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Camponeses e trabalhadores urbanos, militantes dos movimentos sociais que compõe a Via Campesina e a Assembléia Popular, realizaram uma jornada de lutas para denunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país. Povos indígenas se revoltam contra a construção de hidrelétricas A exploração do trabalho embutida no preço da energia Alta no preço dos alimentos: quem está por trás disso? Página 3 Página 6 Página 7 Nº 5 | Junho de 2008 MAB protesta contra modelo energético e do agronegócio MAB protesta contra modelo energético e do agronegócio

Jornal do MAB | Nº 05 | Junho de 2008

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Camponeses e trabalhadores urbanos, militantes dos movimentos sociais que compõea Via Campesina e a Assembléia Popular, realizaram uma jornada de lutas paradenunciar os problemas causados pela atuação das grandes empresas no país.

Povos indígenas serevoltam contra aconstrução de hidrelétricas

A exploração do trabalhoembutida no preço daenergia

Alta no preço dosalimentos: quemestá por trás disso?

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Nº 5 | Junho de 2008

MAB protesta contra modeloenergético e do agronegócioMAB protesta contra modeloenergético e do agronegócio

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Depois do leilão da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia,foi a vez da barragem de Jirau ser vendida a grupos privados nacionaise internacionais. O consórcio Energia Sustentável do Brasil, lideradopela multinacional européia Suez Energy, foi o vencedor do leilão.

O leilão abriu de vez a porta de entrada para a construção de gran-des empreendimentos energéticos que ameaçam a soberania da Amazô-nia e só interessam às empresas. Segundo a coordenação do MAB, estasempresas multinacionais encontram na Amazônia brasileira uma forma rá-pida e fácil de aumentar, e muito, o seu lucro. Até 2011, a Empresa dePesquisa Energética (EPE) planeja leiloar sete grandes hidrelétricas naregião norte do Brasil, com capacidade instalada de quase 27 mil MW.

O consórcio vencedor do leilão de Jirau é constituído por Suez(50,1%), Camargo Corrêa (9,9%), Eletrosul (20%) e Chesf (20%). De-pois de emitida a licença prévia, o consórcio decidiu alterar em 9,2 quilô-metros a posição original da usina, alegando menos impacto ambiental emenor custo na construção da obra. “Isso prova a bagunça generalizadaque é o processo de licenciamento das obras, e a existência de estudos deimpacto ambiental mal feitos”, critica a coordenação do MAB. Segundoo Ibama, na história recente dos licenciamentos, nunca houve uma deci-são de alterar a localização de um empreendimento já licenciado.

Uma das empresas do consórcio dono da hidrelétrica de SantoAntônio, o banco espanhol Santander está sendo alvo de mobilizações naEuropa. Uma delas está sendo chamada “Não com o meu dinheiro” (emtradução livre) e vai reunir a população em frente à Bolsa de Valores deMadri. “Queremos apresentar as atividades que o Santander está fazen-do no Brasil: obrigar as mais de 5000 famílias a abandonar seus lares,aumentar os casos de malária e aniquilar os povos indígenas da Amazô-nia”, explicam os responsáveis pela organização da campanha.

Na outra mobilização contra os investimentos do banco nas usinasdo Rio Madeira, será apresentada à junta de acionistas do Santander asconseqüências de financiamento deste projeto. Segundo Joceli Andrioli,da coordenação do MAB, na Europa eles tentam vender uma imagem deresponsablidade ambiental e social: “O MAB vem fazendo articulaçõescom outros países para denunciar estes bancos, que no Brasil são acionis-tas junto com a Vale e a Votorantim, empresas que historicamente degra-dam o meio ambiente e arrasam comunidades”, afirma.

EE m junho realizamos uma jornada de lutasonde milhares de camponeses e trabalha-dores urbanos, militantes dos movimentos

sociais da Via Campesina e da Assembléia Popular,protestaram em 14 estados contra a transposiçãodo rio São Francisco, o modelo energético e oagronegócio. Mais uma vez demonstramos nossaposição de classe, enfrentamos as empresas que es-vaziam o bolso do trabalhador pelo alto preço co-brado pelos alimentos e nas contas da luz.

Sabemos que toda ação de ataque à burgue-sia, resulta numa reação da mesma que, amparadapelo efetivo militar do Estado, reprime as manifes-tações populares. Nesta jornada de lutas, os princi-pais atos de truculência da polícia para intimidar edispersar os manifestantes aconteceram no RioGrande do Sul, em Rondônia, no Ceará e em SãoPaulo. Segundo nota do MST, em solo gaúcho, “mé-todos e argumentos do Ministério Público e da bri-gada militar ressuscitam a ditadura”. Em São Paulo,em defesa de Antônio Ermínio de Morais e dopatrimônio da Votorantim e CPFL, a tropa de cho-que jogou bombas e disparou tiros contra o povo.

“Empoderar” o povo, ou seja, dar poder aopovo para argumentar em favor dos atingidos porbarragens, para fortalecer a organização e para lu-tar contra este modelo de sociedade que exclui ospobres. Este é o desafio da luta e do embate políti-co neste período. Nesta edição do Jornal do MAB,além das informações sobre a Jornada Nacional deLutas, traremos também matérias sobre o leilão daUsina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, a reaçãoindígena contrária às construções de barragens, aalta no preço dos alimentos, o resultado de umapesquisa do Ibope sobre os movimentos sociais,encomendada pela Vale, e uma entrevista com o pro-fessor Dorival Gonçalves Júnior, que fala sobre oprocesso ocorrido no Brasil que transformou a ener-gia num produto muito lucrativo para as empresasdo setor elétrico. Boa leitura!

Água e energia não são mercadorias!Coordenação Nacional do MAB - Junho de 2008

Pela soberania do povobrasileiro, contra a

voracidade do capital

Pela soberania do povobrasileiro, contra a

voracidade do capital

EDITORIAL Mais uma hidrelétricaprivatizada na Amazônia

Mais uma hidrelétricaprivatizada na Amazônia

Campanha internacional denuncia investimentosdo Santander nas usinas do Rio Madeira

Projeto Gráfico:MDA Comunicação Integrada

Tiragem: 5.000 exemplares

www.mabnacional.org.br

Jornal do MABEXPEDIENTE

Uma publicação doMovimento dos Atingidos

por Barragens

Protestos contra o banco Santander na Europa

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“Quer fazer barragem,nós estamos indo prabrigar mesmo”. Este é odepoimento que o líderindígena Ireô deu aoFantástico depois doepisódio em Altamira, noPará, quando oengenheiro da Eletrobrás,responsável pelaimplantação da UsinaHidrelétrica de BeloMonte, ficou ferido noritual de indígenas quese revoltaram com suapalestra no encontroXingu Vivo para Sempre,no último dia 20 de maio.

istematicamente os estudos erelatórios de impacto ambien-tal feitos para a construção de

usinas têm desconsiderado a existên-cia de povos indígenas nas áreas deinundação. Isso aconteceu na UsinaHidrelétrica Serra da Mesa, em Goiás,na Usina Hidrelétrica de Sobradinho,na Bahia, e na maioria das usinasconstruídas na região norte do país. Aviolação dos povos indígenas é his-tórica, no entanto, a reação dos indí-genas em Altamira e o depoimento dolíder Ireô são sinais de que os inte-resses das empresas que queremconstruir as barragens na Amazôniaserão interrompidos e que a constru-ção de barragens viola o que é de maissagrado entre estes povos, o território.

Em nota, a coordenação naci-onal do MAB manifestou solidari-edade em defesa da vida e do rioXingu e afirmou que, “historica-mente este tipo de projeto tem be-neficiado a acumulação de riquezapara grandes grupos econômicosnacionais e principalmente interna-cionais, a exemplo do que vem ocor-rendo com outros projetos de bar-

ragens na região Amazônica”. Des-de 1989 as comunidades indígenas,movimentos populares e sociais jáalertavam para os problemas que oprojeto acarretaria na região, sobre-tudo para as comunidades de povosoriginários. Passados quase 20anos, o projeto não mudou nada desua origem, apenas sofreu uma “Re-visão dos Estudos de Inventário doRio Xingu”, conforme denuncia oMinistério Público Federal.Além do Pará, em várias regiões

do país, recentemente houvemanifestações de povosindígenas, contrários à

construção das usinas hidrelétricasNo Mato Grosso, índios das

etnias enawené-nawê, rikbaktsa, cin-ta larga, arara, mynky, irantxe, kayabí,apiaká e munduruku bloquearam umarodovia e exigiram a retirada das Cen-trais Hidrelétricas da cidade deAripuanã, instalada no Rio Juruena.Eles também cobraram melhoriasnas condições de saúde das tribos.

Em uma audiência pública so-bre os impactos da construção daUsina Hidrelétrica de Estreito, rea-lizada em maio, no Senado Federal,em Brasília, uma centena de indíge-nas presentes questionaram o fatodo Consórcio Ceste – responsávelpelo projeto - não os ter consulta-do sobre a obra e a ausência de re-ferência a eles nos estudos de im-

pacto. “Dizemque nós nãoexistimos por lá.Se eu não exis-tisse, não estavaaqui”, afirmouGercília Krahô.Ela também lem-brou que a ener-gia a ser geradapela hidrelétricanão será destina-da para as comu-nidades indíge-nas e ribeirinhas.

A Usina Hidrelétrica de Estreitoestá sendo construída sob o rioTocantins, na divisa do Tocantinscom o Maranhão.

Já quanto aos povos atingidospelas usinas hidrelétricas de SantoAntonio e Jirau, no rio Madeira, emRondônia, segundo o Estudo de Im-pacto Ambiental das duas obras,1089 indígenas de sete tribos serãoafetados. A Relatoria Nacional parao Direito Humano ao Meio Ambi-ente, da Plataforma Brasileira deDireitos Humanos Econômicos,Sociais, Culturais e Ambientais re-comenda que o Governo Federalanule a licença prévia concedidapara a construção, pois a análiseapenas diagnosticou a situação dasterras, mas não aprofundou a dis-cussão dos impactos.

Segundo Paulo Maldos, as-sessor político do Conselho Indí-gena Missionário (CIMI), o estadobrasileiro tem uma tendência crô-nica de projetar hidrelétricas emterras indígenas, ignorando os po-vos: “O governo sofre pressão dasempresas, enxerga só o crescimen-to econômico e ignora o povo, quepaga o ônus das construções. Asempresas chegam até o final daconstrução e, com o pacote pronto,o índio torna-se um obstáculo a serretirado”, finaliza.

Povos indígenas se revoltam contra aconstrução de hidrelétricas

Povos indígenas se revoltam contra aconstrução de hidrelétricas

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SS

Indígenas protestam contra usinas no Rio Madeira

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MAB protesta contra modeloCamponeses etrabalhadores urbanos,militantes dosmovimentos sociais quecompõe a Via Campesinae a Assembléia Popular,de 10 a 13 de junhorealizaram uma jornadade lutas para denunciaros problemas causadospela atuação dasgrandes empresas nopaís, especialmente asestrangeiras.

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AA

Mobilização em Rondônia

Trabalhadores protestam contra destruição da Amazônia pelo agronegócio

Rio Grande do SulOcupação da multinacional

de alimentos Bunge, na cidadede Passo Fundo. Denúncia domonopólio das empresas de ali-mentos, influenciando nos altospreços pagos pelo trabalhadornos supermercados.

Protesto na UHE de Itá,pertencente à multinacionalSuez-Tractebel. Segundo dadosda própria empresa, em 2007, olucro líquido foi de 1,05 bilhãode reais.

Entrega de mais de três milautodeclarações na distribuidorade energia RGE (Rio GrandeEnergia), em Vacaria e emErexim.

TocantinsParalisação do trem que abas-

tece as obras da ferrovia da Vale doRio Doce. Denúncia do corte ilegalda floresta amazônica e do cerradopara o agronegócio e exigência documprimento dos acordos feitos en-tre os atingidos pela UHE de Estrei-to e a empresa Valec, construtora daferrovia.

ParanáAcampamento na Usina Hidre-

létrica de Salto Santiago em protestocontra a multinacional Suez-Tractebel,dona da usina. Protesto contra a leique impede os atingidos de viverem amenos de cem metros da mata ciliarno entorno do lago da barragem.

s ações aconteceram em 14estados, os militantes doMAB se envolveram em

protestos realizados em dez delese a avaliação é de que, assim comona Jornada do 14 de março, conse-guimos demarcar nossa posição declasse, pois denunciamos a açãoperversa das grandes empresas, quesão beneficiadas pelo modeloenergético, pelo agronegócio, pelatransposição do rio São Franciscoe com a destruição da Amazônia.

Além de trancamento de rodo-vias e ferrovias e de ocupações dehidrelétricas e empresas, foram en-tregues nas distribuidoras de ener-gia as autodeclarações que garante aquem consome até 220 kwh/mês deenergia elétrica o recebimento dedescontos referentes à Tarifa SocialBaixa Renda na conta de luz, sem pre-cisar estar cadastrado em qualquerprograma social do governo.

RondôniaTrancamento da BR 364, em

Candeias do Jamari. Denúncia dodesmatamento da Amazônia e daocupação ilegal da terra para omonocultivo da soja. Protesto con-tra a construção das usinas hidrelé-tricas do Complexo Madeira.

Jornada de Lutas

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energético e do agronegócio

Mobilização na UHE de Itá

Mobilização no Terminal Portuário do Pecém

Trancamento da ferrovia da Vale, em Governador Valadares/MG

Protesto em frente à CELG(Companhia Energética de Goiás), emGoiânia, e entrega de autodeclarações.

Santa CatarinaProtesto na Klabin, empresa

de papel e celulose. Distribuição eplantação de mudas de árvores nati-vas em protesto ao “deserto verde”,provocado pelo plantio em grandeescala de pinus e eucalipto.

Trancamento da BR 282 emprotesto contra a empresa Aurora,representante do modelo de produ-ção do agronegócio.

Minas GeraisOcupação da estrada de ferro

da Vale, em Belo Horizonte e de-núncia dos problemas causados pelapassagem do trem.

Ocupação da estrada de ferroda Vale, em Governador Valadares.Exigência de que a Vale inicie as ne-gociações com as 500 famílias dacomunidade Pedra Corrida, atingi-da pela Usina Hidrelétrica deBaguari, de propriedade da própriamineradora.

Manifestações em seis regi-onais da Cemig reivindicando redu-ção na conta de luz e entrega deautodeclarações para recebimentoda Tarifa Social.

CearáOcupação do Complexo In-

dustrial e Portuário do Pecém, pró-ximo à Fortaleza. Questionamentoà transposição do Rio São Francis-co e denúncia do atual modelo eco-nômico e energético do país.

Ocupação do prédio da Secre-taria Estadual do DesenvolvimentoAgrário, na capital. Audiência comsecretário de estado e apresentaçãoda pauta com reivindicações ligadasà questão da terra, infraestrutura,assistência técnica e sementes.

GoiásTrancamento da BR-153, em

Uruaçu, a estrada dá acesso ao es-tado de Tocantins. Protestos contraos altos preços dos alimentos e daenergia.

São PauloOcupação do prédio da

Votorantim e CPFL. Denúncia dosimpactos ambientais e sociais daconstrução da barragem de TijucoAlto. Toda a energia produzida poressa hidrelétrica será destinada àCompanhia Brasileira de Alumínio(CBA), pertencente ao grupoVotorantim. Denúncia do alto pre-ço da energia cobrado pela CPFL daenergia, as famílias pagam até setevezes mais que o preço de custo.

Entrega de quase duas milautodeclarações na distribuidora deenergia Eletropaulo.

BahiaOcupação da UHE de

Sobradinho. Denúncia do modeloenergético e dos grandes projetosde irrigação que beneficiam apenasos latifundiários.

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nternacionalizada, a tarifa deenergia no país é balizada a par-tir do petróleo. Para somar uma

nova visão sobre o debate, o pro-fessor da Universidade Federal deMato Grosso (UFMT), DorivalGonçalves Júnior, desenvolveu atese sobre o processo histórico-social de mudanças na organizaçãoda indústria de eletricidade brasilei-ra, intitulada “Reformas na indústriaelétrica brasileira: a disputa pelas‘fontes’ e o controle do trabalhoexcedente”, a qual aponta que as re-formas na indústria elétrica ocorri-das nos anos 1990 propiciaram oaumento da concorrência dos capi-tais pelas melhores fontes de ener-gia. Ele destaca que seu trabalho*

procura percorrer o passado e opresente das mudanças no setor se-gundo a “teoria do valor” e a “teoriado trabalho”, desenvolvidas porKarl Marx.

Na entrevista a seguir, o pes-quisador coloca o Estado brasilei-ro como mais um colaborador paraos “agentes financeiros”, “aperfei-çoando” o atual modelo e diminu-indo os riscos dos investidores.“Basta ver o balanço das empresasa partir de 2005. Jamais a indústriade eletricidade brasileira alcançoua lucratividade que ela tem alcança-do agora”, defende.

Brasil de Fato – Por que fazer umaanálise das reformas estruturaisdo setor energético no Brasilsegundo um ângulo marxista?Dorival – Por meio do estudo foipossível realizar um resgate histó-rico da indústria elétrica, desde suaorigem. Até para discutir que a no-ção de energia é capitalista; que étida como algo objetivo da nature-za, sem entender que essa noção foiproduzida num dado momento his-tórico, numa sociedade que se or-ganizava na forma capitalista.

Em qual o período “nasce” essanova concepção estrutural deexploração capitalista em rela-ção aos recursos naturais e aotrabalhador?No final dos anos 1980 e início dos1990, se inicia um debate nacional arespeito do processo de reestru-turação produtiva da indústria deinfra-estrutura de um modo geral,mas principalmente da indústria elé-trica. A partir de 1989, havia melho-res condições políticas mundiaispara começar essa implementação.

No Brasil, como se dá a apro-priação da natureza e do tra-balho pelo capital no setor elé-trico hoje?

A forma da exploração capitalistasegue aquele o modelo clássico queestá discutido em “O Capital”, que éa busca pela lucratividade por meiodo trabalho excedente. Para que pos-sa produzir um trabalho bem superi-or ao necessário, o capitalismo pro-cura estender a jornada de trabalho econjugar a exploração dos meios deprodução e da força de trabalho, oque irá produzir mais trabalho exce-dente durante a jornada, ao que cha-mamos de “mais-valia relativa”.

Mas o que isso tem a ver com ainternacionalização do preçoda energia?

Os capitalistas vendem um recursonatural que é a base da maior produ-tividade do trabalho. Eles conseguemmais lucratividade por meio da mai-or taxa de exploração da fonte e dotrabalhador. No caso brasileiro, odomínio dos recursos hidráulicossignificou gerar eletricidade em umacadeia produtiva que é base paraacesso ao maior trabalho exceden-te, comparado, por exemplo, com aeletricidade produzida a carvão mi-neral ou a gás natural. No final, aeletricidade é vendida pelo mesmopreço, independente de ser produzi-da por uma cadeia produtiva hidráuli-ca, de gás natural ou de petróleo, por-que, desde os anos 1990, a eletrici-dade tem uma tendência de se trans-formar em uma mercadoria mundial.

Depois da privatização, comose estruturaram as empresas dosetor elétrico?Até 1993, as empresas distribuidorasde energia eram todas nacionais e opreço da eletricidade único em todoo território. Em 1994, antes desseprocesso, a eletricidade residencialpassa de um preço de 70 para 130dólares; e a energia industrial salta de40 para 80. O governo já providenci-ava uma normatização dos preços daeletricidade nesse patamar internaci-onal. A partir daí, a grande disputa épor essa cadeia produtiva, cuja basede recurso natural é capaz de obtergrande produtividade fazendo comque o trabalho excedente seja bastan-te elevado e que a lucratividade sejamuito alta. O que é importante mos-trar é que isso não é uma volta ao queera a indústria elétrica nos 1930,quando era privada. Hoje, o capitalis-mo financeiro atinge um poder de or-ganizar o processo industrial e a formacomo está concebida a organização in-dustrial da produção de energia elétri-ca no Brasil está de acordo com osmecanismos monetários de reprodu-ção do capital do sistema financeiro.

A exploração do trabalho embutida nopreço da energia

A exploração do trabalho embutida nopreço da energia

O preço da energiaelétrica no Brasil é alto,resultado do processo deprivatização do setornos anos 1990, quandoas empresas exploradorasiniciaram uma disputapara obter o melhortrabalho excedente nageração de eletricidade:lucro, a grosso modo.

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A alta no preço dos alimentosé um impacto que sentimos já háalgum tempo quando vamos ao su-permercado. O trabalhador é quempaga a conta de um sistema que pri-vilegia o lucro de grandes empre-sas e não o direito à alimentação.Apontaremos aqui algumas das prin-cipais causas deste problema.

A primeira delas é que hoje,seis empresas multinacionais, entreelas a Cargill e a Bunge, dominam acadeia alimentícia de grãos, leites,carnes, óleos e gorduras comestí-veis, açúcares e bebidas e, mesmosem produzirem estes alimentos,estabelecem os preços mundial-mente pela especulação no chama-do “mercado de futuros” da bolsa devalores, elevando os preços acimados reais custos de produção e au-mentando suas taxas de lucro.

A segunda causa para o au-mento no preço dos alimentos émudança na função social da agri-cultura, que historicamente teve amissão de produzir comida. No en-tanto, com a crise energética mun-dial, a agricultura está investindo nageração de energia renovável. Umexemplo é a produção de milho nos

Como você avalia as po-líticas sociais de energiado governo Lula, comoo programa Luz para To-dos? E a “tarifa social”,que determina que todosos consumidores comgastos menores que 200kWh/mês sejam benefici-ados com descontos?

A “tarifa social” é uma po-lítica compensatória, tendoem vista que o preço da ele-tricidade se tornou tão exacerbado,grandes segmentos da populaçãoficariam sem nenhum acesso.Quanto ao programa Luz para To-

dos também é compensatório eatende, inclusive, aos interesses dasempresas distribuidoras, porquetambém se transformou num gran-

Estados Unidos, basicamente des-tinada para a produção de etanol. Omesmo acontece na Argentina: nasáreas antes destinadas à plantaçãode trigo, hoje está sendo plantadomilho, influenciando diretamenteno aumento do custo do pão queconsumimos aqui, produzido prin-cipalmente com trigo argentino.

E no Brasil, grandes extensõesde terra que antes eram destinadas àprodução de alimento, hoje estão sen-do disputadas para plantar cana-de-açúcar, também para a produção deetanol. Em nosso território temos 7milhões de hectares plantados comcana e, com o incentivo do governobrasileiro, as empresas sucro-alcooleiras querem chegar no ano2017 com 28 milhões de hectaresplantados. Segundo GilbertoCervinski, da coordenação nacionaldo MAB, o grande problema nessamudança da função social da agri-cultura é que quando ela passa a pro-duzir energia ao invés de alimentos,o preço do alimento passa a ser de-terminado pelo preço do petróleoque, pela especulação das grandesempresas, já alcança mais de 130dólares o barril.

Se não bastasse, nosso mo-delo de agricultura é “petrodepen-dente”, ou seja, o transporte daprodução dos grãos depende dopetróleo. Para três toneladas doinsumo utilizado na lavoura queleva uréia, fósforo e potássio, sãoutilizados quase quatro mil litrosde petróleo e com o alto preçodeste combustível, o custo finalde produção é transferido para oconsumidor.

Por fim, se já pagamos umpreço alto pelo alimento que com-pramos, este preço tende a aumen-tar com os desastres ambientais queacontecem em regiões que aindaproduzem alimentos. Estudos cien-tíficos concluem que esses desas-tres estão sendo ocasionados tam-bém pelo aumento no monocultivode cana, soja e eucaliptos. "Estemodelo de agricultura leva, inevita-velmente, ao desastre ambiental, assecas, enchentes e temporais sãoconseqüências dessa agricultura queprivilegia a produção de energia aoinvés da produção de alimentos oua produção sustentável de ambos,energia e alimentos”, finalizaCervinski.

de negócio. Na verdade,quem dirige esses proces-so de expansão são as con-cessionárias de energia dosEstados. Por outro lado,não dá para negar que o Luzpara Todos é, em relação aogoverno passado, eficiente,na medida que o trabalha-dor não paga pela constru-ção das linhas de transmis-são, mas somente pela ele-tricidade.

Por Eduardo Sales de Lima* Entrevista publicada originalmente e na íntegrano Jornal Brasil de Fato. A tese de doutorado foi

defendida em setembro de 2007, no ProgramaInterunidades de Pós-Graduação em Energia da USP.

Alta no preço dos alimentos:quem está por trás disso?

Foto: João Zinclar

Usina Hidrelétrica de Xingó, Alagoas

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egundo os dados levanta-dos, nas metrópoles 31%dos entrevistados conhe-

cem o MAB, entre estes, 60% sãofavoráveis ao Movimento e 66%concordam com seus objetivos. Nogeral, as palavra que melhor descre-vem o MAB são justiça, igualdadesocial, organização e coragem.

Além disso, a pesquisa mos-tra que, nas regiões metropolitanas,40% acreditam que os proprietári-os de terras e de empresas não acei-tam negociação com os movimen-tos e reagem às ocupações utilizan-do métodos próprios. Dos entrevis-tados pela pesquisa, 90% afirmamreceber informações sobre os mo-vimentos sociais por meio da tele-visão, outros 34% pelos jornais;

24% por rádio; 18% pela internet;8% por revista. Segundo os coor-denadores do MAB, “mesmo que amaioria das pessoas conheçam os

movimentos sociais pela TV e que,na maioria das vezes, ela nos repre-sente de forma negativa, 69% dosentrevistados afirmam que os mo-vimentos sociais estão ganhandoforça na sociedade, o que é positi-vo para nós, na medida em que so-mos vistos como organizadores desetores excluídos da sociedade”.

“A pesquisa acaba por revelarum nível elevado de afinidade efavorabilidade da população paracom os movimentos sociais aindamais relevantes quando se conside-ram as circunstâncias desfavoráveisque têm para se fazerem conheci-dos”, analisa o professor CarlosWalter Porto-Gonçalves, doutor emgeografia pela Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro.

MAB tem grande aceitaçãoentre os que conhecem o movimento

jornal O Globo divulgouno dia 15 de junho umareportagem apresentando

o resultado da pesquisa feita peloIbope e encomendada pela Vale so-bre os movimentos sociais do cam-po - Movimentos dos Atingidos porBarragens (MAB), Movimento SemTerra, Via Campesina, movimentosde quilombolas e Comissão Pasto-ral da Terra.

O objetivo da pesquisa foimapear a imagens destes movimen-tos em termos de entendimento so-bre seus propósitos, interesses,formas de ação e conseqüênciapara o país. Os resultados se mos-traram confusos e contraditórios,fruto da cobertura superficial e ten-denciosa da mídia sobre as açõesdos movimentos. No entanto, vários

dados favoráveis às organizações docampo foram apontados.

As entrevistas com 2.100pessoas maiores de 16 anos, em

Vale encomenda pesquisa sobremovimentos sociais do campo

OO

metrópoles, cidades e regiões dointerior de vários estados, foramfeitas entre 26 de abril e 6 de maiodeste ano.

Trancamento da ferrovia da Vale, em Governador Valadares/MG

SS

63%

28%

6% 3%

60%

40%

Sobre o MAB3% - conhece bem28% - conhece pouco63% - nunca ouviu falar6% - não sabem/nãoopinaram

66%

34%

66% - concordam comos objetivos do MAB34% - não concordam

Entre os que conhecem60% - são favoráveis40% - são desfavoráveis