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Nº 14 | Julho de 2010 Reassentamento: conquista dos atingidos por barragens Novo Código Florestal Brasileiro possibilita mais desmatamento O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo Página 4 Página 8 Página 9 Foto: Antônio Cruz/Abr Foto: Divulgação/UHE Santo Antônio

Jornal do MAB | Nº 14 | Julho de 2010

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Nº 14 | Julho de 2010

Reassentamento:conquista dos

atingidos por barragens

Novo Código Florestal Brasileiro possibilitamais desmatamento

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos

do mundoPágina 4 Página 8 Página 9

Estouro da barragem no nordestee exploração dos trabalhadores

no Complexo Madeira:a consequência e o avanço do capitalismo no Brasil

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EDITORIAL

www.mabnacional.org.br

Jornal do MABExpEdiEntE

Uma publicação do Movimento dos Atingidos por BarragensProdução: Setor de Comunicação do MAB

Projeto Gráfico: MDA Comunicação IntegradaTiragem: 5.000 exemplares

Movimentos sociais na universidade: espaço de estudo

e articulação

Dois pontos

Turma Haydeé Santamaría que está se formou em julho, na UFRJ

O mês de julho marcará um passo impor-tante na conquista dos trabalhadores, no que diz respeito ao acesso à universidade.

Depois de quatro etapas realizadas no correr de dois anos, se encerra a primeira turma do curso de Energia e Sociedade no Capitalismo Contem-porâneo, turma Haydeé Santamaría, uma parceria de sucesso entre o Movimento dos Atingidos por Barragens e o Instituto de Pesquisa e Planejamen-to Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A primeira turma contou com a presença de 80 militantes de movimentos sociais do Brasil, Argen-tina, El Salvador e Colômbia que desenvolveram trabalhos como conclusão do curso abordando diversos aspectos associados à energia, gênero, cultura, agricultura, trabalho, entre outros.

O encerramento desta turma culmina com a apresentação de alguns dos trabalhos produzidos aos educandos da segunda turma do curso, que permanecem no Rio de Janeiro por 15 dias para realizarem a primeira das quatro etapas.

Para o MAB, este é mais um importante passo na conquista dos trabalhadores, que encontram na universidade o apoio necessário para alavancar a proposta de um projeto energético para o Brasil.

A crise no sistema capitalista não foi superada, todas as análises falam que esta crise será longa e profunda. Neste momento o foco são

os países da Europa, como a Grécia, Espanha e Itália.Neste contexto, estudamos que existem algumas

“mercadorias” que são centrais para os capitalistas superarem sua crise e atingirem novo patamar na acumulação de riquezas. Uma destas mercadorias, ou talvez a principal delas, é a energia.

Assim, ganhará cada vez mais centralidade no próximo período as forças sociais que estão envolvidas com a questão energética - trabalhadores das obras, petroleiros, eletricitários e os atingidos por barragens.

Também neste momento de crise do capital, o país até hoje hegemônico nas forças de exploração, os Estados Unidos, não aceitará perder mais e tentará recuperar espaços que perdeu nos últimos tempos, tanto na economia quanto na política.

Com isso, as eleições que acontecem no Brasil neste ano ganham importância. Sabemos que não é uma disputa onde o Projeto Popular para o Brasil estará no centro dos debates ou terá grandes possi-bilidades de avançar. Porém, nos cabe utilizarmos as forças que temos, para que os setores mais con-servadores não ganhem as eleições em nosso País. Identificamos em nosso recente Encontro Nacional da Juventude Atingida que o setor a ser combatido é o que hoje representa a aliança partidária PSDB- DEM.

São dois pontos que nossa organização, em todos os locais do Brasil, deve levar em conta: uma forte organização e articulação política com os setores ligados com a questão da energia e não permitir a vitória dos setores mais conservadores nas eleições deste ano.

Entre outros tantos, a história nos coloca estes desafios para o momento. No futuro, se aju-darmos a construir uma correlação de forças mais favorável, certamente as tarefas e vitórias podem ser ampliadas. Boa leitura,Coordenação Nacional do MAB

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conquistas se concretizem e que sir-vam de exemplo para outras barragens no Brasil”, afirmou o movimento.

O que o MAB está pautando nas reuniões:

O reassentamento das 400 famílias organizadas no MAB e também das famílias dos assentamentos de re-forma agrária que vão ser atingidos pelo lago da barragem (assentamen-to Joana Darc I, II e III);

O reassentamento de 50 famílias nos 2.600 hectares da Fazenda Santa Rita (localizada entre a BR 364 e o lago), que já foram comprados pela empresa

Que outros latifúndios sejam desapropriados para os reassen-tamentos. Que a empresa coloque transporte a disposição do MAB para que faça visitas a essas áreas;

Que todos os agricultores que te-nham alguma dívida relacionada a investimentos no lote atingido pelo lago, tenham essas dívidas quitadas pela empresa.

Conquistas e retrocessospara os atingidos de Rondônia

Na última edição do jornal do MAB nós pudemos ver que a empresa Vale não explora

somente os atingidos por barragens. Vários setores da sociedade, no Brasil e no mundo, também sofrem os impactos das ações da mineradora. Cansados des-sa injustiça, entidades sociais do Brasil, Canadá, Moçambique, Chile, Peru, Argentina, Nova Caledônia e Indonésia estão lutando juntos no Movimento In-ternacional dos Atingidos pela Vale pela soberania dos solos, águas, terras, e por condições de vida e trabalho dignas para a classe trabalhadora dos seus países.

No dia 8 de julho, esse movimento conquistou uma vitória. Os trabalhado-

Em junho, um grupo do MAB se reuniu com as empresas donas da Hidrelétrica de Santo Antô-

nio, em Rondônia. A reunião foi fruto de um processo de organização e luta feita pelos atingidos por barragens no último período. Resultado dessa luta: os atingidos por barragens de Rondô-nia estão conquistando, pela primeira vez, o direito ao reassentamento!

No entanto, no decorrer das nego-ciações, as empresas quiseram dar um passo atrás. Ao invés de dar 60 hectares para cada família reassentada, que é o módulo mínimo do INCRA, elas querem

res canadenses da Vale-Inco, organi-zados no sindicato USW, ratificaram um acordo coletivo com a Vale, com duração de 5 anos, garantindo muitas conquistas para estes trabalhadores que estavam em greve há mais de um ano. Com o lema “um dia a mais, um dia mais forte” os trabalhadores do Canadá fizeram a maior greve da história da Vale!

Além do lema, a pazinha doura-da é outro símbolo importante para os mineiros do Canadá. Eles a carregam em uniformes e bolsas. Quando ela está virada para baixo, significa que estão na ativa em minas e fornos. Se estiver posta horizontalmente, é aviso

de que algum companheiro tombou vítima de acidente de trabalho. Se as pazinhas estão de pé quer dizer que os trabalhadores estão em greve.

Segundo a carta dos movi-mentos sociais brasileiros enviada à USW, “a greve mostrou as táticas truculentas que a Vale emprega onde chega: desrespeitando o direito fun-damental de greve; usando todos os meios repressivos, como prisões, violação de privacidade e outros métodos. Todas essas repressões não intimidaram os bravos e bravas companheiros/as que mantiveram com muita dignidade suas fermentas empunhadas para o alto”.

dar somente 50, sendo que, destes, 40 hectares seriam de reserva ambiental.

Segundo Ocelio Muniz, da coorde-nação nacional do MAB, “As empresas já reconhecem o movimento como um interlocutor desse processo de negocia-ção. Isso já é uma conquista. Mas, agora temos que pressionar para que o processo do reassentamento seja justo”, afirmou.

O agricultor ri-beirinho Davi Lima da Silva tem grandes ex-pectativas com a con-quista da terra. “Eu sei que não vai ser igual a terra que eu tinha, na beira do rio. Aquela terra nada paga. Mas mesmo assim, quero ir pro reassentamento e vou continuar lutando para que lá a gente tenha uma casa boa, assistência técnica, es-

cola para as crianças, centro comunitário e tudo o mais que temos direito”.

Segundo o MAB, houve avan-ços na negociação. “Esperamos que as

Atingidos por barragens fazem reunião de negociação com Consórcio, em Rondônia

Trabalhadores da Valeconquistam direitos no Canadá

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Reassentamento: conquista dos atingidos

Historicamente o Movi-mento dos Atingidos por Barragens tem lutado para

que as famílias atingidas sejam reassentadas. Para o MAB, é a garantia que as famílias têm de continuarem na terra, plantando e colhendo alimentos, vivendo em comunidades. E é o que acontece onde a luta dos atingidos garantiu esse direito. “As barragens são uma fábrica de sem terra, e onde elas já foram ou estão sendo cons-truídas, nossa luta é para que as famílias tenham terra através do reassentamento”, declarou uma das lideranças do Movimento.

Confira abaixo o depoimento dos agricultores reassentados em diversas partes do país:

João Orli é atingido pela barra-gem Barra Grande, na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, desde 2005 mora no reassentamento São Francisco de Assis, em Esme-ralda/RS: “Hoje somos 32 famílias reassentadas. A empresa dizia que nós não tinha direito, mas a gente fez luta, mobilização, ficamos 65 dias acampados na beira da estrada para conseguir as terras. Hoje produzimos leite, frutas, milho, criamos os nossos animais e continuamos participando do MAB. Eu acho que vale muito a pena lutar pelo reassentamento. É onde a gente se sente melhor”.

Zilda Torquato é cearense e depois da construção da barragem de Castanhão, foi reassentada no município de Jaguaretama. Seu re-assentamento, chamado Desterro, já possui 11 anos: “Nós trabalhava de empregado numa fazenda, aí veio a barragem e tivemos que sair, escolhemos o reassentamento e não a indenização em dinheiro, porque o dinheiro acaba logo. Viemos para cá com 10 famílias, hoje já tem mais duas famílias agregadas, mas esse é o menor dos 19 reassentamentos de famílias atingidas pelo Castanhão, alguns tem até 180 famílias. Nós tivemos a oportunidade de escolher a terra, e escolhemos aqui por causa da boa localização, perto da cidade, pra vender nossos produtos. Pela nossa organização no Movimento, nós ga-rantimos projetos de geração de renda, como a apicultura e produção com os cajueiros, agora estamos iniciando a piscicultura também. Aqui é melhor que antes porque não precisa dividir a nossa produção com o dono da fazen-da, só entre a família e os visinhos”.

Erivelton Gomes Ribeiro mora há dois anos no reassentamen-to Ilha Verde, em Palmeirópolis, To-cantins, depois de ser atingido pela Usina Hidrelétrica de São Salvador: “Antes da barragem eu morava numa ilha no Rio Tocantins. Lá a terra era boa e dava de tudo, melancia, milho, hortaliças. Depois da barragem, com muita luta nós conseguimos o reas-sentamento, mas a terra não é boa, já perdi duas safras. Os atingidos tem o direito de vistoriar a terra antes, mas isso não aconteceu com nós. Este será o primeiro ano que vamos ter assistência técnica, estamos com muita esperança. Mesmo assim, es-tamos contentes, as 19 famílias do reassentamento tem a terra e casa boa, se não fosse a nossa luta no MAB nós tava afogado na água”.

Maria Janete Rudniski nas-ceu em Santa Catarina, foi atingida pela Usina Hidrelétrica de Itá, mas agora é reassentada no município de Marmeleiro, no Paraná. Com orgulho, ela conta sobre o processo de luta para a conquista da terra: “Já faz 20 anos que estamos aqui na Linha Itaíba. No início foi um sufoco, porque nós era peão e a empresa dizia que nós não tinha direito, só nos enrolavam. Então todas as famílias se organizaram no MAB, trancamos muitas vezes a entrada da barragem, sem deixar ninguém entrar pra construir, até a polícia desistia de nós. Foi assim que conseguimos esse reassenta-

mento, onde hoje moro com mais 32 famílias. A carta de crédito não era vantagem, sabemos que quem pegou a carta está pagando o que não deve, o reassentamento é muito melhor, hoje vivemos da venda de leite e do fumo, tenho um casal de filhos e ajudo no MAB no Paraná, eu sou muito feliz aqui”.

Produção de mel em reassentamento no estado do CE

Um reassentamento com uma boa estrutura é a garantia que as famílias permanecerão na terra

Casa em reasentamento do estado Santa Catarina, construída pelos próprios atingidos

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Só a conquista do reassenta-mento não é suficiente para que os atingidos por barra-

gens recuperem o modo de vida que tinham antes da construção da hidrelétrica. É preciso garantir meios de produção, de trabalho e qualidade de vida para as famílias. Pensando nisso, o MAB sempre reivindicou junto à entidades e empresas responsáveis pelas obras projetos de fomento à produção de alimentos saudáveis. Sendo assim, inauguramos uma sessão do Jornal do MAB que discutirá o tema da produção e divulgará as experiên-cias existentes – Nossa Produção.

O MAB acredita que a produ-ção, além de servir para a susten-tação das famílias, ajuda a evitar o êxodo rural e a melhorar a auto-estima dos camponeses. O Estado brasileiro admitiu que tem uma dí-vida histórica com os atingidos por barragens e o próprio presidente Lula declarou que por muito tempo se construiu barragens sem que se desse indenizações justas para as famílias. “Então nós temos que cobrar do governo projetos que nos permitam recuperar a dignidade que perdemos com a construção da barragem”, afirmam os atingidos.

Foi pensando nisso que o MAB assinou recentemente, em Brasília, um termo de parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e com a CONAB (Compa-nhia Nacional de Abastecimento) que visa capacitar os atingidos por barragens para operarem projetos de PAA (Programa de Aquisição de Ali-mentos). Para isso, serão realizados cursos e encontros em todo o Brasil. O PAA consiste na compra de ali-mentos produzidos pela agricultura camponesa que se destinam à insti-

A produção no Movimento dos Atingidos por Barragens

tuições, como Pastoral da Criança, creches, hospitais e escolas públicas.

Segundo o agricultor Hélio Mecca, o termo de parceria trará melhores condições para produzir ali-mentos saudáveis, com preservação do meio ambiente, e geração de renda para as famílias. “Tudo isto fortalece a resistência na terra”, conclui Mecca.

Uma nova experiência: Produção Camponesa de Alimentos Saudáveis

Recentemente, os agricultores atingidos por barragens da bacia do Rio Uruguai, organizados no MAB, em parceria com a entidade norte americana Heifer Internacional, co-meçaram a implantar experiências de um novo método de produção de alimento, que estão chamando de Produção Camponesa de Alimentos Saudáveis (PCAS). As três primeiras estão sendo implantadas, através de mutirões, nos reassentamentos de Laranjeira, em Capão Alto (SC); São

Sebastião, em Esmeralda (RS); e Pri-meira Conquista, em Barracão (RS).

Esta nova Tecnologia Social tem como base o programa “Pro-dução Agroecológica Integrada e Sustentável – PAIS”. A experiência consiste em construir um galinheiro que é rodeado por uma horta de can-teiros circulares, de uma estufa e de um pomar com cerca 150 mudas frutífe-ras, além de um sistema de irrigação.

O objetivo dessa experiência é, além de fortalecer a organização dos camponeses, produzir alimentos saudáveis para a subsistência das fa-mílias e a geração de renda através da venda do excedente da produção. A aplicação desta técnica reduz a dependência de insumos vindos de fora da propriedade; diversifica a produção; utiliza com eficiência e racionalização os recursos hídricos; alcança a sustentabilidade em pe-quenas propriedades; e produz em harmonia com os recursos naturais.

“Estamos contentes, pois já tivemos o reassentamento que foi uma conquista da nossa luta, e agora estamos tendo a oportunidade de melhorar a nossa alimentação e ter uma renda pra continuar vivendo na terra’’, relatou Marines de Souza, uma das beneficiadas pelo projeto.

Segundo a coordenação do MAB, esta metodologia tem como característica a sua alta capacidade de ser replicada por um custo muito bai-xo. Por isso, o MAB vem negociando com o Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES) e com o Sistema Eletrobrás o repasse de recursos para ampliação do numero de experiências. Só na região sul, o MAB pretende buscar recursos para que 10 mil famílias possam ser bene-ficiadas com esse projeto.

Mutirão de construção das mandalas do PCAS

NOSSA PRODUÇÃO

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Superexploração dos trabalhadores no Complexo Madeira

O reajuste salarial foi apenas um dos motivos, dentre tantos outros da revolta e

da paralisação realizada entre os dias 17 e 29 de junho pelos trabalhadores da construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho (RO). Os funcionários quebraram o silêncio e denunciaram o estressante dia-a-dia nos canteiros de obra da barragem. Um cenário repleto de acidentes, abuso e intimidação por parte do Consórcio Santo Antônio – comandado pela empreiteira Odebrecht –, responsável pela cons-trução da hidrelétrica.

A grandiosidade da hidrelétri-ca e todo o dinheiro investido nela contrasta com as péssimas condi-ções de trabalho nos canteiros de obras. Lá, a pausa para o almoço é de apenas uma hora. Pouco para quem leva vinte minutos para se locomover de ônibus até o refeitório e ainda aguarda mais alguns minutos

na fila. Nas obras de Santo Antônio, para os que moram nos alojamentos, é obrigatório o pagamento de R$ 26 ao mês para o aluguel da moradia.

A própria concentração dos trabalhadores que vivem no aloja-mento, quente e sem ar-condicio-

funcionários. João se recorda que os acidentes presenciados por ele ocorreram principalmente por dois motivos: o despreparo de funcio-nários inexperientes e o ritmo de trabalho imposto pelos funcioná-rios responsáveis por gerir a obra, chamados de “encarregados”. “Por causa da pressa, há muitos acidentes com quedas de barras de ferro de 30 metros, ocasionando ferimentos”, conta.

Ir ao ambulatório, entretanto, parece não ser uma prática saudável. “Não vá lá, senão os encarregados vão achar que é proposital, que você não quer trabalhar”, afirma Antô-nio*, há cinco meses no setor de Terra e Rocha. Os encarregados, de acordo com os funcionários ouvidos pela reportagem, além de pressionar, também os intimidam. De acordo com João, o trabalhador em Santo Antônio não pode se posicionar rei-vindicando direitos junto à empresa. “Quem faz isso é despedido ou per-seguido lá dentro”, revela. “Dá para ver encarregados fazendo filmagens para ‘dar quita’”, conta Antônio.

João, que preenche as arma-ções metálicas de concreto, conta uma história parecida. Após uma estrutura ter caído por cima de três operários, ocasionando duas mortes e deixando um trabalhador gravemente ferido, ele revela que a informação só vazou quando foram iniciados os protestos a partir do dia 17 de junho, em que alguns ônibus foram queimados por trabalhadores e parte do alojamento foi depre-dada. “A propaganda lá fora era que aqui seria o jardim do Éden e quando chega aqui só se encontra a serpente e nada mais. Nem a ár-

Funcionários denunciam as péssimas condições de trabalhono canteiro de obras da usina de Santo Antônio

Por Eduardo Sales de Lima

Trabalhadores da usina são submetidos a péssimas condições de trabalho

nado, é algo que, de acordo com o advogado Anderson Machado, propicia a escalada da tensão entre os funcionários e aumenta a insatis-fação em relação ao trabalho. Para ele, a atual situação dos trabalha-dores reflete, sobretudo, o desejo do consórcio de economizar com transporte e aluguel.

O trabalho é árduo. João* trabalha faz pouco mais de um mês na área de concretagem e reside na periferia da capital, Porto Velho. Se-gundo ele, é comum a não-adaptação dos trabalhadores dentro daquele “buraco quente”. “Os desmaios a gente nem conta. Dentro do buraco é a rocha; e ela esquenta e seca o ar todo. Mandam para o ambulatório e, depois de 15 minutos, a pessoa está na frente do serviço de novo”, descreve. João conta que, nas obras, “parece que a nuvem foge do sol”. Os trabalhadores em Santo Antônio, recebem salários que variam de R$

700 a R$ 1000. Os protestos de ju-nho revelam que eles também estão conscientes desses valores reduzidos.

Em Santo Antônio, os aci-dentes são recorrentes e, em muitos casos, até as mortes são abafadas pelo consórcio, segundo contam

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vore do fruto proibido se encontra aqui”, ironiza o trabalhador.

Para além desses fatos, de acordo com o sociólogo Luiz Fer-nando Novoa, da Universidade Fe-deral de Rondônia (Unir), do ponto de vista da luta pelos direitos traba-lhistas, é importante que se destaque o caráter espontâneo e legítimo da paralisação, que, segundo ele, não teve origem em nenhum movimento sindical organizado. “Muito pelo contrário, os movimentos organi-zados estão procurando conter o movimento de base com o auxílio das empresas”, afirma.

Vandalismo?Após a revolta, os trabalhado-

res foram tachados pelo Consórcio Santo Antônio como vândalos. João não concorda: “Existe o grupo das pessoas revoltadas, baderneiros não. É tanto descaso que elas não aguentam mais; qualquer coisa é um ato de defesa para que alguém enxergue o que está acontecendo neste mundo”, explica.

Novoa também acredi ta que vandalismo não é a palavra correta. “Como é que se justifica que um caso de vandalismo iso-lado dure mais de uma semana?”, questiona o sociólogo. Para ele, o conjunto dos milhares de tra-balhadores está chegando a um grau de consciência do limite dessa exploração, de que ela é insuportável. “Os trabalhadores se levantam contra terríveis con-dições de trabalho, praticamente de regime escravo, de brutalidade absoluta a ponto de ocorrer mortes sem verificação de danos ou inde-nização. Diante disso, as empre-sas simplesmente dizem que são casos de vandalismo”, dispara.

Alguns operários foram de-mitidos pelo consórcio, que alegou “vandalismo” como a causa. Entre as pessoas demitidas pelo consór-cio por causa dos protestos e que ficaram apenas com a roupa do corpo, está Joaquim*. Ele soube que o consórcio colocou seu nome

numa lista que o envolvia nas de-predações. “Fiquei rodado, sem dinheiro, quebrado. Jamais sairia do meu estado para tentar ganhar a vida aqui em Porto Velho para bagunçar numa obra”, conta.

Joaquim diz que não irá as-sinar a demissão por justa causa: “não assino de jeito nenhum, não vou assinar por uma coisa que não devo”. Ele faz questão de lembrar que foi proibido de ir ao enterro de sua filha, no final de maio, morta aos 4 anos de idade, em Sergipe. “Tive que trabalhar com as lágrimas caindo dos olhos”, lamenta.

Intimidação e vigilâncianas barragens

Joaquim, denunciou ainda que alguns policiais civis de Ron-dônia aproveitaram a greve ocorri-da entre os dias 17 e 29 de junho para ganhar um dinheiro extra. “Ficaram à disposição da Odebre-cht para trabalhar à paisana. São policiais que todo mundo conhece e trabalham lá ameaçando os cola-boradores”, revela.

No caso das obras da usina de Jirau, a 120 quilômetros de Porto Velho e que, ao lado de San-to Antônio compõe o Complexo Hidroelétrico do Rio Madeira, um caso bem divulgado pela imprensa de Rondônia foi o da presença do ex-chefe da Agência Brasileira

de Inteligência (Abin) em Ro-raima, coronel Gélio Fregapani. Contratado pela empresa Sagres Consultoria, que por sua vez foi contratada pela Camargo Corrêa para fazer o trabalho de espiona-gem, ele residiu em Porto Velho durante seis meses e se apresen-tava à população de Jaci-Paraná e Mutum-Paraná como escritor e garimpeiro. Segundo informações da imprensa local, Fregapani ela-borou dossiês sobre cada lideran-ça contrária às usinas, de ONGs e políticos que se colocam como “obstáculos” às obras.

O que os trabalhadores reivindicam?

Além da questão salarial, as outras principais reivindicações dos trabalhadores são a folga aos sába-dos, o aumento do horário de almoço de uma hora para uma hora e meia e uma ajuda de custo para quem mora na cidade de R$ 250. Ar condicio-nado nos alojamentos e retirada do valor cobrado pelos mesmos, de R$ 26, também estão na pauta de reivindicações. Os trabalhadores, de acordo com Edirceu*, ainda querem triplicar o valor da cesta básica, hoje de R$ 80 e desejam que o Vale Saúde se estenda para toda a família.*Com medo de represálias, os trabalhadores entrevistados solicitaram que a reportagem utilizasse nomes fictícios.

Matéria publicada originalmenteno jornal Brasil de Fato.

Greve dos operários paralisou as obras da hidrelétrica de Santo Antonio

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Novo Código Florestalpossibilita mais desmatamento

Depois de dois dias de sessões conturbadas, uma Comissão Especial da Câmara dos De-

putados aprovou, no último dia 6 de julho, alterações no Código Florestal brasileiro. Pela nova redação, não haverá mais a obrigatoriedade de se preservar 30 metros de vegetação na beira dos rios (matas ciliares), mas apenas 15 metros, em se tratando de cursos d’agua que tenham de cinco a dez metros. Além disso, propriedades com até quatro módulos fiscais - o que na Amazônia, por exemplo, equi-vale a 400 campos de futebol - que já tenham desmatado áreas de Reserva Legal, não serão mais consideradas ilegais e nem precisarão replantá-las. Pelo novo Código, os topos dos morros também deixam de ser consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) e podem ser des-matados. São justamente estas áreas que recarregam os lençóis freáticos.

O Código Florestal,que é a lei federal 4771,

existe desde 1965e é responsável por regular

a relação entre os brasileirose os biomas do país.

O código define a observância das APPs, de Reserva Legal e vários outros dispositivos que visam coibir a exploração desenfreada da natureza.

Em junho, o deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB/SP), relator da comissão especial criada para ana-lisar os projetos de lei que alteram o Código Florestal, apresentou um relatório que flexibiliza as normas já existentes, como reivindicava a cha-mada bancada ruralista no Congres-so. Em resposta, movimentos sociais

em agroecologia Luiz Zarref, da Via Campesina, considera que o projeto praticamente ‘derruba’ o Código Florestal. Ele explica que, ao contrá-rio do que sugere o relatório do de-putado Aldo Rebelo, os movimentos sociais reunidos na Via Campesina nunca tiveram como demanda o fim da Reserva Legal em propriedades de até quatro módulos fiscais.

Pelo novo código, os proprietá-rios destas unidades devem preservar as matas restantes, mas estão desobri-gados a recompor o que já tiver sido destruído da Reserva. Luiz acredita que este é um dos principais proble-mas do novo texto. “O conceito de Reserva diz que se trata de uma área de uso sustentável, de manejo, onde se pode plantar frutas, até mesmo café, em convivência com espécies nativas. Esta Reserva é importante para se di-versificar a produção”, explica.

O projeto aprovado anistia os proprietários de terras que desmata-ram ilegalmente até o ano de 2008. Luiz alerta que, na verdade, o que foi aprovado desobriga os desmatadores de pagamento de multa até o presente momento porque não existe estrutura suficiente nos órgãos de fiscalização para saber quem desmatou antes ou depois de 2008. “Nós não temos acesso a imagem de satélite de todo o território nacional com tanta atua-lidade e o único meio de saber isso é por meio destas imagens, que são caríssimas. Só as temos em algumas regiões de fronteira da Amazônia, mas que ainda assim são imagens boas para detectar queimadas”, diz.

Leia a matéria na íntegra no site da Fiocruz: www.epsjv.fiocruz.br

Análise

Muito se está discutindo na mídia sobre o Código Florestal. Mas o que é esse código? Qual a posição dos movimentos sociais sobre ele? Veja na matéria abaixo, originalmente publicada no site da EPSJV/Fiocruz.

Por Raquel Júnia

ligados ao campo, pesquisadores e intelectuais começaram uma campa-nha contra a aprovação do relatório apresentado por Rebelo. Nos últimos dias 5 e 6 de julho, o deputado apre-sentou um substitutivo que sofreu várias alterações ao longo das duas sessões de discussão e aprovação da matéria. Com presença de pessoas contrárias e favoráveis assistindo às reuniões, vaias e aplausos eram ouvidos constantemente. Algumas das modificações foram feitas por

Aldo Rebelo horas antes da votação, na madrugada do último dia 6, razão pela qual deputados contrários à aprovação do texto se posicionaram insistentemente pelo adiamento da decisão, mas não tiveram êxito e a proposta foi aprovada por 13 a 5 votos. Os vários destaques apre-sentados pelos deputados também foram reprovados.

A opinião dos movimentos sociais

O projeto de lei aprovado na Comissão Especial ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara e do Senado para começar a vigorar. O engenheiro florestal especialista

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O uso dos agrotóxicos no Brasil e no mundo come-çou a ser intensificado a

partir das décadas de 60 e 70, com a chamada revolução verde. A revolução verde foi um processo de mudança da política agrícola no país, implementado a partir da segunda guerra mundial. Com um falso discurso de modernização do campo, esse processo incentivou a prática de monocultivos, o uso de sementes geneticamente modifica-das, a forte mecanização do campo e o uso dos pacotes agroquímicos.

O uso dos venenos no Brasil é tão intenso que, em 2009, ultra-passou a marca de 1 bilhão de litros. “Fazendo uma distri-buição da quantidade de veneno utilizado no ano por habitante no país, chegamos a conclusão de que cada um de nós consumiu uma média de 5,2 kg de agrotóxicos ao lon-go do ano”, afirmou Roseli de Souza, do Movimento dos Pe-quenos Agricultores.

A produção e a comercialização dos venenos no Brasil e no mundo se concentram na mão de seis grandes empresas transnacionais, que con-trolam mais de 80% do mercado. São elas: Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont, Dow e Basf. Além de controlar a fabricação dos agro-tóxicos, essas empresas também controlam a produção e comercia-lização de sementes, gerando um ciclo vicioso de consumo. Desse modo, o agricultor, que passa a utilizar sementes transgênicas e venenos, será sempre dependente dessas empresas.

O Brasil é o maior consumidorde agrotóxicos do mundo

importou 1,84 mil toneladas de agrotóxicos, volume que aumentou para 2,37 mil toneladas em 2009 e pode crescer com a safra de 2010.

Camponeses debatem sobre agrotóxicos

Os movimentos sociais da Via Campesina estão organizando para os dias 14 a 16 de setembro um seminário nacional sobre os agrotóxicos. Estão sendo convida-dos representantes de movimentos sociais, ambientais e estudantis, associações de agroecologia, inte-lectuais, representantes do poder público e Igrejas, entre outros, para debater sobre os impactos dos

agrotóxicos na saúde pública e no meio ambien te , a ss im como as implicações políticas e econômi-cas do atual modelo de agricultura, que tem como carro che-fe os agrotóxicos. Outro objetivo do seminário é organizar um panorama mais preciso do uso dos agrotóxicos no Brasil e definir um plano de ações conjuntas.

O Movimento dos Pequenos Agricultores também está mobiliza-do em torno do tema. Durante o seu 3º Encontro Nacional, foi lançada a Campanha Nacional Contra o uso de Agrotóxicos, que tem por objetivo promover um amplo debate com a sociedade sobre os problemas causa-dos pelo uso dos venenos no Brasil, articulando ações que fortaleçam a agricultura camponesa e a produção de alimentos saudáveis, reafirmando a agroecologia como proposta de produção para o campo brasileiro.

Contra os agrotóxicos, movimentos fortalecem a agricultura camponesae a produção de alimentos saudáveis

As consequênciasO uso indiscriminado de

agrotóxicos tem gerados inúme-ros desastres ambientais, doen-ças, desequilíbrios, contamina-ção dos alimentos, entre outras conseqüências. Recentemente os pesquisadores descobriram que o uso de alimentos com venenos podem causar desaten-ção, hiperatividade e impulsivi-dade nas crianças. Além disso, estudos mostram o risco de al-gumas substâncias provocarem problemas hepáticos, doenças de pele, mais risco de câncer, problemas hormonais, neuroló-gicos e reprodutivos.

O problema é que o consumo abusivo de agrotóxicos, na maioria das vezes, não tem efeito imediato. “As doenças vêm a longo prazo, com isso pagamos um preço invi-sível, que é o aumento do custo na área de saúde”, finalizou Roseli.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em dados da ONU e do Ministério do Desenvolvimento, o Brasil é o principal destino de agrotóxicos desenvolvidos em diversos países. Em 2008, o país

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Barragens ameaçam ribeirinhos antes e depois da construção

Sem manutenção,é grande o riscode rompimento,principalmente em barragens antigas

O rompimento de barragens no Brasil tem sido recor-rente nos últimos anos,

basta citar os casos mais recentes: em janeiro de 2010, o rompimento da barragem Cafundó, região cen-tral do Rio Grande do Sul, inundou e causou estragos em comunidades ribeirinhas; em maio de 2009, no Piauí, a barragem de Algodões se rompeu, cerca de 3 mil ficaram de-sabrigadas; e mais recentemente, no final do mês de junho, o rompimento da barragem de Bom Conselho, em Pernambuco que, juntamente com o grande volume de chuvas e o estouro de outras pequenas barragens, contri-buiu para a inundação de cidades em Pernambuco e em Alagoas.

O fato é que hoje, no Brasil, não existe uma lei que regula-mente a segurança das barragens, estabeleça competências e defi-na responsabilidades. A falta de manutenção dessas estruturas e o uso indevido da água por em-

presas privadas acabam causando essas tragédias que vemos pelos noticiários. No entanto, as chuvas acabam recebendo a culpa sozinha e a real informação sobre a origem das inundações é negada.

A barragem de Bom Conselho tinha quase 80 anos e não deu vazão suficiente para a grande quantidade de água acumulada. Com o rompi-mento, a parte baixa do município ficou totalmente inundada. Segundo o diretor da rádio da cidade, Glácio Dória, o desastre nos dois estados não foi causado apenas pelo estouro da barragem, mas o acidente con-tribuiu com a inundação. “A barra-

Ser duplamente atingido por barragensQuando as barragens são construídas, as famílias do entorno são

atingidas, expropriadas, deslocadas. Esse é primeiro impacto que elas sofrem. Quando uma barragem estoura, novamente o pânico ronda essas famílias, que em muitos casos, permanecem em condições desumanas, após a onda de sensibilização nacional.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens, o rompimen-to da barragem de Bom Conselho, em Pernambuco, e os demais casos ocorridos no Brasil alertam para o perigo que sofrem as fa-mílias que vivem a jusante das barragens. É necessário que se faça a manutenção permanente dessas estruturas para evitar que mais desgraças aconteçam.

Estouro de barragem contribuiu para enchente no nordeste

gem tinha capacidade de acumular 500 mil metros cúbicos de água, foi muita água que desceu pelo rio Paraibinha inundando tudo o que encontrava e estourando outras barragens”, afirmou.

O que fica são milhares de famílias desabrigadas, sem perspec-tivas de reconstrução de suas vidas. Segundo informações da imprensa, pelo mapeamento do governo de Alagoas e da Agência Nacional de Águas (ANA), 19 cidades afetadas pelas enchentes no Estado serão re-construídas em outro local, ou seja, 17 mil casas terão que ser reconstru-ídas em um novo lugar, deslocando cerca de 68 mil pessoas.

Em visita aos municípios atingi-dos, os militantes do Movimento Sem Terra de Pernambuco relatam que bair-ros inteiros foram destruídos, assim como a infra-estrutura dos municípios: pontes, estradas, abastecimento de água, energia elétrica, rede de esgotos, escolas, postos de saúde e hospitais, tudo foi levado pela força das águas. “As cidades de Palmares, Água Preta e Barreiros foram praticamente des-truídas, sobraram apenas amontoados de destroços e restos de casas. É mui-to entulhos e lama em toda parte, as famílias estão em abrigos públicos, casas de parentes e em acampamentos provisórios”, afirmam.

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UHE de Balbina e Belo Monte,duas faces de uma mesma moeda

A usina hidrelétrica de Balbi-na, construída no coração da Amazônia na década de

80, é considerada uma vergonha nacional pelo desastre ambiental que causou: inundou uma área equiva-lente a 634 mil campos de futebol (444 mil hectares) para uma potên-cia instalada de apenas 250 MW.

Ao mesmo tempo que Balbi-na era construída, Belo Monte foi projetada. Ambos são projetos da ditadura militar, tidos pelo Estado como essenciais para o desenvol-vimento do país. Ambos atingem terras indígenas e de ribeirinhos e estão encravados no meio da floresta amazônica. Balbina não deu certo: no decorrer de 22 anos, quase du-plicou sua área de alague em função do acúmulo de material orgânico e é uma das usinas que mais emitem gases de efeito estufa.

Já o projeto Belo Monte voltou à cena reelaborado, quase 30 anos depois da apresentação do primeiro projeto. Agora aparece como uma única barragem a ser construída no Rio Xingu (omite-se as outras bar-ragens a serem construídas), com uma quantidade de energia pouco relevante, se considerado o desastre ambiental, social e o alto custo da obra. Portanto, o risco que corremos é de ter duas Balbinas na Amazônia.

O fato é que nenhuma outra barragem construída nos últimos anos tem tido tanta manifestação contrária. E não é pra menos, Belo Monte traz uma avalanche de irregularidades. O Painel de Especialistas, grupo técnico que estudou os impactos da barragem, apontou diversos problemas que a usina trará. Os problemas vão desde a “omissão e falhas na análise de situações e dados sociais, econô-micos e culturais” pelo EIA/RIMA até a não realização de audiências públicas verdadeiras, bem como a não realização da consulta prévia

às comunidades indígenas, como previsto na Convenção 169 da OIT.

Para Rogério Hohn, do Movi-mento dos Atingidos por Barragens, o Estado brasileiro age como um gerenciador do grande capital e dos interesses das empresas ligadas à construção de barragens. Segundo ele, a insistência pela construção de Belo Monte “é do grande capital, que faz a sua pressão para dentro do governo, através de vários mecanismos”.

Igreja e Cimi reforçam contrariedade à barragem

Historicamente a luta contra Belo Monte tem tido apoio da Igreja. Os bispos do Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB emitiram nota na qual afirmam almejar um desenvol-vimento para o Brasil que tenha por base o respeito à vida, a participação efetiva das pessoas na discussão e na decisão dos projetos e a garantia de que serão realmente beneficiadas, sem graves impactos prejudiciais à vida do povo e ao meio ambiente. “Não é pos-sível apoiar processos que ameaçam a vida de comunidades tradicionais e de outros habitantes da região e agri-dem, desrespeitam e destroem o meio ambiente”, disseram, referindo-se à construção da barragem.

O CIMI (Conselho Indigenista Missionário), que tem bastante inter-ferência na região devido ao grande

número de indígenas, tem grandes preocupações sobre os impactos que, de acordo com Cleber Busato, serão principalmente em três aspectos: “O prejuízo à navegabilidade, pois o rio é a via de transporte do povo daquela região e a diminuição da ali-mentação dos indígenas, pois o rio é a principal fonte de alimentos. Além disso, nós acreditamos que quando se constroem barragens, sempre há um inchaço populacional e junto com essa população que busca trabalho, haverá pressão sobre as terras indí-genas, principalmente por parte de madeireiros, e isso pode potencializar a violência nessa região”, afirmou.

Vídeo documentário sobre Belo Monte

O MAB está lançando o docu-mentário “Xingu, o sangue da nossa sobrevivência”, que destaca a luta e a resistência dos povos atingidos por Belo Monte. O objetivo deste docu-mentário é alertar a população em geral sobre as ameaças do projeto e convidar para que cada vez mais pessoas se envolvam na luta contra a barragem e contra o avanço do capital nacional e internacional na região amazônica, que ainda detém as maiores reservas de minérios, água e biodiversidade do mundo.

O vídeo pode ser acessado pelo site do MAB: www.mabnacional.org.br.

Ribeirinhos do Xingu já sofrem as consequências de Belo Monte

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Plebiscito Popular pelolimite da propriedade da terra

Congresso da CLOC

De 1 a 7 de outubro acontecerá em Temacapulín, México, o 3º Encontro Internacional do Atingidos por Barragens. Mais de 300 atingidos por barragens,

representantes de organizações civis e movimentos sociais de todo o mundo se reunirão para compartilhar experiências e informações, desenvolver estratégias coletivas e fortalecer o movimento internacional de luta contra as barragens.

Os moradores de Temacapulín estão no meio de uma campanha para impedir a construção da barragem El

Em setembro será realizado no Brasil o Plebiscito Popular pelo limite da propriedade da terra.

Esta consulta é fruto da Campanha Na-cional pelo Limite da Propriedade da Terra, criada com o objetivo de conscien-tizar e mobilizar a sociedade brasileira sobre a necessidade e a importância de se estabelecer um limite para a propriedade.

O avanço do capital financeiro e de grandes conglomerados empresa-riais do agronegócio vem aumentando a concentração de terras e piorando a vida dos trabalhadores rurais. Esta é a constatação das diversas organizações

que organizam o Plebiscito. Atualmen-te, o agronegócio representa 15,6% dos estabelecimentos agrícolas, embora mo-nopolize 75,7% da área agrícola, ou seja, poucos latifundiários controlam muita área de terra. Esta informação é do último censo agropecuário de 2006, do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que coloca luz sobre os dois modelos agrícolas que estão disputando a nossa

agricultura: o agronegócio e a agricul-tura familiar e camponesa. O estudo

mostrou que está em curso o mesmo modelo aplicado no Brasil há cinco séculos, susten-tado no latifúndio, na monocultura extensiva e no interesse de atender o mercado externo.

O P l e b i s c i t o acontecerá entre os dias 01 e 07 de setembro, junto com o Grito dos Excluídos. Participe!

O Equador se prepara para receber, em outubro, mil delegadas e delegados das diversas organizações camponesas do nosso continente, quando será realizado o V Congresso da Coordenadoria Latinoamericana de Organizações do Cam-

po, CLOC. O V Congresso da CLOC acontecerá de 8 a 16 de outubro, em Quito, onde também será realizada a IV Assembléia de Mulheres do Campo e a III Assembléia dos Jovens.

Este V Congresso é resultado de um processo de luta, avaliação e formação continental, iniciado há um ano, em abril de 2009, na cidade de Havana, Cuba, e que se fortaleceu ainda mais depois da reunião em nível continental e internacional da Via Campesina, que ocorreu em outubro de 2009, no Equador.

Entre os objetivos do Congresso está propiciar a integração regional latinoa-mericana, fomentar a articulação campo-cidade e estabelecer alianças com outros setores, promover a participação de novas organizações nacionais, potencializar a participação da juventude em organizações locais e nacionais e ampliar a CLOC com novas organizações nacionais.

3º Encontro Internacionaldos Atingidos por Barragens

Zapotillo e receberão com muito entusiasmo os membros do movimento internacional contra barragens em seu po-voado para este encontro.

Segundo os organizadores do encontro, já estão confirmados participantes da África, Europa, Améri-ca Latina, América do Norte, Ásia Central y Sudeste Asiático. O MAB, que organizou o 1º Encontro Inter-nacional, no Brasil, participará com uma delegação de diversos estados.