha onde afirma em

Mateus 5:13-16 �ser sal e ser luz� é indicação de Jesus aos seus discípulos que eles devem viver

em contato com o mundo, e aplica da seguinte forma: esforçar-me-ei para que o mostrar ao

cristianismo é essencialmente uma religião social; e que reduzi-la tão só a uma expressão

solitária é destruí-la, e que ocultar esta religião é impossível e completamente em oposição ao

propósito do seu Autor (BARBIERI, 1983, p. 9).

Apontou-se acima que Wesley90 vivia e proclamava o Evangelho numa dimensão

integral. Também que ele considerava que a mensagem evangélica era, por sua natureza,

intrinsecamente social, e foram esses elementos norteadores que, segundo Bonino, construíram

a identidade profética de Wesley que inspirou suas ações concretas na sociedade londrina do

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111

século XVIII em favor das viúvas, das crianças que não tinham acesso à escola, cooperativas de

crédito, agência de empregos entre outras ações voltadas à pessoa humana e ao meio em que ela

se insere, como comenta Bonino91:

Não falta a Wesley a nota profética relativa aos graves problemas da nascente sociedade

industrial. Destacamos dois deles como mostra. O primeiro é a pobreza, a respeito da qual

Wesley se manifesta freqüentemente [...] Wesley não se limita a comprovar a terrível situação

em que muita gente vive e se encontra, senão que rechaça as explicações tradicionais da

pobreza como destino ou como conseqüência de preguiça ou vício. Tais explicações são

perversas e diabolicamente falsas [...} denuncia a privatização da propriedade que deixa milhares de camponeses sem terra. Critica a avareza que busca prosperar a qualquer preço.

Magali Cunha92 evoca R. Niebuhr no texto �A responsabilidade da igreja93 pela

sociedade�, no qual a autora aprofunda a questão da responsabilidade como a condição de ser

capaz e ser requerido a prestar contas de alguma coisa a alguém. E comenta que o conceito de

responsabilidade tem lugar no contexto das relações sociais.

E, tendo-se apontado que a pregação Wesleyana não apelava à individualização na

construção de uma religiosidade anticomunitária, mas antes pelo contrário, era marcada pela

dimensão profética da denúncia, é possível extrair expressões que demarcam e corroboram a

dimensão social de pressão metodista, a partir do segmento denominado Documentos94

na

edição comemorativa dos 100 anos do Credo Social Metodista, destacando a vida e o bem-estar

das pessoas como fundamento do sentido e razão da igreja na sociedade em que estão inseridas:

1. Dignidade das pessoas na família, leis sobre o divórcio, regulação apropriada do

casamento, e residências (1918); pureza no casamento para o homem e a mulher; divórcio nos

ensinamentos de Cristo (1934); proteção da família pelo padrão de elevada moral do homem e

da mulher; orientação da juventude sobre o casamento/paternidade; exigência de exame pré-

nupcial; legislação para regulamentação de lares desfeitos , moralização da vida social e uniões

ilegais; provisão de habitação adequada para todas as famílias, tanto nos perímetros urbanos

como rurais (1960). Três ordens: familiar, econômica, e política (1970); descanso semanal,

santificação do domingo; salário que garanta a subsistência do trabalhador rural ou urbano, e

circunstâncias que assegurem dignidade à pessoa humana95; previdência social que assegure

aposentadoria condizente e proteja o trabalhador desempregado (1970).

Atenção às questões que envolvem agentes de desintegração familiar tais como a

prostituição, o jogo de azar, as múltiplas formas de dependência química; daí o chamamento à

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112

instrução dos jovens com respeito à sexualidade, à paternidade e a pureza do casamento. Por

outro lado apontando a condição da Igreja em apoiar leis justas que propiciem certas seguranças

aos lares desfeitos. É do espírito do Credo (1988) o cuidado com o trabalhador de ambos os

sexos, a carga horária por eles empenhadas e a condenação ao tipo de trabalho que ofereça risco

ao trabalhador. Por outro lado, reconhece a necessidade de atenção aos idosos e às populações

sobrantes da indústria, quer por desemprego ou acidente do trabalho.

É pertinente que se introduza o pensamento de Zygmunt Bauman para dialogar com as

preocupações já constituídas no Credo (1988) da Igreja Metodista, especialmente no que

concerne às questões que envolvem as populações sobrantes, a desigualdade social entre a

condição urbana e rural, bem como a repercussão deste desequilíbrio na vivência urbana, na

dignidade da vida das famílias e dos sujeitos urbanos:

Hoje a exclusão não é percebida como resultado de uma momentânea e remediável má sorte,

mas como algo com toda a aparência de definitivo. Além disto, neste sentido a exclusão deve

ser uma via de mão única. É pouco provável que reconstruam as pontes queimadas no

passado. E são justamente a irrevogabilidade deste despejo e as escassas possibilidades de recorrer contra essa sentença que transformam os excluídos hoje em classe perigosa. A

exclusão irrevogável é a conseqüência direta, embora imprevista, da decomposição do Estado

social, que hoje se assemelha a uma rede de poderes constituídos, ou melhor, a um ideal abstrato. O declínio e colapso do Estado anunciam definitivamente que as oportunidades de

redenção irão desaparecer. [...] Hoje apenas uma linha sutil separa os desempregados

crônicos, do precipício, do buraco negro das sub-classes; gente que não se soma a qualquer

categoria social legítima, indivíduos que ficam fora das classes , que não desempenham

alguma função reconhecida, provada, útil, ou melhor indispensável, em geral realizadas por

membros normais da sociedade; gente que não contribui para vida social.[...} Os produtos descartados por essa nova extraterritorialidade, por meio de conexos e espaços privilegiados,

habitados ou utilizados por uma elite que pode se dizer global são os espaços abandonados e

desmembrados, nos quais os pesadelos substituem os sonhos, e perigo e violência são mais

comuns que em outros lugares. Para tornar a distância intransponível, e escapar do perigo e

perder ou contaminar a pureza local, pode ser útil reduzir a zero a tolerância e expulsar os sem

teto de lugares nos quais eles poderiam não apenas viver, mas também se fazer notar de modo

invasivo e incômodo, empurrando-as para esses espaços marginais, off-limitis, nos quais não

podem viver nem se fazer ver96.

2. O clamor pela justiça como marca do testemunho metodista e sua responsabilidade

com os mais fracos da sociedade e os despossuídos.

Direitos iguais e justiça para todos (1918); Justiça rápida e econômica em todas as

camadas sociais (1934 e 1960); A natureza social procede da criação e sua realização é

alcançada na vida em comunidade (1970) Destaca-se que no último credo há um avanço pelo

encaminhamento de que o conceito de comunidade é identificado como o local onde se fará e

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113

construirá o senso de justiça. Esta postulação também é abrigada noutro segmento seguinte

como postula o de 1960: Um programa educativo que leve o homem do campo a consciência de

suas relações com Deus, com o solo e com as riquezas naturais, consciência de seus deveres

com a família, igreja e bem-estar da comunidade.

E se repete no Credo de 1970: A natureza social procede da criação e sua realização é

alcançada na vida em comunidade.

Nesta perspectiva recorremos a Sygmunt Bauman e seu pensamento no texto

Comunidade, no qual ele indica que a formação da comunidade nos tempos denominados

sólidos, tinha uma dimensão construtiva e estável. Nos tempos líquidos ela representa por um

lado segurança e identidade aos sujeitos, por outro uma força coercitiva de normas, regras, e

padrões, que nem sempre são bem-vindos na sociedade contemporânea.

Nos tempos sólidos havia um círculo familiar, social, e de trabalho nos quais as pessoas

circulavam de estágios em estágios e as famílias propunham casamentos de uniões duradouras,

as relações entre os amigos eram preservadas por longos períodos e sobre um eixo imutável de

família, trabalho, igreja, clube se constituía o mundo das pessoas. E neste sentido a experiência

em comunidades era uma relação bem decidida e preservada entre as pessoas. Nos tempos

líquidos relações interpessoais estão sujeitas a mutações constantes e se tornam cada vez mais

instáveis e não absolutas. O eixo da estabilidade que sustentava os tempos sólidos ruiu, e a

marcas de concretude da vida foram retiradas, e isto redimensionou o conceito de comunidade

para uma busca neste espaço de identidade e de sentido.

O tipo de incerteza, de obscuros medos e premonições em relação ao futuro que assombram

os homens e mulheres no ambiente fluido e em perpétua transformação em que as regras do

jogo mudam no meio da partida sem qualquer aviso ou padrão legível, não une os sofredores:

Antes os divide e os separa. As dores que causam aos indivíduos não se somam, não se

acumulam nem se condensam numa espécie de causa comum que possa ser adotada de

maneira mais eficaz unindo as força e agindo em uníssono. A decadência da comunidade

nesse sentido se perpetua; uma vez instalada, há cada vez menos estímulos para deter a

desintegração dos laços humanos e para procurar meios de unir de novo o que foi rompido. A

sina de indivíduos que lutam em solidão pode ser dolorosa e pouco atraente, mas firmes compromissos a atuar em conjunto parecem prometer mais perdas do que ganhos97.

A perspectiva de construção da identidade adotada pela Igreja Metodista lançará luz

sobre temáticas que diziam respeito a vivência humana, daí a relevância de sua análise no

processo evolutivo, considerando evidentemente que o Credo de 1970 tem marca mais

eclesiocêntrica em relação aos primeiros cujas ênfases eram destacadamente sobre temas

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114

sociais, ou da experiência humana em sua complexidade de vivência no coletivo.

Por outro lado, os credos registram a construção de posicionamentos em linha

preventiva, não curativa. Ou seja, eles procuravam apontar causas, ou possíveis focos, em que

não havendo intervenção adequada do Estado ou da Igreja, esses denominados pontos

problemáticos poderiam acarretar em complicadas e injustas estruturações sociais.

Para exemplificar tal assertiva, aponta-se, por exemplo, alguns temas ainda hoje

vigentes, como problemas humanos e urbanos, que recebem outra roupagem, e outra linguagem

descritiva, mas cuja natureza e essências foram apontados nas citações, tais como:

A indicação da necessidade de capacitação do povo para a participação política. O

estímulo aos agricultores na formação de cooperativas e da constituição de

movimentos em favor da justiça na aplicação do preço dos produtos extraídos da

terra pela mediação humana. Com isto, instando o segmento de agricultores a se

organizar e a exercer pressão de suas intenções no mercado de consumo. Fato que

hoje é amplamente conhecido através dos veículos de comunicação social que

expõem, não raro, a espoliação do agricultor em favor dos grandes produtores

mecanizados e globalizados.

A vida urbana e a vida rural já eram contrapontos bem apontados nos primeiros

credos, considerando que deveria haver uma justiça em busca do bem-estar que

fosse do alcance tanto do cidadão urbano como do cidadão rural. Esta equiparação

reclamada apontava que as cidades seriam fortes centros de atração de capital e

atenção do Estado, em detrimento do atendimento ao campesino.

A dimensão ecológica é apontada, mas é centrada no homem do campo, quando na

verdade hoje é o homem urbano que precisa ter consciência da terra, de como cuidá-

la.

A forte preocupação dos credos com a atenção aos pobres e às forças que constroem

a pobreza. Os credos mostram de forma bem objetiva que a dimensão da ação

eclesial é voltada aos pobres e que para a extinção da pobreza na construção de uma

paz social, a Igreja deveria não só se associar ao governo, mas exigir dele

intervenções que tivessem como horizonte os pobres e a erradicação da miséria. Por

outro lado, aponta também um instrumento de pressão política e ação social eficaz a

organização de entidades congêneres, atentas à pobreza, de tal forma que em rede

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115

elas pudessem ter maior expressão e visibilidade. E que para isto, se necessário, que

houvesse parceria com outras denominações cristãs.

Recorre-se a Viv Grigg que, em sua prática entre populações marginalizadas em espaços

urbanos na Ásia, identifica em sete grandes tópicos o perfil da pobreza, tais como:

1. De natureza religiosa e espiritual � opressão de demônios e religiosidade imprópria às

necessidades das pessoas;

2. Moradias ilegais (invasões, favelas, e becos);

3. Ambiente sem saneamento básico (coleta de lixo, coleta de esgoto e suprimento

saudável de água);

4. Saúde98precária e falta de alimentação (desnutrição);

5. Educação;

6. Subemprego e desemprego;

7. Relações sociais falidas (indiferença dos vizinhos, guerras entre quadrilhas,

casamentos prematuros e ilegais, famílias separadas e imoralidade) (GRIGG, sd, p.

102).

Ainda dentro desta forte dimensão no conteúdo dos documentos, são apontadas duas

causas que propiciam espaço à fomentação de pobreza e da miséria, a saber: a falta de Cristo no

coração das pessoas, e a falta dos pobres a ocupar a atenção dos cristãos. Destarte, estas duas

causas constituem os elementos fundantes para instalação de uma sociedade distante da paz.

Uma constatação notória é que as forças políticas, teológicas, eclesiológicas e sociais

que constituíram os primeiros credos, foram sendo abandonadas aos poucos em respeito ao

senso de serviço intramuros, ou seja, o Credo mais recente é mais eclesiocêntrico apontando a

preparação para a cidadania a partir dos membros das congregações.

Como afirma o Credo Social99: A igreja Metodista reconhece sua tarefa docente de

capacitar os membros de suas congregações para o exercício da cidadania plena. O propósito

primordial dessa missão é servir ao Brasil através da participação ativa do povo metodista na

formação de uma sociedade consciente de suas responsabilidades.

Os primeiros postulam por uma leitura crítica do mundo e os últimos revelam por um

cuidado com a manutenção e não contaminação da Igreja com os valores e práticas mais

comuns e até degradantes, que acontecem na sociedade na qual estão inseridas e no mundo.

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116

A partir desta constatação pode-se reconhecer que os primeiros Credos são mais

combativos das causas da degradação e comprometimento da sociedade. Nos últimos, aponta-se

certo encolhimento e um cuidado demasiado em proteger fronteiras individuais e familiares

tentando manter as comunidades das diferentes Igrejas assépticas diante do contato com a

sociedade em geral.

Em se tratando da Comunidade Metodista do Povo de Rua e sua inspiração bíblica,

teológica, pastoral, se pode apontar antecipadamente que a Ação Pastoral que será posta à

população em Situação de Rua � CMPR - será alimentada pelo forte preconceito da Igreja

diante daqueles que dela não são, pois a pastoral será evangelizadora100, e sua metodologia

repetirá na sua prática os conteúdos e ações pertinentes à vida da igreja local com toda a sua

teologia e liturgia, não necessariamente ligadas ao passado e à história de sua confissão, com

pouco engajamento no cotidiano dos sujeitos envolvidos.

Este entendimento de um redirecionamento das intenções da Igreja Metodista pode ter

sua origem e inspiração na nova configuração da Igreja pela absorção do conceito da Nova

Igreja, agora forjada no Plano de Dons e Ministérios, sendo esta uma possibilidade que se

aponta para novas pesquisas a partir deste recorte.

A seguir abre-se o quadro comparativo do Credo Social e o Plano para a Vida e Missão

da Igreja:

II. Quadro Comparativo dos Documentos: Credo Social e Plano para Vida e

Missão da Igreja.

O Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista acontece num período de maturidade da

Igreja ao tempo em que ela depois de sucessivos planos de ação da Igreja em regime de ação

planejada quadrienais, forja-se em 1982 o Plano para Vida e Missão da Igreja, que depois, em

1998, será assimilada nos Cânones, assim como o Credo Social, já estabelecido como tais.

A origem do quadro que segue está no Capítulo III dos Cânones101, sob a temática do

Credo Social, no parágrafo quinto que trata dos Problemas Sociais. E, no Capítulo V, o Plano

para a Vida e a Missão na Área de Ação Social.

CREDO SOCIAL PLANO PARA VIDA E CHAVES

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117

MISSÃO DA IGREJA METODOLÓGICAS Os problemas sociais são

próprios a uma comunidade em determinada época. O ser humano é do corpo social e agente e sujeito dele. O sentido de humano na estrutura social só é possível na vida

comunitária. A juventude é

predominantemente a população

brasileira. Meios de comunicação social (som, letra, imagem e outros) influenciam negativamente as mentes. Obter direitos iguais e participação no poder diretivo da

comunidade. Pautar-se por normas técnicas especializadas utilizando recursos comunitários especializados.

Cooperar com a pessoa e a comunidade. Propugnar por mudanças

estruturais da sociedade. Atuação onde as estruturas sociais se tronaram obsoletas. Atuação nos conflitos humanos, buscando promover a paz. Conhecer o bairro, a cidade, o campo, país, o continente e o

mundo e os acontecimentos que os envolvem. Estimular o desenvolvimento de uma cidadania responsável e o

preparo maior nas estruturas e processos de decisão. Promover o uso racional e sadio do lazer. Empenhar-se pela liberdade de expressão legítima de convicções,

religiosas, éticas e políticas. Identificar-se com o povo das periferias em seus problemas e lutas empenhando-se em ajudá-los a se unirem... na descoberta de suas próprias possibilidades e direitos.

CIDADE - URBANO

Os males sociais precisam ser analisados dentro do contexto socioeconômico e cultural

específico. O ser humano é criado por Deus... para ele devem convergir valores e recursos da sociedade. O individualismo é causa grave

dos problemas sociais. O planejamento familiar é um

fator essencial à maternidade e

paternidade responsáveis. Educação para sexualidade responsável, maternidade e paternidade. É de inadiável urgência no Brasil a tomada de providência para o

cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, proclamado na Constituição

Federal. Afetam a sociedade os vícios: a fabricação, a comercialização, o

cigarro, as bebidas, os jogos. Os presídios devem ser para reeducação e tratamento dos

indivíduos. Propugna por mudanças

Ação social da Igreja é a nossa expressão humana de amor a Deus. Ação social é esforço da Igreja. Conscientizar o ser humano que sua responsabilidade é a

construção do Reino de Deus. Libertar-se de tudo que a escraviza. Participar na solução de necessidades pessoais, sociais, econômicas e outras fundamentais

à dignidade humana. Atuação na pessoa visando a restauração da sua integridade. Atuação na educação integral da pessoa. Exercer a justiça e o amor como sinais do Reino. Conhecer a Igreja, especialmente

a igreja local, para descobrir suas possibilidades e seus dons e valorizar seus ministérios. Conhecer a maneira como as

pessoas se organizam, são

governadas politicamente. Denunciar todas as forças e instrumentos que oprimem e destroem a vida humana.

PASTORAL - PASTOR

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118

estruturais na sociedade em atendimento a indivíduos, grupos e populações de marginalizados. Oferecer ao vitimado compreensão e apoio respeitando a

sua autodeterminação.

Empenhar-se pela defesa e preservação do meio ambiente. Uso dos meios de comunicação e igrejas locais para esclarecimento quanto aos males sociais: exploração da mulher, exploração

do sexo, dos jogos de azar, das loterias, bebidas alcoólicas, fumo que destroem a saúde, a família

mental e espiritualmente.

Os problemas sociais são

manifestações patológicas do organismo social. Carências dos setores básicos:

alimentação, educação, habitação,

saúde, cultura, de fé cristã,

recreação, trabalho, comunicação

social, seguro social. A sociedade impõe mudanças no

comportamento humano. A família está sujeita à

insegurança econômica e a tensões

de mudanças socioculturais. Prostituição � grave problema da sociedade brasileira. No Brasil há grande contingência

de crianças desatendidas em suas necessidades básicas (alimentação,

habitação, proteção). Amar efetivamente as pessoas, caminhando com elas para sua libertação e autopromoção integral.

São alternativas de amor e justiça que renovam a vida e vencem o pecado. Promovendo a vida num estilo que seja acessível a todas as pessoas. Desmarginalização dos indivíduos

e das populações pobres. Atuação onde há opressão e a morte negou a realidade da vida. Atuação nos sofrimentos humanos. Apoiar toda a iniciativa que preserva e valoriza a vida humana. Promoção de consciência

nacional para promoção dos

discriminados e marginalizados: negro, índio, mulher, o menor, o

deficiente, o aposentado e outros.

POBRE- POBREZA

(Fonte: Cânones, 1998) � tabela 1

A leitura comparativa do Credo Social e do Plano para Vida e Missão da Igreja

possibilita ao leitor sintetizar para si quais são os aspectos mais relevantes para a Igreja

Metodista,, assim como a mesma olha para o seu ambiente externo, social, e o interpreta.

Por outro lado, no Plano para Vida e Missão, a Igreja Metodista define a forma como

será a sua relação com o meio social de modo que demonstre, por sua presença e ação, a sua

operacionalização em agir para que aconteça no meio social aquilo que ela crê, conforme o

Credo, como o tecido social deva agir pelo detalhamento das ações no Plano para vida e

Missão.

Utilizando-se dos eixos propostos, a saber: cidade � cidadania; pastor � pastoral; pobre �

pobreza, se procurará estabelecer por meio de um quadro sintético esta relação entre a

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119

consciência histórica e teológica da Igreja Metodista e de como a mesma interpreta o espaço

social no qual o ser humano se insere, e por outro lado a sua ação proposta para interagir como

a realidade social interpretada.

Cidade � Cidadania

Credo � CONSTATA Plano para Vida e Missão - AÇÃO

Os problemas sociais são próprios a uma comunidade em determinada época.

Propugnar por mudanças estruturais da sociedade. Atuar onde as estruturas sociais se tornaram obsoletas.

Obter direitos iguais e participação no poder diretivo

da comunidade. Estimular o desenvolvimento de uma cidadania responsável e o preparo maior nas estruturas e

processos de decisão.

A juventude é predominantemente a população

brasileira. Promover o uso racional e sadio do lazer. Identificar-se com o povo das periferias em seus problemas e lutas empenhando-se em ajudá-los a se unirem... na descoberta de suas próprias possibilidades

e direitos.

(Cânones - o autor, 2009) � Tabela 2

Pastoral e Pastor

Credo � CONSTATA Plano para Vida e Missão - AÇÃO

O ser humano é criado por Deus... para ele devem

convergir valores e recursos da sociedade. Ação social da Igreja é a nossa expressão humana de

amor a Deus. Ação social é esforço da Igreja.

É de inadiável urgência no Brasil a tomada de providência para o cumprimento do Estatuto da

Criança e do Adolescente, proclamado na

Constituição Federal.

Conhecer a Igreja, especialmente a igreja local, para descobrir suas possibilidades e seus dons e valorizar seus ministérios.

Afetam a sociedade os vícios: a fabricação, a

comercialização, o cigarro, as bebidas, os jogos. Denunciar todas as forças e instrumentos que oprimem e destroem a vida humana.

(Cânones - o autor, 2009) � Tabela 3

Pobre � Pobreza

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120

Credo � CONSTATA Plano para Vida e Missão - AÇÃO

Os problemas sociais são manifestações patológicas

do organismo social. Desmarginalização dos indivíduos e das populações

pobres.

Amar efetivamente as pessoas, caminhando com elas

para sua libertação e autopromoção integral.

Apoiar toda a iniciativa que preserva e valoriza a vida humana.

Carências dos setores básicos: alimentação,

educação, habitação, saúde, cultura, de fé cristã,

recreação, trabalho, comunicação social, seguro

social.

Atuação onde há opressão e a morte negou a realidade da vida. Atuação nos sofrimentos humanos.

(Cânones - o autor, 2009) � Tabela 4

O exercício em colocar lado a lado os conteúdos do Credo Social e do Plano para Vida e

Missão da Igreja possibilita se estabelecer uma relação, agora num noutro momento, que diz

respeito à ação pastoral, na perspectiva de se analisar, a partir da questão interpretativa do

campo social por meio do Credo Social, a proposta de Ação no Plano para Vida e Missão da

Igreja, agora com foco na prática, segundo o que nos oferece o Plano de Ação da Comunidade

Metodista do Povo de Rua.

III. As ações denominadas de pastorais na Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Barros102 cita uma expressão do Bispo Geoval Jacinto da Silva, como segue:

A Igreja Metodista na cidade de São Paulo tem mais de 100 anos; somos parte da história

desta cidade; trabalhar com o povo em situação de rua é para nós uma maneira de viver o

Evangelho de Jesus Cristo. Desta forma marcamos a presença de Deus nas diversas situações

da vida humana com o apoio, a orientação e o acompanhamento dia-a-dia deste povo que vive na rua, é nossa manifestação concreta da presença de Cristo em nosso meio.

Os termos em destaque são apoio, orientação e acompanhamento que tangenciam as

proposições do Plano para Vida e Missão da Igreja.

O Plano de Trabalho/1994 CMPR, documento disponível a que se teve acesso para

produção desta pesquisa na secretaria da Comunidade Metodista do Povo de Rua, exposto em

anexo, aponta inicialmente que a Comunidade Metodista do Povo de Rua é uma atividade

pastoral da Igreja Metodista, da Terceira Região Eclesiástica, que tem como objetivo a

promoção da vida. Esta declaração se encontra arraigada no Plano para Vida e Missão que na

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121

sua perspectiva pastoral propôs-se a desenvolver uma Atuação na pessoa visando a

restauração da sua integridade (PVMI).

O objetivo geral da Ação Pastoral também tem sua inspiração no PVMI (Plano para

Vida e Missão da Igreja) quando plotar procurando atender as necessidades pessoais e sociais,

pois o PVM aponta: Atuação na pessoa visando a restauração da sua integridade.

A seguir o Plano de Ação103 da CMPR destaca entre os objetivos específicos o seguinte:

Buscar formas de envolver as igrejas da região [na Comunidade Metodista do Povo de Rua],

conscientizando-as da importância desse trabalho. O PVM traz orientação clara na temática da

intervenção social declarando A Ação social da Igreja é a nossa expressão humana de amor da

Deus; e, Ação social é esforço da Igreja.

No segmento das atividades do Plano de Ação Pastoral CMPR está descrita a intenção

de promover palestras abordando os temas � drogas, alcoolismo, tabagismo, família, povo de

rua, história do metodismo, análise de conjuntura e outros interesses da população. O PVM da

Igreja Metodista elabora no Credo Social uma análise conjuntural e propõe enfrentamento do

que afeta a sociedade os vícios: a fabricação, a comercialização, o cigarro, as bebidas, os

jogos (...). Denunciar todas as forças e instrumentos que oprimem e destroem a vida humana.

Na conclusão do Plano de Ação Pastoral é exposto o seguinte: Através da ação pastoral,

procurará ser [A Comunidade Metodista do Povo de Rua] uma das expressões do testemunho

solidário junto a esta população. Uma pastoral que se propõe a caminhar com esta classe

sofrida, descobrindo a esperança do Evangelho, do Reino da justiça, e na luta contra os

poderes de morte. Tanto o Credo Social quanto o PVMI abordam este tema, e em especial o

PVM considera como relevante: Amar efetivamente as pessoas, caminhando com elas para sua

libertação e autopromoção integral (...) e Libertar de tudo que a escraviza, e Participar na

solução de necessidades pessoais, sociais, econômicas e outras fundamentais à dignidade

humana.

A seguir se pretende olhar o Plano de Ação Pastoral da Comunidade Metodista do Povo

de Rua, numa linha de seqüência que está posta, a saber:

Em primeiro, reconheceu-se a vertente social da tradição Metodista.

Em segundo, colocou-se lado a lado o Credo Social da Igreja e o Plano para Vida e

Missão.

Em terceiro, abordou-se em quadro comparativo que o Credo Social é o olhar da Igreja

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122

ou a constatação da Igreja sobre o tecido Social e o Plano para vida e Missão a resposta que a

Igreja pretende dar como sua Ação.

Em quarto, caminhou-se pelo projeto apresentado ao Bispo da Terceira Região da Igreja

Metodista acerca da ação pastoral na Comunidade Metodista do Povo de Rua e constatou-se que

existe no âmago da proposta alinhamentos com o Plano para Vida e Missão.

Neste seguimento, que será quinto, se pretende analisar os registros de ações concretas

desencadeadas no Plano de Ação Pastoral, agora sob os eixos estabelecidos, a saber: pastor �

pastoral; cidade � urbano; pobre � pobreza.

IV. As atividades pastorais desenvolvidas na Comunidade Metodista do Povo de

Rua.

Os documentos cedidos pela secretaria da Comunidade Metodista do Povo de Rua104 são

cópias dos relatórios enviados pela CMPR a A.M.A.S. vinculada à Catedral Metodista de São

Paulo. Estes documentos estão em anexo a esta pesquisa.

Os relatórios são mensais e sucintos, colocando as atividades específicas alinhadas sobre

marcas, sem termos de avaliação do resultado, pelo menos exposta neste documento a que se

teve acesso.

As marcas mais comuns delineadas nos documentos são:

Filmes, Devocionais, Grupo de Mulheres, Grupo de Idosos, Grupo Terapêutico

(Psicologia e Serviço Social), Atendimento psicológico individual, Atendimento psicológico em

grupo e, finalmente, o que será objeto de observação , os Grupos Específicos, e os detalhes das

informações contidas nos documentos são do período relativo aos dois últimos anos, a saber,

2008 e 2009.

(Documentos da CMPR - : o autor, 2009) � Tabela 5

GRUPOS Temáticas abordadas

Projeção de FILMES / TV e DVD Paulo de todos os Povos Por água abaixo Stuart Little

É tempo de despertar No balanço do amor Mentes perigosas Jornais [televisivos]

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123

Abertura das olimpíadas Deixados para trás O que é AIDS Kelvin e os espiões Dependência química Tuberculose, tabagismo, diabetes e drogas Tempo de começar Desafiando gigantes A procura da felicidade Hancock Os três desejos Duelo de titãs O som do coração Uma lição de amor O mestre da vida O poder do ritmo O genro dos meus sonhos Marley e eu Uma razão para cantar Recuperando a esperança Ponto de decisão Treinamento do papai Peregrino Os donos da casa Lutero Páginas de uma vida O amor é contagioso Reine sobre mim O presente Escritores da Liberdade O poder da vida Ensinando a viver O fazendeiro de Deus O orgulho de uma nação Diamante de sangue Diários da motocicleta O jardineiro fiel A era do gelo III Valentim e falcão Derrubando os gigantes

DEVOCIONAIS A necessidade de buscarmos a presença de Deus Uma lição de humildade Fazendo novas amizades Traçando o futuro A importância do voto Cuide-se O pai amoroso Parcerias Ato pela vida Droga nunca mais Desistência da vida (avaliando a depressão) Entre a vida e a morte � a vida é mais forte O poder da música Os dez mandamentos Temas relacionados com o Natal A existência de Deus

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124

Como crescer em Cristo A palavra de Deus Pai Nosso Santificado seja o teu nome Seja feita a tua vontade O pão nosso de cada dia dá-nos hoje Perdão Começar de novo Multiplicação dos pães Jesus anda sobre o mar Jesus e o pão da vida Jesus a luz do mundo A mulher adúltera Jesus defende sua autoridade A cura do cego de nascença Jesus o bom pastor A ressurreição de Lázaro Jesus ungido por Maria Madalena Jesus lava os pés aos discípulos Cotidiano O bom pastor

MULHERES Rótulos como preconceito Sonhos Roda de conversa Sabedoria remédio infalível O feitiço caiu em mim Quanto custa um milagre Aborto O que é o Natal Produzir, colher e repartir Caça ao tesouro Reflexão sobre o dia internacional da mulher Sublimação Valores Papéis na sociedade

IDOSOS Atividades de integração Envelhecer e sonhar Qualidades e defeitos Mito do super homem Qual meu projeto de vida Sonhos Compreender a terceira idade Recordações da infância Preconceito Natais de nossas vidas Pintando o outro Reconhecer valores e qualidades Longevidade Maior visibilidade fora o preconceito O mito do super homem Saúde Caixinha de surpresas História de vida História criativa Troca de segredos

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125

Como você vê a vida Valores

TERAPÊUTICO - PSICOLOGIA A dinâmica da transformação Expondo raízes Em que você está pensando Tente outra vez Marketing pessoal

HIGIENE PESSOAL / SAÚDE A importância da higiene pessoal no cotidiano Tuberculose e tabagismo Diabetes/drogas Hipertensão/alcoolismo DST

QUALIDADE DE VIDA Nunca pare de sonhar Linha do tempo Eu e Deus A importância do perdão Resgate do eu Administrar o belo A fase da borboleta O filho pródigo Sentimentos negativos A caixa de surpresas Plano e projeto de vida É melhor resistir Lembre-se de quem você é

INFORMÁTICA Noções e capacitação sobre informática PROJETO DE VIDA A importância da construção de um projeto de vida

A importância do eu Recomeçar sempreViva e sorria

SOCIALIZAÇÃO / RECREAÇÃO / OCUPACIONAL

Jogos de xadrez, damas e dominó Papel machê Bijouterias Pintura e desenho Caligrafia Escrita de cartas Artesanato Leitura Xadrez e dominó

CIDADANIA Inclusão e exclusão social Criação de histórias para discussão da realidade da população no cotidiano Moradia Habitação Política do Idoso Passe Livre

RODA DE CONVERSA Alienação Depressão Papel amassado A criatura sendo o criador Troca de sentimentos Situação de rua Dinâmica do barquinho � sonhos A águia e o pardal Alcoolismo A construção do navio

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126

Uma nova chance Consciência e meio ambiente Televisão e a violência Brasil, um país de discrimação O que é cidadania

Higiene Pensar antes de fazer Quem não precisa Viva a vida Arriscando tudo Pontos de vista DST /AIDS

ASSEMBLEIA DOS RESIDENTES Reforma no espaço Mudança do maleiro feminino Troca de toalhas e lençóis Faltas e abandono de vaga Atendimento no centro de acolhida � Transferência do Pedroso para imediações

Cambuci/Liberdade

Dedetização Faltas Tempo de permanência Lei antifumo

O levantamento de dados dos relatórios encaminhados a A.M.A.S. � da Catedral

Metodista - a que se teve acesso e que corresponde aos anos de 2008 e 2009 oferecem

possibilidades de se perceber que, muito embora, o projeto de Ação Pastoral em curso tenha

seguido o espírito do Plano para Vida e Missão como proposta de interação da Igreja no sentido

cumprir sua vocação social, conforme expõe o Credo Social, na verdade, não converge com as

atividades desenvolvidas.

Pontua-se o seguinte a partir da grade de atividades desenvolvidas pelos diferentes

grupos:

1. A iniciativa de comprometer os sujeitos com alguns aspectos de vivência da

Comunidade Metodista do Povo de Rua, através de assembléia para discussão de temas. Este

modelo participativo tem, e/ou teria, alcance na medida em que as decisões tivessem

repercussão em outros círculos de gestão, tais como a A.M.A.S. da Igreja Metodista, e a

Secretaria do Desenvolvimento Social. Caso contrário, este modelo de participação é mais uma

atividade didática, de valorização dos sujeitos como pessoa, mas sem nenhum alcance político

transformador.

2. A temática da cidadania tem presença, mas não expressão dentro do programa de ação

pastoral, a se considerar a ocorrência com que ela circula no grupo assim denominado. O

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127

apontamento tem seu sentido, uma vez que o objetivo específico do projeto encaminhado e

aprovado, em forma de convênio entre a Igreja Metodista, através da A.M.A.S. e a Prefeitura

Municipal, visava em primeira instância a promoção humana e o resgate da cidadania. Observa-

se que o conteúdo da cidadania migrou para focos específicos, considerando-se a complexidade

em torno da massa populacional atendida, que naquela altura não era possível ser detectada com

precisão. Desta forma, se pretende dizer que, embora haja no âmago da motivação Ação

Pastoral, e sua construção nascida da inspiração do Credo Social da Igreja e do Plano para Vida

e Missão, os programas de implementações e as atividades específicas fogem do regaço de seu

nascedouro, se instalam como meramente atendimentos ocupacionais e atendimento das

necessidades básicas, tais como higiene, alimentação e pousada.

3. Há notadamente uma intenção evangelizadora nas atividades desenvolvidas, visto que

os programas devocionais recebem efetivamente uma carga de atenção desmedida, assim como

a projeção dos filmes, na área psico-social. Esta prática de devocionais faz uma ligação

histórica da Comunidade Metodista do Povo de Rua com o pietismo105 que marcou o

movimento Metodista e sua práticas, como se vê semelhança no que aponta Spener: Nada é

mais necessário do que o estudo bíblico em grupo, em diálogo com os outros. Com certeza, a

ocupação séria com a palavra de Deus (que não consiste em apenas ouvir predigas, mas

também mediação, leitura e diálogo � Salmo 1.2) tem que ser o meio principal para melhorar

alguma coisa, quer esta ocupação ocorra da forma proposta ou de qualquer outra. A palavra

de Deus é semente, da qual todo o bem em nós deve nascer. Se conseguirmos incutir no povo o

zelo de ser diligente neste ponto e de buscar neste livro da vida a sua alegria, então sua vida

espiritual será maravilhosamente fortalecida e sua vida será transformada (SPENER, 1996, p.

89).

David Bosch106 aponta que o pietismo indicava a fé como correta na medida em que se

desvinculava da frieza do conhecimento cerebral da ortodoxia e se comprometia com aspectos

novos da experiência humana, tais como: o arrependimento, a conversão, o renascimento e a

santificação. Desta forma, o pietismo centrava a sua pregação na ênfase do individual, não do

grupal, sublinhando as decisões individuais como as mais importantes. Desta maneira o

pietismo conseguiu apontar uma nova dinâmica da salvação que implica em que ela produz

bem-estar a alma e ao corpo, e a conversão é o meio a que se chega a este equilíbrio.

Revela-se, portanto, uma tensão neste aspecto entre o Credo Social, associado ao Plano

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128

para Vida e Missão que propugnam uma ação pastoral mais abrangente, que critique as

estruturas de morte, entretanto, na prática e na ação, o projeto pastoral se configura

individualista, e focado na conversão pessoal como veículo de transformação do meio social,

isto com forte lastro pietista, o que não deixa de ser uma contradição.

4. Mediante a observação das ocorrências com os grupos específicos denominados Roda

de Conversa e de Qualidade de vida, nos quais os temas apontados dizem respeito às

experiências vividas pelos sujeitos que ali e naquele momento são algozes e vítimas de sua

história, simultaneamente, aponta que o foco desta atividade abandona completamente a

dimensão social proposta no Credo e no Plano para Vida de Missão da Igreja Metodista, uma

vez que os fundamentos que alimentam aqueles documentos estão marcados pela oposição e

combate às estruturas de morte, inclusive, com crítica não velada aos meios de comunicação

como agentes comprometidos com a desordem e degradação social por meio de suas

programações, conforme expõe o Credo social - Meios de comunicação social (som, letra

imagem e outros) influenciam negativamente as mentes; entretanto, na Ação Pastoral está posto

como atividade �acesso à televisão e filmes�, e não em pequena escala.

A pretensão é a utilização didático-pedagógica dos conteúdos de modo associado aos

Grupos como Idosos, Projeto de vida e outros que permitem o diálogo.

Esta metodologia de atividade não configura uma Ação Pastoral, nem corrobora o

projeto como apresentado, atendendo apenas ao projeto social da Igreja exposto em seus

documentos, mas indica que a ação pretendida denominada de pastoral é na verdade uma ação

de Capelania107 que pode ser definida como a ação de apoio emocional e espiritual às pessoas,

suas famílias e àqueles que trabalham com estas, buscando através da fé e do conforto

necessário para superar as dificuldades do dia-a-dia ou do momento que estão vivendo.

A prática da atuação capelã tem suas possibilidades da seguinte forma: Hospitais;

Presídios; Quartéis e repartições militares; Escolas com regime de internato; Organizações não-

governamentais, com trabalho social e ambulatorial com regime de internato; Creches e

Instituições de assistência às pessoas de terceira idade com regime de internato; Instituições

civis que, por força de trabalho, mantenham regimes de internação coletiva. E estes aspectos

estão amparados na Constituição108 de 1988 (Constituição Federal, 1988 � Artigo 5º, Inciso

VII).

A Comunidade Metodista do Povo de Rua na sua condição de vínculo com a Associação

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129

Metodista de Ação Social enquadra-se na dimensão e na possibilidade de alterar o curso e sua

atuação de pretendida pastoral para capelania, uma vez que as atividades por ela desenvolvidas,

conforme constam nos relatórios expostos, são notadamente assistência capelã, pois tratam de

ação de apoio emocional e espiritual às pessoas (...) e, buscando através da fé e do conforto

necessário para superar as dificuldades do dia-a-dia. O elenco de atividades assim o

demonstra.

Notadamente, esta percepção pode ser ampliada em outro projeto de pesquisa no qual a

pista aqui fica apontada, pois em havendo esta compreensão, dela se promoverá possibilidades

novas de formação de acadêmicos em áreas específicas e criação de novas maneiras de inserção

social através dos conteúdos que, encerrada a ação capelã, e por ela, se poderá desenvolver

projetos mais eficazes e eficientes assim como abrir novas frentes de Missão à Igreja e não

apenas uma no Viaduto Pedroso, mas onde houver uma Igreja Metodista se poderá desenvolver

ações de capelania à população em situação de rua. Esta mudança de paradigma indica também

mudanças nos programas de formação em teologia propostos pela Igreja para formação de

capelães.

Considerando-se os três eixos de leitura com os quais se abordou o Credo Social e o

Plano para Vida e Missão, a seguir se apontará a temática da gestão, como sendo um espaço em

aberto na afirmação da Comunidade Metodista do Povo de Rua e espaço de Ação Pastoral da

Igreja, atendendo seus compromissos com a Missão expressos nos documentos nomeados.

V. Ação Pastoral na Comunidade Metodista do Povo de Rua e os Desafios da

Gestão

A pesquisa desenvolvida pela Secretaria do Bem-Estar Social da Prefeitura Municipal de

São Paulo, publicada em 1992, identificou a presença de uma série de instituições filantrópicas

de iniciativa privada e religiosa, atendendo de alguma forma mínima a população em situação

de rua.

Expressões isoladas motivadas pela caridade cristã, com certa ordenação na sua ação,

não necessariamente articuladas entre si. Ações de caráter mais intuitivo, baseadas nos

estímulos da solidariedade, como aponta a pesquisa109:

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130

A existência de instituições de assistência social é uma das peculiaridades da civilização

cristã, desde o início da propagação da doutrina, pautando por uma ética que se propõe

conciliar princípios de dignidade humana com a conjuntura de profundas desigualdades

sociais. A trajetória das instituições sociais não é monolítica. Elas sofreram algumas

transformações nos diferentes períodos históricos, diversificando sua prática, modernizando

suas estruturas burocráticas, incorporando novos conhecimentos produzidos na sociedade. [...]

Na cidade de São Paulo, desde o século XVI se registra a existência de organizações

instituídas com a finalidade precípua do apostolado filantrópico, com dedicação aos

segmentos excluídos. Preferencialmente classificados como pobres ou indigentes. O campo da

filantropia opera de maneira diversificada, não se restringindo à distribuição de comida, mas

ajudando a indivíduos como a famílias pobres, fornecendo-lhes outros auxílios, como roupas,

calçados, remédios e cestas básicas. O trabalho dessas organizações junto à pobreza assume um sentido de dupla ação, ora na consecução de seus princípios doutrinários, ora na

perspectiva de uma ação social. O ato da distribuição da comida é permeado por profundo

sentimento religioso, movido pela comiseração para com o seu semelhante. O pão também é

um símbolo de solidariedade,; quem leva, leva o compromisso de repartir o pão, quando

estiver sobrando em casa.

Esta pesquisa da década de 90 nos faz recorrer a análise de Dowbor110, sobe a

complexidade urbana e a gestão, inclusive de recursos, como aponta:

Gigantes como São Paulo, México, Tóquio, Shanghai, Lagos, fazem parte de uma geração de

problemas que surgiram nas ultimas décadas. São Paulo dos nossos pais pareceria uma cidade

bucólica, ante as novas dimensões que enfrentamos hoje. O município tinha cerca de 1,5 milhão de habitantes nos anos 50. Hoje passa dos 10 milhões. Se tomarmos os 18 milhões de

habitantes da região metropolitana de São Paulo, existem hoje 102 países com população

inferior. A Suíça, com apenas 7 milhões de habitantes, conta com um complexo sistema de subdivisões administrativas, com governo federal , cantões, comunas e outras. Administrar

uma metrópole é administrar um país. E não foi apenas um problema de números [...] para

financiar as infra-estruturas, os municípios precisam desesperadamente de recursos.

O autor aponta que as mudanças no tecido urbano são dinâmicas e geram tensões

constantes que passam a exigir políticas articuladas entre os municípios que tangenciam as suas

fronteiras, sem deixar de atender às demandas constantes internas de cada área, no que diz

respeito às demandas sociais, necessidades de infraestrutura física para atendimento da

população com transportes e cuidados crescentes com as demandas que envolvem aspectos de

saúde pública, devido ao risco de contaminação em massa diante da concentração de pessoas

em inúmeras áreas urbanas.

Assim como apontou o primeiro texto enfatizando a filantropia, a solidariedade e o

voluntariado111 como marca da fé cristã, Dowbor nos aponta que a expansão urbana exige mais

que boa vontade de todos, de ações paliativas, de pouca repercussão social e humana, visto que,

com a instalação da carência de recursos nos poderes públicos, ficará cada vez mais urgente a

busca de um voluntariado que seja construído dentro de um modelo de gestão apropriado e

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131

capaz de dar conta dos seus objetivos e missão.

Na medida em que o Estado se preocupa com as demandas da gestão multifacetada para

atender as demandas, os programas sociais que tomam recursos nos seus cofres tendem a ser

descartados da malha, uma, pois, conforme afirma Teixeira112 na sua análise da atuação das

organizações não-governamentais entre o estado e o conjunto da sociedade, a maior parte das

organizações estabelece algum vínculo como o Estado:

- nem todas as relações com o Estado envolvem repasse de recursos para as ONGs, mas a tendência tem sido o aumento da obtenção de recursos junto a órgãos do governo brasileiro.

Em pesquisa realizada em 1993 com filiadas a Associação Brasileira [de Nos], somente 3,2%

das ONGs declararam receber este tipo de financiamento. Em pesquisa realizada em 1997, metade das filiadas declarou recursos dos órgãos do governo brasileiro. Há uma parte das

organizações que, por considerar sua atuação mais voltada para mobilização social e temer se

tornar um braço do Estado, se recusa a estabelecer relações de qualquer tipo com ele.

Entretanto, a maior parte das organizações estabelece algum tipo de relação com o Estado,

seja mais formal, envolvendo até repasse de recursos, seja mais informal, de tentativa de controle ou de acompanhamento sobre os atos dos governos.

No seguimento de sua pesquisa, Teixeira aponta três dificuldades inerentes à relação de

trabalho de vinculação como os órgãos governamentais, quais sejam:

(1) O excesso de burocracia, marcado pela lentidão das decisões no âmbito

administrativo, ao tempo em que na área operacional as demandas são urgentes;

(2) O despreparo dos agentes do estado e a falta de sensibilidade para compreender,

entender e agir diante das metamorfoses sociais que são mudanças rápidas e

carentes de respostas, nem sempre de soluções fáceis;

(3) A alta rotatividade dos programas governamentais que acabam gerando insegurança

nas organizações por que essas correm o risco da descontinuidade, ou ao contrário,

de perder o status de prioridade nos planos de ação do governo.

Na medida em que (i) se estabeleceu o encontro do Credo Social frente ao Plano para

Vida de Missão da Igreja Metodista (ii) a partir deles a exposição do plano de ação pastoral

aprovado e em execução na Comunidade Metodista do Povo de Rua, (iii) a busca pela

consolidação deles com os eixos adotados, cidade, pastoral e pobreza e (iv) percebendo-se a

relação entre eles, buscou-se nas atividades relatadas a consolidação do ideal de pastoral

proposta.

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132

Neste enfrentamento denotou-se a realidade de que a ação pastoral pretendida se

configura como ação de capelania. A partir desta constatação recorreu-se à pesquisa elaborada

pela Prefeitura Municipal de São Paulo, em 1992, texto contemporâneo à criação da

Comunidade Metodista do Povo de Rua, delineando que à época da pesquisa já estavam

instalados programas de filantropia com motivação cristã. Apontou-se então para o fator de

crescimento da complexidade urbana e as crescentes demandas financeiras para recompor a teia

urbana nos aspectos de transporte, saúde, habitação e outros. Não raro, nesta alocação de

verbas, ocorre o abandono de programas de cunho social. Estabelece-se, então, uma dificuldade

latente, que é o problema de gestão de uma organização, assim como se configura a

Comunidade Metodista do Povo de Rua, gestão esta que se torna necessária à medida que se

constata que a relação entre o Credo Social, o Plano para Vida e Missão e o Contrato firmado

com a Prefeitura em 1995 (que propõe atuação na promoção humana e no resgate da cidadania -

a se ver pelas atividades em curso), não corresponde a ação proposta.

Recorre-se à teoria de gestão exposta por Cury113, que sugere as seguintes etapas antes

de se estabelecer qualquer programa de ação, a saber:

1. Análise do contexto � neste ponto é relevante analisar como está a vitalidade interna

da organização, características da equipe funcional, estar ciente de que todos têm a

mesma compreensão dos objetivos da organização e ter uma noção clara dos

potenciais e dos limites tantos internos da organização, quanto do contexto social,

externos, a ela.

2. Objetivos � os objetivos são a bússola que orientam o projeto e todas as sãs

atividades. Neste momento as pessoas envolvidas precisam saber qual é o plano

geral no qual estão envolvidas e quais são as suas possibilidades de alcançar os

objetivos. Pessoas não aderem a projetos que não levam a lugar algum, ou que

atingem somente as metas que beneficiam seus dirigentes ou mantenedores. Quando

se propõe um objetivo alimenta-se o conceito de práxis [já discutida no capítulo], ou

seja, a ação que transforma.

3. Atividades - as atividades demandam de um cronograma estabelecido, mas que são,

na verdade, as estacas por sobre as quais se vai construir a ponte que leva ao

objetivo.

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133

4. Recursos humanos e financeiros - cabe às organizações o desafio de ir além das

boas intenções e reestruturar-se dentro de normas eficientes de gestão financeira e

administrativa, especialmente àquelas que operam em projetos que envolvem os

setores sociais, pois devem ser estes os primeiros a cumprir da melhor maneira os

compromissos sociais com os seus funcionários e contratados.

5. Avaliação - a avaliação é entendida, como a prestação de contas ou o atendimento a

planilhas administrativas. Entretanto, a avaliação é uma experiência instigadora que

propõe e ajuda no realinhamento e no avanço do plano de missão proposto pela

organização. Sendo esta a etapa normalmente relegada a segundo plano, Carvalho114

propõe a avaliação:

Coerência e relevância social de sua missão;

Inserção na comunidade;

Competência organizacional e gerencial;

Flexibilidade para responder a antigas e novas demandas;

Capacidade de estabelecer novas parcerias na realização de ações de maior

alcance;

Visibilidade e legitimidade social;

Seu tamanho e seu peso na esfera pública;

Portanto, avaliar é atribuir valor e grau de eficiência e eficácia a um projeto social,

dentro de seus objetivos originalmente propostos.

No capítulo IV este pesquisador abordará as ações pastorais a partir da percepção dos sujeitos

que as desenvolvem.

A construção desta etapa da pesquisa valeu-se das contribuições significativas recolhidas

na pesquisa de campo junto aos sujeitos que têm e tiveram contato diretamente com a população

de rua na dimensão operacional do Plano de Ação proposto para Comunidade Metodista do

Povo de Rua.

O Roteiro do questionário aplicado foi desenvolvido pelo pesquisador e seu orientador;

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134

submetido a teste de compreensão e aplicabilidade em uma organização de atendimento social

congênere à CMPR; posteriormente, foi avaliado por uma administradora de empresas com

especialização em pesquisas de mercado para se ter um parecer técnico; e encaminhado ao

Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, conforme rege o protocolo desde Comitê;

recebeu, após análise, a devida autorização. Sua aplicação foi dentro dos parâmetros que regem

pesquisas de campo, assegurando ao seu direito de abandonar o procedimento a qualquer tempo

que os sujeitos concordaram de boa vontade em participar.

CAPÍTULO IV

PESQUISA DE CAMPO

AS AÇÕES PASTORAIS A PARTIR DOS SUJEITOS QUE AS

DESENVOLVEM NA COMUNIDADE METODISTA DO POVO DE RUA

Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar o resultado da pesquisa de campo115 realizada

junto aos funcionários e ex-funcionários116 da Comunidade Metodista do Povo de Rua117

visando colher informações sobre a ação pastoral desta Comunidade, que doravante será

denominada CMPR.

Destarte objetiva-se identificar e interpretar aspectos da formação desses profissionais

não só no âmbito eclesial e pastoral, como também nos aspectos de competência secular para

atuar de maneira alinhada com o projeto de pastoral da Igreja Metodista.

O desenvolvimento da ação pastoral pelos sujeitos que têm a responsabilidade junto à

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135

população de rua que acessa à Comunidade Metodista do Povo de Rua será interpretada a partir

da perspectiva da práxis religiosa118 e correntes existencialistas que abordam a práxis não como

mera repetição e reprodução de sistemas anteriormente provados e comprovados, mas a partir

de um processo que promova mudanças na totalidade do homem e do mundo ao seu redor.

Conjugar-se-á a analise a partir dos quatro eixos propostos por Casiano Floristán119 que

estabelece que a construção humana de um objeto começa com uma ideia, depois um projeto de

ação consciente que resulta numa realidade afirmativa, segundo o quadro abaixo que define as

formas de ação da práxis religiosa.

(Elaborado pelo autor, 2009) � Tabela 6

AÇÃO

CRIADORA

AÇÃO

REFLEXIVA

AÇÃO

LIBERTADORA

AÇÃO

RADICAL

Parte de uma

consciência crítica e

propõe ações

inovadoras diante de

novas realidades.

Estabelece o

caminho por onde

serão dados os passos

que provocarão a

transformação.

Concretiza uma nova

realidade que oferece

ao ser humano uma

nova oportunidade de

liberdade consciente.

Ação mais ampla que

promove mudanças

em políticas

econômicas e sociais

operando uma

alteração de seu

status, tornando-as

mais condizentes

com a realidade

humana vigente.

I. O diálogo com os sujeitos

A partir de Casiano Floristán encontram-se as lentes de leituras, a proposta de uma ação

inovadora; a escolha de um método120 de intervenção; o diferencial a ser oferecido como

característica libertadora; e a proposição de novas políticas que consolidem aquele status

alcançado e permitam novas operações transformadoras.

A partir desta concepção, a pesquisa121 aplicada aos agentes foi constituída de quatro

eixos que se propõem a responder a correspondência do quadro acima:

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136

1. Dados pessoais

2. Abordagem do histórico profissional

3. Práticas de atividades de conscientização libertadora dentro da Comunidade

Metodista do Povo e Rua

4. A questão adicional: Parecer e sugestões sobre caminhos para promover mudanças

na perspectiva da práxis (pastoral)

1. Dados pessoais. Na abordagem se procura perscrutar a capacidade crítica do agente que

ingressa na Comunidade Metodista do Povo de Rua verificando se o mesmo traz ferramentas

para desenvolver uma atividade crítica junto à realidade que ele encontra e ainda, se dispõe de

ferramentas de conhecimento e intuitivas para desenvolver uma proposta e aplicá-la de forma a

atender a demanda que se revela.

2. Pretende-se observar o histórico profissional dos sujeitos que intervêm junto à População de

Rua, reunindo os elementos capazes de se reconhecer se estes sujeitos têm condições de trilhar

caminhos novos e adotar novas metodologias de trabalho diante da realidade imposta ou, se ele

simplesmente reproduzirá de forma viciosa o que já tem prática em outros estabelecimentos,

ainda que congêneres, mas cujas realidades tem suas próprias especificidades.

3. Procura-se entender a conexão existente entre o sujeito agente junto à população de rua

dentro da Comunidade Metodista e se esta ação realizada pelo agente faz parte de um programa

que promova novas oportunidades ao ser humano e lhe devolva a dignidade com vistas ao

desenvolvimento de uma nova cosmovisão tornando-se agente da sua própria liberdade e

devidamente capacitado a mantê-la pelo tempo restante de sua existência, sendo capaz de

ascender construtor e condutor de sua própria história.

4. Tem-se por objetivo colher junto aos sujeitos a intensidade de sua percepção sobre a

abrangência do programa que desenvolve e se alimenta no espírito o desconforto pela situação

sistemática imposta pelas políticas públicas, verificando se este sujeito, de alguma maneira,

esboça, mesmo que utopicamente, uma reação, uma conjectura sobre possibilidades de

promoção de uma nova ordem social que venha a dar respaldo e fôlego para mudanças mais

abrangentes na sociedade, de tal forma que o meio social reduza a produção de massa de

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137

excluídos e marginalizados. Desta forma se pretende resgatar o sentido imaginário, utópico,

reacionário que o sujeito dá a sua própria intervenção e de que forma ele a vê no contexto

social.

Seguindo-se a proposta conforme constituída acima, neste primeiro momento serão

observadas, sob a perspectiva da Ação Criadora, as competências dos sujeitos que dela

participam com vistas a perceber se esses agentes possuem diferenciais que possibilitem ações

inovadoras.

Para a descrição dos dez sujeitos pesquisados apresenta-se o seguinte quadro: Sexo,

Idade e Formação.

Sexo Idade Formação

1. Masculino 34 anos Serviço social

2. Masculino 23 anos Colegial

3. Feminino 33 anos Assistente social

4. Feminino 25 anos Serviço social

5. Masculino 49 anos Escola de Oficiais da PM; Bacharel em

Ciências Jurídicas; Extensão em Análise de

Sistemas e Processamento de Dados; Pós-

Graduação em Gestão de Administração de

Planos de Saúde

6. Feminino 40 anos Graduação em Psicologia e Gestão

Empresarial.

*Na época que trabalhou na CMPR não tinha

formação universitária

7. Feminino 47 anos Serviço Social

8. Masculino 50 anos Bacharel em Teologia, Mestre em Ciências

da Religião, Licenciatura em Filosofia

9. Masculino 46 anos Bacharel em Teologia

10. Feminino 25 anos Serviço Social

(Elaborado pelo autor, 2009) � Tabela 7

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138

A planilha conforme exposta acima pretende reunir os dados e cruzá-los de tal forma

que se tenha uma clareza na composição dos agentes que atuam e atuaram na Comunidade

Metodista do Povo de Rua � CMPR, agregando tanto aqueles que por ela já passaram assim

como aqueles/as que militam na Pastoral.

Quatro dos pesquisados fazem parte do segmento de Inativos, ou seja, estavam fora da

CMPR na data da aplicação da pesquisa. Dentre eles destacamos o primeiro gestor do Projeto,

que assim declara:

No 3º. ano do curso teológico fiz um estágio com crianças no Projeto Meninos e Meninas de Rua em S. B. Campo. Ao iniciar o 4º. Ano (1991) fui convidado e nomeado pelo Bispo

Nelson Luiz Campos Leite para acompanhar o �Café dos Coreanos�. No período de 1987 a

1992, a Igreja Metodista Coreana Ebenézer recebeu o apoio da Igreja Metodista do Brasil no

Bairro da Luz. Como prática, servem café com leite ou achocolatado e pão com manteiga para

a população moradora de rua, aos domingos no período da manhã, na Praça Fernando Costa, Parque D. Pedro II, região central da cidade. Em 1991 foi nomeado um pastor-seminarista, Alcides Alexandre de Lima Barros, para a Igreja Metodista da Luz, com a incumbência de

acompanhar o �Café do Coreano�, assim apelidado pela população moradora de rua que participava daquele trabalho. No segundo semestre de 1991, a Supervisora Técnica da Surbs-Sé/Lapa, da Prefeitura do Município de São Paulo, Cleisa Moreno Maffei Rosa

visitou o �Café do Coreano� e propôs um trabalho em parceria com o poder público municipal, ou seja,

um convênio da Prefeitura com a Igreja Metodista, para que fosse possível melhorar a

estrutura de atendimento àquela população que vive e mora pelas ruas da cidade. Foi uma proposta de trabalho pioneiro em que a Igreja Metodista passou a assumir uma parceria com o poder público através de uma casa de convivência conhecida hoje como Comunidade

Metodista do Povo de Rua .

E outro deu continuidade ao Projeto da Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR

- numa caminhada de quase duas décadas, sendo que no seu primeiro estágio de quatro anos,

desenvolveu-se como orientador social e no segundo, já na dimensão de pastor122, conforme se

aponta nas agendas por ele encaminhadas, nas quais se observa o empenho na prática de ações

efetivas na dimensão do pastorado, como relacionadas:

Atividades desenvolvidas na Comunidade Metodista do Povo de Rua � CMPR: Celebrações semanais com estudos bíblicos, louvor e oração; Palestras relacionadas a diversos temas abordados dentro de uma ótica pastoral como: drogas, alcoolismo, violência urbana, família, trabalho, saúde, moradia, direitos humanos,

história do metodismo e outras de interesse da população; Celebrações litúrgicas em datas especiais do calendário cristão (Paixão, Páscoa, Natal); Cultos especiais (Dia Nacional de Ação de Graças, Dia Internacional da Mulher, Dia da

Consciência Negra); Evangelismo aos interessados em ingressar como membros na Igreja Metodista; Formação e acompanhamento de grupos específicos: música, teatro, artes etc; Atendimento clínico-pastoral aos participantes (conviventes e funcionários/as);

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139

Visitação aos enfermos e encarcerados; Realização de ofício fúnebre;

Outros.

A relevância em se colher dados junto a sujeitos apontados no quadro demonstrativo

como inativos consiste no fato de que pode apontar para o vigor da ação da Comunidade

Metodista do Povo de Rua em anos anteriores, dados estes que se pretende observar se

contribuíram ou não, ou foram assimilados como metodologias de Ação Inovadora, como

aponta um dos sujeitos acerca da força de informações, coleta de dados e trânsito de

experiências comuns:

Participações mais importantes:

1991� Encontros de capacitação do grupo operativo para a realização da primeira

pesquisa sobre população de rua, que resultou no livro População de Rua: quem é, como vive,

como é vista � Editora Hucitec, São Paulo,1992

1992 � I Seminário Nacional sobre População de Rua � São Paulo 1993 � Seminário: O Combate à Fome e a Construção da Cidadania � Experiências e

Proposições � São Paulo 1994 � I Conferência de Segurança Alimentar � Brasília � DF 1994 � Seminário: Entidade Social: Seu papel no Brasil do século XXI � São Paulo 1995 � 1ª Conferência da Assistência Social da Cidade de São Paulo 1996 � Seminário: Empresa Social � PUCSP e parceiros 1996 � I Simpósio: O Desafio Social da Fome: A organização da sociedade na busca de

soluções � SESC Paulista � São Paulo 1997 � 1º Congresso Nacional das Entidades Evangélicas de Assistência Social � Tema: Ação Social Integral � Belo Horizonte - MG 1997 � 1º Encontro de Serviço Social na Esfera da Seguridade Social no Brasil � Belo Horizonte - MG 1997 � 2ª Conferência da Assistência Social da Cidade de São Paulo 1997 � Ciclo de Palestras sobre Organização de Almoxarifado e Manipulação de

Alimentos - SESC Carmo 1998 � Simpósio Internacional: Espaços Públicos e Exclusão Socioespacial � práticas

urbanas e inclusão � Faculdade Arquitetura e Urbanismo USP � São Paulo 1998 � IX Congresso Nacional de Assistentes Sociais � Goiânia - GO 2000 � Seminário: Assistência Social: Temas em Debate � Secretaria Municipal de Assistência Social � São Paulo 2000 � Oficinas de Saúde Integral � CIEMAL � Dourados - MS 2001 � Seminário sobre a Lei 9790/99- Regulamentação das OSCIP�s � Organizações

Sociais de Interesse Público � Prefeitura do Município de São Paulo - Secretarias: Saúde e

Assistência Social e Câmara Municipal 2001 � Reunião de Estudos sobre a População de Rua � Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo � SAS Sé/Lapa Fonte: dados pesquisa de campo, 2009.

A partir das matrizes encontradas nos três primeiros sujeitos desligados da Comunidade

Metodista do Povo de Rua, observa-se que a matriz do Projeto dialoga com a formação

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140

teológica dos sujeitos e sua vinculação com a ação pastoral da Igreja Metodista, a começar da

formação destes sujeitos. Por outro lado, a linha da formação em Serviço Social e seus

pressupostos, fazem-se presentes no cotidiano da proposta de ação criadora.

Apoiando-se ainda no quadro, observa-se que há uma mudança de presença pastoral no

que diz respeito à gestão da CMPR, migrando da formação teológica como fundamento, para

formação na área da administração. Permanece, por outro lado, o vigor da influência do

conteúdo da ação social, o que representa um segmento muito forte na atualidade da

Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Esta constatação indica que a CMPR na sua atualidade está mais equipada a leituras da

realidade da População em Situação de Rua tomando as lentes da Secretaria Municipal de

Assistência Social - SMADS123 do que da pastoral da Igreja Metodista. Destarte, as possíveis

ações inovadoras se apoiarão em teóricos do Serviço Social ou da intuição acadêmica da

formação de seus agentes nesta área.

A Ação Reflexiva, que nos aponta estes segundos segmentos da pesquisa considerando-

se o histórico profissional dos sujeitos, levará em conta a extensão que se apontou acima,

observando o histórico dos sujeitos para a partir daí perceber suas competências para a

promoção de caminhos novos e a adoção de metodologias inovadoras.

Numa leitura ponto a ponto das respostas de cada sujeito, têm-se as seguintes

percepções:

O ingresso no programa de atendimento à população em situação de rua tem uma

dimensão de opção de vida, de escolha passional mediante o apelo da visão de uma realidade

desastrosa em que as pessoas se encontram.

A adesão ao programa, de certa forma, tem alguma vinculação com a formação

acadêmica, mas o contexto político da época em que se abriu a oportunidade de colocar teorias

em práticas sociais fora elemento determinante, uma vez que havia uma ebulição do tema da

assistência social, da participação política, da movimentação das ONGs124 no Brasil e fora dele.

Ou seja, era um momento em que o tema transitava em diferentes áreas do conhecimento e no

discurso de uma nova política voltada para o social.

Outro fato a destacar: na década de 1990 outros movimentos também eclodiram com

foco em diferentes segmentos de excluídos, mas especialmente os excluídos urbanos. A

população de rua e as diferentes ações que se pulverizavam olhavam cada uma numa direção,

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141

seja crianças, adultos, de rua, ou somente o segmento de adolescentes. Fato é que havia uma

série de ações pontuais que se revezavam na busca de um caminho, uma metodologia que

pudesse ser consistente. A Comunidade Metodista do Povo de Rua, pelo seu próprio nome já

define, nesta altura, a dimensão e o objeto de sua atuação, bem como o conteúdo comunitário

que a nortearia.

A participação dos acadêmicos dentro do segmento da Igreja Metodista, bem como,

dos acadêmicos da sociologia, dentre eles a pesquisadora Aldaíza Sposati125, aponta que o

movimento multifacetado que eclodiu na década referida fazia parte de uma inquietação que

despontava em diferentes círculos. O fato de a Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR

- ter a sua nascente dentro da Faculdade de Teologia126 não é um elemento isolado, mas um

ecoar de vozes que se faziam ouvir em diferentes segmentos, inclusive no político, com a

eleição de Luiza Erundina127 para a prefeitura de São Paulo. Desta forma, a gênese das ações

foram todas contaminadas umas pelas outras, não havendo de fato um purismo nas propostas,

nem mesmo uma metodologia concreta de ação que fosse plena em abrangência.

Elemento importante a destacar-se também é o fato de que há indicações sobre um

movimento dentro da própria Igreja Metodista128 abordando as temáticas do cuidado com o

próximo e de um compromisso de fé com a sociedade e com os excluídos, coligando-se estas

expressões com o que havia na Faculdade de Teologia, perpassando pelas Igrejas e chegando

aos congregados. É neste momento que os membros da Igreja passam a se abrir para ações

concretas junto aos excluídos129, segundo o que narra um sujeito: Uma vez por semana faziam

sopa debaixo do viaduto do Glicério; eles colhiam restos da feira e faziam sopa, foi assim que

tive meu primeiro contato com esta realidade e foi uma experiência muito forte. (fonte:

pesquisa de campo)

Na sequência do reconhecimento da experiência religiosa e do impacto com a realidade

ao tempo da criação da CMPR, outro sujeito narra a sua decisão em participar do projeto de

uma maneira que expõe uma ruptura na sua compreensão de vida e estabelece para si um novo

paradigma, expressado nos seguintes termos: Eu trabalhava numa empresa de transportes em

SB do Campo. Inicialmente fui conhecer a �rua�, mais precisamente os baixos do viaduto do

Glicério. Este primeiro contato foi inesquecível, outros aconteceram após muita oração e

reflexão, aceitei o desafio de trocar o conforto de uma sala de diretoria pelos baixos de um

viaduto semi abandonado na capital.

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142

Percebe-se que a experiência religiosa, nos primórdios, tem um valor significativo no

ingresso da equipe de ação, e este caráter experiencial religioso, tem notada prevalência sobre a

tecnicidade.

Diante das reações dos sujeitos aponta-se que os primórdios da Comunidade Metodista

do Povo de Rua - CMPR - tinha consolidado fundamento teórico, nascido na Faculdade de

Teologia130, pois havia um discurso em torno da atenção aos excluídos e um apelo de resposta

espiritual ao envolvimento e compromisso com os pobres. Ou seja, a visão motivadora era mais

próxima dos impulsos nascidos das experiências religiosas entre o templo e o cotidiano, sendo

que a doação das pessoas envolvidas partia desta gênese.

O histórico profissional terá mais validade nos tempos subsequentes, pois o tônus de

espiritualidade propulsora tende a se conter mais dentro dos limites da intencionalidade do que

de fato do profissionalismo. Com esta transição, de um lado se perde o ímpeto da experiência

religiosa, com risco de atuação de menor especificidade; do outro, com o acréscimo do

profissionalismo, chega-se a uma maturidade nos termos da gestão e das relações institucionais,

mas perde-se no vigor propulsivo da experiência religiosa.

Dentre o grupo de sujeitos pesquisados encontram-se quatro que fazem parte dos recém

chegados à Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR - e se inserem no período entre

2005 a 2009. No quesito que se interpela sobre a forma de acesso, todos declararam que a

escolha foi estritamente pelo critério da relação entre a formação e o cargo a ser ocupado no

Projeto.

Este indicador sinaliza o encaminhamento para a profissionalização da CMPR e o

surgimento de novos atores no cenário que agora têm a supervisão do Projeto, no qual se

descreve inicialmente como pré-requisito a formação pastoral, a educação teológica e a

proeminência; agora, o requisito passa pelo critério da competência administrativa.

Destarte, percebe-se que a ação reflexiva da Comunidade Metodista junto à população

de rua carrega na trajetória de sua caminhada um percurso que começa na inspiração religiosa

vocacional, tendo o episcopado da Igreja e todo o cenário eclesial como suporte, para chegar à

institucionalização mediante indicação pastoral através da interação de um pastor local. Esta

disjunção se evidencia no confronto de resposta de dois sujeitos, que independentemente de

conhecerem a expressão de um e de outro, apontam esta curva que certamente compromete a

ação reflexiva.

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143

O sujeito (1), conforme exposto, indica que para fins eclesiais e administrativos, junto à

Prefeitura Municipal o projeto estaria vinculado a AMAS131 da Catedral Metodista de São

Paulo, pessoa jurídica competente para suportar o trânsito de documentação com o poder

público, entretanto, o espectro da abrangência do Projeto no seu âmbito interno tem repercussão

no colégio episcopal132 e é reconhecido como um projeto que representa ideologicamente e ação

da Igreja Metodista na Cidade de São Paulo, como segue: A Casa de Convivência da

Comunidade Metodista do Povo de Rua fica na área central da cidade, estabelecida no Viaduto

Pedroso, pertencendo à Surbs-Sé/Lapa, pois, assim como a AMAS, tem de pertencer a essa

região central. Se, por exemplo, o espaço geográfico da comunidade ficasse na região sul da

cidade, como Santo Amaro, teria que fazer convênio com a Surbs-Santo Amaro, isso em razão

da Prefeitura dividir-se em várias Surbs, distribuindo-as nas regiões sul, norte, leste, oeste e

central da cidade. Todo o processo que originou a elaboração do �pré-projeto� transcorreu até

o final de 1991, recebendo todo apoio institucional através dos bispos Nelson Luiz Campos

Leite e Geoval Jacinto da Silva. Através de reuniões realizadas, ficou decidido que o projeto

teria apoio não somente de uma igreja local, como a Metodista central, mas também de outras

da Região. Teria apoio também da Divisão de Mulheres da Junta de Ministérios Globais e de

Pessoas em Missão (ambos da Igreja Metodista Unida dos EUA.); ficou também decidido que

seria conveniado com a Prefeitura do Município de São Paulo.

A tramitação do projeto levou cerca de 8 meses para ser efetivado. Um vez pronto o

�pré- projeto� da Casa de Convivência, foi este apresentado em reunião da Secretaria de Ação

Social da Igreja Metodista, em 28 de setembro de 1991. Foi enviada posteriormente à Secretaria

Municipal da Família e do Bem-Estar Social � Fabes, da P.M.P.S., uma carta por meio da qual

consultamos da possibilidade de se assinar um Protocolo de Intenções, enquanto se decidia, no

âmbito eclesiástico, sob qual de nossas entidades de Ação Social (AMAS) o convênio seria

celebrado. Como a AMAS Central era a única na região do circuito pertencente à Surbs-

Sé/Lapa com a possibilidade de fazer a parceria com a Prefeitura, ela dispôs-se a assinar o

convênio como pessoa jurídica e a registrar os funcionários, como empregadora, pois a

importância das Ongs está no aspecto de se colocar a disposição como entidade civil para o

trabalho com parceria. A administração da casa de convivência seria feita por sua diretoria

própria, sob supervisão da Prefeitura e da Igreja Metodista da Terceira Região Eclesiástica.

O sujeito (2) apontando acerca do mesmo quesito que diz respeito ao aspecto formativo

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144

e a capacitação para reflexão crítica e a propositura de ações reflexivas, demonstra um

distanciamento do Projeto inicial no que diz respeito à força nascente do Projeto como uma

significativa ferramenta de intervenção pastoral da Igreja, mas que agora o critério de escolha se

distancia do colegiado episcopal e responde diretamente à A.M.A.S. da Catedral Metodista de

São Paulo, que inicialmente era instrumento de diálogo com o poder público e agora assume de

per si a dimensão maior de gerir e intervir na Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Recebi um convite do Pastor [........] da Catedral Metodista e do Conselho Diretor da

AMAS (órgão responsável pela Comunidade Metodista do Povo de Rua) e como cristão

fui para a oração buscando direção da parte de Deus e após confirmação de Deus (...)

Na pesquisa, procurou-se perceber as práticas desenvolvidas pelos agentes nas suas

diferentes dimensões de intervenções, a fim de perscrutar em que aspectos as ações internas e os

programas realizados na Comunidade Metodista do Povo de Rua possibilitam aos atendidos a

capacidade de construírem a sua própria liberdade e a assunção à autonomia e à condução de

sua própria história como seres humanos cobertos de dignidade e conscientes de sua

responsabilidade com a sociedade urbana.

Ao responder este quesito, os sujeitos ofereceram respostas sucintas, sem detalhar

efetivamente o objetivo daquela atividade dentro do espectro do projeto e, em que sentido

aquela intervenção produziria algum resultado a caminho da libertação, tais como:

- Estudos bíblicos em grupos;

- Distribuição de Bíblias;

- Entrega de guias devocionais;

- Entrega de folhetos;

- Palestras;

- Atividades culturais;

- Passeios;

- Atividades esportivas;

- Celebração de dias especiais;

- Atividades socioeducativas e atividades criativas;

- Rodas de conversas � troca de experiências;

- Celebrações com cânticos;

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145

- Celebrações em dias religiosos especiais: Semana Santa, por exemplo;

- Formação de grupos de discussão sobre o tema da cidadania e mobilização da

população em busca dos seus direitos de à voz e à vez;

- Organização de grupos de discussão para elaboração da Lei nº 12.316/97 � Lei da

Atenção à População Moradora de Rua (7 anos de luta pela aprovação);

- Mobilização para 1ª Marcha Nacional da População de Rua à Brasília (2001);

- Reflexões abordando várias áreas: Bíblica, Política, Saúde, Meio-ambiente, Cidadania

e Lazer;

- Projeção de filmes;

- Grupos de idosos para abordar temas próprios desta condição;

- Reunião com grupo de mulheres com o objetivo de sensibilizá-las à emancipação,

abordando temas como cidadania, direitos humanos e resgate da autoestima;

- Palestras sobre qualidade de vida.

(Fonte: pesquisa de campo)

A comunidade Metodista do Povo de Rua para cumprir este elenco de atividades conta

com uma equipe com o seguinte formato: gerente financeiro, assistentes sociais, psicólogos,

educadores e monitores.

O plano de ação tem três áreas:

- Área Pedagógica � visa o desenvolvimento da criatividade e a reflexão sobre a

experiência vivenciada.

- Área de Serviço Social - faz a triagem do usuário, identifica as suas demandas e faz os

encaminhamentos necessários para o seu atendimento.

- Área Pastoral � presta atendimento e orientação às pessoas preocupadas, sofridas e

desejosas de uma palavra de apoio, ânimo e esperança. Visa recuperar a autoestima,

resgate da cidadania e das relações éticas com o próximo.

Diante deste programa extenso e multiforme de ações abriu-se um espaço para que os

sujeitos se manifestassem sobre em que momento nesta junção com os indivíduos chegados à

CMPR eles mais se identificavam:

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146

Quais as atividades desenvolvidas na CMPR que mais chamam a sua atenção � Você

pode justificar?

Sujeito 1: O estudo bíblico, pois tenho visto o poder de Deus em vidas que tem se

recuperado das drogas, álcool, arrumado emprego e saem para uma condição melhor.

Sujeito 2: Ouvir as experiências de vida de cada usuário pois o histórico deles é muito

rico.

Sujeito 3: O curso de informática e o estudo bíblico por que ajuda o usuário a pensar

mais na vida.

Sujeito 4: Os grupos de qualidade de vida me identificam bastante, pois é onde os

moradores podem falar de suas angústias em relação à dependência química. Neste

último houve doze internações de procura espontânea para encaminhamentos ao caps e

ao cratod (?)

Sujeito 5: Identifico-me muito com o Grupo de Mulheres, pois trocamos histórias de

vida,aprendo muito com elas. Há muita troca de saberes.

Sujeito 6: Os cultos e as atividades no centro de serviços.

Sujeito 7: No âmbito da pastoral sem dúvida nenhuma, as Celebrações são momentos

muito importantes para mobilizar as pessoas. (...)

Sujeito 8: Ele reproduz na sua resposta o que ouviu de um usuário: - banho e comida a

gente tem em muitos lugares mas aqui na comunidade a gente tem muito mais � amor,

respeito e tem deus. É um refúgio.

Dois outros sujeitos não responderam a este quesito, mas com os elementos fornecidos

tanto pelos usuários, bem como pelos sujeitos, há uma tendência de selecionar as Celebrações

religiosas como o expoente da experiência da CMPR.

Esta tendência nos aponta em três direções, a saber:

1. O compromisso dos sujeitos com a origem e o plano pastoral que alimenta o

histórico e a formação da CMPR, então, por óbvio, eles valorizarão a realização dos

cultos religiosos como pontos altos para sua vida e a vida dos usuários.

2. Por outro lado, pode-se colher que dois sujeitos, efetivamente os mais novos

colaboradores na casa destoam do tema introduzindo a questão das aulas de

informática e o outro a �roda de mulheres�. Esta percepção diferencia-se

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147

suavemente dos demais por que eles sendo mais novos no sistema de atendimento

da CMPR, conseguem se aperceber com maior isenção o que de fato mobiliza os

usuários e aquilo que de fato lhes faz bem, a saber: a inclusão digital e o diálogo

temático no pequeno círculo.

3. A terceira percepção está identificada por outro sujeito, também pertencente ao

segmento dos mais novos, que indica de forma numérica, sem adjetivações, que viu

um resultado concreto no fato de em doze meses, doze usuários dependentes

químicos solicitarem de forma espontânea o atendimento especializado. Não se

pode excluir a influência do aspecto religioso nestes dados, entretanto, o que se tem

nesta informação é mais do que colher sentimentos religiosos dos usuários, mas sim

colocar em dados estatísticos as atitudes concretas tomadas pelos próprios usuários.

II. Os subsídios para análise

Os gráficos a seguir constituídos a partir dos questionários aplicados individualmente

permitem um olhar sobre questões mais específicas na vivência da CMPR, especialmente por

que permitem agrupar elementos e dados que ficam dispersos e ocultos no cotidiano das

atividades da Comunidade.

Em primeiro, ressalta-se as faixas etárias dos sujeitos, o que nos permite considerar a

consistência dos dados levantados e a lógica com que cada um expõe a sua perspectiva quando

diante de cada quesito da pesquisa.

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 24

20 - 30 anos30%

31 - 40 anos20%

Acima de 41 anos50%

Faixa etária dos entrevistados

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148

Em segundo, destacam-se nos gráficos a formação dos sujeitos pesquisados e as

respectivas áreas de formação acadêmica, das quais se observa uma forte tendência a área de

Serviço Social e a demarcação de formação teológica com pouca expressão.

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 25

Em terceiro, se dá atenção à carga horária dos sujeitos e a pesquisa demonstra que a

CMPR exige de seus colaboradores dedicação praticamente exclusiva, e pela demanda nos

finais de semana, há aqueles que concorrem a escalas de serviços. Ficou claro, na aplicação da

pesquisa, que as horas ali indicadas correspondem ao que está contratado, mas em função da

demanda, há horários extras, excedentes, que são atendidos pelo engajamento dos sujeitos aos

programas da CMPR.

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 26

Superior (graduação)

90%

Fundamental10%

Formação dos entrevistados

Integral (40horas)

50%

Turno 12/2410%

Não revelou10%

Integral com escalas FS

30%

Carga horária

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149

Em quarto, aponta-se a forma de acesso dos entrevistados a Comunidade. Este dado

indica que a constituição do corpo de servidores obedece ao regime menos seletivo em se

tratando de um programa diferenciado e de especificidades peculiares. A figura do sujeito

convidado tem prevalência sobre aquele/a cuja habilitação é comprovada e atende aos

objetivos da Comunidade. Este processo de ingresso aponta também que a operacionalidade dos

sujeitos dentro dos programas e projetos internos da Comunidade ficará subordinada às

aspirações e vocação pessoais, ao gosto dos sujeitos, ao seu interesse e comoção diante da

fragilidade humana, mas não necessariamente a um programa pré-estabelecido, justificado

numa ementa e avaliado posteriormente. Desta forma, abre-se espaço para serviços em nível de

voluntariado, que pelas suas características próprias constituirão atividades de curta duração,

nem sempre sistematizadas para um fim concreto.

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 27

E, por último, os sujeitos foram instigados a oferecer uma opinião, um entendimento,

acerca da expressão - ação pastoral - tendo em vista que a Comunidade está vinculada ao

ideário de pastoral urbana da Igreja Metodista como um todo, através da AMAS da Catedral

Metodista de São Paulo.

A reação a este quesito cindiu ao meio, praticamente, polarizando as compreensões em

duas esferas, a saber: (1) se refere à prática do pastor ou pastora; (2) se refere ao atendimento,

em sentido geral, às pessoas.

Convite50%Processo

seletivo20%

Interesse pelos pobres10%

Indicação de Funcionário

10%

Currículo enviado

10%

Forma de acesso a CMPR

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150

(Elaborado pelo autor, 2009) - Gráfico 28

A partir das percepções que os gráficos oferecem, se trará para análise, em perspectiva: a

temática da inserção dos excluídos como objeto de ação da Comunidade (Aldaíza Sposati); a

temática da práxis que diz respeito a todo o projeto proposto pela Comunidade na pretensão de

propor transformação e requalificação humana (Adolfo Sanchez Vázquez); e a pastoral como

uma proposta que supera as dimensões repetitivas da tradição eclesiástica (Casiano Floristán).

III. Inclusão/Exclusão social

A CMPR tem como foco de sua intervenção social pessoas marcadas pelo desabrigo

como referência de sua condição como morador urbano. Essa pessoa não se localiza

geograficamente, nem socialmente, nem juridicamente no tecido urbano porque não se fixa em

local arquitetado que constitua para si abrigo ou referência, ou espaço conquistado que lhe

permita a partir dalí construir sua dignidade e evoluir em sua expressão social, quer como ser

humano, quer como um agente construtor da sua própria realidade e história.

Aldaíza Sposati aponta que a figura do excluído social tem sua ascensão no século XX a

partir de três fatores principais, a saber:

a) O desemprego com a deteriorização da figura da fábrica. A instalação do novo

modelo produtivo;

b) O fim da garantia de emprego perpétuo mediante a mudança da legislação do

Prática do pastor e da

pastora40%Atendimento

às pessoas40%

Construção do reino de Deus

20%

O entendimento da expressão"ação pastoral"

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151

trabalho. A retração do Estado em dar proteção ao trabalhador;

c) A luta pelo reconhecimento do apartado. Na medida em que a luta se instala, mais

apartados são identificados. Ou seja, há mais minorias sociais que se imaginam que

existam.

Assim se expressa:

O conjunto dessas situações caracteriza o novo apartheid social para além do racial. A

vivência do interdito no plano social � sem que tenha ocorrido uma transgressão ou ofensa à

norma ou à lei � denuncia uma ação perversa que constrói muros sociais que tornam os

acessos instransponíveis: - Eis a exclusão social. Ela flagra a externalidade de uma ação

cerceadora � restrita da liberdade - desigual para cada um indivíduo, um cidadão, um

segmento da população. Neste sentido a exclusão social é a demonstração da incivilidade de

uma sociedade ou de um indivíduo133.

Numa visão pragmática, para reagir a uma das forças propulsoras da exclusão,

sabidamente a primeira, que consiste no novo modelo de presença do ser humano na sociedade

no desmonte das fábricas, articulou-se que o oferecimento de emprego, de trabalho aos

excluídos, principalmente com carteira assinada, os tirariam desta categoria.

Essa construção pragmática teve a sua funcionalidade na medida em que se valorizava o

vínculo empregatício como fator de inclusão, sem se dar conta de que, na verdade, os efeitos da

exclusão embutidas nesta perspectiva se demonstrariam nas gerações seguintes, pois o mero

vínculo empregatício não ofereceria condições ao cidadão, necessariamente, de permitir à sua

prole melhores condições de vida, saúde, educação e lazer.

Uma vez exaurida esta dimensão da inclusão, recorreu-se à Lei de Exclusão Social da

França (1985) que propôs, dentre outras medidas, o denominado RMI, ou seja, o rendimento

mínimo de inserção aos excluídos pela crise econômica.

Esta nova perspectiva introduziu uma nova cultura de verificação da relação

inclusão/exclusão, mediante a aferição da qualidade de vida humana, e como esta orienta os

processos de desenvolvimento, assim desde 1990 se estabeleceu o IDH � Índice de

Desenvolvimento Humano134.

Ainda que tenha se evoluído na questão da percepção do fenômeno da relação

inclusão/exclusão a partir do pragmatismo do trabalho vinculado com os frutos consequentes da

legislação que cobre os direitos do assalariado, mas não garante a inclusão social de sua prole, e

que se tenha partido para aferições mais complexas de âmbito mundial, consideram o IDH.

Surgem duas novas vertentes que complexibilizam a luta pelos direitos humanos e as iniciativas

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152

de inclusão, que, segundo Aldaíza Sposati, são elas: (a) a vertente da desigualdade; (b) a

vertente da civilidade.

A primeira é oriunda da lógica do capital que produz uma centena de indivíduos

inadaptados ao consumo, que inclui acesso a serviços de bem-estar, que pela natureza do

mercado passam a ter grifes e a estratificar a ordem social, permitindo acesso pleno a uns,

relativo a outros, e nenhum à uma maioria.

A segunda sugere a ascensão do estigma da discriminação de diferentes expressões,

oportunizando inclusões restritas, criação de guetos, formação de culturas de grupos

específicos, às vezes sem trânsito nem qualquer inter-relação de trocas sociais.

Acrescenta-se a esta perspectiva o fato de que as lógicas do capital construirão barreiras

contra qualquer traço de solidariedade humana, construindo nesta negação, a máscara da ajuda

emergencial aos não inseridos a partir dos países ricos em relação aos pobres, e das políticas

públicas de inclusão, que serão ferramentas do estado, para mapear, identificar, caracterizar

grupos, de tal forma que a assistência a eles obedeça à políticas que, pela sua natureza de

assistencialismo, mais excluem do que incluem.

Acobertados pela categoria da cidadania elaboram um modelo de inclusão/exclusão que

não considera o binômio ético-político como eixo das ações dentro de um escopo de justiça

social e direitos humanos, mas uma justiça social anômala que descarta a iniciativa solidária, a

fundação da igualdade como substrato ético da ação e a equidade como horizonte utópico

social.

Incluir é mais que integrar. O esforço da integração é uma ação menos complexa e de

pouca duração. A inclusão, por outro lado, é vista sob parâmetro mais complexo porque abarca

as ideias e ideais de participação política, de acesso à cultura e ao conhecimento, de usufruto do

meio-ambiente de forma inteligente e preservadora, de diálogo entre gêneros, de acesso aos

mecanismos de justiça, de formação de identidade e cidadania, de preservação dos direitos

inalienáveis do ser, entre outros, sendo isto expressado de forma concreta no cenário urbano.

As lentes oferecidas por Aldaíza Sposati nos indicam que as causas conhecidas e

desconhecidas que desembocam na formação deste �excedente humano urbano�, são produto de

uma cadeia de eventos que se procurou conter a partir de determinados modelos que logo

caducaram, diante da complexidade e avalanche do processo, que não se desenvolveu em um

único lugar e de maneira abrupta, mas foi crescendo de forma imperceptível, e revertê-lo hoje

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153

demanda esforços em várias direções, uma vez que as vítimas da exclusão são crias de

diferentes causas, mas com um resultado perverso, a saber, o desnudar do ser humano daquilo

que lhe é mais caro, a sua vida enquanto ser histórico.

Coloca-se em análise transversa sob estas lentes e a constituição da CMPR, e aponta-se

que a estruturação dos sujeitos ali responsabilizados para atender à demanda em sua

complexidade, não dá conta de desenvolver uma proposta de Inclusão Social, quando muito de

integração à sociedade, ainda que de maneira precária.

À CMPR, neste contexto, caberia propor-se uma reestruturação dos sujeitos e programas

desenvolvidos e buscar para si uma outra presença política, mais que meramente a tarefa

assistencialista.

IV. Transformação e manutenção � a dimensão da Práxis

Vásquez135 propondo uma definição de práxis sugere que toda a práxis é atividade, mas

nem toda a atividade é práxis.

A prática que pode não ser práxis é aquela em cuja ação o sujeito em relação ao objeto

não empreende uma reflexão, mas os atos são meramente repetitivos e justapostos. E sua

dimensão e alcance de transformação não têm reflexos abrangentes nem produz uma nova

cultura ou forma de fazer.

A práxis, por assim dizer, procurará articular uma antecipação do futuro, buscando um

resultado novo, de forma intencional, que dessa forma desarticula a prática repetitiva, por que

partirá sempre da tomada de consciência dos sujeitos nela envolvidos. Por esta razão, não há

práxis sem conhecimento e tomada de consciência, e sem eles não há movimentos nem a

retomada de novas forças e formas.

Vázquez sugere que existem tipos diferentes de práxis, a saber:

a) Práxis produtiva

b) Práxis artística

c) Práxis experimental

d) Práxis política

Na primeira, aponta-se o ser humano como sujeito em que ele valendo-se de sua

habilidade e da matéria prima disponível no mundo, faz com que elementos sejam adequados a

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154

sua existência e úteis ao bem estar de sua própria vida. Neste sentido, é o homem participando

de sua existência no mundo e do mundo extraindo aquilo que lhe faz bem. É a criação de um

mundo humanizado pelo próprio homem. Para isto, ele cria instrumentos, desenvolve sistemas e

usufrui o que está posto para construir dentro do mundo o seu mundo, conforme a sua

imaginação e percepções da vida. Ele trabalha para ele e para os outros e se firma como ser nos

limites da sua corporeidade, sempre indo ao encontro da vida: �Graças aos instrumentos, a

relação entre o ser humano e a natureza deixa de ser direta e imediata. O aparecimento de

instrumentos mais aperfeiçoados modifica a relação do homem com a natureza, e neste sentido

é um indicador revelador do desenvolvimento de sua força de trabalho e de seu domínio sobre

a natureza.� (VÁZQUEZ, 2007, p. 227).

Na segunda, a práxis artística, o sujeito desenvolve as obras de tal forma que ele possa

por este intermédio comunicar-se e ser entendido. É quando o sujeito estabelece linhas de

diálogo com o seu semelhante, participando de um mundo de contribuições múltiplas,

facilitando e humanizando os espaços naquilo que é essencial ao homem. A matéria é, neste

caso, a massa a ser moldada pelo homem para tornar-se aquilo que ele quer e que idealizou.

�Como toda a verdadeira práxis humana, a arte se situa na esfera da ação, da transformação

de uma matéria que deve ceder sua forma para adotar outra nova: A exigida pela necessidade

humana que o objeto criado ou produzido deve satisfazer.� (VÁZQUEZ, 2007. 229).

A terceira é aquela voltada para a expansão do conhecimento em que os sujeitos se

ocupam em testar suas hipóteses na análise de fenômenos e na produção também de fenômenos

em espaços, tais como laboratórios. O que se destaca nesta altura é o fato de que a práxis está

sempre aberta ao novo e a produzir conhecimento no campo não só prático, mas também

experimental: �Nesse tipo de práxis o fim imediato é o teórico. Leva-se a cabo o experimento

para provar uma teoria ou determinados aspectos dela. O experimento é feito atendendo a

certas exigências com o fim de facilitar seu desenvolvimento.� (VÁZQUEZ, 2007, p. 230).

A quarta é a práxis política em que os sujeitos se aplicam a mudar as relações

econômicas, políticas e sociais. Neste patamar o indivíduo não é o foco da práxis tão somente,

mas sim os grupos ou as classes sociais da sociedade como um todo. Em se tratando de

existirem classes operando de forma antagônica, significa que a práxis terá diante de si a luta de

classe com o objetivo de tomar o poder e propôr uma nova reestruturação social que atenda a

fins correspondentes deste grupo social: �A práxis política pressupõe a participação de amplos

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155

setores da sociedade. Persegue determinados fins que correspondem aos interesses radicais

das classes sociais, em situações concretas inscritas na realidade.� (VÁZQUEZ, 2007, p. 231)

Leandro Konder indica que a práxis não se limita à mera ação prática, muito embora na

língua alemã práxis e prática tenham significados semelhantes. E acrescenta que a práxis exige

do sujeito uma interpretação, todavia, não se limita a ela. Por esta razão, segundo o autor, o

trabalho em si é uma atividade que pode se superar. A práxis é trabalho e nasce dele, mas vai

além dele afirmando novas possibilidades e afirma:

O que realmente importa para nós, no desenvolvimento de nosso tema, é assinalar o fato de que a práxis, na concepção de Marx, não se limitou a unir a teoria e a poésis, pois envolvia necessariamente a atividade política do cidadão, sua participação nos debates, e nas

deliberações da comunidade, suas atitudes com relação a outros cidadãos, a ação moral, intersubjetiva. Envolvia, em suma, aquilo que os gregos chamavam de práxis

136.

Groome nos oferece como educador um viés de percepção da práxis denominada

compartilhada, na qual ele se aplicou em experiências em classe com alunos de diferentes níveis

de formação. Neste trabalho o autor sugere ao aluno num tempo relativamente curto, que o

mesmo separe uma experiência do cotidiano, reflita sobre ela, leia-a sob a ótica de seus valores

cristãos, assimile-a e depois tome uma decisão em torno de sua reflexão.

O autor para isto sugere dois aspectos fundamentais no exercício da práxis

compartilhada no âmbito educacional, a saber: O que ele denomina de meio emocional;

segundo, meio físico.

Destes dois eixos ele retira as seguintes aplicações: Para que a práxis compartilhada

caminhe no seu curso sadio, faz-se necessários que os membros do grupo desenvolvam alta

qualidade de confiança entre si. Segundo, que o ambiente deve ser classificado como um espaço

confortável em todos os aspectos, inclusive no número de pessoas que ele sugere, no máximo de

12 componentes em cada grupo.

Os indicadores de Groome137 são substanciais em processos de transformação em que

grupos de pessoas forjam seu próprio caminho, a partir de reflexões acerca do cotidiano, e se

desenvolvem a partir destas ações concretas de mudanças sejam políticas, educacionais,

econômicas e sociais. (GROOME, 1985, p. 334-335).

Vaz138 situa a práxis no centro da ocupação do que ele chama a civilização da Razão,

que encontra obstáculos intransponíveis na indeterminação humana enquanto vigora a sua

experiência de agir livremente. Sendo assim o ser humano, como formular uma Razão da

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156

práxis, sendo que a própria práxis pode esbarrar nos seus caminhos racionais indefinidos? Esta

Razão indeterminada é um grande obstáculo à práxis na medida em que o ser humano livre

pode criar diferentes e múltiplos caminhos (pedagógicos, científicos, técnicos, políticos) e

estabelecer a partir da práxis um projeto de mundo que nunca venha a se concretizar, ainda que

marcado pelo exercício da Razão. Ainda que este conflito entre o ethos vivido e o ethos pensado

seja uma realidade recorrente da civilização da Razão, este é o desígnio histórico do homem na

perspectiva da práxis frente a contingência do seu mundo. (VAZ, 2004, p. 83).

Elisabeth Schüssler Fiorenza139 em seu texto apresentado no livro �Paulo e o Império �

Religião e Poder na Sociedade Imperial Romana� aborda a práxis nas relações humanas a partir

do texto de Gálatas, passando por Tessalonicenses e Efésios, denominando-a de práxis do

discipulado coigual como uma chave de leitura proposta por Paulo no período do Império

Romano, mas que tem seu alcance na cultura das relações humanas contemporâneas como

forma de romper com todas as construções de exclusão, sejam estas inspiradas em quaisquer

pressupostos sociais, políticos, religiosos, de gênero, e outros, como afirma: �A práxis do

discipulado co-igual140

entre escravos, e senhores, homens e mulheres, judeus e gregos,

romanos e bárbaros, ricos e pobres, jovens e velhos levou a comunidade cristã a entrar na

tensão com seu ambiente sociopolítico. Essa tensão, engendrada pela visão cristã alternativa

de Gálatas 3.28, e não por excessos entusiásticos, tornou-se o motivo para introdução de uma

nova ordem patriarcal Greco-romana na Igreja doméstica�. (FIORENZA, 2004, p.237).

Tal compreensão e abrangência da fronteira aberta pela análise textual de Fiorenza

aponta caminhos para uma práxis alternativa a ser agregada na experiência da Comunidade

Metodista do Povo de Rua � CMPR.

Balbinot141 resgata em dois educadores brasileiros o conceito de práxis na dimensão

pedagógica. Faz sua crítica à relação educador-educando como não sendo mais uma interação

vertical e unilateral, mas afirma que é um caminho de duas vias em que se estabelece

necessariamente a relação de reciprocidade. Estabelecida tal relação, entra-se no círculo da

possibilidade de uma práxis dialógica que será eminentemente formativa na medida em que

acontecendo esta relação de forma plena há consistência para construção do conhecimento.. Ele

delimita desta forma: �O diálogo como práxis somente é quando está sendo com o estar sendo

do ser humano e do mundo. Ele assume um caráter dialético, onde não pode ser sem estar

sendo. É impossível, a partir desta ótica, buscar pela ação educativa o ser mais sem agir no

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157

mundo, sem relacionar o se diz com a situação concreta existencial do que está sendo dito, com

o sujeito que pronuncia e com o sujeito que reconhece a pronuncia� (BALBINOT, 2006, p.

149).

Nesta perspectiva da práxis pedagógica dialógica apontada por Balbinot há que se

reconhecer elemento de contribuição como ferramenta na construção de relações humanas

transformadoras, sendo possível sua aplicação na Comunidade Metodista do Povo de Rua �

CMPR, considerando-se que a bagagem existencial e a realidade, a concretude da experiência

humana que ali se congela nos beneficiários/as da CMPR constitui-se num solo fértil e sólido,

capaz de, pelo diálogo pedagógico e pela troca, se construir uma nova possibilidade, na medida

em que os que ali acessam, tem diante de si, paradoxalmente, todas e nenhuma possibilidade

plausível à vista, desta forma apresentou-se um panorama da práxis considerando os

pensamentos de Leandro Konder, Thomas Groome, Henrique Vaz de Lima, Elizabeth Fiorenza,

Rodinei Balbinot. Há uma harmonia na concepção dos autores uma vez que todos convergem

para a conceituação de que a práxis é um processo de transformação à partir de sucessivas

reflexões.

A percepção da Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR, a partir das então

categorias inscritas por Vázquez - já citado anteriormente -, no que dizem respeito ao homem

tornar-se sujeito na sua realidade concreta e modificá-la a partir do trabalho; a promoção de

obras de arte desenvolvidas como resultado da sua mente criativa diante das realidades

concretas; e, a busca do conhecimento para análise de fenômenos e elaboração de novas teorias,

somada a perspectiva de que os homens como grupo podem promover reestruturação social,

aponta-se de fato um caminho novo, quem sabe, à população em situação de rua.

Os gráficos nos apontam sujeitos com dedicação exclusiva, constituídos de boa

formação acadêmica, mas que servem à população de rua partindo de pressupostos construídos

em lógicas eclesiásticas ou acadêmicas no campo das ciências sociais e da teologia, com forte

vigor da prática religiosa protestante, mas que nos olhares para estes sujeitos urbanos, os

encontram já em nichos pré-estabelecidos e constroem esquemas de proteção e atendimento a

ales norteados por suas competências, formação, ideologias, capacidade financeiras, mas de

fato, têm uma leitura da realidade prejudicada, pois o grupo ou classe não é incentivada a ela

mesma se operacionalizar na busca de uma nova ordem social em que eles se inserirão, na

perspectiva de categoria de Aldaíza Sposati.

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158

Por outro lado, cabe observar-se que a CMPR tem a possibilidade de desfazer o

equívoco de que as pessoas em situação de rua querem deixar a sua condição. O olhar, a vida e

a ordem social da perspectiva das pessoas em situação de rua poderá constituir-se num

empreendimento de gestão de ideias e ações transformadoras a partir desses agentes, na

elaboração de uma nova práxis social, não totalitária, não ideológica, nem subordinada às

políticas do estado, mas nova, com novos instrumentais e novos horizontes onde estas pessoas

sejam agentes de sua própria história, não como indivíduo, mas como classe urbana moderna.

V. A ação pastoral

Na pesquisa de campo introduziu-se a temática da �ação pastoral� para provocar

respostas particulares e espontâneas, visando perscrutar a compreensão dos que atuam na

Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR, quanto a sua ideologização e formação a

partir dos pressupostos da Igreja mantedora, a Metodista, de forma a se construir uma ideia se

aqueles/a sujeitos do braço operacional da Comunidade sabem distinguir a entre a relação

teórica e a prática sobre o conceito de pastoral, uma vez que a Comunidade Metodista do Povo

de Rua não é uma Igreja, na sua constituição, mas um braço da ação pastoral da Igreja.

As respostas dos sujeitos ao quesito nos remetem a compreensão que os agentes da

Comunidade Metodista do Povo de Rua - CMPR - não passam por processo de ideologização

por parte da Igreja para que sejam habilitados e capacitados a pensar na dimensão do seu

serviço segundo o que dispõe os documentos da Igreja. Ou seja, os documentos da Igreja

revelam uma proposta de pastoral, mas na prática, a compreensão de pastoral dos seus agentes

não passou por nenhuma reformulação nos últimos duzentos anos.

É possível perscrutar uma tensão entre os documentos da Igreja Metodista e sua ação

pastoral. Outra tensão entre o projeto de evangelização142 da Igreja Metodista e sua estratégia de

ação social: entre salvar o espírito e socorrer o corpo, se instala uma tensão pragmática de o que

vem primeiro. Nisto se revela o impasse da Igreja em sua ação pastoral, que se reflete de fato

nos que têm o compromisso de operacionalizá-la no dia a dia.

Casiano Floristán 143 nos remete ao começo do século XX quando o protestante F.

Schleiermacher144 distingui a disciplina de teologia prática em duas vertentes, a saber: do

governo da igreja e do serviço da igreja.

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159

A partir desta distinção, focaliza a questão da ação da igreja em seu contexto histórico,

bem como a sua expressão nele de tal forma a demonstrar o amor de Deus, mas dentro do seu

hoje, do seu cotidiano, e afirma: �a ação da igreja não se reduz ao ministério eclesiástico ou

sacerdotal (...) e cita V Schurr que sinaliza a ação da igreja como uma presença em três

dimensões: doutrinal, sacerdotal e pastoral, sendo que as funções pastorais se destacam pela:

homilética, a catequese, a liturgia, o serviço cristão ao mundo� (FLORISTÁN, 2002, p.208).

Considerando-se a ação pastoral da Igreja dentro do seu cotidiano, a partir de uma leitura

do que corresponde ser igreja naquele específico contexto, tem-se composta uma complexidade

por si só. Complexidade esta que precisa ser abordada mediante uma identificação de sãs raízes

e noções, se é que se pretende desenvolver ações pastorais consistentes e apropriadas.

Por isto, se retoma a questão de que as respostas dadas pelos sujeitos agentes da pastoral

na CMPR, ainda que sejam adultos, com graduação em áreas específicas, não reproduzem

aquela compreensão do que de fato estão a fazer na Comunidade como pretensão de ação

pastoral da Igreja metodista por meio da AMAS, entretanto, refletem a compreensão básica de

que ação pastoral é a ação do pastor e da pastora.

Destarte, se remete a busca da compreensão da temática da ação pastoral a partir das

concepções católicas e protestantes em sua trajetória histórica, conforme aponta Floristán. Na

versão católica foram quatro etapas: Concepção pragmática, concepção não teológica;

concepção bíblica; e histórico-salvífica (FLORISTÁN, 2002, p102).

Segundo Schneider-Harpprecht145, a ação pastoral está assentada sobre o conceito de

missio dei146, no qual a ação de Deus, através da Igreja e do mundo, cuja missão é primária e as

missões são secundárias; derivando a segunda, no plural, da primeira no singular. A Igreja

recebe o destaque e o privilégio em virtude de sua vocação, se parceira da ação de Deus, mas

jamais exclusivamente. Não se pode separar Deus do mundo e quando se fala na sua ação, esta

se dá no mundo de forma criadora, salvadora, e restauradora. Portanto, a Igreja em missão não

pode existir sem olhar para o mundo com os olhos de Deus (SCHNEIDER-HARPPRECHT,

1998, p. 216).

Luiz Longuini147, afirma que a ação pastoral não é mais a atividade do pastor, e sim da

igreja, ou dito de outra forma, da comunidade, cujo novo horizonte passa a ser não mais a igreja

local, mas o Reino de Deus no mundo. Já a adesão de sujeitos as igrejas local e institucional

pela conversão, que resume a vida cristã aos aspectos sacramentais, sem levar em conta a

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160

prática social, é um grave risco para ação pastoral. E nesta perspectiva recorre-se a Orlando

Costas148 que afirma: �Pastoral é toda aquela ação que busca relacionar o evangelho ou a fé

cristã com situações concretas do viver diário, servindo de ponte para experiência

(internalização, incorporação, atualização) da fé na vida cotidiana. Sendo que a vida cotidiana

assume diversas formas, a pastoral será tão complicada como a própria vida (LONGUINI,

2002, p. 62).

Na vertente católica sucederam etapas de compreensão da teologia pastoral e

especificamente no que diz respeito a ação pastoral.

No primeiro momento havia uma demarcação bem clara dos cléricos a serviço dos

príncipes, ou seja, a igreja a serviço da coroa. Uma relação de submissão, na etapa pragmática.

Na segunda etapa a teologia pastoral aporta no conceito de que Cristo salvou o mundo e essa

seria a função da igreja, o anúncio, a proclamação. Na terceira concepção, sob a influência do

trabalho do protestante alemão Schleiermacher, que impressionando o católico A Graf (1841)

pelo desempenho dos protestantes e avanço na elaboração de uma teologia que fosse pratica,

�cunha o novo nome da teologia pastora, para teologia Prática, propondo que a ação pastoral

e apostólica da Igreja não seria mais exclusivamente do sacerdote como pastor, mas sim ações

eclesiais, na edificação do reino de Deus, nesta momento Graf dá o passo decisivo na

concepção científica, e teológica e eclesiástica da consciência científica da igreja que se auto-

edifica para o futuro (FLORISTÁN, 2002, p. 101-102). Na quarta concepção, a clerical, quando

há um desvio de rota, a conceituação de teologia pastoral para teologia prática não se consolida

plenamente e Berger (1861), elabora um manual sobre a administração correta do seu ofício

sacerdotal, apontando nele as receitas para a ação do pastor. E, nesta altura, o conceito de

teologia pastoral na sua dimensão científica denominada de Teologia Prática por Graf, sofre um

reducionismo maior e a igreja passa ser o centro e a essência da ação e vocação do pastor em

suas atividades.

O reducionismo exposto em 1861 de que a ação pastoral é o mesmo que a ação do pastor

e da pastora, conforme apontados pelos sujeitos pesquisados na CMPR, indica que a concepção

de pastoral em seus viés científico, interdisciplinar e ecumênico, ainda não chegou aos agentes

que são responsáveis pela execução da pastoral em nome da Igreja Metodista, que sustenta a

CMPR.

Esta constatação se consolida na Medida em que se reconhece a ausência de cursos de

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161

pastorais aos sujeitos interventores no cotidiano da CMPR, e, por outro lado, a prática dentro da

comunidade de programação tipicamente eclesiástica, como se o espaço utilizado pela CMPR,

por sua dimensão e natureza religiosa, deva se constituir com uma �igreja alternativa� a oferecer

a mensagem do Evangelho à população em situação de rua.

Apresentou-se neste capítulo a pesquisa de campo realizada junto aos sujeitos que

prestam e prestaram serviço na Comunidade Metodista do Povo e Rua � CMPR - cujo objetivo

foi conhecer a ação pastoral desenvolvida na CMPR a partir dos sujeitos que são seus agentes, e

não os beneficiários.

Para dar conta deste empreendimento, a leitura do resultado da pesquisa (ver anexo de

seu conteúdo), se observaram quatro eixos, a saber: ação criadora, ação reflexiva, ação

libertadora e ação radical.

Nesta perspectiva, tendo-se em mãos as respostas oferecidas pelos sujeitos, organizou-se

o conteúdo dentro dos eixos propostos em Casiano Floristán. Os dados coletados, portanto,

foram redistribuídos dentro das configurações propostas.

Abriu-se também a questão social e política vigente no contexto da criação da

Comunidade Metodista do Povo de Rua � CMPR, tendo em vista o contexto vivido na cidade

de São Paulo ao tempo da legislatura da prefeita Luiza Erundina que constituiu um corpo de

auxiliares, dentre eles a pesquisadora Aldaíza Sposati, com a finalidade de atender, a partir de

políticas públicas viáveis, a massa de excluídos em situação de alta vulnerabilidade, dentre eles

a população em situação de rua. E neste momento se faz menção ao papel e presença da

A.M.A.S. - Associação Metodista de Assistência Social -, como a organização que representa a

Igreja Metodista no diálogo aberto para novas políticas públicas focadas na população em

situação de rua.

A intenção de abrir gráficos para visualizar os sujeitos pesquisados se revela no

propósito de comprovar que todos eles são e foram plenamente engajados e têm qualidade para

reagir ao que se pretende na perspectiva de entender a ação pastoral desenvolvida pela CMPR.

A seguir, recorreu-se aos teóricos da práxis religiosa, que é o recorte que diz respeito à

pesquisa, partindo-se de Casiano Floristán, mas sem olvidar as contribuições relevantes de

outros teóricos tanto na perspectiva da Práxis Filosófica, como Vazqués e Vaz; quanto na práxis

pedagógica, como Groome.

Finalmente abriu-se a temática da ação pastoral com a interlocução de Casiano Floristán

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162

e outros pastoralistas, com o propósito de deixar claro que a dimensão de ação pastoral que se

aborda diz respeito a ação da comunidade, não dos indivíduos delegados da instituição religiosa.

Diante desta compreensão é que se abrirá o quinto e último capítulo que tratará da

temática Cidadania, com intuito de perceber se a ação pastoral da CMPR conduz os indivíduos

à cidadania ou sua atuação está mais voltada ao serviço de capelania e ao assistencialismo.

No capítulo V se abordará a questão da cidade e da cidadania na perspectiva da

Comunidade Metodista do Povo de Rua.

No primeiro momento se abordará a questão da cidade como o espaço em que se

desenvolve e manifesta a cidadania, e para esta abordagem se aponta duas visões antagônicas,

uma em que a cidade é vista como um lugar tenebroso, e a outra como um cenário propício para

construção de sinais de esperança.

Segue-se no propósito de construir de diferentes aspectos o conceito de cidadania, mas

levando-se em consideração três eixos:

1. Cidadania na perspectiva dos direitos civis;

2. Cidadania na perspectiva dos direitos sociais;

3. Cidadania na perspectiva dos direitos políticos.

Nesta percepção em diferentes espaços em que a cidadania transitou passa-se pela idade

média, modernidade líquida, e transita-se pela cidadania no Brasil, apontando que três foram as

dificuldades para sua instalação e concretização, a saber: o período da escravidão; o

coronelismo ainda vigente em estados do Brasil; e o regime militar de exceção, com o golpe

militar de 1664 e a posterior edição do Ato Institucional nº 5 que restringiu os direitos

democráticos dos cidadãos.

Apresenta-se um quadro sintético das compreensões diversas da cidadania e encaminha-

se uma reflexão acerca de uma pastoral que possa conduzir à cidadania.

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163

CAPÍTULO V

CIDADE E CIDADANIA. Reflexões e Caminhos para a Pastoral Cidadã.

Introdução

A elaboração da pesquisa que se apresenta no capítulo que segue, lida com a dificuldade

de reunir termos que demandam de citações e exposição de noções, sendo por isto trabalhoso ao

construtor e ao leitor, considerando-se que se optou por reunir num mesmo grupo, numa linha

histórica, as categorias cidade e cidadania, e nesta perspectiva aproximar-se da proposta da

Comunidade Metodista do Povo de Rua que tem como seu objetivo, conforme apontado no

capítulo segundo, a promoção humana e a construção da cidadania.

Arzemiro Hoffmann149 apresenta uma relação culminante entre o Jardim do Éden e a

Nova Jerusalém como princípio da boa criação de Deus. Deus é o princípio causador de ambas,

sujeito desta ação que culmina em adoração e santificação, sendo Ele tudo em todos.

A cidade histórica, no entanto, é uma criação do humano (HOFFMANN 2007, p. 32)150.

Onde é de sua responsabilidade toda a estrutura constituída. Portanto, o destino da cidade está nas

mãos de seus construtores e cada um escolherá pretensa e livremente a maneira como deseja

viver, conviver e sobreviver.151 Por isso a cidade tal como civilização e como criação de Deus, é

na verdade, um artifício do próprio homem (HOFFMANN 2007, p. 32-35).152

As cidades são conhecidas emblematicamente como lugares em que se negam o direito a

vida, e por outro lado, local onde o homem, sob um dominador, sofrerá mediante várias

expressões de violência e opressão. Tal princípio norteador do espírito de política, poder e de

conquista constitui a essência da cidade, conforme Jacques Ellul153 argumenta:

Page 164: Jorge Schutz.pdf

164

A cidade é agora o centro a partir do qual se faz a guerra. A civilização urbana é uma

civilização bélica. O conquistador e o construtor já não são distintos. Ambos habitam em um só

homem, e ambos são a expressão dessa ambição de poder que é rebeldia contra o Senhor. As

Escrituras nos dão aqui um segredo a mais sobre a cidade. E nosso mundo moderno não os

desmente. Que mundo poderia demonstrar melhor do que o nosso paralelo entre civilização

urbana e civilização bélica? Um mundo no qual a cidade e a guerra tem chegado a ser dois

pólos ao redor dos quais gira toda vida econômica, social e política de nosso tempo... Mas

Nironde não esta sozinho. Ele está do Senhor (HOFFMANN 2007, p. 36).154

De acordo com a narrativa bíblica, Nironde é típico do monarca tirano, protótipo dos

monarcas assírios, e fundador de Babel. 155 A Babel é emblematicamente a construção da

obstinação pelo poder, matriz das ditaduras autodivinizadas, mas que amargará o fracasso de seu

ufanismo humano (HOFFMANN 2007, p. 36).156

Na tentativa de corrigir está possibilidade ou realidade intrínseca do destino catastrófico

da cidade, do fim inexoravelmente trágico, Castro se ergue na disposição de �explorar

caminhos novos para uma prática política democrática que, mediante a vivência de uma

cidadania ativa, o povo possa identificar e superar a matriz mítico-teológica e dizer não à

políticas clientelistas e corruptas, a fim de encontrar novos instrumentos políticos para discutir o

mundo público� (CASTRO, 200, p. 63).

O mesmo autor Clovis Castro, citando Castells e Borja, indica que as cidades, e

particularmente as metrópoles, devem responder a cinco tipos de objetivos:

Nova base econômica,

Infraestrutura urbana,

Qualidade de vida,

Integração social e governabilidade,

Comunicação e mobilização dos cidadãos (CASTRO, 2000, p. 80).

E a partir desta perspectiva é possível desenvolver uma ação pastoral urbana que

considere todos os encargos sociais, econômicos, financeiros, morais, espirituais e outros que

pesam sobre os ombros dos seres humanos que embarcaram na tendência mundial de

urbanização, na qual hoje parte significativa da população mundial vive em centros urbanos.

Torna-se, portanto, um desafio à pastoral, apontado por Castro:

�Como a ação do povo de Deus na realidade cotidiana, onde na relação tempo e espaço, o ser

humano se encontra. A preocupação básica da pastoral é a eficácia e a relevância da fé cristã.

Page 165: Jorge Schutz.pdf

165

Pastoral é também responsável pela inserção do povo de Deus no espaço público. Pastoral é

ação intencional, sistemática, organizada coletivamente. É fruto do esforço missionário da

igreja em busca de mudanças [...] É a ação que instaura o novo� (CASTRO, 2000, p.105).

Tornou-se comum a superexploração da categoria cidadania, que acaba gestando novos

sentidos. Cidadania é empregada para referir-se a direitos humanos157, ou direitos do consumidor

e usa-se o termo cidadão para dirigir-se a um indivíduo qualquer, desconhecido. De certa forma,

faz sentido a mistura de significados, já que a história da cidadania confunde-se com a história

dos direitos humanos, a história das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos, como a

liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os humanos indistintamente; existe um

relacionamento estreito entre cidadania e luta por justiça, por democracia e outros direitos

fundamentais asseguradores de condições plenas de dignidade e sobrevivência.

Do latim, cidadania, trata-se do indivíduo habitante da cidade (civitas), na Roma antiga.

Indicou a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou não, e o que

poderia exercer em relação ao Estado Romano, exceto mulheres, escravos e crianças. Dalmo

Dallari afirma

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar

ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou

excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro

do grupo social (DALLARI, 1999, p. 14).158

Dando-se conta da dimensão e complexidade dos sentidos da cidadania na linguagem

contemporânea passa-se a fazer pontuações em diferentes momentos acerca desta categoria, que

sendo um tema tão acentuado e complexo nos dias atuais, faz-se para seu entendimento o esforço

de cercá-lo em diferentes épocas e contextos.

Covre-Manzine159 traça uma linha histórica e evolutiva do termo, como segue:

Cidadania é uma categoria multifacetada que na década 60 e 70 não somavam atenção,

entretanto com os movimentos sociais e políticos de abertura no Leste Europeu, o tema emergiu

e se consolidou para o Brasil na Carta Constitucional de 1988, muito embora sua inspiração date de períodos remotos como 1776 � Carta de Direitos dos Estados Unidos, 1798 � Da revolução Francesa e 1948, a Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas. A prática da

cidadania tem em vista a construção de uma sociedade melhor, concedendo ao cidadão o direito de vida em sua plenitude de oportunidades. A cidadania, portanto, abrange os direitos humanos no viés dos direitos civis, políticos e sociais. A forma de compreender a cidadania ver como ela

se desenvolve juntamente com o capitalismo, pois também estará vinculada à visão que o

instaurou: a classe burguesa.

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166

Covre-Manzine nos indica as vertentes que posteriormente retornaremos, quais são:

a) Cidadania na perspectiva dos direitos civis

b) Cidadania na perspectiva dos direitos sociais

c) Cidadania na perspectiva dos direitos políticos

A seguir se traçará o histórico por onde o conceito de cidadania transitou da Idade Média

à Moderna, chegando-se à Modernidade, e como o conceito aportou no Brasil tendo diante de si

um histórico de escravidão, exclusão social de negros, índios, mulheres, o coronelismo e os

regimes militares até a formulação da Constituição de 1998, que dá força a categoria da

cidadania, finalmente apontamento de eixos na construção de uma ação pastoral que postule pela

promoção humana e construa a cidadania.

I. Caminhos do conceito de cidadania

O processo de formação dos Estados Nacionais conheceu paralelamente as mudanças nos

quadros sociopolíticos, a consolidação da burguesia160 como classe atuante, tanto política quanto

economicamente. Mesmo assim, a centralização promovida pelo absolutismo monarquico

manteve, por um longo tempo, o caráter hereditário do poder e as características da Idade Média.

Com um olho nas tradições do passado e outro no progresso do futuro, esse período representou

uma transição. Foi o período das revoluções sociais, das transformações políticas e econômicas,

das criações artísticas, do desenvolvimento das ciências, da disseminação do conhecimento, da

busca da liberdade de pensamento e da igualdade entre os indivíduos e do nascimento do ideal de

liberdade.

A partir dessas novas diretrizes, procurou-se construir uma sociedade mais justa. O

aparecimento dessas novas ideias foi instigado pelo desenvolvimento do Capitalismo161 e pelas

reformas religiosas do século XV. Estas plantaram novas visões sobre a espiritualidade, entre as

quais podemos citar a prática da redenção, a qual valorizava o trabalho em detrimento da

caridade e da liberdade para interpretar as escrituras. Nessa nova realidade, a burguesia lutava

para conseguir poder. Apesar de sua proeminência econômica e do apoio recebido do

Mercantilismo162, essa camada ainda não havia se afirmado politicamente. Dessa forma, passou a

Page 167: Jorge Schutz.pdf

167

contar com as formulações de uma nova intelligentsia163, disposta a contestar os valores e as

injustiças praticadas pelo clero e pela nobreza. Para isso, propagavam maior autonomia de

pensamento aos homens comuns. Como consequência disso, surgiram as ideias iluministas164-

liberais, produto dos avanços nas ciências experimentais e de uma nova racionalidade, por meio

da qual se procurava entender o mundo.

Também se pode dizer que um dos primeiros sinais de desmoronamento do sistema, que

caracterizou o medievo, foi a privatização do poder. Hannah Arendt, citada por Quintão diz que:

A queda da autoridade política foi precedida pela perda da tradição e pelo enfraquecimento dos

credos religiosos institucionalizados; foi o declínio da autoridade religiosa e tradicional que

talvez tenha solapado a autoridade política, e certamente provocado a sua ruína (QUINTÃO,

2001, p. 256)165.

Com o fim do feudalismo e a ocorrência da formação dos Estados nacionais, a sociedade,

ainda formada e organizada em clero, nobreza e povo, volta a ter uma centralização do poder nas

mãos do rei, cuja autoridade abrangia todo o território e era reconhecida como legal pelo povo.

Língua, cultura e ideais comuns auxiliaram a formação desses Estados Nacionais.

Já no final da Idade Moderna166, observa-se um sério questionamento das distorções e

privilégios que a nobreza e clero insistiam em manter sobre o povo. É aí que começam a

despontar figuras que marcariam a História da cidadania, como Rousseau167, Montesquieu168,

Diderot169, Voltaire170 e outros. Esses pensadores passam a defender um governo democrático,

com ampla participação popular e fim de privilégios de classe e ideais de liberdade e igualdade

como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas ideias dão o suporte

definitivo para a estruturação do Estado Moderno. Lembrando que alguns desses ideais já teriam

sido objetos de discussão quando do início do constitucionalismo inglês em 1215, quando o rei

João Sem Terra foi forçado a assinar a Magna Carta (QUINTÃO, 2001).171

As modernas nações, governos e instituições nacionais surgiram a partir de monarquias

nacionais formadas pela centralização ocorrida no desenrolar da Idade Moderna. Segundo Wilba

Bernardes desde o momento em que o Estado moderno começa a se organizar, surge à

preocupação de definir quais são os membros deste Estado, e, dessa forma, a ideia atual de

nacionalidade e de cidadania só será realmente fixada a partir da Idade Contemporânea.172

Citado por Quintão, M. Barbalet diz que:

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168

Desde o advento do Estado liberal de direito, a base da cidadania refere-se à capacidade para

participar no exercício do poder político mediante o processo eleitoral. Assim, a cidadania ativa liberal derivou da participação dos cidadãos no moderno Estado-nação, implicando a sua

condição de membro de uma comunidade política legitimada no sufrágio universal, e, portanto,

também a condição de membro de uma comunidade civil atrelada à letra da lei�. (QUINTÃO,

2001, p. 257)173

Podemos dizer, portanto, que essas inovações de pensamento nos remetem à atual

concepção de Direito Civil174, levantando a questão dos direitos políticos e de quem os deve

possuir e exercer. Essa problemática dos direitos foi o traço distintivo entre a burguesia e o povo,

quando da luta por direitos, principalmente políticos, pois ambos distanciavam-se, prevalecendo

os interesses da primeira. Todas as ideias produzidas pelos iluministas traduziam o pensamento

político da época, influenciando tanto os movimentos de independência na América, quanto as

Revoluções Inglesa e Francesa. Ao mesmo tempo, o ideal de sociedade, daí surgido, já apontava

desigualdades no campo social. A situação trouxe inúmeros prejuízos para a cidadania,

restringindo a sua prática, assim como observou J.M. Barbalet:

(...) a concessão de cidadania para além das linhas divisórias das classes desiguais parece

significar que a possibilidade prática de exercer os direitos ou as capacidades legais que constituem o status do cidadão não está ao alcance de todos que os

possuem.175

Simultaneamente à ampliação da esfera da cidadania, as diferenças de classe operavam no

sentido de limitar os atributos políticos dos cidadãos. Este aspecto da evolução do conceito de

cidadania é o que nos fornece o maior número de ensaios críticos. Autores afeitos ao

materialismo histórico176, liberais do século XIX e mesmo estudiosos da atualidade, veem nessa

questão a principal fonte dos limites à prática efetiva da cidadania na contemporaneidade.

O conceito de cidadania percorreu mais de dois mil e quinhentos anos de história,

vinculando-se cada vez mais as mudanças nas estruturas sociais. Contudo, é impossível não notar

o quanto os avanços nos campos da técnica e da política provocaram na sociedade impactos tão

radicais em tão pouco tempo, influenciando indiretamente os direitos e deveres dos cidadãos.

Sobretudo nos séculos XIX e XX, esses progressos transferiram para a esfera da cidadania toda

uma gama de desajustes oriundos do sistema de classes177.

A necessidade de compreender o conceito atual de cidadania à luz dessas questões sociais

nos veio como herança do processo de formação das democracias modernas. Como sabemos, a

Independência dos Estados Unidos e o processo revolucionário francês acabaram por delinear um

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169

novo tipo de Estado. Os ideais de liberdade e de igualdade, embora tivessem uma origem

propriamente burguesa, contribuíram para a inclusão de um maior número de indivíduos no

corpus político das sociedades. Contudo, os anseios da população economicamente menos

favorecida ainda não estavam vinculados ao campo dos direitos sociais. Isto explica, em parte,

porque a grande maioria dos estudos contemporâneos sobre cidadania, como, por exemplo, os de

Thomas Humprey Marshall178 e J. Barbalet179, têm nas desigualdades de classe o componente

fundamental.

Para Thomas H. Marshall180 a cidadania é o paradigma de análise da Política Social, que

põe em questão, e até mesmo em destaque, a discussão fundamental da relação dos indivíduos

com a sociedade e do Estado com a sociedade. Essa relação se circunscreve no âmbito da

sociedade burguesa, que coloca em marcha processos de transformações econômicas, políticas,

sociais, culturais, cria uma nova sociabilidade, pautada no modo de produção capitalista, cujo

fundamento é a propriedade privada. A burguesia, alçada à condição de classe dominante,

estabelece regras que delimitam as relações Estado-Sociedade, de tal forma a manter o seu poder

de classe. Poder, esse, que é exercido sobre as demais classes sociais que compõem o Estado

Nacional, por meio da manutenção das desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais.

Para se consolidar, se manter e se legitimar enquanto classe dominante, a burguesia faz uso de

diversos mecanismos, o Estado assume diversas características, mas, nesse processo, integra

algumas reivindicações das classes subalternas, negocia, estabelece pactos, desde que não se

coloque em questão a ordem burguesa estabelecida. Se, por um lado, o Estado burguês

homogeneíza os indivíduos numa cultura geral, que se traduz na língua nacional, nas relações de

parentesco, nos símbolos nacionais, nos costumes, nos limites territoriais, etc.; por outro, ele se

funda na desigualdade (MARSHALL, 1967, p. 64).181

A desigualdade é contextualizada pela propriedade privada dos meios de produção, pela

apropriação desigual do produto nacional. A revolução burguesa182 cria a sua própria dominação

e o seu antagonismo, representado pelos dominados. Essa característica contraditória da

sociedade burguesa é que faz com que convivam, num mesmo espaço e ao mesmo tempo, os

instrumentos de dominação e os instrumentos de superação da dominação. Portanto, as relações

estabelecidas entre Estado e Sociedade são contraditórias, ambíguas, tornando o espaço nacional

um espaço de lutas entre classes sociais antagônicas (MARSHALL, 1967, p. 65).183

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170

A desigualdade corresponde o seu oposto � a igualdade, o que coloca o estatuto da

cidadania como a igualdade possível. A transformação do indivíduo em cidadão, ainda que

represente uma conquista fundamental da Revolução Burguesa, busca transcender a desigualdade

de classe social pela igualdade da cidadania. Isso significa que, para se entender a concepção de

cidadania, não se pode desvinculá-la da ordem burguesa estabelecida, e nem dos fundamentos da

teoria liberal, na qual o pressuposto da cidadania é a propriedade privada. E nem se pode supor

que a cidadania preconizada pela teoria liberal tenha, no limite, o objetivo de acabar com as

desigualdades. Macpherson184, analisando a ampliação da cidadania no Estado de Bem-Estar

Social, afirma:

Mais redistribuição do estado de bem-estar da renda nacional não é bastante: seja quanto for

que ele diminua as desigualdades de classes quanto à renda, não atingirá as desigualdades do poder de classes.185

Portanto, ainda que os direitos de cidadania se desenvolvam na sociedade burguesa, eles

têm seus limites estabelecidos pela manutenção do poder nas mãos da burguesia. E, para

acompanhar o desenvolvimento dos direitos de cidadania na sociedade burguesa, é importante

recorrer a Marshall, que representa o fundamento teórico-metodológico da cidadania como

paradigma de análise da política social.

Para isto Marshall186 divide a cidadania em três elementos:

a) Elemento civil: composto dos direitos necessários à liberdade individual � liberdade

de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade e de concluir

contratos válidos e o direito à justiça: é o direito de defender e afirmar todos os

direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento

processual. 187

b) Elemento político: o direito de participar no exercício do poder político, como um

membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos

membros de tal organismo.188

c) Elemento social: se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar

econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e

levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na

sociedade.189

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171

A análise histórica de Marshall190 aponta o desenvolvimento desses direitos, e a cidadania

se configura enquanto um processo cumulativo de conquistas de direitos, em dois sentidos:

primeiro, enquanto aquisição de novos direitos; e, segundo, enquanto ampliação dos direitos para

camadas da população que se encontravam excluídas desses direitos. Assim é que a sociedade

burguesa, no seu processo histórico, desenvolve e efetiva os direitos de cidadania, e, essa

perspectiva evolutiva fica clara no quadro traçado por Marshall:

(...) os direitos civis surgiram em primeiro lugar e se estabeleceram de modo um tanto semelhante à forma moderna que assumiram antes da entrada em vigor da primeira Lei de

Reforma, em 1832. Os direitos políticos se seguiram aos civis, e a ampliação deles foi uma das

principais características do século XIX, embora o princípio da cidadania política universal não

tenha sido reconhecido senão em 1918. Os direitos sociais, por outro lado, quase que

desapareceram no século XVIII e princípio do XIX. O ressurgimento destes começou com o

desenvolvimento da educação primária pública, mas não foi senão no século XX que eles

atingiram um plano de igualdade com os dois outros elementos da cidadania (MASHALL, 1967, p.77).191

Ele entende que a sociedade burguesa é o palco, por excelência, dos direitos de cidadania,

que supera a desigualdade total inerente ao sistema de classe social:

(...) a igualdade implícita no conceito de cidadania, embora limitada em conteúdo, minou a

desigualdade do sistema de classe que era, em princípio, uma desigualdade total. Uma justiça

nacional e uma lei igual para todos devem inevitavelmente enfraquecer e, eventualmente, destruir a justiça de classe, e a liberdade pessoal como um direito universal deve eliminar a

servidão. 192

Subjacente a esse raciocínio está a ideia de que é possível reduzir as injustiças sociais pela

redistribuição, ainda que parcial, do produto social. Fica claro, também, que ele não se propõe a

ilusão de que a cidadania vá acabar com a desigualdade, mas que ela coloca a possibilidade, que é

concreta, de atenuar a desigualdade. A crítica que ele faz ao sistema de classe, é que ele propõe

uma desigualdade total e insuperável na sociedade burguesa, enquanto que, para Marshall, a

cidadania representa a possibilidade de uma superação dessa desigualdade. Outro pensamento

significativo em Marshall se refere à cidadania social. É a cidadania social que ele credita a

possibilidade de uma ordem social mais justa, e não a cidadania política. Entra em questão, então,

o Estado de Bem-Estar Social, onde as conquistas sociais tendem a obscurecer a cidadania

política.

E é a questão da cidadania política, que é, no limite, a cidadania propriamente dita, na

medida em que os cidadãos têm poder de interferir decisivamente nas questões nacionais, que

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172

Marshall não coloca. Mesmo porque ele entende que a desigualdade tem alguns aspectos que são

legítimos e, por isso, ele afirma:

Nosso objetivo não é uma igualdade absoluta. Há limitações inerentes ao movimento em favor

da igualdade, que opera em parte através da cidadania e, em parte, através do sistema

econômico. Em ambos os casos, o objetivo consiste em remover desigualdade que não podem

ser consideradas como legítimas, mas o padrão de legitimidade é diferente. No primeiro, é o

padrão da justiça social; no último, é a justiça social combinada com a necessidade

econômica.193

Neste tracejado histórico se percebe que Marshall constrói uma possibilidade de cidadania

sem dar relevância à questão política. Este aspecto coloca em exposição exatamente a

interferência do Poder Público, que através dos mecanismos do Bem-Estar Social, se utiliza de

instrumentos que criam dependência e silenciam os sujeitos que na estrutura que alimenta a

desigualdade, são colocados no nicho dos que não têm poder político.

II. Cidadania e modernidade

Sygmunt Baumam194 aponta que na modernidade a fragmentação do mundo é a marca de

sua objetivação, tendo a ciência como objetivo principal explicar que o todo é a soma das partes,

entretanto esta fragmentação torna a resolução do problemas uma questão de autonomia local e

específica.(BAUMAN, 1999, p. 21). Esta realidade aponta para um mundo social de pessoas

multifuncionais e palavras polissêmicas, dos múltiplos significados e das funções diversas que

não organizam o caos e o tornam mais ainda complexo. Nasce então a busca pela clareza, a

dificuldade em se definir algo, em se enxergar os objetos de forma plausível, na medida em

sempre será possível vê-lo de um outro ângulo novo, senão, diverso.

Neste contexto surgem os especialistas, sujeitos da especificidade no caos, mediante a

negação do todo, estimulados pela obsessão da especificidade. Qualquer elemento que fugir à

lente da objetivação será considerado refugo, e vitimado pela exclusão. E a especialização irá

encarar os indivíduos dentro do reducionismo dele ser uma cifra, ou um número, e quem dele não

for portador, é considerado um estranho ou inimigo, cujo acesso ao espaço comum será negado.

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173

E uma vez classificado como estranho, ou fora do lugar, esse tal se tornará alvo e objeto de

genocídio, pois está exposto (BAUMANN, 1999, p. 76).

Por outro lado, a ação do desestanhamento, sugere Bauman,

Trata-se da domesticação do estranho, como uma questão de decência e indústria do esforço do

estranho para sua assimilação através da aculturação reafirmando sua inferioridade, sua

indesejabilidade, e o deslocamento evidente da forma de vida do estranho, e por outro lado, é

proclamar que o estado de estranho é uma mancha a ser removida, e aceitar o estranho como culpado e que cabe a ele expiar e provar seu direito á absolvição (BAUMAN, 1999, p. 80).

Essa realidade convive com o fato de que na sociedade de consumo que marca a atitude

dos sujeitos na pós-modernidade com seus centros de consumo, templo oferecendo credos

também de ocasião, estádios com jogos e jogadores alimentados pela máquina capitalista cercam

a entrada dos consumidores com câmera de vigilância, detectores de metais, e é ali que

aprovamos somente os insuspeitos, e a estes a liberdade se consagra com privilégio oferecido

pelos donos que, garantem aos livres direito à circulação ao consumo longe dos estranhos,

formando muralhas de sitiados, daqueles que têm acesso e daqueles cujo acesso é negado.

Este cenário da pós-modernidade permite o surgimento das vozes que prosperam a cada

dia em nome da lei e da ordem, como coloca Bauman195:

Não há quaisquer limites naturais. A indústria está lá. A capacidade está lá. Dois terços da

população terão um padrão de vida enormemente acima de qualquer um outro [países ricos] em

qualquer outra parte do mundo. Os meios de comunicação de massa prosperam com relatos

sobre crimes cometidos pelo terço restante da população. Governantes são eleitos com

promessas de manter o perigoso terço atrás das grades.

Uma vez reconhecido o estranho, aquele põe em risco a liberdade dos que podem e

querem consumir, tendo estes ao seu lado o poder legitimado, inclusive pelo que se propõe a

manter a lei e a ordem e alimentar as fronteiras imaginárias impedindo acessos. Constrói-se na

pós�modernidade o estado social de constante pressão, numa tentativa de se desarticular qualquer

interferência que seja por si só reflexo de organização social, para que, através do serviço legal

do Bem-Estar Social, as massas sejam minimante atendidas, supridas, ouvidas individualmente,

mas por meio de serviço privatizado, como afirma Bauman:

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174

A busca pela pureza pós-moderna expressa-se diariamente com ações punitivas contra os

moradores pobres das ruas, e das áreas urbanas proibidas, os vagabundos e os indolentes. Em

ambos os casos a impureza no centro da punição é a extremidade da forma incentivada como

pura: a extensão até os limites daquilo que devia ter sido, mas não podia ser, e conservando-se em regiões fronteiriças, o produto-refugo [...] (BAUMAN, 1998, p. 26).

Individualizar é, portanto, a palavra de ordem da pós-modernidade. A especificidade, a

objetividade, a ciência focada, e tudo o que fragmenta e que pode se permitir a múltiplos olhares

e múltiplos significados; é isto que contem a lógica pós-moderna.

A esta individualização, Bauman196 define como a capacidade do homem de emancipar-

se da trama estreita da dependência, da vigilância e, sobretudo, das imposições comunitárias

(Bauman, 2001, p. 40). Estabelece-se desta forma uma autonomia ao que se indica que em termos

de referenciais, falar-se de pós-modernidade e individualização do ser é dizer a mesma coisa de

forma diferente. Na pós-modernidade ao evocar-se autonomia, opera-se contra a possibilidade de

reacomodação, e da elaboração de acordos197. [Exemplo recente de individualização nacional �

Cop 15 Conferência do Clima, 2009 � Copenhague]. A individualização é marca que perpassa

etnias, questões de gênero, movimentos organizados, que são alternativas dos socialmente mais

fracos de se tornarem fortes na formação de sua identidade individualizada. Estas implicações da

pós-modernidade tornam a individualização uma fatalidade a ser vivida, um destino inexorável

dos sujeitos, que os levará às comunidades que serão frágeis e transitórias e mais servirão de

cabides para suprir ansiedades e crises momentâneas, mas logo descartadas por que novas

situações e novas comunidades surgirão e desaparecerão.

Nesta perspectiva, aponta Bauman, o cidadão será configurado como uma pessoa que

buscará seu próprio bem-estar através do bem estar da cidade, com isto o interesse comum, o

bem comum, a sociedade justa são temas sem sentido (BAUMAN, 2001, p. 45). Na pós-

modernidade, o serviço do Bem-Estar Social e as políticas públicas serão construídas dentro de

recortes sociais, buscando agrupar sujeitos pelos seus traços, sua localização espacial, etária, de

gênero na tentativa de circunscrever e especializar a forma de atenção e abordagem, mas

esbarrará na reversão do processo, uma vez que os indivíduos, os sujeitos, segundo Bauman, irão

reverter estas políticas em bens próprio e se utilizarão delas alimentados pela lógica atual da

individualização, como segue:

Se o indivíduo é o pior inimigo do cidadão, e se a individualização anuncia problemas para

cidadania e para a política fundam na cidadania, é porque os cuidados e as preocupações dos

indivíduos enquanto indivíduos enchem o espaço público até o topo, afirmando-se como seus únicos ocupantes legítimos e expulsando tudo mais do discurso público. O público é colonizado

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175

pelo privado e o interesse público é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras

públicas, e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública das questões privadas e

confissões de sentimentos privados (Bauman, 2001, p. 47).

III. A cidadania à brasileira

A história da cidadania no Brasil é praticamente inseparável da história das lutas pelos

direitos fundamentais da pessoa: lutas marcadas por massacres, violência, exclusão e outras

variáveis que caracterizam o Brasil desde os tempos da colonização. Há um longo caminho ainda

a percorrer: a questão indígena, a questão agrária, posse e uso da terra, concentração da renda

nacional, desigualdades e exclusão social, desemprego, miséria, analfabetismo, etc. Entretanto, a

cidadania engatinha e é incipiente.

José Murilo de Carvalho declara que o fator mais negativo para a cidadania foi à

escravidão 198. Segundo ele a escravidão

199 e a grande propriedade não constituíam ambiente

favorável para a formação de futuros cidadãos. Isso porque os escravos não tinham direitos civis

básicos à integridade física � tendo em vista que podiam ser espancados com risco de perda da

própria vida, essência e horizonte da cidadania. 200

Em sua obra Código Civil e Cidadania, a historiadora Keila Grinberg201 analisa alguns

fatores que influenciaram na demora da elaboração de um Código Civil em nosso País. Aponta a

hipótese de que uma das chaves para se compreender as dificuldades para a realização do projeto

de codificação do direito civil no Brasil estaria justamente nas disputas em torno da definição do

conceito de cidadania em fins do século XIX e início do século XX. Um dos argumentos

utilizados por Grinberg relaciona-se com a �impossibilidade de conciliar um código

necessariamente liberal, no qual os direitos de cidadania devessem ser concedidos a todas as

pessoas, com o sistema escravista, fundamentado juridicamente na distinção entre pessoas livres

� e coisa � escravos.�202

José Murilo de Carvalho203 ressalta um aspecto relacionado à escravidão, a saber, embora

os escravos lutassem pela sua própria liberdade e repudiassem a escravidão, uma vez libertos

admitiam escravizar outros. A partir desses dados, Carvalho conclui que os valores da escravidão

eram aceitos por quase toda sociedade e que os valores da liberdade individual, base dos direitos

civis, não tinham grande peso no Brasil.

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176

Neste sentido, é possível compreender porque o argumento que pesava em favor da

abolição estava relacionado com a razão nacional � a escravidão era um obstáculo à formação de

uma verdadeira nação � e não à razão individual, como nos casos europeu e norte-americano. O

argumento da liberdade individual como direito inalienável era usado com pouca ênfase

(CARVALHO, 2003, p. 220).204

Flávio dos Santos Gomes, escrevendo sobre a história dos quilombos no Brasil, faz um

depoimento esclarecedor sobre esta situação:

A experiência de luta e organização dos trabalhadores no Brasil não está marcada tão-somente pela formalização jurídica decretada pela abolição. Com o fim da escravidão � como um sistema social amparado por leis �, o processo de lutas, e também as desigualdades,

considerando os trabalhadores, suas etnias e relações de gênero, não desaparecem. A

caracterização e a reprodução das desigualdades ganham outras dimensões. O escravo vira

negro. Como? Não mais havendo a distinção jurídica entre os trabalhadores, a marca étnica � e histórica � da população negra é reinventada como fato social.

205 Como se entende, a questão de gênero, a questão educacional, a questão étnica ainda serão

apontadas como fatores e elementos discriminatórios, apesar de vigorar a lei da abolição, pois

senso de escravidão assume a dimensão social.

Outro aspecto é a grande propriedade rural, herança da colônia, também se consistiu

obstáculo à cidadania. Embora estivesse relacionado com a escravidão, o latifúndio206 tinha

algumas características próprias e foi mais duradouro do que aquela. O aspecto mais relevante

para o tema em questão talvez seja o Coronelismo.

O Coronelismo era mais do que uma simples negação dos direitos políticos. Ele impedia a

participação política porque antes negava os direitos civis. Nas fazendas, a lei era criada e

executada pelo coronel. Daí decorre a impossibilidade de exercício dos direitos civis, posto que a

justiça era controlada por agentes privados. Sob o controle do coronel estavam o direito de

propriedade, o direito de ir e vir, a inviolabilidade do lar, a proteção da honra e da integridade

física. Como não havia justiça e poder verdadeiramente público, não havia cidadãos civis. Nessas

circunstâncias, não poderia haver cidadãos políticos (CARVALHO, 2003, p 220).207

No Brasil, a cidadania pode ser vista como status ou como participação? A partir dos

modelos clássicos apresentados, onde se enquadraria a cidadania brasileira?

Letícia Bicalho Canêdo procura justificar a apatia política do cidadão-eleitor brasileiro a

partir da própria forma como foram concedidos os direitos políticos.

De tão rotineiros na nossa vida política, deslembramos o fato de que a prática desses gestos e o

uso desses objetos nos foram, progressivamente, impostos e codificados ao longo de dois

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177

séculos. A montagem histórica desse ritual eleitoral (...) contribuiu para disciplinar o cidadão,

ensinando-lhe a paciência no ritmo dos calendários eleitorais. Os dispositivos materiais

necessários ao ato do voto foram sendo colocados à disposição do cidadão, e introduzidos na

rotina eleitoral, em meio a tentativas incertas das elites políticas para impor um outro princípio

legítimo de transmissão da autoridade (...).208

O ato eleitoral faz parte de toda uma elaboração criativa que permitiu aos governantes

assegurarem de outro modo seu poder político e, ao mesmo tempo, obterem a obediência dos

governados: a autoridade alicerçada na população, com o voto não mais para aclamar, ratificar ou

nomear, mas para escolher. A soberania popular foi garantida pelo estabelecimento de um valor

igual para cada voto combinado com o princípio da maioria. �A relação que o eleitor mantém

hoje com a técnica do voto é o que dá sentido a este acordo particular firmado no século XIX e

que o faz acreditar ser um indivíduo independente e igual em qualidade a todos os outros.� 209

Darcy Ribeiro explica a efetividade da transfiguração étnica brasileira sob o prisma da

�continuidade, através dos séculos, de elementos cruciais da ordenação social arcaica, da

dependência da economia e do caráter espúrio da cultura�. Na sociedade brasileira quem nasce

ninguém, fruto do perverso processo de desindianização, desafricanização e deseuropeização de

contingentes humanos, assim permanece na continuidade do Brasil arcaico. Reconhecidos como

proletariado externo, provedor colonial de bens para o mercado mundial.210

Darcy se interroga, como podemos nós fazê-lo, acerca de como negros e índios,

submetidos a tal processo de deculturação, puderam se manter humanos uma vez que a

racionalidade do escravismo é oposta à condição humana. Ele mesmo responde que a submissão

apenas pode ser explicada pela força da opressão que exigiu a mais fervorosa vigilância e o uso

constante dos castigos preventivos capazes de levar o ser humano a se esquecer de si.

Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à

propriedade, à igualdade de direitos, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Direitos estes que

foram cerceados e comprometidos com o estabelecimento do Regime Militar de exceção211, de

1964, os quais pelo AI-5 (Ato Institucional número 5) os cidadãos tiveram seus direitos

suspensos. Mas este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão

tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e

complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos

têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a

justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.

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178

Desta forma pode-se admitir que no Brasil, o conceito de cidadania em sua evolução de

sentido de vigência social encontrou três grandes obstáculos que não só obstruíram a construção

de um conceito, a saber: a escravidão, o coronelismo e o militarismo. Tais parreiras propiciaram

o aparecimento de meios alternativos constitutivos do assistencialismo como forma válida de

suprimento modesto ao cidadão daquilo que era mais amplo e lhe foi negado, a saber, a

cidadania.

IV. Quadro sintético: Cidadania

No quadro a seguir se pretende colocar de forma sucinta as diferentes percepções do

conceito de cidadania motivado pela percepção de que cidadania será sempre uma categoria em

construção e de complexa definição por que a alimentação da sua estrutura tem fortes relações

com o contexto social, político, religioso, educacional em que os sujeitos estão inseridos.

Apontando para a realidade de que em se falando de cidadania em determinado contexto, é

preciso definir quais são as marcas que se quer atingir e de que cidadania se está querendo aludir.

CONTEXTO CONCEITO

Transição da Idade Média para

Moderna

A participação política assume um plano secundário

de importância na vida das pessoas.

O plano religioso e a hierarquização ascendem à

posição de maior importância.

Relação entre cidadania e status religioso se

confunde.

Forte traço da emancipação do cidadão.

Período das revoluções sociais.

Contestação da justiça patriarcal pelo povo.

Avanço das ciências, inclusive das ciências sociais.

O conceito de igualdade passa a ser traço da

cidadania.

A cidadania enfrenta as normas e formas de

desigualdade.

Modernidade A cidadania está atrelada ao individualismo.

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179

O público será revertido em favor do privado pelo

indivíduo.

A comunidade servirá ao indivíduo

temporariamente para satisfação de suas aspirações

individuais.

Os programas de Bem-Estar Social dos governos

esbarrarão na complexidade das identidades dos

grupos fragmentados.

Brasileiro A escravidão (a exclusão) é a sombra que paira

sobre a temática da cidadania.

Os impasses em tratar questões do negro, do índio,

de gênero e outros.

O ato eleitoral como uma conquista cidadã.

Direitos do cidadão suspensos em 1968 � AI-5

A construção do conceito implica acesso aos

direitos civis, políticos e sociais, ainda não

universalizados.

(Elaborado pelo autor, 2009) � Tabela 8

O quadro sintético exposto acima não pretende integrar as diferentes ocorrências da

temática em torno da cidadania, nem mesmo situa-os da contingência da sociedade atual, e para

fazer esta conexão acerca das possibilidades e ocorrências ou não, do conceito complexo de

cidadania, se recorre a Clovis Castro212 que elabora sua percepção a partir da constituição de

1988 sinalizando que a nova Constituição

Abriu novas possibilidades para o exercício da cidadania nos municípios brasileiros. Uma

cidadania ativa e emancipada tem sua maior visibilidade na cidade [...] os governos federal e

estadual já não possuem mais o mesmo nível de ingerência sobre os governos municipais[...] O

modelo de governo centralizado e concentrador de poder não serve mais como modelo para

administração de uma sociedade complexa e diversificada como a das cidades.

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180

Casiano Floristán213 aponta encaminhamentos a partir da Práxis os quais sugerem a

possibilidade de construção da cidadania em três dimensões: cidadania dos direitos civis, dos

direitos sociais e dos direitos políticos.

(1). Práxis natural214- objetivando os direitos civis.

É a práxis que transforma a natureza, incluindo a matéria que se localiza no espaço e pode

ser denominada de práxis econômica que humaniza em torno do natural para que este

sirva às necessidades humanas.

(2) Práxis social - objetivando os direitos políticos.

É uma práxis política de libertação ou emancipação, sendo uma ação global sobre a

sociedade para que esta se torne mais humana e mais justa.

(3) Práxis humana � objetivando os direitos sociais.

É a práxis do desenvolvimento biológico do ser, sendo abolidas todas as formas de

alienação e opressão que impedem sua plena realização, e aqui se inclui a arte, como expressão estritamente própria do ser humano biológico.

Sob a inspiração e a ênfase da Constituição Federal de 1988 pode-se constituir uma ação

pastoral nos limites da Lei, animado por uma práxis religiosa, com metas específicas a serem

alcançadas, como segue no quadro:

PRÁXIS

RELIGIOSA

CONSTRUÇÃO

DA CIDADANIA

ARTIGO DA

CONSTIUIÇÃO

1988

TERMOS DA LEI

Natural

Que humaniza em

torno do natural

para que este sirva

às necessidades

humanas.

Direitos civis 5º Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à

igualdade, à

segurança, e à

propriedade, nos termos seguintes:

I � homens e

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181

mulheres são iguais

em direitos e obrigações, nos

termos desta Constituição.

Social

Libertação ou

emancipação

Direitos políticos 14º

15º

17º

* A soberania popular será

exercida pelo sufrágio universal e

pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei. * É vedada a cassação de direitos

políticos. * É livre a criação,

fusão, incorporação

e extinção de

partidos políticos,

resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o

pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana.

Práxis humana

Desenvolvimento

biológico do ser,

sendo abolidas

todas as formas de

alienação e

opressão.

Direitos sociais 6º São direitos sociais,

a educação, a

saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a

segurança, a

previdência social,

a proteção à

maternidade e à

infância, a

assistência aos

desamparados.

(Elaborado pelo autor, 2009) � Tabela 9

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182

Na perspectiva da Constituição Federal de 1988, se aponta a seguir os eixos sobre os quais

podem ser construídas ações pastorais tendo-se como horizonte a promoção humana e a

construção da cidadania.

Pistas para uma ação pastoral, entendida a ação pastoral como a mobilização e a

participação da Igreja em ações transformadoras que conduzem à promoção humana e à

cidadania, tendo como horizonte de chegada a plenitude dos direitos civil, político e social

transformadora da Igreja:

1. Casiano Floristán aponta que a ação dos cristãos, das comunidades de fé estão

baseadas num Deus de revelação, vivo, operante e manifesto215 e que cabe à comunidade

estabelecer uma síntese entre a ação, que trata da inserção social e práticas políticas da igreja, e a

contemplação que reporta o fiel a dimensão mística de sua crença, e assim resgatar as teologias

pós-concilares mais importantes:

Teologia Política;

Teologia da Esperança;

Teologia Feminista;

Teologia negra, entre outras teologias.

nas quais, afirma Floristán a comunidade de fé deve se envolver para desenvolver uma práxis

eclesial (FLORISTÁN, 2002, 137).

Tais apontamentos põem possibilidades diante da Igreja como comunidade de fé, de

construir embasamento teórico para suas ações e desenvolver programas de formação para leigos

com fundamentação teórica para ações focadas em segmentos específicos, que sirvam pessoas em

zona de marginalização e alta vulnerabilidade, mas dentro de programas focados em grupos

específicos: crianças; homens; mulheres (desempregadas, em áreas de prostituição, abandonadas

e com filhos vivendo em áreas de risco); mulheres negras; mulheres nordestinas; formação de

clubes de empregadas domésticas; adolescentes grávidas; jovens dependentes químicos; homens

(adultos dependentes químicos); crianças soropositivas para HIV; imigrantes legais e ilegais �

muito comum em grandes centros urbanos; estudantes estrangeiros em cursos de formação nas

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183

universidades brasileiras; em atendimento a idosos e outros segmentos que eclodem no ambiente

urbano.

A inclusão de leigos, a sua formação, por meio de cursos de capacitação, como foco em

mobilização para ação pastoral em diversas dimensões e especificidades é temática abordada por

Silva216, que diz:

Parece-me que a dificuldade que encontramos hoje está na realização de programas de

formação continuada que possibilitem a preparação constante de leigos/leigas. Hoje não é

possível fazer reviver as sociedades que tanto contribuíram no tempo de Wesley, mas de alguma forma estamos desafiados a encontrar programas que possam responder ao processo de formação e o envolvimento dos leigos em nossos dias.

A partir da avaliação de Silva pode-se apreender que a ação pastoral do metodismo

histórico está lastreada na participação de leigos capacitados para intervenções no meio social.

Esta evidência aponta que a ações pastorais consistentes, passam, segundo Floristán, pela

formação de sujeitos dentro de teologias que sejam capazes de fundamentar teoricamente as

ações, e que estas ações serão desenvolvidas principalmente por leigos. De forma que não haverá

ação pastoral que se consolide sem a participação e engajamento do segmento de leigos das

igrejas. Por esta razão se recorre a Clovis Castro217 que aponta desafios para formação de uma

pastoral urbana em cinco dimensões:

1. Litúrgica: a realidade da cidade deve estar refletida na liturgia;

2. Serviço: A Igreja deve ser impulsionada a ir ao encontro do próximo nos mais diversos

contextos;

3. Profética: [...] a dimensão profética tem, pelo menos, dois aspectos indissolúveis: a

palavra e a ação.

4. Pedagógica: pastores e pastoras precisam descobrir que não estão sós na tarefa de educar o

povo para missão.

5. Ecumênica: Ao convidar as pessoas ao participarem deste grande banquete (reino), a igreja deve estar consciente que ela não pode realizar esta tarefa sozinha.

E a partir destas dimensões litúrgicas de serviço, profética, pedagógica e ecumênica, Don

Evaristo Arns afirma:

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184

�A igreja deve ser lúdica e realista, superando uma visão ingênua e simplista da realidade, valendo-se da contribuição de todas as áreas do conhecimento para compreender a evolução do

ambiente urbano.� E continua: �A teologia deve se colocar em diálogo com todas as áreas do saber humano, tais como, saúde,

educação, comunicação, urbanismo, sociologia, etc. Desses diálogos muitas luzes podem surgir

para iluminar a prática da fé do povo de Deus�.

Desta forma, se aponta, a partir de Floristán, Silva e Castro, que a ação pastoral precisa ter

um embasamento teórico que deve ser oferecido ao leigo/a, ao paroquiano, de tal forma que ele

se referencia teórica e teologicamente no que realiza, numa dimensão dialógica com outras áreas

do conhecimento. E por outro lado, a ação pastoral tem sua aplicabilidade em transformar lugares

específicos, e para cada um destes setores a abordagem da complexidade e o envolvimento

abrangerá os vieses do direito político, do direito civil e do direito social.

2. Na dimensão da pastoral como ação sistematizada, não meramente impulsiva da Igreja,

Baltodano218, indica que na relação da Igreja com a sociedade, são necessárias a elaboração de

seis perguntas cujas respostas permitirão desenhar um modelo de ação pastoral específica e

organizada, são elas:

1. Qual o lugar da nossa comunidade frente às pessoas empobrecidas?

2. De que maneira a nossa comunidade pode responder a esta demanda?

3. Existe possibilidade de mudança naquilo que a igreja está propondo, como por

exemplo, o inverso do que ela está identificando? Se o problema é habitação, o de

colocar a pessoa numa habitação?

4. Há diálogo entre a Igreja e os sujeitos que estão na condição de vulnerabilidade, ou

vivendo a necessidade? .

5. Quais são os fatores históricos, econômicos e sociais que produzem estes reflexos nos

sujeitos?

6. Capacitar agentes de intervenção nestas áreas (agentes de modificação das forças de

origem)?

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185

A proposta de prospecção interna na comunidade fé tem a pretensão de promover, de um

lado, consciência e responsabilidade, do outro, ação coordenada sem desperdício de recursos e

risco de mudança de foco no curso na ação pastoral.

Esta proposição ganha espaço na medida em que no processo de capacitação deve constar

temáticas de promoção humana e de cidadania, na perspectiva do direito social, político e civil.

É, portanto, pertinente que os agentes que desenvolverão a ação estejam cônscios de seus

próprios direitos e exercendo a cidadania, para desta forma produzir resultados nesta direção

junto aos sujeitos que são o objetivo da ação coordenada.

3. Casiano Floristán identifica que a ação pastoral está comprometida, não da parte

das necessidades vigentes no mundo, mas de dentro da própria comunidade, da Igreja. São,

segundo ele, os movimentos de restauração interna da igreja, fechados à participação em

programas sociais, que transformam a Igreja em pequenos mundos dentro do mundo, propondo

uma fé privatizada, dentro de um mundo secularizado (FLORISTÁN, 2002, p.781).

Na medida em que as Igrejas se ocupam na manutenção de seus pensamentos e práticas

repetitivas, os desafios pastorais se tornam dia a dia mais agudos nos ambientes urbanos que se

renovam e reciclam da noite para o dia e como afirma Mariano219:

Do discurso à prática é preciso, como premissa a conscientização individual, a inserção no

coletivo a busca de efetivação dos discursos, as ferramentas legais, a disponibilidade do poder público. [...] A cidade dos homens e das mulheres, dos idosos, dos jovens, das crianças, dos

sem-teto, e tantos outros grupos sociais será aquela em que se revestirão os mecanismos que

permitirão ao cidadão o bem-estar, o saneamento básico, a saúde, ao lazer e as oportunidades a

um meio ambiente adequado.

Floristán e Mariano convergem na abordagem de que o olhar da Igreja à cidade, e sua

inserção na vida cotidiana, diante dos tremendos desafios que se renovam, é a vocação da Igreja

urbana, contraria a sua intimização, sua privatização, para sobretudo, marcar presença na

promoção humana e na construção da cidadania.

Bauman220 reconhece que este exercício de sair do privado para o público, do discurso à

prática, da introspecção para ação, das iniciativas sazonais para ações organizadas e planejadas,

da intervenção impulsiva, sem a reflexão devida, encontra grande dificuldade na modernidade,

especialmente no contexto urbano, como diria:

O tipo de incerteza, de obscuros medos e premonições em relação ao futuro que assombram

homens e mulheres no ambiente fluido e em perpétua transformação em que as regras do jogo

mudam no meio da partida sem qualquer avisou ou padrão legível, não une os sofredores: antes

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186

os divide e os separa. As dores que causam aos indivíduos não se somam não se acumulam nem condensam numa espécie de causa comum que possa ser adotada de maneira mais eficaz unindo forças em uníssono.

Floristán reconhece que a Igreja na modernidade tem se privatizado em pequenos núcleos

de contemplação e aversão ao social; conforme coloca Mariano, a Igreja há de passar por uma

posição do discurso à prática e reconhecer que sua intervenção na cidade dos homens e mulheres

há de ser num contexto de concretude. Bauman, entretanto, reconhece que nesta modernidade de

desengajamento, aqueles elementos que poderiam ser catalisadores de ações, os sofrimentos, as

dores, também se privatizam nesta sociedade líquida. E o que poderia ser instrumento de união é

antes força de retração de isolamento.

A ação pastoral, por óbvio, que como afirma Floristán, no tempo contemporâneo está

sofrendo grande reves precisa ser reconstituída a partir dos leigos/leigas, uma vez que esta está

forçada a encerrar-se em si mesma, mas deve sair e exercer seu testemunho e compromisso

evangelizadores, (FLORISTÁN, 2002, p. 783) na formação e conscientização de grupos de

trabalho e reflexão, onde estas barreiras sejam primeiro reconhecidas, depois metodologicamente

transpostas com vistas a se estabelecerem ações de promoção humana e cidadania. A mera

reprodução de modelos de ação, e metodologias antes utilizadas, carece de urgente reflexão.

E nesta percepção de retorno do compromisso da Igreja com os de fora dela, Bosch nos

aponta a constituição do pensamento puritano que eram constrangidos pelo amor de Jesus.

Compreendia-se este amor de duas formas: seu amor experimentado pelo crente e seu amor pela

humanidade não redimida. João Wesley, por exemplo, falava do amor de Cristo ao pecador

perdoado, que docemente o constrange a amar cada criatura humana (BOSCH, 2002, p. 315).

Floristán aponta cinco grandes desafios à pastoral no âmbito social, os quais são: A

pobreza; A busca de sentido; O individualismo; A Indiferença à fé; O Pluralismo. E os que são

internos à vida da igreja, a saber: Os pobres; O fenômeno Comunitário; O desafio evangelizador;

O desafio ecumênico (FLORISTÁN, 2002, p. 786-788).

E para conter esta demanda social e eclesial aponta que há uma tensão constante entre

conservadores e os que têm a mente mais aberta e entre aqueles que se opõem à iniciativas que

sejam a partir de igrejas locais, postulando por iniciativas válidas aqueles que tem sua origem no

plano formal e estrutural da Igreja.

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187

A ação pastoral como ação da Igreja estará sempre sob diferentes tensões as quais, uma

vez reconhecidas, antes de serem elementos de coerção e isolamento, poderão, por outro lado, ser

criativas e embasadoras de novas ações pastorais, sendo elas:

1. A tensão entre o social e o eclesial.

Em primeiro, os movimentos internos da Igreja em favor dos pobres, da democratização e

do engajamento em que se propugne por transformações sociais, pretenderá tornar a Igreja mais

politizada; o que será visto pelo lado eclesial, como uma desvirtuação de sua vocação, que,

segundo entende, é mais espiritual do que social. Mais da alma, que do corpo. Nesta configuração

se criarão nomenclaturas ambíguas: o demônio, que possuía o indivíduo, a ser expulso pela ação

do libertador, não será aquele que domina as estruturas sociais e subjuga o conjunto de indivíduos

levando-os cegamente à morte lenta. No primeiro caso, a expulsão se dá mediante a mística do

sujeito que evocando a Trindade, desaloja o intruso, por meio da palavra. No segundo caso, a

mística é substituída pela ação, e o desalojamento do intruso se alonga e aprofunda por que seus

tentáculos não mais profundos e mortais passam por leis que geram uma cultura de exclusão

social.

2. A tensão entre a reflexão e a práxis.

Os modelos eclesiais de instrução aos sujeitos que aderem a este ou aquele segmento

cristão, estão focados na reprodução do conhecimento doutrinal, histórico da tradição a que

pertencem, alimentados por uma cosmovisão denominacionalista e competitiva, focada na

manutenção de seus quadros de membresia, quiçá, conquistando outros adeptos, e estimuladas

pelo arcabouço do pietismo que sustenta um apego ao conhecimento da Palavra de Deus como

fonte de sucesso e prosperidade, gerando focos de manifestações intimistas e individualistas da

mística da fé, sobretudo nos círculos estimulados pela competitividade do mercado dos bens

espirituais, submetidos a liturgias que negam o pluralismo, reforçam o individualismo, cegam os

olhares aos pobres em busca da prosperidade pessoal, reforçando que o senso do conceito de

comunidade é restrito, não amplo.

A reflexão da fé só faz sentido se nasce na práxis, e esta, por sua vez não servirá de

acúmulo de conhecimento teórico bíblico-teológico, mas se revestirá de ação transformadora, de

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188

serviço, de anúncio, de engajamento, de formulações críticas à ordem estabelecida, de busca de

caminhos alternativos, especialmente para atender os que estão em zona de abandono social e alta

vulnerabilidade em exposição às forças que conduzem a morte espiritual, moral social,

comunitária, civil e política.

Reconhecer estas tensões, com elas viver e conviver, pode gerar princípios de partida para

ações pastorais que postule a promoção humana e a construção da cidadania.

A seguir se abrirão as considerações finais desta pesquisa que trata da População em

Situação de Rua na Cidade de São Paulo, tendo-se escolhido como objeto de Pesquisa a

Comunidade Metodista do Povo de Rua, localizada no Viaduto Pedroso, trazendo-se para esta

reflexão os seguintes documentos:

a) Decreto lei Nº 40.232, de 02 de janeiro de 2001 que regulamenta a Lei nº 12.316, de

16 de abril de 1997, que dispõe sobre a obrigatoriedade do Poder Público Municipal a

prestar atendimento à população de rua da Cidade de São Paulo, e dá outras

providências.

b) O Plano de Assistência Social da Cidade de São Paulo (2002-2003), ao tempo em que

A Profª. Dra. Aldaíza Sposati ocupava o cargo de Secretária Municipal de Assistência

Social, e o decreto lei,

c) Decreto Nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a

População em Situação de Rua, assinado pelo Presidente da República Luiz Inácio

Lula da Silva , na data citada.

A partir, portanto, desses indicadores serão construídas as considerações finais desta

pesquisa.

Considerações Finais

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189

De 1992 a 2009, dezessete anos são passados da presença da Comunidade Metodista do

Povo de Rua na cidade de São Paulo, desde o tempo da Prefeita Luíza Erundina, que alavancou,

por meio de um levantamento de dados desenvolvido pela Secretaria Municipal do Bem-Estar

Social, com vistas a identificar a População de rua paulistana respondendo a três perguntas

fundamentais:

1) Quem é?

2) Como vive?

3) Como é vista?

Na década de noventa, o levantamento que fora elaborado por pesquisadores sob a

coordenação da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social da cidade de São Paulo com a

finalidade de responder às perguntas propostas acima, apontaram que o total de moradores em

situação rua no centro da cidade chega à casa de três mil pessoas, o que representava um desafio

à criação de políticas públicas adequadas e focadas. A evolução numérica desta população foi

expressiva passando de três mil pessoas na década de noventa para dezoito mil pessoas na

década seguinte, sendo a mesma constituída predominantemente por pessoas sem escolaridade,

sem vínculos familiares declarados, dependentes químicos e mais da metade deles na faixa etária

entre vinte e cinco e quarenta anos. Tal relação numérica que em uma década aponta que a

população de rua na cidade de São Paulo cresceu seis vezes já é um forte indicador de que

qualquer proposta de ação pastoral ou mesmo elaborada pelo poder público entrou em colapso

em apenas dez anos, em função do volume da demanda ocorrido, bem como a complexidade que

esta população tem em si. Fato é que a população em situação de rua vem crescendo e

preocupando as autoridades municipais, especialmente por que as políticas desenvolvidas até

então não reconheciam este segmento urbano. Por conta desta preocupação crescente, em 2007-

2008 o Instituto Meta, mediante acordo de cooperação assinado entre a Organização das Nações

Unidas, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome (MDS) desenvolveu um levantamento abrangeu um conjunto de 71 cidades brasileiras.

Desse total fizeram parte 48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais,

independentemente de seu porte populacional. Não foram contempladas com a pesquisa as

cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Recife, uma vez que já tinham elaborado suas próprias

pesquisas em anos recentes. O contingente de adultos entrevistados pelo Instituto Meta foi de

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190

31.922. Aponta-se para o futuro, a partir de novos movimentos em nível dos governos municipal,

estadual e principalmente federal, que sejam implementados novos modelos de atendimento a

esta população e que, na medida em que as políticas públicas forem sendo desenvolvidas se

perceberá que de fato, a polução de rua abrigadas nas grandes e médias cidades pode representar

o triplo do que foi constatado em 2007-2008.

A parceria da Igreja Metodista com a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social ao tempo

da prefeita Luiza Erundina, quando Igreja Metodista Coreana Ebenezer atendia a polução de rua

oferecendo dominicalmente o Café do Coreano.

A presença dos coreanos iniciou-se na década dos anos setenta os coreanos metodistas

chegam a São Paulo, motivados pela cultura da economia das confecções e vão se estabelecer nos

bairros da Luz e do Brás, tradicionalmente marcado pela presença dos judeus. Deste momento em

diante os coreanos vão se organizando em igrejas e passam a usar os espaços de cultos já

existentes, como foi o caso da Igreja Metodista no Bairro da Luz. São estes coreanos que

começam, entre 1987 e 1992, a servir café, achocolatado e pão com manteiga à população em

situação de rua que se agrupa na Praça Fernando Costa e no Parque D. Pedro II. O movimento foi

bem aceito, repercutiu pelo pela população, chegando a oferecer o café com pão para até mil

pessoas ali reunidas. A Igreja Metodista já se fazia presente junto à população em situação de rua

por meio do referido �Café do Coreano�. Neste tempo a secretaria do bem-estar social da

Prefeitura , associado à disposição da Prefeita Luiz Erundina em criar um mecanismo de

atendimento à população de rua formaram um movimento sinérgico aliando-se a disposição e

posicionamento do Bispo Nelson Campos Leite, que admitiu não perceber qualquer problema em

a Igreja Metodista conjugar força com o poder público municipal, entendendo que juntos

poderiam atender à População de Rua. Ato contínuo, a Comunidade Metodista do Povo de Rua

assume sua dimensão teológico-pastoral urbano com a declaração do Bispo Geoval Jacinto da

Silva argumentando que a Igreja Metodista era, e é, parte do cenário urbano paulistano, e por isto,

sua atuação junto à população de rua era o encarnar da dimensão evangélica do Reino de Deus,

numa demonstração clara à cidade e à população de rua do testemunho do amor de Deus a toda

gente. A Igreja Metodista se estruturou para organizar e depois gerir a Comunidade Metodista do

Povo de Rua visando dar eficiência e cumprimento às leis, tendo se orientado por meio da

A.M.A.S. (Associação Metodista de Assistência Social), da Igreja Metodista Central, por uma

questão de proximidade geográfica.

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191

A Comunidade Metodista do Povo de Rua ocupa seu lugar público na cidade de São

Paulo em três estágios de implantação, a saber: (1) Casa de Convivência, (2) o atendimento

sazonal oferecendo dormida à população de rua na Operação Inverno, (3) e depois o albergue.

Neste período, passaram pela direção da Comunidade Metodista do Povo de Rua três

coordenadores, sendo dois deles pastores: Pastores Alcides Barros e Samuel Duarte, nomeados

pelos Bispos da 3ª Região. Hoje a coordenação está sob os cuidado de Wilson Pereira, convidado

para a função pela liderança da Catedral Metodista de São Paulo.

Nesta trajetória de relacionamento entre a Igreja Metodista e o poder público Municipal é

gestada a Comunidade Metodista do Povo de Rua na sua versão plena, que consiste na criação e

operacionalização do albergue instalado no interior do Viaduto Pedroso.

Finalizando a primeira década do novo milênio, a Prefeitura Municipal de São Paulo, por

meio de sua Secretaria de Ação Social e atualmente com uma assessoria constituída denominada

Conselho de Monitoramento da Política dos Direitos das Pessoas em Situação de Rua na Cidade

de São Paulo, tem iniciado o desmonte da malha de atendimento à população de rua,

especialmente os albergues que operam sob viadutos, como é o caso da Comunidade Metodista

do Povo de Rua sob o Viaduto Pedroso, ou em outras construções e espaços insalubres, visando

com esta iniciativa humanizar o atendimento e atender a novas demandas que eclodiram nesta

segunda década, considerando-se a primeira entre 1992-2002 e a segunda entre 2003-2013, mas

principalmente a questão de normas sanitárias.

Os documentos fundantes da Comunidade Metodista do Povo de Rua são constituídos em

três, a saber: (1) O Plano de Trabalho em que se justifica e organiza as ações da Igreja Metodista

junto à População de Rua por meio do Albergue com a Secretaria Municipal da Família e Bem-

Estar Social � FABES, que computou a presença de 4.549 pessoas dormindo na rua na Cidade

de São Paulo, sendo que 3.032 na região central. O documento é assinado em 01 de novembro de

1994 e em 1995, a Comunidade Metodista do Povo de Rua assume sua faceta de Albergue, com

novos projetos e programas; (2) O Credo Social da Igreja Metodista que afirma sua

responsabilidade cristã pelo bem-estar integral do ser humano como decorrente de sua fidelidade

à Palavra de Deus expressa nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos. Esta consciência de

responsabilidade social constitui parte da preciosa herança confiada ao povo metodista pelo

testemunho histórico de João Wesley. O exercício dessa missão é inseparável do Metodismo

Universal ao qual está vinculada a Igreja Metodista por unidade de fé e relações de ordem

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estrutural estabelecidas nos Cânones; (3) e o Plano para Vida e Missão da Igreja é a continuação

dos Planos Quadrienais de 1974 e 1978 e conseqüência direta da consulta nacional de 1981 sobre

a Vida e Missão da Igreja, principal evento da celebração do 50º aniversário de Autonomia.

É com base raiz teológico-social de uma igreja pública que se forma não para construir

um denominacionalismo doutrinário, mas que entende que sua paróquia é o mundo, segundo João

Wesley, o projeto da Comunidade Metodista do Povo de Rua foi implantado e procurou se

desenvolver, objetivando no Plano de Ação o seguinte: prestar atendimento à população

moradora de rua oferecendo-lhe acolhimento e desenvolvendo atividades e projetos

complementares que possibilitem o resgate de sua cidadania.

A hipótese que se levantou nasceu desta dimensão da Igreja que se propõe ao anúncio do

Reino na dimensão urbana, ou seja, a Comunidade Metodista do Povo de Rua cumpriu o seu

Plano de Trabalho/1994, a saber: o resgate da cidadania, ou não? Entendendo que CMPR impôs

a si uma tarefa na dimensão de caminhar com os pobres e viver com eles, e em favor deles, sendo

este um segmento notadamente vivido em zona de exclusão social, privado dos direitos civis,

políticos e sociais. E que o resgate da cidadania implica em devolver aos pobres exatamente os

direitos civis, políticos e sociais, o que efetivamente falta à população em situação de rua.

Visar o ser humano em sua integralidade, radicado este em seu contexto, é preciso propor

não somente a transformação e resgate a indivíduos, mas se exigem ações alimentadas numa

pastoral que não seja meramente repetitiva e eclesial, mas que seja criativa, reflexiva, liberadora,

radical, na perspectiva da práxis em suas vertentes filosóficas, educacional e religiosa,

conduzindo a pessoa em situação de rua à dimensão do resgate de sua cidadania.

Embora o objetivo de resgatar a cidadania à população em situação de rua tenha se

inspirado na Constituição Federal promulgada em 1988, é inegável que a Igreja Metodista reflete,

desde a sua nascente, o pensamento de João Wesley, que postulou o princípio do amor a Deus e

ao próximo como fundamento do movimento que liderou.

Este eixo se refletiu nos documentos da Igreja Metodista que tem em sua história, desde a

Inglaterra, registros de compromissos assumidos com os pobres e marginalizados, propugnando

uma fé salvadora do indivíduo e um Profetismo de denúncia das estruturas sociais, políticas e

econômicas que conspiram contra a vida. Destarte, nesta dimensão, o movimento metodista teve

como marca o conceito de que a fé individual tinha, por óbvio, que ser construída em

comunidade, em contexto de vida cotidiana.

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Nesta dimensão percebe-se que a Comunidade Metodista do Povo de Rua perdeu-se em

seus referenciais teológico-sociais, sua tradição de proposição de uma fé cidadã, no dizer de

Clovis Castro, e encaminhou-se por uma pastoral repetitiva, na dimensão da ação do pastor/a, e

envolvida em servir a indivíduos, esgotando-se assim sua ação que poderia hoje ser uma

referencia de agente de transformação social, interferindo efetivamente na construção de políticas

públicas voltadas à população em situação de rua.

Em que pese a tradição teológica e pastoral justificando a presença e o testemunho da

Comunidade Metodista do Povo de Rua no contexto urbano, seguindo o legado missionário e

pastoral de João Wesley, esta comunidade, opostamente, estagnou-se. O poder público, em suas

diferentes políticas foi se estruturando e deixando para trás a Comunidade Metodista do Povo de

Rua que mergulhada em afazeres meramente operacionais e não percebeu que o poder público

somente recolhia relatório e demandava ações mediante repasse de verbas.

A pesquisa de campo desenvolvida e constituída dentro dos parâmetros do Comitê para

Ética em Pesquisa da Universidade procurou resgatar junto àqueles/aquelas que desenvolveram e

que hoje desenvolvem as ações visando o resgate da cidadania da população de rua que acessa a

CMPR. A receptividade dos sujeitos e a boa vontade em participar da pesquisa de campo são os

destaques que não podem ser olvidados por este pesquisador. Percebeu-se que as pessoas que

operacionalizam a ação diretamente junto a população de rua são jovens entre 20 e 40 anos; outro

dado relevante é que a formação acadêmica da equipe conta com 90 % de agentes com curso

superior; a carga horária, em função do estresse que envolve a população em situação de rua, é de

quarenta horas. Evidentemente que há folgas, mas mesmo assim é um regime, no mínimo

massacrante; e um destaque que se faz é que 80% dos sujeitos se detiveram em explicar a

expressão ação pastoral ou como um cuidado com pessoas ou mesmo a ação do pastor e da

pastora.

O entendimento de que pastoral é ação do pastor e da pastora, e não da Igreja, data do

século XIX, conforme apontados pelos sujeitos pesquisados na CMPR, e indicam que a

concepção de pastoral em seu viés científico, interdisciplinar e ecumênico ainda não chegou aos

agentes que são responsáveis pela execução da pastoral em nome da Igreja Metodista que

sustenta, pelo menos teológico-socialmente, a ideologia da CMPR.

Esta constatação se consolida na medida em que se reconhece a ausência de cursos de

pastorais aos sujeitos interventores no cotidiano da CMPR, e, por outro lado, a prática dentro da

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comunidade de programação tipicamente eclesiástica, como se o espaço utilizado pela CMPR,

por sua dimensão e natureza religiosa, devesse se constituir como uma �igreja alternativa� a

oferecer a mensagem do Evangelho à população em situação de rua.

A Cidadania, como categoria vista em diferentes épocas e contextos, vem se adaptando as

condições e contextos sociais, sem perder sua essência que é: o cidadão/ã na plenitude do

exercício de sua cidadania goza de direitos sociais, políticos e civis.

Estes são direitos inalienáveis e consolidados na Constituição Federal de 1988. Aponta as

temáticas que podem servir como elementos para elaboração de uma ação pastoral que tenha

dimensão de práxis junto à população de rua por meio da Comunidade Metodista do Povo de

Rua.

São caminhos já formatados como vias de acesso a cidadania, a compreensão e a assunção

ao direito à liberdade, igualdade, segurança, organização de cooperativas e partidos

representativos nos quais os excluídos possam construir a sua inclusão, bem como, o reclamo das

carências nas áreas de educação, saúde, moradia e outros, não sendo estes meramente

interpretados como um gesto de benemerência do Estado, ou uma facilidade oferecida ao cidadão

por meios de secretarias de assistência social, muito menos como gesto de solidariedade da

CMPR, mais sim, daqueles direitos inalienáveis das pessoas humanas segundo propugna a

Constituição Brasileira.

É notório que a dimensão operacional dos sujeitos que respondem pela CMPR no

cotidiano é por si só estressante e uma vez que são repetitivas e envolvem, inclusive, riscos à

saúde e à segurança física dos sujeitos. Cabe à Igreja Metodista assenhorear-se de sua tradição de

sua teologia herdadas de João Wesley, promover a conexão desses ideais com a CMPR, e

buscar parceria com o poder público, com as Igreja Metodista propriamente e outros agentes de

pastorais ecumênicas no Brasil e fora dele.

A temática Cidadania como objetivo geral da constituição da Comunidade Metodista do

Povo de Rua proposto no Plano de Ação em 1994 perde suas forças e se dilui em

assistencialismo, ao passo que no ambiente público nas instâncias municipal, estadual e federal

de governo a temática ressurge com vigor inspirando a criação de leis e novas e inovadoras

diretrizes para a população de rua.

A primeira que se faz referência é o Decreto nº 40.232 de 02 de Janeiro de 2001 que

regulamenta a Lei nº 12.316 de 16 de abril de 1997, a qual, considerando os artigos 203 e 204 de

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Constituição, dispõe caber ao Poder Público, ao oferecer serviços e programas de atenção à

população de rua, garantir padrões éticos de dignidade e não violência na concretização dos

direitos sociais e de cidadania desse segmento social.

O Decreto Lei nº 40.232 estabelece o objetivo da Lei focada na População em Situação de

Rua, e diz o seguinte, a partir do Artigo 4º (com grifos do autor):

A atenção à população de rua deve observar os seguintes princípios:

I - o respeito e a garantia à dignidade de todo e qualquer ser humano, sujeito de direitos civis,

políticos, sociais, econômicos e culturais garantidos na Constituição, na Lei Orgânica do

Município e legislação infra-constitucional;

II - o direito da pessoa a um espaço digno para estar, pernoitar e se referir na Cidade,

assegurado, minimamente, o direito à privacidade como condição inerente à sua sobrevivência,

existência e cidadania;

III - a garantia de supressão de todo e qualquer ato violento, bem como de comprovação

vexatória de necessidade, assim entendido, dentre outros, a declaração de pobreza;

IV - a não discriminação, por motivos de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade e

quaisquer outros, no acesso aos bens e serviços públicos municipais, principalmente os

referentes à saúde, não sendo permitido tratamento degradante, vexatório ou humilhante;

V - a subordinação da dinâmica do serviço à garantia da unidade familiar, sendo vedada a

desintegração da família para fins de atendimento;

VI - o direito do cidadão de restabelecer sua dignidade, autonomia, bem como sua

convivência comunitária, relacionando-se harmoniosamente com os demais cidadãos;

VII - o exercício do direito de participação da população, por meio de organizações

representativas, na proposição e no controle das ações que lhes dizem respeito.

E no parágrafo primeiro do artigo 1º se dispõe que cumpre ao secretário de Assistência

Social, através da sua pasta, coordenar a ação de todos os órgãos municipais afetos à questão, em

especial as Secretarias de Implementação das Subprefeituras, Abastecimento, Saúde,

Planejamento Urbano, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Trabalho, Verde e Meio Ambiente,

Educação, Cultura, Esportes Lazer e Recreação, Finanças e Desenvolvimento Econômico e da

Guarda Civil de São Paulo, cujos titulares designarão os respectivos representantes.

Neste conjunto de formulação de políticas públicas voltadas à População em Situação de

Rua do Município de São Paulo, é notada a ausência da Igreja, particularmente da Igreja

Metodista, configurando que, em se tratando de cidadania, a temática não passará pela intenção

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histórica da Igreja segundo a sua tradição, que vai além do compromisso com os indivíduos, mas

com as mudanças das estruturas sociais.

Em segundo, no ano de 2002-2003, a Prefeitura de São Paulo, por meio de Secretaria de

Assistência Social, publica o Plano de Assistência Social da Cidade de São Paulo, que é a

resposta documental ao Decreto nº 40.232, cuja Lei Orgânica define em sua abertura:

a) Embelecer uma assistência social que seja integrada no município, mas co-ligada a

ações tanto estaduais, quanto federais.

b) Garantir políticas através de projetos que assegurem aos cidadãos o mínimo de

cidadania.

c) Regulamentar e prover recursos financeiros para renda pessoal, familiar, crianças e

adolescentes em risco pessoal e social, projetos sociais dirigidos a adolescentes,

jovens, desempregados população em situação de abandono e desabrigo.

d) Manter relação conveniada e parceria com rede qualificada para serviços

socioassistencial para acolhida, convívio e desenvolvimento de capacidades.

e) Estabelecer parceria com rede de organizações sem fins lucrativos.

f) Manter sistema de informação vinculada à rede mundial de computadores com a rede

socioassistencial sócio-assitencial.

Desta maneira fica caracterizado que a assistência social será patrimônio do poder público

e que a denominada rede de assistência social, inclusive a Comunidade Metodista do Povo de

Rua, será o braço operacional das políticas públicas, no caso a Municipal, configurando-se que a

ideologia do resgate da cidadania é também patrimônio do poder público.

Este alcance da cidadania mediante interferência do poder público fica evidente na

abertura do texto, como exposto:

A Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica de Assistência Social, a LOAS de 1993 são

claras a este respeito, assim como a nova redação do artigo 221 da Lei Orgânica do Município

aprovado em 2001 pela Câmara Municipal de São Paulo, quanto à afirmação de que a política

de assistência social é dever do Estado e direito da população da mandatária e usuária. Isto

significa nova relação com as organizações sociais sem fins lucrativos, as ONGs, enquanto

parceiras de cidadania social através da convalidação de uma política pública. As relações entre

a SAS e as organizações sociais sem fins lucrativos, as ONGS, ao serem mediadas pelo fundo

público, isto é, pelo financiamento do orçamento público, estendem e ampliam a ação pública

desenvolvida pelo Governo Municipal, pois só o caráter público afiançando é que poderá

gerar direitos e reconhecimento de cidadania. [grifo do autor]

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Em terceiro, se faz referência ao Decreto 7.053/2009 de 23 dezembro de 2009 que

alimenta de novo vigor todo e qualquer Projeto voltado ao atendimento da População em

Situação de Rua. O Decreto do Presidente da República tem o seguinte alcance:

1. Define a População em Situação de Rua

Parágrafo único. Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo

populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares

interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma

temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou

como moradia provisória.

2. Abre novas possibilidades de acesso de parcerias

O Poder Executivo Federal poderá firmar convênios com entidades públicas e privadas, sem

fins lucrativos, para o desenvolvimento e a execução de projetos que beneficiem a população

em situação de rua e estejam de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos que orientam a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

3. Abre possibilidade na formação de gestores com foco especifico para atender à

População de Rua

*Garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no

desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais

direcionadas às pessoas em situação de rua;

* Incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população em

situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento;

4. Representa um avanço na medida em que reconhece que as casas de acolhimento existentes estão sucateadas e carecem de reestruturação física e de pessoal.

*O padrão básico de qualidade, segurança e conforto da rede de acolhimento temporário deverá

observar limite de capacidade, regras de funcionamento e convivência, acessibilidade,

salubridade e distribuição geográfica das unidades de acolhimento nas áreas urbanas, respeitado

o direito de permanência da população em situação de rua, preferencialmente nas cidades ou

nos centros urbanos.

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*Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social, fomentar e promover a reestruturação e a ampliação

da rede de acolhimento a partir da transferência de recursos aos Municípios, Estados e Distrito

Federal.

* A rede de acolhimento temporário existente deve ser reestruturada e ampliada para incentivar sua utilização pelas pessoas em situação de rua, inclusive pela sua articulação com programas

de moradia popular promovidos pelos Governos Federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Verifica-se, então, que houve um processo de evolução legislativa no que concerne à

População em Situação de Rua, destacando-se que, na Cidade de São Paulo, esta população

cresceu da casa de 4.000 para em torno de 18 mil na atualidade.

Este processo de evolução decorreu indubitavelmente da complexidade, da

heterogeneidade, do volume de pessoas em situação de rua que hoje circulam nos centros

urbanos. Foram criados no decorrer dos últimos anos, movimentos visando o melhor atendimento

à População em situação de rua, como por exemplo, o MNPR - Movimento Nacional da

População de Rua - que articula não só instituições apoiadoras e pastorais sociais como também

lideranças políticas que venham a atender os seus anseios, mediante a promoção de encontros

nacionais para a oitiva dos integrantes desta camada social, debates e tomada de medidas acerca

do tema.

Tanto é verdade que, muito antes da promulgação da legislação federal retro citada

(Decreto 7.053/2009), ou seja, em 2006, a Presidência da República constituiu, também por

Decreto, o Grupo de Trabalho Interministerial � GTI, com a participação direta de representação

da população de rua.

Destarte, o panorama geral da População em situação de rua, notadamente em São Paulo,

em muito difere hoje dos moldes e números existentes quando do surgimento da Comunidade

Metodista do Povo de Rua, razão pela qual, ao mesmo tempo em que se faz necessária a

retomada pela CMPR de suas raízes e da razão do seu nascedouro, há que se apegar a ideia de

modernização e contextualização dos trabalhos na Comunidade Metodista do Povo de Rua.

Feitas estas considerações, aponta-se à Comunidade Metodista do Povo de Rua:

1. Retomar do seu objetivo, a saber, o resgate da cidadania à População em Situação de

Rua, conforme postulado no documento encaminhado à FABES (1994), tendo a

Igreja Metodista como agente de interligação deste projeto com os poderes públicos e

órgãos ecumênicos, nacionais e internacionais.

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2. Reconfigurar seu Programa de Ação Pastoral, especificamente no que diz respeito às

atividades desenvolvidas no cotidiano, dentro de parâmetros mais adequados à

tradição do movimento metodista cuja dimensão ultrapassa a formação de igrejas

denominacionalistas, para ir além no horizonte do Reino de Deus na perspectiva de

que a paróquia é o mundo;

3. A criação de mecanismos de ação participativa da Igreja Metodista, por meio de sua

liderança Episcopal, junto aos órgãos públicos municipal, estadual e federal que

gestam e promulgam leis e normativas para atendimento à População em Situação de

Rua.

4. A abertura de linha de diálogo da Comunidade Metodista do Povo de Rua com a

Igreja Metodista num contundente programa de divulgação de seu papel e presença

no centro urbano, de forma a construir no imaginário dos crentes metodistas que no

novo contexto urbano há que se desenvolver pastorais de dimensões mais

abrangentes.

5. O restabelecimento de uma linha de diálogo multidisciplinar com o setor da Igreja

que cuida da área de formação dos vocacionados, visando incluir em seus programas

de formação os conceitos que envolvem a Capelania em sua múltipla dimensão.

6. Retomar a tradição Wesleyana de uma pastoral construída a partir de uma crítica ao

que está sendo elaborado e aplicado, ou seja, na dimensão da Práxis, de onde partirão

ações a partir de reflexões, possibilitando assim que a tensão entre o social e o

teológico, temas vigentes no seio da Igreja, assuma outra dimensão e produza bons

frutos.

7. Reestruturar as diretrizes de trabalho mediante a modernização da gestão, com

planejamento estratégico contendo identidade e propósito institucional diretamente

ligados aos preceitos da Igreja Metodista e a tradição wesleyana, e, ao mesmo tempo,

em sintonia com as carências atuais da população em situação de rua, as diretrizes

para ela lançadas pelo governo e os clamores emanados dos movimentos realizados

por esta camada populacional.

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As considerações finais abrem possibilidades de novas pesquisas tendo como objeto a

Comunidade Metodista do Povo de Rua, na perspectiva da construção da cidadania à população

em situação de rua da cidade de São Paulo.

Na medida em que se abordam as temáticas de gestão, de tensão interna na Igreja

Metodista, no que diz respeito à sua trajetória histórico-teológica em torno do compromisso

social da Igreja com a sociedade contemporânea, surge a necessidade de abertura de diálogo com

o poder público e outras igrejas numa dimensão ecumênica da ação pastoral e da práxis.

Estes caminhos alternativos de financiamento da Ação Pastoral, tendo em vista ser

extremante oneroso para a Igreja o envolvimento com projetos e programas de cunho social,

exige-se a criação de organismos mais eficientes na igreja. Desta forma o acompanhamento dos

projetos poderá ser de forma crítica, com vistas à correção de curso, quando necessário.

Apontam uma nova perspectiva na formação e capacitação de pessoas para atendimento a

grupos específicos exigirá da Igreja uma análise de seu atual programa de formação de obreiros

em nível de graduação, e não somente isto, mas no oferecimento de cursos de capacitação e

atualização àqueles/àquelas que já estão atuando em pastorais específicas.

Por outro lado, será também necessário desenvolver programas de atualização a

membresia da igreja, em geral, para que esses leigos/leigas, crentes de todas as idades conheçam

o que a Igreja Metodista propõe em seus documentos como �Credo Social�, �Plano para Vida e

Missão da Igreja� e maior contato com os documentos que narram a história do movimento

Wesleyano e seu compromisso social.

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209

ANEXOS

1 Autora da Lei do Povo da Rua é secretária da Assistência Social da cidade de

São Paulo

2 Decreto 7053/2009, 23 de dezembro 2009 � Política Nacional para População

em Situação de Rua

Reportagem Agência Brasil: Lula cria política nacional de população de rua,

por Flávia Albuquerque

3 Jornal Nacional, Rede Globo � Os evangélicos: o trabalho Metodista com

moradores de rua de São Paulo

4 Revista Veja São Paulo, 02 de dezembro 2009: Degradação que se esparrama

5 Credo Social da Igreja Metodista

6 Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista

7 Plano de Trabalho � CMPR (1º novembro 1994)

8 Plano de Ação Pastoral � CMPR, Pastor Samuel Duarte

9 Coordenadoria do Observatório de Políticas Sociais da Prefeitura Municipal de

São Paulo. Controle Mensal de Execução

10 AMAS � Relatórios de atividades do mês de dezembro de 2008

11 Pesquisa de Campo � questionário

12 Decreto nº 40232 � 02 de janeiro 2001

13 Plano de Assistência Social da Cidade de São Paulo (2002-2003)

14 Organograma da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de

São Paulo

15 Algumas considerações sobre a População de Rua na Cidade de São Paulo

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210

(FABES, 1996)

16 Manifestação de Patrus Ananias � Ministro do Desenvolvimento Social e

combate a fome