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Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa 353 ABRIL 2010 PÁGINAS 16, 17, 28, 29, 30, 31, 32 E EDITORIAL AGRESSÃO À HISTÓRIA NA PÁGINA 2 Repórteres que acompanharam o caso, desde a internação até à morte, levantam aspectos que ainda carecem de informações convincentes. PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 E 10 TANCREDO NEVES VINTE E CINCO ANOS DEPOIS, SUA TRAGÉDIA ABRIGA PONTOS OBSCUROS O O OA A AB B B B B B B B B BU U US S SC C CA A A A A A A A A A V V VE E ER R RD D DA A AD D DE E E NOVA DIRETORIA TEM QUATRO REELEITOS SUBIU O COMPARECIMENTO DE SÓCIOS À ASSEMBLÉIA-GERAL. PÁGINAS 11, 12 E 13 VIOLÊNCIA VIA INTERNET COMO REVIDE AO E STADÃO MAIOR EDITORA PAGA R$ 35 POR DESENHO A ERA JK NAS FOTOS DE DOIS MESTRES NOVA MODALIDADE DE COAÇÃO À IMPRENSA UTILIZA MEIO ELETRÔNICO. PÁGINA 27 E MAIS: MANDA LIVRARIAS JOGAR NO LIXO OBRAS QUE ENCALHAM. PÁGINAS 33, 34, 35, 36 E 37 JEAN MANZON E SÉRGIO JORGE CAPTARAM O NOVO. PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44, 45 E 46 TORTURADORES E TORTURADOS S S ST T TF P F P F P F P F PE E ER R RD D DO O OA C A C A C A C A CR R RI I IM M MI I IN N NOSOS OSOS OSOS OSOS OSOS O G O G O G O G O GE E EN N NE E ER R RA A AL SO L SO L SO L SO L SOF F FI I IS S SM M MO O OU U U ILUSTRAÇÃO DE HENFIL CEDIDA PARA A CAMPANHA DA OAB

Jornal da ABI 353

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Uma edição com matérias de impacto: - Torturadores e torturados: a OAB quer a verdade. O General sofismou em programa da Globo News. O Ministro Eros Grau, vítima da ditadura, conduziu a votação que, por sete a dois, concedeu aos que seviciaram presos o perdão que a Lei da Anistia não admitiu. - Tancredo Neves Vinte e cinco anos depois, sua tragédia abriga pontos obscuros. Antônio Brito fala ao Jornal da ABI. - Uma das principais editoras do Brasil pede para livreiros rasgarem livros e humilha desenhistas pagando R$35 por desenho. - A Era JK nas fotos de dois mestres: Jean Manzon e Sérgio Jorge. - Saudades da revista Sr.

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Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

353ABRIL2010

PÁGINAS 16, 17, 28, 29, 30, 31, 32 E EDITORIAL AGRESSÃO À HISTÓRIA NA PÁGINA 2

Repórteres que acompanharam o caso, desde a internação até à morte, levantam aspectos que ainda carecem de informações convincentes.PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 E 10

TANCREDO NEVES VINTE E CINCO ANOS DEPOIS, SUA TRAGÉDIA ABRIGA PONTOS OBSCUROS

OOOOOAAAAAB BB BB BB BB BUUUUUSSSSSCCCCCA A A A A A A A A A VVVVVEEEEERRRRRDDDDDAAAAADDDDDEEEEE

NOVA DIRETORIA TEMQUATRO REELEITOS

SUBIU O COMPARECIMENTO DE SÓCIOS ÀASSEMBLÉIA-GERAL. PÁGINAS 11, 12 E 13

VIOLÊNCIA VIA INTERNETCOMO REVIDE AO ESTADÃO

MAIOR EDITORA PAGA SÓR$ 35 POR DESENHO

A ERA JK NAS FOTOSDE DOIS MESTRES

NOVA MODALIDADE DE COAÇÃO À IMPRENSAUTILIZA MEIO ELETRÔNICO. PÁGINA 27

E MAIS: MANDA LIVRARIAS JOGAR NO LIXO OBRASQUE ENCALHAM. PÁGINAS 33, 34, 35, 36 E 37

JEAN MANZON E SÉRGIO JORGE CAPTARAM ONOVO. PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44, 45 E 46

TORTURADORES E TORTURADOS

SSSSSTTTTTF PF PF PF PF PEEEEERRRRRDDDDDOOOOOA CA CA CA CA CRRRRRIIIIIMMMMMIIIIINNNNNOSOSOSOSOSOSOSOSOSOSO GO GO GO GO GEEEEENNNNNEEEEERRRRR AAAAAL SOL SOL SOL SOL SOFFFFFIIIIISSSSSMMMMMOOOOOUUUUU

ILUSTRAÇÃO DE HENFIL CEDIDA PARA A CAMPANHA DA OAB

2 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

AGRESSÃO À HISTÓRIACONTRARIANDO AS EXPECTATIVAS dos seto-

res progressistas da sociedade e os opinamen-tos de eminentes mestres do Direito, o Supre-mo Tribunal Federal decidiu lavar as mãos no casoda responsabilização dos agentes da ditadura quecometeram os delitos mais torpes, como as tor-turas de homens e mulheres, crianças e idosos,sem condições de defesa, os fuzilamentos sumá-rios, os estupros e as ocultações de cadáveres,que a maioria dos ministros, para vergonha doBrasil diante do mundo civilizado, consideroucomo alcançados pela Lei da Anistia de 1979 e,portanto, insuscetíveis de qualquer sanção, ain-da que apenas de ordem moral.

COMO OCORRERA no julgamento do proces-so que promoveu a supressão de obrigatorie-dade do diploma de conclusão do curso de Jor-nalismo ou de Comunicação Social para o exer-cício da profissão de jornalista, em que váriosministros agrediram os registros históricos aodeclarar que o Decreto-Lei nº 972/69 consti-tuíra uma forma de censura à imprensa, tam-bém no caso da apreciação da Argüição de Des-cumprimento de Preceito Fundamental ajuizadapelo Conselho Federal da Ordem dos Advoga-dos do Brasil os integrantes da Suprema Corteagrediram a verdade histórica, ao proclamarque a aprovação da Lei nº 6.683 pelo Congres-so Nacional, em 1979, resultara de um proces-so de negociação, em que os perseguidores –os agentes da ditadura militar – e os persegui-dos – as vítimas de práticas hediondas nos porõesda ditadura militar – teriam encontrado umponto de entendimento para dotar o projetoem discussão de disposições que contentassemas correntes em confronto. Trata-se de uma fa-lácia, mistificação que não resiste à evidênciados números. Se o projeto foi aprovado por 203votos a 201, consagrado, pois, por estreitíssi-

EditorialEditorial DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 História História História História História - Revisita a Tancredo, sem segredos

09 HistóriaHistóriaHistóriaHistóriaHistória - As confissões de Antônio Brito,

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o porta-voz da tragédia

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14 HomenagemHomenagemHomenagemHomenagemHomenagem - Grã-Cruz da Maçonaria para a ABI

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

14 Mérito Mérito Mérito Mérito Mérito - Rodolfo Konder, titular na Educação

15 AniversárioAniversárioAniversárioAniversárioAniversário - JB festeja 119 anos com

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missa e suplemento

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16 Negócio Negócio Negócio Negócio Negócio - Portugueses compram O Dia

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

16 MemóriaMemóriaMemóriaMemóriaMemória - O General brigou com a verdade

18 CondecoraçãoCondecoraçãoCondecoraçãoCondecoraçãoCondecoração - Ordem do Rio Branco

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para Derengoski

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18 Lembrança Lembrança Lembrança Lembrança Lembrança - Rubem, o santo padroeiro

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20 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Saudades de Senhor

22 LegLegLegLegLegislaçãoislaçãoislaçãoislaçãoislação - Professores de Jornalismo

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reclamam a volta do diploma

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23 InjustiçaInjustiçaInjustiçaInjustiçaInjustiça - Zé Fontes, o repórter esquecido

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33 MercadoMercadoMercadoMercadoMercado - Tristes páginas

40 DocumentoDocumentoDocumentoDocumentoDocumento - Retratos do novo no Brasil

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que passou: Jean Manzon e Sérgio Jorge

SEÇÕES11 AAAAACCCCCONTEONTEONTEONTEONTECEUCEUCEUCEUCEU N AN AN AN AN A AB AB AB AB ABIIIII

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Azêdo, Tarcísio, Domingos e Chediak reeleitos

26 LLLLLIIIIIBBBBBE RE RE RE RE RDDDDDADEADEADEADEADE D ED ED ED ED E I I I I IMMMMM PPPPPRRRRRE NE NE NE NE NS AS AS AS AS A

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Um caso de violência via internet

DDDDDIIIIIRRRRRE ITE ITE ITE ITE ITO SO SO SO SO S H H H H HUUUUUMANOSMANOSMANOSMANOSMANOS28 A OAB-RJ quer a verdade, toda a verdade

da ditadura

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30 O Supremo absolve os que torturaram

38 LLLLLIVROSIVROSIVROSIVROSIVROS

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A imprensa num perfil coletivo

47 VVVVVIIIIIDDDDDA SA SA SA SA S

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Mário de Moraes

ma margem, está aí a prova de que não houvea negociação nem o acordo que agora se alega:um dos lados foi derrotado.

A DECISÃO DO SUPREMO enveredou pela con-tramão do que acontece na América do Sul, ondediferentes países fizeram o ajuste de contas comos que torturaram, mataram, roubaram crian-ças ainda nos cueiros após o assassínio de seuspais, como se deu na Argentina do ditador Vi-dela, ou deram sumiço a milhares de adversá-rios do regime, como no tenebroso Chile do di-tador Pinochet. Nesses países, assim como noUruguai, as forças democráticas impuseram-seaos saudosos e cúmplices dos regimes de exce-ção e deixaram clara a advertência de que essepassado ominoso não será apagado e os auto-res de tantos crimes não permanecerão na pe-numbra do esquecimento de que falava o es-critor argentino Júlio Cortázar.

A CONTRAMÃO ESCOLHIDA pelo Supremo co-lheu em constrangedor atropelamento os se-tores da sociedade que reclamam a aberturados arquivos da ditadura, para que se conhe-çam em sua inteireza os crimes que marcarama quadra 1964-1985 de nossa vida nacional,quais foram suas vítimas, quais os seus auto-res e onde ocorreram tantos atentados à dig-nidade da pessoa humana. Como sublinhou aSeção do Estado do Rio de Janeiro da Ordemdos Advogados do Brasil, em coro com nume-rosos segmentos da sociedade em diferentespontos do País, ao lançar campanha nacionalcom esse objetivo, nosso povo tem direitosagrado à memória, à verdade e à justiça.

PENA QUE A SUPREMA Corte não tenha ofere-cido a contribuição que lhe cabia em matériatão relevante.

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, TeixeiraHeizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCAL 2009-2010Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa doNascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther,Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010Presidente: Pery Cotta1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, FernandoSegismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da SilvaFernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos ArthurPitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), LedaAcquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho,Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros efetivos 2007-2010Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch,Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto,Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo deSousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

Conselheiros suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora,Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) eRogério Marques Gomes.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria doPerpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, SidneyRezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.

Conselheiros suplentes 2007-2010Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, ArcírioGouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva,José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, MaurílioCândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAJarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri,Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSOrpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto,Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda dePaiva e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIALPaulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, JoséRezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno JatahyDuque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.

Jornal da ABINúmero 353 - Abril de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira,Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luizde Freitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ -Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

Representação de São PauloDiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP

AVISO AOS ASSOCIADOS EM DÉBITO - A Diretoria da ABI informaaos associados em débito há mais de um ano que a partir daEdição nº 354 do Jornal da ABI, data de capa maio de 2010,suspenderá o envio desta publicação, em razão do alto custo desua produção editorial e gráfica e de sua remessa pelo Correio.Os associados que quiserem zerar seu débito poderão pagar amensalidade de junho, quando circulará a citada Edição nº 354,mediante quitação de boleto que poderá ser solicitado pelo e-mail [email protected].

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DELÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

3Jornal da ABI 353 Abril de 2010

HISTÓRIA

No ano em que completaria100 anos, e que marca também os25 anos de sua morte, o capítulofinal da trajetória de TancredoNeves é revisitado pelo Jornal daABI, que ouve jornalistas queparticiparam da cobertura da do-ença e morte do Presidente elei-to, em 1985. Afinal, a imprensaestava preparada para aqueleepisódio? Cumpriu seu papel oudeixou-se levar pelo apelo emo-cional dos fatos? Investigou namedida necessária, ou se conten-tou cegamente com os informesoficiais? Passado tanto tempo,ainda há algo a ser esclarecido?Com a palavra, os personagensque retrataram aquela época.

Um quarto de século após o trauma sofridopelo povo, ainda há questões que demandam

esclarecimentos sobre o fim daquele quepoderia ser, e por 24 horas não pôde ser, oprimeiro civil a ocupar o poder depois do

golpe militar de 1º de abril de 1964.

POR PAULO CHICO

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4 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS

roteiro da História costu-ma pregar peças. Algunsdesses casos, mais do quesurpresa, causam espan-to e marcam, num dadomomento ou para sem-

pre, a alma de um povo. Foi num mis-to de desencanto e esperança que mi-lhões de brasileiros acompanharam, em1985, a lenta agonia e morte de Tancre-do Neves, num processo repleto de cri-ses, cirurgias, boletins médicos contra-ditórios e afirmações duvidosas sobreo quadro de saúde do político mineiro.

Desde a noite de 14 de março, quan-do fora internado às pressas para umacirurgia no abdômen, o primeiro Pre-sidente civil do Brasil, após mais deduas décadas de ditadura militar, eraalvo de orações e muita, muita torci-da. Um clima de comoção que, por ve-zes, dominava a imprensa. Após a incre-dulidade inicial, entre os jornalistascrescia a sensação de que a tragédia quese anunciava estava prestes a se tornarreal. Hoje, 25 anos depois, é fácil perce-ber o quanto aquela maratona – foram38 dias de internação, entre Brasília eSão Paulo – exigiu esforços das equipesmédicas. E das Redações.

“Eu chefiava a sucursal de Brasília doJornal do Brasil. Primeiro, é preciso di-zer que ninguém imaginava que o Tan-credo estivesse doente, nem os políti-cos e muito menos a imprensa. E estaestava despreparada para cobrir aqui-lo. Não entendíamos bem a situação esequer havia repórteres com especiali-zação suficiente para compreender etraduzir melhor os laudos médicos ediagnósticos. E havia um cerco fecha-do em torno do Presidente, uma espé-cie de blindagem. De início, acho quepor não imaginarem que seria algo gra-ve, ou seja, para não preocupar a popu-lação. E, depois, ao contrário,quando já havia uma consciên-cia de que seria difícil ele esca-par daquela situação”, conta Ri-cardo Noblat, hoje em O Globo.

A insistência da imprensa emapurar os fatos chegou a provo-car reações inflamadas da famí-lia, como quando a esposa deTancredo, Risoleta Neves, acu-sou os jornalistas de estarempromovendo uma invasão deprivacidade e praticarem o es-porte de fazer perguntas ‘abu-treiras’.

O frisson e o ineditismo da si-tuação levaram o JB a dar umgrande furo na cobertura docaso, ainda que sem ter a noçãode tal feito. Depois da transfe-rência, com Tancredo já em SãoPaulo, havia em campo jornalis-tas um pouco mais afeitos à es-fera médica. Por outro lado, al-guns médicos pareciam dispos-tos a falar em off. Mas, a princi-pal notícia, ao longo de toda acobertura, talvez tenha sido oanúncio de que se tratava de umtumor, e não de simples diverti-

culite. Essa afirmação foi publicada emprimeira mão pela Folha de S. Paulo elogo desmentida pelas fontes oficiais.

“Olha só que curioso! Na primeiramatéria, na edição seguinte ao dia dainternação do Presidente, o JB descre-via o procedimento da cirurgia e, numdeterminado momento, dizia que umdos cirurgiões, ao sair da sala, teria ditoa alguém próximo. ‘É um tumor’. O Jor-nal do Brasil publicou isso, exatamen-te isso, no meio da matéria, logo no diaseguinte à cirurgia. Está lá perdido, nomeio do texto. E nós não nos demosconta disso, do valor dessa informação.Passou batido. Não fomos atrás... Nãodesdobramos... Isso para você ver comoeram a correria e o tumulto daquelesdias. Cheguei a ficar uma semana in-teira na Redação, dormindo algumaspoucas horas num sofá dentro do aqu-ário”, recorda Noblat.

Ainda antes de o real diagnóstico serpublicado pela Folha, a versão que dava

conta de que o Presidente sofria comum tumor bateria novamente à portado Jornal do Brasil.

“E quem a conseguiu foi o Bob Lopes,junto ao Senador Marcondes Gadelha(PMDB/PB), que também era médico.Mas não dava para publicar aquilo. Se-ria, no calor da ocasião, dizer que a Re-pública inteira estava num teatro, men-tindo para o País, para a opinião públi-ca. Deixar claro para a população queaquele quadro, talvez, não pudesse serrevertido. E era difícil bancar essa infor-mação, tendo ela vindo de uma fonte só.Não sei qual foi, ou quais foram, asfontes da equipe da Folha de S.Paulo,que fizeram com que o jornal bancas-se a publicação”, diz Noblat.

Dentro do que era possível fazer, comos recursos daquela época e naquele con-texto político, Noblat avalia como razo-ável a cobertura da mídia.

“O mais importante é que os jornaisadotaram uma postura correta, respon-sável. Não deram espaço a teorias de as-sassinato ou de conspiração, que nãofaziam sentido, para as quais não ha-via qualquer fundamento. Hoje sabe-mos que, na verdade, Tancredo estavadoente já ao longo de sua campanha.Mas seu drama inesperado mobilizouo País e as Redações. Havia uma espé-cie de torcida, até entre os jornalistas,para que ele se restabelecesse. Haviauma dificuldade geral de acreditar queo seu quadro fosse tão grave. Na ver-dade, era inconcebível que, após duasdécadas de ditadura, o primeiro Presi-dente civil não tomasse posse, e aindacorresse risco de morte”, explica No-blat, lembrando que um episódio seme-lhante, nos dias de hoje, provocaria co-bertura de dimensão ainda maior.

“A internet possibilitaria um acom-panhamento em tempo real. E a própriatelevisão daria muito mais visibilidade.

Veja, por exemplo, a repercussão no casodo julgamento dos Nardoni.”

Da informação à oração“Vi um repórter de rádio que foi

chamado ao vivo e que, não tendo maiso que dizer, começou a rezar ‘Ave Ma-ria’. E a oração completa foi ao ar, aovivo! Ele começou a entrada assim:‘Agora não há mais nada o que fazer, anão ser rezar. Ave Maria cheia de gra-ça...’. E foi em frente”, lembra TonicoFerreira, repórter da TV Globo queparticipou da cobertura, que classificacomo longa e desgastante.

“Eu corria atrás de médicos especi-alistas para tentar avaliar o quadro doPresidente e explicar os problemas desaúde dele aos telespectadores. Ao fimde quase 40 dias, eu achava que iriamorrer junto com o Tancredo, de can-saço. Aliás, não só eu, mas todos os co-legas. A cobertura da Globo foi muitoboa, com o Carlos Nascimento e o Car-los Tramontina entrando ao vivo comas informações de última hora, que todaa equipe de repórteres pescava aqui eacolá. Corriam boatos, mas eu não acre-dito em conspiração. Havia uma movi-mentação militar em Brasília para evi-tar a posse, mas os militares de extremadireita não tinham a capacidade de ma-tar o Presidente com um tipo de vírus,como se chegou a especular.”

Tonico Ferreira considera que a maiordificuldade enfrentada pelos jornalistasresidia mesmo na área médica e naspessoas próximas ao Presidente.

“Tínhamos que lidar com as tenta-tivas diárias da equipe de médicos e deassessores de esconder a gravidade doestado do Tancredo. Foi um show devaidades médicas, combinadas commentiras. Acho que as maiores farsasforam desmascaradas, como a foto en-cenada com a equipe médica para

mostrar que o Presidente es-tava bem, depois da qual elenovamente passou mal”, dizTonico, que elogia a atuaçãode Antônio Brito, porta-vozda Presidência da República.

“Ele fez o que pôde. Esta-va numa situação difícil, ti-nha que participar das evasi-vas. Era tremendamente cha-to ouvir os boletins médicos,com aquela leitura intermi-nável de nomes de ‘professo-res doutores’, que assinavamum papelzinho que nada di-zia de importante e conclusi-vo”, lembra Tonico Ferreira.

Em linhas gerais, assimcomo o repórter da TV Glo-bo, a maioria credita exata-mente ao trabalho do jorna-lista gaúcho o esforço de ten-tar informar com transparên-cia sobre o real estado do Pre-sidente eleito.

Alguns momentos beira-vam o constrangimento.Como na madrugada do dia15 de março, logo após a pri-meira das sete cirurgias que

MAIR

A VIEIRA

Ricardo Noblat: No tumulto daquelesdias, cheguei a ficar uma semana na

Redação, dormindo poucas horas.

O início e o fim do drama no Jornal do Brasil: entre 15 de março e 22 de abril a imprensa teve que lidarcom a mudança de regime e de governo agravada pela doença de um Presidente que não tomou posse.

5Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Tancredo foi submetido. En-quanto dava uma coletiva, Britofoi interrompido por Aécio Ne-ves, neto do Presidente. O ex-Go-vernador de Minas Gerais era, naépoca, seu assessor particular. Deforma precipitada, como veio a seconfirmar em seguida, ele garan-tiu aos jornalistas que o avô pas-sava bem, e que iria, inclusive,tomar posse no dia seguinte. Nes-se episódio, bem como em outrosseguintes em que se viu publica-mente questionado, AntônioBrito impôs seu estilo compene-trado de atuação, e parecia sem-pre recobrar a credibilidade, porvezes abalada por seus pares.

Durante a estada de Tancredono Instituto do Coração, em SãoPaulo, após coletivas oficiais,Brito reunia-se reservadamentecom os repórteres, para comple-mentar informações. Mesmo ao públi-co telespectador, parecia expressar-sealém das palavras. Sua feição séria esobriedade diziam mais sobre o estadode saúde do Presidente do que os eva-sivos boletins médicos. Ao todo, leu 42destes.

No infortúnio, fator sortefez a diferença

“O Brito teve uma atuação muitodigna. Víamos que ele e o Carlos Mar-chi, seu auxiliar, lutavam internamen-te contra a manipulação das informa-ções. No entanto, pareciam vencidos,até o momento em que entrou em cenao Ministro-Chefe do SNI, Ivan de Sou-za Mendes. Nós, da imprensa da rede-mocratização, achamos a princípio queaquele seria um personagem sinistro,que comprometeria ainda mais a qua-lidade dos informes oficiais. Mas ocor-reu exatamente o contrário. O Gene-ral conseguiu enquadrar os médicos epolíticos e garantir a prevalência da ver-dade, mesmo que não total, nos infor-mes. Com o tempo, a imprensa perce-beu este processo e se acalmou. Partía-mos do oficial para apurar com as fon-tes complementos e detalhes secundá-

rios”, descreve Inácio Muzzi, que cobriuo episódio pela revista IstoÉ. Uma expe-riência que, além da sua competênciajornalística, contou, em seu início, comum auxílio fenomenal: o fator sorte.

“Na noite da véspera da posse, acrença era de que as bruxas estavamsendo enterradas. Eu insistira com oDiretor de Redação daIstoÉ, Mário de Almei-da, que podia mandarimprimir a matéria queeu escrevera como se aposse houvesse trans-corrido. Eu tinha o dis-curso e o esquema cro-nometrado da soleni-dade. No dia seguinte,faria só uma matériade clima. Ele resistiu:‘E se o Tancredo trope-ça?’. Vencido por aque-le editor ‘paranóico’,fui me encontrar numbar com amigos de SãoJoão Del Rey, entre elesum médico, sobrinhodo Presidente. Mas o médico não esta-va lá. Um dos presentes me disse: ‘Sentaaí, que ele já volta. Foi só levar o Tancre-

do para tomar soro no Hospital deBase’. Corri para o hospital. Vi en-trando pela portaria o futuro Mi-nistro da Fazenda, Francisco Dor-neles. Do orelhão, logo em frente,gritou-me o repórter da Rádio In-confidência, Rachid Voner: ‘Eu jádei o furo! O Presidente está nohospital!’. Naquele momento Ra-chid, já falecido, era um pacienteevadido. Dera entrada com umacólica estomacal e, ao ver o Presi-dente lá dentro, pulou da maca ecorreu para o telefone. O curiosoé que tanto ele como eu éramos osmais inapropriados para aprovei-tar um furo. Eu, por ser de revis-ta. Ele, por ser da emissora oficialdo Governo de Minas. Mais tardeele contaria que tivera uma lutaverbal com o editor, que não que-ria acreditar na notícia, dependen-do de aprovação oficial para colo-

cá-la no ar”.Muzzi, então, entrou no hospital

na esteira de Dorneles, sobrinho deTancredo.

“Não havia esquema de segurança.Esta é outra característica da época. Oregime que entrava e o que saía não sefalavam. Mais tarde, quando fui expul-

so, pude presenciar o desencontro en-tre oficiais das PMs de Minas e do Dis-trito Federal, tentando se entender,sobre quem guardava o quê. Fiquei zan-zando pelos corredores do centro cirúr-gico. Após a morte do Presidente, a suairmã, a freira Ester, me contaria que na-quela noite exatas 41 pessoas assisti-ram, de alguma forma, à primeira cirur-gia. ‘Algumas estavam trepadas embanquinhos para enxergar melhor ’,disse. Consegui permanecer incógnitoaté o início da madrugada. Àquela al-tura, seguranças tentavam manter asportas do pronto-socorro cerradas. Nosdois orelhões em frente, filas de repór-teres excitados. A notícia era pouca,mas nervosa: o porta-voz Brito disseque o Presidente tinha apendicite; oPresidente da Câmara, Ulisses Guima-rães, saíra com o braço seguro pela mãodo novo Ministro do Exército, Gene-ral Leônidas Pires. Ambos declararamque o caminho era ‘a via constitucio-nal’, fosse lá o que isto significasse.Quem seria o empossado? Sarney?

Vice de um titular que não existia? OuUlisses, Presidente da Câmara e na li-nha direta de sucessão? A questão se-ria esclarecida horas depois, pelo Mi-nistro-Chefe da Casa Civil do Presiden-te que saía, o jurista Leitão de Abreu.Assim, os dois governos, finalmente,começavam a se falar.”

No fim da ditadura,a democracia em risco

O temor geral era de que os milita-res, já não muito fãs do perfil políticode Tancredo, aproveitassem as incerte-zas e indecisões daquele momento detransição para frear ao máximo o pro-cesso de redemocratização do País.

“O Tancredo temia que o Figueire-do não desse posse ao José Sarney, comquem, de fato, não simpatizava. Issopoderia criar um mal-estar na Nação,que assistiria a uma posse sem Presi-dente. Tancredo tivera sua crise maisaguda, sofreu com uma dor danadanuma igreja, na missa. Na verdade, elesofria desse problema já há muito tem-po. Tinha até uma mania que, talvez,pudesse ser um indicativo da doença,uma manifestação de incômodo. Atodo momento, fazia o movimento deesticar ao máximo uma das pernas e co-

çar a barriga. E fez toda a campanha comisso. Ele havia corrido o mundo, passa-do pela Europa. Se quisesse, até pode-ria ter sido operado em Paris, em sigilo.Diante das dores e da indicação cirúr-gica, pediu que os médicos lhe dessemum remédio qualquer, forte, apenas paraagüentar aquilo mais um dia. Só até aposse. ‘Depois de empossado, vocêspodem me cortar onde quiserem’, pediaele”, revela Villas-Bôas Corrêa.

Experiente jornalista político, Villas-Bôas já estava em Brasília para cobrira posse. Chegara à capital federal comcinco ou seis dias de antecedência.

“Eu havia marcado um jantar como Aluísio Alves, que depois seria Minis-tro da Administração do Sarney. Quan-do cheguei ao restaurante, ele não es-tava. Mas estava o seu filho. ‘Estou teesperando aqui só para dizer que meupai não vem, pois o Tancredo foi inter-nado às pressas’. Aí, pensei: o que fa-zer? Vou pro hospital? Para o Congres-so? Não vai adiantar nada... Pergunteia mim mesmo: para onde está indo o

Inácio Muzzi: Não havia esquema de segurança no hospital. Fiquei zanzando peloscorredores do centro cirúrgico e consegui permanecer incógnito até o início da madrugada.

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A internação, as contradições e o trauma brasileiro: três capas resumem um longo e angustiante período.

Tonico Ferreira: Ao fim de quase 40 dias, eu achava queiria morrer junto com o Tancredo, de cansaço.

6 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

poder? E lá fui eu pra casa do Sarney.Fui recebido pela Roseana, que, choran-do muito, se jogou nos meus braços.‘Villas, o que vai ser do papai?’. E eudisse que não haveria nada demais.Simplesmente, no dia seguinte ele to-maria posse. E ela: ‘Você não está ven-do o que vai acontecer? Aquela multi-dão toda vai vaiar o meu pai...’, deses-perou-se. Houve uma longa reuniãopolítica, para decidir quem assumiria:Ulisses ou Sarney? Às cinco da manhãfoi feito um discurso de posse. E quembancou a nomeação do Sarney, inicial-mente temeroso, foi o Leônidas Pires”.

Sem ter dormido, Villas passou nohotel, onde fez a barba e trocou de rou-pa, e seguiu para a unidade móvel daTV Manchete, de onde transmitiria aposse. Da equipe, participaram dessacobertura apenas ele e um câmera. Osdemais não acordaram a tempo, exaus-tos depois de terem trabalhado durantea primeira noite de internação.

Ricardo Kotscho, na época na Folhade S.Paulo, narra sua experiência em DoGolpe ao Planalto: Uma Vida de Repórter.

“No Incor, em São Paulo, para ondeTancredo foi transportado, cobri seusprimeiros dias de agonia, que se prolon-garam, cirurgia após cirurgia. Certanoite, seu Frias, que não gostava de serchamado de jornalista mas adoravafarejar notícias exclusivas, me deu or-dens para viajar a São João Del Rey, emMinas Gerais, onde Tancredo nascerae onde vivia sua família. ‘O quadro deleé irreversível’, me garantiu. E lá fui eu,na certeza de que o desenlace se dariaem poucas horas. Ainda quando o Pre-sidente eleito estava sendo tratado emBrasília, seu Frias conseguiu a informa-ção de que não se tratava de diverticu-lite, e sim de um tu-mor. Fomos todosnós, repórteres, fu-rados pelo dono dojornal. Quando oporta-voz AntônioBrito leu a nota ofi-cial no início do Fan-tástico, da TV Globo,e Fafá de Belém can-tou o Hino Nacio-nal, os sinos come-çaram a repicar emSão João Del Rey.Jorge Araújo e eumal acabamos detransmitir o materi-al do domingo e nospusemos a planejara cobertura do en-terro, que atrairiamilhares de pessoas para a históricacidade mineira.”

Improvisos, desencontrose suspeitas

As dificuldades ao longo da cober-tura surgiram naturalmente do fatoinesperado, mas também da falta decoordenação entre o Governo que en-trava e o que saía e da tentativa dospolíticos e dos médicos de controlar ainformação.

“Os médicos provocaram muitoruído, pela vaidade de aparecer comoprotagonistas na cena da cirurgia. Ospolíticos da miscelânea da Nova Repú-blica tentaram manipular os dados sobdiversos argumentos. Aqueles egressosdos quadros da ditadura, muito próxi-mos a Sarney, vinham com o vício deque se tratava de uma questão de se-gurança nacional. Já os ligados a Tan-credo traziam a insegurança de quemtemia pela ordem democrática, aindanão legitimada. O resultado foi umainformação de baixa qualidade nosprimeiros dias da internação. Quandoa imprensa percebeu, já no episódio doprimeiro diagnóstico, que o quadroestava sendo adulterado, as fontes ofi-ciais perderam a credibilidade. Médi-cos auxiliares, enfermeiros e até mes-mo faxineiros do Hospital de Base co-meçaram a ser procurados pelos repór-teres, na tentativa de se montar umretrato mais real do que acontecia”, dizInácio Muzzi.

O inusitado da situação e a falta deconsistência dos informes médicos en-sejaram inúmeras histórias fantasiosas,transmitidas boca-a-boca. Entre eles,um boato de que a repórter da TV Glo-bo Glória Maria fora inoculada involun-tariamente por uma bactéria destinadaao Presidente. O mesmo teria ocorridocom um garçom, que morrera.

“Quem cobria o caso sabia que estashipóteses eram improcedentes. Mes-mo assim, alguns veículos acreditaramna possibilidade e colocaram repórte-res investigativos para averiguar. Eumesmo cheguei a ser entrevistado pordois repórteres japoneses, que estavamno Brasil com a incumbência de levan-tar uma matéria sobre o ‘assassinato’

do Tancredo. Masnão há mais aspec-tos obscuros nesteprocesso. O que fi-cou de lamentávelfoi a tradicional in-capacidade dos Con-selhos de Medicinade apurar decente-mente e dar satisfa-ção à sociedade so-bre as falhas de con-duta médica, técni-cas ou morais”, apon-ta Muzzi, que consi-dera que a cobertu-ra foi positiva.

“A imprensa, pre-parada para cobrir ofim da ditadura, foimuito rápida em se

reestruturar para cobrir um processomédico, com implicações políticas sé-rias. Hoje, relendo todo aquele mate-rial, e tive que fazer isto para produzirmatérias para o caderno do Estado deMinas que homenageou o centenáriode nascimento de Tancredo, perceboque a cobertura chegou ao ponto ade-quado, depois dos tropeços iniciais”.

Nem todos concordam. Sobretudono que diz respeito aos boatos sobre averdadeira causa da morte do Presiden-

te. O primeiro diagnóstico, de diverti-culite de meckel, foi corrigido para umtumor benigno interno, leiomioma.Mesmo assim, as dúvidas continuavam.

“Quando Tancredo morreu eu eramúsico, e também leitor diário da Folhade S. Paulo. Lembro que achei tudomuito emocionante. Na noite em quefoi anunciada sua morte eu estava nacasa de minha mãe, em São Caetano.Fiquei muito triste, cheguei a chorar”,diz Ricardo Feltrin, titular da colunaOoops!, da mesma Folha de S.Paulo. “Meimpressionou a quantidade de matéri-as que o jornal trazia sobre a morte, masnão gostei da manchete. Achei a chama-da enorme, comprida... Prolixa até...‘Tancredo Neves está morto; corpo évelado no Planalto; Sarney reafirmamudanças’, dizia. E eu ouvia muitosboatos e rumores de que ele fora mor-to, ou envenenado. Enfim, aquelas te-orias conspiratórias. Senti falta de maisinvestigação. Os boatos de crime só cir-culavam nas ruas, entre as pessoas, nasfaculdades, bares... E não lembro de terlido absolutamente nenhuma reporta-gem que abordasse quaisquer das teo-rias conspiratórias. Isso me marcou.”

Emoção desfocouparte da cobertura

“Tancredo sabia de sua doença?Desde quando? Por que a escondeu, ouconcordou em fazê-lo? Tinha medo deum golpe? Ou simplesmente não quisacreditar que seria privado do coroa-mento de sua carreira política justa-mente quando tê-loalcançado já eram fa-vas contadas? Já li eouvi muitas explica-ções para essas per-guntas, nenhuma ca-bal. Assim como achoas teorias de conspi-ração pura fantasia.Tem gente que sus-tenta, ainda hoje, queo conhecimento ple-no da doença coloca-ria em risco a transi-ção para o poder civil.Não acredito. O regi-

me militar e seu acólitos civis estavamdesgastados. A onda pró-democraciaque vinha da campanha das Diretas eatravessou a eleição de Tancredo, eramuito forte para ser contida. A censu-ra, para mim, tem explicação melhorcomo uma tentativa de ganhar tempoe acomodar os interesses à nova situa-ção”, defende Roberto Pompeu de To-ledo, em 1985 no cargo de Editor-Exe-cutivo da Veja e atualmente articulistada mesma publicação. Ele reconhece osesforços dos veículos na época.

“A maior dificuldade era a parte mé-dica, submetida ao acobertamento des-de o início. Despiste, enrolação, menti-ra... Valeu tudo para manter uma cor-tina de fumaça entre os jornalistas e oque ocorria. As artimanhas dos políti-cos e a vaidade de alguns médicos tra-balhavam em conjunto para que issoocorresse. E as tentativas de furar obloqueio em torno da doença foramconstantes. Nesse particular, merecemdestaque a Veja e a Folha de S.Paulo. OElio Gaspari, então Diretor-Adjunto daVeja, tinha uma fonte no hospital, ummédico, com quem conversava tododia. Foi o primeiro jornal a noticiar queTancredo tinha um tumor”, confirmaele, que vê como um pecado natural oforte apelo emocional da cobertura.“Seria impossível conter essa onda.Tínhamos a doença, em primeiro lugar,e a perplexidade de aquilo estar acon-tecendo bem naquele momento, tãoaguardado e festejado. Não dava paraacreditar. Nessas condições, a política

LUIZ CARLOS/AJB/RIO

HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS

Villas-Bôas Correa: Quem bancou a nomeação de Sarney foi o General Leônidas Pires.

7Jornal da ABI 353 Abril de 2010

ficou em segundo plano. As coisas,vistas de hoje, permitem pensar quedeveríamos ter estado mais atentos àpolítica, especialmente às tramas deloteamento de cargos e à demasiadasede com que os políticos se lançaramao pote do poder. São fatores que infe-licitaram a transição e até hoje deitamsua sombra na política brasileira”, la-menta Roberto Pompeu de Toledo.

“Trabalhava no Estado de S. Paulo efui pra Brasília para a posse de Tancre-do. O Editor-Chefe era o Miguel Jorge,que também foi para Brasília. Quandose anunciou que Tancredo estava inter-nado e que não tomaria posse, fui parao Hospital de Base, onde acompanheias primeiras entrevistas coletivas doporta-voz Antônio Brito e de algunsmédicos. Não me lembro quantos diasfiquei em Brasília, mas voltei logo.Quando Tancredo veio para o Incor eseu estado piorou, o jornal me envioupara São João Del Rey. O Estadão mon-tou uma verdadeira sucursal lá, comrepórteres, fotógrafos e operadores detelex. Os principais jornais e emisso-ras de rádio e de televisão tinham equi-pes na cidade. A frustração era gerale atingiu, certamente, os jornalistas.Nossas matérias foram na mai-oria dos casos emotivas. Comoa única fonte direta de notíciaeram os comunicados feitos pelaassessoria de imprensa, a buscade informações com médicos,parentes e amigos levou a rela-tos incorretos e a especulações.Antônio Brito era um jornalis-ta competente, mas como por-ta-voz estava limitado à versãooficial”, ameniza José MariaMayrink.

A demorada agonia de Tancre-do Neves provocou a produçãode matérias paralelas, como ostestemunhos das pessoas quefaziam plantão diante do prédiodo Incor e as rezas dos conterrâ-neos nas igrejas de São João DelRey. Ali, uma das boas fontes denotícias era o tradicional Jornaldo Poste – uma folha de papel mi-meografada pregada em algunspostes. A cobertura final foi ex-tensa e comovente, nos jornais,no rádio e na televisão.

“Basta recordar as cenas do cor-tejo de automóveis com o caixão,com milhares de pessoas nas ruas,

entre o hospital e o aeroporto de Congo-nhas, em São Paulo; a passagem pelo Pa-lácio da Liberdade, em Belo Horizonte,o velório e o sepultamento, às 11 horasda noite, na cidade em que Tancredonasceu. A cobertura foi extensa, peloimpacto da realidade. Apesar de certosexageros, acho que a sua dimensão e aemoção corresponderam ao contexto daépoca”, conclui Mayrink.

Carlos Marchi lembrao ‘Dr. Tancredo’

Ao contrário de Antônio Brito, quenaquele mesmo ano de 1985 deixara aTV Globo, em Brasília, para trabalharcomo porta-voz de Tancredo, fazia pelomenos um ano que Carlos Marchi tra-balhava com o político mineiro.

“Eu tinha deixado o JB em julho de1984 e logo em seguida fui indicado por

dois amigos, Fernando Lyra e Fernan-do Henrique Cardoso, para ser asses-sor de imprensa da campanha. Traba-lhei com ele a partir de agosto e atémarço de 1985. O Dr. Tancredo era umafigura de aparência frágil, até mesmopela idade. Mas, paradoxalmente, de-monstrava impressionante vigor notrabalho. Raras vezes se flagrava neleum muxoxo, uma reclamação ou um

esgar de dor ou cansaço. Quan-do ele partiu para a viagem à Eu-ropa, logo depois de eleito peloCongresso, tínhamos, daqui, in-formações de que estava toman-do muitos medicamentos, emespecial antibióticos. Essas indi-cações apontavam para um pro-blema no abdômen. Quando vol-tou, e à medida que a posse seaproximava, mais se falava quese sustentava com remédios. Agente não tinha noção clara doque acontecia. Eu, particular-mente, confundia esse estado umtanto mórbido com a fragilidadenatural de um homem de 75anos”, recorda.

Marchi fala da dificuldade en-frentada ao estabelecer a ponteentre a equipe médica e os cole-gas da imprensa.

“Essa crise foi vivida pelo An-tônio Brito, que se juntou à equi-pe nos dias que antecederam aposse. Eu fui convocado para irao Hospital de Base na noite dodia 14 de março. Foi uma convo-cação caótica. Ninguém sabia oque ia acontecer e como iríamosenfrentar aquele improviso. Du-

rante a campanha enfrentamos atéatentados, mas ninguém estava prepa-rado para lidar com a internação do Pre-sidente poucas horas antes da posse,num momento que não era uma sim-ples passagem de Governo, e sim a tran-sição de um regime. Naquela noite, éra-mos poucos e agimos como nossa in-tuição indicou. No hospital, me preo-cupei em fechar portas para evitar queuma turba de jornalistas enlouqueci-dos invadisse as áreas reservadas, emespecial a sala de cirurgia. Cheguei apegar um repórter quebrando o vidro daparte de baixo de uma porta, supondo

Com o fim dacampanhaDiretas Já,TancredoNeves uniunovamentea esquerdaem torno doseu nomecontra aeleição dePaulo Maluf.

O Estadão cobriu a agonia de Tancredo com matérias emotivas e primeiras páginas impactantes.Durante esse período todas as capas de Veja deram destaque ao drama do Presidente.

MATUITI MAYEZO/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS

8 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

m jovem repórter em buscado furo da sua vida. As intri-gas nos bastidores de umgrande jornal. O fracasso dacampanha das Diretas-Já.Maquinações políticas, cons-

pirações secretas e pressões militares. Aeleição do primeiro Presidente civil de-pois de 20 anos de ditadura. A doença es-condida, a posse malograda e a mancheteque ninguém deu. Esses são os elemen-tos que compõem O Dossiê Rubicão -Quando a Morte Assume o Poder, livro dojornalista Ramiro Batista, lançado pelaEditora Batel no dia 10 de março, emBelo Horizonte. A obra mistura reali-dade e ficção.

“A proposta é contar a história deuma forma sedutora. Uma trama poli-cial que provoque com novas idéias e dêinformação histórica. Muitas vezes, opano de fundo se sobressai à trama li-terária, sempre com o cuidado de ser levee agradável. Tive grande repercussão decrítica e público na capital mineira, ondesou mais conhecido. E estou tentandoo mesmo no Rio e São Paulo, visitandoRedações”, diz o autor.

Com a história ambientada numaRedação de jornal, todos os grandes fa-tos do período puderam ser abordados.Os personagens fictícios cobrem osfatos reais e se imiscuem neles, comoalavancas para contá-los. Só não cru-zam com os personagens reais, eviden-temente, para não haver traição histó-rica. Tudo o que é atribuído a pessoasreais — falas, fatos, idéias — é fiel. Ospersonagens fictícios giram em tornopara contar suas tramas paralelas.

posse. Teria ido com a família a umaclínica, 15 dias antes do evento. O netoAécio procurou um médico no domin-go, cinco dias antes da solenidade, re-servou jato táxi por precaução e con-fidenciou a Brito que talvez não hou-vesse coletiva após a posse. Na quarta,dois dias antes, foi com o médico Re-nault de Matos fazer exames. Incrível,ao se saber tudo isso hoje, é que tenhapassado despercebido pela imprensa.Ou tenha sido mesmo muito bem es-condido”, questiona Ramiro Batista.

Um posicionamento claro da mída,naquela época de abertura, sempreincomodou Batista.

“Eu percebia um claro envolvimentoda imprensa na candidatura das opo-sições, condescendente com suas ma-quinações, e intolerante quanto a qual-quer iniciativa do Governo e seus can-didatos. Embora se soubesse que aoposição, claro, também maquinava.Tancredo tinha tanto dinheiro para acampanha, ou mais, que Maluf. Tinhaapoio do grande empresariado e, entre-tanto, foi o abuso de gastos na conven-ção do PDS, em agosto de 1984, que foidestacado. Como a solução civil corriao risco de cair em Maluf, a polarizaçãoteve que ser entre um ‘santo’ e um ‘de-mônio’. Em situações assim, devia mes-mo ser difícil ser equânime. O JB foimuito acusado de malufista toda vezque tentou dar equanimidade aos dois

candidatos, inclusive na distribui-ção de espaço nas reportagens”,lembra Batista, que, autor dedois outros livros, prepara o lan-çamento de mais duas obras,sobre o impeachment de Fernan-do Collor e a suposta ou deseja-da falência do PT.

“São momentos emblemáti-cos que motivam muito. Quero

completar, com eles, uma trilogiasobre o processo crescente de de-

gradação ética da vida pública noBrasil. Da década de 1980 para cá, a

coisa só piorou”, sentencia.

que aquele caminho daria no centrocirúrgico. O próprio Brito, naquela noi-te, nem sabia direito como se compor-tar ou a quem se reportar, pois aindaconhecia pouco as pessoas da equipe.”

Considera Carlos Marchi que todosos boatos que cercaram Tancredo Ne-ves transcendem o episódio da interna-ção e de sua morte, ocorrida em 21 deabril. Teriam sido produto da irrespon-sável falta de informação sobre a do-ença do Presidente.

“Ainda hoje, transcorridos 25 anos,não se tem um relatório científico de-finitivo sobre o mal que acometeu o Dr.Tancredo. Até hoje não se sabe o que,de fato, ele tinha e, em especial, o queocasionou sua morte. Lembro-me deque alguns anos depois desse fato pe-guei um táxi no aeroporto de Congo-nhas e o motorista, sem saber comquem falava, contou-me ter informa-

A História, entre arealidade e a ficção

Um romance que tenta reconstruir e recontar a grande crise.

“Acredito que haverá leitores maisiniciados em literatura e História queentenderão esse esquema logo de cara —e uma grande maioria, que não. Eu tiveinteresse de confundir um pouco. AOperação Rubicão, que seria a tese deque toda eleição por via indireta estavatramada muito antes das Diretas, temum sentido de lenda urbana que confun-de até os iniciados. Minha proposta, an-tes, foi a de provocar, fazer as pessoasterem interesse em saber mais e até pes-quisar, se for o caso. Gosto mais de diver-tir e provocar do que de convencer.”

Em sua pesquisa, Ramiro levantoudados curiosos. “Não havia possibilida-de de se imaginar que Tancredo, apesarda idade, pudesse ter alguma doença enem que, numa suprema impossibilida-de, José Sarney pudesse vir a tomar posse.Parece que esse trauma bloqueou na épo-ca os sentidos da sociedade e da impren-sa. Claro que teorizar hoje, assim, à dis-tância, é fácil. Apenas podemos imagi-nar em que condições emocionais esta-vam todos. A função de quem pesquisaHistória é tentar entender as contradi-ções do passado e iluminá-lo. Houve mes-mo ameaças de golpe, conspirações e pla-nos de morte. Isso não era ficção. Mas dápara perceber que esse risco estava emalguns setores isolados das Forças Arma-das, na turma do porão, insatisfeita. Tan-credo esteve de fato preocupado masjá em setembro, sete meses antes daposse, contava com a simpatia damaioria que importava nas Forças Ar-madas, graças ao apoio de Geisel e àsalianças com Aureliano Chaves. Em ou-tubro, os poucos renitentes da tropa já

estavam falando sozinhos. Em novem-bro, a fatura com os militares já estavaliquidada. E pesou o fato de que Figuei-redo foi resistente na defesa da entregado poder aos civis e sempre desestimu-lou as conspirações em contrário.”

Outro aspecto que parece bem con-solidado é que a saúde de Tancredo vi-nha mal há algum tempo.

“Ele se automedicava e tinha pavorde exames e hospitais. O Inácio Muz-zi diz que ele estava mal desde junhode 1984. Fernando Lyra afirma em seulivro que era mais de um ano antes daposse. O diretor do Globo Repórter quefoi a sua fazenda, em Cláudio, em ja-neiro, 60 dias antes, viu que ele aper-tava muito o abdômen dentro da cal-ça e provocou: ‘Tá brincando de Napo-leão, Presidente?’. E ele: ‘São gasespresos, coisa de velho’. Teria tido umacrise em sua visita a Nova York, noinício de fevereiro, 40 dias antes da

ções privilegiadas sobre o caso. Segun-do a sua versão fantasiosa, o Presidentehavia sofrido um atentado. Os malesno abdômen seriam resultado de trêstiros. Ponderei com ele. Contei que ti-nha sido assessor e que, a partir dessacondição especialíssima, podia garan-tir que não houvera atentado algum.Ele não se deixou abater. ‘Eles engana-ram até você’, disse. Vi que era inútiltentar vencer a força do boato que,percebi, não era mera invenção. Era aresposta que o povo dava à irresponsa-bilidade que não transmitiu ao País umrelatório consistente e definitivo sobrea doença e a causa mortis”.

O aspecto emocional foi predomi-nante na cobertura, mas não era umequívoco técnico dos jornalistas. Era arepercussão do sentimento que domi-nava todos os brasileiros – diante da-quela que seria sua maior tragédia po-

lítica. É o que aponta Carlos Marchi.“Penso que a melhor lição foi o sacri-

fício extraordinário a que se submeteuo Dr. Tancredo. Para ele, a reconquistada democracia valia muito mais que a

própria vida. Não tenho dúvidas de quese imolou por ela. Ele sempre foi umhomem de desassombrada coragempolítica e pessoal. Foi assim no contur-bado Governo Jango e no enfrentamen-to da ditadura. Foi classificado comoconciliador. Mas por trás do político quepregava a negociação havia um homemextraordinariamente corajoso”, dizMarchi; que nos últimos 40 anos pas-sou pelas Redações dos principais jor-nais do País. Ele guarda como troféuuma página de seu currículo. “No Go-verno que seria Tancredo, mas acabousendo Sarney, fui presidente da EmpresaBrasileira de Notícias-EBN, agência es-tatal brasileira, depois fundida com aRadiobrás. Honra-me dizer que a minhanomeação foi assinada pelo Dr. Tancre-do e, portanto, foi legalmente indevida,já que ele nunca assumiu a Presidência.Ninguém nunca questionou isso”.

Ramiro Batista:A função dohistoriador é

tentar entenderas contradições

do passado eiluminá-lo.

HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS

Carlos Marchi: Até hoje não se sabe oque, de fato, Tancredo tinha e, em

especial, o que ocasionou sua morte.

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9Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Ao aceitar o convite para o cargo de por-ta-voz do Governo de transição, que naque-le momento se instalava, Antônio Brito bempodia prever que teria alguns dias de traba-lho árduo pela frente, com direito a apre-ensões e tensões políticas. Mas, é certo, nemo pior dos pesadelos o faria supor o cená-rio que se desenharia com a internação doPresidente eleito. Uma experiência tão ra-dical que o faz ser reconhecido até hoje,mesmo passados 25 anos e de barba raspa-da, como o jornalista que leu a notícia queo País não queria ouvir. E que o próprio Brito,hoje com 57 anos, relatou no livro AssimMorreu Tancredo, fruto de depoimento dadoa Luís Paulo Cunha.

Impactante para o Brasil, o episódio foitransformador na vida deste gaúcho de San-

tana do Livramento, que interrompeu porconvicções pessoais a carreira de jornalis-ta. Atuou na política – foi deputado fede-ral e governador do Rio Grande do Sul, peloPMDB – e na iniciativa privada, em empre-sas como Azaléia e Claro. Costuma ser con-vidado a lembrar seu passado. E foi assimque atendeu ao Jornal da ABI, pelo telefo-ne, diretamente da Interfarma, em São Pau-lo, empresa a que atualmente preside. Bri-to respondeu às perguntas de forma obje-tiva e revelou preocupação curiosa, natu-ral de quem, no passado, já fizera diversasentrevistas por telefone. Não do papel deentrevistado, e sim de repórter.

“Estou falando muito rápido? Tá dandopra você anotar?”.

“Deu, sim, Brito.”Aqui está:

“Todos nós, imprensa e a própria assessoria,passamos a desconfiar das informações.”

As confissões deAntônio Brito,

o porta-vozda tragédia

As confissões deAntônio Brito,

o porta-vozda tragédia

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10 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

O QUE O FEZ DEIXAR UM CARGO DE DIREÇÃO NA TV GLO-BO DO DISTRITO FEDERAL E ACEITAR O CONVITE PARA SER

PORTA-VOZ DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA? IMAGINAVA QUE

ENFRENTARIA AQUELA MARATONA DE DESAFIOS?O que me fez aceitar foi o fato de que a gente ia

viver um momento histórico. Seria a primeira ad-ministração civil, após uma ditadura, embora nãonascida do voto direto. Nos preparávamos parainserir o processo de redemocratização do País.Assim, ter a chance de viver a transição de perto, doponto de vista do poder e da imprensa, principal-mente quando esta relação se tornasse democráti-ca, seria um desafio fantástico. Além disso, o Dr. Tan-credo, como o chamávamos, era uma pessoa que, atépor força da profissão de jornalista, eu acompanhavae admirava muito. Mas nem eu nem ninguém sa-bia o que viria pela frente.

COMO DEFINIRIA OS MOMENTOS PELOS QUAIS PASSOU

NA FUNÇÃO DE PORTA-VOZ, A PARTIR DA INTERNAÇÃO DE

TANCREDO?Divido aquela seqüência de acontecimentos em

fases. O primeiro momento foi de reação imediata,isto é, tentar colocar ordem na casa. Significava criarmínimas condições para o trabalho da imprensa, ga-rantir fluxo de informações. A partir daí se estabe-leceu, dois ou três dias depois da hospitalização, umacerta rotina. Havia salas, pessoas e horários de aten-dimento. No segundo momento, nos deparamostodos com as informações monopolizadas pela vi-são dos médicos, que eram transmitidas à popula-ção. Numa terceira etapa, onde toda a rotina decomunicação já existia, passa a haver sérias dúvi-das sobre o tom adotado pela equipe médica. Todosnós, imprensa e a própria assessoria, entramos emcrise de desconfiança sobre as informações. Nessecontexto, mudo de atitude. Adotamos cuidados eentramos num quarto momento – onde todos jásabíamos que a situação era grave. Passo a exigir osboletins médicos, assinados, como forma de garantire dar crédito a quem estava assumindo a responsa-bilidade por aquelas informações. Após a leitura des-ses laudos, atendia particularmente a imprensa emseparado, onde podíamos, todos, trocar idéias so-bre a situação real que se desenhava. Em todo esseprocesso, prevaleceu o respeito ao trabalho da im-prensa. Chegamos, então, ao quinto e último mo-mento. Percebemos que o estado do Dr. Tancredo eragrave, e o fim se tornara irreversível. Nesse ponto,a preocupação passa a ser como administrar a crisee preparar o País para completar a transição demo-crática, ainda que sem a figura do Dr. Tancredo.

ERAM NÍTIDAS, E FORAM CITADAS POR OUTROS JORNALIS-TAS, AS TENTATIVAS DE MANIPULAÇÃO POR PARTE DA EQUIPE

MÉDICA, E DE ALGUNS FAMILIARES, DE INFORMAÇÕES QUE

AMENIZASSEM O GRAVE QUADRO DE SAÚDE DO PRESIDENTE

ELEITO. COMO JORNALISTA NO MEIO DE TUDO ISSO, COMO

LIDOU COM ESSA SITUAÇÃO?O comportamento da família de um homem pú-

blico é sempre uma tensão entre a consciência de queo familiar é um homem público e a tentativa de pro-tegê-lo. Garantir a privacidade, contra a exposiçãoextrema. Isso era inevitável naquele momento. E achoque a família encontrou um bom termo de equilíbrioentre esses dois pontos. A postura da Dona Risole-ta, esposa do Tancredo, foi emblemática. Ela o ama-va, o cobria de carinho. Mas do outro lado estavamos médicos. Ao mesmo tempo, eles tinham um olhono diagnóstico clínico e outro no diagnóstico políti-co. Por que faziam isso? Havia um clima de muitainsegurança sobre a transição democrática. O Dr.Tancredo era a figura que havia tornado mais segu-ra essa travessia. Mas, com os médicos conservandoum olho na política e outro no organismo, houve umdescolamento entre a situação real e o que eles ex-

pressavam. Por isso mesmo, procurei caracterizar oboletim, deixar claro que, não sendo médico, eu nãopodia informar o estado de saúde de um paciente, esim apenas transmitir o relato dos médicos.

QUAIS LEMBRANÇAS TEM DAQUELES DIAS DE INTERNAÇÃO

DE TANCREDO NEVES? E COMO DEFINIRIA A RELAÇÃO ESTA-BELECIDA COM SEUS COLEGAS DE IMPRENSA?

Um dos grandes orgulhos que tenho nesta histó-ria é que, logo após a morte do Tancredo, fui rece-bido e homenageado por sindicatos de jornalistasde São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Meuscolegas reconheceram em mim, apesar das adversi-dades, o respeito ao exercício da opinião pública, queera o princípio da minha atuação. Criou-se umarelação muito profissional de parte a parte. A gen-te atravessou o episódio sem as coisas clássicas deo Governo reclamar de jornalista, ligar para o Di-retor de Redação para se queixar de alguém... Issonão houve. Acho que, por isso, os jornalistas daépoca, passados 25 anos, são gentis na avaliação dotrabalho que nós desenvolvemos.

APÓS A MORTE DE TANCREDO, O SENHOR CHEGOU A SER

CONVIDADO PELO PRESIDENTE JOSÉ SARNEY PARA CONTINU-AR NA FUNÇÃO DE PORTA-VOZ. POR QUE NÃO ACEITOU?

Quando o Sarney me chamou disse a ele uma coi-sa simples, que sempre pensei e continuo pensan-do. Porta-voz só serve ao Governo se tiver a capa-cidade de abrir a porta do Presidente a qualquermomento, sem barreiras. Se não for bem informa-do, não vai informar bem. A indicação de alguémpara esse cargo deve levar em conta, é claro, crité-rios técnicos e profissionais, de competência. Masentra também em cena a questão da intimidade, doacesso, da proximidade pessoal com o Presidente.E Sarney já tinha essa figura: Fernando César Mes-quita, que tinha atributos profissionais excelentes,além de intimidade e tempo de permanência como Sarney, o que eu não tinha.

GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE UM POUCO DA SUA

RESPONSABILIDADE, COMO PORTA-VOZ OFICIAL, DE INFORMAR

AO PAÍS SOBRE UMA QUESTÃO TÃO DELICADA COMO AQUELA,NAQUELE CONTEXTO POLÍTICO. COMO LIDOU COM ESSE PESO?

Tinha muito clara em minha mente a visão de quetínhamos que servir a três senhores. O primeiro pontoera proteger a família, resguardando aquilo que fos-se da intimidade do Dr. Tancredo e de seus familia-res. Em segundo que, sendo ele Presidente da Repú-blica, era preciso ter um nível de informação e deexposição que mantivesse a opinião pública antenada.Isso começou mal, como já disse. Mas terminou bem.Prova disso é que 25 anos depois não houve nenhu-ma revelação importante que já não tivesse sido di-vulgada na época. Isso quer dizer que Governo e jor-nalistas trabalharam bem. Por fim, a doença causa-va repercussões políticas. A gente tinha muita pre-ocupação com a questão do acesso. Por exemplo, quaispolíticos podiam chegar à intimidade do hospital? Oupodiam dar entrevista? Tínhamos que evitar algunsque queriam tirar proveito daquela situação. E evi-tar que a perda do Dr. Tancredo implicasse prejuízopara a transição que ele tinha construído.

DE JORNALISTA O SENHOR ENVEREDOU PELA POLÍTICA EHOJE ATUA COMO EXECUTIVO. O JORNALISMO, DE FATO, SAIU

DE SEU FOCO DE ATENÇÃO? A EXPERIÊNCIA DE SER O PORTA-VOZ DAQUELA CRISE FOI PESSOALMENTE TRAUMÁTICA?

Toda vez que preencho qualquer documento pro-fissional, ou uma ficha de hotel, me identifico comojornalista. Até mesmo na época em que fui Governa-dor. É isso que eu sou. Com muito orgulho! Quandosaí do Governo entendi que tinha perdido a primei-ra condição necessária para ser jornalista – ser isen-to. O jornalista, a bem da verdade, não pode ser neu-tro. Ele deve tomar posições, só que a partir dos fa-tos, e não da carteira partidária. Sempre fiz jornalis-mo político. E não vi como voltar a atuar nessa esfe-ra, de forma isenta, depois de estar mergulhado tãoprofundamente no meio político.

HISTÓRIA AS CONFISSÕES DE ANTÔNIO BRITO, O PORTA-VOZ DA TRAGÉDIA

Em 21 de abril de 1985, Antônio Brito anuncia a notícia que o Brasil não queria ouvir: a morte de Tancredo Neves.

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11Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Com grande adesão de associados,como era esperado, transcorreu em cli-ma de tranqüilidade a eleição realizadano dia 30 de abril na ABI, que promoveua renovação da Diretoria e elegeu o Con-selho Consultivo, o terço do ConselhoDeliberativo da Casa para o triênio 2010-2013 e os membros do Conselho Fiscalpara o exercício social 2010-2011. Oquórum de eleitores foi superior ao re-gistrado na eleição do ano passado, como comparecimento de 157 eleitores.

Do total de votantes, 153 votarampara a Diretoria e 157 para os membrosdo Conselho Fiscal. Foram registradosquatro votos em branco para a Direto-ria, que contará com quatro membrosreeleitos: Maurício Azêdo, Presidente;Tarcísio Holanda, Vice-Presidente; Do-mingos Meirelles, Diretor Econômico-Financeiro, e Jesus Chediak, Diretor deCultura e Lazer. Completam a Direto-ria Orpheu Santos Salles, Diretor Ad-ministrativo; Ilma Martins da Silva,Diretora de Assistência Social, e SylviaMoretzsohn, Diretora de Jornalismo.

A mesa escrutinadora foi compostapelos associados Moacyr Lacerda e

Em reunião realizada em 13 de abril,o Conselho Deliberativo da ABI apro-vou por unanimidade a recomendaçãoà Assembléia-Geral Ordinária de 2010de aprovação do Relatório da Direto-ria e da prestação de contas da Admi-nistração da Casa.

O Relatório, apresentado aos Con-selheiros pelo Presidente da ABI, Mau-rício Azêdo, condena a censura préviaimposta ao Estadão, que foi impedidode publicar qualquer matéria sobre achamada Operação Boi Barrica da Po-lícia Federal que envolva o empresárioFernando Sarney, filho do Presidentedo Senado, José Sarney.

O documento classifica de inconsti-tucional a censura adotada contra o jor-

Azêdo, Tarcísio, Domingose Chediak reeleitos

Assembléia-Geral Ordinária de 2010 renova o mandato desses quatro diretores da Casa.

POR JOSÉ REINALDO MARQUESE CLÁUDIA SOUZA

CONSELHO

Aprovadoo Relatórioda Diretoria

nal paulista, que estava na iminência decompletar nove meses. Além de desta-car a gravidade da situação, o Relatórioressalta também a importância de sefazer o registro de que esta não é a pri-meira vez que o Poder Judiciário “faleceuna sua obrigação de contribuir para o alar-gamento e aperfeiçoamento do EstadoDemocrático de Direito entre nós”.

Sobre a atitude do juiz do TribunalRegional Federal que decretou a cen-sura ao Estadão, o Relatório registra queeste “não teve escrúpulo de se declararsuspeito por sua ligação com a famíliado postulante” e “impôs uma incons-titucional censura prévia ao jornal OEstado de S.Paulo”.

Na conclusão, o Relatório da ABIsobre a censura prévia ao jornal O Es-tado de S.Paulo assinala que o SupremoTribunal deixou de exercer o seu deverde garantir a liberdade de informaçãodo veículo: “Ao invés de impor o prima-do da Constituição em suas disposiçõescristalinas e incisivas sobre a liberda-de de imprensa e a liberdade de expres-são, o Supremo Tribunal Federal valeu-se de uma filigrana jurídica para seeximir do dever de garantir a liberda-de de informação do Estadão”.

Nacif Elias e a Conselheira Zilmar Bor-ges Basílio, que se referiu à mudança doEstatuto que permitiu aos associadosmanifestarem reconhecimento à gestãodo Presidente Maurício Azêdo:

“Fundamentalmente, o sócio podevotar e ser votado. Para mim, esta é agrande mudança do Estatuto da ABI,entidade que conseguiu se renovaratravés da enorme força de trabalho doPresidente Maurício Azêdo.”

Na mesma linha de pensamento ma-nifestou-se o Conselheiro Dácio Malta:

“O mais importante do que a eleiçãode hoje foi a reunião do dia 2 de feve-reiro de 2010, quando se mudou o Es-tatuto, o que permitiu que MaurícioAzêdo fosse reeleito por uma questãode justiça, pois ele se equivale a umBarbosa Lima Sobrinho, a Prudente deMorais, neto e está levando a ABI deuma maneira maravilhosa.”

ConfiançaPara o Presidente Maurício Azêdo, o

quórum elevado de eleitores foi uma de-monstração de aprovação dos associadosao trabalho realizado pela Diretoria:

“O corpo social da ABI deu mais umademonstração de sua confiança na Cha-pa Prudente de Morais, que desde 2004vem dirigindo a Casa com um grau deeficiência que tem merecido o aplausodos associados. E a Diretoria e seus mem-bros ficam confortados em recolher estamanifestação de apoio, que certamenteconstituirá um forte estímulo para no-vas realizações para a nossa Diretoria.”

Citando o caso dos associados JoséFreires — que veio de Nova Iguaçu, naBaixada Fluminense, distante dezenasde quilômetros do Centro do Rio – eHumberto Queiroz, que veio do Mu-nicípio de São Pedro de Aldeia, região

litorânea, Maurício Azêdo falou sobreo processo de renovação do quadrosocial da ABI, que passa a contar coma categoria de sócios cooperadores:

“É uma prova de como a comunica-ção com os associados pode aumentara participação deles nas iniciativas daCasa e nesses momentos importantesque são os atos eleitorais.”

ReconhecimentoReeleito Vice-Presidente, Tarcísio

Holanda ressaltou as qualidades do Pre-sidente reeleito, afirmando que os be-nefícios para a ABI que marcaram atéaqui esta gestão vão continuar:

“É muito importante a reeleição dachapa comandada pelo nosso compa-nheiro Maurício Azêdo, um jornalistarespeitado por todos, homem de gran-de integridade moral, cidadão exem-plar. É uma honra para todos nós seguirsob o seu comando. Vamos continuareste trabalho profícuo de MaurícioAzêdo à frente da Associação Brasileirade Imprensa.”

O ex-Ministro Bernardo Cabral fezquestão de dizer que a reeleição do jor-nalista Maurício Azêdo para a Presi-dência da ABI é uma questão de reco-nhecimento:

“A importância desta eleição residesobretudo na reeleição de MaurícioAzêdo. Nós dois fomos vítimas de per-seguição política. Maurício lutou mui-to para o reordenamento constitucio-nal e eu sempre estive ao seu lado. Vejocom muita alegria que Maurício recebehoje o prêmio pelo reconhecimento de

Ex-Secretáriode Redação doJB, JoséSilveira (noalto, à direita)reintegrou-seà vida da ABI.BernardoCabral (abaixo)aceitouconcorrer aoConselho.

Domingos Meirelles (no alto) reelegeu-seDiretor Econômico-Financeiro. Konder

(abaixo) veio de São Paulo para votar.

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12 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

sua luta contra a ditadura, que sempretentou esmagar a imprensa. Já que es-tamos falando em imprensa, posso di-zer que Maurício tem uma audiênciamarcada com a posteridade.”

Ao comentar a eleição, o associadoPery Cotta, Presidente do ConselhoDeliberativo da Casa, destacou o cará-ter democrático da ABI:

“Com esta eleição, a ABI continuacom a sua trilha democrática de fazera escolha de seus dirigentes através dovoto direto dos associados e colabora-dores. É bom manter o companheiroMaurício Azêdo na Presidência portudo o que ele já cumpriu, pelo que elefez. Para dar continuidade ao trabalhode recuperação da ABI. Ele conseguiureerguer a entidade.”

Lembrando a importância da ABIcomo entidade que sempre esteve àfrente de todos os grandes aconteci-mentos e movimentos sociais ocorri-dos no Brasil, o Deputado Miro Teixeira(PDT-RJ), membro do Conselho Con-sultivo da Casa, deu o seu depoimen-to sobre o significado desta eleição:

“Eu acho que todos nós temos o de-ver de fortalecer esta eleição, o dever defortalecer este trabalho do MaurícioAzêdo e daqueles que mais próximos aele tocam aqui essa gestão da ABI. Issodeve ser destacado porque vem sendofeito com absoluta ausência de recursos,mas com muita determinação. Agoraisso está sendo possível graças aos ali-cerces da nossa Associação.”

ÉticaO associado José Ângelo da Silva Fer-

nandes disse que o mais importante aressaltar no referendo dos associadosda ABI à Chapa Prudente de Morais,neto é a crença de todos na continui-dade do trabalho de fortalecimento da

os objetivos da institui-ção, seu fortalecimentoe, acima de tudo, a preo-cupação em proteger apropriedade jornalística. A ABI estávinculada a esta atividade no Brasil etem-se esforçado para mantê-la, embo-ra tenha sido metralhada, pois há umaindisposição em relação à liberdade deimprensa.”

O associado Geraldo Caetano afir-mou que a recondução de MaurícioAzêdo ao posto de Presidente da ABIé uma decisão tomada com base naética com a qual ele vem conduzindoa atual administração:

“É fundamental que possamos elegerpessoas nas quais acreditamos, quedefendam os direitos da imprensa, quetenham compromisso com a ética e que,principalmente, não se vendam.”

Marcos de Castro lamentou que aChapa Prudente de Morais, neto nãotivesse concorrente, mas afirmou quemesmo assim se sentia feliz com o re-sultado:

“Infelizmente eu acho o fato de ha-ver uma chapa única ruim, mas poroutro lado felizmente é uma boa cha-pa, na qual a gente pode confiar. Sobesse ponto de vista estou satisfeito.”

Lembrando PrudenteA maioria dos associados que com-

pareceram à eleição tinha um ponto emcomum: a crença no trabalho que vemsendo feito pela gestão atual. O asso-ciado Teixeira Haizer, membro do Con-selho Consultivo da ABI, fez questãode explicar o seu voto:

“Primeiro o nome da chapa Prudentede Morais, neto. Eu tenho por ele umaponta saudade muito grande, pois fo-mos grandes amigos e ele foi meu di-retor na sucursal do jornal O Estado de

S. Paulo aqui noRio. E aqui mesmona ABI nós tive-mos muitos conta-

tos numa época de ditadura em que aABI e o Doutor Prudente se baterambastante para me salvar daquela situ-ação sinistra que se apossou do Brasil.Depois, em razão da chapa liderada peloMaurício Azêdo, um dos principais jor-nalistas brasileiros, um homem de lutaque também se envolveu politicamen-te até a alma e é merecedor de aplausosdas gestões em que ele participou. Etambém porque eu modestamente façoparte do Conselho Consultivo, o que metraz não uma ponta de vaidade, masmuito orgulho.”

Antiga freqüentadora da ABI e ca-sada com o ex-Presidente da Casa Fer-nando Segismundo, Gioconda Cavali-eri falou da sua satisfação com a reelei-ção de Maurício Azêdo:

“Há muitos anos que eu freqüentoa ABI, desde a época do Herbert Moses,uma época de grande movimento. Maso fato é que a Casa está enriquecida atu-almente com um grupo muito forte dejornalistas de todas as áreas, do rádio,da tv e dos jornais, e também porquenós estamos com um grande escritor àfrente dela, cuja memória é maravilho-sa, que é o Maurício Azêdo. Com ele aABI está conseguindo se levantar, su-perando a época em que estava endivi-dada. Felizmente a Casa continua inteirae tudo está voltando ao normal.”

A posse da nova Diretoria como de-termina o Estatuto Social, será no dia13 de maio, ocasião em que serão em-possados também os membros da MesaDiretora do Conselho Deliberativo edas Comissões Auxiliares.

A Chapa Prudente de Morais é formadapelos seguintes associados da ABI:

CONSELHO CONSULTIVOAncelmo Gois, Aziz Ahmed, ChicoCaruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira,Nilson Lage e Teixeira Heizer.

DIRETORIAPresidente, Maurício Azêdo; Vice-Presidente, Tarcísio Holanda; DiretorAdministrativo, Orpheu Santos Salles;Diretor Econômico-Financeiro, DomingosMeirelles; Diretor de Assistência Social,Ilma Martins da Silva; Diretor de Culturae Lazer, Jesus Chediak; Diretor deJornalismo, Sylvia Moretzsohn.

CONSELHO FISCALAdail José de Paula, Geraldo Pereira dosSantos, Jarbas Domingos Vaz, JorgeSaldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha,Luiz Carlos de Oliveira Chester e ManoloEpelbaum.

CONSELHO DELIBERATIVOEF ETIVOSAndré Moreau Louzeiro, Benício Medeiros,Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares,Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José GomesTalarico, Marcelo Tognozzi, Maria IgnezDuque Estrada Bastos, Mário AugustoJakobskind, Orpheu Santos Salles, PauloJerônimo de Souza e Sérgio Cabral.

CONSELHO DELIBERATIVOSU P LENTESAdalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte,Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto,Daniel Castro, Germando de OliveiraGonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto,Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira,Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, YacyNunes e Zilmar Borges Basílio. Colaborou Raquel Bispo, estagiária da Diretoria de

Jornalismo da ABI.

Os eleitos

Casa com base na manutenção dos seusprincípios estatutários de proteger aclasse jornalística:

“Esta eleição representa o processode renovação no qual estão inseridos

ORPHEU SANTOS SALLES LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CHESTER ZILMAR BASÍLIO LOURENÇO PEREIRA TARCÍSIO HOLANDA PAULO JERÔNIMO LÊNIN NOVAES

BERNARDINO CAPELL FERREIRA ADAIL JOSÉ DE PAULA

FROIM BAUMWOL

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ANDRÉ MOREAU LOUZEIRO

13Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Em declaração divulgada em 7 deabril, dia de seu 102º aniversário, a ABIreafirmou seus compromissos mais doque centenários com a defesa da liber-dade de imprensa, da liberdade de aces-so às fontes de informação e da liber-dade de expressão, bem como com adefesa dos direitos humanos. “A ABIconsidera que estes compromissos sãoindeclináveis, até pelo dever cívico daCasa de honrar o legado de seus maio-res, como Gustavo de Lacerda, seu fun-dador, Herbert Moses, Danton Jobim,Prudente de Morais, neto e BarbosaLima Sobrinho”, diz a nota. A declara-ção da ABI tem o seguinte teor:

“Ao celebrar o seu 102º aniversário,neste 7 de abril, a Associação Brasileirade Imprensa reafirma seus compromis-sos mais do que centenários com a de-fesa da liberdade de imprensa, da liber-dade de acesso às fontes de informaçãoe da liberdade de expressão, bem comocom a defesa dos direitos humanos.Esses compromissos são indeclináveis,até pelo dever cívico da Casa de honraro legado de seus maiores, como Gusta-vo de Lacerda, seu fundador, HerbertMoses, Danton Jobim, Prudente de Mo-rais, neto e Barbosa Lima Sobrinho.

Considera a ABI que esses bens ima-teriais têm de ser objeto de uma vigi-lância permanente, porquanto o exer-cício da liberdade de informação e daliberdade de opinião não se faz semriscos, ainda que a Constituição de 5 deoutubro de 1988, fruto da prolongadae áspera luta contra a ditadura militardos anos 1964-1985, tenha asseguradoa plena vigência dessas conquistasdemocráticas. Prova desses riscos,materializados em freqüentes decisõesdo Poder Judiciário, é a censura préviaimposta há mais de oito meses ao jor-nal O Estado de S. Paulo por decisão doTribunal de Justiça do Distrito Federalque promoveu grave abalroamento dotexto constitucional.

No registro deste momento de sualonga trajetória, a ABI entende que,apesar dos progressos na construção deuma sociedade democrática entre nós,jornalistas e veículos de comunicaçãodevem manter uma atuação constantee indormida em defesa do direito deinformação e de opinião, que constitu-em bens essenciais para a cidadania, daqual os profissionais e órgãos de comu-nicação são apenas agentes e servidores.

Rio de Janeiro, 7 de abril de 2010.Ano 102 da Associação Brasileira de

ImprensaMaurício Azêdo, Presidente.”

AAchylles A. PeretAdail José de PaulaAdalberto Geraldo DinizAlcyr Mesquita CavalcantiAlfredo Aurélio Belmont PessoaAlfredo Gomes dos SantosAlice de OliveiraAndré Moreau LouzeiroAntônio Idaló NetoAntônio Martins Lopes Filho (ToniMarins)

Antônio Motta CarneiroAntônio NeryAntônio Queiroz NetoAntônio Roberto ArrudaArcírio Gouvêa NetoArgemiro do Carmo Lopesdo Nascimento

Arnaldo Martins MoreiraArthur José PoernerArthur Martins Fraga Filho

BBenício Neiva de MedeirosBernardino Capell FerreiraBruno Torres Paraíso

CCarlos Alberto Marques RodriguesCarlos Alberto Oliveira dos SantosCarlos João Di PaolaCelso Balthazar

DDDDDDácio Gomes MaltaDaniel Mazola Fróes de CastroDejean Magno PellegrinDomingos João Meirelles

EEEEEEdmilson Francisco da SilvaEdson de Paula e SilvaEdyr Dias RaposoElizabeth I. BarbosaEly Moreira da SilvaEveraldo Lima D´AlvarezEvilemar Macena de Oliveira

FFFFFFernando Figueiredo MilfontFernando Foch Lemos Arigony da SilvaFrancisco Carlos Ucha MontotoFrancisco de Assis Di VerasThomas (Jeff Thomas)

Francisco Paula FreitasFranco Paulino dos SantosFroim Icek Baumwol

GGGGGGeraldo CaetanoGeraldo José de AndradeGeraldo Pereira dos SantosGerdal Renner dos SantosGermando de Oliveira GonçalvesGetúlio GamaGlauco Alexandre de Oliveira

HHHHHHaidêe Blandina de AlmeidaHithler Teixeira Heizer

IIIIIIlma Martins da SilvaItamar GuerreiroIvan Vinhieri

JJJJJJesus ChediakJesus Soares AntunesJoão Carlos S. CardosoJoão Di PaolaJorge Saldanha de AraújoJosé Alves Pinheiro JúniorJosé André BorgesJosé Ângelo da Silva FernandesJosé Aparecido MiguelJosé Bernardo CabralJosé Carlos MoutinhoJosé Cristino da Costa FerreiraJosé da Costa AndradeJosé de Oliveira BrumJosé Ernesto Mandell ViannaJosé Freires FilhoJosé Henrique CordeiroJosé Hilário Carneiro de F. de SouzaJosé Machado SilveiraJosé Manuel de Carvalho MesquitaJosé Pereira da Silva (Pereirinha)José Reinaldo Belisário MarquesJosé Ricardo dos ReisJosefa Tenório Cavalcânti

KKKKKKepler Alves Borges

LLLLLLansano DaboLeda Acquarone de Sá (foto)Lênin Novaes de AraújoLeonor GuedesLindolfo Machado da RosaLóris Baena da CunhaLourenço da Silva FerreiraLúcio Natalino ClarindoLucy Mary Corrêa M. CarneiroLuiz Carlos de Oliveira Chesther

NOSSOS ELEITORES Luiz Carlos de SouzaLuiz Eduardo Souto AguiarLuiz Sérgio CaldieriLuiz Sérgio Coutinho de Azevedo

MMMMMManoel Pacheco dos SantosManuel EpelbaumMarcos Alexandre Mello Mattosde Souza Aranha de Castro

Marcus Antônio Mendes de MirandaMaria Ignez Duque Estrada BastosMaria Lúcia Silva MartinsMaria Nascimento S. CarvalhoMaria Rita Cruz NogueiraMário Augusto JacobskindMário Rodrigues SoaresMartha Arruda Dias PaivaMaurílio Cândido FerreiraMauro Rodrigues Rocha FilhoMilton Ximenes LimaMiro TeixeiraMirson Antônio Murad FerreiraMoacyr AndradeMoacyr Bahia de LacerdaMoises Celeman

NNNNNNacif Elias SobrinhoNilson Nobre de AlmeidaNivaldo Pereira

OOOOOOdete FerreiraOrpheu Santos SallesOscar Maurício de Lima AzêdoOswaldo Alexandrino da Silva

PPPPPPaulo Gomes NetoPaulo Jerônimo de SousaPaulo Roberto de Paula FreitasPedro Eduardo de OliveiraPery de Araújo Cotta

RRRRRRobson WaldhelmRodolfo KonderRogério Marques GomesRomildo de Castro GuerranteRonaldo David AguinagaRosângela Magalhães AmorimRosina Gioconda Cavaliere (foto)

COERÊNCIA

ABI: 102 anosde compromisso

com as liberdadesUma reafirmação enfática da

Casa no dia do seu aniversário.DEJEAN MAGNO PELLEGRIN MARCUS MIRANDA SOLANGE RODRIGUES

KEPLER ALVES BORGES JOSÉ DE OLIVEIRA BRUMIVAN VINHIERI

CARLOS RODRIGUES

JOSÉ REIN

ALDO

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Rubem dos SantosRuth Pereira Lima

SSSSSSérgio Moura BiccaSérgio Pinto da Motta LimaShirley Amaro Avene WelzSolange Rodrigues PereiraSuely de Assis RodopianoSylvia Moretzsohn

TTTTTTadeu Tabajara Duarte RodriguesTarcísio HolandaTelmesson Pirassol Ruas

UUUUUUlysses Claudio Lonzetti

VVVVVValtair de Jesus AlmeidaVenilton Pereira dos Santos

WWWWWWaldir Muniz PereiraWilson GonçalvesWilson Nunes de CarvalhoWilson Rocha Meirelles

YYYYYYacy Nunes Soares

ZZZZZZilda Cosme FerreiraZilmar Borges Basílio

JOSÉ REIN

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14 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Em concorrida sessão de gala realiza-da no Teatro Álvaro de Carvalho, umdos principais espaços culturais de Flo-rianópolis, o Grande Oriente de SantaCatarina conferiu a sua Grã-Cruz à ABI,que foi enaltecida pelo Grão-Mestre Ru-bens Ricardo Franz por sua “história econtínua atuação em prol do EstadoDemocrático de Direito neste País”.

Além da ABI, que foi representada nacerimônia, realizada em 10 de abril, peloseu Presidente, Maurício Azêdo, foramagraciados com a Grã-Cruz o ConselhoFederal da Ordem dos Advogados doBrasil, o Município de Florianópolis, porapresentar o maior Índice de Desenvol-vimento Humano-IDH do Estado, e oMunicípio de São João do Oeste, quedetém o menor índice de analfabetismode Santa Catarina.

A solenidade, com os maçons do Paíse os convidados estrangeiros paramen-

Os países de língua portuguesavão desenvolver oito estratégias,cada uma com inúmeras ações,para difundir o idioma como lín-gua global. Entre essas ações figurao esforço para a introdução doportuguês como “língua de docu-mentação” na Organização dasNações Unidas e como “língua detrabalho” na Organização de Edu-cação, Ciência e Cultura das Na-ções Unidas-Unesco.

A resolução a esse respeito foiaprovada pelo Conselho de Minis-tros da Comunidade dos Países deLíngua Portuguesa em reunião re-alizada em Brasília em 31 de mar-ço e comunicada à ABI pelo Con-selheiro do Itamarati Marco Antô-nio Nakata. Coube à ABI, atravésdo Vice-Presidente Tarcísio Holan-da, abrir o debate sobre o tema Am-pliação da língua portuguesa nosmeios de comunicação de massa, naConferência que precedeu à reu-nião dos ministros.

O Site da ABI foi o único veícu-lo que divulgou o texto integral daresolução, o qual pode ser acessa-do em www.abi.org.br.

Rodolfo Konder, titular na EducaçãoConferência fixaoito estratégiaspara difundir

a língua portuguesa

HOMENAGEM

Grã-Cruz da Maçonaria para a ABIGrande Oriente de Santa Catarina destaca a atuaçãoda Casa na defesa do Estado Democrático de Direito.

tados, comemorou o 60º aniversáriode criação do Grande Oriente de San-ta Catarina e incluiu a entrega de con-decorações também aos grão-mestresda instituição. Na saudação à ABI eà OAB, o Grão-Mestre Rubens Franz,principal orador da cerimônia conde-nou “os rompantes de desrespeito àimprensa neste nosso continente la-tinoamericano, o que nos faz refletire agir para que estas ondas de exceçãonão apareçam como práticas comunse rotineiras em solo brasileiro.”

“Felizmente há lideranças lúcidasneste País que bem dizem: “Sem liber-dade de expressão não há Estado deDireito”, disse o ex-Presidente da Or-dem dos Advogados do Brasil, CezarBritto. OAB que historicamente estáinserida no contexto da preservaçãoda democracia neste País. Nossas sin-ceras homenagens e agradecimentos.”

“Já o nosso ilustre Presidente daAssociação Brasileira de Imprensa,jornalista Maurício Azedo, disseem certa ocasião: “A ABI acompa-nha esses incidentes com grandeapreensão e tem adotado uma po-sição de vigoroso repúdio a essasrestrições”.

“Daí a importância da nossa ho-menagem à ABI – Associação Bra-sileira de Imprensa, no seu histó-rico papel institucional de manterviva esta chama de compromisso,que em Santa Catarina está sim-bolizada na memória de JerônimoCoelho.No que nós, do GrandeOriente de Santa Catarina, registra-mos a nossa solidariedade aos posici-onamentos destas duas entidades ci-vis – OAB e ABI, com histórica e in-questionável representatividade naci-onal. No que conclamamos nesta me-

morável noite, pela verdadeira, histó-rica e contínua atuação em prol doEstado Democrático de Direito nestePaís, com a liberdade responsável deexpressão e do pensamento.”

MÉRITORESOLUÇÃO

Gilberto Kassab nomeia o jornalista e escritor membro efetivo do Conselho Municipal de Educação da cidade.

Em sessão solene, realizada na tar-de do dia 16 de abril, o jornalista e es-critor Rodolfo Konder foi nomeadomembro titular do Conselho Munici-pal de Educação da Cidade de São Pau-lo, órgão no qual já vinha atuando, nacondição de membro suplente. A no-meação, assinada pelo Prefeito GilbertoKassab, foi publicada no Diário Ofici-al em 8 de abril e é válida pelo períodode seis anos. A solenidade ocorreu naprópria sede do Conselho, na Rua Ta-boão, no Sumaré, e foi presidida peloConselheiro João Gualberto de Mene-ses. Também esteve presente o Secre-tário Municipal de Educação, Alexan-dre Schneider, de quem partiu a propos-ta para efetivação de Konder no cargo.

“Essa nomeação é o reconhecimen-to de que conquistei espaço no campoda educação, ao lado do jornalismo e daliteratura. E confirma a realização dotrabalho honesto nesta área em SãoPaulo, que teve início na gestão do amigoJosé Aristodemo Pinotti, então Secretá-rio Municipal de Educação, hoje faleci-do. Na área da educação é possível per-ceber avanços, conquistas que não po-demos subestimar. Mas, lembro sempreuma frase de Jorge Luis Borges: ‘o pre-sente está em declínio. O presente estásó’, dizia ele”, explicou Rodolfo Konder.

Nascido no Rio Grande do Norte ecriado no Rio de Janeiro, Konder estáradicado desde 1968 em São Paulo, onde

foi Secretário Municipal de Cultura dacapital por oito anos, durante os quaisdeu especial dinamismo à vida culturalda cidade. Autor de 20 livros, é Diretorda Representação da ABI no Estado.Como jornalista, trabalhou nos princi-pais jornais e revistas do País. Foi profes-sor de Jornalismo na Fundação Arman-do Álvares Penteado (FAAP) e Diretor dasFaculdades Integradas Alcântara Macha-do (FIAM). Fez palestras e conferênciasno Brasil e no exterior, sobre temas rela-cionados ao jornalismo, à liberdade deexpressão e à luta pela democracia.

Ao longo de sua trajetória, escreveuobras como Cadeia Para os Mortos(1977, Editora Alfa-Omega); Anistia In-

ternacional - Uma Porta Para o Futuro(1988, Pontes Editora); O Rio da Nos-sa Loucura (1994, Editora Saraiva); AMemória e o Esquecimento (1997, EditoraGlobal) e Rastros na Neve, Viagens de umJornalista (2005, Edições UniFMU),entre outras, e ganhou prêmios comoo Vladimir Herzog e Homem de Direi-tos Humanos. Questionado sobre emque medida suas atividades nas áreasda educação e da cultura se fundemcom a carreira de jornalista, Konderdispara: “Esta relação é clara. Em todosesses casos, as atividades exigem liber-dade, ajudam a preservar a memórianacional e batalham por um futuromais digno”. (Paulo Chico)

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OS STEFAN

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Jornalista eescritor,Rodolfo Konderconquistouespaçotambémna área deeducação,na qual sedestacoucomo professore diretor deimportantesfaculdades deComunicaçãode São Paulo.

15Jornal da ABI 353 Abril de 2010

O Vice-Presidente José Alencar foiuma das autoridades que prestigiarama missa gratulatória dos 119 anos doJornal do Brasil, celebrada na Igreja daCandelária, no dia 26 de abril peloCardeal Arcebispo do Rio de Janeiro,Dom Orani João Tempesta. Na oraçãoque proferiu, Dom Orani exaltou opapel cumprido pelo JB ao longo daHistória da República e pela democra-cia, nos dias atuais. Esse foi o tema deum caderno especial que o JB editou emcomemoração ao seu aniversário.

Compareceram à missa centenas depessoas, entre as quais o ex-PresidenteItamar Franco, o Secretário-chefe daCasa Civil do Estado do Rio, Régis Ficht-ner, representando o Governador SérgioCabral, e os Senadores Paulo Duque(PMDB-RJ) e Marcelo Crivella (PRB-RJ),os Deputados Miro Teixeira (PDT-RJ)e Marcelo Itagiba (PMDB-RJ); o Presi-dente de Honra da Fifa, João Ha-velange; o acadêmico ArnaldoNiskier; o professor Carlos Al-berto Rabaça, autor com Gusta-vo Barbosa do Dicionário de Co-municação; os Presidentes daABI, Maurício Azêdo, do Clubede Engenharia, Francis Boghos-sian, da Fundação Cesgranrio,Professor Carlos Alberto Serpa,do Tribunal de Contas do Mu-nicípio do Rio de Janeiro, Con-selheiro Thiers Montebello, daAssociação Comercial do Rio deJaneiro, José Luiz Alquéres, e daempresa Carvalho Hosken, Car-los Carvalho; o Deputado esta-dual João Pedro (Dem); a Vereadora As-pásia Camargo (PV), e o Diretor do Pro-jeto Música no Museu, Sérgio Costa eSilva. Encerrado o ato religioso, o Pre-sidente do JB, Pedro Grossi, recebeu oscumprimentos dos presentes.

Comemorando seu 119º aniversário,o JB editou um suplemento de oito pá-ginas em que mostra a resistência do jor-nal à ditadura militar. A edição especi-al traz na primeira página o título Umahistória de resistência, fac-simile da capada edição do jornal que circulou no sá-bado 14 de dezembro de 1968, um diaapós a decretação do Ato Institucionalnº 5 (AI-5), que deu início ao grave pe-ríodo de censura e violação dos direitosde liberdade de imprensa e de expressão,vividos pelo Brasil durante o regimemilitar (1964-1985).

Referindo-se ao período de exceção,um dos textos da capa do suplementoespecial afirma que a ditadura militarpôs à prova a capacidade de resistên-cia do JB, destacando que a censura nãofoi impedimento para que o jornalpersistisse “na defesa dos valores demo-cráticos, característica marcante deuma história de 119 anos”.

E aí o JB encontrou uma saída paramanifestar a sua primeira “resistência àopressão”, manifestada em dois peque-nos retângulos na primeira página. Otexto da previsão do tempo, colocado aoalto da primeira página, à esquerda dizia:“Tempo negro. Temperatura sufocante.O ar está irrespirável. O País está sendovarrido por fortes ventos. Máx.: 18º, emBrasília, Min.: 5º, nas Laranjeiras”.

Na página 2 do suplemento, no ar-tigo Ironia dribla a censura, o jornalis-ta Ubirajara Loureiro conta que nem apresença dos censores fardados naRedação do jornal conseguiu conter oespírito democrático que sempre im-perou no JB.

Ubirajara recorda o comportamen-to dos militares no jornal: “Pouco fa-miliarizados com a rotina de um gran-de jornal, os militares, pelo relato doseditorialistas que com eles mantinhamcontato, jamais assumiram qualqueratitude prepotente e sem polidez. Aprepotência era do regime... Mesmoassim eram rigorosos no exame dasreportagens e artigos de opinião”.

Em outro texto da primeira páginado suplemento, fica-se sabendo o queaconteceu na Redação do JB na noitede 13 de dezembro de 1968, data dapromulgação do AI-5: “Às 10 horas danoite do dia 13 de dezembro de 1968,o JB estava com a edição fechada, quan-do, em cadeia de rádio e tv, foi anunci-ado o mais violento instrumento de ar-bítrio da ditadura militar: o Ato Insti-tucional nº 5, que extinguia direitosconstitucionais, abria caminho para ofechamento do Congresso e criava cen-sura prévia à imprensa”.

InvasãoPoucos instantes depois, a Redação

do jornal foi invadida por quatro capi-tães do Exército, que se instalaram nasala dos editores, no prédio do jornalque funcionava na Avenida Brasil, nº500. Os agentes da ditadura começa-ram a determinar a proibição de gran-de parte das reportagens que seriampublicadas. A saída para o jornal foicolocar anúncios do caderno de classi-ficados no noticiário.

ANIVERSÁRIO

Caderno especial mostrou a resistência à ditadura e a edição do jornal após o AI-5.

JB festeja 119 anos com missa e suplemento

Segundo Ubirajara Loureiro, um anún-cio de uma missa comum foi transfor-mado em chamada de primeira página,com alusão ao AI-5, cujo texto dizia:“Ontem foi o dia dos cegos”. Foi dele aidéia da nota do tempo: “Nesse climanão tive dúvidas e escrevi: ‘Tempo ne-gro, ar irrespirável etc.’ Só lamento atéhoje que um copydesk, designado peloentão editor Alberto Dines, que apro-vara a idéia, tenha cortado o que con-siderava um fecho de ouro para a cha-mada da meteorologia: “Não há pers-pectivas de melhoria para os próximosanos”.

Soube-se depois que por causa da sua“ingenuidade e inexperiência” os jo-vens censores militares foram motivosde chacota dos seus companheiros defarda, porque não perceberam as iro-nias publicadas pelo JB na edição de 14de dezembro de 1968.

Por causa da ousadia, o JB sofreu umduro golpe do regime, que mandouprender, no mesmo dia, o ex-Embaixa-dor José Sette Camara, que era diretordo jornal. Informada da prisão, a Pre-sidente do JB, Condessa Pereira Carnei-ro, manteve contato com os interlocu-tores do Governo militar, informandoque enquanto o seu diretor fosse man-tido preso o jornal não circularia. Aedição de domingo já estava pronta,mas como ele só foi libertado na ma-drugada, o JB não circulou naquela data– 15 de dezembro de 1968.

Outro episódio que demonstra a fir-meza com que o Jornal do Brasil enca-rou o regime da ditadura militar acon-teceu em 1964, logo após o golpe quetirou João Goulart da Presidência. Umatropa de fuzileiros navais invadiu o pré-dio do jornal, que à época funcionava naAvenida Rio Branco, nº 110, no Centrodo Rio. A Condessa dirigiu-se ao coman-dante da tropa e disse: “Meu filho tomeconta do jornal. Ele não me pertence,pertence a vocês, pertence ao País”.

Os mineiros nos cumprimentos ao JB: da esquerda para a direita,Itamar Franco, Djalma de Moraes, o Vice José Alencar e a esposa, Mariza.

O Presidente de Honra da Fifa, JoãoHavelange, seguiu à risca o rito da missa.

Dom Orani cumprimenta o Presidente do JB, Pedro Grossi, e sua esposa, Lúcia.

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16 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

O jornal O Dia, um dos mais tra-dicionais do Rio, foi adquirido pelaEmpresa Jornalística Econômico-Eje-sa, responsável pela edição do diárioBrasil Econômico, lançado no País em2009. O valor da transação é de R$ 75milhões. Há dois anos o Bispo EdirMacedo, líder da Igreja Universal doReino de Deus e dono da Rede Re-cord, tentou comprar o jornal, massua proposta foi recusada pelos an-tigos proprietários.

Pelo acordo comercial firmado en-tre a Ejesa, associada do grupo demídia português Ongoing EstrategyInvestments e o Grupo O Dia de Co-municação, estão incluídos na transa-ção os tablóides Meia Hora e O Cam-peão, o portal O Dia Online, a gráfica,a empresa de distribuição e imóveis,além do prédio sede no Centro do Rio.A Rádio FM O Dia não faz parte danegociação. Será mantido também oInstituto Ary Carvalho, que desenvol-ve projetos sociais em regiões caren-tes do Rio de Janeiro.

A tiragem estimada de todos os jor-nais do grupo é de 340 mil exempla-res diários, de acordo com dados divul-gados pela empresa, mas segundo oIVC nos meses de janeiro e fevereirode 2010 a tiragem dos títulos do GrupoO Dia de Comunicação foi de 219.494exemplares diários.

A negociação aconte-ce depois que O Dia, o tí-tulo mais antigo do gru-po (vendeu 56.443 exem-plares, nos dois primei-ros meses do ano), pas-sou por uma grande re-formulação visual e edi-torial, em março do anopassado, mudando doformato standard paraberlinger, numa tentativa, segundoespecialistas, de se livrar de uma gra-ve crise econômica que comprome-teu o seu posicionamento no merca-do editorial.

Por meio de um comunicado, as-sinado pelo Conselho de Administra-ção do Grupo O Dia de Comunica-ção, a empresa jornalística informoua transação de venda. É esta a ínte-gra da nota:

“O Grupo O Dia de Comunicaçãoe o Grupo Ongoing, dando continui-dade às negociações, firmaram nestaquarta-feira um Memorando de Enten-dimentos, por meio do qual os mesmosestabelecem intenções de compra evenda do Grupo O Dia de Comunica-ção, o que não inclui, até esse momen-to, a rádio FM O Dia. A estrutura so-cietária e operacional do Grupo O Dia

não sofrerá qualquer tipode alteração até que a ope-ração seja efetivamenteconcretizada.”

Ricardo Galuppo (foto),diretor do Brasil Econômi-co, disse ao Globo Onlineque toda a transação en-volvendo O Dia e os ou-tros veículos do grupodeverá estar concluída atéo início de junho. Ele in-

formou que a negociação durou doismeses e faz parte da estratégia da Ejesade expandir seus negócios no Brasil –há um projeto de lançamento de umjornal em Brasília.

Em relação ao pessoal, disse Galu-ppo, não há previsão de mudanças,pelo menos a curto prazo. O GrupoO Dia de Comunicação tem atual-mente 700 funcionários.

(José Reinaldo Marques)

Portugueses compram O Dia

NEGÓCIO

O jornal O Dia ganhou vários prêmiosde design gráfico no último ano.

O GGGGGENERALENERALENERALENERALENERAL L L L L LEÔNIDEÔNIDEÔNIDEÔNIDEÔNIDASASASASAS P P P P PIRESIRESIRESIRESIRES G G G G GONÇALONÇALONÇALONÇALONÇALVESVESVESVESVES, Ministro do Exér-cito no Governo José Sarney, não disse a verdade quando decla-rou em entrevista ao JORNALISTJORNALISTJORNALISTJORNALISTJORNALISTAAAAA GGGGGENETONENETONENETONENETONENETON M M M M MORAESORAESORAESORAESORAES N N N N NETOETOETOETOETO, daRede Globo de Televisão, que não houve torturas quando coman-dou entre 1974 e 1976 o Destacamento de Operações Internasdo Centro de Operações de Defesa Interna do antigo I Exérci-to, sediado no Rio de Janeiro e tristemente celebrizado pela si-gla Doi-Codi. Em longo depoimento que prestou a Geneton, le-vado ao ar no princípio de abril pela Globo News, o General Le-ônidas, hoje com 88 anos, justificou a repressão promovida peladitadura, ofendeu os exilados, chamando-os de “fugitivos”, eprocurou absolver os agentes do regime das práticas de tortu-ras com que maltrataram presos políticos.

A realidade, porém, é que o Doi-A realidade, porém, é que o Doi-A realidade, porém, é que o Doi-A realidade, porém, é que o Doi-A realidade, porém, é que o Doi-Codi do General LCodi do General LCodi do General LCodi do General LCodi do General Leônidaseônidaseônidaseônidaseônidasfoi mantido como uma central de torturas do regime militarfoi mantido como uma central de torturas do regime militarfoi mantido como uma central de torturas do regime militarfoi mantido como uma central de torturas do regime militarfoi mantido como uma central de torturas do regime militar,,,,,instalada em dependências do quartel da Pinstalada em dependências do quartel da Pinstalada em dependências do quartel da Pinstalada em dependências do quartel da Pinstalada em dependências do quartel da Polícia do Exércitoolícia do Exércitoolícia do Exércitoolícia do Exércitoolícia do Exércitona Rna Rna Rna Rna Rua Barão de Mesquita, na Tua Barão de Mesquita, na Tua Barão de Mesquita, na Tua Barão de Mesquita, na Tua Barão de Mesquita, na Tijuca, para onde eram con-ijuca, para onde eram con-ijuca, para onde eram con-ijuca, para onde eram con-ijuca, para onde eram con-duzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiaisduzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiaisduzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiaisduzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiaisduzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiaisdo Departamento de Ordem Pdo Departamento de Ordem Pdo Departamento de Ordem Pdo Departamento de Ordem Pdo Departamento de Ordem Política e Social-Dops da Secre-olítica e Social-Dops da Secre-olítica e Social-Dops da Secre-olítica e Social-Dops da Secre-olítica e Social-Dops da Secre-taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janei-taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janei-taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janei-taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janei-taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janei-ro. O Doi-ro. O Doi-ro. O Doi-ro. O Doi-ro. O Doi-Codi era uma cidadela ineCodi era uma cidadela ineCodi era uma cidadela ineCodi era uma cidadela ineCodi era uma cidadela inexpugnável, à qual nãoxpugnável, à qual nãoxpugnável, à qual nãoxpugnável, à qual nãoxpugnável, à qual nãotinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército.tinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército.tinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército.tinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército.tinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército.

O parceiro principal do Doi-Codi era o DDDDDELEGELEGELEGELEGELEGADOADOADOADOADO F F F F FRANCISRANCISRANCISRANCISRANCIS-----COCOCOCOCO DEDEDEDEDE P P P P PAAAAAULAULAULAULAULA B B B B BORGESORGESORGESORGESORGES F F F F FORORORORORTESTESTESTESTES, ao qual cabia dotar a repressão dotar a repressão dotar a repressão dotar a repressão dotar a repressãode aparência de respeito à legalidade.de aparência de respeito à legalidade.de aparência de respeito à legalidade.de aparência de respeito à legalidade.de aparência de respeito à legalidade. Borges Fortes, já faleci-do, instaurava em ato formal um inquérito para apuração de “ati-vidades subversivas”, mandava seqüestrar homens e mulhe-mandava seqüestrar homens e mulhe-mandava seqüestrar homens e mulhe-mandava seqüestrar homens e mulhe-mandava seqüestrar homens e mulhe-res postos no índeres postos no índeres postos no índeres postos no índeres postos no índex do regimex do regimex do regimex do regimex do regime, todos recobertos com um ca-, todos recobertos com um ca-, todos recobertos com um ca-, todos recobertos com um ca-, todos recobertos com um ca-puz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e ospuz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e ospuz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e ospuz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e ospuz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e osentregava ao Doi-entregava ao Doi-entregava ao Doi-entregava ao Doi-entregava ao Doi-CodiCodiCodiCodiCodi; depois que este os libertava, recebia-osno Dops, na Rua da Relação, e os submetia a interrogatório, paraprodução de depoimento formal que instruiria o processo a serencaminhado à Justiça Militar, para julgamento dos indiciados.

Como a legislação da época admitia que a prisão se estendes-se por 30 dias e que o preso fosse mantido incomunicável du-preso fosse mantido incomunicável du-preso fosse mantido incomunicável du-preso fosse mantido incomunicável du-preso fosse mantido incomunicável du-rante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia sol-rante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia sol-rante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia sol-rante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia sol-rante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia sol-ta nos subterta nos subterta nos subterta nos subterta nos subterrâneos do Doi-râneos do Doi-râneos do Doi-râneos do Doi-râneos do Doi-CodiCodiCodiCodiCodi. Findo o prazo da prisão, BorgesFortes advertia os libertados de que a prisão se repetiria, com asmesmas barbaridades, se fosse revelado à imprensa o tratamentosofrido no Doi-Codi. A advertência era desnecessária: a imprensaestava sob censura e não divulgaria fatos dessa natureza.

Entre as vítimas das torturas no Doi-Entre as vítimas das torturas no Doi-Entre as vítimas das torturas no Doi-Entre as vítimas das torturas no Doi-Entre as vítimas das torturas no Doi-Codi em março e abrilCodi em março e abrilCodi em março e abrilCodi em março e abrilCodi em março e abrilde 1976, na gestão Lde 1976, na gestão Lde 1976, na gestão Lde 1976, na gestão Lde 1976, na gestão Leônidas Pires Gonçalveseônidas Pires Gonçalveseônidas Pires Gonçalveseônidas Pires Gonçalveseônidas Pires Gonçalves, figuraram figuraram figuraram figuraram figuraram osososososJORNALISTJORNALISTJORNALISTJORNALISTJORNALISTASASASASAS LLLLLUIZUIZUIZUIZUIZ P P P P PAAAAAULOULOULOULOULO M M M M MAAAAACHADOCHADOCHADOCHADOCHADO e e e e e MMMMMAAAAAURÍCIOURÍCIOURÍCIOURÍCIOURÍCIO A A A A AZÊDOZÊDOZÊDOZÊDOZÊDOe o e o e o e o e o PROFESSORPROFESSORPROFESSORPROFESSORPROFESSOR DEDEDEDEDE E E E E ECONOMIACONOMIACONOMIACONOMIACONOMIA AAAAAYRYRYRYRYRTONTONTONTONTON DEDEDEDEDE A A A A ALBUQUERQUELBUQUERQUELBUQUERQUELBUQUERQUELBUQUERQUEQQQQQUEIROZUEIROZUEIROZUEIROZUEIROZ, os quais foram brutalmente seviciados pelos coman-dados do General e depois indiciados pelo Delegado Borges Fortes.Este incriminou no mesmo inquérito os jornalistas AAAAANDERSONNDERSONNDERSONNDERSONNDERSONDEDEDEDEDE S S S S SANTANTANTANTANTANAANAANAANAANA C C C C CAMPOSAMPOSAMPOSAMPOSAMPOS e AAAAANCELMONCELMONCELMONCELMONCELMO G G G G GOESOESOESOESOES, que não chegarama ser presos, graças à intervenção do Presidente da ABI, PPPPPRUDENRUDENRUDENRUDENRUDEN-----TETETETETE DEDEDEDEDE M M M M MORAISORAISORAISORAISORAIS, , , , , NETONETONETONETONETO. Preocupado com a situação de Maurício

“Prezado Maurício,Numa matéria publicada no Jornal da ABI 350, de janeiro passado,

página 20, Associados fecham jornal, referente ao Monitor Campista, foicitado, certamente por confusão de nome, o Monitor Mercantil.

Vários clientes, agências de publicidade e inclusive a Secom deBrasília estão fazendo confusão com o fechamento do Monitor Cam-pista, achando que foi o Monitor Mercantil.

Caso seja possível, mande publicar uma nota esclarecendo o caso.Um grande abraço(a) Acúrcio de Oliveira, Presidente do Monitor Mercantil.

O GENERAL

ERRATA

Monitor fechado é o de Campos

17Jornal da ABI 353 Abril de 2010

“Nós não tivemos exilados, tivemos fugitivos. Podem ser duras asminhas palavras, mas não houve um decreto de exilar ninguém… Depois,fizeram algumas coisas, quiseram ir embora. Então eles continuarambanidos, eles quiseram ir embora para aqui, pra lá, pegaram um avião esaíram por aí. (...) Como é que você quer tachar eles, então? Dá uma su-gestão. A minha é fugitivo.”

“Na minha área nunca houve tortura a presos políticos, e desafio al-guém que venha a dizer que foi torturado durante este período. Está fei-to o desafio de novo: foi de 74 a 77. Você vai me perguntar se existiu? Bom,aí eu costumo dizer que a miserável condição humana leva a isso. Commedo de falar de tortura, eles eram grandes delatores. Foi um do ComitêCentral do Partido Comunista que delatou toda a turma para o meu es-quema de segurança do Rio de Janeiro.”

“Nunca foi ordem, nunca foi norma, nunca foi política dos chefesmilitares para torturar ninguém. O meu Doi-Codi, por exemplo, era muitovigiado por mim, porque era feito de Exército, Marinha, Aeronáutica, bom-beiros, civis, desenhistas. Eu sei da formação do pessoal da Aman (Aca-demia Militar das Agulhas Negras), mas não sei de outros lugares, não.Então a gente tinha que policiar, e repito sempre: a miserável condiçãohumana leva a fazer as coisas mais criticáveis, e tem gente que gosta detorturar os outros.”

“Eu não tenho a menor dúvida de que o (Vladimir) Herzog é um sui-cida. (...) Não tenho dúvidas de que se o fato ficasse no ar, mas houve uminquérito feito por um general do maior gabarito, homem de uma moralimpecável, que fez o estudo tintim por tintim, e o resultado do inquéritofoi que ele foi suicida. Por que acho também que ele é suicida? Você nãosabe o que é um subversivo preparado. É um soldado guerrilheiro, que agente respeitava, íamos enfrentar gente dura. Aquele senhor, aquele ra-paz, ele era moço, não? Ele não tinha preparo nenhum, era jornalista ouprofessor, não é? Quando prenderam ele, tenho certeza de que estavaassustado. (...) Ele, assustado, pensando que ia ser supliciado, não sei quê,então a minha pergunta: matar o Herzog enforcado para quê? (...) Na minhaconcepção ele se apavorou das circunstâncias em que estava , e um ho-mem quando fica nesse tipo de pressão faz qualquer coisa.”

BRIGOU COM A VERDADEMEMÓRIA

Houve torturas, sim, no Doi-Codi doantigo I Exército, sediado no Rio,quando o General Leônidas Pires

Gonçalves comandava esse órgão derepressão da ditadura militar, nos anos

1970. Leônidas Pires foi no mínimoinexato ao falar dessa época na

entrevista que concedeu ao jornalistaGeneton Moraes Neto, da Rede Globo

de Televisão, no princípio de abril.

Azêdo, cuja prisão ocorreu após a de Luiz Paulo Machado eparecia prenunciar mais prisões de jornalistas, o o o o o Doutor PDoutor PDoutor PDoutor PDoutor Prrrrru-u-u-u-u-dente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e dedente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e dedente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e dedente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e dedente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e denoite, para o Comandante do I Exército, noite, para o Comandante do I Exército, noite, para o Comandante do I Exército, noite, para o Comandante do I Exército, noite, para o Comandante do I Exército, GGGGGENERALENERALENERALENERALENERAL R R R R REINALEINALEINALEINALEINAL-----DODODODODO M M M M MELOELOELOELOELO DEDEDEDEDE A A A A ALMEIDLMEIDLMEIDLMEIDLMEIDAAAAA, e para o Ministro da Justiça, , e para o Ministro da Justiça, , e para o Ministro da Justiça, , e para o Ministro da Justiça, , e para o Ministro da Justiça, AAAAARMANRMANRMANRMANRMAN-----DODODODODO F F F F FALCÃOALCÃOALCÃOALCÃOALCÃO, solicitando infor, solicitando infor, solicitando infor, solicitando infor, solicitando informações sobre Maurício.mações sobre Maurício.mações sobre Maurício.mações sobre Maurício.mações sobre Maurício.

Invariavelmente a resposta era uma só: Maurício está bem.Não estava: durante dez dias, atado com corNão estava: durante dez dias, atado com corNão estava: durante dez dias, atado com corNão estava: durante dez dias, atado com corNão estava: durante dez dias, atado com correias nos pulsos ereias nos pulsos ereias nos pulsos ereias nos pulsos ereias nos pulsos enos tornos tornos tornos tornos tornozelos à chamada “cadeira do dragãonozelos à chamada “cadeira do dragãonozelos à chamada “cadeira do dragãonozelos à chamada “cadeira do dragãonozelos à chamada “cadeira do dragão”, ele foi subme-”, ele foi subme-”, ele foi subme-”, ele foi subme-”, ele foi subme-tido a choques elétricos, confinamento num cubículo supertido a choques elétricos, confinamento num cubículo supertido a choques elétricos, confinamento num cubículo supertido a choques elétricos, confinamento num cubículo supertido a choques elétricos, confinamento num cubículo super-----gelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores degelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores degelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores degelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores degelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores deeeeeexplosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitarxplosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitarxplosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitarxplosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitarxplosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitar, e sub-, e sub-, e sub-, e sub-, e sub-metido a intermetido a intermetido a intermetido a intermetido a interrogatórios que se estendiam por dias e dias, semrogatórios que se estendiam por dias e dias, semrogatórios que se estendiam por dias e dias, semrogatórios que se estendiam por dias e dias, semrogatórios que se estendiam por dias e dias, semum momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi im-um momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi im-um momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi im-um momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi im-um momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi im-posto ao jorposto ao jorposto ao jorposto ao jorposto ao jornalista Lnalista Lnalista Lnalista Lnalista Luiz Puiz Puiz Puiz Puiz Paulo Machado, que era repórteraulo Machado, que era repórteraulo Machado, que era repórteraulo Machado, que era repórteraulo Machado, que era repórter-fo-fo-fo-fo-fo-----tográfico de tográfico de tográfico de tográfico de tográfico de O Globo O Globo O Globo O Globo O Globo e foi demitido do jore foi demitido do jore foi demitido do jore foi demitido do jore foi demitido do jornal após essa prisão.nal após essa prisão.nal após essa prisão.nal após essa prisão.nal após essa prisão.

Os jornalistas e o professor Ayrton foram julgados na 1ª Au-ditoria do Exército e absolvidos por três votos a dois pelo Con-selho de Sentença, formado por quatro oficiais do Exército e pre-sidido por um civil, o auditor militar. A promotoria recorreu dadecisão, que foi confirmada em maio de 1978 pelo Superior Tri-bunal Militar. No julgamento, o MMMMMINISTROINISTROINISTROINISTROINISTRO R R R R RODRIGOODRIGOODRIGOODRIGOODRIGO O O O O OTÁVIOTÁVIOTÁVIOTÁVIOTÁVIOJJJJJORDÃOORDÃOORDÃOORDÃOORDÃO R R R R RAMOSAMOSAMOSAMOSAMOS, general-de-exército, não só votou pela absol-vição dos acusados como propôs que fosse instaurado inquéri-to para apuração das torturas denunciadas pelos réus. A proA proA proA proA pro-----posta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto constaposta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto constaposta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto constaposta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto constaposta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto constanos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos,nos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos,nos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos,nos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos,nos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos,de que o General Lde que o General Lde que o General Lde que o General Lde que o General Leônidas Pires Gonçalves brigou com aeônidas Pires Gonçalves brigou com aeônidas Pires Gonçalves brigou com aeônidas Pires Gonçalves brigou com aeônidas Pires Gonçalves brigou com averdade quando negou a everdade quando negou a everdade quando negou a everdade quando negou a everdade quando negou a existência de torturas na época emxistência de torturas na época emxistência de torturas na época emxistência de torturas na época emxistência de torturas na época emque dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militarque dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militarque dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militarque dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militarque dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militar.....

O texto integral do programa da Globo News com a entrevista do General Leônidas Pires Gonçalves,decupado da gravação para o Jornal da ABI por deferência do jornalista Luís Erlanger, Diretor deCentral Globo de Jornalismo, pode ser acessado no Site da ABI (www.abi.org.br) em matéria sob otítulo A polêmica entrevista do General Leônidas.

As lembrançasdistorcidas de Leônidas

MAURÍCIO AZÊDO,QUE FOI PRESO E

TORTURADO NO DOI-CODI QUANDO O

GENERAL LEÔNIDASPIRES COMANDAVA O

ÓRGÃO DE REPRESSÃO.

18 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

spécie literáriagenuinamente brasileira, acrônica, tal como apraticamos, continua,talvez, sem similar no

resto do mundo. Dizemos espécieporque a nossa é do tipo que fazparte de um conjunto maior, o dacrônica como gênero literário. Aqui,como em outros lugares, toma-seum episódio, um personagem, umacontecimento para sobre ele daruma opinião, tecer um comentário,expor um ponto de vista. Adiferença, no Brasil, é que a idéia émero pretexto para que o cronistadê asas à imaginação, rédeas aopensamento e escreva o que bementender, sem o menorcompromisso com os fatos,chegando ao requinte de filosofarsobre o nada. Assim, a crônicabrasileira justifica-se por si mesma,como expressão da liberdade,exercício do prazer – literatura emestado de pureza.

Entre nós, esse estilo teve ummestre: Rubem Braga. Ninguém,como ele, escreveu com maisternura, com mais delicadeza, commais simplicidade – principalmente,como observou Manuel Bandeira,quando estava sem assunto.Cronista, foi um grande poeta, dosmaiores que já tivemos. Em 1980,publicou um Livro de versos – quaseclandestino, pelas Edições Pirata, doRecife –, mas nem precisava: seuspoemas realizavam-se nas crônicas, ésó ter olhos para ler e coração parasentir. Não se trata de poemas emprosa, quase sempre mal resolvidos,mas de prosa poética, com altasubstância lírica. A pequena Silvanaferida na guerra, sofrendo de medo e

LEMBRANÇA

Rubem,o santo

padroeiroUma evocação de Rubem Braga, o Sabiá da Crônica,

que nos deixou há quase 20 anos.

POR EDMÍLSON CAMINHA

de dor; o padeiro que bate à porta ese desculpa avisando que não éninguém; um homem nadandosozinho no azul do mar – são temasque, nas mãos de outros, renderiamos lugares-comuns de que nãosabemos como fugir; nas de Rubem,eram matéria-prima da beleza,graças ao talento com que elevou acrônica à condição de obra de arte.

Jornalista, não era bem o modeloromântico com que se idealizavamos repórteres na época: feio,caladão, sem jeito, era,principalmente, tímido. Talvez porisso tenha sido preso, acusado deespionagem – logo quem! –, quandocobria a Revolução de 1932. Andoupor Belo Horizonte, Recife, SãoPaulo e Rio de Janeiro. Consta quese apaixonou por Bluma, mulher deSamuel Wainer, e para esquecê-laexilou-se em Porto Alegre, prova defidelidade ao amigo e de respeito asi mesmo. Em 1944, na companhiade Joel Silveira, seguiu para a Itáliacomo correspondente de guerra.Desde então, passaram a insultar-secom carinho, numa demonstraçãocuriosa de afeto. Em casa dopianista Bené Nunes, vi uma noiteJoel simular a maior impaciência:“Estou doido que o Rubem morra!Aí vou poder mentir à vontadesobre a guerra...” O troco vinharápido: certa vez, Joel Silveira, filhoimportante de Lagarto, dizia tersido esta a única cidade de Sergipeem que Lampião não entrara.Ouvindo a bazófia, pergunta ovelho Braga: “E o que, Joel, Lampiãoteria pra fazer em Lagarto?”

Se não era bem um tipo debeleza, Rubem seduzia as mulherespela competência com que as

E

A comemoração dos 50 anos deBrasília teve sabor especial para o jor-nalista Paulo Ramos Derengoski,sócio da Casa, colaborador do Jornalda ABI, do qual participa com repor-tagens, crônicas e artigos, e membrodo Conselho Curador da TV Brasil:na véspera dos festejos, ele recebeudo Presidente Luiz Inácio Lula daSilva a Ordem do Rio Branco no graude Oficial, em reconhecimento à suacontribuição ao jornalismo e à vidacultural do País.

Filho de Lages, interior de SantaCatarina, onde nasceu em 6 de mar-ço de 1950, Derengo, como é chama-do pelos colegas da imprensa, estudouno Ginásio Diocesano de sua cidadee depois cursou a Pontíficia Univer-sidade Católica, o Instituto de Estu-dos Brasileiros-Iseb e a antiga Facul-dade Nacional de Filosofia da Univer-sidade do Brasil, no Rio de Janeiro, ese aperfeiçoou com uma bolsa de es-tudos em Paris. Não o seduziu a car-reira técnica do pai, o engenheiromilitar Bertoldo Paulo Derengoski,apesar dos galardões que este osten-tava: quando major do 2º BatalhãoRodoviário, foi um dos construtoresda Rodovia BR-116, que liga São Pau-lo ao Extremo Sul do País.

Com forte lastro cultural e domí-nio de três línguas estrangeiras – in-glês, francês e espanhol –, Deren-goski decidiu dedicar-se ao jornalis-mo, no qual se iniciou no Diário deNoticias do Rio de Janeiro. A partir

daí desenvolveu intensa atividadeprofissional, como repórter da Últi-ma Hora de Samuel Wainer. Subedi-tor da Folha de S. Paulo, redator da re-vista Manchete, entre outras publi-cações. Há um ano comemorou o 40ºaniversário de seu registro como jor-nalista profissional, concedido em1969 pelo Ministério do Trabalho.

Após longa radicação no Rio de Ja-neiro, Derengo retornou a Lages, deonde escreve para diferentes publi-cações, entre as quais o Jornal da ABI.Produtor do programa Atualidadesda TV Nova Era, de Santa Catarina,Derengoski é sócio da ABI, da Asso-ciação Catarinense de Imprensa-ACIe do Sindicato dos Jornalistas Profis-sionais de Santa Catarina. Membrodo Instituto Histórico e Geográficode Santa Catarina e do Conselho Cu-rador da TV Brasil (Empresa Brasi-leira de Comunicação), realizou do-cumentários para cinema e televisão.É detentor da Carteira Internacionalde Imprensa.

Depois de destacar-se como autorde O Desmoronamento do Mundo Ja-gunço, de 1985, clássico da historio-grafia catarinense, Derengo lançounos últimos anos inúmeras obras emque mostra a sua versatilidade peladiversidade de assuntos – temas his-tóricos, meio ambiente, artes plás-ticas, antropologia, como visível nostítulos: Guerra do Contestado, em1998; Meio Ambiente – Defender a Na-tureza Sem Ser Ecochato, em 1999; A

Saga dos Guaranis, em2000, todos lançadospela Editora Insular;Rebeldes do Contestado,editora Tchê,em 2001;Viagens de um Repórter,Editora Insular, em2002; Grandes Pintores,Editora Grafine, em2005; Garibaldi e Ani-ta – Os Amantes da Li-berdade em Dois Mun-dos de Guerras, em2007, e Pracinhas e Ali-ados, em 2009, ambospela Editora Pérola.

Casado com Sio-mara Ribeiro Deren-goski, ele é pai do ad-vogado Paulo Henri-que Ribeiro Deren-goski.

CONDECORAÇÃO

Ordem do Rio Brancopara Derengoski

Sócio da Casa, colaborador do Jornal da ABI e membrodo Conselho Curador da TV Brasil, Derengo, como os

amigos o chamam, é condecorado pelo Presidente Lula.

Depois de condecorado, Derengoski é cumprimentadopor Lula sob o olhar da Primeira-Dama, Dona Mariza.

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19Jornal da ABI 353 Abril de 2010

– Pode até ser, Zora, que vocêesteja melhorando de marido; agora,de literatura está piorando muito...

Ao saber que um câncer lhedevastava a laringe, foi ligeiro a SãoPaulo – não à procura de quem lhedesse alguma esperança, mas paracontratar pessoalmente os serviçosdo crematório. Nada de radiações,tratamento quimioterápico,operação aqui ou no exterior:anunciada a morte, que viesse nopasso de costume, seria recebidacom distinção e cortesia. Inútiltravar um duelo que já perdera,atirar-se a uma guerra que mais nãoprometia além do sofrimentoemocional e da decadência física.Morrer com dignidade, então, comose esforçara por viver aquelessetenta e sete anos que já seestendiam demais.

Numa segunda-feira, convidouapenas três amigos para jantar, adoença quase lhe sufocando a voz –se lhe tivesse ocorrido, diria que erao próprio homem rouco, título deum dos seus livros. Não se falou emdespedida, mas o sentimento dosquatro era o de que se encontravampela última vez. Dois dias depois, 19de dezembro de 1990, Rubem Bragamorria em um hospital, sozinho eem paz, como pedira. As cinzasforam jogadas ao vento emCachoeiro de Itapemirim,misturadas à terra e à água do lugarque tanto amou. Vinte anos sãopassados desde que se foi, silenciosoe discreto como sempre viveu. Deleguardamos algumas das mais belaspáginas da nossa literatura, que ofazem santo padroeiro de todos nós,seguidores dos seus passos nacerteza de que jamais poderemosalcançá-lo. Ave, Rubem, os pequenoscronistas do Brasil te saúdam!

Escritor, jornalista, professor deliteratura brasileira e de línguaportuguesa, Edmílson Caminhanasceu em Fortaleza, Ceará. Dirigiu,em Teresina, a Rádio Educativa e oDepartamento de Jornalismo da TVEducativa do Estado do Piauí. Éconsultor legislativo, por concursopúblico de provas e títulos, daCâmara dos Deputados, de cujoConselho Editorial foi Presidente.Colaborou nos jornais O Povo eDiário do Nordeste (Fortaleza);Jornal de Letras e RioArtes (Rio deJaneiro); D.O. Leitura (São Paulo);Suplemento Literário Minas Gerais(Belo Horizonte); A Tarde (Salvador);

Turismo, as lojas de artesanato nasantigas celas da cadeia pública,onde andou à vontade, escolheuduas redes e tomou água de cocobem gelada.

Meses depois, estivemos umanoite com ele, na famosa coberturada Barão da Torre, em Ipanema,recanto de fruteiras e bem-te-vis quepairava sereno sobre a agitação dacidade. Pela janela do apartamento,viu-nos chegar a pé, Ana Maria e eu,passando por tipos que nosobservavam:

– Não sei como vocês não foramassaltados. Eles me respeitamporque sabem que eu moro aqui,mas geralmente pegam os estranhos.

Apresentou-nos a Lila Bôscoli,irmã de Ronaldo e ex-mulher deVinícius, e voltou para a rede quecompunha o ambiente da sala, sem amenor preocupação de fingir o quenão era. Depois mostrou-nos asplantas, os passarinhos e levou-nospara o gabinete de trabalho, nosfundos do apartamento. Ao descerrara cortina da janela, tivemos uma dasmais impressionantes visões do Riode Janeiro: a pouca distância de nós,o Morro do Cantagalo erguia-secomo um gigantesco painel desombras e de luzes, os barracos soltosno ar, presos por cabos invisíveismuito acima das nossas cabeças.

ntre livros e obras de arte,Rubem vivia só, desde quese separara de Zora Seljan.Um dia, limpava as gaiolasno terraço quando a

mulher, depois de muito arrodeio,comunicou-lhe que estava saindode casa para viver com AntônioOlinto, também escritor. Conta-seque a reação do cronista foi a deinglês de anedota. Trocou a água datigelinha, soprou as cascas doalpiste e deu a sua opinião sincera:

EPublicado originalmente no jornal O TremItabirano, de Itabira, MG, e reproduzido comautorização do autor.

Caminha,jornalistae escritor

O Dia e Diário do Povo (Teresina);Correio Braziliense (Brasília); OCometa Itabirano e O Trem Itabirano(Itabira), entre outros. Obraspublicadas: Palavra de Escritor(1995); Inventário de Crônicas(1997); Villaça, Um Noviço naSolidão do Mosteiro (1998); Lutarcom Palavras (2001); Drummond, aLição do Poeta (2002; 2ª ed. 2006);Pedro Nava: Em Busca do TempoVivido (2003); Brasil e Cuba: Modosde Ver, Maneiras de Sentir (2006); OMonge do Hotel Bela Vista (2008). Émembro da Academia Cearense daLíngua Portuguesa e da Academia deLetras do Brasil, sócio correspondenteda Academia Cearense de Letras esócio da Associação Nacional deEscritores e da Associação dosBibliófilos do Brasil.

cantava em prosa. Muitas foram asque amou – Tônia Carrero, entreelas. No esplendor dos trinta anos,a atriz encantava a todos por suabeleza deslumbrante, luminosa.Sempre que ia ao bar dos escritorese artistas, alguém se levantava paradar um telefonema: “Rubem, elachegou”. Logo depois, entrava ocronista: sentava-se sozinho a umamesa, pedia um uísque esimplesmente ficava olhando paraTônia, admirando-lhe a beleza,contemplando a mulher com quemtantos sonhavam. Nas belíssimascrônicas em que curtiu essa paixão,os nomes são vários, mas a musa éuma só. A conquista, dizem, foinum transatlântico rumo à Europa– a bela e a fera, o mar e o céu portestemunhas. Tornaram-se depoisgrandes amigos, o amortransformado em afeição quedurou até o fim.

onheci Rubem Braga em1981, quando foi aFortaleza – com PauloMendes Campos, Oto LaraResende e Fernando Sabino

– participar de um seminário deliteratura. Pareceu-me o oposto doque escrevia, incapaz de tantainspiração. Para ele, esse negócio deconhecer leitores, dar autógrafos,responder a perguntas devia sermeio cansativo: bom era não ter defalar, apenas viver, sem levar aspessoas muito a sério. Que odeixassem quieto no seu canto, umhomem pobre e cansado que, se nãofosse querer muito, gostaria deenvelhecer em paz. Pediu-nos paracomprar umas redes cearenses,daquelas coloridas, com varanda,em que gostava de ler, ouvir músicaou dormir sem hora pra acordar,coisas simples mas que lhe davamgrande prazer. Fomos ao Centro de

C○

SERGIO TOMISAKI/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS

20 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

omo muitos jornalistas ain-da ativos devem saber, devomeu começo em jornalismoa um bilhete do Doutor Her-

bert Moses, então Presidente da ABI, aAlves Pinheiro, chefe de Reportagem deO Globo, o maior que eu conheci em todaa minha longa vida profissional, aqui eno exterior. Dívida igualmente grandetenho com os meus mestres jesuítas doentão Colégio Anchieta de Porto Alegre,que me ensinaram a diferença entre in-formação e conhecimento, fundamen-tais na carreira. Pinheiro me fez jorna-lista; os ensinamentos dos jesuítas ex-plicam por que em 1945, com menos de20 anos, fui designado correspondentede O Globo junto às Nações Unidas, pri-meiro brasileiro em tal função. Entreinuma vida sempre interessante. Nãoesqueço minhas dívidas.

Você quer a verdadeira história do nas-cimento da revista Senhor. Creio ter sidoo Presidente John Kennedy quem notouque o sucesso tem muitos pais, o fracas-so é órfão. Ao menos lembro que disse.

Sérgio Waissann, irmão de Simão,ambos financiadores, consta-me conti-nua muito ativo no Rio, deve lembrar.Merece honras especiais.

Vivemos verdadeira aventura emoci-onante de cerca de três anos. É impossí-vel resumi-la no espaço do nosso jornal.Terei de ficar nos primórdios. E conscien-temente esqueço as muitas decepçõessofridas no período com pessoas. Comodizem os chineses, as águas de um rio nãopassam duas vezes pelo mesmo lugar.Parafraseando, digo que as mesmas má-goas não se repetem. Melhor deixá-las seperderem no tempo passado.

Começo então pelo gesto de BeylaGenauer, minha mulher de toda a vida,que deu o primeiro impulso à revista quenasceria. Educada parcialmente nos Es-tados Unidos, atriz que foi a única bra-sileira a estrelar produção do Actor´sStudio, de Nova York, escola que formouMarlon Brando e gerações de atores deteatro e cinema americano, atriz em he-braico no histórico teatro Habima e Ca-meri, de Tel Aviv, em inglês para um fil-me londrino, em inglês para novela japo-nesa, autora de três livros. Então bela,jovem e premiada atriz brasileira. Fazmuito tempo. Numa festa dançávamosquando o que para nós era um senhor seaproximou e lhe disse uma gentileza:

“Abrão, conheça o Nahum, que está li-vre agora. Por que vocês não o convidampara fazer algo diferente para vocês?

E ele respondeu:“Sabe de uma coisa? O Simão está

querendo uma idéia. “Vá procurá-lo,Nahum!”

Simão era Simão Waissmann, sobrinhoe sócio na Editora Delta, das maiores doBrasil de coleções vendidas a crédito.

Não memorizo datas nem guardonada do que escrevi ou editei. Ao que sei,o melhor resumo de minha vida profis-sional foi preparado em 2004 como tra-balho de conclusão de curso de Jornalis-mo da Universidade Metodista de SãoPaulo, em São Bernardo do Campo, porGabriel Toueg, hoje correspondente depublicações brasileiras em Israel. Ele temexcelente texto, fez criteriosa pesquisa.

Nos meus dias de editor seria contrata-do pela qualidade de seu trabalho.

Não memorizo datas, apenas fases, eos mais emocionantes momentos e inú-meras aventuras vividas na prática daprofissão. Guerras, expedições, encontroscom personalidades que fizeram a Histó-ria do século passado. Gângster america-no, Molotov, De Gaulle, Churchill, Ade-nauer, Evita, Fidel, Frank Costello, Getú-lio, JK, Margot Fonteyn, Gigli. Que vida!

Não esqueço que em Visão e Manche-te, com Alberto Dines me assessorando,aprendi que a montagem de cada ediçãode uma revista é um quebra-cabeça cujaspartes precisam se combinar para se che-gar ao todo desejado. Uma parte força-

SAUDADESDE SENHOR

Em depoimento especial diretamente de Israel, onde está radicado há anos, o criador darevista conta como nasceu a mais sofisticada publicação editada no País entre 1959 e 1963.

POR NAHUM SIROTSKY

da em espaço não compatível desequili-bra e o conjunto não fecha. No caso deSenhor equivalia à frustração de um casode amor sem a realização desejada. Oaprendizado se completou em Senhor semDines, que já voava por conta própria. Domenino que veio trabalhar comigo em Vi-são e me acompanhou em Manchete, eleascendeu a um dos melhores editores dediários no JB, que ele transformou numdos melhores do mundo.

Senhor nasceu quando eu estava de-sempregado, tendo me demitido da di-reção dos Associados quando atingira omaior salário do jornalismo brasileiro naépoca: cerca de 100 mil cruzeiros men-sais como diretor de jornal dos Diários

Associados. Discordei de Assis Chateau-briand, com o qual mantive carinhosarelação até à morte dele. Ele provaria queestava certo. Na função de diretor, acor-dei certa madrugada de 1956 com Isra-el combatendo a guerra do canal de Suez.Pelas primeiras notícias o Egito estavavencendo. Minha mulher e filhos lá seencontravam.

“Doutor, eu vou tentar chegar lá.”Ele respondeu que não conseguiria

antes de os judeus ganharem.“Não largue seu trabalho, pois não

terá volta.”Larguei. Poucos dias depois as forças

de Israel chegavam às margens do Canal,vitoriosas. Outros ocuparam meu lugar.

Tive a idéia de procurar Alfredo Mon-teverde, fundador e proprietário do Pon-to Frio, que aceitou apoiar a criação denova revista, H$M, Homem e Mundo, comDines como editor-geral. Seria um sema-nário com a fórmula conhecida comobola de cristal dos mágicos. Os nossosCorreios eram péssimos. O Cruzeiro erao único semanário a chegar aos princi-pais mercados brasileiros em uma sema-na, devido a sistema próprio de distribui-ção. O nosso semanário seria sobre ten-dências, perspectivas do que se imagina-va estava por acontecer nas próximas se-manas, idéia inspirada em Visão, umquinzenário dedicado a política, negó-cios e economia. Daria certo e era algode acordo com minha formação profis-sional de ávido leitor de revistas estran-geiras, hábito adquirido em meus anosde Nova York.

A festa com Beyla mudou tudo. Diasdepois fui ao escritório de Simão Wais-

smann, na Travessa do Ouvidor.“Você tem uma idéia que procuro?”Não hesitei.“Tenho.”Comecei a descrever uma mistura de

Esquire, Realités, Seleções, publicações denovelas em cada número. Flair, a men-sal de mais audaciosa paginação que ja-mais vira e não perdurou muito tempodevido ao divórcio da editora de seu ma-rido, da Look.

Entusiasmado e improvisando, fuidesenhando com a voz uma publicaçãointelectual no texto e sofisticada naapresentação. Capa de uma pintura queseria arte da melhor e comentário irônicosobre a vida carioca. Uma noveleta com-

CDEPOIMENTO

21Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Em 1947, eu me encontrava nosEstados Unidos como correspondentede O Globo, primeiro brasileirocredenciado junto à Onu, e tivera delutar para obtê-la, pois a funcionáriaque me atendeu, depois de serinformada que eu escreveria emportuguês, negou-me o documentosob a justificação de que não haviatelegrafistas que soubessem a língua.

Depois de agitada e difícildiscussão – meu inglês era do ginásio–, desisti e fui procurar autoridademaior. O Subsecretário de Imprensaera um chileno chamado BenjaminCohen. Tais coisas não se esquecem,pois de latino-americano semprese esperava que viesse com chapéumexicano. Ele perdeu a paciência eperguntou se não sabia quetelegrafista só precisava conhecer oalfabeto. Naqueles tempos do Brasilsó se sabia ser terra do café e damúsica Tico-tico no Fubá, que eradançada como rumba. Foi o ano emque Osvaldo Aranha, diplomatabrasileiro, foi eleito para presidir aAssembléia das Nações Unidas, que,imaginava-se, resolveriadefinitivamente o confronto entre

pleta em cada edição.Contos e ensaios e obser-vações e pensamentosde intelectuais brasilei-ros e estrangeiros. Have-ria textos sobre temasmundanos como modamasculina ou qualidadesde bebidas. Seria parahomens com a intençãode atrair as mulheres daclasse visada – gente desucesso. Elas tinhammais tempo livre e pre-sença relativamente pequena no merca-do de trabalho. Fui me inspirando no quedizia, que vira nas melhores revistas es-trangeiras. Já naquele tempo se aplica-va a teoria de Lavoisier ao jornalismo:nada se cria, nada se perde, tudo se co-pia. As idéias iam surgindo.

“Por exemplo, Simão, as revistas apre-sentam garotas de roupas de banho. Osugerido e insinuado é mais sensual.Moça do Senhor será fotografada emroupas elegantes em diferentes línguas.”

Havia na época revista mensal dedica-da aos elegantes. Ibraim Sued já tinha acoluna, a linguagem dele decidia quemimpressionava na sociedade com expres-sões inventadas que ficaram na História.A revista dos grã-finos tinha preço de capacaríssimo. A nossa seria mais cara, sím-bolo de status. O preço de venda era muitosuperior às demais de preço alto.

Naqueles tempos havia consciênciade que as pessoas do high society forma-vam opinião. Era 1957. Um dos nossosobjetivos seria o de levar às novas clas-ses que enriqueciam na indústria, nocomércio e em profissões do Brasil umsurto de desenvolvimento e otimismoinspirado no Governo Juscelino e naconstrução de Brasília. Ajudaríamos acriar o gosto pelas artes em geral, boaliteratura, característica da velha aris-tocracia de origem rural em decadência.Publicaríamos ensaios cultos e inteligen-tes sobre o novo mundo.

(Não esqueço monografia muito in-teligente sobre as várias etapas de Se-nhor em seis anos de vida, até morrer.Tenho cópia assinada por Maria Eugê-nia Maia Vizeu Barbosa, que não che-guei a conhecer. É de 1999 para a Esco-la de Comunicação da UFRJ como tra-balho de conclusão de seu curso de Jor-nalismo sob orientação da professoraIlana Strozenberg. Maria Eugênia ondeestará? Inúmeros textos sobre Senhorforam preparados, em escolas de Jorna-lismo. Jamais revista alguma não noti-ciosa recebeu tanta divulgação gratui-ta por todo o País, JK mandava buscarseus exemplares por motoqueiros doCatete. O Rio era a capital. JK concediadezenas de entrevistas todos os meses.Na nossa juventude jornalismo seaprendia na prática. Era ter vocação oudesistir. Gabriel Toueg, agora correspon-dente de veículos brasileiros em Israel,fez longo e detalhado trabalho para aUniversidade Metodista de São Paulocom tal pesquisa de minha vida profis-sional em 2004 que a ele recorro pararefrescar minha memória.)

Depois da conversa com Simão Wais-smann fui para casa. Eufórica. Beyla

preparava a inauguração do grupo Tea-tro de Hoje. Contei-lhe tudo e disse:

“Falta mostrar.”Ela disse que o Carlos Scliar, vetera-

no da Feb, gaúcho, pintor, artista gráfi-co, amigo de toda a vida, preparava umcartaz para lançamento do grupo dela,cujo diretor teatral era Paulo Francis.

“Ótima idéia.”Chamou Carlos Scliar e expliquei o

que precisava. Ele veio com Glauco Ro-drigues, mais jovem, também amigo, quese transformou num dos pintores brasi-leiros que entraram para a História dasartes, desenhista de técnica inigualada.Chegaram armados de tesoura e cola. Asrevistas estrangeiras eu providenciei.Repeti tanto quanto a memória permitiuo que havia dito a Simão. Tinha por Scli-ar um imenso respeito. Era mais velho queeu, tinha sobre mim autoridade. E quemera eu para ensinar artes gráficas? Traba-lharam horas até expressarem numa bo-neca o imaginado que não sabia se pode-ria ser concretizado. “Liguei pro Simão elogo marcamos novo encontro.

“É isto o que quero realizar”, dissequando viu a boneca.

Impossível, pensavaeu. Para começar, não ha-via no Brasil uma gráfi-ca com a qualidade deimpressão essencial. Nãohavia o papel. Não exis-tiam anúncios com acriatividade e arte dasagências de publicidadeeuropéias e americanas.Não existiam cartunis-tas nem ilustradorestecnicamente prepara-dos. Nem fotógrafos,

pois os melhores estavam em O Cruzei-ro. Não havia a tradição de resenhas delivros acompanhadas de ensaios. Se nãome engano, ninguém sabia escrever per-fis de personalidades como se fazia naimprensa americana. Não tínhamos no-velistas de noveletas.

Naqueles dias não se falava em realida-de virtual, que era a boneca da revista.

“É isto”, disse Simão, que me deu car-ta-branca para contratar a equipe e agráfica das Listas Telefônicas para im-pressora, Scliar e Glauco foram os pri-meiros. Sérgio Waissmann, o irmãomais moço de Simão, ficou com a dire-ção de circulação, Newton de AlmeidaRodrigues foi para Editor de Política eEconomia, Luiz Lobo para o refinado,desde humor a selecionar as garotas doSenhor. Os textos dele eram simplesmen-te gostosos de ler. Paulo Francis se can-didatou a Editor de ficção e ensaios. Ti-nha todas as qualidades e poderia traba-lhar meio expediente para não prejudi-car seu trabalho de Diretor teatral. Ja-guar, que foi reforçar a direção de arte,desenhou cartuns tão excepcionais quefoi elogiado na mais respeitada revista

de artes plásticas da época, Graphis, daSuíça; Ivan Lessa, cujo humor o levariaà BBC de Londres; Ivo Barroso foi o in-comparável tradutor do material estran-geiro; Bia Feitler veio para assistente deScliar e acabou Diretora de Arte da Vo-gue de Nova York; Clarisse Lispector re-digindo as historietas de abertura, SenhorE Cia; Richard Sasso, fotógrafo francês;Ivan Meira, que morreria jovem em aci-dente aéreo, veio como Diretor de Pu-blicidade e criador de algumas peças es-peciais para clientes que ele levantava.A política era de recusar anúncios quenão tivessem qualidade artística com-patível com a revista. E isto teve deci-siva influência na nova importância quepassou a ser atribuída ao Departamentode Arte das agências.

Eu sempre adotava me cercar de gen-te com talento suficiente para assumirminha posição e optei pelo estilo de di-reção democrática, pela qual os editoresdiscutiam comigo cada pauta. Eu nãoescrevia, por considerar meu estilo jor-nalístico incompatível com a qualidadedos textos que desejava.

A primeira novela ficou entre obra deErnest Hemingway e primorosa tradu-ção de Ivan Ilitch, de Tólstoi, por CarlosLacerda. Não cito a obra do americanopara evitar que se identifique quem ti-nha os direitos para a língua portugue-sa. Os sócios se separaram. Os direitosde língua portuguesa ficaram com osócio lisboeta. Durante meses trocamoscorrespondência sem resposta definiti-va. Optei por um telegrama cujo tex-to não esqueci: “Peço vênia a Vossên-cia: responda telegrama. Pago qualquerdecisão do caso”. Tínhamos que fechara edição. A resposta, juro, veio no mes-mo dia por telegrama: “Tenho prazerinformar vossência que resposta pedi-da seguiu hoje por carta”. Arrisquei noHemingway.

O primeiro número saiu em março de1959. A capa, se não me engano, era deGlauco. Ele e Scliar tinham trabalhadonas oficinas e obtido impressão da maisalta qualidade usando papel adequadoà técnica de ofsete. Milagrosos os dois.Quando recebi a revista tive um aces-so incontrolável de choro. Tinha 32 anose me considerei um fracassado. Tinhatudo em demasia. Não tinha o equilíbriodesejado.

Nunca publicação alguma foi tão bemrecebida. Recebeu tantos elogios, tantapromoção gratuita.

Era março de 1959. Em julho de 1961,o número 29 foi o meu último. A revis-ta tinha sido vendida. Não concordeicom as concepções do novo proprietá-rio. Roberto Campos, um dos colabora-dores, designado embaixador em Wa-shington, convidou-me para ser seu as-sessor e evitou que eu caísse em profundadepressão. Perdera a direção da revistaa que eu me entregara de corpo e alma.Nunca mais quis ver o que lhe aconte-cia, nada podia fazer.

Senhor morreu no número 54, em agos-to de 1963, apesar dos esforços de doisbrilhantes colegas. Ninguém mais teve acoragem de Simão Waissmann. Senhor foipassando de mão em mão. Morreu de fal-ta de recursos. Morreu de inanição.

62 anos de Israel sem pazpalestinos árabes e palestinos judeus.

Aranha me assumira com o carinhode um padrinho, relação que durou atéà morte dele. O gaúcho era de longe omais atraente de todos os diplomatas,além de ser reconhecido como dosmais hábeis dentre todos. Foi uma dasfiguras mais impressionantes que euconheci em toda a minha longacarreira, durante a qual conheci eentrevistei, limitado pela minhagrande ignorância das coisas domundo, a maior parte dos homensque fizeram a História do século.

Partilhou-se o que restava daprovíncia otomana da Palestina. Pordecisão inglesa, dois terços haviamsido destacados para ser o emiradoda Jordânia, desértica, sem gota depetróleo, colada às riquíssimasreservas da Arábia Saudita, Iraque,etc. Os ingleses receberam mandato(direito de governar) sobre a áreamas desistiram. Judeus e árabes nãose entendiam. Era 1947. Poucosmeses depois, 1948, com um totalpouco superior a 500 mil habitantes,Ben Gurion, líder dos judeus, disseque “é agora ou nunca”.

Foi.

22 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Realizado de 21 a 23 de abril na Uni-versidade Católica de Pernambuco, o13º Encontro Nacional de Professoresde Jornalismo-ENPJ marcou o início dascomemorações pelos 50 anos do Cursode Jornalismo na instituição de ensino,ao mesmo tempo que abrigou debatessobre a qualidade da formação dos jor-nalistas no Brasil. Mais do que isso, ser-viu para demonstrar que prossegue amobilização de entidades do setor emdefesa do restabelecimento da obriga-toriedade do diploma de graduação emJornalismo ou Comunicação para oexercício da profissão de jornalista.

No evento, professores de Jornalis-mo reafirmaram o compromisso deluta pelo retorno da exigência do diplo-ma. Também foram aprovadas, comoprioridades da próxima gestão do Fó-rum Nacional dos Professores de Jor-nalismo, cuja nova Diretoriafoi empossada no Encontro,as seguintes medidas: melho-ria na qualidade do ensino ea aprovação das novas diretrizescurriculares em Jornalismo e a implan-tação das resoluções da 1ª ConferênciaNacional de Comunicação.

Em ato político durante o evento, osrepentistas Antônio Lisboa e EdmilsonFerreira deram um tom especial à ma-nifestação com Já Vai Tarde Gilmar Men-des, composição que celebra a saída doentão Presidente do Supremo TribunalFederal, responsável pela derrubada dodiploma, ocorrida em 23 de abril.

De tom contestador, a Carta do Re-cife em Defesa da Formação JornalísticaSuperior, aprovada na assembléia deencerramento do Encontro, propõe aurgente criação de mecanismos de re-gulamentação profissional do Jornalis-mo como única forma de assegurar aprodução de um jornalismo plural epautado pelo interesse público. No do-cumento os professores associados aoFNPJ, que até 2012 terá como Presidentee Vice-Presidente, respectivamente,Sérgio Luiz Gadini e Mirna Tônus, re-afirmam o compromisso da entidadecom a defesa intransigente da obrigato-riedade do diploma. Eles pediram o fimdas ameaças aos jornalistas no exercí-cio de suas funções – como ainda ocor-re com freqüência em todo o País.

A Fenaj esperançosaNo dia 23, o Presidente da Federação

Nacional dos Jornalistas-Fenaj, SérgioMurilo de Andrade, ironizou os resul-

tados da decisão do Supremo. “Dez me-ses após a decisão do STF estamos viven-do um período pleno de liberdade nascontratações nas Redações”. Ele enfati-

LEGISLAÇÃO

Professores de Jornalismoreclamam a volta do diploma

POR PAULO CHICO

Em declaração divulgada em seu 13º Encontro Nacional, realizado no Recife, representantes do magistériode Comunicação proclamam a necessidade da formação de nível superior para o exercício da profissão.

“Diante dos crescentesimpactos da decisão do SupremoTribunal Federal que, em 17 dejunho de 2009, aboliu aexigência de formaçãouniversitária específica para oexercício do jornalismo, osparticipantes do 13º EncontroNacional de Professores deJornalismo-ENPJ, realizado naUniversidade Católica dePernambuco, no Recife, entre osdias 21 e 23 de abril de 2010,reafirmam a urgente criação demecanismos de regulamentaçãoprofissional ao Jornalismo. Emuma realidade marcada pelooligopólio do controle dosprincipais meios de comunicação,seja em níveis regionais ounacional, a regulamentação setorna um fator imprescindívelpara assegurar a produção de umjornalismo plural e pautado porinteresses públicos. O desafio deampliar a luta intransigente emdefesa da formação universitária

Carta do Recife: Não ao oligopólio atual

zou a importância da mobilização pelaretomada do diploma, pois “o MinistroGilmar Mendes é o símbolo da maioragressão já feita contra o jornalismo”. Ecompletou: “A sociedade de um modo ge-ral ficou perplexa, surpresa, indignada etambém preocupada”.

Sérgio Murilo foi enfático ao reve-lar que acredita na possibilidade de re-versão da decisão. “Temos plenas con-dições de reverter esta decisão e issonão é retórica. E temos condições por-que criamos estas condições”, disse, sa-

lientando que a rever-são da derrubada dodiploma vai depen-der da ação de todosos envolvidos: esco-las, jornalistas, pro-

fessores e estudantes.O 13º ENPJ teve

como tema centralEnsino de Jornalismo:

Novas Diretrizes e Novos Cenári-os Jurídicos, Profissionais, Tecnológi-

cos e Econômicos. O ensino do Jornalis-mo no contexto dos países ibero-ame-ricanos foi tema central do III Coló-quio Ibero-Americano de Ensino deJornalismo do FNPJ, realizado na ma-nhã de 23 de abril. “A idéia é de fazer-mos uma interação com os amigos ibe-ro-americanos, para que eles possamtrazer as realidades do exercício daprofissão em seus respectivos países”,

explicou o jornalista Gérson Martinsna abertura do evento.

O declínio chilenoOs jornalistas Miguel Paz, atual-

mente no Chile como Subeditor do ElMostrador, e Celso Schröder, Presidenteda Federação de Jornalistas da Améri-ca Latina e Caribe-Fepalc e Vice-presi-dente da Fenaj, compuseram a mesa dedebate. Miguel Paz disse que a forma-ção de um jornalista no Chile exige altoinvestimento:

“O custo na instituição mais bara-ta totaliza US$ 12 mil e US$ 34 mil namais cara. O jornalismo é consideradoprofissão para as elites”, contou, des-tacando a expansão do jornalismo nainternet, onde são pagos os mais bai-xos salários.

Paz revelou que a procura pelo cur-so tem caído bastante. “Em 1999, es-tava entre os mais disputados nas uni-versidades chilenas. Seis anos depois,em 2005, deixou de figurar entre os dezprimeiros. Isso representou uma que-da de 16,3% no número de graduadosna profissão.”

O BBB e BialEm seguida, o jornalista gaúcho Cel-

so Schröder fez uma comparação dojornalismo atual com o que era prati-cado nas décadas de 1980 e 1990, e ci-tou momentos de crise, incluindo osperíodos de democracia.

“Na década passada aconteceramreformas gráficas e o entretenimentopassou a se sobrepor à informação. Nadécada atual, o entretenimento já passaa ser o que provoca a perda da identi-dade da profissão jornalística. O BigBrother Brasil, da TV Globo, é a provadisso. Vemos um jornalista competen-te negando sua própria atividade deformação. Para mim, ele representa asíntese de crise desse período atual”,afirmou, numa referência a Pedro Bial.

específica para o exercício dojornalismo é um compromisso,urgente, de estudantes, docentese profissionais da área, bemcomo dos setores da sociedadecivil organizada.

Neste contexto, a proposta decriação de Novas DiretrizesCurriculares ao Ensino deJornalismo – elaborada porcomissão de especialistasnomeada pelo Mec, em 2009 –precisa ser urgentementeaprovada, possibilitando assim ofortalecimento do ensino e aformação profissional específica.Os participantes do 13º ENPJdefendem, assim, a imediataaprovação de diretrizes própriasao ensino de Jornalismo, criandocondições concretas parapadronizar indicadores dequalidade e compromisso naformação universitária da profissão.

Numa perspectiva mais ampla,no âmbito da defesa do direitohumano à comunicação, os

jornalística pode propiciar àconquista de cidadania, a partirda oferta de uma informaçãoplural e preocupada com asdemandas sociais, e não maismeramente mercadológica.

Por fim, os participantes do13º ENPJ cobram imediatasprovidências das autoridadesresponsáveis (Judiciário,Legislativo e Executivo) frente àsconstantes ameaças que vêmcomprometendo o exercício dojornalismo, com agressõesverbais e físicas a profissionais daárea, feitas por alguns poucosque se sentem tão à vontadepara agir à revelia da legislaçãoque ousam responsabilizarjornalistas quando estes divulgamo que não lhes agrada. Taisameaças à democracia precisamter um basta e isso éresponsabilidade dos setores doPoder Público.

Recife, Pernambuco, 23 deabril de 2010.”

professores de Jornalismoentendem que é fundamentaldar conseqüência às decisões da1ª Conferência Nacional deComunicação, especialmente noque tange à implantação doConselho Nacional deComunicação. É urgenteestabelecer debate público quecontribua para a definição de umnovo marco regulatório, queinclua dispositivos da extinta Leide Imprensa e se torneinstrumento capaz de regular ofuncionamento e democratizar oacesso à mídia no Brasil.

Em outro aspecto, a existênciados mais de 400 cursos degraduação em ComunicaçãoSocial - Habilitação emJornalismo demanda maisinvestimento e atenção, por partedos gestores, seja no que dizrespeito a espaço, infra-estruturalaboratorial ou quadro docente,demonstrando a compreensãoestratégica que a formação

23Jornal da ABI 353 Abril de 2010

A família do jornalista José Gonçal-ves Fontes está empenhada em divul-gar para as novas gerações de jornalis-tas a trajetória profissional desse queem sua época foi o mais premiado re-pórter da imprensa brasileira. Fontes,ou Zé Fontes, como era chamado pe-los companheiros da Redação do Jor-nal do Brasil e pelos colegas de outrosjornais com os quais convivia, ganhounada menos de quatro Prêmios Esso deJornalismo, arrebatando em 1962,1964, 1975 e 1987 a maior distinçãoconcedida a profissionais da impren-sa brasileira.

Carioca, nascido em 1934, Fontescomeçou sua trajetória profissionalnuma agência de notícias e em 1958foi admitido no Jornal do Brasil, noqual trabalhou 37 anos, divididos emdois períodos: de 1957 a 1979 e de 1984a 1 de agosto de 2000, quando faleceu.Ele participou da reforma editorial egráfica do JB sob o comando de OdiloCosta, filho, e acompanhou a cami-nhada do jornal nos anos seguintes,sob a liderança de Jânio de Freitas,Alberto Dines e Carlos Lemos, entreoutros ases do veículo da CondessaPereira Carneiro. Jovem, brilhava aolado de destacados repórteres da Ge-ral do JB, como Ana Arruda, AmauriMonteiro, Ribeiro Luz, Maria IgnezDuque Estrada, entre outros.

A primeira das incontáveis distinçõesobtidas por Fontes foi no começo dacarreira, em 1960, quando ele ganhouo Prêmio Ministério da Aeronaútica,atribuído à melhor reportagem sobre aSemana da Asa. A partir de então teveuma torrente de premiações, iniciadacom a conquista do Prêmio Esso deReportagem de 1962 pela série de repor-tagens em que denunciou a fraude naapuração das eleições de 1960 no entãoEstado da Guanabara. Seu trabalho re-sultou na cassação do mandato do be-neficiário da fraude, Deputado SamiJorge. Por sua atuação em defesa daverdade eleitoral, foi agraciado em 1961com a Medalha e Diploma do MéritoForense pelo Tribunal de Justiça doantigo Estado da Guanabara.

me Guinle, instituído pela Federaçãodas Indústrias do então Estado daGuanabara, e o Prêmio Ministério daMarinha; em 1969, 1970, 1973 e 1974,o Prêmio DER (Departamento de Es-tradas de Rodagem); no mesmo ano de1969, o Prêmio Sursan de Reportagem;em 1972, o Troféu Coruja, concedidopelo Centro de Estudos e PesquisasPresidente Castelo Branco; em 1973, aMedalha e o Diploma Santos Dumont,outorgado por uma Comissão de AltoNível do Ministério da Aeronáuticapela reportagem que fez em homena-gem ao centenário do Pai da Aviação;em 1975 e 1976, o Troféu Imprensa,concedido pela TV Sílvio Santos. OTroféu de 1976 foi concedido a Fontespor um júri que por dez votos a umescolheu a reportagem intitulada Gru-po Lume – Um império em desencanto, emque ele mostrou com rigor de minúciaa trajetória do empresário LinaldoUchoa de Medeiros, então um doshomens fortes no campo dos negócios,que foi desmascarado, por suas práti-cas nem sempre éticas, pelas duas pá-ginas e meia publicadas por Fontes noJB no domingo 4 de abril de 1976.

Além das distinções locais e nacio-nais, Fontes ganhou em 1971 da Socie-dade Interamericana de Imprensa-Sipo Prêmio Mergenthaler, assim denomi-

INJUSTIÇA

Zé Fontes,o repórteresquecidoSua família lembra que ele foi um

dos mais premiados jornalistasdo Brasil nos anos 60-90.

Fontes trabalhou seis meses nessareportagem, que desembocou na recon-tagem de votos determinada pelo Tri-bunal Regional Eleitoral e na compro-vação da fraude. Relator da comissãojulgadora do Prêmio Esso, o jornalistaOdilo Costa, filho explicou a razão davitória de Fontes: “O que, a meu ver, acomissão distinguiu, antes de tudo, nasérie de reportagens de Fontes, foi umaconsciência profissional. Dela decorremos merecimentos do repórter e do seutrabalho, a teimosa tenacidade, o amorà exatidão, o senso de pesquisa da ver-dade – só a verdade e toda a verdade.”

Trabalho de fôlego de Fontes foi tam-bém a reportagem sob o título geralBloqueio do mar, publicada pelo JB numsuplemento especial de 20 páginas em14 de junho de 1964. Fontes trabalhouum ano no levantamento de dados paraessa matéria: percorreu todos os por-tos do País e descreveu os problemasexistentes em cada um e, também, assuas potencialidades. Com essa repor-tagem, ilustrada com fotos de EvandroTeixeira, já então um dos ases da equipede repórteres-fotográficos do JB, ondeele trabalha até hoje, Fontes ganhou oPrêmio Esso de Jornalismo de 1964.

A partir de então, praticamente emtodo ano Fontes ganhava um ou maisprêmios: em 1963, o Prêmio Guilher-

nado em homenagem ao inventor da li-notipo, que revolucionou a imprensa nofinal do século XIX. A distinção punhaem relevo as séries de reportagens queFontes fez em favor da comunidade. Apartir de 1970 ele se tornou verbete daGrande Enciclopédia Larousse.

Pela sua competência profissional esua isenção em relação a questões polí-tico-partidárias, Fontes pôde participarde 1980 a 2000 da Assessoria de Impren-sa do Governo do Estado, primeirocomo Assessor-Chefe da Secretaria dePlanejamento, depois como Assessor deImprensa do Gabinete Civil do Gover-nador. Pelo respeito que naturalmenteimpunha, Fontes trabalhou com Gover-nadores de diferentes filiações partidá-rias: Chagas Freitas (PMDB), LeonelBrizola (PDT), em seu segundo manda-to, e Marcelo Alencar (PSDB). Seu cur-rículo era admirado: na longa militân-cia no JB, foi repórter especial, Chefe deReportagem e Editor de Cidade.

Para o resgate da imagem profissio-nal de Fontes estão trabalhando suaviúva, Neyde Baptista, e seu filho Ri-cardo José Gonçalves Fontes, que agra-decem a colaboração que os contempo-râneos dele no JB e no serviço públicopossam oferecer, através da ABI, paracolocá-lo no lugar de destaque que elemerece. (Maurício Azêdo)

ARI G

OM

ES

O extrovertidoFontes naChefia de

Reportagemdo JB em 1971.

Sob o olhar de Silvio Santos e do jornalista Israel Tabak, doJB, o Deputado Álvaro Vale (PL) entrega o Troféu Imprensa de

1975 a José Fontes. Acima, na homenagem aos vencedores doPrêmio Esso, Fontes posa ao lado do quadro que o mostracomo o ganhador em 1962. Ele venceu também em 1964.

26 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

O Instituto Internacional para a Se-gurança da Imprensa-Insi, sediado emLondres, na Inglaterra, informou em 28de abril que 42 jornalistas foram mortosem todo o mundo desde o início de 2010.Somente no mês de abril foram registra-dos 17 assassinatos de profissionais da im-prensa, o que representa duasmortes a cada três dias. O pe-ríodo, de acordo com o estu-do, é o mais violento para amídia nos últimos cinco anos.

“Este é um duro preçoque pagamos por nossas no-tícias ao redor do mundo. Onúmero chocante de mor-tes em abril coloca o as-sunto em maior evidên-cia. Todos os casos de-monstram a necessida-

A Associação de Entidades Jorna-lísticas da Argentina-Adepa divulgouem seu relatório anual que o país passaatualmente por um dos “momentosmais críticos para a liberdade de im-prensa”, mesmo depois de restauradaa democracia com o fim da ditaduramilitar, em 1983. As críticas dos repre-sentantes das empresas jornalísticassão dirigidas contra o Governo da Pre-sidenta Cristina Kirchner, que desdemarço de 2008 é acusada de manterum confronto com os principais veí-culos de comunicação, especialmen-te com o jornal Clarín e o canal de te-levisão Todo Notícias.

O relatório dos empresários das en-tidades jornalísticas afirma que os mei-os de comunicação argentinos estão“sofrendo uma inédita campanha de in-sultos ao jornalismo por parte do po-der político”. No documento, eles acu-sam o Governo Kirchner de utilizar osmeios de comunicação estatais de “for-ma abusiva com fins partidários”.

A Adepa também criticou o crité-rio adotado pelo Governo para a dis-tribuição da publicidade oficial, indi-cando que há indícios de privilégiospara os jornais nitidamente favoráveisà administração Kirchner, indepen-dentemente do volume de circulação.

As críticas das entidades jornalís-ticas apontam também “a recente ne-gativa do Governo em fornecer infor-mação pública sobre as quantias” gas-tas na publicidade oficial por parte daPresidenta Cristina Kirchner.

De sua parte o Governo argentino hádois anos vem acusando a imprensa detentar implementar um golpe de Esta-do em aliança com os ruralistas e a opo-sição. Em 2009, foi aprovada em cará-ter de urgência a polêmica Lei de Mídia,que impôs uma série de restrições às em-presas de mídia e favoreceu aquelas ali-nhadas com o casal Kirchner.

Pesa sobre essa medida a acusaçãode que a votação ocorreu em meio auma série de irregularidades – a apli-cação da lei está temporariamente sus-pensa pela Justiça. Enquanto isso, oGoverno tenta reverter a situação ape-lando aos tribunais.

A pressão do Governo Kirchner ga-nhou o apoio do Sindicato dos Cami-nhoneiros, que realizou bloqueios nasportas das gráficas dos jornais La Na-ción e Clarín, impedindo por diversasvezes a distribuição das edições. Emnenhuma das vezes em que foi acio-nada a Polícia apareceu para dispersaros piquetes. Diz a Adepa que o Gover-no demonstra “passividade” diante de“ações de intimidação e violência degrupos ou setores contra jornalistas eempresas jornalísticas”. (José Reinal-do Marques, com informações de O Es-tado de S. Paulo)

A família do jornalista Manoel Lealde Oliveira, fundador e editor do jor-nal A Região, da cidade de Itabuna, naBahia, recebeu do Governador JaquesWagner a quantia de R$ 100 mil a tí-tulo de indenização pelo assassinato dojornalista em 14 de janeiro de 1998.

“A indenização, inédita no País, nãodevolve a vida do jornalista, mas é umpasso a mais contra a impunidade noEstado”, disse Jaques Wagner durantea cerimônia realizada em 7 de abril,data em que se comemora o Dia doJornalista. Estavam presentes ao ato dereparação os dois filhos de Leal, Valé-ria e Marcel.

Pouco antes de morrer, Manoel Lealde Oliveira denunciara em seu jornal ir-regularidades na administração muni-cipal, envolvendo o então Prefeito da ci-dade, Fernando Gomes, o DelegadoEspecial da Secretaria de SegurançaPública da Bahia, Gilson Prata, e seus au-

xiliares, entre eles o ex-policial civil Mo-zart Brasil, condenado em 2007 a 18anos de prisão pelo assassinato de Leal.

Em 19 de maio de 2000, a Socieda-de Interamericana de Imprensa-Sip so-licitou a intervenção da ComissãoInteramericana de Direitos Humanos-CIDH no caso, diante da lentidão nocumprimento da justiça. Seis anos de-pois, a CIDH colocou à disposição doGoverno do Brasil e da Sip a propostade reparação financeira para os fami-liares de Manoel Leal de Oliveira.

Como parte do acordo firmado en-tre o Governo e a Sip, foi realizada umacerimônia oficial, em 21 de setembrode 2009, na qual o Governador daBahia, Jaques Wagner, reconheceu,perante a família Oliveira, a sua respon-sabilidade na falta de justiça no caso doassassinato do jornalista, bem comopor outros nove assassinatos cometi-dos na região.

Em 13 de janeiro último, Wagneraprovou a Lei n° 11.637 que prevê in-

denização aos filhos e à viúva de Ma-noel Leal de Oliveira. Na ocasião, o Pre-sidente da Sip, Alejandro Aguirre,aplaudiu a iniciativa:

“Esse é mais um passo para garan-tir que os crimes contra Oliveira e osoutros nove jornalistas assassinadosna Bahia nos anos 90 não fiquem im-punes. Há esperança de que os assas-sinatos sejam um episódio que fiqueno passado.”

De acordo com as determinações daCIDH, o Governo brasileiro deve reto-mar as investigações para que os auto-res intelectuais do crime contra Mano-el Leal de Oliveira sejam identificadose condenados.

“Pela primeira vez na história do Bra-sil um governo estadual assumiu pu-blicamente sua responsabilidade pornão ter garantido a liberdade de im-prensa e está cumprindo as recomen-dações da CIDH para assegurar que ofato não se repita”, ressaltou a entida-de em comunicado.

Imprensa daArgentina

reclama deintimidação

Mataram 42 jornalistas no mundo desde janeiroQuase metade tombou em abril,

um mês fatídico para a imprensa.de premente de ação no cenário mun-dial”, afirmou Rodney Pinder, Diretordo Insi (foto).

Desde janeiro de 2010, aponta o rela-tório, sete jornalistas foram assassina-dos em Honduras, seis no México, qua-tro no Paquistão, três na Colômbia e trêsna Nigéria. Foi registrado ao menos umcaso de assassinato em diversos países,entre eles Chipre, Equador, Nepal, Rús-sia, Turquia e Venezuela.

O estudo do Insi revela ainda quedos 42 casos de morte registradoseste ano 27 estão associados ao tra-balho na imprensa. De cada dez cri-mes contra jornalistas, oito não são

punidos.Rodney Pinder fez um

apelo aos países, emespecial a Hondu-ras, México, Pa-quistão, Colômbiae Nigéria, para que

R$100 mil por uma vidaPOR CLÁUDIA SOUZA

Família de jornalista assassinado em 1998 finalmente é indenizada.

A Comissão Nacional de DireitosHumanos e Liberdade de Imprensa daFederação Nacional dos Jornalistas-Fe-naj divulgou em 27 de março o “Relató-rio de Violência e Liberdade de Impren-sa — 2009”. O trabalho foi realizado apartir de casos divulgados pelos sindica-tos de jornalistas, pela Fenaj e por veí-culos de comunicação de todo o País.

De acordo com o estudo, entre janeiro

Autores: agentes do poder ouprepostos a mando destes.

Fenaj lista 58 agressões a jornalistas em 2009

os inquéritos sobre os crimes sejam con-cluídos e os responsáveis punidos.

Iraque, um cemitérioO ano de 2007 é considerado o mais vi-

olento para a história recente da imprensamundial, quando foram contabilizadas172 mortes de jornalistas, seguido de2006, com 168 assassinatos, a maior partedeles na Guerra do Iraque. Em 2003, anoda invasão promovida pelos Estados Uni-dos, centenas de correspondentes forammortos na região.

Atualmente, de acordo com o Insi, osassassinatos estão vinculados a matériasque envolvem temas como criminalida-de e corrupção.

“Exortamos todos os Estados membrosda Onu a se unirem em um esforço globalpara conter o derramamento de sangue epara dar um basta à impunidade aos assas-sinos de jornalistas”, destacou Pinder.(Claudia Souza, com informações da Reuters)

e dezembro de 2009 foram registrados58 casos de agressões a profissionais daimprensa, em grande parte cometidospor agentes do Estado ou a mando des-tes, tal como registrado nos estudos re-alizados em 2007 e 2008.

Informa o Relatório que 26 do total deregistros envolveram profissionais damídia impressa; nove de emissoras detelevisão; dois de emissoras de rádio; oitoda internet. O estudo revelou ainda o au-mento da utilização de recursos judiciaispara impedir a divulgação de notícias.

A queda da exigência do diploma, asdemissões, a precarização das relaçõesde trabalho, a censura empresarial e aautocensura são, de acordo com o Rela-tório, “fatos diários que configuram vi-olência de proporções incalculáveis”.

O estudo foi encaminhado a entidadesnacionais e internacionais de defesa de jor-nalistas, ao Ministério da Justiça, à Secre-taria de Direitos Humanos da Presidênciada República, ao Conselho Nacional de Jus-tiça e às Comissões de Direitos Humanosda Câmara dos Deputados e do Senado.

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ÃO

27Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Os avanços tecnológicos dos últi-mos anos mudaram radicalmente aforma como as pessoas se comunicam.Especialmente por meio da internet, asinovações não apenas agilizaram a tro-ca de informações. Trouxeram tambémnovas formas de se divertir, relacionare viver em comunidade. Apesar dopotencial quase infinito, os desafiosimpostos por esse ambiente às socie-dades democráticas não são poucos.Para o jornalismo, assim como para amúsica e para o cinema, ter controlesobre o conteúdo produzido é quaseimpossível. Apertando apenas um bo-tão, o consumidor pode escolher o quequer ver, ouvir e ler. Muitas vezes semqualquer custo. Além de copiar em blogsou postar em sites de vídeo como o YouTube ou ainda discutir em redes sociaiscomo o Facebook. Mesmo sendo apon-tado como o principal problema da rede,o acesso ao conteúdo digital é uma fa-ceta da discussão que tem tomado contada internet nos últimos tempos. Outrapolêmica que promete fazer tanto ba-rulho quanto essa envolve um valor quea imprensa ocidental sempre cultivoucomo supremo: a liberdade de expres-são. Só que não se trata de algum gover-no tentando cercear essa liberdade, e simdos abusos cometidos em nome dela.Que o diga o jornal O Estado de S. Pau-lo, uma das últimas vítimas.

Neste mês de abril, a repórter AnaFreitas foi vítima de uma campanha deperseguição promovida por membrosdo fórum 55chan. Tudo por causa deuma breve menção ao site em um tex-to assinado por ela, que discorria sobremanias da web. Protegidos pelo anoni-mato, os “anões”, forma pelo qual osusuários do fórum se autodenominam,incitaram diversos atos de violênciacontra a jornalista. As ameaças iam detrotes infantis, como mandar pizzaspara a sua casa sem ela ter pedido, atéagressões físicas. Não bastasse isso, osmembros do 55chan partiram para umarepresália organizada contra o portal dojornal (www.estadao.com.br).

A confusão havia começado na sema-na anterior, quando o Link, caderno detecnologia do jornal, dedicou sua capaa fóruns que dão origem às manias dainternet, geralmente piadas enviadaspor e-mail e que trazem links, fotos evídeos. Uma das matérias trazia comotítulo Onde nascem e vivem os memes bra-sileiros. Escrita por Ana, começava as-sim: “O berço dos memes brasileirostambém é um fórum. Mas não se tratadas versões brasileiras do 4chan, do

Apesar da pesada ofensiva, o portalconseguiu contornar rapidamente osproblemas. Por sua vez, a moderação do55chan tentava apagar os posts com asameaças. Mas a cada mensagem apa-gada, surgiam várias outras. Entre asmuitas ameaças, uma voz mais cons-ciente alertava: “É muita hipocrisia umchan perseguir um jornalista, aindamais porque chan é sinônimo de liber-dade de expressão”.

Trollagem e anonimatoJustiça seja feita, no 55chan muita

gente não compactua com esse com-portamento arredio e nem aceita prá-ticas como a trollagem, que no idiomada internet acontece quando pessoasse unem para atacar uma pessoa ou umsite com ameaças e ações. Porém, aque-les que usam dessas práticas não per-cebem os crimes que cometem e comodão argumentos para aqueles que ten-tam fazer da internet um ambientecontrolado.

“Esses crimes vão da ameaça implí-cita à explícita, passando pelas ofensaspessoais, que podem ser classificadascomo injúrias. Apesar do anonimato,com a tecnologia, os autores podem seridentificados e a punição pode recairinclusive sobre o dono do fórum. Espe-ro que não seja necessário tomarmosessas providências”, disse Olavo Tor-rano, Gerente-Jurídico do Grupo Esta-do em entrevista ao próprio Link.

Procurado pela reportagem do Jornalda ABI, o Editor do caderno Link, Ale-xandre Matias, informou que o Estadãopreferia não se manifestar mais. A dire-ção do jornal procura tirar de foco o tompessoal que as ameaças contra a repór-ter Ana Freitas tomaram e evitar que oincidente dê argumentos para qualquertipo de censura, ainda mais para quemquestiona a liberdade de expressão.

Em uma coluna publicada no Esta-do, o jornalista Pedro Dória, Executivodo jornal, assim se manifestou sobre aquestão:

“O Estado de S. Paulo sempre defen-deu a liberdade, inclusive na internet.Mas o que a turma do canal 55chan.orgfez foi uma covardia. A Constituiçãodiz que há liberdade de expressão, po-rém que o anonimato é vedado. O do-cumento parece sugerir que podemosdizer o que pensamos desde que assu-mamos a responsabilidade sobre o quedissemos. Meus colegas de Link sãoárduos defensores do anonimato nainternet, mas eu já não divido a mes-ma certeza deles. Apesar de ser extre-mamente importante para a democra-cia, especialmente por trazer à tona

Um caso de violência via internetNo momento em que o Brasil rediscute seu Marco Civil da Internet, uma repórter do Estadão e o próprio jornalsofrem uma série de ameaças simplesmente por terem mencionado o nome de um fórum em uma matéria.

POR MARCOS STEFANO

É fato que o sucesso de muitosfóruns se deve ao anonimato e àmoderação inexpressiva. No vale-tudo, surgem piadas, mas tambémcasos de pedofilia, injúrias,propaganda que estimula oracismo e o nazismo. A web setransforma num campo fértil paratodo tipo de barbárie. Nummomento em que se rediscutemregras que garantam direitos,determinam responsabilidades eorientam a atuação do Estado nodesenvolvimento da rede mundialde computadores, casos como essesão preocupantes.

No dia 8 de abril, foi reaberto odebate público do Marco Civil daInternet no Brasil. A discussão, quedeve durar até o fim de maio e pelaqual a sociedade poderá opinar viainternet mesmo sobre a minutapreliminar de anteprojeto de leielaborado pela equipe do Ministérioda Justiça em parceria com o Centrode Tecnologia e Sociedade daFundação Getúlio Vargas, do Riode Janeiro, deve ser acirradajustamente por conta dos abusos.

É necessária uma lei quecombata o crime, mas não puna aliberdade e a democracia. Um bomcaminho para construí-la começadentro da própria rede, ondemuitos usuários precisamentender que seus desejos e ideaisperniciosos, que ferem os direitosde tantos outros, nada têm a vercom a verdadeira democracia.Trata-se de mais uma falácia, poisa liberdade de uns não pode tolhera liberdade de consciência detodos. (Marcos Stefano)

brchan ou do 55chan. Nem de algumsite obscuro. É no fórum de discussõesde games do Uol, na área de ‘off-topic’,conhecida como VT (vale-tudo) quesurgiram manias como o TENSO, quecaptura expressões de coadjuvantes defotos e vai ampliando a imagem até queeles fiquem em primeiro plano, ou oDourado Poder Supremo”.

A reportagem não tratava do55chan, mas bastou mencioná-lo paraque seus freqüentadores reagissem.Apesar do fórum ser aberto para qual-quer um, bastando entrar no Googlepara encontrá-lo, os “anões” detesta-ram a exposição no jornal. Quem dáuma passada pelo 55chan percebe cla-ramente que por lá impera uma lei dosilêncio. Publicidade de todo tipo nãoé bem-vinda e novos usuários chegama ser chamados de “câncer” e de “can-cro”. Foi com esse espírito que passa-ram a ser postadas no fórum fotos darepórter do Estadão e links para os per-fis dela nas redes sociais. Não demoroumuito e até seus dados pessoais, comoendereço e telefone, passaram a serrepetidos inúmeras vezes entre as in-citações de atos de violência.

Ao mesmo tempo, o site do jornalera atacado. A estratégia dos usuáriosdo fórum era gerar um excesso de co-mentários, aumentando o tráfego etirando a página do ar. Durante o diaseguinte à publicação da reportagem doLink, o portal do Estadão foi muito ata-cado e diversos de seus blogs saíram doar e páginas perderam formatação.

provas e denúncias contra grupos po-derosos ao garantir segurança para odelator, que nos Estados Unidos é cha-mado de whistleblower; também podeproteger o crime. A questão talvez sejanão proteger toda forma de anonima-to, mas é muito difícil evitá-lo seminstalar um sistema de vigilância naestrutura da rede. Assim, se é para er-rar, talvez seja melhor errar pelo ladoda defesa da liberdade, consciente deque abusos ocorrerão. É duro concluirassim, mas, como descobrimos, a liber-dade não é fácil.”

Um campo fértil,aberto à barbárie,agora em debate

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Direitos humanosDireitos humanos

Confrontar-se com o passado, sem máscaras.Essa é uma receita básica para quem deseja for-talecer-se, espantar antigos fantasmas, e seguirem frente. Com esse princípio foi lançada em 16de abril no Rio a Campanha Nacional pela Me-mória e pela Verdade, criada pela Ordem dos Ad-vogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Ja-neiro/OAB-RJcom o objetivo de pressionar oGoverno a abrir os arquivos do período da dita-dura militar, sobretudo para o esclarecimento decasos de pessoas desaparecidas, em crimes atéhoje não desvendados.

Presente à solenidade, o Ministro da Secre-taria Especial de Direitos Humanos da Presidên-cia da República, Paulo Vannuchi, manifestouo seu apoio à OAB-RJ e sublinhou que a inici-ativa fará uma enorme diferença na luta pelaabertura dos arquivos. Para ampliar sua reper-cussão, a Campanha conta com o apoio de ar-tistas. Seis dos mais populares atores do Bra-sil – Fernanda Montenegro, Osmar Prado, Gló-ria Pires, José Mayer, Eliane Giardini e MauroMendonça – gravaram, gratuitamente, relatosde 30 segundos cada, em que interpretam mi-litantes mortos e desaparecidos.

Os depoimentos dão vida a seis desaparecidospolíticos: Sonia Angel, Ana Rosa Kucinsky, EleniGuariba, David Capistrano, Fernando SantaCruz e Maurício Grabois. Eles começaram a serveiculados em emissoras como TV Brasil, TVComunitária, TV Senado e MTV. Participamainda da veiculação a TV Globo e os canais Glo-bosat (Globonews, Multishow, GNT, SporTV,Futura e outros), além da rede de cinemas dogrupo Estação.

“Esses são astros queridos pelo povo, pela clas-se artística, são formadores de opinião. Se essacampanha for bem veiculada, terá opoder de superar as dúvidas que ain-da existem em torno do assunto quedeveria ter 100% de aprovação naci-onal, pois se trata de uma cruzadaque reivindica apenas o resgate damemória e o direito de cerca de 140famílias de enterrarem seus mortos”,declarou Paulo Vannuchi.

Lançada no Rio, a Campanha ganhoua imediata adesão das Seccionais da OABno Pará, Bahia, Piauí, Amazonas, Distrito

Federal, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe, MatoGrosso e Maranhão.

Além do Ministro, fizeram parte da mesa dasolenidade de lançamento da Campanha o Pre-sidente do Conselho Federal da OAB, OphirCavalcante, o Presidente da Seccional Rio de Ja-neiro, Wadih Damous, que organizou o ato eo presidiu; a Vice-Presidente da Comissão deAnistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato;e o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. Alémdos vídeos, dirigidos por Chico Abreia, a Cam-panha contará com anúncios em revistas e jor-nais e prevê um abaixo-assinado em apoio àabertura dos arquivos, que pode ser acessadopelo site da entidade no endereço eletrônicowww.oab-rj.com.br.

Nesse site também é possível conferir cartunsde Henfil que tratam justamente de temas po-líticos da época, como a anistia. Os desenhos fo-ram cedidos para a Campanha pelo InstitutoHenfil, dirigido por Ivan Cosensa, seu filho.

A OAB-RJ quer a verdade,toda a verdade da ditadura

Campanha Nacional pela Memória e pela Verdade é lançada pela seçãofluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, que reclama a abertura dosarquivos do período da ditadura militar, para fazer justiça às suas vítimas.

POR JOSÉ REINALDO MARQUESE PAULO CHICO

POEMA DE AFFONSO,UM DESTAQUE

A cerimônia de abertura do evento foi mar-cada pela leitura do poema Os Desaparecidos, deAffonso Romano de Sant’Anna, pelo Conselhei-ro federal da OAB Marcus Vinicius Cordeiro.Após versos contundentes - como

‘NÃO HÁ COVA FUNDA QUE SEPULTEA RASA COVARDIA.

NÃO HÁ TÚMULO QUE OCULTEOS FRUTOS DA REBELDIA.

CAI UM DIA EM DESGRAÇAA MAIS TORPE DITADURA,

QUANDO OS VIVOS SAEM À PRAÇA,E OS MORTOS DA SEPULTURA’,

Marcus Cordeiro proferiu discurso emocio-nado, no qual lembrou o drama das famílias embusca de informações sobre parentes presos etorturados durante a ditadura.

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QUEM FEZ, ONDE E QUANDO?O Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, tam-

bém foi incisivo em seu pronunciamento no ato:“Temos o direito de saber o que aconteceu,

como aconteceu e quem foi responsável pelo de-saparecimento de mais de uma centena de pes-soas que sumiram da História sem que jamaisseus pais, filhos, mulheres e maridos tivessemobtido, pelo menos, seus corpos para sepultarcom dignidade. Não nos movem sentimentos derevanche. Podem ficar tranqüilos setores do atra-so que resistem e ameaçam o Governo com bra-vatas toda vez que reafirmamos nosso direitoà memória e à verdade. Como sociedade madu-ra, queremos apenas jogar luz sobre aqueles anossombrios. Entendemos que a partir do conhe-cimento da História criaremos anticorpos na so-ciedade. Em especial nas novas gerações, paraque jamais uma ditadura volte a nos assombrar.”

EXEMPLOSVIZINHOS,

MAS IGNORADOSO Presidente da OAB-RJ

criticou as autoridades bra-sileiras pelo fato de o Brasilnão ter seguido o exemplo depaíses vizinhos, que conce-deram às famílias dos desa-parecidos o direito de saberseu paradeiro e à populaçãocomo um todo a possibilida-de de conhecer sua História.O Brasil, lembrou ele, tam-pouco promoveu de formaregular as chamadas ações re-paradoras.

“Este continua sendo umtema tabu aqui no Brasil.Temos cidadãos brasileirosque desapareceram como senunca tivessem existido. Enós, da OAB, não consegui-mos entender por qual mo-tivo essa nova geração de mi-litares, que nada teve a vercom aqueles episódios, nãose insere nessa luta, inclusi-ve para limpar a imagem doExército Brasileiro”, afirmouWadih Damous.

Sempre que um governo executa al-guém, o humanismo naufraga nas águasturvas da insensatez. O castigo irrever-sível da morte imposta friamente pelo Es-tado é, na verdade, uma implacável loteriado terror.

Neste momento, neste preciso mo-mento, pessoas estão sendo enforcadas,fuziladas, eletrocutadas, envenenadas,decapitadas ou apedrejadas até à morte,em dezenas de países. É assim que aque-les governos fazem justiça? Negativo.

A pena de morte, em primeiro lugar, ser-ve aos regimes autoritários. É usada paraeliminar presenças incômodas, dissiden-tes e adversários políticos. Para eliminá-los ou intimidá-los. Também serve para ba-nir minorias étnicas e grupos religiosos.

Nos Estados Unidos, mesmo sob apresidência de Barack Obama, a percen-tagem de condenações e execuções, noscasos de crimes cometidos por negros, ébem mais alta do que nos casos de crimescometidos por brancos. Justiça?

A prática também revela que a evolu-ção dos processos, no mundo da burocra-cia judicial, depende dos agentes de inves-tigação, da política local, do poder econô-mico, dos preconceitos vigentes, da com-posição do júri, do juiz, da mídia, do cli-ma criado em torno de cada processo. Nãoterá sido por acaso que 32 pessoas comprocomprocomprocomprocompro-----vadamente inocentesvadamente inocentesvadamente inocentesvadamente inocentesvadamente inocentes foram executadas,nos Estados Unidos, no século passado.

Estudos recentes da Anistia Internaci-onal mostram que países como China,Irã, Sudão, Iêmen, Arábia Saudita e Es-tados Unidos se destacam entre os recor-distas internacionais no derramamentode sangue.

No Irã, 112 aplicações da pena capitalaconteceram nos dois meses entre as elei-ções e a posse de Mahmoud Ahmadine-jad. Intimidação?

Os estudos revelam igualmente que aaplicação da pena de morte não contribuipara reduzir a violência e a criminalida-de. Ao contrário, estimula os violentos eos criminosos.

A justa e humana indignação que sen-timos diante de um crime hediondo nãodeve nos afastar de princípios éticos uni-versais e do respeito à vida. A pena de morteé cruel e desumana. Torna o mundo menoscivilizado. Brutaliza a sociedade. Destrói amoral. É uma agressão imperdoável à cons-ciência dos seres humanos. É a vitória dabarbárie e dos demônios do Holocausto.

REVANCHISMO, NÃO!Em declaração em nota da instituição, o Pre-

sidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Ca-valcante, contestou a tese de que há revanchis-mo em relação aos militares na aplicação da Leida Anistia contra os agentes da ditadura auto-res de crimes de tortura, seqüestro e assassina-to. Diz um trecho da nota:

“Trata-se do resgate da História e da memó-ria da sociedade brasileira para o fortalecimen-to da Constituição e da democracia do País”,afirma a OAB.

A declaração da OAB Federal coincidiu comrecente artigo do Presidente da Comissão deAnistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão:

“Alguns defendem a idéia de que a lei abran-geu os crimes de qualquer natureza cometidosdurante o regime militar. Quer dizer que o Es-tado de Direito brasileiro é mesmoconivente com qualquer tipo delesão aos seres humanos? Muti-lações, massacres coletivos, torturassistemáticas e genocídios podemser perdoados, desde que elabo-rada uma lei em um contextode transição? A ordem jurídi-ca brasileira não se filia à melhortradição ética ocidental desdeNuremberg? Seria a constru-ção da paz somente possível sob os auspícios daimpunidade? Não parece ser este o exemplo daAlemanha, dos países do Leste europeu, do Chilee da Argentina”, escreveu Paulo Abrão.

POR RODOLFO KONDER

Rodolfo Konder, jornalista, é Diretor da Representação daABI em São Paulo.

Justiça?

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Direitos humanosDireitos humanos

Por sete votos a dois, após dois dias de julgamen-to, os ministros do Supremo Tribunal Federal deci-diram arquivar em 29 de abril a Argüição de Descum-primento de Preceito Fundamental-ADPF 153 ajui-zada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advoga-dos do Brasil-OAB contestando a Lei nº 6.683/1979,a Lei da Anistia, e a sua extensão a casos de torturae crimes comuns cometidos por civis e agentes doEstado durante a ditadura militar (1964-1985).

A maioria dos ministros seguiu o voto do relator,Ministro Eros Grau, ele próprio vítima da ditadura,que considerou improcedente o pedido da OAB. Naopinião dele, “não cabe ao Poder Judiciário rever oacordo político que na transição do regime militarpara a democracia resultou na anistia de todos aquelesque cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 desetembro de 1961 e 15 de agosto de 1979”.

Acompanharam seu voto as Ministras CarmenLúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie e os MinistrosGilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Melo eCezar Peluso. Os Ministros Ricardo Lewandowski eAyres Britto defenderam uma revisão da lei, susten-tando que a anistia não teve “caráter amplo, geral eirrestrito” e que “certos crimes são, pela sua nature-za, absolutamente incompatíveis com qualquer idéiade criminalidade política pura ou por conexão”.

O Ministro Dias Toffoli não participou do julga-mento, porque estava à frente da Advocacia-Geralda União na época em que a ação foi ajuizada e che-gou a anexar informações ao processo. O MinistroJoaquim Barbosa estava de licença médica.

AGENTES DE CRIMESCOMUNS NÃO SÃO

ABRANGIDOS PELA LEINa ação, a OAB defendeu uma interpretação mais

clara quanto ao que foi considerado como perdão aoscrimes conexos “de qualquer natureza” quando re-lacionados aos crimes políticos ou praticados pormotivação política.

No entender da OAB, a Lei “estende a anistia aclasses absolutamente indefinidas de crime” e, nes-se contexto, não deveria alcançar os autores de cri-mes comuns praticados por agentes públicos acusa-dos de homicídio, abuso de autoridade, lesões corpo-rais, desaparecimento forçado, estupro e atentadoviolento ao pudor, contra opositores ao regime polí-tico da época.

Argumentou a OAB que delitos de opinião nãopodem ser comparados ao cometidos por pessoascontrárias ao regime e os crimes violentos contra avida, a liberdade e a integridade pessoal cometidospor representantes do Estado contra elas.

Na interpretação da Ordem, os agentes policiaise militares da repressão política não teriam cometi-do crimes políticos, mas comuns, uma vez que oscrimes políticos seriam apenas aqueles contrários àsegurança nacional e à ordem política e social.

A PROCURADORIA E A AGU:PARECERES CONTRÁRIOS À OAB

Em fevereiro deste ano, o Procurador-Geral daRepública, Roberto Gurgel, encaminhou ao gabine-te do relator Eros Grau parecer pela improcedênciada ação, sob a alegação de que a Lei resultou de umlongo debate nacional, com a participação de diver-sos setores da sociedade civil, inclusive da OAB.

A Advocacia-Geral da União-AGU também seposicionara contra a ação, alegando que a própriaConstituição de 1988 reforça o caráter amplo e irres-trito da anistia ao qual se refere a Lei nº 6.683/1979;mesmo com a revisão da Lei da Anistia, sustentou,já não haveria punibilidade possível por prescriçãodos crimes.

COMPARATO: É ÉTICOTORTURAR PRESOS?

O julgamento da Arguição de Descumprimentode Preceito Fundamental teve início na véspera, dia28, no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Naabertura, o relator Eros Grau informou que haviarejeitado o pedido da OAB para a realização de umaaudiência pública sobre o assunto. O motivo, segundoele, foram “o grande lapso temporal entre a data deingresso da ação (2008) e a solicitação da OAB(2010)”, e o fato de o processo “já se encontrar, quandoo pedido foi feito, suficientemente instruído”.

Eros Grau sublinhou que a Associação Juízes paraa Democracia, que ingressou como amicus curiae (ami-go da Corte) no processo, anexara à ação manifestode juristas favoráveis ao pedido da OAB e um abai-xo-assinado com 16.149 assinaturas contra a anistiados militares. Também figuraram como amigos daCorte no processo a Associação Brasileira de Anisti-ados Políticos, a Associação Democrática e Naciona-lista de Militares-Adnam e o Centro pela Justiça e oDireito Internacional.

O jurista Fábio Konder Comparato, representan-do a OAB, abriu o debate, lembrando na tribuna queo julgamento da Lei de Anistia tinha por objetivo “re-compor a posição de dignidade do Estado brasileirono concerto das nações, recuperar a honorabilidadedas Forças Armadas, após os atos de arbitrariedade,terrorismo, seqüestro, assalto, tortura e atentado pes-soal praticados por integrantes da corporação con-tra opositores do regime militar”. Ele questionou se“seria ético e dentro do direito torturar presos – pes-soas fora de combate”.

Falando em nome do Congresso Nacional contrao acolhimento da Argüição, a advogada Gabrielle Ta-tith Pereira salientou que “no instante em que entrouem vigor a Lei da Anistia extinguiu a punibilidade doscrimes políticos e conexos de qualquer natureza e dequalquer modo relacionados”.

O Supremo absolveos que torturaram

O Ministro Eros Grau, vítima da ditadura, conduziu a votação que, por sete a dois,concedeu aos que seviciaram presos o perdão que a Lei da Anistia não admitiu.

POR CLAUDIA SOUZA

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Em seguida ocuparam a tribuna do Supremo Tri-bunal Federal os chamados amigos da Corte. Repre-sentando a Associação Juízes para a Democracia, Pi-erpaolo Cruz Bottini destacou que o objetivo daentidade era que a decisão do STF representasse “ummarco para as gerações futuras, para que nunca maisninguém seja morto ou torturado por discordar deum regime político”.

A jurisprudência internacional sobre a matéria foilembrada por Helena de Souza Rocha, do Centro pelaJustiça e o Direito Internacional-Cejil. Ela destacou atendência contemporânea do Direito Constitucionalmundial de prestigiar normas internacionais destina-das à proteção do ser humano. Disse Helena Rocha queno entendimento da Cejil há um descompasso entre ainterpretação que prevalece sobre a Lei da Anistia, aordem constitucional vigente e o direito internacionaldos direitos humanos. “O resultado do julgamento seráuma mensagem clara contra a impunidade e em repú-dio à cultura do segredo, afirmando em alto tom quenunca mais esses atos se repetirão”.

A Associação Democrática e Nacionalista de Mi-litares-Adnam foi representada por Vera Karan deChueiri, para quem a Lei da Anistia viola preceitosfundamentais decorrentes da Constituição Federal.“O Supremo deveria levar em conta as violações aosartigos 2º, 8º e 25 da Convenção Interamericana deDireitos Humanos”, afirmou.

Na seqüência, o Procurador-Geral da República,Roberto Gurgel, defendeu a constitucionalidade daLei: “Não parece à Procuradoria-Geral aceitável fa-zer uma leitura atemporal do ato impugnado (a Leide Anistia), atacando o mesmo contexto que possi-bilitou e conferiu legitimidade à convocação da As-sembléia Nacional Constituinte”, avaliou.

O Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams,também favorável à Lei da Anistia, afirmou que “nãose pode questionar, 30 anos depois, a lei que anistiounão só os crimes políticos, mas também os crimescomuns relacionados a eles, pois isso acarretaria graveofensa à segurança jurídica que impede que uma lei-tura mais gravosa da norma atinja situações jurídi-cas já consolidadas”.

O VOTO DO RELATOR:UM TEXTO DE 67 LAUDAS

Por oito votos a um, o Supremo Tribunal decidiuanalisar o mérito da Argüição. Ao todo, os ministrosvotaram sobre cinco preliminares apresentadas pelaAdvocacia Geral da União-AGU, pelo Senado Fede-ral e pelo Ministério da Defesa. Todas foram rejeita-das pela maioria do Plenário. Somente o MinistroMarco Aurélio concluiu pela inadequação do instru-mento processual (a ADPF) para contestar a norma.

Em seu voto, de 67 laudas, o Ministro Eros Graujulgou improcedente a Arguição sob o fundamento

“Um torturador nãocomete crime político,crime de opinião.O torturador é ummonstro, é umdesnaturado, é umtarado. O torturadoré aquele queexperimenta o maisintenso dos prazeresdiante do mais intensodos sofrimentos alheiosperpetrados por ele.É uma espécie decascavel de ferocidadetal que morde o somdos próprios chocalhos.Não se pode tercondescendência comtorturador.”(Trecho do voto do Ministro na sessãode 29 de abril de 2010 do SupremoTribunal Federal.)

“TORTURADO NÃOPODE PERDOARTORTURADOR”A reação da ABI à decisão

do Supremo Tribunal.O torturado não pode perdoar o torturador, como fez o Mi-

nistro Eros Grau, preso e torturado durante a ditadura militar,ao relatar, no Supremo Tribunal Federal, a ação em que o Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionou oentendimento de que a Lei de Anistia, de 1979, se estende aosque praticaram torturas em presos políticos durante a ditaduramilitar. Além de condenar a decisão, a ABI lamentou que a CorteSuprema não tenha reclamado com mais clareza e vigor a aber-tura dos arquivos da ditadura, embora essa necessidade fossemencionada por alguns dos juízes.

O inconformismo da ABI foi expressado em declaração divul-gada em 30 de abril, um dia após a decisão do Supremo Tribunal,na qual a Casa manifesta seu aplauso aos Ministros Ricardo Lewan-dovski e Carlos Ayres Britto, os únicos que votaram contra o en-tendimento de que a Lei da Anistia beneficiou os agentes do Es-tado que torturaram, estupraram e deram sumiço aos corpos dedezenas de homens e mulheres presos durante o regime militar.Diz a declaração da ABI:

“O torturado não pode perdoar o torturador, como fez o Mi-nistro Eros Grau, preso e torturado durante a ditadura militar,ao relatar, no Supremo Tribunal Federal, a ação em que o Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionou oentendimento de que a Lei da Anistia, de 1979, favorece os agen-tes do Estado que torturaram, estupraram e deram sumiço aoscorpos de homens e mulheres presos durante o regime militar.

A ABI considera que faltou à maioria dos ministros do Supre-mo a coragem cívica de proclamar que esses crimes não têm co-notação política e são imprescritíveis, como têm declarado emi-nentes juristas e como estabelecido em tratados internacionaisde que o País é signatário, como a Convenção Interamericana dosDireitos Humanos. É estranho que na véspera de julgamento detal importância institucional os ministros do Supremo TribunalFederal tenham aceitado convite para um jantar ou um encontrosocial com o Senhor Presidente da República Luiz Inácio Lula daSilva, deixando que pairasse em setores da opinião pública a su-posição de que a decisão adotada não enaltece a desejada e indis-pensável independência da principal Corte de Justiça do País.

Nesse quadro de rendição a pressões de forças que não ousamexpor-se à luz da opinião pública, a ABI considera também que éseu dever expressar aplausos às manifestações dos juízes que fo-ram votos vencidos nesse histórico julgamento, os Ministros Ri-cardo Lewandovski e Carlos Ayres Britto, que negaram seu aval aoscrimes praticados pelos monstros, como os classificou o MinistroAyres Britto, que se valeram do poder do Estado para supliciar e hu-milhar homens e mulheres colocados sob sua custódia. Lewando-vski e Britto, e não seus pares, ofereceram relevante contribuiçãoà tentativa de esclarecimento de um período sombrio da nossa His-tória que é preciso desvendar em toda a sua inteireza.

A ABI reitera que, assim como a OAB Federal e a sua Seção doEstado do Rio de Janeiro, a gloriosa OAB-RJ, vai prosseguir na lutapela abertura dos arquivos da ditadura, que deveria ter sido re-clamada com vigor, com manifestação formal e expressa, pelosministros que decidiram perdoar os que não poderão jamais serperdoados, pela iniqüidade e vilania dos crimes que cometeram.

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2010.Maurício Azêdo, Presidente.”

RETRATO-FALADODO TORTURADOR,POR AYRES BRITTO

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Direitos humanosDireitos humanos

de que não cabe ao Poder Judiciáriorever o acordo político que, na tran-sição do regime militar para a demo-cracia, resultou na anistia de todosaqueles que cometeram crimes po-líticos no Brasil entre 2 de setembrode 1961 e 15 de agosto de 1979:

“O acompanhamento das mudan-ças do tempo e da sociedade, se im-plicar necessária revisão da lei deanistia, deverá ser feito pela lei, valedizer, pelo Poder Legislativo, não pornós. Como ocorreu e deve ocorrer nosEstados de direito. Ao Supremo Tri-bunal Federal, repito-o, não incum-be legislar”, salientou.

Ele advertiu, contudo, que seuvoto pela improcedência da açãonão exclui seu repúdio a todas asmodalidades de tortura, de onteme de hoje, civis e militares, policiaisou delinqüentes, porque há coisasque não podem ser esquecidas: “É necessário não es-quecermos, para que nunca mais as coisas voltem aser como foram no passado”.

Em seu entender, não se pode questionar a legiti-midade do acordo político que resultou na edição daLei da Anistia, pois isso seria um desapreço a todosaqueles que se manifestaram politicamente em nomedos subversivos.

Ao término do voto, o Presidente do Supremo,Ministro Cezar Peluso, suspendeu a sessão, que foiretomada na tarde seguinte, dia 29, com o voto daMinistra Carmen Lúcia Antunes Rocha, que acom-panhou o relator. “Buscou-se ali uma pacificação nosentido de transpor uma etapa para atingir a paz so-cial”, disse a Ministra.

Após o tradicional intervalo, em que os ministrosdeixam a sala de sessões para lanchar, o Plenário re-tomou o julgamento com a leitura do voto do Minis-tro Gilmar Mendes, que também julgou improcedentea Argüição. Mendes afirmou que o julgamento não ge-raria nenhum efeito prático, pois os crimes que foramanistiados já estão prescritos, tanto para a responsa-bilização de caráter penal, que prescreve em 20 anos,quanto a de natureza civil, que prescreve em dez anos.

A DITADURA ADMITIAMUDANÇAS, MAS

SOB O SEU CONTROLEO Ministro Ricardo Lewandowski abriu divergên-

cia ao defender a revisão da Lei. Em seu voto ele afir-mou: “Julgo procedente em parte a ação para darinterpretação conforme ao parágrafo 1º do artigo 1ºda Lei nº 6.683/79, de modo que se entenda que osagentes do Estado não estão automaticamente abran-gidos pela anistia contemplada no referido disposi-tivo legal, devendo o juiz ou tribunal, antes de ad-mitir o desencadeamento da persecução penal con-tra estes, realizar uma abordagem caso a caso medi-ante a adoção dos critérios da preponderância e daatrocidade dos meios para caracterizar o eventualcometimento de crimes comuns, com a conseqüen-te exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitosconsiderados conexos. É como voto”.

O Ministro lembrou que a Lei foi editada em meioa um clima de insatisfação popular contra o regimeautoritário e que os líderes do regime entenderam queera a hora de promover mudanças de forma contro-lada; a partir daí se deu a abertura lenta e gradualliderada pelo General Ernesto Geisel.

Para Lewandowski, ainda que o Brasil estivesseenfrentando uma guerra, “mesmo assim os agentes

estatais estariam obrigados a respeitar os compromis-sos internacionais concernentes ao direito humani-tário, assumidos pelo Brasil desde o início do séculopassado, pelo menos”.

O Ministro Ayres Britto concordou em que a nor-ma não têm caráter amplo, geral e irrestrito. “Quemredigiu essa Lei não teve coragem, digamos assim, deassumir essa propalada intenção de anistiar tortura-dores, estupradores, assassinos frios de prisioneirosjá rendidos, pessoas que jogavam de um avião empleno vôo as suas vítimas”.

A Ministra Ellen Gracie acompanhou o voto dorelator, alegando que “a afirmativa de não recepçãoda Lei nº 6.683/79 pela Constituição de 1988 vai alémdo que poderiam razoavelmente pretender os que asustentam, pois conduziria ao paradoxo de retirar obenefício de todos quantos foram por ela alcançados”.

Ellen Gracie disse ainda que “por mais incômodoque seja reconhecê-lo hoje, quando vivemos outro emais virtuoso momento histórico, a anistia, inclusivedaqueles que cometeram crimes nos porões da dita-dura, foi o preço que a sociedade brasileira pagou paraacelerar o processo pacífico de redemocratização comeleições livres e a retomada do poder pelos represen-tantes da sociedade civil”.

O Ministro Celso de Melo defendeu a manutençãoda Lei da Anistia e finalizou seu voto afirmando que“a improcedência da presente ação não impõe qual-quer óbice à busca da verdade e à preservação da me-mória histórica em torno dos fatos ocorridos no perí-odo em que o País foi dominado pelo regime militar”.

O Presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso,o último a votar, disse não ter entendido o porquê dea OAB ter questionado o acordo mais de 30 anosdepois, tendo dele participado. Ele sublinhou quenenhum Ministro tinha dúvida sobre “a profundaaversão por todos os crimes praticados, desde homi-cídios, seqüestros, tortura e outros abusos – nãoapenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelosregimes de exceção de todos os lugares e de todos ostempos”. Ressaltou, porém, que a anistia aos crimespolíticos “é, sim, estendida aos crimes conexos, comodiz a Lei, e esses crimes são de qualquer ordem, e quea Lei de Anistia transcende o campo dos crimes po-líticos ou praticados por motivação política”.

Ao concluir, o Presidente do STF comentou que “seé verdade que cada povo resolve os seus problemashistóricos de acordo com a sua cultura, com os seussentimentos, com a sua índole e também com a suaHistória, o Brasil fez uma opção pelo caminho da con-córdia”: “Uma sociedade que queira lutar contra osseus inimigos com as mesmas armas, com os mesmosinstrumentos, com os mesmos sentimentos, está con-denada a um fracasso histórico”.

A jornalista chilenaMónica GonzálezMujica (foto), presa etorturada sob aditadura do GeneralAugusto Pinochet(1973-1990), foicontemplada pelaOrganização deEducação, Ciência eCultura das NaçõesUnidas-Unesco com o Prêmio MundialGuillermo Cano de Liberdade de Imprensa, oqual inclui uma dotação de 25 mil euros –cerca de R$ 45 mil. Mónica González Mujicareceberá o prêmio das mãos da Diretora-Geralda Unesco, a búlgara Irina Bokova, emcerimônia programada para Brisbane,Austrália, em 3 de maio, Dia Mundial daLiberdade de Imprensa.

Depois de passar quatro anos no exílioapós o golpe militar de setembro de 1973, ajornalista retornou ao país e passou ainvestigar as violações de direitos humanos eações financeiras do General AugustoPinochet e sua família. Por esse motivo,Mónica González continuou a ser perseguidapelo serviço secreto do regime e teve quedeixar vários empregos. A jornalista foi presa etorturada entre 1984 e 1985. Mónicaenfrentou ainda novas prisões e tribunaischilenos. Depois de libertada, continuou apublicar livros e artigos sobre os abusos daditadura militar.

A Unesco divulgou em comunicado ocomentário do Presidente do júri, Joe Thloloe,ombudsman do Conselho de Imprensa daÁfrica do Sul, que elogiou a trajetóriajornalística de Mónica:

“Mónica González deu provas de valor emostrou o lado obscuro do Chile ao longo detoda a sua vida profissional. Ela tem o espíritoque inspira o prêmio. Foi presa, torturada eprocessada, mas continuou firme.”

Desde 2007 Mónica González Mujica édiretora do Centro de Jornalismo eInvestigação em Santiago. Ela foirecomendada ao prêmio da Unesco por umjúri internacional formado por 12 jornalistas.

Desde sua criação o Prêmio Guillermo Canofoi conferido aos seguintes jornalistas: LasanthaWickrematunge (Sri Lanka, 2009), Lydia Cacho(México, 2008), Anna Politkovskaya (Federaçãoda Rússia, 2007), May Chidiac (Líbano, 2006),Cheng Yizhong, (China, 2005), Raúl Rivero(Cuba, 2004), Amira Hass (Israel, 2003),Geoffrey Nyarota (Zimbabwe, 2002), U WinTin (Myanmar, 2001), Nizar Nayyouf (Síria,2000), Jesús Blancornelas (México, 1999),Christina Anyanwu (Nigéria, 1998), Gao Yu(China, 1997).

O Prêmio Mundial Guillermo Cano deLiberdade de Imprensa foi criado em memóriado editor de um jornal colombiano assassinadoem 1987 por denunciar atividades de traficantesde drogas na região. (José Reinaldo Marques )

Prêmio da Unescopara jornalista torturada

na ditadura Pinochet

DESAGRAVO

UN

ESCO

/CARO

LINA JER

EZ

33Jornal da ABI 353 Abril de 2010

O que faz uma editora? Publica livros, certo? Nada mais natural, por-tanto, que zele e tenha apreço por eles. E que tal se uma dessas empre-sas, na verdade, a maior do gênero no Brasil, sugerisse, em correspon-dência oficial enviada a 400 livrarias, o descarte, a destruição de cente-nas, milhares de exemplares de suas obras? Contraditório? Polêmico?Uma recomendação absurda num País tão carente de acesso à cultura?Pois saibam, há outras páginas estranhas ou, no mínimo, desconfor-táveis e constrangedoras, no atual mercado de editoras no Brasil.

Para colocar nas prateleiras e bancas suas obras de passatempos, umasegunda empresa desse mesmo grupo conta com a ajuda de centenas,milhares de profissionais, também chamados de colaboradores. Aomenos uma classe que atua neste processo parece não ser vista bemassim. Ou, pelo menos, sente-se explorada, desrespeitada no proces-so de confecção de sua arte. Falamos dos ilustradores. O manifesto,quase um desabafo de um deles, em seu blog particular, abriu o deba-te sobre quanto vale um desenho. Muito pouco, quase nada. É o quediz Zé Roberto Graúna, referindo-se a uma editora que, segundo seupróprio infame trocadilho, ‘não é de ouro’...

Acompanhemos em detalhes nos próximos capítulos desta maté-ria duas histórias que, apesar de beirarem a ficção do absurdo, são ve-rídicas. Tristemente reais.

MERCADO

POR PAULO CHICO

PRÓLOGO

TRISTES PÁGINASEm dois capítulos, histórias nada louváveis do maior grupo editorial brasileiro.

CAPÍTULO I

Autópsia edescarte

projeto para que o atendimento do catá-logo e dos lançamentos dos selos Ediouro,Agir, Nova Fronteira, Thomas Nelson, Plug-me, Desiderata e Nova Aguilar seja feito deforma mais prática e eficiente”, dizia a in-trodução da mensagem.

O conteúdo mais impactante, contu-do, estava reservado para o final do textoe tratava exatamente do balanço dos li-vros que, cedidos em consignação, nãotivessem sido vendidos e de como deve-ria ser feita a devolução desse materialà editora:

“Para reduzir tempo e custo neste pro-cesso, iremos praticar a modalidade de

O E-MAIL CONTROVERSOÉ habitual a troca de informações

entre editoras e livreiros por meio de cor-respondência. Informes de mercado,lançamentos e, é claro, devoluções. Masa mensagem eletrônica com data de 5 deabril de 2010 recebida por cerca de 400livrarias em todo o País de início não pro-vocou surpresa.

“Buscando sempre apresentar soluçõesinovadoras para que o livreiro independen-te possa enfrentar a dura concorrência dosnossos dias, a Ediouro, maior grupo edi-torial brasileiro, e a SuperPedido Tecmedd,maior distribuidora, desenvolveram um

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ILUSTR

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34 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

devolução de capas das edições. Não seránecessário enviar os livros fisicamente. Apartir desta data, a capa, quarta capa eficha catalográfica de cada livro a ser de-volvido deverão ser enviadas acompanha-das de notas fiscais de devolução de con-signação para o CNPJ e editora de origem.O miolo deverá ser descartado”, orienta-va, ainda de forma vaga.

O procedimento a ser adotado era,então, detalhado no final do e-mail,onde há uma espécie de manual de ins-truções, com dicas como ‘passe o esti-lete desde a parte de cima da capa até ofinal da lombada, de forma que a capase desprenda do corpo do livro’. Qua-se uma autópsia. E ainda: “repita esteprocesso com todos os exemplares dostítulos constantes em seu mapa”. Emais: para finalizar, “descarte o miolodo livro. Sugerimos que aproveite parareciclagem de forma que sua utilizaçãoseja totalmente inviabilizada”.

A mensagem, assinada por AlexandreMathias, Diretor-Executivo do GrupoEdiouro Livros, e Gérson Ramos, DiretorComercial da SuperPedido Tecmedd, fa-zia um balanço final, uma espécie de re-novação de intenções, afirmando: Comesta iniciativa, esperamos não só darcontinuidade ao nosso histórico de boasrelações comerciais, mas também, aofacilitar o processo de consignação, per-mitir que você, livreiro, dedique maistempo ao atendimento de seu cliente,promovendo a leitura e a cultura com omelhor e mais variado catálogo de títu-los que podemos oferecer”.

Curioso, não?

O primeiro susto“Quando li o e-mail, não acreditei.

Guardei para ler mais tarde e pedi paraoutras pessoas lerem e confirmarem sea recomendação era mesmo para descar-tar os livros, sem nem mesmo avaliarquais títulos seriam descartáveis”, contaClaudia Amorim Malasartes, sócia da Li-vraria Malasartes, na Gávea, Zona Suldo Rio de Janeiro. “É preciso destacarque, no nosso caso, não havia encalhe.Havia livros adotados pelas escolas, tí-tulos de Cecília Meireles e Manuel Ban-deira, além do clássico O Pequeno Prín-cipe, de Saint-Exupéry, entre muitosoutros infantis. Também havia livros de

gourmets, como a Enciclopédia do Vinho,e vários de culinária, além de títulosnovos, como O Seminarista, de RubemFonseca.”

A livreira vê a inusitada orientaçãocomo uma tentativa atrapalhada de re-solver um problema de frete, de fatobastante elevado num País de dimensãocontinental como o Brasil. Contudo,lamenta que a direção da empresa, aotentar baratear esse custo, não tenhalevado em conta o produto que estavasendo descartado.

“Não acho que essa seja uma políti-ca da Ediouro. Foi uma solução para umproblema pontual, sem uma análiseadequada das repercussões. Editoras são,principalmente, empresas que vivem delivros, mas precisam faturar para semanter no mercado. Não houve diálo-go, nem um prévio levantamento do queseria descartado. Duvido que a editorapretendesse jogar fora títulos novos;partiram da premissa de que seriam sóencalhes”, acredita Cláudia Amorim.

Diante da repercussão negativa jun-to aos livreiros, a Ediouro e a SuperPe-dido Tecmedd logo voltaram atrás narecomendação inicial.

“O cancelamento do primeiro e-mailcertamente ocorreu devido às manifes-tações dos livreiros. Não trabalhamoscom importados, nosso foco são os in-fantis, mas sei que o descarte do mioloé feito apenas em casos de livros data-dos. Dicionários, códigos, guias ultrapas-sados que não podem mais ser vendidos.Em algumas situações, há desconto nacompra dos novos quando se devolve oantigo”, diz Cláudia, que chegou a escre-ver para a editora, sugerindo a alterna-tiva da doação das obras, como opção àsimples destruição.

Uma campanha pública com a vendadesses livros a preços simbólicos nãoseria uma boa solução para o problema,e também para o País?

“Só se as bibliotecas fossem realmentelugares de encontro e fizessem comprasregulares para o acervo se manter atua-lizado. Além disso, a escolha dos livrosteria que estar de acordo com os interes-ses dos leitores desses locais. Não adiantadoar livros, simplesmente. Vender porum preço simbólico para o público, sóse houver compromisso entre todos os

pontos de venda, as editoras e os auto-res”, sustenta Cláudia, que, apesar daresistência da maioria dos livreiros dian-te da orientação da Ediouro, soube dealguns colegas que seguiram à risca areceita de descarte dos exemplares.

A segunda mensagem“Rio de Janeiro, 20 de abril de 2010.Prezado Cliente.Diante das manifestações bem-emba-

sadas e relevantes de alguns livreiros e como objetivo de evitar a destruição de livrosem um País carente de acesso à leitura, aEdiouro Livros decidiu rever o processopara o encerramento de suas consigna-ções em aberto com seus clientes.

“O que revimos efetivamente é o pro-cesso para o saldo de consignação exis-tente no momento. Se antes oferecíamos60% de desconto e pedíamos para queapenas capas e páginas de copyrightfossem devolvidas, agora passamos aoferecer as seguintes opções: para quemoptar pelo faturamento do saldo totalconsignado, oferecemos desconto espe-cial de 80%. Para quem optar por partedo saldo consignado, o desconto perma-nece o oferecido anteriormente pelaeditora, ou seja, 60%.”

O texto acima, extraído do corpo doe-mail que tentava contornar a polêmi-ca aberta pela mensagem enviada 15 diasantes, reposicionava a postura da Editora

diante do mercado. Quem explica me-lhor é o próprio Alexandre Mathias, que,com Gérson Ramos, também assinou otexto cujo trecho principal publicamosno parágrafo anterior.

“Alteramos o sistema de atendimen-to às livrarias, concentrando-o na distri-buidora SuperPedido Tecmedd. Para oinício dessa operação, seria necessárioque o livreiro finalizasse o saldo de con-signação existente anteriormente, po-dendo adquirir com 60% de desconto osexemplares ainda não vendidos ao con-sumidor final. Para aqueles que faturas-sem o saldo total consignado, o descontofoi elevado para 80%. Do contrário, oslivros poderiam ser devolvidos à edito-ra. Sugerimos o descarte apenas comoopção aos livreiros que eventualmentetivessem dificuldades em arcar com essefrete, mas em seguida decidimos que oscustos ficariam mesmo a cargo da Ediou-ro”, diz Mathias.

Quando questionado se a recomen-dação de mutilação de livros não é umamedida contraditória, especialmentenum País como o Brasil, a resposta doDiretor-Executivo do Grupo Ediourofoi evasiva:

“Esperávamos que a maior parte doslivreiros optasse pela compra dos exem-plares consignados com o desconto ele-vado, que foi o que aconteceu. Em todocaso, passamos a arcar com todos oscustos de frete caso o cliente preferissea devolução. Aliás, como a Ediouro ar-cou com o frete, todos os exemplares nãoadquiridos pelos livreiros retornarão aonosso estoque, como sempre ocorreu.”

O livro como um iogurteBem mais contundentes são as obser-

vações de Milena Duchiade, da Nova Li-vraria Leonardo da Vinci, que funcionana Avenida Rio Branco, no Centro do Rio.

“Essa recomendação foi uma lástima,uma prova de que o livro está sendo tra-tado como produto perecível, tal comoum iogurte. Minha reação foi de incre-dulidade, e havia decidido devolver oslivros, pagando eu mesma o frete. Masnão iria destruí-los de modo algum.”

Milena considera que a sugestão re-presentou um grave equívoco, uma con-fusão entre o gerenciamento de um pro-duto cultural de tempo lento em todas

MERCADO TRISTES PÁGINAS

Samuel Seibel, da Livraria da Vila, é categórico: “isso não pode acontecer”. Ele acredita que o caso deve servir para uma profunda reflexão. Fábio Herz, da Livraria Cultura,concorda: “Nada justifica essa postura. Livro não se destrói. Parece uma coisa da Inquisição”. Mais cauteloso, Rui Campos, da Travessa, lamenta que esses livros não sejam

aproveitados por programas de incentivo à leitura e ações similares. Cláudia Amorim, da Malasartes, acha que foi uma tentativa atrapalhada de resolver um problema de frete.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Mathias, da Ediouro: Sugerimos o descarteapenas como opção aos livreiros que

tivessem dificuldades em arcar com o frete.

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35Jornal da ABI 353 Abril de 2010

as suas etapas: na gestação, feitura, dis-tribuição e consumo. Ler é um proces-so demorado, assim como escrever. Odescarte do miolo é comum justamen-te em produtos de consumo rápido,como revistas.

“É possível que o vínculo e a tradiçãoda Ediouro com a indústria de revistas,como a Coquetel, esteja na origem destaproposta. Ou, então, algum gerente ori-ginário de supermercados pode ter dadoesta idéia.

“Todos nós, que lidamos com livros,temos encalhe. Tentamos transformar emsaldos promocionais os livros que enve-lhecem, se tornam amarelecidos ou estãomachucados. Afinal, espaço é um proble-ma para todos. Entretanto, sabemos queo bom livro é perene, e atravessa gera-ções”, resume Milena, que traça um pa-ralelo com o que é praticado no exterior:

“Nos Estados Unidos, os editorespagam imposto sobre o estoque. Para

CAPÍTULO II

Quanto valeum desenho?

UMA POLÊMICA NASCE NA INTERNETO segundo capítulo desta reportagem

trata não diretamente da Ediouro, e simda empresa Coquetel, que faz parte dogrupo e atua no segmento de passatem-pos, com a publicação de revistas depalavras cruzadas, sudoku, infantis ecriptogramas, entre outras. E, emboraaqui seja apresentado depois, cronolo-gicamente, teve início antes da polêmi-ca sugestão de descarte de livros consig-nados, caso retratado no primeiro capí-tulo. Com o título Uma Caricatura PorUma Gorjeta, o ilustrador Zé RobertoGraúna postou em seu blog pessoal(www.zerobertograuna.blogspot.com),no dia 29 de março, uma espécie de de-sabafo sobre as condições de trabalhoimpostas aos ilustradores.

“Quanto paga uma editora que não éde bronze, não é de prata e nem é deouro? Há tempos escuto histórias sobreas péssimas condições de trabalho de boaparte de nossos desenhistas. Quer sejameles cartunistas ou ilustradores, a mai-oria vive se queixando do quanto aseditoras pagam por um desenho. Enten-do que a queixa é velha. Porém, espan-ta-me o fato de saber que algumas edi-toras insistem em pagar valores abaixoda crítica, mesmo quando aparentemen-te vendem bem suas publicações. E es-panta-me mais ainda o fato de muitosdos nossos desenhistas aceitarem valo-res tão acachapantes”, assim iniciavaGraúna, que seguia em frente.

“No Rio de Janeiro, existe uma des-sas editoras que tem a petulância de

evitar isso, existe um mercado secundá-rio de saldos ou ‘remainders’, que ven-de livros novos a preços mais baixos.Também sei que são descartados livrosdatados, como guias turísticos ou gui-as de vinho, pois são atualizados perio-dicamente. O descarte também acontecepara livros didáticos, quando surgemnovas edições”.

A transformação de encalhe em sal-dos parece ser a solução mais simples eóbvia, segundo a responsável pela Leo-nardo da Vinci. Existe um grande comér-cio de livros porta-a-porta, no interior doPaís, que poderia absorver boa partedestes livros. Feiras seriam outra alter-nativa viável. Diz Milena Duchiade:

“A carência de canais permanentes dedistribuição está na raiz do problema.Num País com quase 5.600 Municípios,temos menos de 3 mil livrarias. As ban-cas de jornais não dispõem de espaço. Épreciso estimular a criação de livrariase apoiar as poucas que resistem. Uma Leido Preço Único, nos moldes da Europa,México e Argentina, ajudaria a nos pro-teger da concorrência predatória. Nin-guém estranha pagar o mesmo preçonum jornal ou revista, independente-mente do ponto de venda. Este mecanis-mo permitiria que os best-sellers finan-ciassem a permanência dos long-sellersem acervos. E diminuiria a sofreguidãocom que editores despejam uma pleto-ra de novidades.”

Não há crise no mercado“Nada justifica essa postura por par-

te de uma editora. Não há crise no mer-cado editorial do Brasil. Muito pelo con-trário. Na última década, inclusive, atin-gimos um padrão de primor editorialcrescente e mágico”, esclarece FábioHerz, Diretor Comercial da LivrariaCultura, com sede na Avenida Paulista,em São Paulo, e outras dez lojas pelo País.“No aspecto conceitual, partimos doprincípio básico de que livro não se des-trói. Parece uma coisa da Inquisição, defogueiras... Ainda mais num País comtamanha falta de acesso à cultura e debibliotecas”.

Na verdade, a orientação de descartefeita pela Ediouro em nada atingiu aLivraria Cultura.

“Nós, por uma definição de políticacomercial, não trabalhamos com consig-nação, como fazem 95% do mercado. Nóscompramos os livros, eles são nossos,não há devolução. O que requer, claro,muito mais planejamento e um empe-nho maior nosso nas vendas. Na verda-de, a consignação gera uma postura con-troversa: ‘deixa os livros aí! O que ven-der vendeu, o que encalhar a gente de-volve’, pensam muitos”, diz Fábio Herz.

Samuel Seibel, da Livraria da Vila,também de São Paulo, é taxativo:

“Minha posição é simples: isso nãopode acontecer. E a editora percebeu isso,voltou atrás. Talvez alguém de bom sen-so tenha ouvido as críticas. A questãodeve nos levar a outros temas de discus-são, como a criação de bibliotecas, aoferta de livros para outros locais e, prin-cipalmente, a necessidade de se pensarmais na leitura como formadora cultu-ral e educacional da população. Essa

discussão reforça o equívoco da edito-ra, mas pode servir para uma profundareflexão. E para vermos o que podemosaprender com esse episódio”.

“Não há como não lamentar, em umPaís com maioria da população tão ca-rente de acesso ao livro, que esses nãosejam aproveitados por bibliotecas, pro-gramas de incentivo à leitura e ações si-milares”, diz Rui Campos, da Livrariada Travessa, do Rio de Janeiro, que fazum alerta. “É preciso evitar uma leituraleviana da questão. Temos que conside-rar as necessidades das editoras de sus-tentar seu negócio e sua viabilidade eco-nômica. Mas escolas públicas, por exem-plo, seriam um bom destino para esseslivros. Nas livrarias, funcionam muitobem as promoções. E há outras formas,desde que não se inviabilize a editora

oferecer a bagatela de R$ 35 por umacaricatura. O leitor não entendeu erra-do. Estamos falando mesmo de 35 reais.O ridículo valor deveria ser estudado edivulgado pelo Guinness Book comorecordista absoluto na categoria ‘farinha-

como agente produtora de livros.”Membro da Academia Brasileira de

Letras, escritor e jornalista, ArnaldoNiskier fecha a questão de forma diretae objetiva:

“O que vale mesmo nesta história éa decisão da editora de reconsiderar o queé usual, por exemplo, na distribuição derevistas. Lembro que isso acontecia naManchete, para atenuar os custos do fre-te. É preciso considerar a extensão ter-ritorial do Brasil. Agora, a questão dopouco acesso ao livro é menos das edi-toras e mais dos governos. Quem devezelar pela entrega do livro ao leitor ca-rente é o Governo. Sou francamentefavorável a esse enlace, a uma parceriaentre governos e editoras. Todos ganha-riam com isso. Não é uma boa sugestãopara o Ministério da Cultura?”, indaga.

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DESENHO DE AMORIM PUBLICADO NUMAREVISTA COQUETEL: PROFESSOR RAIMUNDO,

PERSONAGEM DE CHICO ANÍSIO.

Autores como Manuel Bandeira, NélsonRodrigues, Ariano Suassuna, Millôr Fernandespoderiam ter seus livros destruídos caso oslivreiros não tivessem se rebelado contra aorientação enviada por e-mail. Entre os livrosque estavam em consignação e que foramsalvos, vários são clássicos e atemporais:

AUTO DA COMPADECIDA, Ariano SuassunaFEBEAPÁ 1, 2 E 3, Stanislaw Ponte PretaREVISTA DO LALAU, Sérgio PortoMINISTÉRIO DAS PERGUNTAS CRETINAS,Millôr FernandesTRINTA ANOS DE MIM MESMO, Millôr FernandesNOVAS FÁBULAS FABULOSAS, Millôr FernandesA CONSCIÊNCIA DE ZENO, Italo SvevoPOESIA COMPLETA, Ferreira GullarLIBERTINAGEM & ESTRELA DA MANHÃ - 40 ANOS,Manuel BandeiraESTRELA DA VIDA INTEIRA, Manuel BandeiraITINERÁRIO DE PASÁRGADA, Manuel BandeiraA VIDA COMO ELA É, Nélson RodriguesO CASAMENTO, Nélson RodriguesO BERRO IMPRESSO DAS MANCHETES,Nélson RodriguesTEATRO COMPLETO, Nélson RodriguesO SEMINARISTA, Rubem FonsecaLUCIA MCCARTNEY, Rubem FonsecaAGOSTO, Rubem FonsecaTRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - QUADRINHOS,Lima Barreto/Edgar Vasques e Flávio BragaDESENHOS DE HUMOR, ReinaldoACONTECEU NA MANCHETE - HISTÓRIAS QUE

NINGUÉM CONTOU, vários autoresCACHORROS - COLEÇÃO NEW YORKER

TERAPIA - COLEÇÃO NEW YORKER

GATOS - COLEÇÃO NEW YORKER

GRANDE SERTÃO: VEREDAS, Guimarães RosaOBRA COMPLETA, Leon TólstoiOBRA COMPLETA, Mário QuintanaTERRA DOS HOMENS, Saint-ExupéryO PEQUENO PRÍNCIPE, Saint ExupéryA MEGERA DOMADA, William ShakespeareA TEMPESTADE, William ShakespeareO MERCADOR DE VENEZA, William ShakespeareJÚLIO CÉSAR, William ShakespeareHAMLET E MACBETH, William Shakespeare

UMA LISTA NOBRE

36 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

pouca-meu-pirão-primeiro’. Importanteressaltar que a tal editora não é peque-na, nem alternativa. Na verdade, trata-se de uma das maiores empresas do País,que adquiriu há pouco tempo duas ou-tras famosas editoras cariocas. Essa edi-tora tornou-se famosa por jogar nasbancas de jornais dezenas de revistasespecializadas em passatempos. (…)Obviamente que qualquer leitor, pormais leigo que seja, e mesmo que nun-ca tenha completado um jogo de pala-vras cruzadas na vida, sabe a qual edi-tora estou me referindo”, prosseguiu.

A referência velada à Ediouro, presen-te no trocadilho logo no início do texto,tornou-se mais clara com os diversoscomentários que se seguiram à publica-ção do texto. Um dos colegas que semanifestaram no blog foi Mattias, quetambém falou ao Jornal da ABI:

“A visão de mercado que tenho hojeé de amplitude e desenvolvimento. Exis-te a questão da ‘lei da procura’ que é in-finitamente superior à ‘lei da oferta’. E,muitas das vezes, o mesmo cartunistaque publica aqui, independentemente doquanto ganha, quer ganhar lá. E, nãosatisfeito, quer acolá também. E quasesempre são os mesmos, querendo abra-çar o mundo com as pernas. Geralmen-te, são esses que não se importam coma desvalorização do trabalho. Esseilustrador quer é ganhar. E se o ‘ga-nhar’ significa fazer mil ilustrações,cobrando R$1,00 por cada imagem,assim ele fará.”

Uma questão de classe?Em sua postagem, Graú-

na faz duras críticas a co-legas que se submetemao que considera brutalexploração por parte daseditoras.

“Uma justificativa,defendida por um colega,afirma que, se a gente nãoaceitar os imorais R$35,outro profissional chega e acaba pe-gando o serviço. Então, fica combina-do assim: trabalhar para a tal editoraé como se fosse uma corrida de otá-rios travestidos de desenhistas. Obobo que chegar primeiro pega o tra-balho. Convenhamos: desenhar por

35 merrecas é coisa de trou-xa mesmo. (...) Entendo queesses desenhistas fazem naverdade o papel de garçons,que entregam seus desenhosnuma bandeja de lata, já que 35pilas por uma caricatura se ca-racteriza mais como uma gor-jeta do que um pagamento”.

Mattias também relata suaexperiência na editora, e conde-na, além dos valores praticadosno pagamento a ilustradores, apostura dos colegas:

“Trabalhei na Ediouro entre1997 e 1998. Em dia de pagamen-to e entrega de material, encontrava porlá, além dos cartunistas “frilas”, algunsque tinham seus espaços dentro de jor-nais conceituados. E sempre que chegavaalguém mais novo, argumentava o se-guinte, ‘Se fulano de tal, que publica emjornal e é conceituado no mercado, se su-jeita aos preços pagos pela empresa, porqual motivo eu não vou aceitar?’, ques-tionavam. Existe, sim, o desprestígiotanto por parte de algumas empresas,quanto por parte de alguns companhei-ros de profissão. Mas também existemempresas que valorizam o trabalho doilustrador”, ponderou.

A percepção de Graúna é bem di-ferente, principalmente ao justifi-car quais motivos o levaram a es-crever o post:

“Na verdade, eu percebo queesses valores desabam a cada

ano... E que alguns colegascolaboram de fato paraque isso aconteça, quan-do aceitam trabalhar porqualquer valor... Eu, en-tão, marquei um encontrocom alguns desses colegaspara papear sobre o assun-to, mas concluí que elesacham mesmo que devemaceitar esses valores. Resol-

vi escrever o texto para re-gistrar minha opinião. Aliás,há meses que não desenhopara ninguém, porque não te-nho como concorrer com essescolegas que aceitam valores tãobaixos”, lamentou, informan-do que alguns deles enveredam

por outras áreas de comunicação e artes,como a diagramação ou a programação vi-sual. E muitos atuam ministrando aulasde desenho em escolas e faculdades.

Sinais de um tempo em que o merca-do para os ilustradores é cada vez maisrestrito:

“A chamada grande imprensa nãoabsorve ninguém há anos. Os profissi-onais que atuam nos jornais estão lá há20 ou 30 anos. E a imprensa alternativanão existe mais. Hoje esse espaço se re-sume aos jornais de bairros, que não

MERCADO TRISTES PÁGINAS

passam de tablóides de anúncios. As ilus-trações foram praticamente extintas dejornais e revistas. Acredito que isso sedeva ao desenvolvimento da informáti-ca. Hoje é mais barato manipular fotose criar imagens como ilustração. Infeliz-mente, a maioria das pessoas que coman-dam um setor de artes numa editora nãoé do ramo, não entende nada de ilustra-ção e nem sabe quem foi um J. Carlos ouum Mendez”, critica Zé Roberto Graúna.

“Na verdade, o desenho nunca foivisto com o mesmo respeito das artes

UM ASTRONAUTA, NAVISÃO DE AMORIM. ÀESQUERDA, DESENHO

DE MACHADO.

Mattias (acima, numa caricatura de Manohead) vê como um retrocesso a posição passiva dos desenhistas. Zé Roberto Graúna acha que o valor é uma gorjeta, não um pagamento:“Alguns desenhistas fazem papel de garçons que entregam seus desenhos numa bandeja de lata”. Nei Lima, no entanto não concorda: “Nós ficamos à mercê dessa escravidão. É

muito fácil criticar quem aceita esse tipo de condição das editoras, mas tenho contas para pagar.” Segundo J.Bosco, a Ediouro trata os desenhistas com “grande desprestígio”.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

37Jornal da ABI 353 Abril de 2010

plásticas e da literatura. Acho que parareverter esse quadro só mesmo quandoos cartunistas se conscientizarem da suaimportância. Mas isso requer anos deconversa. E, pra ser sincero, acho que aclasse é uma das mais desorganizadasque temos nesse meio”, diz Graúna, que,crises à parte, vê novos talentos chegan-do ao mercado.

“Todos os dias descubro um monte degente boa na internet. Aliás, a rede é umaválvula de escape para esses meninos.Veja, por exemplo, o João, que partici-pou da exposição de cartuns do cente-nário da ABI... Ele tem uns 14 anos. E tema Maria, que hoje é colaboradora do Jor-nal da ABI, e é uma talentosa ilustrado-ra e caricaturista”.

“Prostitutos do traço”“Chamo esses meus colegas, que de-

senham por qualquer valor, de ‘prosti-tutos do traço’. Qualquer ‘agrado’ já ga-rante o serviço. Vejo como um retrocessoa posição passiva ou de mendicância àqual muitos companheiros se sujeitame promovem em relação aos demais, porconta de seus interesses. Como já ouvidizer, ‘é pouco, mas dá para tomar umascinco geladas’. Eles precisam se valori-zar”, dispara Mattias, que hoje é respon-sável, em parceria com o cartunista RayCosta, pelo Projeto Sorrialengo, no Rio deJaneiro, onde crianças, jovens e adultosutilizam o desenho de humor para pro-mover suas comunidades.

Há quem, por outro lado, adote umapostura mais pragmática em relação àquestão, como Nei Lima:

“As editoras exploram os dese-nhistas fixando um valor queelas acham justo pagar. E aínós ficamos à mercê des-ta ‘escravidão’. Eu souum desses colaboradores.E se me perguntam porqueaceito essa condição, respon-do que tenho contas, quemoro em um apartamentoalugado e sem alguém comquem dividir as despesas. É mui-to fácil criticar quem aceita essetipo de condição das editoras. Mas,se eu não aceito, tem quem aceite... E eusaio perdendo de qualquer forma. Háquem aceite, pois precisa sustentar a fa-mília. Outros ainda estão começando equerem fazer portfólio. Não podemos ser

radicais e sair criticando es-sas pessoas sem tentar escla-recer o porquê dessa situa-ção. Feliz é quem tem condiçõesde rejeitar essas ofertas”, pondera ele,que também vê na históricadesunião da classe um dos fa-tores que permitem a explo-ração pelas editoras.

Então, o que levou a essadesvalorização das ilustraçõese de seus autores?

“Penso que as editoras enxer-gam o desenhista como um mar-ginal, que coloca um pedaço depapel sobre a perna e faz um de-senho rapidamente. Tudo no Brasil, nofundo, é uma questão de educação. Nãofomos e não somos educados para apre-ciar a arte. Veja só: até a charge do Chi-co Caruso, no O Globo, sai espremidanum cantinho do pé da página, quan-do sabemos que seus originais, feitos àmão, são em tamanho A3. Aqui, os de-senhos são jogados na lata de lixo”, ava-lia Nei Lima, que, para sobreviver, leci-ona numa faculdade de Artes Visuaisem Niterói. “Mas tenho que manter osmeus clientes como freelancer, já queos professores são outra classe desva-lorizada deste País.”

A astróloga e ilustradora Eliane Soa-res, que desenvolve projetos de ilustra-ções gráficas concorda com Nei Lima. Apolêmica se resume a uma palavra: edu-cação. Diz ela:

“O ensino precisa reconhecer a arte

livros com salários dignos. Depende doprofissional aceitar ser humilhado. Nomeu caso, não faço. Dou sempre uma des-culpa que estou muito ocupado. Já rece-bi várias propostas absurdas. Se o pro-fissional aceita, ele é o maior culpadopelo próprio aviltamento”, acredita J.Bosco, que há mais de 20 anos empres-ta seus traços a O Liberal, jornal do Pará.

Ele também não vê retração no mer-cado de jornais:

“A própria Folha de S. Paulo faz concur-sos para ilustradores e chargistas à pro-cura de novos talentos. O ilustradorMauro Souza é um grande exemplo deprofissional que, todos os dias, ilustradiversos jornais e revistas, e atua nosestúdios Maurício de Souza. Outro gran-de profissional é o Orlando Pedroso, daFolha de S. Paulo. O Caú Gomez faz char-ges e ilustrações no jornal A Tarde, deMinas. Não tenho do que reclamar. Achoque tem muita gente reclamando muitoe trabalhando pouco. Vejo um crescimen-to do mercado. A internet está ajudandomuita gente a divulgar seus trabalhos.Mas vejo um bando de malucos brigan-do em blogs, ficando velhos e sem espa-ço. Hoje sou um cartunista multimídia...O próprio mercado exige isso”, concluiu.

No fim de tudo, o silêncioProcurada, a Direção da revista Co-

quetel e da Ediouro preferiu não se pro-nunciar sobre o texto de Zé RobertoGraúna, sua repercussão e o mercadoatual de ilustradores no Brasil.

como o fundamentode qualquer aprendi-

zado. A minha tristeza é veros anos passarem e nada

acontece! Assim, cada vez me-nos pessoas sabem reco-nhecer um trabalho de va-lor artístico, ou são capa-

zes de distinguir a realdimensão deuma obra devalor, muitas

vezes confundidacom simples ra-biscos. A falta de

cultura de algunseditores que preferem a

solução fácil de publicar umafoto básica na capa da revista ou numanúncio em lugar de buscar o grafismode uma ilustração diluiu a criatividadee reduziu consideravelmente o campode trabalho. Senti isso principalmentea partir dos anos 1980.”

“Nunca prestei serviços para a Ediou-ro, mas sei do grande desprestígio comque a editora trata os ilustradores. Po-rém, acredito que isso aconteça por causada aceitação dos próprios profissionais.A prática não se repete em outras edito-ras... Tenho trabalhos publicados recen-temente para livros didáticos, na maio-ria com valores superiores a R$ 250, umaespécie de piso. Não acho que o despres-tígio dos ilustradores seja geral, pois co-nheço grandes profissionais que estãosempre recebendo convites para ilustrar

Todos os ótimosdesenhos em preto ebranco que ilustramesta matéria foram

publicadas em quatroedições das revistas

Coquetel: GrandeHércules, 261 (Diretas,nível médio); Desafiosde Lógica, 90 (Médiodifícil); Busca Palavra

187 (Fácil) e Cruzadox,113 (Médio). Preço de

cada revista: R$3,60(exceto Busca Palavra,

que custa R$ 3,40)

ACIMA, DESENHO DE NIVALDO; AO LADO, CANDI. JÔ SOARES, POR ULISSES.

RAUL GIL E FREUD, DE ULISSES;TOM CAVALCANTE, DE NEI LIMA,

E LAPLACE, DE MACHADO.

38 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

LivrosLivros

Diferente do que acontece em muitospaíses, a cara da imprensa no Brasil nãoé a de uma grande emissora de televisão,de um centenário jornal ou de um gigan-te grupo de comunicação. Sua face maismarcante é a dos profissionais que aconstruíram, jornalistas singulares, dosmais diversos estilos, mas capazes demarcar indelevelmente a palavra escri-ta e falada no País. Se é impossível falarda História da Imprensa brasileira semmencionar esses protagonistas, quandose trata de suas vidas, é natural contarhistórias que revelam a própria trajetó-ria da sociedade nacional. Mencionarnomes como o de Juca Kfouri, José Ra-mos Tinhorão, Roberto Müller Filho ePaulo Francis é recordar a evolução dojornalismo brasileiro e esmiuçar a lidarecente da nação. É o que faz – e muitobem – a coleção Imprensa em Pauta, pu-blicada pela Imprensa Oficial do Estadode São Paulo.

Depois de lançar Juca Kfouri – O Mi-litante da Notícia, de Carlos Alencar, aindaem 2006, a coleção foi retomada agoracom outras três novidades: Paulo Francis– Polemista Profissional, de EduardoNogueira; Tinhorão – O Legendário, deElizabeth Lorenzotti, e Roberto MüllerFilho – Intuição, Política e Jornalismo, deMaria Helena Tachinardi. Todas são obrasque transitam entre o perfil e a biografia,repletas de fotos, capas de jornais e revis-tas, ilustrações e, em alguns casos, ma-

a concepção da Gazeta Mercantil nosanos 1970, uma das mais influentes pu-blicações de política, economia, negóciose diplomacia daquele tempo”, explica Ta-chinardi.

O livro começa com a vida em famí-lia de Müller, ainda em sua infância emRibeirão Preto, no interior paulista, seuenvolvimento com a política ao ter con-tato com o Partido Comunista Brasilei-ro-PCB, e a formação em Química. Pas-sa ao jornalismo, quando mostra o co-meço de carreira na Rádio PRA7, seuingresso na Folha de S. Paulo, ainda comocopidesque, e passagens pela Veja, Rea-lidade, Visão e Expansão. Em 1974, eleassume como Editor-Chefe da GazetaMercantil, com a missão de transformaro jornal em um veículo independente, in-

fluente e rentável. Vai muito além. Empouco tempo, a publicação se torna re-ferência para o mundo empresarial e fi-nanceiro. Quem queria antecipar os fa-tos, destrinchar planos econômicos e en-tender certas medidas polêmicas preci-sava ler a Gazeta. Não somente aqui, mastambém no exterior. No prefácio do li-vro, Matias Molina, que trabalhou comocorrespondente do jornal em Londres,conta que representantes do Departa-mento de Estado, do Fundo MonetárioInternacional e do Banco Mundial pro-curavam receber por telex as principaisinformações e análises publicadas emsuas páginas. Como conseqüência, afacilidade para conseguir entrevistas ex-clusivas era muito grande.

“O Brasil ganhava então um jornalrealmente nacional e que serviu comomodelo para todo o jornalismo econômi-co praticado aqui. Era uma coberturapautada não tanto pelo furo, mas pelaprecisão dos indicadores, informaçãobem apurada e aprofundada. O Müllerteve a visão de antecipar em anos a seg-mentação da cobertura para que as pes-soas entendessem melhor como seus in-teresses eram afetados. Dava gosto tra-balhar lá. Pela primeira vez os jornalistasassinavam suas matérias e a tradicionalcompetição deu lugar a um trabalho emgrupo para ir mais fundo nas reportagens.Isso até ganhou um nome: “estética dasrelações”. Por isso, ao falar sobre a vidade Müller, trato também da história re-cente do jornalismo econômico, dessajornada da Gazeta Mercantil e das idas evindas da política econômica ao longodesses anos, terminando com uma discus-são sobre alternativas para esse tipo dejornalismo hoje”, completa Tachinardi.

Contar a evolução do jornalismo no Brasil é essencialmente falar sobre seus protagonistas.É o que está fazendo a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que lançou

uma coleção com perfis biográficos de destacados profissionais da mídia nacional.

POR MARCOS STEFANO

A imprensa num perfil coletivo

terial produzido pelos biografados. Masnão se limitam à reportagem biográfica.Muito por causa da proposta da série,mas também pela qualidade dos autores,todos jornalistas de grande experiência,que acabaram até vivendo parte daqui-lo que contam, mas são capazes de con-ciliar essa prática profissional com umasólida base acadêmica que permeia e con-textualiza os textos.

É o caso de Maria Helena Tachinardi,que construiu parte de sua carreira entreos bancos escolares de importantes ins-tituições como a Universidade de Navar-ra, da Espanha, a Universidade de Paris I– Panthéon-Sorbonne, a Universidade deMaryland, Estados Unidos, e atualmen-te é membro titular do Grupo de Análi-se de Conjuntura Internacional-Gacint,da Universidade de São Paulo-Usp. Parafalar da vida de Roberto Müller Filho, tãoimportante quanto sua formação foi tertrabalhado por mais de duas décadas naGazeta Mercantil – jornal em que foi re-pórter, correspondente em Brasília e emWashington, EUA, Editora-Executiva daGazeta Latino-Americana e da seção In-ternacional. Metade dessa carreira sob achefia do próprio Müller.

“Dessa forma foi fácil esboçar um ro-teiro de temas que o livro cobriria. A par-tir daí, escrevi o texto com base em duaslongas entrevistas que o Müller, auxili-ado pelo Antônio Gouveia, amigo pró-ximo que o ajudou a rememorar fatosdos tempos do jornal e do Gabinete doMinistro Funaro, na época do Ministé-rio da Fazenda. Não dá para falar em jor-nalismo econômico no Brasil sem tratardo trabalho feito pelo Müller. Por isso,procurei mostrar como suas idéias de pa-triotismo, de nacionalismo e de justiçasocial ajudaram a entender como se deu

Juca Kfouriabraça Pelédurante a festade relançamentoda revista Placar,em 1995, noGinásio doIbirapuera, emSão Paulo.

Müller num visual bem diferente duranteos primeiros tempos da Gazeta Mercantil. O livro do Francis reproduz muitas fotos, entre elas esta do fotógrafo Milton Michida.

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39Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Furos e contradiçõesTalvez falar sobre a vida de seus per-

sonagens seja a melhor maneira de tra-çar uma autêntica cronologia da impren-sa no Brasil. Quando escreveu há qua-tro anos Juca Kfouri – O Militante daNotícia, Carlos Alencar, ex-repórter eeditor de veículos como A Gazeta Espor-tiva, Folha da Tarde, Diário Popular, Diá-rio de S. Paulo e Lance!, percebeu e apro-veitou muito bem disso. Seu livro não selimita a contar a trajetória de um dosprincipais jornalistas esportivos brasilei-ros, dos tempos de militância de esquer-da, na Aliança Libertadora Nacional-ALN, de Carlos Marighella, às disputascom cartolas da indústria do futebol edonos de algumas das grandes empresasjornalísticas do País. Como se isso nãobastasse para um belíssimo livro. MasAlencar aprofunda um pouco mais:mostra a transformação do jornalismoesportivo, da mera cobertura factual aosurgimento das reportagens investiga-tivas que deram prestígio ao gênero emuma nação onde o esporte é cada vezmais importante. Aliás, isso está nasentrelinhas do texto inteiro.

Polêmicas também não faltam emPaulo Francis – Polemista Profissional. Parafugir do que já haviam feito outros au-tores que abordaram a vida e a carreirade um dos mais conhecidos e influentes– assim como amado e odiado – profis-sionais da imprensa brasileira de todosos tempos, Paulo Eduardo Nogueira,Editor-Executivo da revista ScientificAmerican Brasil, é claro e direto, mas comleveza e elegância, um estilo típico deFrancis (1930-1997). Assim, conta comoele fundou o Pasquim, em 1969, colabo-rou nos jornais Folha de S. Paulo, O Es-tado de S. Paulo, O Globo, e na TV Glo-bo. Se exalta a eloqüência e a capacida-de, não esconde os pecados, trazendo asprincipais polêmicas com artistas, polí-ticos e intelectuais e que não deixavamninguém indiferente. O livro é um óti-mo exemplo do espírito da Coleção Im-prensa em Pauta. Ao mesmo tempo queanalisa as contradições do trotskista quese transformou em conservador, traz umensaio fotográfico de Francis, produzi-do por Bob Wolfenson na década de1980, e revela bastidores e mecanismosda grande imprensa no Brasil.

“A História da Imprensa no Brasil écontada em grande parte por homens emulheres marcantes. Quando comeceia pesquisar sobre a vida do José RamosTinhorão, percebi que era necessáriofalar dele, mas também das reformaspromovidas nos anos 1950 e 1960 porjornais em que ele trabalhou, como o

Diário Carioca, que introduziu o lide e omanual de redação no Brasil, e o Jornal doBrasil, com seu histórico Caderno B. Ainiciativa da Imprensa Oficial é exemplar,pois há muitos nomes de destaque nojornalismo nacional, cujos trabalhos nãosão devidamente reconhecidos”, diz ajornalista e Professora Elizabeth Loren-zotti, autora de Tinhorão – O Legendário.

Doutoranda em Literatura Brasileirapela Faculdade de Filosofia, Letras e Ci-ências Humanas da Usp, Elizabeth dedi-ca-se atualmente a pesquisas nas áreasde jornalismo cultural e História da Im-prensa, analisando suplementos literáriospublicados por jornais. O interesse por Ti-nhorão, no entanto, começou muito an-tes, já que Lorenzotti o acompanha des-de os tempos de JB e Pasquim e já haviafeito outras entrevistas com o jornalista,que, segundo ela, é autor de textos brilhan-tes, cheios de bom humor, uma profundavisão cultural e audácia intelectual:

“Tinhorão é uma figura ímpar para seentender o jornalismo cultural brasilei-ro. Começou como copidesque no Diá-rio Carioca, em 1952, e poderia ter con-tinuado assim a vida toda, ainda maiscom a habilidade que tinha para textosliterários. Mas era tão irrequieto, que fezvaler o apelido ganho como “sobrenome-adjetivo”: Tinhorão, na verdade, umaplanta tóxica. Ele sempre nadou contraa corrente. Gostava de escrever em su-plementos de cultura e dizia que a Bos-sa Nova é uma variante americana dosamba, tão brasileira como um carromontado no Brasil. Que João Gilbertoinventou um jeito de cantar para adap-tar a música brasileira ao estilo norte-americano. É um pesquisador nato, ca-paz de dizer que o samba nasceu no Rioe não na Bahia, que a modinha surgiu noBrasil como dança e só depois chegou aPortugal como canção. Pode-se até dis-cordar dele, mas ainda não vi ninguémcontradizê-lo”, diz Elizabeth Lorenzotti.

Livros que começam com o lideEla conta que foi justamente por cau-

sa dessa “alma de pesquisador” que o jor-nalista recebeu ordem de Reinaldo Jardim,em 1961, no JB, para produzir uma sé-rie sobre a música popular brasileira.

“Mas não existe livro, pesquisa, qua-se nada sobre isso”, tentou argumentarTinhorão.

“Se vira, vai entrevistar o Sérgio Ca-bral, faça qualquer coisa”, ordenou Jar-dim, mal sabendo que estava criando um“monstro”. “Monstro”, no bom sentido,diga-se de passagem, já que Tinhorãoescrevia muito, como bem pode ser cons-tatado em alguns de seus artigos resga-

O Centro Cultural do InstitutoMoreira Salles realizou no dia 13 deabril em sua sede, na Gávea, Rio deJaneiro, o evento que marcou achegada do rico acervo do jornalistaJosé Ramos Tinhorão à ReservaTécnica Musical da entidade, onde foiapresentada uma exposição comalguns dos milhares de itens quepassaram por um processo decatalogação desde 2001 e que até ofinal deste ano estará disponível paraconsultas. São mais de 12 mil discos(de 76, 78 e 33 rpm), 14 mil livrosespecializados em cultura popularurbana, além de fotos, filmes, scriptsde rádio, cartazes, jornais, revistas,rolos de pianola, folhetos de cordel,press releases de gravadoras.

Na mostra, que teve curadoria do

tados pela autora no final do livro. Comseu nacionalismo e críticas à Bossa Nova,ganhou fama de chato, uma injustiça paraquem foi o principal responsável pelo res-gate da obra de artistas como Cartola,Nélson Cavaquinho, Bide e tantos outros.E também resgatou da mesmice as seçõesde cultura de tantas publicações, entreelas o Correio da Manhã, O Cruzeiro, OJornal, Última Hora, Veja e JB.

Tinhorão só deixou o jornalismo nadécada de 1980. Insatisfeito com a pro-fissão e com a vida pessoal. Mas não dei-xou de escrever. Apenas passou se dedi-car integralmente a outra paixão: os li-vros. Aos 82 anos, já são 30 publicados

no Brasil e em Portugal. Mesmosem o reconhecimento formalda Academia, não há quem nãoo respeite como pesquisador.Por causa disso, comprou outrabriga com sua língua afiada, aoafirmar que “esse pessoal comeTinhorão e arrota Mário de An-drade”. Como se pode perceber,a erudição do pesquisador da cul-tura urbana não conseguiu ven-cer o espírito jornalístico do Le-gendário, o homem que começaum livro sempre com um lide.

Todas essas singularidades, assimcomo os bastidores da imprensa cario-ca dos anos 1950 e 1960, são trabalha-das com maestria em Tinhorão – O Legen-dário. Mas, afinal de contas, por que “Le-gendário”? Com a palavra final a auto-ra Elizabeth Lorenzotti:

“Nos tempos de Diário Carioca, Tinho-rão ganhou fama também pela versatili-dade de seu texto. Não apenas possuía umestilo delicioso, mas também um poderde síntese sem igual. Por isso, era semprechamado para fazer as legendas e os tex-tos-legenda do jornal. Unindo refinamen-to e síntese, ganhou o muito apropriadoepíteto de “Tinhorão, o Legendário”.

O resgate de um acervo inestimávelpróprio Tinhorão, os visitantespuderam apreciar discos de sambaanteriores ao famoso Pelo telefone,de Donga; o primeiro registrofonográfico de Carmem Miranda, NãoVá s’Imbora; a mais rara gravação deFrancisco Alves, O Pé de Anjo, e peçasque mostram facetas artísticas poucoconhecidas de Di Cavalcânti, que foiilustrador de anúncios, chargistapolítico e capista de livros de ManuelBandeira e João do Rio.

No evento foram lançados trêslivros: A Música Popular que Surge naEra da Revolução (Editora 34) e CríticaCheia de Graça (Empório do Livro),ambos de José Ramos Tinhorão; alémde Tinhorão, O Legendário (ImprensaOficial do Estado de São Paulo), deElizabeth Lorenzotti.

O Presidente da ABI foi abraçar o amigo Tinhorão, que autografavaseus livros no Centro Cultural do IMS. Ele parece dizer: "Este é o cara".

CEL LISB

OA/D

IVULG

AÇÃO

40 Jornal da ABI 353 Abril de 2010

POR MARCOS STEFANO

Exposição exibe imagens históricasde dois grandes fotojornalistas da Era JK.

s anos 1940 e 1950 foram tem-pos de mudanças no Brasil. Re-petidos à exaustão pela impren-sa, termos como industrializa-ção, integração nacional, desen-

volvimento e modernização começarama se materializar, dando a impressão deque o arcaísmo das décadas e até sécu-los anteriores era coisa do passado e que,de fato, nascia ali o “País do futuro”. Ge-radoras de energia, petroquímicas,montadoras automotivas e grandes es-tradas começaram a aparecer. Com elas,aumentou o poder de compra e a ofertade produtos. O american way of life apro-ximava-se dos trópicos.

Nos esportes, a Nação seria sede de suaprimeira Copa do Mundo, para depoislevantar o caneco e ver o surgimento degênios dos campos, das quadras e dosringues, como os craques Pelé e Garrin-

cha, o boxeador Éder Jofre e a tenistaMaria Ester Bueno. Na cultura não foidiferente, com grandes inovações na ar-quitetura, o surgimento da Bossa Nova,novas manifestações como o Teatro deArena, o concretismo nas artes plásticase o nascimento da dramaturgia nacionalno rádio, cinema e televisão.

Talvez ninguém tenha observado e re-gistrado tão bem essa história quanto ofotojornalismo brasileiro, que começavaa ganhar corpo na época. Com suas má-quinas em punho, repórteres atentos aocalor dos acontecimentos flagravam ins-tantâneos, fundindo na reportagem ima-gens com textos, que então passavam aapoiar o registro fotográfico. O Brasil tor-nou-se conhecido pelas lentes de profis-sionais como José Medeiros, Jean Man-zon, Thomaz Farkas, Sérgio Jorge, FlávioDamm, Eugenio Silva, Luiz Pinto, Inda-

lécio Wanderley, Indaiassu Leite, ErnoSchneider e Alberto Jacob, entre outros.

Um dos períodos mais significativosdaquele tempo, os anos em que Jusce-lino Kubitschek governou o País, podeser revisto pelo público através do olharde Manzon e Jorge. Em cartaz no Cen-tro Cultural da Caixa Econômica, naPraça da Sé, em São Paulo, a exposiçãoOs Anos JK: A Era do Novo é compostapor 78 fotos e dois filmes institucionais,que mostram eventos esportivos, fla-grantes de metrópoles como Rio e SãoPaulo, manifestações artísticas, a indus-trialização, personalidades e, claro, aconstrução e inauguração de Brasília.Além do trabalho desses dois mestresda fotografia no Brasil, a exposição secompleta com imagens do arquivo daCinemateca Brasileira e do arquivopessoal do cineasta Roberto Santos. Pa-

ralelo à mostra está acontecendo umcurso livre sobre cultura brasileira.

“A exposição abrange imagens de umperíodo um pouco anterior a JK assumira Presidência e um pouco posterior a tê-la deixado, para que o público possa com-preender o que acontecia naquela época.Era um tempo em que o “novo” invadiuas mais variadas esferas da sociedade,deixando a impressão de que o Brasil es-tava entrando no seleto grupo de paísesdesenvolvidos. Muito do que se projetounão se concretizou, mas aquele momen-to foi singular e trouxe uma mudança depensamento que atingiu diversas áreas davida social. Na mostra, procuramos res-gatar um pouco disso”, explica um doscuradores da mostra, o historiador Car-los Eduardo França de Oliveira.

Nenhuma obra ou acontecimento sim-bolizou melhor os anos JK e seu famoso

DOCUMENTO

OINAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA, SÉRGIO JORGE

41Jornal da ABI 353 Abril de 2010

dia seguia tranqüilo, como qual-quer outro naquele ano de 1944,no Amazonas, quando, repen-tinamente, as brincadeiras e cor-rerias das crianças e o trabalho

dos adultos foram substituídos por umcorre-corre desenfreado diante do baru-lho ensurdecedor que invadiu os céus.Enquanto as mulheres corriam com seusfilhos para a floresta, os homens entra-vam e saíam das choupanas, arcos, fle-chas e lanças em punho. O motivo eraaquele enorme pássaro branco passean-do sobre suas cabeças com um roncoenfurecido. Nesse dia em que o “paraí-so” isolado dos índios xavantes foi trans-formado num “inferno” pelas rasantesdo monstruoso ser, o que mais se ouviuforam os gritos de um sujeito preso àsgarras da tal ave: “Mais baixo! Outra veze mais baixo!”.

Mal sabiam os nativos que não se tra-tava de um pobre infeliz capturado pe-las presas de um ser quase mitológico,e sim de um fotógrafo empolgado, deses-perado unicamente pela busca de ummelhor ângulo e de mais aproximação doavião em que estava, provavelmente umbimotor Focker Wulf 58, para registrar,pela primeira vez, o encontro do homembranco com um dos mais importantesgrupos indígenas brasileiros, mas aindapraticamente desconhecido. O risco deuma queda ou de alguém perfurado pe-las flechas e bordunas valeu a pena. Em24 de julho daquele ano, a revista OCruzeiro publicava um furo de reporta-

gem com o título “Enfrentando os cha-vantes” – com “ch” mesmo, como segrafava à época. Com grande repercus-são mundo afora, em 27 páginas, a ma-téria descrevia de forma quase inacredi-tável a aventura, com 26 fotos, inclusi-ve algumas que mostravam os índios emposição de guerra. O texto vinha assina-do por David Nasser e as fotos, por JeanManzon, aquele louco praticamentependurado no avião e que viria a revo-lucionar a foto-reportagem no País.

Medo de mudar“Quando cheguei em O Cruzeiro, a

reportagem fotográfica no Brasil era ine-xistente. Havia um atraso muito grande,a paginação era confusa e todo mundotinha muito receio de mudar. Comeceiminhas matérias sem ninguém que escre-vesse os textos, nem mesmo as legendas”,declarou Manzon nos anos 1980, emdepoimento ao livro José Medeiros, 50Anos de Fotografia (Funarte). Segundo ojornalista Luiz Maklouf Carvalho, emCobras Criadas (Editora Senac), um pou-co exagerado, mas com fundo de verda-de, características que justamente mar-caram a carreira do fotógrafo.

“Não era bem assim em relação aostextos. Havia quem os escrevesse, parao bem e para o mal. Mas a foto-reporta-gem realmente não existia. O Brasilnunca vira fotos produzidas como as deManzon, a não ser quem comprava asrevistas ilustradas estrangeiras. Enqua-dramento perfeito, ângulos novos, clo-

ses de arrepiar, caras e bocas que pareci-am em movimento. Um estilo comple-tamente novo se comparado ao das fo-tos da imprensa brasileira”, diz Maklouf.

Tão importante quanto o talento foia ótima escola de Manzon. Nascido emParis, na França, em 2 de fevereiro de 1915,ele era filho único de Marc Manzon e dapintora judia Sophie Rose Manzon. Tevesua primeira experiência profissional aos16 anos, quando um parente materno olevou para o vespertino L’Intransigeant.Era repórter, mas a fotografia logo oatraiu. Foca de laboratório, carregava opesado equipamento dos profissionais emtroca de poder acompanhá-los e vê-los emação. Foi assim que se qualificou para co-brir o dia-a-dia para a Agência Meurice,até receber um convite para colaborar naVu, pioneira francesa das revistas ilustra-das, lançada em 1928.

O jovem Manzon trabalhou em po-lítica, deu alguns furos e conseguiu al-gumas capas. Também cobriu a GuerraCivil Espanhola para o jornal Paris-Soir.Com isso, entrou para a revista Match,a mais importante do período, com ti-ragens que chegavam a 2 milhões deexemplares. Fez reportagens sobre oavanço nazista, algumas cobrindo opróprio Adolf Hitler, e flagrou, com umacâmera escondida, o bailarino russo Ni-jinski, calvo e gordo, em pleno salto, emum sanatório da Suíça, em que estavainternado há duas décadas. Desde ocomeço, trazia uma série de espertezasque o ajudariam a obter imagens difíceis

Jean ManzonENTRE O PRIMITIVO

E A INOVAÇÃO

O

bordão “50 anos em 5” quanto a cons-trução da nova capital da República. Acomemoração do cinqüentenário deBrasília serviu como mote para realiza-ção da exposição e a construção e inau-guração da cidade é mostrada em gran-de parte das imagens apresentadas aopúblico. Imagens que por pouco não seperderam. As de Jean Manzon foramcedidas pela Fundação Cepar Cultural,detentora do acervo de fotos e filmesdo fotógrafo francês. Já as de SérgioJorge são do acervo pessoal do fotojor-nalista, que tem em seu arquivo maisde 96 mil imagens, grande parte emcromos e negativos. Foi necessário es-caneá-las e restaurá-las.

Os Anos JK: A Era do Novo busca re-construir os anos 50 e começo dos 60até no design da mostra, sons, coresdas paredes e na seleção de imagens,escolhidas com um critério estético,desde que se comunicassem com opúblico comum. Porém, além de apre-sentar um olhar diferenciado sobre umtempo que vem sendo assunto paratantos eventos por conta do aniversá-rio de Brasília, é também uma rememo-ração dos chamados “anos de ouro” dofotojornalismo brasileiro. Ofício queem muitos momentos adquire statusde arte, mas cujas obras também cos-tumam ser rapidamente esquecidas de-vido à fugacidade das publicações.Resgatar parte dessa produção é umdos objetivos da exposição, que ago-ra busca apoio para seguir para outroscentros, como Belo Horizonte, Rio deJaneiro e Brasília.

“Trabalhar com fotojornalismo eranosso objetivo desde o princípio. Porisso, tentamos usar acervos de jornais.Mas foi impossível. No Brasil, quasenunca quem detém a guarda desse ma-terial possui também o direito de pu-blicar. Quem tem os dois olha muitoo lado comercial e obras que foram tãoimportantes terminam no esqueci-mento. Foi, então, que conseguimostrabalhar com o Manzon e o Jorge,uma dupla que, apesar de improvávelno dia-a-dia, representa o que de me-lhor foi feito no fotojornalismo e napropaganda institucional na Históriarecente do País. Pela natureza do tra-balho, fotógrafos são protagonistas doregistro dos acontecimentos, da cria-ção da própria História. Está na horade o Brasil redescobrir seus cliques”,propõe o também historiador Rodri-go Silva, organizador da exposição.

Sérgio Jorge e Jean Manzon foramamigos. Conheceram-se no escritórioque o francês mantinha na capital pau-lista, nos anos 60. Chegaram a traba-lhar juntos, apesar de nunca terem sidoparceiros. Foi numa vez que Manzonfoi chamado por Assis Chateaubriandpara filmar uma visita sua, numa cadei-ra de rodas, ao acervo do Museu de Artede São Paulo-Masp, quando este aindafuncionava no Centro da cidade, na Rua7 de Abril. O cineasta contratou o fo-tojornalista brasileiro para fazer as fo-tos. Três dias antes de Manzon morrer,falaram-se pela última vez. Agora, re-únem-se novamente. Para deleite daarte, da fotografia e da História.

JK imagina a capital do País noPlanalto Goiano. Jean Manzonfez um registro com emoção.

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e exclusivas. “A Match queria o sensaci-onal, o pitoresco, o insólito, o inveros-símil. Manzon se adequaria à perfeiçãoa esse estilo dali para frente. Mesmo quepara isso tivesse que recorrer a truquesou falsificações”, aponta Maklouf.

Em 1939, foi convocado pela Marinhafrancesa para trabalhar como cinegrafis-ta durante a Segunda Guerra Mundial.Ganhou prêmios e medalhas por hero-ísmo, mas acabou isolado na Inglaterra,ao lado do amigo Pierre Daninos, reda-tor da Match. Impossibilitados de voltarpara a França, ocupada pelos nazistas,conheceram o cineasta brasileiro AlbertoCavalcânti, radicado em Londres, e acei-taram a sugestão de viajar para o Brasil.Manzon vendeu sua câmera cinemato-gráfica Bell & Howell e a fotográfica Lei-ca e ficou apenas com uma Rolleiflex. Foiassim que chegou aqui e conseguiu em-prego para trabalhar como responsávelpelos setores de fotografia e cinema doDepartamento de Imprensa e Propagan-da-Dip, do primeiro Governo Vargas.

Pragmático, Manzon suou a camisanão apenas pelo sucesso do Dip e do Es-tado Novo, mas pelo seu próprio, entre1940 e 43. Conquistou o ditador brasi-leiro, que ficou encantado ao ver suasfotos em publicações estrangeiras. Nesseperíodo, também teria sua primeira ex-periência com uma publicação nacional,a revista Sombra. Nela, conseguiria em-placar as primeiras foto-reportagens,inclusive, a “Clínica das bonecas”, apro-veitando uma experiência já realizadanos tempos da Vu, e trazendo fotos decabeças, braços e pernas de bonecas quemais pareciam pessoas mutiladas naguerra. Em todos os seus trabalhos, elefazia questão de colocar sua assinatura– coisa nova no Brasil.

Um catálogo de má qualidadeQuando chegou em O Cruzeiro, em

1943, a convite de Frederico Chateaubri-and, sobrinho do empresário Assis Cha-teaubriand, o Chatô, Manzon expressoutodo o seu desagrado.

“Isso não é uma revista, é um catálo-go, uma galeria de retratos de família,fixos, posados, idênticos. Ademais, semdúvida, para parecer rica, há um máxi-mo de pequenos clichês, agrupados so-bre uma só página como uma coleção depequenos selos. A tinta, o papel, a im-pressão são de tão má qualidade quepoderíamos dizer que se trata de man-chas”, avaliou.

Seu trabalho, ao lado de outros pro-fissionais, transformaria a revista. Nomesmo estilo das mais importantes re-vistas estrangeiras, como Life e Match,começam a aparecer aberturas em páginadupla; prioridade absoluta para a ima-gem; fotos sangradas nas páginas ímpa-res; titulação de impacto no tamanho econteúdo, geralmente sensacionalista;subtítulos; linhas finas; e os “boxes”,textos de apoio à matéria principal. Apaginação, confusa pelos constantes“continua na página tal”, ganha novasregras. A filosofia também muda: ago-ra a ordem passa a ser produzir um tra-balho integrado entre repórter e fotógra-fo, com o produto final sendo padroni-zado pela edição. Logo, essas mudançasatingiriam toda a imprensa brasileira eO Cruzeiro saltaria de 20 mil para cercade 800 mil exemplares.

Manzon formaria com David Nasseraquela que talvez tenha sido a mais fa-mosa parceria da História do jornalismobrasileiro. Depois de uma aproximaçãopaulatina na Redação de O Cruzeiro, apa-receram pautas de grande apelo e a in-

dicação “Fotos de JEAN MANZON –Textos de DAVID NASSER”, abaixo dostítulos, uma autêntica grife de grandesucesso. Até 1951, os dois produziramreportagens polêmicas e que mexiamcom o imaginário dos brasileiros. Certavez, mostraram de forma inédita naspáginas de uma revista o interior e ofuncionamento de um templo maçôni-co. À narrativa primorosa e às metáfo-ras buriladas por Nasser casavam-se comperfeição as fotos bem produzidas e tra-balhosas de Manzon, que fugia ao esti-lo do fotojornalismo tradicional, de fla-grantes e espontaneidade.

Sem compromisso com a verdadeÉ importante que se faça uma obser-

vação: naquele tempo, jornalismo não

era algo feito necessariamente de forapara dentro das Redações. Fatos nãoprecisavam nascer nas ruas; poderiamser construídos. E Manzon era sensível,superlativo, mas sem compromisso coma verdade. Três características funda-mentais para dar certo ao lado de um“monstro do texto”, como já começavaa ser chamado Nasser.

“Naquele tempo, ninguém fazia re-portagens, no sentido literal da palavra.Quando o Manzon chegou aqui, era comoum tenista de primeira classe ensinandoum tenista de província – eu. Aprendimuito com ele dentro do ramo da repor-tagem. Em primeiro lugar, aprendi a ven-cer a timidez. Depois, iniciei-me nos tru-ques da profissão. Embora não sendo umhomem de cultura, ele possui extraordi-

DOCUMENTO RETRATOS DO NOVO BRASIL QUE PASSOU

Jean Manzonregistrou

imagens quefugiam do

estilo da época,como a foto de

cima, onde oPresidente

JuscelinoKubitschek e oarquiteto Lúcio

Costa posamdurante a

construção deBrasília, ou

estas duas queretratam o

Carnavalcarioca, ou

ainda a dostrabalhadores

de cana deaçucar, na

página ao lado.

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nária sensibilidade jornalística”, justifi-cou-se Nasser na célebre entrevista 0 reiDavid concedida à Manchete em 1965.

Essa falta de cerimônia de Manzon,além de encantar Nasser, foi decisiva emvários episódios delicados. Num deles,a dupla conseguiu entrevistar o reclusomédium Chico Xavier e fotografá-lo emposes pitorescas, amalucadas e audiaci-osas como dentro de uma banheira. Issosó foi possível depois que o abusado fran-cês insistiu em saber se haveria algumachance de um espírito baixar durante obanho. Noutra oportunidade, a vítimafoi o Deputado Barreto Pinto. Depois dapublicação de “Barreto Pinto sem más-cara”, em que o político aparecia de fra-que e cueca, a cassação foi inevitável.

Quando não dava para convencer ecriar, a alternativa era inventar. Uma dashistórias mais fantásticas produzidas foiA vida dos mortos, que afirmava: “Mor-reu Jean Manzon!”. Na verdade, a duplaproduziu uma brincadeira sobre a mor-te do francês, que depois de ter sobrevi-vido a guerras teria morrido atropeladopor um carro na Avenida Atlântica, noRio de Janeiro. O resultado foi uma en-xurrada de telegramas, telefonemas,notícias em outros veículos. O Presiden-te Getúlio Vargas lamentou e até a pró-pria ABI mandou uma coroa de flores.Esclarecida a confusão da “reportagemficcionista”, como Nasser a chamou, namesma hora, a assessoria do Presidenteligou, exigindo a retificação da notícia.

Tais incidentes, por incrível que pa-reça, apenas serviam para aumentar apopularidade dos jornalistas e dar ain-da mais liberdade a Manzon. Outra vez,quando faziam uma matéria sobre a vidamonástica, os monges se recusaram a serfotografados. Sem qualquer pudor, ofrancês arrumou dois conhecidos, ves-tiu-os com batas e clicou. Na semanaseguinte, lá estava a reportagem comsuas esplêndidas fotos.

Agência MagnumA fama conseguida nesses anos acom-

panhou Manzon mesmo depois de suasaída de O Cruzeiro. Depois de uma rá-pida passagem pela revista Manchete, elepassou a se dedicar mais à produção dedocumentários cinematográficos e à fo-tografia institucional e publicitária, ta-refas que realizou até o fim da vida, em1990. Mesmo quando dividiu suas aten-ções com a direção da revista Paris-Ma-tch e as colaborações para a AgênciaMagnum, entre os anos de 1968 e 72, navolta a França.

Com sua própria produtora cinemato-gráfica, filmou 845 obras, exibidas a prin-cípio nas salas de cinema, antes dos lon-gas. Costumava irritar os opositores, peloviés generoso com que tratava quem es-tava no poder, mas não era chapa-bran-ca. Apenas um idealista que primava peloesmero técnico. São dele quase todas asimagens dos anos 50 e 60 que o audiovi-sual brasileiro utiliza. De filmes como PeléEterno à minissérie JK, se vêem cenas deépoca pelos olhos de Jean Manzon, quefilmou a Vasp, a nascente indústria au-tomobilística e a Cosipa, entre tantas. Ademanda era grande e ele chegou a ternove equipes espalhadas pelo Brasil. Fil-

mando e fotografando. Especialmentedurante a Presidência de Juscelino Kubits-chek, de quem foi o fotógrafo oficial.

“Manzon tinha uma visão de um Bra-sil promissor, cheio de potencial. Dessaforma, produziu em meio século de tra-balho o maior acervo de documentação

fotográfica e cinematográfica já realiza-do por um artista na América Latina. Seutrabalho primava tanto pelo conteúdoquanto pela estética. Por isso, sua con-tribuição foi tão decisiva no fotojorna-lismo brasileiro e na fotografia e vídeoinstitucionais. Para ele, a imagem devia

ter um apelo de arte, um olhar refinadoe cercado de glamour – avalia o fotógrafoRenato Suzuki, um dos curadores da ex-posição Os Anos JK: A Era do Novo.

Em tempo: a aventura das primeirasfotografias tiradas dos índios xavantes,história que abre este texto, até hojecausa muitas dúvidas, afinal, ninguémsabe se foi realmente Jean Manzon quemas tirou. Muito por causa de outra repor-tagem publicada dez meses antes por OGlobo. A matéria anunciava que o Che-fe de Polícia do Distrito Federal, JoãoAlberto, acabara de descobrir e sobrevoara aldeia. O piloto, Antônio Basílio, erao mesmo que acompanharia os jornalis-tas na reportagem de O Cruzeiro. Logo,questionou-se a presença de Nasser noepisódio. Depois, foi a vez de perguntarse as fotos não seriam um presente à du-pla. Para dar força às dúvidas, a inexis-tência de qualquer imagem que mostreos jornalistas sequer próximos do avião.Teria Manzon, experiente que era, esque-cido de fazer tal registro? O outro pon-to a apoiar a idéia de fraude é justamentea questão da técnica e do primor, mar-cas registradas do francês. Nas fotos dosxavantes, esse tipo de esmero simples-mente não existe. A falta de qualidade,inclusive, dá a entender que se trata denegativos produzidos a partir de umafilmagem. Para aqueles tempos, isso erao que menos importava. Importante eraa descoberta. E seu registro. Como diriaMillôr Fernandes, a ética ainda era umapalavra grega.

Manzon se tornou um dos maiores fotógrafos da imprensa brasileira e se dedicoutambém à produção de documentários e à fotografia institucional e publicitária.

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uando ainda era criança em Am-paro, pequena cidade do interiorde São Paulo, Sérgio Jorge pre-senciou uma cena que o marca-ria para o resto da vida. Estavasentado na porta de casa, brin-

cando com um cachorro, quando apare-ceu aquele que foi durante muito tem-po motivo de pesadelos infantis: o ho-mem da carrocinha. Laço em riste emissão de combater a raiva pela captu-ra de animais nas ruas, ele não titubeouem capturar o bichinho. Sérgio recla-mou, discutiu com o homem, chorou.

“Só consegui salvar o cãozinho por-que meu pai, um advogado influente daregião, apareceu”, lembra.

Os anos se passaram e, em 1959 e jámorando na capital paulista, Jorge revi-veu o drama da infância, enquanto fa-zia uma pauta para a revista Manchete.Acompanhando justamente equipes dacarrocinha, ele capturou com sua câmerao exato momento em que o funcionáriolaçava o cachorro Piloto, na Ponte Nova,um bairro pobre da cidade. Atrás, o donodo animal, o garoto Fernando, choravadesesperado tentando agarrar a corda eimpedir que seu bichinho fosse levado.

Na época, a imagem gerou comoçãonacional, despertou a opinião pública nadiscussão sobre a captura indiscriminadade animais e rodou o mundo, estampa-da nas páginas de publicações como ojornal Sunday Times e as revistas Paris-Match e Life. Sérgio Jorge ganhou pres-tígio internacional e dois anos depois

Sérgio JorgeA FOTOGRAFIACONTA UMA

HISTÓRIA

recebeu por essa foto o primeiro PrêmioEsso na categoria Fotografia. Mais umaconquista de um dos principais profis-sionais do fotojornalismo brasileiro.

“O trabalho do Sérgio é importantís-simo para explicar a modernização e oaprimoramento técnico do fotojornalis-mo e da fotografia comercial no Brasil.Muitas pessoas não conhecem tão bemseu trabalho porque A Gazeta não costu-mava conservar os negativos e o espó-lio da Manchete está em disputa judici-al, mas todas as suas fotografias têm his-tórias espetaculares que explicam o ofí-cio e contam fatos que explicam a Histó-ria recente do País. Especialmente em SãoPaulo e no Brasil do final dos anos 1950e começo dos 60” afirma o também fo-tógrafo Renato Suzuki, curador da expo-sição Os Anos JK: A Era do Novo.

Sérgio Vital Tafner Jorge faz questãode enfatizar sua ligação quase umbilicalcom o jornalismo. Paulista de Amparo,ele nasceu no dia 7 de abril de 1937, jus-tamente nesse que é atualmente o Diado Jornalista. A paixão pela fotografiasurgiu ainda nos tempos de ginásio,como uma brincadeira. Aos 13 anos, olúdico ganhou novos elementos quan-do Jorge passou a fazer parte do fotoclu-be da cidade, somando aos cliques o tra-balho de revelar e produzir a fotografiae encantando-se por elementos como asala escura e a luz vermelha. Seu primeirotrabalho foi cobrir, ainda na adolescên-cia, os acontecimentos políticos e soci-ais na cidade.

Depois de fazer o Tiro de Guerra, em1955, mudou-se para São Paulo e passoua trabalhar no jornal O Dia, cobrindo asáreas de polícia e de cultura. Ganhou ex-periência e melhorou a técnica. Tambémaumentou a confiança profissional ao serescalado para cobrir o Palácio dos CamposElíseos, então sede do governo paulista.

“Naquele tempo, o jornal tinha alémde mim mais três fotógrafos. Todos maisvelhos, não gostavam de fazer experimen-tações, buscar soluções novas. Eram atébitolados demais naquele jeitão quadra-do que tinha a publicação. Procurei os edi-tores e, aos poucos fui propondo mudan-ças que aconteceram principalmente naspáginas de esportes”, conta Jorge.

Era de ouro do esporteAs mudanças não foram percebidas

apenas pelos leitores. Também impressi-onaram a concorrência, que o chamoupara trabalhar, a partir de 1956, nos jor-nais A Gazeta e A Gazeta Esportiva, depropriedade da Fundação Cásper Líbero.O fotógrafo acompanhou nessas publi-cações o início de uma era de ouro parao esporte brasileiro, com o surgimento deídolos em várias modalidades. Suas len-tes captaram as jogadas geniais de Pelé,a refinada técnica de Maria Ester Buenonas quadras e toda a emoção dos primei-ros títulos de Éder Jofre nos ringues.

Em tempos nos quais fotografar eramuito mais do que ter sensibilidade e umaboa visão, já que a tecnologia limitavademais a ação, não era raro ele furar seus

pares. No autódromo de Interlagos, ondejá aconteciam as charmosas Mil MilhasBrasileiras, isso aconteceu diversas vezes.Há flagrantes, até atropelamentos, que sóele captou. Enquanto os outros preferi-am ficar parados, de braços cruzados, Jor-ge não sossegava e estava correndo atrásda notícia, um dinamismo herdado dacobertura policial.

Para vencer as limitações tecnológicas,o fotógrafo apostava na ousadia e na cri-atividade. Escalado para cobrir a tradici-onal Corrida de São Silvestre, procurouo chefe da fotografia do jornal para pro-por que tentassem algo diferente:

“Não contávamos com os poderososflashes de hoje e a Corrida ainda começa-va por volta das 23 horas. Sem luz, as fo-tos noturnas ficavam normalmente ape-nas restritas ao primeiro plano. As tira-das nas corridas mostravam apenas al-guns atletas do pelotão de frente. Por isso,propus que tirássemos uma, na largadada prova, que mostrasse toda a massa decompetidores em profundidade.”

A São Silvestre ainda começava emfrente ao Palácio da Imprensa, no Cen-tro de São Paulo. Foi lá que a equipe deA Gazeta Esportiva instalou, em pontosestratégicos na avenida, cinco lâmpadasde magnésio, todas conectadas à câme-ra de Jorge, que, por sua vez, subiu nacobertura de um ponto de ônibus, bus-cando um ângulo mais privilegiado.Quando foi dada a largada, ele clicou.Além do espocar do flash de sua máqui-na, apenas duas das lâmpadas acende-

Q

Um momento de glória:Éder Jofre campeão.

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ram. Tudo bem: foram suficientes paracapturar a turba que começava a semovimentar, uma foto estampada comenorme destaque na capa da edição de1º de janeiro do diário esportivo.

A foto do Prêmio EssoO sucesso lhe valeu o convite de Ar-

naldo Niskier para trabalhar na sucur-sal paulista da Manchete, a princípiocomo freelancer e em fotonovelas. Jor-ge aproveitou a oportunidade e foi en-trando na publicação aos poucos. Con-vidado para as reuniões de pauta da re-vista, aproveitou o “mês do cachorrolouco”, agosto de 1959, para propor umapauta inusitada: acompanhar o trabalhoda carrocinha. Diante de uma ainda tí-mida atuação dos grupos de defesa dosanimais, capturar e sacrificar cachorrosera a principal política pública de com-bate a doenças como a raiva.

Chegou a ir duas ou três vezes para Bra-sília, quando a capital ainda estava emconstrução. Depois, quase na véspera dainauguração, voltou para lá numa cami-nhonete Rural Willys de A Gazeta, para“sentir na pele a mesma sensação das

enormes caravanas que foram de todosos cantos do País acompanhar a festa”.Em outras oportunidades, chegava a fi-car mais de um mês fora de casa. Comoalgumas pautas surgiam repentinamen-te, era impossível avisar previamente a

Depois de três dias acompanhando oserviço pelas ruas paulistanas, Jorge con-seguiu a histórica foto que lhe valeria oPrêmio Esso quase dois anos depois. Juntocom a imagem, Manchete revelava que aOrganização Mundial de Saúde desacon-selhava o sacrifício de cachorros e gatoscomo estratégias de combate às doenças.Mesmo assim, animais que fossem apri-sionados pela carrocinha naquele tempoeram alimentados por dois dias, esperan-do algum recurso legal que os salvasse, edepois eram levados para a famosa celanúmero 13, onde acabavam sacrificados.A denúncia e a discussão levantada pelacrueldade do homem nas fotos pouparama vida do cachorro Piloto. Quase um anomais tarde, ele reapareceria nas páginasda Manchete, são e salvo, ao lado do sor-ridente dono.

Sérgio Jorge encarava seu trabalhocomo uma aventura e gostava de viajar.

Sérgio Jorge aproveitou as formas exuberantes da ousada arquitetura de Brasília nestes flagrantes realizados durante a inauguração da Belacap. Abaixo, JK e sua Caravana da Integração.

Ousadia e criatividade para registrar a largada da São Silvestre numa fotografia noturna.

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família. Assim, de vez em quando, a mu-lher era chamada em casa para ir a umrádio-amador próximo. Do outro lado,entre chiados e interferências, Jorge in-formava que estava no Panamá, indopara a Ilha de Páscoa ou a caminho dosAndes, no Chile.

Era comum acertar pautas junto comum fotógrafo e enviá-las à direção daspublicações. Como quase nunca haviarecursos, eles mesmos corriam atrás decondições que as viabilizassem. Assim,no começo de 1960, mesmo sem creden-ciamento, conseguiu em São Paulo a pro-messa do Presidente da montadora Mer-cedes de que se fosse por conta própriapara Belém do Pará poderia viajar naCaravana da Integração Nacional para afutura capital federal. Jorge correu de umlado para outro até arranjar a passagemde avião. Chegou lá em cima da hora, masconseguiu viajar ao lado de três dezenasde jornalistas num caminhão pau-de-arara para conhecer os 2,2 mil quilôme-tros da nova rodovia que ligaria o Nor-te ao Distrito Federal.

Piquenique na AntárticaPouco antes, em 1959, ele já havia vi-

vido situação parecida dando uma deTrumman Capote. Como aconteceu como escritor e jornalista norte-americano,que leu uma notícia no The New YorkTimes e foi para a pequena cidade de Hol-comb para fazer sua famosa reportagemliterária A Sangue Frio, Jorge leu em O Es-tado de S.Paulo uma pequena nota infor-mando que o Brasil precisava correr, poistinha pouco tempo para tomar posse desua área e instalar uma base no Pólo Sul.

Sem dinheiro do jornal, ele e o repór-ter que o acompanharia tentaram em-barcar para a Antártica em algum na-vio da Marinha. Não conseguiram. Porsorte, tinham contatos quentes na CasaRosada, sede do Governo argentino,muito mais atento à questão. Poucos

dias depois, embarcavam no navio in-glês Liberdad e passaram 17 dias na baseargentina, a convite dos vizinhos. Jor-ge tirou fotos, foi ao local destinado aosbrasileiros e aproveitou para fazer umpiquenique no gelo, com uma garrafade cachaça, limão e duas latas de feijão.Depois que a matéria foi publicada, oBrasil rapidamente se mobilizou paramontar sua base científica no inóspitocontinente.

“O fotojornalista deve se prepararpara tudo. Cobrir coquetel e estar comartistas e políticos, comendo caviar etomando champanhe, ou realizar longascoberturas sob as mais difíceis condiçõese comer sanduíche de mortadela”, dizSérgio Jorge.

Atenção e um papel de embrulho desanduíche de mortadela são ingredien-tes que o levaram a conseguir importan-tes furos jornalísticos nos anos 60. Pri-meiro, ouviu uma conversa de que Jâ-nio Quadros, Presidente que acabara derenunciar, fora visto com amigos em umbar em São Paulo. “Conversa fiada. Deveter ido para o exterior”, desprezaram oscolegas. Jorge foi conferir e encontrou opolêmico ex-Presidente na casa de paren-tes. Foi o primeiro a fotografá-lo, aindade pijama em frente à casa onde estavahospedado.

Depois, quando soube que Assis Cha-teaubriand viera morar na Casa Amarela,também na capital paulista, depois deficar meses nos Estados Unidos, sendosubmetido a tratamentos para tentar sereabilitar de uma dupla trombose que odeixara paraplégico, fez plantão na fren-te da mansão. Depois de três dias infru-tíferos, escreveu em um papel que em-brulhava um sanduíche de mortadela:

“Como jornalista, o senhor foi umchato. Eu, como jovem jornalista, que-ro ser mais chato ainda e fotografá-lo”.

Logo os enfermeiros mandaram cha-má-lo.

DOCUMENTO RETRATOS DO NOVO BRASIL QUE PASSOU

“Doutor Assis quer vê-lo”, disseram.Jorge tirou três fotos: o dono dos

Diários Associados escrevendo em suamáquina adaptada, um close e na camacom os enfermeiros. No final, agitou-se.Achou que tinha feito algo errado, masfoi logo tranqüilizado pela enfermeiraEmília Araúna:

“Ele pediu para esperar, pois quer queo fotografe lá embaixo, vestido com suafarda”.

Foram as primeiras fotos de Chatô devolta ao País, proeza que nem os jornaisnem O Cruzeiro tinham conseguido.

Em 1967, Jorge deixou o fotojornalis-mo. Decidira se dedicar a uma nova área,ainda incipiente no Brasil: a fotografiapublicitária. Eram raros os profissionaisda área por aqui e ele buscava um novodesafio. Outra vez, inovou, mas comimagens mais elaboradas e muita estru-tura para fazer fotos industriais e relató-rios ilustrados. Só deu uma pausa nessetrabalho em 1970, quando foi convida-do por Victor Civita para coordenar a áreade fotografia da Editora Abril. Em qua-tro anos, não apenas melhorou o nível dofotojornalismo da empresa, como tam-bém foi um dos responsáveis pela criação

do Estúdio Abril, um dos mais modernose dinâmicos daqueles tempos.

Desde 1975 Jorge vem atuando emseu próprio estúdio. Enquanto posa e dádicas para a própria foto que ilustra estamatéria, diz sentir saudades do fotojor-nalismo. Não o que é praticado hoje, masaquele de sua época:

“Agora está muito mais fácil fotogra-far. As câmeras são tão sofisticadas quefazem maravilhas. Filme é coisa do pas-sado e a internet permite envio imedia-to do material. Se não ficou boa, apaga efaz outra. Muito diferente dos tempos emque você não podia errar. Íamos a um jogono Maracanã, tirávamos algumas fotosno começo do jogo, atrás dos gols, poisas objetivas não eram grande coisa, e com15 minutos do primeiro tempo saíamoscorrendo para o aeroporto. Às vezes,parávamos o avião já taxiando na pistapara embarcar para São Paulo. Chegan-do lá, a ordem era torcer na revelação paraque tudo estivesse em ordem.”

O que não falta a Sérgio Jorge sãohistórias para contar. E ele já prepara umlivro, ainda sem editora, para contá-las.Nada mais justo para imagens que con-tam a própria História do Brasil.

No autódromo de Interlagos, Sérgio Jorge não sossegava até registrar flagrantesinusitados. Também no futebol ele fez fotos inesquecíveis de ídolos como Pelé.

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VidasVidas

No dia 25 de abril, o jornalismo bra-sileiro perdeu um notável caçador deaventuras. Aos 84 anos, morreu, vítimade um câncer, o jornalista e fotógrafocarioca Mário de Moraes. Como umautêntico personagem saído de filme deação, Moraes conjugava um espíritoaventureiro com pura alma de repórter.Foi correspondente na guerra de Ango-la, entrevistou com exclusividade o as-sassino de Trotski, capturou o único clo-se de Getúlio Vargas morto, cobriu Co-pas do Mundo, arriscou a vida em diver-sas oportunidades, conseguiu furos eexperiências impressionantes viajandoBrasil afora, até em paus-de-arara, e fa-turou dois Prêmios Esso. Foi defensor dobom jornalismo, aquele que ele mesmodizia, é “feito com agilidade, mas não deforma apressada”.

Moraes era o tipo de profissional quepode ser definido como “comple-to”. Teve passagens marcantes porjornais, revistas e emissoras detelevisão, escreveu sobre todo tipode assunto, foi de repórter a editore criou importantes publicações.Mesmo com tal currículo, nuncaaceitou dar aulas em universidades.Não se considerava capaz de leci-onar. Um rigor exagerado para mui-tos, mas não para ele que, quandoera indagado sobre seu segredo pro-fissional, garantia ter nada de espe-cial, a não ser a empatia, aquela qua-lidade essencial para seduzir a fonte, e fa-cilidade para entrevistar. O que fazia a di-ferença era sua paixão pelo jornalismo. “Orepórter precisa gostar do que faz. Comono futebol, se não botar o coração, qual-quer matéria, por mais quente que seja,será uma gelada”, explicava, comparandocom o futebol, outro de seus prazeres.

Filho de Evaristo de Moraes e EmíliaPaester, Mário se formou em Direito,embora nunca tenha exercido a profissão.Preferiu o jornalismo, no qual ingressouem 1942 com apenas 17 anos, como re-pórter do jornal O Radical. Em seguida,passou pelo jornal O Mundo e pela revis-ta Fon-Fon. Lançou uma revista humorís-tica, O Coringa; como não tinha propa-ganda para sustentá-la, a publicação nãodurou mais que cinco números. Em 1950,recebeu o convite para ingressar em OCruzeiro, a maior revista da época. Comotinha o desejo de conhecer a Europa e osEstados Unidos, Moraes logo procurouJosé Amádio, então Chefe de Redação,que o aconselhou a aprender a fotogra-far. Fazendo as duas coisas, o repórterviajaria e a revista economizaria.

A fórmula foi um bom negócio, já queem 1955 Moraes faturou, ao lado de Ubi-ratan Lemos, o primeiro Prêmio Esso de

de fora. Eram 108 passageiros, entre elesmulheres com crianças e grávidas. Aopassar pelas ribanceiras, alguém gritavae todos levantavam as pernas. A comi-da se resumia a carne-seca, o jabá, leva-do em sacos, e só bebiam água quandohavia algum córrego. Os homens mata-vam os motoristas que tentavam estu-prar as mulheres. Sem maldade, Mora-es fotografou uma das mulheres. Omarido dela não viu dessa forma e ten-tou matá-lo pelas costas com uma faca.O repórter foi salvo por um dos capan-gas. Saiu vivo, mas não ileso da emprei-tada. Contraiu tifo e, ao chegar à capi-tal, ficou três meses internado, desenga-nado pelos médicos.

Com o assassino de TrotskiApesar de premiada, para Moraes não

era a mais importante. Preferia falar dascompetições que cobriu, todas as Copasdo Mundo entre 50 e 66, da Olimpíadade Tóquio, em 1964, e de entrevistas.Como a que fez com Jacques Monard,assassino de Trotski. “Fui ao México,onde ele estava preso, cobrir os JogosPan-Americanos e, numa série de malan-dragens, entrei no presídio”, lembrou aoJornal da ABI. Moraes foi apresentado aMonard sem revelar ser jornalista, poiso assassino era violentíssimo com a im-prensa. Na conversa, ganhou a simpa-tia de Monard, que se disse desiludidocom o comunismo. Só não admitiu tra-balhar para Stálin. A necessidade de ti-rar uma foto, no entanto, obrigou o re-pórter a se revelar. “Ele ficou bravo, masacabou topando.”

Outra entrevista marcante foi com olíder comunista Luís Carlos Prestes. Naépoca, ele estava desaparecido em virtu-de da perseguição da Polícia e alguns até

o davam como morto. Quando a filha dePrestes, Anita Leocádia, veio de Moscoupara o Brasil, Moraes não se contentoucom a versão oficial de que fazia turis-mo. Insistindo, conseguiu uma exclusi-va. “Vendaram meus olhos e me botaramno banco traseiro do carro. Mas conse-gui olhar e reconheci as palmeiras doJardim Botânico. Comecei a contá-las”,revelou o repórter.

Ao chegarem numa casa, a ordem erapara esperar e só fotografar Prestes quan-do fosse autorizado. Mas Moraes ficoumais distante e, sem que percebessem,registrou toda a emoção do encontroentre a filha e o pai. “Eles disseram queeu os enganei. Expliquei minha situaçãoe avisei que na manhã seguinte retorna-ria à casa. Duvidaram, mas peguei o carrode O Cruzeiro, orientei o motorista echegamos lá.”

Correr riscos parecia algo natural paraele. Quando viajou até Angola, paracobrir a guerra no país, não pôde ir alémda capital Luanda. Ao saber que aviõesestavam chegando trazendo feridos, foiao aeroporto com a desculpa de fotogra-fá-los. Lá, fez amizade com um pilotoque tomava cerveja no bar. A porta doavião estava aberta, mas ele não concor-dou em retornar com um clandestino. “Ese eu entrar?”, perguntou o repórter.“Fica por sua conta e risco”, respondeuo piloto. Moraes entrou e cobriu a guerrana linha de frente, vendo gente morrere quase morrendo também.

Ao longo da década de 1950, Moraestrabalhou na TV Tupi e depois, em 1964,a convite de Mauro Sales, Diretor doDepartamento de Jornalismo da RedeGlobo, tornou-se Chefe de Reportagemda emissora, sendo um dos responsáveispela criação de seu primeiro telejornal,o TeleGlobo. Dois anos depois, voltariapara O Cruzeiro, como Diretor de Reda-ção. Na televisão, ainda passaria peloSBT e pela Bandeirantes, além de escre-ver para O Dia e para o Jornal dos Sports.No rádio, trabalhou na Nacional e naTupi. Também publicou livros e asses-sorou grandes empresas. Em 1986, ga-nharia pela segunda vez o Esso de Jorna-lismo, desta vez na categoria de MelhorContribuição à Imprensa. Recebeu oprêmio junto com Alfredo Belmont Pes-soa, pela criação da Revista da Comuni-cação, veículo dirigido a estudantes eprofessores de Jornalismo que alcançoutiragem de 65 mil exemplares. A revistasó fechou as portas em 2001, quando aCoca-Cola retirou seu patrocínio, “umaverdadeira estupidez”, segundo Moraes.

De fato, a publicação era consideradapor muitos como uma importante con-quista para a valorização e discussão dojornalismo brasileiro. Um de seus assun-tos preferidos era debater a reportagem,especialidade de Moraes. Aliás, ele nãocostumava perder a chance de fazer umasequer. E, diferente de hoje, gostava depesquisar. Ficar isolado na frente de umcomputador? Nem pensar! Sua matéria-prima era relacionamentos. “Sou pé-de-boi mesmo. Conheço uma boa pauta pelotato, pelo cheiro e pelo olhar. Se não ima-ginar o que a história pode render, nun-ca poderá fazer bom jornalismo.” Nem vi-ver tantas aventuras.

Adeus, caçador de aventurasO jornalismo perdeu Mário de Moraes, repórter que marcou época em revistas como O Cruzeiro e eramestre em conseguir exclusivas, como a entrevista que fez com Jacques Monard, o assassino de Trotski, eas imagens do emocionante encontro entre o líder comunista Luís Carlos Prestes e a filha Anita Leocádia.

POR MARCOS STEFANO

Jornalismo, com a matéria Os paus-de-arara – uma tragédia brasileira, justamen-te por conta de uma viagem. Tudo come-çou quando faziam reportagem sobre osnordestinos que vinham para o Rio traba-lhar na construção. Um dos trabalhado-res alertou Moraes de que as fotos nãomostrariam nem de perto a dificuldade deviajar num velho caminhão pau-de-arara.Imediatamente, propuseram nova pauta:fariam uma viagem do tipo, disfarçados.

“Embarcamos em cima da carga deum caminhão, numa viagem de 11 diasrumo a Campina Grande, PB. Presenci-amos todo tipo de desastre e tragédia,mas ainda não era o pau-de-arara”, con-tou Moraes em entrevista ao Jornal daABI, em 2005. Lá, Ubiratan encontrouum amigo, locutor de rádio, e caiu na bes-teira de dizer o que planejavam. O locu-tor anunciou para todos que “os jorna-listas acabariam com os escândalos dospaus-de-arara e com a exploração dosnordestinos”. Para não serem mortos,eles fugiram de madrugada com um cai-xeiro-viajante para Salgueiro (PE), ondefinalmente encontraram o caminhão quetanto buscavam.

No veículo, as pessoas sentavam emtábuas, algumas com as pernas do lado

Mário de Moraesem Veneza e a

revista O Cruzeirocom a matéria

que lhe rendeu oPrêmio Esso.

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IVO FAM

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