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2015.1 Bruna Castelo Branco/Labfoto Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA 1 Projeto VOJO: internet sem internet? Páginas 04 e 05 Revendedoras de cosméticos sofrem com falta de regulamentação da atividade Página 06 Indígenas nômades têm reserva em Lauro de Freitas Página 15 Colonia de Pescadores de Buraquinho luta por sobrevivência Páginas 08 e 09 Páginas 10 e 11

Jornal da Facom - 1a. edição 2015.1

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Jornal Laboratório da Facom/UFBA

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Page 1: Jornal da Facom - 1a. edição 2015.1

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Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA

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Projeto VOJO: internet

sem internet?

Páginas 04 e 05Revendedoras de cosméticos

sofrem com falta de

regulamentação da atividade

Página 06

Indígenas nômades têm

reserva em Lauro de Freitas

Página 15

Colonia de Pescadores de Buraquinho luta por sobrevivência

Páginas 08 e 09

Páginas 10 e 11

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Na primeira edição do Jornal da Facom da turma de 2015.1, nossa equipe traz uma série de reportagens de temas sócio-culturais variados. Como manter a tradição da pesca artesanal em meio às crescentes adversidades ambientais? Na nossa matéria de capa, abordamos os desafios da colônia de pescadores

da praia de Buraquinho, em Lauro de Freitas. Você sabia que existe um Jardim Botânico em Salvador? Desco-nhecido por grande parte da população, o espaço localizado no bairro de São Marcos entra em pauta ilustran-do uma possibilidade de lazer e educação ambiental na cidade. Como vivem as revendedoras de cosméticos, profissionais carentes de direitos trabalhistas como FGTS e décimo terceiro salário? Numa época em que os direitos dos trabalhadores são tão discutidos, investigamos a precariedade das condições destas mulheres. Trazemos também um perfil sobre dona Ilka, a maior referência da Apae de Salvador, à frente da instituição há quase 40 anos, e uma entrevista com a professora Maria Auxiliadora Minahim, da Faculdade de Direito da UFBA, a respeito da polêmica proposta de redução da maioridade penal (PEC 171/93), em atual tramitação na Câmara. Boa leitura!

João Bertonie e Tarsila Carvalho , Comitê Editorial JF

Produção da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso Primeira edição, semestre 2015-1

Reitor: João Carlos Salles

Diretora da Facom: Suzana Barbosa

Coordenação Editorial: Graciela Natansohn-DRT/BA 2702

Editores chefes: Thalita Lima Javier Vázquez Basilio

Comitê Editorial: João Bertonie Tarsila Carvalho

Edição de fotografia: Carla Ribeiro e Mallu Silva

Maio 2015

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da BahiaRua Barão de Geremoabo s/n, Campus de OndinaCEP 40.170-115 Salvador – Bahia - Brasil

Repórteres (turma 2015.1)Jasmin Chalegre, Carla Ribeiro, Milena Hidete, Jade Giallorenzo, Michelle Oliveira, Jessica Carvalho, Sérgio Loureiro, Pollyanna Pinheiro, Tarsila Carvalho, João Bertonie, Janaina Vidal, Tatyane Ferreira e Mallu Silva

Fotógrafos: Matheus Buranelli, Bruna Castelo Branco, Brisa Andrade, Carolina Pereira, Mallu Silva, Luca Castro e Natácia Guimarães

Projeto Gráfico: Amanda Lauton Carilho/EDUFBA

Diagramação: Carla Risso, - MTb 19.260

Distribuição gratuita

Brun

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Teatro

A 4ª edição do Festival de Teatro Gente (FESTG) traz para 12 escolas públicas de Cajazeiras, praças, ONGs, ruas, ônibus e espaços alternativos do bairro mais de 60 apresentações culturais gratuitas, até 23 de maio. O evento contará com a participação de diversas companhias e artistas do teatro baiano, como a Cia. Solidário de Brotas, e os artistas Leno Sacramento, Fernando Lopes e Tai Lopes, além da Cia. Aglomerados, do Rio de Janeiro. A programação completa do FESTG está disponível no site da Cia. de Teatro Gente.

Manuel Castells

Um dos pensadores mais influentes da atualidade, o doutor em sociologia Manuel Castells abriu a temporada 2015 do projeto Fronteiras Braskem do Pensamento, no dia 12 de maio no Teatro Castro Alves. A conferência teve como tema os Movimentos sociais em rede e processo político na era da Internet. Castells citou os recentes movimentos sociais ocorridos no Brasil e a mobilização nas redes sociais. Com pesquisas nas áreas de economia, cultura, comunicação e sociedade, o professor espanhol estuda a dinâmica social e econômica na era da informação.

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA CIDADE | PÁGINA 3

Jardim Botânico de Salvador preza por educação ambiental

Espaço Etnobotânico preserva espécies ligadas à cultura afro-brasileira

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Espaço agradável para caminhadas ainda é desconhecido por grande parte da população

91,5% dos entrevistados

nunca visitaram o Jardim Botânico

Michelle Oliveira

Não fosse pelos aviões que passam de vez em quando, não lembraríamos que estamos em área urbana. À medida que adentramos

a mata, o barulho das pessoas e das buzinas dos carros vão sumindo. No silêncio que não estamos acostumados, é possível ouvir pássaros e outros animais, como os micos que nos olham, intrigados.

O único Jardim Botânico do estado da Bahia se localiza em Salvador. Os 17 hectares de mata preservada, cerca de 15 campos de futebol, se encontram entre a Avenida Gal Costa e o bairro de São Marcos. O espaço foi projetado em 2002 visando a preservação da Mata dos Oitis, fragmento da Mata Atlântica que rece-be esse nome devido à predominância do oiti--da-bahia (licania salzmannii), árvore frutífera de grande porte.

O Jardim Botânico de Salvador abriga cerca de 60 mil espécies de plantas de diversas partes do Brasil e do mundo, além de ser abrigo de ani-mais. Suas ações visam a pesquisa científica, a conservação e a educação ambiental. O espaço é administrado pela Secretaria Cidade Sustentável (SECIS) do município.

No local, encontram-se um herbário, utiliza-do para catalogação de plantas em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espaço Etnobotânico, que abriga es-pécies ligadas à cultura afro-brasileira, e o Orqui-dário, que preserva orquídeas raras. Os visitantes podem tocar plantas com diferentes texturas no Jardim dos Sentidos e caminhar nas trilhas entre as árvores.

Falta visitação

A maior parte das visitas do Jardim Bo-tânico de Salvador são escolares, cerca de 100 alunos por mês. Entretanto, qualquer pessoa pode visitar o Jardim de segunda à

sexta-feira, pela manhã ou tarde. Também é pos-sível agendar visitas em grupos nas quais o público tem acesso a palestras e vídeos informativos sobre o espaço.

O Jardim Botânico de Salvador funciona de ma-neira diferente dos parques da cidade. Enquanto esses têm foco em lazer, o Jardim preza por edu-cação ambiental e pesquisa. Apesar disso, Márcio Pinheiro, chefe do setor de educação ambiental do Jardim, diz que o espaço é aberto à população e muitos moradores do bairro o visitam para ter con-tato com a natureza.

Embora exista há 13 anos, muitas pessoas não conhecem o Jardim Botânico. Segundo pesquisa re-alizada na internet para esta matéria, 52% dos en-trevistados não conhecem o espaço e 91,5% nunca o visitaram. Os maiores inconvenientes citados são a falta de divulgação, o horário que se restringe aos dias úteis, quando muitos trabalham e estudam, e a falta de atualização do site.

Vitor Torres, 28, professor e morador da Pitu-ba, se surpreendeu com a possível existência de um Jardim Botânico na cidade. “Moro há quase cinco anos em Salvador e nunca tive conhecimento dele”, comentou. Ana Costa, 40, professora, soteropoli-tana e moradora de Nazaré, também não. Sandra Cristina da Silva, 44, auxiliar administrativa e mo-radora do bairro de Pau da Lima, próximo ao Jar-dim, nunca o visitou.

Um projeto de reforma do Jardim Botânico, or-çado em R$ 7 milhões, foi aprovado pela prefeitura e está sendo finalizado. “Planejamos refazer o her-bário, o centro de visitantes e todo o espaço físico, incluindo algumas galerias de arte pela mata”, afirma André Fraga, Secretário da SECIS. O proje-to prevê ainda construção de biblioteca e museu. O estudo do solo já foi feito, mas as obras ainda não têm data definida para terminar.

Dificuldades

A falta de reconhecimento não é o único pro-blema do Jardim Botânico de Salvador. A ausência de vigilância municipal permite a ação de vândalos que destroem placas informativas e outros obje-tos. “Essa escultura do Bel Borba foi derrubada por vândalos”, afirma Márcio, apontando uma das duas obras que se encontram numa das trilhas do Jardim.

O quadro de funcionários conta com 19 pessoas, entre técnicos e pessoal de campo, que cuidam das pesquisas e jardinagem. Muitos deles estão perto de se aposentar. A redução constante de pessoas resultou na suspensão do projeto “Jardim Botânico vai à escola”, programa que levava profissionais do Jardim às instituições de ensino.

Também há problemas com lixos deposita-dos nos arredores do Jardim Botânico que podem causar incêndios no verão, além de poluir área que preserva espécies da mata nativa do local, herança da época colonial.

Apesar das dificuldades, Pinheiro afirma que vem sendo feitas, nas comunidades próximas, ações de conscientização e divulgação. A intenção é que a reforma que está sendo planejada torne o Jardim Botânico de Salvador um espaço ainda mais importante para a cidade, preparado para acolher melhor seus visitantes.

Visitas livres: segunda a sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30. Visitas em grupos: terça a sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30. Para agendar: tel. (71) 3393-1266 ou email [email protected]. gov.br. Entrada franca.

Page 4: Jornal da Facom - 1a. edição 2015.1

PÁGINA 4 | COMPORTAMENTO JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

(ln)Formal: o trabalho de um exército de mulheres Venda de cosméticos de porta em porta é fonte de renda de 2,8 milhões de revendedoras que não têm vínculos trabalhistas reconhecidos

Jessica Carvalho

A venda de cosméticos na modalidade “por-ta em porta” pode exercer fascínio em mulheres que desejam ganhos e horários

flexíveis associados ao universo da beleza. No entanto, a atividade tem pouco glamour. Para a legislação, os mais de 4 milhões e meio de re-vendedores atuantes no país, segundo dados da Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABEVD), são considerados comerciantes ambulantes e não têm direitos trabalhistas garantidos, como FGTS e décimo terceiro salário.

Marília Carneiro é formada em Administração e aos 12 anos iniciou o primeiro trabalho que, aos 30, ainda é sua principal fonte de renda. Ela reven-de produtos de conhecidas empresas de cosmé-ticos, como Natura e Avon, tirando da atividade seu sustento. Mesmo após 18 anos de dedicação, nenhuma garantia legal lhe seria assegurada caso decidisse abandonar a atividade. “Eu não tenho dinheiro, tenho que respeitar as regras de quem tem. Ou, então, procurar outra fonte de renda”, justifica Marília.

A venda de porta em porta, hoje também co-nhecida como venda direta, não é uma atividade nova. O mercado, que no início era predominado por homens, muitos deles vendedores de enciclopédias, hoje se destaca pela presença feminina no segmen-to de cosméticos. Segundo a ABEVD, as empresas de cosméticos representam 80% de todo o cenário das vendas diretas no país. As mulheres são maio-ria, representando 95% de um mercado que, só em 2013, movimentou mais de 41 bilhões de reais.

A extensão do mercado é proporcional ao contingente de trabalhadoras que movimentam o segmento. As empresas Avon, Mary Kay e Natura são as que mais geram receita e juntas possuem 2,8 milhões de revendedores que atuam na condi-ção de autônomos. A socióloga e autora da tese de doutorado que originou o livro “Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cos-méticos”, Ludmila Abílio, fala em um exército de consultoras que age em um trabalho sem formas com condições precárias. A autora acredita que a atividade está associada às características préca-rias do trabalho feminino, evidentes em ocupações de menor qualificação e remuneração, compara-das às desempenhadas por homens.

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA COMPORTAMENTO | PÁGINA 5

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otoInformalidade ou Empreendedorismo

Para lldelãndia Silva, 38, a venda de cosméticos é a principal fonte de renda. A revendedora come-çou a atividade há dois anos, quando abandonou o emprego de carteira assinada em busca de maior independência no trabalho. “Eu gosto de vigor. Não gosto de ser mandada”, alega. Ao invés da rotina de passar de “porta em porta”, a ambulante trabalha em um ponto fixo na rua e passa nove horas ven-dendo os produtos que estoca.

O que as empresas de cosméticos afirmam ser uma forma positiva de empreendedorismo, Ludmi-la Abílio acredita se relacionar com a informalida-de e o crescimento do número de proprietários de pequenos negócios com baixa produtividade. Para ela, estes não geram lucro, apenas garantem a so-brevivência diante da impossibilidade de financiar uma formalização. lldelãndia revela que a forma-lidade é seu maior desejo. “Meu sonho é montar uma lojinha. Não pretendo fazer uma carreira como revendedora”, afirma.

O advogado Leonardo Farias, especialista em direito trabalhista e atuante em causas que reco-nhecem o vínculo de emprego de representantes autônomos, explica que “quando nos referimos às revendedoras, àquelas que atuam com a revista da empresa de cosméticos, falamos de relação de auto-nomia. Elas têm como remuneração pelo trabalho somente o lucro decorrente da venda dos produtos”.

O advogado acredita que é algo compreensível, tendo em vista os custos de produção e transporte das encomendas para as empresas. Contudo, a so-cióloga Ludmila Abílio discorda. Para ela, além de uma jornada sem contornos definidos e de, muitas vezes, baixa lucratividade, as revendedoras arcam com riscos ao estocar produtos sem garantia de venda e inadiplência dos consumidores.

Vínculo

A ausência de vínculo livra as empresas de en-cargos trabalhistas, mas não se constitui uma prá-tica ilegal, já que é expressamente prevista em lei. Muitas consultoras, no entanto, recorrem à justiça após trabalharem por anos na empresa e serem dispensadas sem nenhuma garantia. “Existem ca-sos, inclusive, que tendo sido reconhecido na Justi-ça o vínculo de emprego, a empresa que ‘mascarou’ esse vínculo é condenada a ressarcir todos as taxas e outras despesas que a trabalhadora teve”, expli-ca Farias.

A maior parte das reclamações trabalhistas vem das chamadas consultoras executivas. Elas coordenam o trabalho de grupos de revendedoras, ganhando comissões sobre a venda delas. A remu-neração é proporcional ao desempenho da traba-lhadora, mas não há carteira assinada, assim como as revendedoras “de porta em porta”.

Ticiane Braga, 24, tem a carreira de revende-dora executiva como a principal meta. Desde que começou a revender cosméticos da Mary Kay, uma

das mais expressivas empresas do mercado de venda direta, sua preten-são era se tornar uma Diretora. “Atu-almente sou Futura Diretora. Tenho metas, faço meus horários e tenho de uma a duas reuniões por mês”, afirma Ticiane. O cargo de Diretora é o posto máximo que uma revendedora pode alcançar na carreira da empresa e pode vir acompanhado de prêmios e viagens, mas também é uma das princi-pais fontes de reclamações trabalhistas.

O posto pretendido por Ticiane é o mesmo ocupado por Clarissa Cruz, de 34 anos. A diretora está entre as 800 revendedoras do Brasil que já ga-nharam carros cor de rosa, o prêmio mais cobiçado entre as revendedoras da Mary Kay. Clarissa, no entanto, desconhece o tipo de vínculo que possui com a empresa. “Presto consultoria. Devo ter al-gum vínculo”, acredita. Para ela, a falta de direitos

Eu não tenho dinheiro, tenho que

respeitar as regras de quem tem

Marília Carneiro

trabalhistas não é algo que incomo-da. “Consigo dobrar meu salário ape-nas com os meus esforços. Onde mais conseguiria isso?”.

Não há, porém, um consenso nas decisões judiciais. Farias lembra um caso que sua cliente teve sentença

favorável ao pedido de reconhecimento de víncu-lo pela juíza, mas, no Tribunal, a sentença foi re-formada. “Ainda estamos recorrendo ao Tribunal Superior do Trabalho para tentar ter o reconhe-cimento de vínculo reestabelecido”. O advogado afirma que há discordância sobre o tema, o que traz insegurança para as trabalhadoras. “Nesta situa-ção, vivemos uma completa insegurança jurídica e o sistema judiciário passa a ser visto como ‘loteria’ pelo cidadão”, lamenta.

Page 6: Jornal da Facom - 1a. edição 2015.1

PÁGINA 6 | CIDADE JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Uma reserva indígena no século XXI

Há 20 anos os índios da aldeia Thá Fene lutam diariamente para cultivar suas tradições

Milena Hildete

Situada no bairro de Quingoma, em Lauro de Freitas, a reserva indígena Thá Fene (que significa “semente viva”), enfrenta dificul-

dades para sobreviver mantendo seus costumes, tradições e crenças. Os índios da tribo Kariri-Xocó e Funil-ô são oriundos de Alagoas e Pernambuco, mas há cerca de 20 anos chegaram à Bahia em busca de melhor qualidade de vida.

O espaço da reserva foi doado pela artista plás-tica e ambientalista Débora Fontes, em 1995, quan-do Wakay Cícero Pontes, líder da reser-va Thá Fene, chegou a Lauro de Freitas. A área possui cerca de 28 mil m2 e abriga de quatro a dez famílias. “A população é irregular, mudamos periodicamen-te de aldeia, conforme as estações do ano”, comenta Wakay.

Entrar na reserva provoca a sensação de ser deslocado do ambiente urbano. Ao longo do ter-reno há uma maloca (casa) e três espaços consi-derados sagrados: o núcleo das crianças, espaço onde ocorre as festividades e rituais; o núcleo dos sonhos, espaço reservado aos jovens; e o núcleo dos anciões, espaço onde os mais velhos se reú-nem para contar histórias indígenas. Além disso, há uma ampla área verde, com resquícios da Mata Atlântica. “Somos filhos da natureza, todos filhos da terra, por isso preservamos esta área, para que tenhamos uma constante relação com a natureza”, revela Wakay.

A reserva Thá Fene é uma fusão dos índios da tribo Kariri Xocó (Alagoas) e Fulni-ô (Pernambuco). Os índios da tribo Fulni-ô são os únicos da região Nordeste que ainda mantêm viva e ativa sua pró-pria língua, o la- tê. Além disso, na aldeia Thá Fene

os remédios para tratamento e cura de doenças são também elaborados na reserva. Eles utilizam plan-tas e ervas medicinais, como o velandinho, que é usado para febre, dor de cabeça e cólica.

Sobrevivência

“A sobrevivência é feita da nossa cultura”, diz Pathaká Tanoné, artesão e membro da aldeia. Para preservar uma vida em consonância com suas tra-dições, os índios da Thá Fene produzem artesana-to e oferecem oficinas e palestras indígenas para escolas municipais das regiões, em parceria com

a prefeitura, através do projeto Mais Cultura. “A ideia é que os índios se sintam representados por eles mes-mos. Essas oficinas buscam resgatar essas tradições”, conta Tassio Reve-lat, historiador e coordenador de Ações Transversais do município. Es-

sas atividades escolares materializam a aplicação da lei Nº 11.645 de 2008, que determina o estudo de tradições africanas e costumes e hábitos indígenas em escolas.

Entre os desafios enfrentados pela reserva Thá Fene está a educação, pois a cidade de Lauro de Freitas ainda não possui uma escola indígena, ou seja, uma instituição diferenciada, multilíngue e direcionada à comunidade indígena, como prevê a legislação nacional brasileira que fundamenta a Educação Escolar Indígena, acordada pela Consti-tuição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (LDB). “Ainda falta mui-to para chegarmos a uma situação favorável para a comunidade indígena na cidade. É por esta razão que estamos ministrando cursos para capacitar os professores da região”, diz Revelat.

Somos filhos

da natureza, todos filho da terra

Wakay Cícero Pontes, líder da reserva

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA CIDADE | PÁGINA 7

Aqui poderia ter pessoasColetivos de Salvador acreditam que a ocupação é a melhor alternativa para repensar a cidade

Janaína Vidal

O conceito de lugar define este termo como um espaço onde as pessoas transitam e a vida se realiza. Pelo sentido contrário, um

espaço onde a vida não acontece e não há gente se encontrando, é considerado um lugar invisível. A cidade de Salvador possui vários lugares invisí-veis, especialmente pela falta de uso, e as pessoas se afastam constantemente desses locais pela at-mosfera de insegurança que o abandono provoca.

Lixos e entulhos pelas ruas por onde passa-mos cotidianamente são exemplos de descaso com o espaço compartilhado. Este é o caso da pracinha do Pôr do Sol, no Rio Vermelho, ao lado da Paróquia de Sant’Anna. Ela vem se tornando estacionamento aos fins de semana e depósito de lixo em dias de festa.

Com o intuito de modificar esse cenário, alguns grupos atuam de forma espontânea em Salvador, com ações que pretendem ocupar e dar vida aos espaços públicos. Nas margens do rio Lucaia, na rua do Canal, localizado no bairro do Rio Vermelho, um grupo de jovens desperta a curiosidade dos tran-seuntes ao movimentar a cena com música, teatro e diversão. A iniciativa consiste em reunir pessoas para tocar violão, cantar e fazer piquenique à beira de um rio poluído que exala cheiro desagradável.

A ação, batizada como “Aqui poderia ser um rio”, mostra que esse lugar tem potencial para convi-vência, mesmo com o inconveniente do canal poluído. O professor de teatro, doutorando em artes cênicas e precursor da ação, Marcelo Sousa Brito, acredita

que a partir do momento em que as pessoas que vivem a cidade ocupam esses lugares, eles terão mais chances de serem requalificados. “A maioria ig-nora esse local, mas aqui tem sombra e é um ótimo lugar para ler um livro. Quando um lugar invisível começa a ser ocupado, mostra-se que tem gen-te que reivindica a utilização daquele espaço, e não o torna vulnerável para aqueles que querem depredar”, afirma.

A intervenção viária faz parte da sua pesquisa de mestrado, que aborda a produção teatral da cidade, e também atua em lugares invisíveis com potencial para se transformar em espaços de convivência da população. Outros locais que já passaram pela inter-venção são o Largo do Campo Grande, Mirante dos Aflitos e os bairros do São Caetano, Cajazeiras X, lta-puã e São Cristóvão.

Ocupar e urbanizar

No mesmo sonho de melhorar espaços públicos esquecidos de Salvador, o projeto Curiar - Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, busca através de ações e mutirões ampliar a participação dos cidadãos na revitalização desses espaços.

‘Curiar’ é um termo tipicamente baiano e sig-nifica ‘estar curioso’. Este coletivo é formado por estudantes que buscam compartilhar os conheci-mentos de arquitetura para fora dos muros da uni-versidade, em locais pouco assistidos pelos órgãos responsáveis por infraestrutura.

Para Caroline Liu, integrante do coletivo, “é

necessário que se criem ou revitali-zem espaços que sejam enxergados como potencial para permanência e ofereçam melhor qualidade de vida”. Atualmente, o movimento está pre-sente nas comunidades de Binócu-lo, no bairro da Federação, e Gantois, onde realizam trabalhos participativos e oficinas sobre conforto ambiental, es-trutura, saneamento básico e hidráuli-ca, em conjunto com os moradores das

comunidades. Também atuam em outros pontos da cidade que necessitam de reparação, em parceria com o grupo Canteiros Coletivos - entidade sem fins lucrativos ou apoio governamental que cuida de pe-quenos espaços abandonados da cidade.

Inicialmente com debates nas redes sociais so-bre a cidade, o movimento “Canteiros Coletivos” aposta na iniciativa de recuperar canteiros abandona-dos. A primeira semente foi plantada no canteiro do Vale do Canela em fevereiro de 2012, e hoje o projeto segue com a proposta de revitalizar canteiros em ou-tros três lugares: Gantois, Solar Boa Vista e a Praça do Pôr do sol, no Rio Vermelho.

Apesar de usar ferramentas de intervenção di-ferentes, o que estes coletivos têm em comum é a crença de que a interferência no espaço público é uma forma de provocar uma cidadania mais ati-va, fazendo com que todos se compreendam como atores essenciais no cuidado das áreas comuns da cidade e sejamos também responsáveis pela “cara” do lugar em que vivemos.

Nas margens do rio Lucaia, artistas questionam sobre o descaso com espaços públicos

Quando um

lugar invisível começa a ser

ocupado, deixa de ser vulnerável para aqueles que querem

depredar

Marcelo Sousa Brito, professor de teatro

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Page 8: Jornal da Facom - 1a. edição 2015.1

PÁGINA 8 | TECNOLOGIA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Tecnologia Gadget:Brinquedo de criança? Estudos apontam o uso crescente das novas tecnologias ainda na primeira infânciaJasmin Chalegre

A facilidade do acesso às tecnologias digitais parece não ter limite de idade. Segundo o Co-mitê Gestor da Internet no Brasil(CGl.br), entre

2012 e 2013, 79% dos usuários dos sites de redes sociais eram crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos. Um es-tudo realizado pela AVG Tecnologies, com 6 mil famí-lias de cinco países, indica que 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade já utilizam jogos de computador, 47% sabem como usar um smartphone, porém somente 14% são capazes de amarrar os sapatos sozinha.

O levantamento também apontou que, dentre as crianças entre 6 e 9 anos que participaram no es-tudo, no Brasil, 97% usam a internet e 54% têm perfil no Facebook. Marcella Batista, psicóloga especiali-zada em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), explica que o perigo do contato com os mecanismos está na comodidade que a tecnologia oferece para os pais e para a criança, pois os gadgets são de uso indi-vidual e dispensam a interatividade presencial.

A ideia não é coibir a exposição das crianças aos aparelhos tecnológicos, mas estimular de forma positiva, delimitando os horários e os aplicativos compatíveis com a idade. “Em crianças com TEA não verbal, o uso da tecnologia ajuda na interven-ção educativa por meio de figuras e estímulos so-noros. Os dispositivos trabalham a coordenação motora, a cognição social, percepção, raciocínio e funções cognitivas. A utilização deve ser direciona-da para o aprendizado da criança e não apenas para o lazer alienado”, concluiu Marcella.

O professor André Lemos, pesquisador em ci-bercultura na Universidade Federal da Bahia (Ufba) acredita que o uso supervisionado pelos adultos es-timula a criança a buscar conhecimento, visto que a internet permite acesso a diversos conteúdos.

Rossana de Lima, professora de português e mãe de Luiza, 2 anos, ensina em uma escola onde os alunos recebem aulas de linguagens com auxílio de iPad’s e outros mecanismos tecnológicos e afirma que o emprego da tecnologia tornam as atividades escolares cada vez mais dinâmicas.

A filha de Rossana começou a utilizar o iPad por volta dos sete meses, assistindo vídeos infantis. “Agora, com dois anos, ela já clica no ícone dos seus vídeos preferidos para cantar e dançar e também faz uso do quebra-cabeça e jogo da memória”, ex-plica a mãe, que acredita que a tecnologia influen-cia no desenvolvimento da concentração e estimula a realização de atividades de racioclnio cognitivo. A mãe também atribuiu o rápido aprendizado oral de Luiza, que hoje já consegue formular frases comple-tas, à exposição precoce aos aplicativos.

Por outro lado, Ressana também crê que o abuso das novas tecnologias pode comprometer a saúde psicológica e física, causando isolamento so-cial. Assim, estimula o interesse da filha por outras brincadeiras que não envolvam computadores, pois acredita ser fundamental para o desenvolvimento da pequena a convivência com outras crianças.

O uso da tecnologia, quando supervisionado por adultos, pode estimular na busca por conhecimento

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA UFBA | PÁGINA 9

Visto para estrangeiros estudarem a língua portuguesaUFBA é a única universidade pública do país a oferecer curso que permite visto de estudanteCarla Ribeiro

A UFBA é a única universidade pública do Brasil que concede documentos para que o estudante solicite visto de permanên-cia no país apenas para estudar a língua

portuguesa. Medida pouco divulgada, a Universi-dade Federal da Bahia oferece ao estrangeiro que deseje morar no Brasil uma oportunidade ímpar de se inserir na cultura brasileira e aprender o idioma.

Sem a necessidade de estar matriculado num curso de graduação, o estudante estrangeiro pode fazer parte do corpo discente da UFBA graças ao curso de Extensão em Língua Portuguesa que é oferecido pela universidade.

Segundo a professora Denise Scheyerl, coor-denadora do curso para estrangeiros, o perfil dos estudantes varia muito entre professores, em-presários e visitantes que, por diferentes motivos, desejam ter uma estadia prolongada no país, pois o visto de turista autoriza o indivíduo a permane-cer apenas três meses. “Na verdade, o nosso curso

Para Lorenzo, no entanto, o processo de solici-tação do visto foi muito tranquilo apesar da falta de informações no site da universidade. “Foi fácil jun-tar os papéis, mas tudo parece bem informal. Você vai até o escritório [do Programa de Pesquisa, En-sino e Extensão de Português], paga em dinheiro a taxa referente a três semestres e recebe os formu-lários para preencher”, explicou. É necessário que o estudante pague três semestres de curso - que tem uma duração de 60 horas por semestre - no ato da solicitação de matricula, mesmo que pretenda ficar no país por um ano. Isso, porque para tramitar vis-to de um ano, é necessário justificar um curso de, no mínimo, 180 horas.

Uma das maiores dificuldades do processo é que quase tudo deve ser feito presencialmente e apenas documentos originais podem ser levados para análise no consulado do país estrangeiro no Brasil. Isto impede tramitar o visto aos estrangei-ros nos seus locais de origem. A maioria dos estu-dantes vem para o país com visto de turista e só o transforma uma vez matriculado na UFBA.

Para os estrangeiros com visto de turista que já estão no país, a tramitação é muito mais simples e deve ser feita pessoalmente no escritório do Pro-grama de Pesquisa, Ensino e Extensão de Portu-guês que fica no PAF III da UFBA, em Ondina. Após efetuar o pagamento dos semestres, o estudante recebe um formulário que deve ser preenchido e levado ao seu consulado no Brasil para solicitar transformação de visto.

No caso de pessoas que ainda estejam em seu país de origem, a tramitação pode ser feita por algum parente ou amigo que esteja em solo brasileiro, já que o processo só pode ser iniciado pessoalmente median-te pagamento do curso no escritório em Ondina.

As aulas acontecem três vezes por semana no PAF III da UFBA e o curso tem duração total de seis semestres, a um custo de R$ 450 reais por semes-tre. Com foco na compreensão e na produção oral e escrita, as aulas capacitam o estudante para o teste de proficiência em língua portuguesa, o Celpe-Bras, que é requerido por empresas e uni-versidades brasileiras no momento da admissão do trabalhador ou estudante estrangeiro.

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isso

pode ser frequentado por qualquer estrangeiro”, afirmou. Apesar de não haver uma metodologia diferenciada para alunos que têm como língua mãe idiomas próximos ao português, Scheyerl garante que há estratégias que pretendem ajudar os es-tudantes. “No caso de espanhol, o léxico prepara muitas armadilhas para seus aprendizes: embara-zada quer dizer ‘grávida’, exquisito quer dizer ‘deli-cioso’, dentre outros. Esses falantes acabam tendo outras dificuldades por falarem línguas próximas ao português”, ponderou.

Na opinião de Lorenzo Scarpino, estudante italiano que está no primeiro semestre do curso, a maior dificuldade é a proibição de trabalhar no Bra-sil. Por se tratar do visto de estudante, o governo brasileiro não permite que o requerente exerça ne-nhuma atividade remunerada no país e, caso o es-tudante encontre algum emprego, a polícia federal recomenda que seja feita imediatamente uma soli-citação de transformação de visto. Ele deixa de ser visto de estudante e passa a ser visto de trabalho, cuja tramitação é muito mais dificultosa.

Aulas às terças, quintas e sextas das 14 às 16h ou segundas, quartas e sextas das 9 às 11h

Mais informações podem ser obtidas através dos telefones 3331-2169 e 3283-6253 ou pelo e-mail propeep@yahoo. com.br

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PÁGINA 10 | MATÉRIA DE CAPA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Contra a correntezaColônia de pescadores de Buraquinho tenta manter as tradições da pesca artesanal diante de adversidades ambientais

Pescadores da colônia de Buraquinho encontram dificuldades em preservar a pesca artesanal

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Sérgio Loureiro

A praia de Buraquinho é a escolha perfeita para quem está indeciso se gosta mais do mar ou da água doce. Marcada pelo encon-

tro do Rio Joanes com o Oceano Atlântico, o cenário é motivo de contemplação para nativos e turistas, que fizeram do local, anos atrás, ponto obrigató-rio de parada. Mas o que antes era uma paisagem exuberante, hoje está um local debilitado devido à poluição que tomou conta do Joanes.

A colônia de pescadores de Buraqui-nho existe há mais de meio século. Ulti-mamente, porém, ela sobrevive mais do que existe. Isto porque o local onde se encontra é o novo alvo das empreiteiras, que aproveitam a área (que é reserva ambiental) para lançar novos empreen-dimentos. O resultado é a especulação imobiliária, que traz consigo o desmata-mento de áreas de preservação ambien-tal, poluição de rios, despejo irregular de lixo, entre outros impactos causados.

O Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hí-dricos de Lauro de Freitas, Márcio Crusoé, chama atenção para a falta de saneamento nos bairros do município e alerta sobre a necessidade de ter mais estações de tratamento de efluentes (ETE). ‘Toda construção é obrigada a ter uma ETE, que visa di-minuir a quantidade de poluentes do efluente antes de despejá-lo na natu-reza”, relata. Segundo o Secretário, quanto maior a demanda de empre-endimentos, maiores são os impactos ambientais.

A questão é que com as águas do Joanes poluídas, as condições de exis-tência de vida marinha são reduzidas e os impactos são evidentes. “O rio Joanes é o local onde os peixes marinhos desovam. Se o rio não es-tiver limpo, os peixes não têm como vir e isso afeta na pesca. Sem falar dos mariscos que viviam na re-gião do manguezal e hoje são raros de achar’, re-lata João Bonfim, mais conhecido como “Brocado”, pescador mais antigo da colônia de Buraquinho, com “cinquenta anos de mar”.

Brocado, como prefere ser chamado, conta que quinze anos atrás costumava pescar uma tonela-da de peixe por semana, e que agora a produção semanal não passa dos dez quilos. “Hoje nós ven-demos peixe que trazemos da colônia de Subaúma [pra suprir a carência]”, relata.

Replantio

A fim de minimizar os impactos, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Lauro de Freitas iniciou uma parceria com a colônia de pes-cadores de Buraquinho. Ambas as partes estão en-volvidas no replantio de mudas de árvores nativas do manguezal: enquanto a Secretaria disponibili-

Pesca na BahiaA pesca artesanal é uma das atividades mais an-tigas da história da humanidade, e se configura como um patrimônio cultural para as comuni-dades que fazem questão de preservar as mile-nares tradições da atividade pesqueira, como a colônia de Buraquinho. Além desta, a Bahia tem outras 79 colônias espalhadas pelo seu territó-rio - tanto na parte litorânea, quanto no interior. São mais de 125 mil pescadores artesanais regis-trados no Ministério de Pesca e Agricultura. O biólogo Roberto Pantaleão, técnico da Bahia Pesca - órgão do Governo do Estado da Bahia que fomenta a aquicultura e a pesca -, explica que “além das colônias, existem outras formas de associativismo, como cooperativas e asso-ciações, que congregam pescadores artesanais.

Segundo Pantaleão, a pesca artesanal é majo-ritária na Bahia: “O nosso litoral prevalece esse tipo de pesca [artesanal], pois é um litoral muito recortado e que favorece as embarcações de pe-queno porte”, explica. Sendo assim, não há con-dições para o desenvolvimento de uma indústria pesqueira, pelas condições geográficas e bioló-gicas da costa baiana - a plataforma continental baiana é considerada a menor do mundo, com 8 km de extensão, e possui correntes marítimas quentes, com poucos nutrientes.

De acordo com uma pesquisa divulgada pela Bahia Pesca, o estado produz 105 mil toneladas por ano e consome 132 miltoneladas do pesca-do. Por isso, há a necessidade de importação do pescado de outras regiões, tanto de estados do Norte, como Pará e Amazonas, como de estados do Sul do país, como São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, e Santa Catarina.

za as mudas, os pescadores são responsáveis pelo plantio e fiscalização. Sim, fiscalização. Pois, segun-do Brocado, muitas casas e condomínios que têm saídas para o Joanes costumam podar e arrancar es-sas plantas. “Não adianta a gente plantar e eles ar-rancarem. A gente cuida do rio, cuida da praia, mas precisamos da ajuda de todos”, afirma o pescador.

Ainda assim, pescadores e o secretário Márcio Crusoé, alegam que mais de 40.000 mudas já fo-ram plantadas. A meta para 2015 é de mais 20.000

mudas. Este investimento é o retor-no justo para quem tanto luta pela preservação local. Mas, de acordo com Jonas Tomaz, o Mestre Touro, presidente da colônia de pescado-res de Buraquinho, nem sempre houve essa política. Ele conta que entidades representantes do poder público não costumam olhar para a colônia, e conseguir investimentos e parcerias é complicado.

“O investimento para o meio ambiente é o di-nheiro mais fácil para sair. “Falta vontade de fazer”, afirma Touro. Entretanto, ele conta que a colônia conseguiu um financiamento de trezentos mil do Governo Federal, no ano passado, para melhoria na infraestrutura. A verba foi usada, principalmente, para equipar as embarcações, hoje motorizadas e com GPS. Touro lembra, no entanto, que “somente

cada motor, custa, em média, 28 mil reais”.

Muito além da pesca

A luta diária pela preservação da tradição da pesca artesanal não se resume à conservação ambiental da praia de Buraquinho. Os pesca-dores da colônias mantinham outros

costumes, como a mariscagem de lambretas, ostras, caranguejos e sururus, além de passeios turísticos, quando os pescadores levavam os turistas até a pon-te do rio Joanes em suas pequenas embarcações.

Touro, que admite não fazer mais os passeios por vergonha da paisagem cheia de lixo e pela falta de procura, mantém a esperança de reviver os tempos de outrora: “isso aqui é bonito demais para ser aban-donado”. Abandono este que já se toma preocupan-te, pois muitas mulheres que costumavam mariscar no manguezal do Joanes estão procurando outra ati-vidade, pois não conseguem mais se sustentar atra-vés do comércio de marisco.

Seja com o vento soprando a favor ou remando contra a correnteza, os pescadores de Buraquinho seguem sua rotina para preservar sua cultura tra-dicional. Com várias ações sociais para além-mar, estes homens e mulheres põem, na ponta de seus anzóis, esperança de reconquistarem o valor que tinham perante a sociedade e o poder público. Eles só não querem ser pescadores de ilusões.

Investimento para o meio ambiente é o

dinheiro mais fácil para sair. Falta

vontade defazer

Mestre Touro

Isso aqui era maravilhoso.

Era uma abundância de

peixe

Brocado

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PÁGINA 12 | UFBA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Programa Recicle atua na coleta seletiva de lixo na UFBA

Estudos mostram que apenas 1% do lixo chega às cooperativas para recuperação

Pollyanna Couto

Com 90% das suas unidades com ações volta-das à coleta seletiva do lixo, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) é cheia das típicas

lixeiras de coleta seletiva. As lixeiras azuis, verdes, vermelhas e amarelas para, respectivamente, pa-pel, vidros, plásticos e metais são vistas por todo o campus. Porém, na prática, elas não são utilizadas como deveriam. Copos plásticos nos cestos que se-riam para papéis e bolinhas de papel de cadernos nos cestos que deveriam ser dos metais são comu-mente encontrados.

Na busca de uma solução para esse desafio, o Núcleo de Ações Ambientais (NAAMB) da UFBA criou o programa de coleta seletiva Recicle. Inicia-do em fevereiro de 2013, o programa tem o objetivo de promover a separação dos resíduos recicláveis gerados nas unidades acadêmicas e encaminhá-los para cooperativas de catadores de Salvador. Até o fim de 2014, 54 unidades da UFBA tinham ações do Recicle, o que corresponde a cerca de 90% de toda a universidade, mas a meta é estender as ações para todas as unidades.

O processo consiste em realizar contato com a comunidade acadêmica para que a divulgação che-gue até os estudantes, professores e funcionários. Nessa etapa inicial é realizada a distribuição dos coletores para a separação dos resíduos e o treina-mento dos agentes de limpeza para coleta e discri-minação no armazenamento.

Os materiais recolhidos são separados em sacos plásticos, divididos por cores, e em caixas de papelão. Em seguida, é transportado até o galpão da Divisão de Materiais, onde é pesado e fica no aguardo do recolhimento pelas coopera-tivas de catadores. Os materiais são separados nas categorias “papel e papelão” e “plástico, metal e vidro”.

Atualmente, a equipe que trabalha no progra-ma é composta por quatro colaboradores, respon-sáveis pelo recolhimento semanal dos recicláveis nas unidades acadêmicas e também pela pesagem e organização do galpão de armazenamento. O grupo conta ainda com dois motoristas para reali-zar o transporte dos recicláveis.

Entre as cooperativas assistidas pelo progra-ma estão a Cooperativa Caçadores da Nova Re-pública (CANORE), a Cooperativa de Reciclagem e Serviços do Estado da Bahia (Coopers), o Projeto Ação Reciclar - Paciência Viva e a Cooperativa de Recicladores de Lixo - Cooperlix.

Entre as principais dificuldades encontradas pelo programa está o baixo engajamento da co-munidade acadêmica para a segregação dos reci-cláveis nos coletores apropriados. Esta situação traz perdas consideráveis para a instituição, pois o sistema adotado acaba desperdiçando o potencial de recursos materiais e energéticos presentes nos resíduos descartados. “Apesar de termos as lixei-ras próprias para a coleta, não dá para fazer corre-tamente porque os próprios alunos jogam os lixos nos lugares errados”, concluiu um dos zeladores da Faculdade de Comunicação da UFBA.

Políticas

A coleta seletiva foi definida na Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Re-síduos Sólidos, como a coleta de resíduos sólidos previamente separados de acordo com a sua cons-tituição e composição, devendo ser implementada em todos os municípios. Porém, não há um modelo definido de como essa coleta deve ser feita.

Estimativas preliminares do Movimento Nacio-nal de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) mostram que quase 90% dos resíduos entregues para as indústrias de reciclagem são recolhidos pelos catadores que atuam de forma independen-te. “A coleta seletiva na realidade é realizada por catadores que coletam diretamente e vendem o material reciclado”, fala a bióloga Talita Lima, es-pecialista no tratamento de resíduos sólidos.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Se-dur) organizou um estudo sobre a situação dos resí-duos sólidos na Bahia, o “Estudo de Regionalização da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos”. Segun-do dados deste estudo, em Salvador, 53% do total da coleta de resíduos sólidos urbanos é coletado por caminhões compactadores e vão para o Aterro Sanitário Metropolitano Centro, o que totaliza 728 mil toneladas por ano. Porém, atualmente, apenas 1% chega até as cooperativas de reciclagem para ser finalmente recuperado.

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA EDUCAÇÃO | PÁGINA 13

A serviço da escola?Projeto de Lei que garante psicólogos nas escolas divide a categoria e levanta discussão sobre o papel dos profissionais neste espaço

Mallu Silva

Quando um estudante demonstra dificul-dades de aprendizado ou problemas de comportamento na escola, ele geral-

mente é encaminhando para um serviço de psi-cologia que lhe dará um diagnóstico clínico. O responsável por este diagnóstico é o psicólogo escolar, que pode atuar ou não dentro da escola, mas tem o papel essencial de facilitar o processo de escolarização do aluno.

No Brasil, a presença do profissional de psico-logia nas escolas públicas e privadas em âmbito nacional não é obrigatória. No entanto, existe um Projeto de Lei direcionado a inclusão dos psicólo-gos e assistentes sociais na rede escolar. Confor-me a proposta original, o PL 3688/00 previa que o atendimento fosse feito por psicólogos do Siste-ma Único de Saúde (SUS). Em 2007, o PL recebeu um texto substitutivo elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e entidades parcei-ras. De acordo com a nova proposta, as redes públicas contarão com equipes multidisciplinares próprias, e algumas necessidades especfficas de alunos poderão ser tratadas em parceria com o SUS. Desde 2013 o PL aguarda a aprovação da Co-missão de Educação da Câmara dos Deputados.

Desafios da implementação

Apoiado por apenas uma parcela da cate-goria, o PL levanta polêmicas, visto que não re-gulamenta as modalidades de contratação de psicólogos. O PL é discricionário, dá margem à regulamentação posterior a aprovação. Somen-te após a publicação da lei sancionada será es-tabelecido um prazo para que sejam definidas as diretrizes de funcionamento.

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PÁGINA 14 | EDUCAÇÃO JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Nos acostumamos a ver doença

onde deveríamos enxergar dificuldade

no processo de escolarização

Lygia Viégas

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oto Erika Kokay defende a aprovação do projeto.

Ainda assim, assumiu em audiência pública que o principal desafio para implementação do PL é adequar corretamente a forma como o serviço será prestado por esses profissionais, de modo que a regulamentação do projeto seja clara com relação ao papel que eles terão dentro da escola. Afinal, nem todo problema escolar pode ser con-siderado de índole psicológica. Há conflitos onde o papel dos docentes, dos colegas e as regras da própria instituição funcionam como entraves para a resolução de problemas, e não haveria nada de “psicológico” nisto.

Outra discussão que envolve o PL são as dife-rentes vertentes que existem dentro da própria psi-cologia educacional sobre como o psicólogo escolar deve atuar e pensar a escola. Lygia Viégas, douto-ra em psicologia escolar e integrante da Associa-ção Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), teme que os psicólogos se concentrem no diagnóstico e não atuem no processo de escola-rização do aluno. “Se a gente não tiver muita clare-za de qual é o papel do psicólogo na escola ele pode virar um carimbador maluco, vai sair distribuindo diagnóstico para professores e alunos”, opina.

Viégas ainda alerta para um processo conhecido como medi-calização, em que os problemas de aprendizado, por exemplo, são explicados como patologias. Hoje, ela diz, “se a criança não fica quieta não se fala mais em in-disciplina, mas em TDAH [Trans-torno do Déficit de Atenção com Hiperatividade]. “Então, se uma criança não consegue aprender a gente acha que ela tem uma doença, um distúrbio neurológico. Nos acostumamos a ver doença onde deveríamos enxergar dificuldade no processo de escolarização”.

De acordo com a linha da psicologia escolar que se denomina crítica, o psicólogo escolar deve trabalhar no desenvolvimento de ações preventi-vas, desenvolver ações com o corpo docente so-bre temas pertinentes que merecem atenção na escola, realizar trabalhos com familiares e parti-cipar da construção do projeto político pedagógi-co da escola. A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados já promoveu audiências com enti-dades da área e especialistas para discutir como funcionaria a inserção do psicólogo no ambien-te escolar. No entanto, ficará a cargo do Poder Executivo pontuar as diretrizes que conduzirão a proposta inicial.

Novo modelo educacional

Liliane Teles, ex-presidente e atual conse-lheira do Conselho Regional de Psicologia, tem ressalvas ao projeto pois acredita que o psicólogo não deve entrar na escola para fazer um trabalho

de mero atendimento clínico. “O que temos que defender é que o SUS funcione bem para que haja profissionais que possam acom-panhar crianças que necessitem de acompanhamento especial”, afirma. Lygia Viégas aponta que o melhor caminho para solucio-nar essa problemática do proje-to envolveria não só uma política pública que atendesse as diretri-

zes da psicologia escolar crítica, mas mudanças nas relações de poder, em questões institucio-nais que abrangem as escolas e no material pedagógico ofereci-do por elas.

Teles, que já atuou em esco-las como psicóloga escolar, afir-ma que a precarização do traba-lho do docente é um exemplo da mudança que teria que ocorrer. “Os professores hoje não tem nem espaço, nem estímulo den-tro da agenda deles para discu-tir sobre esse assunto. A escola está organizada de forma hierárquica, opressora e individualista. É esse tipo de estrutura que pre-cisa ser repensado”, diz. E essa organização é a que gera a maioria dos conflitos escolares.

Mesmo com o receio de que o projeto sirva apenas para garantir a ampliação do mercado de trabalho dos psicólogos, pois a escola é a quar-ta principal área de atuação deles, profissionais como AndréGarcez o defendem. Para ele, é mais importante que os psicólogos estejam inseridos

nas escolas para garantir a possibilidade de al-guma mudança no modelo educacional, do que permanecer com o sistema de educação que exis-te hoje.

Atuação especializada

Outra ressalva ao projeto de lei diz respeito ao tipo de formação que os psicólogos teriam que obter para atuar nas escolas. Liliane Teles explica que para um psicólogo ser inserido na escola hoje, não importa o tipo de preparação teóri-ca e prática que ele obteve em sua formação bá-sica, os estágios profissionalizantes que fez, ou

que tipo de prática desenvolveu. “Esse profissional que entra na escola [pode não ter] noção ne-nhuma do que é política pública, de como funciona a escola, a roti-na e os problemas enfrentados”. Isso, porque para atuar nela precisa apenas do registro pro-fissional no Conselho Federal de Psicologia. E nenhuma especiali-zação ou experiência é exigida.

É essencial que o psicólogo que atua na escola leve em consideração o cotidiano escolar e as vivências pessoais do es-tudante no momento fazer uma avaliação des-sa criança. “Nós precisamos superar a pergunta clássica ‘o que a criança tem?’, para não fazer so-mente uma investigação em torno dela, mas no processo de escolarização que ela está inserida”, afirma Lygia Viégas.

A escola está organizada de

forma hierárquica, opressora e

individualista

Liliane Teles

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA TECNOLOGIA | PÁGINA 15

Em busca de um jornalismo participativoProjeto Vojo auxilia jovens de comunidades periféricas com escasso acesso à internet a produzir conteúdo midiático

Jessica Carvalho

“Alô Bahia, Brasil, mundo, aqui é Josemar Ferreira de Jesus”. É assim que o líder comunitário e pescador de Ilha de Maré

inicia sua fala, alertando para as más condições de sua comunidade e solicitando melhorias às autori-dades. O relato de Josemar de Jesus foi transmitido através da ferramenta Vojo, um sistema que permi-te a divulgação de informações através de áudio, vídeo e imagens em comunidades com acesso limi-tado à internet. O projeto foi lançado 28 de maio, em Salvador, com oficinas e discussões que buscam capacitar jovens no uso da tecnologia.

O Vojo, desenvolvido em parceira por pes-quisadores do Center for Civic Media do MIT (Massachusets lnstitute of Technology), do RAD (Research Action Design) e o Instituto Mídia Ét-nica, foi utilizado pela primeira vez no Brasil na comunidade de Ilha de Maré, no final de 2013. Na ocasião, jovens quilombolas e moradores do local denunciaram crimes ambientais e problemas do cotidiano dos habitantes, chamando atenção de autoridades da região para problemas sociais que passavam despercebidos.

Em uma época predominada pelo uso de smartphones, o mecanismo per-mite que qualquer um compartilhe no-tícias de sua comunidade a partir de uma ligação por telefone fixo, celular ou telefone público, sem a necessidade de acesso à internet. Através de um núme-ro fornecido pelo Vojo, a pessoa registra seu conteúdo em áudio por voz que será transmitido online, podendo ser compar-tilhado e divulgado. Atualmente, mais de 100 pessoas foram capacitadas a utilizar a ferramen-ta, em Workshops na Bahia e em São Paulo.

Paulo Rogério, diretor executivo do Mídia Étni-ca, acredita na importância do empoderamento dos jovens na produção de conteúdo midiático, como forma de exercer um jornalismo participativo que se distancie do atual monopólio midiático. “Essa tec-nologia dá voz a muitas pessoas que anteriormente não tinham como falar sobre seus problemas, devi-do à falta de conectividade ou de alfabetização em tecnologia”, afirma o diretor.

Apesar da iniciativa, ainda há pouco conteúdo disponível em rede nas plataformas do Vojo, e de maneira pouco organizada. Ainda na fase de capa-

citação, o projeto está habilitando jovens através de oficinas que, depois de Salvador, passarão pelas ci-dades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Pernam-buco, entre os meses de maio e junho de 2015.

Mídia Democrática

A iniciativa faz parte de um esforço de capacitar cidadãos, especialmente jovens que vivem em favelas e comunidades quilombolas, povos indígenas e outros grupos que não costumam ter suas vozes na gran-de mídia. O jornalista Ivan Moraes, coordenador do Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire, em seu artigo “Direito Humano à comunicação:

que bicho é esse?”, afirma que a maioria dos meios pertence a uma pequena eli-te do centro sul do país, que ditam o que estará em pauta. “Toda pessoa tem o direito de dizer o que quiser, através dos meios que achar conveniente, além de receber informações livres de precon-ceitos ou distorções”, acredita.

Em busca de uma mídia mais de-mocrática, a campanha “Para Expres-sar a Liberdade - uma nova lei, para

um novo tempo”, a partir da iniciativa de entidades do movimento social brasileiro, lançou um projeto de lei de iniciativa popular para regulamentar os artigos da Constituição que versam sobre comu-nicação. O objetivo da lei é promover pluralidade de ideias e fomentar a diversidade através de uma mídia democrática. Atualmente, a legislação que orienta o serviço de comunicação tem 50 anos e, se-gundo o Instituto Mídia Étnica, não atende o objeti-vo de ampliar a liberdade de expressão. “É preciso estimular a sociedade a produzir instrumentos de comunicação e fomentar mídias populares e comu-nitárias”, afirma Moraes.

Projeto estimula jornalismo participativo em comunidades periféricas do Brasil

É preciso

estimular a sociedade a produzir

instrumentos de comunicação e

fomentar mídias comunitárias

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PÁGINA 16 | COMPORTAMENTO JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Música para os ouvidos, mente e almaPacientes do Irmã Dulce participam de sessões de musicoterapia como forma de ajudar no tratamento de doenças psicoemocionais

Tatyane Ferreira

Quem nunca escutou uma música só para rela-xar? A música serve para aliviar as tensões da vida cotidiana e amenizar as dores do corpo e

da mente. Esses benefícios podem ser adquiridos nas aulas de musicoterapia realizadas com os pacientes do Centro Geriátrico Júlia Magalhães, nas Obras So-ciais Irmã Dulce, em Salvador. O grupo é formado por 35 pessoas com a faixa etária entre 65 e 100 anos.

No trabalho com os idosos, a musicoterapeuta Gislane Guimarães utiliza diferentes ritmos musicais como uma forma de terapia complementar ao trata-mento de doenças como a depressão, Mal de Alzhei-mer e Mal de Parkinson. Durante as sessões, os pacien-tes participam de jogos rítmicos, usam instrumentos musicais, bem como aprendem novos passos de dança com o objetivo de desenvolver a coordenação motora e a criatividade. “Além de escutarem as músicas, eles também recriam trechos de melodias”, explica.

Através da música e de seus elementos (melodia, ritmo e harmonia), a musicoterapia propicia um ca-nal de comunicação entre o paciente e o terapeuta. É o próprio paciente que escolhe as músicas a partir do seu repertório pessoal, enquanto o musicoterapeu-

Idosos das Obras Sociais Irmã Dulce se divertem com as aulas de música

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA COMPORTAMENTO | PÁGINA 17

Logo no início do tratamento, os

pacientes definem as músicas que

conhecem ou fazem parte da sua vida. A maioria escolhe

samba e as canções mais antigas

Gislane Guimarães, musicoterapeuta

ta planeja atividades sonoro musicais direcionadas às escolhas, objetivos e necessidades dos assistidos.

“Logo no início do tratamento, nós realizamos uma ficha musicoterapêuti-ca, em que os pacientes definem as mú-sicas que conhecem ou fazem parte da sua vida. A maioria dos idosos escolhe samba e as canções mais antigas”, ex-plica a musicoterapeuta.

O repertório musical é variado a depender do gosto do paciente. O gru-po pode escutar desde rock até mú-sica erudita. O contato com a música estimula conexões cerebrais e desperta sentimen-tos, o que melhora a autoestima, o humor e promo-ve uma sensação de bem-estar. Esses efeitos podem ser comprovados em estudos realizados pela American Music Therapy Association-AMTA, dos Estados Unidos, e pela World Federation of Music Therapy-WFMT, localizada em Gênova, na Itália.

Ciência comprova

As pesquisas realizadas pela Universida-de de Yale, nos Estados Unidos, apontam os

efeitos benéficos da música nos comportamentos dos pacientes com Doença de Alzheimer (DA) em estágio moderado e avança-do. Os resultados mostraram uma melhoria significativa no compor-tamento e interação social e uma diminuição acentuada de atitudes negativas relacionadas aos perío-dos de agitação e agressividades dos pacientes que participaram das atividades musicais.

Situação semelhante acontece com os pacientes das Obras So-

ciais Irmã Dulce. As sessões de musicoterapia realizadas nessa instituição têm demonstrado resultados surpreendentes no comportamento dos participantes. Segundo Gislane Guimarães, por meio da música os idosos passaram a inte-ragir mais em grupo e a prestar mais atenção aos objetos e às pessoas que estão ao seu redor.

Quem sente na pele os efeitos benéficos da música é a aposentada Júlia Pereira do Nascimen-to, 85 anos, que sofre Mal de Alzheimer. Às vezes ela não se lembra de tomar os medicamentos mas

nunca esquece os dias das aulas de musicoterapia, pois a faz se sentir livre. “A música me ajuda a ficar calma. Eu moro sozinha, quando chego em casa já canto as canções que ouço aqui”, disse.

Conforme Gislane, a partir das sessões de te-rapia, dona Júlia vem expressando melhor as suas ideias e recordando dos acontecimentos do passa-do. Outra paciente que tem apresentado melhoras no seu estado de saúde é Edna Maria Mesquita Santos, de 78 anos. Desde 2003 a dona de casa par-ticipa do grupo terapêutico para tratar da depres-são. “Antes eu era uma pessoa deprimida e não gostava de escutar música. Através da musicotera-pia, eu aprendi a cantar e a ser uma pessoa alegre e amável com os outros. Hoje gosto ouvir música erudita, pois sinto tranquilidade”, conta.

Para participar das aulas de música, é neces-sário consultar primeiro o geriatra. As sessões de musicoterapia acontecem todas as segun-das, terças e quartas, às 9h30, no Centro Geri-átrico do Hospital Irmã Dulce, Av. Dendezeiros do Bonfim, 165

Musicoterapeuta Gislane Guimarães trabalha diferentes ritmos musicais com os idosos das Obras Sociais Irmã Dulce

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PÁGINA 18 | ENTREVISTA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA

Apesar de fácil, é um retrocessoProfessora da UFBA discute a proposta de redução da maioridade penal

Tarsila Carvalho

Maria Auxiliadora Minahim é professora titular da Faculdade de Direito da Univer-sidade Federal da Bahia. Ministra a disci-

plina em Direito da Criança e do Adolescente. Foi delegada da polícia na área de menores, assessora do Juizado de Menores e Presidente da Fundação Estadual de Atendimento a Menores na Bahia. Re-aliza pesquisa acadêmica na área e possui livros e artigos publicados. Em entrevista ao Jornal da Fa-com, ela discute o projeto de Redução da Maiorida-de Penal (PEC 171/93) sob as perspectivas jurídica e social.

De onde e como emerge,no ano de 2015,a discus-são sobre uma redução da maioridade penal den-tro da sociedade?

Isso é recorrente. Há muitos projetos e ante-projetos de lei na Assembléia e no Senado, mas houve mais força da sociedade para impedir que tais projetos ganhassem a mesma dimensão que este. Imagino que isso surja da sensação de insegurança que a sociedade tem, que acabou provocando uma reação exatamente do lado mais vulnerável, preten-samente “mais fácil” de ser corrigido. Com mais de trinta anos trabalhando nesta área, me surpreende a manutenção de um pensamento binário que diz que não punir é passar a mão pela cabeça, como se não houvesse nenhuma alternativa a essa repetição neurótica de comportamento. Vejo justamente uma repetição obsessiva e compulsiva neste projeto, como se toda nossa trajetória histórica não servisse para mostrar que precisamos buscar uma nova via.

Minahim considera a proposta uma contradição para o paísBr

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JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA ENTREVISTA | PÁGINA 19

Apesar de fácil, é um retrocessoHá relação efetiva entre a dureza do sistema penal e a segurança na sociedade?

O senso comum costuma dizer que a criminali-dade se deve à falta de penas. Ontem, a Globo dizia que os crimes de trânsito existem em número tão grande porque as penas são baixas. Nunca se conseguiu com-provar que pena nenhuma, nem mes-mo a de morte, servisse para prevenir a ocorrência de crimes. Este projeto causa uma impressão fácil, na cons-ciência coletiva, de que com ele não haveria mais insegurança. É uma im-pressão passageira.

Um dos principais argumentos a favor da redução da maioridade penal para os 16 anos é que as medidas de reeducação não seriam suficientemente severas para os jovens infratores.

Houve uma reportagem da Globo no Instituto Padre Severino, no Rio de Janeiro, em que os meninos faziam gestos para mostrar que as celas estavam lotadas. Isso deu causa a que muitos deles fossem libertados pelo juiz. Eu não acho que a qualidade da intervenção que o Estado faça nessa área prometa nada de bom se continuarmos colocando números maiores de adolescentes nos sistemas voltados para reeducação ou para pena.

Além disso, os jovens já não possuem alguns benefícios que os adultos possuem: livramento condicional, indulto, comutação de pena. Em 1927, o código de menores previa que jovens entre 16 e 18 tinham de responder pelo crime, mas com as pe-nas da tentativa, que são mais baixas. Em 1940, se acabou com isso porque foi visto que não introdu-zia nada novo no Brasil. Num país que foi assolado pelo golpe militar e cuja população tem lutado pela vivência democrática, esta visão é uma das maio-res contradições que se poderia pensar.

Há influência, no meio jurídico, das situações de comoção veiculadas pela imprensa, no caso de in-frações cometidas por menores?

Sim, acredito que a imprensa tem apresentado uma tendência a favor da redução da maioridade pe-nal. Todo os dias se divulgam notícias ressaltando a

Esse projeto diz respeito à mesma fatia de sempre da

população,selecionados pela vulnerabilidade

social e econômica em que vivem

idade dos infratores: 16, 14 anos. Mas o percentual de infrações com participação de menores no universo das infrações cometidas no Brasil não alcança nem 5%.

Essa comoção social vem acarre-tando uma transformação da figura do jovem em algo amedrontador?

A figura jovem tem sido colocada desta forma. Mesmo que possa vir a ser, a questão é como nós vamos rea-gir a esse signo que eles representam. Se somos civilizados o suficiente para fazê-los entender, para socializá-los, e ao mesmo tempo tratá-los como pes-soas que estão ainda em processo de crescimento. A personalidade ainda

pode ser construída de outra forma ou redirecionada.

Em defesa da maioridade penal a partir dos 18 anos,considera-se que o discernimento pleno tem relação com a maturidade afetiva e psíquica do jovem. O que faz com que os apoiadores da re-dução acreditem que esta maturidade está che-gando mais cedo?

Infelizmente, se esquecem que o pleno desen-volvimento não significa apenas desenvolvimento intelectual. Um argumento muito uti-lizado é: “O jovem de hoje não é mais como o de antes”, por ter muitos co-nhecimentos acessíveis. Na verdade, a imputabilidade penal não se satisfaz com o conhecimento. Também neces-sita de um controle sobre a vontade e maturidade emocional, que o ado-lescente não tem. Imputabilidade não significa só saber que a capital da França é Paris, é ter um controle adul-to, maduro, sobre suas ações.

No parecer vencedor,o deputado Marcos Rogério afirma que a redução da maioridade penal “tem como objetivo evitar que jovens cometam cri-mes na certeza da impunidade”.Considerando a superlotação do sistema carcerário brasileiro, a redução da maioridade penal realmente seria efi-caz nesse sentido?

Isso que ele fala é a função preventiva da pena. Pela pena, se previne a ocorrência de novos delitos. Porém, mostra-se com muita frequência que aquele que comete o delito sempre acredita que não será pego. Se tal função valesse de forma tão direta, mui-tos adultos já não praticariam crimes, então, ela é cumprida parcialmente - mas não justifica a redução da maioridade. Vejo isso como uma falta de reflexão sobre a história. Não há uma reflexão crítica sobre esse fato à luz da legislação brasileira. Não sei se os autores do projeto visitaram algum presídio ao longo de suas vidas, para saber se é pra lá mesmo que eles querem mandar os adolescentes brasileiros pobres. De todo modo, duvido que a gente consiga, mesmo rebaixando a maioridade, mandar para pri-são pessoas de classe média alta. Esse projeto diz respeito à mesma fatia de sempre da população, àqueles que são selecionados pela vulnerabilidade social e econômica em que vivem.

Uma das características mais fortes deste projeto é a fé na constrição da liberdade como panaceia.Há,no Brasil, uma tendência que aponta para o tratamento de consequências e não das causas?

No mundo inteiro, quem acaba no sistema car-cerário são as minorias. E as vulneráveis, não as

ricas. É aquele que não tem como re-crutar um advogado bem pago para impedir que ele vá para a peniten-ciária. A falta de políticas sociais é óbvia, e falta educação adequa-da. Já houve no Brasil um projeto chamado “Meninos de Rua”, que se baseava no método Paulo Freire. Neste, ao invés dos métodos con-vencionais das escolas públicas, se buscava atrair o jovem que está nas ruas, ou em perigo, através de formas

que interessassem especificamente a ele. Você não pode colocar em sala de aula, com a educação convencional, pessoas que vêm com fome, maltrata-das, que cheiram esgoto o dia inteiro porque não têm saneamento básico, que podem estar doentes. O nível de evasão é muito grande, assustador. É óbvio que faltam políticas sociais no país. Mas esta proposta é mais fácil do que a política social, não é?

A imputabilidade penal necessita de um controle sobre a vontade e maturidade

emocional,que o adolescente não

tem

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João Bertonie

Com o andar lento e as mãos inquietas, llka Santos de Carvalho percorre os espaçosos cor-redores da sede da Apae (Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais) de Salvador, na Pituba, pa-rando para cumprimentar cada pessoa que vem falar com ela. “Só assim que lhe vejo, na correria”, reclama a uma das moças que vem lhe dar bom dia.

Faz sentido que dona llka, como é carinhosa-mente chamada, seja tão popular naquele prédio. Presente na instituição há quase 40 anos, 36 deles na superintendência, ela é considerada uma das ini-ciadoras do Movimento “Apaeano” na Bahia. Sua história se confunde com a da associação que aju-dou a erguer. Durante todas essas décadas, tanto a baiana natural de Canavieiras quanto a instituição colecionaram prêmios, conquistas e admiradores.

Uma das pessoas mais empolgadas ao esbar-rar com dona llka pelos corredores é uma senhora baixinha e loira, usando um avental azul. Marisa Gondim começou a trabalhar como fonoaudióloga na associação ainda nos anos 80, quando se tornou

Há 36 anos à frente da associação, dona llka é uma referência na luta das pessoas com deficiências

amiga da superintendente. “Todo mundo tem mui-to carinho por dona llka. Ela foi uma batalhadora, deu tudo pela Apae. Lembro de quando vendíamos camisetas na rua para fazer esta casa sobreviver”, relembra, com um ar orgulhoso.

Os esforços de dona llka e seus companheiros deram resultados, o que é notável pelos inúmeros troféus e certificados expostos na sala de reunião, espaço anexado à sala da superintendência. No iní-cio, porém, as coisas eram mais difíceis. Durante os anos batizados pela veterena da Apae como “época do pires na mão”, a superintendente chegou a en-frentar autoridades em nome da instituição.

Na década de 1980, por exemplo, o então se-cretário de Educação pediu de volta o espaço que o Estado tinha cedido à associação, sediado em São Joaquim, sem oferecer uma alternativa. Dona llka foi firme: disse que ia instalar “todos os meninos” na Secretaria de Educação até que um novo espaço fosse providenciado. A pressão funcionou e, apesar da mudança gradual, uma nova sede foi construída no bairro da Pituba em 1988.

A dedicação de dona llka parece ter tido duas forças motrizes: sua fé em São Francisco (“ele é o

A veterana da Apae

Mat

heus

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anel

li/La

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o

protetor desta casa”, lembra, tocando com reve-rência a enorme cruz dourada pendurada em seu pescoço) e sua devoção à Kakau, sua filha, de quem fala com reservas. Nascida excepcional, Kakau foi a grande motivação para que a superintendente começasse a trabalhar como secretária, em 1972, quando a associação ainda funcionava aos trancos num pequeno prédio da Ribeira. “Diziam que era para que euvoltasse para casa porque minha filha não ia sobreviver nunca e a única escola que me aceitou foi a Apae”, recorda.

Em retribuição a esse acolhimento, assumiu a missão de que quem passasse pela Apae se sentisse do mesmo jeito. Em 2009, dona llka recebeu o Título de Cidadã de Salvador em sessão solene na Câmara Municipal pelos seus esforços na luta das pessoas ex-cepcionais na cidade. O certificado hoje está pendura-do na parede da sala de reunião, fazendo companhia a tantos outros. “As pessoas são muito bondosas, gos-tam de prestigiar’’, divaga a veterana, muito discreta ao se orgulhar. “Eu vivi a minha vida toda para a Apae e hoje somos uma instituição completa, conduzida com intuição, boa vontade e muito amor.”