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Jornal do Rio Vermelho – uma publicação da AMARV – Salvador, Bahia – Junho de 2014 – ano III número 7 GRAFITE, GRAFITO ou GRAFITI D o italiano grafitti, plural graffito é o nome dado às inscrições feitas em paredes, desde o Império Romano. Con- sidera-se grafite uma inscrição caligrafada ou um desenho pintado ou gravado so- bre um suporte que não é previsto para esta finalidade. Por muito tempo, visto como irrelevante ou mera contravenção, atualmente é considerada como forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais, mais especificamente, da street art ou arte urbana. A partir do movimento contracultural de 1968, quando os muros de Paris foram su- porte para inscrições de caráter poético- -político, a prática do grafite generalizou- -se pelo mundo. Na década de 1970, em Nova Iorque, alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e, algum tempo depois, essas marcas evoluíram com técnicas de desenho. No Brasil, o grafite foi introduzido também na dé- cada de 1970 em São Paulo. Os grafites também podem estar associados a di- ferentes movimentos e tribos urbanas como o hip-hop, e a variados graus de transgressão. Págs. 10 e 11 Foto: Edgard Carneiro / Obra: Éder Muniz A arte democrática das ruas Foto: Raul Golinelli/GOVBA Copa do Brasil e a Cozinha do Rio Vermelho. Começou a grande festa! Págs. 8 e 9 Foto: Divulgação 3ª Bienal da Bahia. Após 46 anos a arte retoma sua trajetó- ria interrompida. Pág. 7 Ilustração: Rafael Titonel Cid Teixeira, a enciclopédia da Bahia. É o personagem desta edição. Págs. 12 Foto: Edgard Carneiro Guache Marques. Na Galeria do Artista apresenta sua arte de signos e símbolos. Pág. 16 O Cinema e o Rio Vermelho. Confira, que o nosso bairro está bem na fita. Pág. 6 Ilustração: Rafael Titonel

Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

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O Blog do Rio Vermelho tem o objetivo de discutir e divulgar o bairro. É o exercício da vizinhança de forma virtual.

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Page 1: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

J o r n a l d o R i o V e r m e l h o – u m a p u b l i c a ç ã o d a A M A R V – S a l v a d o r , B a h i a – J u n h o d e 2 0 14 – a n o I I I n ú m e r o 7

GRAFITE, GRAFITO ou GRAFITI

Do italiano grafi tti, plural graffi to é o nome dado às inscrições feitas em

paredes, desde o Império Romano. Con-sidera-se grafi te uma inscrição caligrafada ou um desenho pintado ou gravado so-bre um suporte que não é previsto para

esta fi nalidade. Por muito tempo, visto como irrelevante ou mera contravenção, atualmente é considerada como forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais, mais especifi camente, da street art ou arte urbana.

A partir do movimento contracultural de 1968, quando os muros de Paris foram su-

porte para inscrições de caráter poético--político, a prática do grafi te generalizou--se pelo mundo.

Na década de 1970, em Nova Iorque, alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e, algum tempo depois, essas marcas evoluíram com técnicas de desenho. No Brasil, o

grafi te foi introduzido também na dé-cada de 1970 em São Paulo. Os grafi tes também podem estar associados a di-ferentes movimentos e tribos urbanas como o hip-hop, e a variados graus de transgressão.

Págs. 10 e 11

Foto: Edgard Carneiro / Obra: Éder Muniz

A arte democrática das ruas

Foto: Raul Golinelli/GOVBA

Copa do Brasil e a Cozinha do Rio Vermelho. Começou a grande festa!

Págs. 8 e 9

Foto: Divulgação

3ª Bienal da Bahia. Após 46 anos a arte retoma sua trajetó-ria interrompida.

Pág. 7

Ilustração: Rafael Titonel

Cid Teixeira, a enciclopédia da Bahia. É o personagem desta edição.

Págs. 12

Foto: Edgard Carneiro

Guache Marques. Na Galeria do Artista apresenta sua arte de signos e símbolos.

Pág. 16

O Cinema e o Rio Vermelho. Confi ra, que o nosso bairro está bem na fi ta.

Pág. 6

Ilustração: Rafael Titonel

Page 2: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

2 – JRV

EDITORIAL

Nesta edição trazemos como matéria principal a arte de-mocrática das ruas, o grafi te. Arte que transformou o Rio Vermelho numa imensa tela livre e vem se fortale-

cendo cada vez mais com o surgimento de novos talentos.

Em tempos de Copa do Mundo, onde a capital baiana tem a previsão de receber 300 mil turistas, o Rio Vermelho está de braços abertos para essa turma, oferecendo diversão e boa convivência. Lembrando que estamos no São João, a festa mais alegre e tradicional da nossa terra.

Homenageamos o sempre morador do bairro Professor Cid Teixeira, a “Enciclopédia da Bahia”, há algum tempo sem dar entrevistas, publicando trechos de uma entrevista inédita, feita com exclusividade para a Revista de Arte Dendê que nos presenteia com as palavras do mestre.

Estivemos no Palacete das Artes e conferimos de perto as “Tramas Sinceras” de Chico Mazzoni que está de parabéns pela belíssima exposição. Na Galeria do Artista um bate papo com Guache Marques, também morador do Rio Ver-melho, que fala da sua trajetória no mundo das artes plás-ticas e nos apresenta algumas de suas obras. E falando em arte, não poderíamos deixar de destacar a III Bienal da Bahia após um recesso forçado de 46 anos.

Finalmente, temos a Ceasinha do Rio Vermelho que virou Mercado do Rio Vermelho, muito bonita na sua nova ar-quitetura. Fomos mais uma vez prestigiados com um arti-go de Biaggio Talento, e apresentados a uma crônica bem humorada de Dilton Machado. Lula Oliveira passa um fi lme da memória do cinema no nosso bairro. Carlinhos Brown de parabéns pela obra sua e do Candeal, a Pracatum.

Citando tantos talentos, é preciso valorizar a prata da casa, a jornalista Carmela Talento e sua coluna Deu no Blog, eternos vigilantes do Rio Vermelho, que tem nos acompanhado em todas as edições.

Como sempre, não podemos deixar de agradecer o apoio dos comerciantes e empresários que acreditam no Jornal do Rio Vermelho. Vamos brindar com um bom vinho o arroz ne-gro de polvo do Restaurante Póstudo, torcendo, é claro, pela nossa seleção. Mostra sua força Brasil!

Boa leitura!

Lauro Alves da Matta JúniorPresidente da AMARV

EXPEDIENTECONSELHO EDITORIAL – José Sinval Soares – André Avelino de Souza Ferreira – José Mário de Magalhães Oliveira – Wanderley Souza Fernandes – Carmela Talento – Marcos Antonio Pinto Falcão

Jornalista Responsável – José Sinval Soares – MTE 1369Revisão – Carlos Amorim – DRT/BA 1616Projeto Gráfi co e Editoração – Dendê ComunicaçãoTiragem – 8.000 exemplaresImpressão – Gráfi ca Press ColorContato – [email protected]ÇÃO GRATUITA

Esta é uma publicação da Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho – AMARV. Fotos e artigos assinados são de responsabilidade de seus autores.

ANUNCIE AQUI!LIGUE PARA LAURO MATTA:(71) 9158-8000 / 9667-9666 / 8164-7144 / 8849-2674

Preparação para a Copa

O Rio Vermelho é uma das localida-

des de Salvador incluída nos Territó-

rios Criativos, projeto que visa me-

lhorar a competitividade dos micro

e pequenos negócios para atender

os turistas que visitarão Salvador

durante a Copa do Mundo 2014.

Os Territórios Criativos são áreas ur-

banas de elevado potencial turísti-

co e cultural, nas quais a comunida-

de apresenta comprovada vocação

para as artes e hospitalidade.

O projeto é uma das ações desen-

volvidas dentro do Convênio Sebrae

e Secopa, com a representatividade

da AMARV, que tem por objetivo a

formatação de projetos turísticos cul-

turais de qualidade internacional em

Salvador, contribuindo para a me-

lhoria da competitividade do destino

baiano. A iniciativa buscou identifi car

e trabalhar oportunidades de negó-

cios não somente para a Copa, mas

que perdurem depois do evento.

Reuniões, seminários, palestras e cur-

sos de qualifi cação foram feitos, apri-

morando o bairro na sua criatividade.

Verde Perto

Criado em março de 2014 pela Se-

cretaria Cidade Sustentável (SEUS),

o Programa Verde Perto envolve a

adoção de espaços e equipamentos

públicos por pessoas, empresas e as-

sociações que podem, de forma ofi -

cial, efetivar parcerias no sentido de

trabalhar junto com o poder público

para manter e cuidar dos espaços.

O programa já promoveu a adoção

de várias praças de Salvador, inclu-

sive a do Campo Grande. Ainda há

outras 60 praças e largos para se-

rem adotadas de acordo com cha-

mamentos publicados pela SECIS.

No Rio Vermelho, o chamamento

cita apenas o Largo da Mariquita.

No site do Programa Verde Perto o

interessado pode acessar a lista de

espaços disponíveis para adoção

ou pelo telefone (71) 3355-0314.

Eu Curto Meu Passeio

Começaram a vencer os prazos das

primeiras notifi cações do “Eu Curto

Meu Passeio” – programa da Prefei-

tura de Salvador que prevê a recupe-

ração e adequação das calçadas da

cidade, com vistas à promoção da

mobilidade e acessibilidade. A partir

desse momento, inicia-se uma nova

etapa do programa, que é o retorno

dos fi scais da prefeitura aos imóveis

notifi cados para verifi car o atendi-

mento à determinação municipal. O

prazo da notifi cação é de 90 dias.

A SUCOM tem registrado denún-

cias de erro na instalação do pa-

vimento tátil – instrumento fun-

damental de acessibilidade para

portadores de defi ciência visual.

Segundo o órgão, equívocos ocor-

rerão mas serão ajustados, lem-

brando que, após as denúncias,

tem realizado vistorias e notifi ca-

do o responsável para que sejam

feitas as adequações. O modelo

de calçada adotado por Salvador

foi desenvolvido por técnicos da

Fundação Mário Leal Ferreira e está

disponível no site da autarquia.

A SUCOM avisa que serão aplicadas

sanções aos proprietários dos imó-

veis que foram notifi cados mas não

fi zeram seus passeios.

AMARV se reúne mais uma vez com a Prefeitura

O presidente da AMARV, Lauro

Matta, a vereadora Aladilce Souza,

e o presidente da Associação dos

Permissionários do Mercado do

Peixe, Mércio Alves, estiveram reu-

nidos no dia 29 de maio por mais

de duas horas com o secretário

Guilherme Bellintani, a quem mais

uma vez cobraram as reinvidica-

ções dos moradores do bairro.

Ficou acordado em reunião diver-

sas ações da prefeitura nos diver-

sos macroambientes do bairro,

segundo um cronograma prees-

tabelecido. Hoje já se vê algumas

intervenções, como correção do

asfalto em algumas ruas, poda de

árvores, melhoria da sinalização

horizontal das vias e pintura de fai-

xa de pedestres e pintura do meio-

-fi o das principais ruas e avenidas.

Estão sendo instalados novos pos-

tes com iluminação led em trechos

da orla e na Rua do Canal. Após a

Copa, será feita a demolição do

edifício “balança mas não cai” da

Rua Feira de Santana.

Não há como negar o interesse do

secretário Bellintani com o Rio Ver-

melho. Entretanto, não podemos

perder a esperança. Vamos continu-

ar cobrando e mobilizados.

Centenário do Engenheiro Carlos Batalha

Na matéria sobre o Centenário do

Engenheiro Carlos Batalha, dei-

xamos de publicar os endereços

no Youtube: http://www.youtube.

com/user/engcarlosbatalha ou di-

gitar www.youtube.com e pesquisar

por Eng. Carlos Batalha.

Notas da AMARV

Na edição nº 6 do nosso Jornal, esquecemos de dar crédito ao artista Ray Vianna autor da escultura Odôyá, que ilustra nossa capa

Page 3: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

JRV – 3

Parafraseando a música de Vinícius e Toquinho “Era uma casa muito engraçada, não tinha porta, não tinha nada...” Realmente inusitada a solução arquitetônica empregada nes-se casarão da Rua da Paciência:

completamente recoberto de janelas coloridas, o casarão não tem porta! Além da combina-ção de cores que ficou bem le-gal, serviu para encobrir a obra inacabada que havia por trás. Coisas do Rio Vermelho...

Uma casa muito engraçada...

Foto

: And

ré Av

elin

o

A obra de Dorival Caymmi foi revisitada dia 15 de maio no Rio Vermelho, durante uma ho-menagem realizada pela Escola Municipal Ana Nery. Uma série de apresentações educativas foi protagonizada por estudan-tes e professores da escola na praça Tarquínio Gonzaga, em frente ao restaurante Sukiyaki.

Este foi o primeiro evento de uma série de ações educati-vas que as escolas, parceiras do Bairro-Escola Rio Vermelho realizarão este ano em espaços públicos do bairro.

A tarde começou com uma dramatização feita por estu-dantes sobre a vida de Dorival Caymmi.

Ao som da canção “O que é que a baiana tem”, uma estu-dante apresentou um número de dança. Em seguida, um gru-po de estudantes dançou ao som de “Vatapá”, outro sucesso do compositor.

O coral da Escola Municipal Ana Nery apresentou “Samba da mi-nha terra” e “São Salvador”.

O coral da escola apresentará um repertório de conhecidas composições de Caymmi.

Ao final da tarde, o grupo de percussão da escola tocou para que um grupo de estudantes dançasse.

Escola Municipal Ana Nery presta homenagem a Caymmi

Foto

: Div

ulga

ção

Após dois anos de reforma, foi aberta ao público, no dia 15 de maio, a nova Ceasinha do Rio Vermelho, agora denominada Mercado do Rio Vermelho, sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER). As intervenções previstas no projeto garantem condições significativas de melhorias tan-to para os clientes quanto para os permissionários. Um projeto arrojado, com arquitetura mo-derna e fachada espelhada, fez o novo mercado parecer um grande centro de compras, um shopping. O espaço interno de 8 mil metros quadrados ficou bem mais amplo com 171 boxes distribuídos em segmentos de comercialização e um estacio-namento com 240 vagas, com estudo de ampliação.

O espaço comporta agora 140 permissionários (antes 98), os boxes aumentaram para

22,5m2 de área (antes 8,5m2), com pé direito alto para facilitar a ventilação e a luminosidade. A largura do corredor é de 5m, o que facilita o trânsito de pes-soas e mercadorias. Em cada setor do espaço consta, ainda, um elevador e rampas que dão acesso ao estacionamento no subsolo. Para estacionar no lo-cal, será cobrada uma taxa de R$ 2,50 por hora.

No Setor 1, ficam as lojas de artesa-nato, pet shop, floricultura e moda; no Setor 2 ficam peixaria, açou-gue e espaço gourmet; no Setor 3 ficam praça de alimentação com cafés, lanchonetes e restaurantes (serão 14 restaurantes, sendo 10 de novos empresários, como o Restaurante Amado, Caranguejo de Sergipe, entre outros).

A administração do local fica-rá a cargo da Empresa Baiana de Alimentos (EBAL), por meio da Enashopp, empresa privada

especializada na administração de estabelecimentos de grande porte, que ganhou a licitação para gestão e operação.

O investimento na obra foi de R$ 3,5 milhões feito pelo gover-no do estado, a Caixa Econômi-ca Federal e o Grupo Petrópolis fabricante da Cerveja Itaipava.

Depois da reforma e organiza-ção do novo Mercado do Rio Vermelho, a preocupação da clientela é com o aumento dos preços, além do espaço perder uma característica bem autên-tica de mercado popular. Mas os comerciantes garantem que não há com que se preocupar. Apesar do estilo mais sofistica-

do, os preços serão os mesmos praticados antes e o fluxo de clientes vai permanecer igual – essa eterna mistura que é a cara da Bahia. Eles estão otimistas com o espaço e acreditam que a nova organização deve atrair ainda mais consumidores. Os resultados são aguardados com entusiasmo e expectativa.

A nova Ceasinha do Rio Vermelho

Mais espaçoso e melhor iluminado o Mercado do Rio Vermelho ficou mais agradável

Foto: Marcos Falcão

Foto: André Avelino

Page 4: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

4 – JRV

Passagens pouco conhecidas da

Guerra da Independência da Bahia

mostram que a imagem de uma

luta épica das forças libertadoras

brasileiras, que empreenderam o

cerco a Salvador, fica um pouco

turvada quando se examina, com

lentes de aumento, certos episó-

dios da contenda. Um exemplo

interessante dos problemas e das

fragilidades das tropas, que vence-

ram a guerra, está na pesquisa fei-

ta pelo grande historiador Braz do

Amaral (1862-1949) na correspon-

dência de um dos heróis do Dois

de Julho, o conde Dundonald, mais

conhecido como Lord Cochrane, o

almirante inglês enviado por D. Pe-

dro I para empreender o cerco pelo

mar à cidade de Salvador, ocupada

pelos portugueses. O resultado da

pesquisa está na crônica (1823), do

livro (Recordações Históricas), de

Amaral, relançado pela Assembleia

Legislativa em 2007.

Uma carta, obtida pelo autor, en-

viada por Cochrane ao ministro

José Bonifácio de Andrade e Sil-

va, se queixando das condições

da frota que comandava, passa a

ideia que o governo imperial en-

tregou ao almirante uma espécie

de “armada Brancaleone” comple-

tamente desequipada e em fran-

galhos. Os problemas começavam

com a composição da tripulação

dos 13 navios formada por merce-

nários, 160 ingleses e norte-ameri-

canos, 130 ex-escravos e o restan-

te marinheiros portugueses, estes

últimos sem qualquer disposição

para lutar contra seus patrícios

que dominavam Salvador. Todos

interessados apenas no soldo.

Dos 13 navios, apenas dois encon-

travam-se em condições (ruins) de

combate. O melhor dos dois, a nau

capitânia D. Pedro I, comandada por

Cochrane, apresentava situação de

penúria, descrita pelo almirante na

dita carta, da qual se destaca os se-

guintes trechos (ou queixas):

“Os cartuchos que temos são inca-

pazes de servir e correm os artilhei-

ros o perigo de perder os braços no

trabalho de carregarem as peças.

As velas estão todas podres, ha-

vendo as aragens ligeiras e frouxas,

em nossa vinda para aqui, esfran-

galhando um jogo delas, e as ou-

tras rasgando-se com a mais leve

brisa de vento. O reparo do mor-

teiro que recebi escangalhou-se ao

primeiro tiro, estando todo podre.

As espoletas para as bombas são

feitas de tão miserável composição

que não pegam fogo”, descreveu.

As maiores reclamações, no en-

tanto, reservou para os tripulantes.

Conforme Cochrane, “os soldados

de marinha nem sabem o exercício

de peça nem de armas curtas, nem

de espada, e todavia tem de si tão

alta opinião que nem ajudam a la-

var o convés, de sorte que, sendo

inúteis como soldados de marinha,

são uma carga aos marinheiros,

que deviam estar aprendendo seu

oficio no alto dos mastros”.

Esse relatório foi feito após a pri-

meira escaramuça entre as frotas

brasileira e portuguesa em 4 de

maio na Baía de Todos os Santos.

Braz do Amaral informa que ape-

nas o navio português Princesa

Real se dispôs a guerrear, trocando

tiros com a nau D. Pedro I. Ao per-

ceber a superioridade do inimigo,

Cochrane bateu em retirada para

a região da Ilha de Tinharé (Mor-

ro de São Paulo). Os portugueses

resolveram não perseguir os ini-

migos. Se o fizessem, Amaral não

tem dúvidas que liquidaria a frota

brasileira sem dificuldades, e talvez

a data da vitória do Dois de Julho

teria que ser adiada. Numa outra

oportunidade correu perigo a es-

quadra de Cochrane. Informantes

avisaram, no dia 9 de junho ao al-

mirante inglês, que os portugueses

haviam planejado atacar Morro de

São Paulo com seus 13 navios e tro-

pas de desembarque bem equipa-

das. Se a ilha, estratégica no cerco a

Salvador, fosse tomada, o resultado

da guerra poderia ser outra.

Contudo, por algum motivo não

explicado, o ataque não ocorreu.

“Foi uma outra excelente opor-

tunidade perdida e são tantas as

faltas, tantos os infortúnios da ar-

mada portuguesa, que a pessoa

dedicada a estudar os fatos e es-

crupulosa em pronunciar sente-se

em perplexidade”, escreveu Braz

do Amaral, ao comentar os erros

das tropas comandadas pelo ge-

neral Madeira de Mello. Esses erros

acabaram sendo fundamentais

para a vitória do exército liberta-

dor brasileiro. Quando finalmente

a frota portuguesa decidiu deixar

o porto de Salvador, foi para a reti-

rada dos portugueses, no dia Dois

de Julho.

*Biaggio Talento é jornalista e es-

critor, autor dos livros (A Sucursal),

(Basílicas & Capelinhas), (Econo-

mia da Salvação), entre outros.

Lord Cochrane reclamou da frota precária que recebeu de D. Pedro I

Por Biaggio Talento

Como parte da integração entre os

Territórios Criativos do Rio Verme-

lho e do Candeal, a Associação dos

Moradores e Amigos do Rio Verme-

lho – AMARV e a Associação Praca-

tum Ação Social – APAS se reuniram

na sede do Candeal, onde foram

apresentadas ações das duas asso-

ciações numa troca de experiên-

cias. Aproveitando a oportunidade,

apresentamos aqui um pouco do

belíssimo trabalho realizado pela

PRACATUM:

Fundada em 1994, a APAS é uma

organização da sociedade civil, sem

fins lucrativos, que realiza progra-

mas educacionais, culturais e de

desenvolvimento comunitário no

Candeal Pequeno de Brotas, em

Salvador. Tem como missão contri-

buir para o Candeal ser um lugar

de vidas com qualidade, por meio

de iniciativas culturais e educacio-

nais que valorizem os saberes e de-

mandas da comunidade, além de

compartilhar esse modelo de trans-

formação com outras entidades.

A associação vem desenvolvendo

ações e projetos, sempre buscando

fortalecer e aproximar a comunida-

de no sentido de alcançar o cresci-

mento do bairro e a profissionaliza-

ção de seus moradores.

Atualmente, as atividades reali-

zadas pela associação estão divi-

didas em dois programas princi-

pais: TÁ REBOCADO – Programa

de Desenvolvimento Comunitário

e PRACATUM – Programa de Mú-

sica, Educação e Cultura. A partir

desses dois eixos, uma série de

projetos são desenvolvidos sem

perder de vista as questões que

envolvem a comunidade do Can-

deal e os muitos ritmos que ema-

nam desse lugar.

PRACATUM INGLÊS – A escola de

inglês surge a partir de uma deman-

da da comunidade que, querendo

fortalecer a educação dos seus mo-

radores e ampliar as oportunidades

junto ao mercado de trabalho, vê

no ensino de língua estrangeira

uma possibilidade de desenvolvi-

mento educacional e social.

ESCOLA DE MÚSICA – PRACATUM

– O Programa de Música, Educação

e Cultura é um eixo de atuação da

Associação PRACATUM Ação Social,

que utiliza estratégias metodológi-

cas que auxiliam o desenvolvimen-

to musical e cidadão dos alunos,

buscando além do ensino teórico,

desenvolver uma atitude responsá-

vel, solidária e cidadã.

TÁ REBOCADO – É uma gíria baia-

na popular da década de 1990 que

designa confirmação, assertividade

e acabamento. Depois de construir

uma ideia, um pilar, uma casa, tá

rebocado! Não por acaso essa ex-

pressão foi pensada para intitular o

programa de desenvolvimento co-

munitário do Candeal.

RECICLE ÓLEO – O projeto se cons-

titui num conjunto de ações inte-

gradas e sustentáveis, focado em

inclusão produtiva de mulheres

para a fabricação de sabão e refina-

mento do óleo de gordura residual

(OGR) para a produção de biodiesel.

A atuação da Associação PRACA-

TUM, através de seus projetos, se

dá por meio do estabelecimento

de parcerias financeiras, pedagó-

gicas e de serviços com prefeitura

e governo do estado, empresas,

organismos internacionais, insti-

tuições de ensino e associações do

terceiro setor, que têm sido essen-

ciais para a evolução dos trabalhos

e seus resultados.

“A escola dos meus sonhos é o local

onde as pessoas vão satisfazer suas

curiosidades e, ao mesmo tempo,

criar outras” – Carlinhos Brown.

Prazer, nós somos a PRACATUM

Cerimônia de encerramento do Projeto Mídias Sonoras da Escola de Música e Tecnologias Pracatum

Foto: Divulgação

Page 5: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

JRV – 5

Para discutir e buscar uma solução conjunta para a questão da coleta do lixo de bares e restaurantes do Rio Vermelho, foi realizada uma reunião com a participação de 22 proprietários de bares e restau-rantes e um hostel, representan-tes da AMARV; da Colônia de Pes-ca; da Associação da Fonte do Boi; da Associação do Mercado do Peixe e da Comissão de Morado-res do Morro das Vivendas; mais a presença dos vereadores Aladilce Souza e Claudio Tinoco; do secre-tário de Desenvolvimento, Cul-tura e Turismo, Guilherme Bellin-tani; do diretor de operações da Limpurb, Ronaldo Ferreira; e de prepostos da Revita, no dia 22 de maio, no Restaurante Ancoratto.

O presidente da AMARV, Lauro Matta, fez a abertura da reunião, enfatizando que a entidade mais uma vez se mobiliza para contri-

buir para a resolução de proble-mas que afetam a vida do bairro. A vereadora Aladilce foi a respon-sável pelo convite às autoridades municipais e justificou a presen-ça de Ronaldo Ferreira, diretor de operações da Limpurb, em subs-tituição à presidente da Limpurb, Kátia Alves, que havia sido con-vocada pelo prefeito ACM Neto para outra reunião.

O problema do lixo é uma ques-tão antiga no bairro, e as princi-pais queixas foram coleta do lixo nos restaurantes e bares realiza-da somente nos dias de terça, quinta e sábado, fazendo com que os proprietários tenham que “guardar” o lixo em seus estabe-lecimentos à espera da coleta, resultando em mau cheiro, ratos e baratas, entre outras, não cum-primento de horário e, com fre-quência, o lixo deixa de ser cole-

tado aos sábados – essa demora permite que os catadores de lati-nha rasguem os sacos espalhan-do o lixo pela rua, situação causa-da também por cães vadios.

Após vários questionamentos e propostas, o diretor de ope-rações da Limpurb comprome-teu-se a:

1. Realizar, a partir da manhã seguinte (23/05) coleta diária entre 1 hora às 5 horas da manhã na Rua do Meio, Osvaldo Cruz e Fonte do Boi. Na orla serão manti-dos dois horários de coleta.

2. Iniciar processo de implantação de coleta seletiva no bairro, para isso um técnico entraria em contato com a AMARV na se-gunda feira (26/05).

3. Compromisso de cobrar das empresas que executam a coleta rigoroso cumprimento dos horários.

4. Identificar os responsáveis e coibir o tra-tamento indevido aos cidadãos do Rio Vermelho.

5. Ficou marcada uma nova reunião para avaliação do serviço e ajustes.

Na sua fala, o secretário Be-lintani saudou a todos, desta-cando o papel da AMARV, lem-brando que essa é a décima segunda vez que vem ao Rio Vermelho para discutir sobre os problemas do bairro. Reafir-mou que o projeto de requa-lificação da orla está em fase de orçamento; a iluminação de diversos pontos, solicita-da pela AMARV, já está sendo trocada; e as intervenções no trânsito deverão ser intensifi-cadas nos próximos dias.

A reunião foi avaliada como bastante produtiva, e a deci-são de todos é de continuar o processo de construção de um Plano de Limpeza para o bair-ro do Rio Vermelho, que seja sustentável e possa servir de referência para outros bairros da cidade.

A disposição de todos é enfren-tar e resolver de forma cidadã, cada um assumindo a sua parce-la de responsabilidade: o poder público, que cobra dos cidadãos uma taxa alta a título de resídu-os sólidos e tem que prestar um serviço de qualidade; e o cida-dão tem que fazer a sua parte, observando as normas definidas para um serviço eficiente.

Coleta de lixo nas ruas do bairro

Representantes da prefeitura, comunidade, comerciantes e vereadores discutem a questão da coleta do lixo

Foto: André Avelino

Engenhariaer

ES

“Acessibilidade: a saúde mental pede passagem!”, “passe-livre já”, en-toaram em coro dezenas de usuá-rios de instituições de saúde mental na Avenida Sete de Setembro, na sexta-feira, dia 23. Assim como ser-vidores dos Centros de Atendimen-to Psicossocial (CAPS) e diversas en-tidades em apoio ao movimento, o grupo deu uma roupagem nova à caminhada anual em comemora-ção ao Dia da Luta Antimanicomial ao exigir a revogação da Lei Muni-cipal nº 7201/2007. Sancionada em 2007, a norma restringiu o benefício de passes-livres concedidos pela prefeitura, deixando de fora os por-tadores de transtorno mental.

Ao final da caminhada, uma co-mitiva entregou ao secretário de

Relações Institucionais um abaixo--assinado dirigido ao prefeito ACM Neto, pedindo a revogação da Lei nº 7201/2007.

A nota distoante e que revoltou a todos foi a atitude do secretário da Saúde de proibir os técnicos dos CAPS de dar qualquer tipo de apoio aos usuários para par-ticipação no movimento, o que impediu que grande número de pessoas pudessem participar da caminhada. De acordo com os manifestantes, foi a primeira vez que isso aconteceu.

Para a vereadora Aladilce Souza (PCdoB), o passe-livre para as pes-soas com transtornos mentais e também com qualquer tipo de de-

ficiência deve ser priorizado pela prefeitura. “Muitas dessas pessoas não têm condições financeiras de ir ao CAPS receber os medica-mentos ou participar de atividades terapêuticas, o passe é necessário para que elas possam incluir-se na sociedade. Precisamos pagar essa dívida com os usuários”, ressaltou.

Na direção do ato público, a co-ordenadora da Associação Meta-morfose Ambulante (AMEA), Lívia Souza, participa há muitos anos da luta antimanicomial. Ela acredi-ta que a concessão do passe nos transportes coletivos reconheceria o cuidado necessário aos usuários. “Depois da lei federal que deter-mina a não reclusão dos usuários [nº 10.216/2001], temos que dar o

mínimo de condição a eles. Muitos precisam estar sempre nos Cen-tros de Apoio Psicossocial (CAPS) para o tratamento, e ainda é muito difícil a inserção deles no mercado de trabalho. Fica muito oneroso”, comentou a coordenadora. Uma técnica do CAPS do Jardim Baiano justifica a luta pelo passe--livre. “O passe-livre permite uma inserção social desses indivíduos, seja para ir ao espaço de lazer ou ao tratamento. Muitos usuários não têm emprego por conta do estigma que ainda tem no merca-do de trabalho e o benefício seria importante neste caso.”

A usuária Promiciana Lopes dos Santos, 52, que esteve em tera-

pia no CAPS durante cinco anos, relembra do constrangimento de pedir para a igreja onde fre-quenta o dinheiro do transporte para ir ao centro. Agora, parti-cipa do movimento para que o passado não se repita a outros usuários. “Muita gente não tem como ir pegar ônibus no CAPS porque não tem salário. Então passam o dia lá porque não tem como voltar pra casa”, depôs a usuária.

A manifestação também contou com a presença do vereador Hil-ton Coelho (PSOL); do porta-voz do Movimento Passe Livre Salva-dor, Walter Takemoto; e do presi-dente do Conselho Municipal de Saúde, Marcos Santos.

Manifestação reivindica passe-livre para pessoas portadoras de deficiência

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6 – JRV

Em 1920, a Bahia perdeu, num incêndio, o seu maior acervo fotográfi co: milhares de nega-tivos e cópias de praças, ruas, edifícios, obras em construção, interiores de residências, pa-ços e templos, famílias baia-nas, competições esportivas, inaugurações de obras, trechos da cidade com aspecto ainda rural, praias, vultos ilustres do período do Império e da Repú-blica, paisagens de cidades do interior. As chamas apagaram os registros de mais de meio século da história da Bahia cli-cados pelo alemão Rodolfo Lin-demann, profi ssional de muitos talentos. A fotografi a era a sua arte e paixão, mas ele também foi cineasta, paisagista, retra-tista e pioneiro no domínio da técnica da zincografi a para a impressão de imagens.

Abalado com o incêndio, Dio-medes Gramacho, discípulo de Lindemann na arte cinemato-gráfi ca, teria se desfeito de ou-tros milhares de metros de pelí-cula de sua autoria, jogando-os no fundo do mar, segundo de-poimento seu, já octogenário. Signifi ca que a Bahia perdeu os seus mais valiosos registros em fotografi a e película entre o fogo e a água.

Se essa história, contada pelo próprio Diomedes, for verda-deira, tudo leva a crer que esses negativos, jogados ao mar, estão depositados no fundo das águas das praias do Rio Vermelho e protegidos por Yemanjá, a nossa Rainha. Um verdadeiro tesouro no fundo do mar.

O Rio Vermelho é um bairro ci-nematográfi co por excelência. São muitas as produtoras que mantêm suas sedes no bairro, que também serve de residência para outros tantos cineastas. As ruas do Rio Vermelho também já foram muitas vezes utilizadas como locação de fi lmes rodados em Salvador e até do lançamen-to do consagrado “A lenda do Pai Inácio”, no antigo Teatro Maria Be-thânia. O fi lme foi realizado pelo cineasta Pola Ribeiro, que tam-bém reside no bairro.

Entre as diversas produtoras lo-calizadas no bairro, destaca-se a Truque Cinema TV e Vídeo. Locali-zada na Rua Alagoinhas, a Truque é considerada uma das maiores produtoras brasileiras. Produziu diversos fi lmes importantes da cinematografi a baiana de des-taque nacional e internacional. Além da Truque, estão sediadas no bairro as produtoras Cavalo de

Cão Filmes, Sereia Filmes, Olho de Peixe, Araçá Azul, Caranguejeira Filmes, Studio Brasil, Santo Guer-reiro, Zona Produções, Portfolium, DocDoma, Tenda dos Milagres, Rebu Produções, Mar Aberto, Sel-ma Santos Produções, Eureka Fil-mes, Hamaca Filmes, entre outras. Somando os impostos arrecada-dos e os números dos negócios realizados por essas produtoras, podemos afi rmar o potencial econômico que o bairro agrega quando se trata de produções ci-nematográfi cas e audiovisuais. É a força do que hoje chamamos de economia criativa.

São muitos os nomes de dire-tores e produtores que residem, residiram ou trabalham no bair-ro, como Hermano Penna, Igor Penna, Bruno Saphira, Tenille Be-zerra, Maria Carol, Gabriela Leite, João Gabriel, Tuna Espinheira, Siri, Macarra Vianna, Matheus Vianna, Davi Caires, Fernando Belens, João Rodrigo Mattos, Ma-teus Damasceno, Eliana Mendes, Fernanda Nascimento, Alberto Ianuzzi, Marcelo Gurgel, Sylvia Abreu, Geraldo Morais, Moisés Augusto, Cecilia Amado, Solange Lima, Lula Oliveira, Daniel Lisboa, Henrique Dantas, entre outros tantos talentos que peço des-culpas por não lembrar o nome

de todos. Diga-se de passagem, aqueles que aqui não residem acabam frequentando o bair-ro com grande assiduidade nas noites boêmias de encontros etílicos criativos. Não é mesmo, Fábio Rocha?!

As ruas do Rio Vermelho já foram cenários para diversas produções e fi lmagens. “Oriki do mar”, fi lme produzido pela Truque e dirigido pelo cineasta Jorge Alfredo, que acompanhou a Festa de Yemanjá por vários anos antes da sua fi na-lização, resultando num fi lme po-ético antropológico sobre a festa mais mágica da Bahia. Também o fi lme “Capitães de areia”, da ci-neasta Cecilia Amado, teve cenas gravadas no bairro. “Agora é cinza”, dirigido pelo cineasta Sérgio Ma-chado, reproduziu a própria Festa de Yemanjá com mais de 200 fi -gurantes no calçadão da Praia da Paciência. E, bem recentemente, o cineasta João Gabriel rodou cenas do seu longa-metragem intitula-do “Travessia”, nos bares do bairro. Estes são alguns exemplos dentre outros, que por ora não me vêm à memória de fi lmes rodados no Rio Vermelho.

Um bairro que já teve uma das principais salas de cinema da ci-dade do Salvador: o histórico Cine

Rio Vermelho que marcou época com suas matinês, e que hoje se transformou em Igreja evangélica (mais um Bahia!..). O Teatro Maria Bethânia não era apenas teatro. Era Cine Teatro Maria Bethânia. Muitos fi lmes foram exibidos nes-se importante e histórico espaço cultural que já não mais existe. Vi-rou restaurante (mais um Bahia!...).

Diante desse cenário, temos que potencializar a força criativa e produtiva do bairro e das suas ca-beças cinematográfi cas pensan-tes para tirar proveito dessa força. Uni-vos cineastas e produtores para que, juntos, possamos dina-mizar a força criativa do Rio Ver-melho em torno de boas ideias e, por que não, dos bons negócios cinematográfi cos e que também valorizem cada vez mais nosso bairro e nossa cidade.

Por fi m, não posso esquecer de um ilustre morador da vizinha Amaralina que nos deixou re-centemente, mas que marcou a noite rock n´roll do Rio Verme-lho com a sua presença e seu sorriso sempre embalado pelas resenhas cinematográfi cas e musicais. Trata-se do jornalista e crítico de cinema João Carlos Sampaio. Fica aqui a homena-gem. Odoyá Sampaio!

O Rio Vermelho e o Cinema

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Por Lula Oliveira

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Após uma lacuna de 46 anos, retorna ao cenário artístico baiano a Bienal da Bahia, uma das pioneiras entre os eventos do gêne-ro nas Américas. A 3ª Bie-nal da Bahia gira em torno do tema “É Tudo Nordeste?” articulado em diferentes ti-pos de atividades. Cerca de 150 artistas e convidados realizam exposições, ciclos de cinema, performances e oficinas, intervenções e ocupações artísticas, ex-pedições pelo interior do estado, ateliês abertos e conversas públicas. O aces-so do público é gratuito. A promoção é da Secretaria de Cultura do Estado.

Duzentos projetos artísticos serão montados em Salva-dor e em outras nove cidades do interior. O curador-chefe é Marcelo Rezende, escritor, crítico e diretor do Museu de Arte Moderna (MAM); a che-fia da curadoria é completada por Ayrson Heráclito, artista visual e professor; e Ana Pato, pesquisadora e ex-diretora da Associação Cultural Video Bra-sil; e curadores adjuntos da equipe Fernando Oliva, crítico e pesquisador, e a professora Alejandra Muñoz.

O tema “É Tudo Nordeste?” foi escolhido para destacar, sob uma perspectiva baiana, con-teúdos culturais e históricos

relacionados com a região. A proposta é abrir canais de diá-logo com o resto do Brasil e a cena artística mundial. A pro-gramação foi fechada em 26 espaços de Salvador, entre os quais o MARM, Teatro Castro Alves, Instituto Goethe (ICBA), Palacete das Artes, Galeria AC-BEU, Mosteiro de São Bento, Aliança Francesa, Museu Car-los Costa Pinto e Galeria Cañi-zares/UFBA.

A abertura oficial aconteceu no dia 29 de maio no MAM-BA e vai até o dia 7 de setembro.

Informações:www.bienaldabahia2014.com.br.

3ª Bienal da Bahia. É tudo Nordeste?Fotos: Camila Souza/GOVBA

I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia ou Bienal da Bahia

Surgiu em 1966 trazendo reconhe-cimento ao cenário artístico local através de uma integração com o que estava sendo produzido nacio-nalmente. Salvador passou a ser o

centro da Região Nordeste para a discussão e produção de arte, sob tutela de uma trajetória que vinha desde a década de 1930. A I Bienal da Bahia foi dirigida e liderada por Juarez Paraíso, Chico Liberato e Riolan Coutinho. Além de artistas renomados, advindos principal-mente do Sudeste. O Convento do Carmo de Salvador foi reformado e se tornou ponto de encontro para debate e produção da arte brasi-leira, descentralizando a atividade artística do eixo Rio-São Paulo.

II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia ou II Bienal da Bahia

Diferente da primeira, a II Bienal de 1968 enfatizava a produção ar-tística baiana, entendendo que a discussão sobre os rumos estéticos

“estrangeiros” deveria ser preterida, linha de raciocínio que causou des-conforto em alguns artistas. A Bie-nal era para ser uma oportunidade de trazer a produção nacional de maneira crítica, para contribuir com a formação e afirmação do circúito artístico no Norte e Nordeste bra-sileiro. O evento também foi idea-lizado por Juarez Paraíso e Chico Li-berato, e o centro do encontro foi o Convento da Lapa, reformado pelo governo do Estado da Bahia.

O Regime Militar no Brasil, inicia-do em 1964, que endureceu ainda mais em 1968 com o Ato Institu-cional nº 5, aumentando a censura e perseguindo artistas e intelectu-ais, se fez presente de imediato: a II Bienal foi fechada e as obras con-fiscadas por serem consideradas “subversivas”. O Regime Militar no

Brasil fez a Bahia silenciar-se artís-tica e culturalmente, ao menos em grandes manifestações, até o fim da ditadura.

III Bienal da Bahia

O ano de 2014 não marca apenas um recomeço, mas uma continui-dade para a arte baiana e nacional. No Brasil, existem hoje somente duas bienais de ampla repercussão em atividade: a Bienal de São Paulo (1951), que é a segunda mais antiga do mundo, e a Bienal do Mercosul (1997). Após tudo que aconteceu na arte baiana antes e após as duas bienais, esta não pode ser conside-rada uma reunião, mas uma pro-gressão do que tem sido realizado.

A III Bienal da Bahia, após 46 anos, acontece durante 100 dias de 2014.

Criado em fevereiro de 1995, sob a direção artística da dire-tora teatral Teresa Costalima, o Sitorne Estúdio de Artes Cênicas nasceu como centro de ensino, discussão e pesquisa de arte do ator, com o objetivo de montar espetáculos profissionais e didá-ticos e aprimorar suas pesquisas e experimentações, através de grupos de estudos e cursos de aperfeiçoamento e reciclagem de atores.

Durante esses anos o Sitorne cresceu, ocupou três endereços no Rio Vermelho, formou cente-nas de atores e montou diversos espetáculos. Com sede própria, construída em 2006 situada à Rua Deputado Cunha Bueno, 55, conta com uma estrutura com-posta por um café-teatro com

capacidade para 80 pessoas, sala de ensaio, rouparia, biblioteca e salas de aulas.

No café-teatro desenvolve-se uma intensa programação aber-ta à comunidade como também a promoção das diversas artes, abrindo espaço para exposições de pintura e fotografia, saraus literários, shows musicais e en-contros de artistas de todas as linguagens.

O Sitorne Estúdio de Artes Cê-nicas é composto por uma rede de atividades que se comple-mentam: curso de formação de ator e palhaço; Oficinas Livres da Sitorne; Sitorne Companhia de Teatro; Café-teatro Sitorne; e Fazendo Arte. Desenvolve os projetos: Programa de Forma-

ção de Plateia; Programa de Bolsas; Programa de Recicla-gem de Profissionais; Arte para Melhor Idade; Projeto Casca do Ovo; Projeto Boa-Praça; e Pano-rama Sitorne.

Cada apresentação conta sem-pre com mestres de cerimônias, que agem como “entrevistado-res” das atrações, oferecendo dessa maneira introdução à linguagem apresentada, infor-mação histórica e curiosidades. Os espetáculos da Sitorne Com-panhia de Teatro, sempre que possível, são acompanhados de uma palestra informativa sobre o autor, período e/ou lingua-gem utilizada.

Vale a pena conferir sempre a programação. Vamos ao teatro!

No palco com o Sitorne

Encenação da peça (Um Hamlet) em 2013

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A Copa do Brasil

Pela segunda vez o Brasil está sendo o anfi trião de um dos eventos esportivos mais aguar-dados e prestigiados do mundo: a COPA DO MUNDO DE FUTE-BOL 2014.

Esta é a 20ª edição do evento e os brasileiros estão ansiosos para saber no que vai dar. O ca-lendário ofi cial, amplamente di-vulgado, ocorrerá entre os dias 12 de junho a 13 de julho com 64 jogos e 32 seleções.

A FIFA, instituição organizado-ra do evento, acabou autori-zando 12 cidades-sedes para a realização da Copa: Belo Ho-rizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Recife, Cuiabá, Curiti-ba, Fortaleza, Natal, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Anteriormente só eram per-mitidas de oito a dez cidades. O Rio de Janeiro será a cida-de-sede que abrigará o maior número de jogos, incluindo a final. Em São Paulo será reali-

zada a cerimônia de abertura no Itaquerão.

Aqui em Salvador, o Estádio Octávio Mangabeira, cari-nhosamente apelidado Fon-te Nova, que virou Arena Fon-te Nova e agora Itaipava Arena

Fonte Nova, será palco de par-tidas históricas como Espa-nha x Holanda, Alemanha x Portugal, Suíça x França, mais um jogo pelas oitavas-de-final, outro jogo pelas quartas-de-fi-nal, além de Bósnia x Irã, que podem surpreender com um

belo espetáculo, afinal, Copa do Mundo é Copa do Mundo.

A FIFA divulgou no dia 26 de maio os preços das comidas e bebidas que serão vendidas dentro dos estádios durante a Copa. Os torce-dores encontrarão uma variedade

de iguarias típicas de algumas cidades-sedes, no entanto, alguns produtos, se comparados aos va-lores praticados usualmente, es-tão bastante salgados.

O nosso acarajé será vendido a R$ 8, mas a tabela não in-forma com ou sem camarão. A cocada será vendida por R$ 5. O latão da Brahma sairá a R$ 10, enquanto a Budweiser sairá por R$ 13. Já a versão sem álcool será comercializada por R$ 6. Os refrigerantes e isotô-nicos aparecem custando R$ 8 e a água mineral 500ml custa-rá R$ 6. Os chocolates saem a R$ 8 e o preço máximo dos sanduíches será R$ 13. Tudo isso com o padrão FIFA.

Será divulgada também a lista de proibições da Copa, dentro das arenas e seu entorno, como instrumentos musicais, mastro de bandeiras, guarda-chuvas, garrafas, latas de spray, sinaliza-dores, fogos de artifício e o co-mércio de cambistas (sic) e ca-melôs, entre outros.

A Copa do Brasil e aFoto: Carol Garcia/GOVBA

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A previsão é que 300 mil turistas passem pela capital baiana, dei-xando por aqui R$ 543 milhões (no carnaval 2014, 550 mil deixa-ram em torno de R$ 1 bilhão). Os estrangeiros que vêm exclusiva-mente para a Copa devem gas-tar em média R$ 5.500, quase o

dobro do previsto para os que vêm só a passeio, R$ 2.800. Já os brasileiros que compraram ingressos para os jogos de-vem gastar cerca de R$ 1.500, R$ 300 a mais do que os que estão apenas aproveitando os feriados da Copa.

Enquanto a Setur-BA comemora 100% de ocupação da rede ho-teleira na primeira semana do evento, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da Bahia (Abrasel-BA) afirma que o setor espera um movimento abaixo do que se imaginava.

A Cozinha do Rio Vermelho

Histórico e cheio de lendas, o Rio Vermelho tem característi-cas de um bairro alegre, cheio de energia e, ao mesmo tem-po, aconchegante e agradável, onde convivem profissionais liberais, empresários, políticos, pescadores, estudantes, artis-tas, intelectuais e boêmios no mesmo espaço.

O clima festivo, por ser o bairro dos artistas, a Festa de Yemanjá, as baianas de acarajé e sua re-ligiosidade se misturam gene-rosos nas ruas e avenidas com forte sotaque baiano, refletindo nos setores de comércio e cultu-ra da economia local. Shoppin-gs, bares, restaurantes, casas de shows, hotéis, pousadas, bancos, supermercados, o Mercado do Peixe, a nova Ceasinha, bibliote-ca pública, escolas, faculdades, teatros e galerias de arte fazem do Rio Vermelho o bairro mais baiano de Salvador. Reduto que encanta baianos e turistas que

desejam diversão e praticidade em um só lugar.

A diversidade cultural do bairro é tão bem definida que se ex-pande para outros segmentos, como é o caso da gastrono-mia. Não há lugar que melhor retrate nossa gastronomia do que o Rio Vermelho. É possível conferir as variadas opções de cardápio que vão desde o aca-rajé até pratos sofisticados que reúnem elementos de todos os continentes.

Berço da boemia soteropolita-na e abrigando diversos espa-ços gourmets, o bairro já está preparado e acostumado para receber visitantes e turistas. Mais de 120 estabelecimentos que servem bons quitutes, pe-tiscos, bebidas e pratos varia-dos, atendendo a todos os tipos de gostos e bolsos.

O Rio Vermelho sempre de bra-ços abertos. Pode entrar, sinta-se à vontade e pode torcer e vibrar pela sua seleção.

Cozinha do Rio VermelhoFoto: André Avelino / Ilustração: Rafael Titonel

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No Rio Vermelho a Arte Ur-bana está presente desde a

década de 1970, através do Gru-po Geração 70, que fez de tela livre um enorme muro da Rua da Paciência, pintando diversos temas que se renovaram por vá-rios anos. Faziam parte do grupo os artistas plásticos Bel Borba, Chico Diabo, Guache Marques, Mazo, Murilo e Zivé Giudice.

Nos idos de 1980, outro grupo, o Operação Plástica, composto pe-los artistas Ruy Santana, W. Ygas, Mônica Tanajura, Wilson, Manoel Bonfim, Márcia Abreu e Hamil-ton, com o objetivo de evitar poluições e pichações, também deixou sua marca com belíssi-mos trabalhos nos muros da Rua Ilhéus, Cardeal da Silva, Bar Gota de Orvalho, entre outros locais.

Hoje, quem anda pelas ruas do bairro tem a visão toma-

da por muitas cores, texturas, símbolos e signos da vida ur-bana. Entre as pichações e a poluição visual de anúncios de “pega-se entulho”, carto-mantes e ciganas, destaca-se a arte do grafite: pinturas e desenhos registrados nos mu-ros e paredes, diferenciados pela grande qualidade gráfica e estética.

O grafite é essencialmente uma forma de arte contem-

porânea com características urbanas, que tem o objetivo de interferir na paisagem da cidade, transmitindo as dife-rentes ideias e visões de seus criadores. Além de inovador, o grafite é extremamente abran-gente, não podendo deixar de se ressaltar a diversidade de sua forma criativa e de sua na-tureza crítica.

A arte do grafite superou o status de transgressão e hoje

é feita até sob contrato pú-blico, sendo comprovada por meio das inúmeras interven-ções, realizações de eventos, encontros internacionais, mu-tirões, exposições em galerias, além de outras atividades de divulgação da arte.

Em Salvador, o grafite se forta-lece cada vez mais com o surgi-mento de novos artistas, alguns deles com o nível de arte com-parável aos melhores grafitei-

A arte urbana e o

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Fotos: Edgard Carneiro / Obras: diversos autores Foto: André Avelino

Éder Muniz e Samuca posam em frente a uma de suas criações conjuntas

ros do mundo. Alguns nomes como Peace, Limpo e Sisma Costa, que juntos fizeram parte do grupo Turbilhão Urbano, em reconhecimento ao trabalho que realizam, foram convidados a expor pelo Brasil e pelo mun-do. Alguns deles têm trabalho em nosso bairro.

O baiano Denis Sena fez diver-sos trabalhos para a Prefeitura de Salvador, como na Estação do Metrô no Campo da Pólvo-

ra e por toda a cidade, de Ca-jazeiras ao Rio Vermelho.

Éder Muniz é outro nome res-ponsável por algumas das obras figurativas mais instigan-tes e coloridas pintadas nos muros da metrópole soteropo-litana. E como o grafite sempre teve a característica de obra coletiva, Éder em parceria com o grafiteiro Samuca, foi flagra-do deixando a bonita marca do seu trabalho num muro da

Rua Borges dos Reis, no Rio Vermelho. Éder inclusive está realizando a exposição de fo-tos intitulada “Ágora… Agora”, que foi aberta no dia 05 de ju-nho, retratando suas obras es-palhadas pelos muros da cida-de. Para o artista, o grafite tem essa força de produzir uma re-lação espontânea entre a obra, a rua e as pessoas. Esperamos que a magia de transformar as ruas em espaço de arte tenha cada vez mais força.

EXPOSIÇÃO ÁGORA… AGORA

Um dos expoentes da nova geração do Grafite em Salvador. Éder Muniz, artista plástico e grafiteiro, realiza a exposição de fotos “Ágora… Agora”, retratando suas obras. A exposição, cujo título remete à Ágora – espaço público para discussão e decisões políticas na Grécia Antiga –, traduz essa reflexão sobre um espaço de-mocrático para a arte. “Um ponto político importante que o grafite traz é a coletividade da arte, esta

democratização, que busca dividir com a população, ao invés de fechar a arte apenas para quem tem grana. Além disso, sempre tem também uma mensagem de afirmação cultu-ral”, diz o artista Éder Muniz.

Exposição: ÁGORA… AGORAOnde: IF SOLUÇÕES PLANEJADAS – Alameda dos Sombreiros, 110, Cami-nho das Árvores.Quando: de 05/06/2014 a 05/07/2014

A arte urbana e o

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Nasceu em 11 de novembro de 1924 em Salvador, na Ilha de Maré, o primeiro dos cinco filhos de D. Cidália e Sr. José foi denominado Cid José e reconhecido pelo mun-do afora como Cid Teixeira. Casa-do com a professora e advogada Expedita Teixeira, pela qual o Rio Vermelho tem um imenso cari-nho. Cid Teixeira é pesquisador e historiador, considerado um dos maiores conhecedores da cultura e das tradições da Bahia. Estudou no Ginásio da Bahia e formou-se em direito pela UFBA, com docência e doutorado em história. Foi diretor da Fundação Gregório de Mattos e implantou o Serviço de Rádio Edu-cação do Instituto de Rádiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB). Traba-lhou no Instituto Geográfico e His-tórico da Bahia, onde se tornou um guardião da história baiana, com uma memória prodigiosa e um po-der de oratória incomum. Foi radia-lista, repórter, editor e editor-chefe de jornais baianos, tem centenas de artigos publicados, livros edita-do e ocupa a Cadeira de nº 19 da Academia de Letras da Bahia.

Após um hiato de vários anos sem dar entrevistas, estamos publican-do um trecho de uma entrevista inédita dada com exclusividade para a Revista de Arte Dendê há quatro anos, que nos presenteia com as lembranças e a inteligên-cia do professor Cid Teixeira.

Revista Dendê – Professor Cid Teixeira, dizem que a história da Bahia e a do senhor se confundem. Como a história entrou em sua vida?Cid Teixeira – Eu fui trabalhar, ainda garoto, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Foi meu primei-ro emprego, menino comprador de tempero. Depois fui para a se-cretaria, aprendi a datilografar, fui trabalhar na biblioteca, estava es-tudando e, a partir daí, mergulhei literalmente na história. Eu tinha uns 17, 18 anos. Eu não dava ou-sadia de procurar livro no fichário, eu sabia de cor onde estavam to-dos os livros da biblioteca. Eu não me imagino fazendo uma cirurgia, sendo médico. Formei em direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1948, advoguei pouco tempo e não tenho arrependimen-to de ter me formado em direito. A Faculdade de Filosofia, onde se es-tuva história especificamente, é do ano de 1941, 1942. Nessa época, a faculdade ainda não tinha, com todo o respeito que tenho pela ins-tituição, não tinha a divulgação, a projeção… Tanto é que ainda não tinha o quadro docente que foi re-crutado da Faculdade de Direito, do Ginásio da Bahia. E foi por isso que eu fui fazer história, eu juntei a

fome com a vontade de comer: eu trabalhava no Instituto Histórico e Geográfico, que era o centro dessa conjuntura. Não cheguei a viajar para fora do país para fazer curso de especialização. Eu dei cursos. Fiz doutorado na Escola de Belas Artes e livre docência como professor de história da arte e, para efeitos le-gais, eu sou doutor. Fiz concurso, não entrei de favor, não. Eu vivia mergulhado na coisa, pra fazer um papel bonito…

RD – Roberto Gaguinho fez o filme “Cid Teixeira, a Enciclopédia da Bahia”. O senhor é um homem de uma memória prodigiosa e um narrador magistral. Como funciona isso de guardar tantos e tantos detalhes e nomes?CT – É uma coisa natural, não tem nada de excepcional. Não me consta que eu seja uma peça de museu ou alguma coisa diferen-te. É trabalho, é vida, é estudo. Eu nunca fiz outra coisa na vida do que estudar história. Dar aula de história. Fazer seminário de histó-ria. Também trabalhei como guia de turismo, tudo isso tem a ver.

RD – Tem algum fato interessante que o senhor se lembre em sua passagem pelo Instituto Histórico e Geográfico da Bahia?CT – Ah, tinha um cidadão que nem que forme a guarda para me fuzilar eu digo o nome. O cida-dão chegava lá, pegava um livro, ia assim, folheava, ia lá dentro, sentava, lia o livro, depois se des-pedia: ”Vou-me embora. Amanhã eu volto”, pegava e botava o livro no peitoril da janela. Aí, ele saía e, pelo lado de fora, estendia a mão e ia roubar o livro. Eu, devagarzi-nho, tirava o livro da janela e ele ficava com a mão procurando, sem achar o livro. Um cidadão im-portantíssimo na universidade… Mas, não digo o nome!

RD – Naquele tempo não se empresta-va livro?CT – Não, naquele tempo não era permitido. Quem queria ler, ia ao instituto e lia. Eu acho que livro não se empresta. Porque o sujeito que devolve um livro bom que to-mou emprestado é um idiota!

RD – E como foi sua passagem pela Es-cola de Bela Artes?CT – Eu fiz meu doutorado na Es-cola de Belas Artes, onde lecionei história da arte. A escola ainda era na Rua 28 de Setembro. Eu era vice-diretor quando a escola se mudou para o Canela. Boa parte da mudança foi no meu jipe. Eu tinha um jipe sem capota, não vou dizer 90% da mudança por-que tinha umas peças grandes, mas o arquivo foi praticamente no meu jipe. O diretor na época era Mendonça Filho, um grande pintor! Imagine, Juarez Paraíso foi meu aluno. Juarez Marialva Tito Martins Paraíso.

RD – O senhor se lembra de algum alu-no famoso?CT – Glauber Rocha. Mas eu prefiro me lembrar dos meu professores. Conceição Menezes. Se eu soubes-se dar uma aula como Conceição Menezes! Eu era fascinado pela di-dática que ele tinha. Foi um gran-de, grande professor de história! Esse é meu referencial.

RD – Falam que baiano não é nordesti-no. Baiano é baiano. Como o senhor vê isso da baianidade, do baiano se sentir diferente?CT – Olhe bem, você assiste tele-visão e vê a projeção do tempo: chuva no Nordeste etc. e tal. O Bra-sil é o único país do mundo que não tem Leste. Já notou? Onde é o Leste? Os ponto cardeais são Nor-te, Sul, Leste e Oeste, mas a Bahia não é Leste. O IBGE acabou com o Leste, colocou a Bahia no Nordes-te. Então, dizer que a Bahia é Nor-deste não é verdadeiro. Nordeste é Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Gran-de do Norte, Pernambuco, Ala-goas. A Bahia é Leste. Não sei de quem foi a ideia doida de acabar com o Leste. Acabaram com um ponto cardeal!

RD – O que foi mais importante para Salvador no século XX?CT – A abertura da Avenida Sete de Setembro, que não existia. Perdeu-se uma igreja, a Igreja de São Pedro – e não estou lou-vando ter perdido. Também a abertura da Avenida Oceânica e o Comércio, porque a Alfânde-ga, que hoje é o Mercado Mode-lo, era em cima da água, da Rua Portugal em diante era o mar. O aterro do porto deu outra fisio-nomia ao Comércio. Observeque que as casas mais antigas, do século XIX, são para a parte de

dentro e as novas são de 1912, 1916 em diante.

RD – O projeto de revitalização do bairro do Comércio, anunciado por empresários e pelo governo, agrada ao senhor?CT – Uma boa coisa. Eu não sei como é que vai, mas acho que merece ser revitalizado. Recu-perar é bom, o que não se deve é demolir construções coloniais para construir arranha-céus. Para atrair o turismo, para criar a per-sonalidade da Cidade do Salva-dor, só mesmo as construções até o século XIX. Ninguém vai sair de outro lugar para ver arranha-céu na Bahia, isso é maluquice!

RD – Quanto às barracas de praia de Sal-vador, que foram demolidas na orla, há algum valor delas na história da cidade?CT – Qual é a praia mais movimen-tada, mais badalada e conhecida no Brasil e no mundo? É Copaca-bana, no Rio de Janeiro. Existem barracas lá? Por que então deixar barracas nas praias de Salvador? Por que então não colocam as barracas do outro lado e deixam a praia livre? O cidadão utiliza uma área pública, no caso a praia, que é nossa, é minha e sua, e coloca cadeiras, mesas, vende sua cerve-ja e ocupa a praia. Eu não posso usar a área porque o cidadão ga-nha dinheiro às minhas custas. Eu sou o dono de um xis avos de uma parte dessa praia!

RD – Que mensagem o senhor deixa para as futuras gerações em relação à preservação da memória histórica da Bahia? CT – Primeiro, que gostem e te-nham pela Bahia um sentimento de amor; segundo, que estudem; porque pior do que não conser-var é fazer o pastiche, a imitação,

é querer fazer concreto armado do século XVIII. Aí não dá! Tem que conservar as coisas, ter or-gulho de morar num casarão no Comércio. Onde eu gostaria de morar. Por exemplo, aquele ca-sarão de azulejo da Praça Cairu é lindíssimo! Têm turistas que vêm da Holanda só para admirá-lo, enquanto muitas pessoas pas-sam por ali e não observam. Aqui na Bahia, antes de mais nada, é fazer com que as pessoas gostem da Bahia – não como folclore, mas, sim, entranhadamente. Isso é muito importante. É passar a responsabilidade para a comu-nidade, da preservação, e não deixar toda a responsabilidade para o governo. Se eu moro na cidade, que é minha casa, quem tem de cuidar dela sou eu, e não ficar só esperando que o governo venha cuidar dela.

RD – O senhor gostaria de dizer mais algumas palavras? CT – Estudei história a vida toda. Ensinei por concurso. Desculpe a ousadia, mas não devo favor de nomeação a ninguém. Ensinei em outros colégios particulares. Ensinei na (universidade) Católica. Depois, houve um tempo de jorna-lismo. Fui editor-chefe da Tribuna da Bahia durante algum tempo. Também fiquei publicando artigos por aí. Agora mesmo estou lan-çando um livro: “Bahias”. É sobre a diversidade das áreas culturais no estado. Existem várias Bahias na cabeça de baianos. Um homem do São Francisco é completamen-te diferente do homem de Ilhéus. Veja uma coisa, uma igreja como Nª. Sª. do Rosário, uma igreja de Cachoeira, a igreja de São Barto-lomeu, em Maragojipe, é comple-tamente diferente de Macururé, de Chorrochó. É esse trabalho que estou desenvolvendo.

Personagem do Rio Vermelho Cid José Teixeira Cavalcante Ilustração: Rafael Titonel

O pensamento de Cid

Sobre o Rio Vermelho – Me lembro que no Rio Vermelho só havia um automóvel que era do Sr. Adolfo Moreira, o dono da pe-dreira (onde hoje se encontra o Hotel Pestana). Ao longo do dia fazíamos a seguinte pergunta: “Já passou o automóvel?”. Ninguém saía do Rio Vermelho, você tinha uma identidade riovermelhense.

Sobre a origem do termo Rio Vermelho – “Camarajibe” é o nome que foi transformado pelo uso popular em “Camaru-jibe”. “Camarajibe” é o rio das ca-marás, uma florzinha vermelha que antigamente tinha demais na cidade. Rio das florzinhas vermelhas. Rio Vermelho daí nasce o nome do rio. Proprieda-de de Manoel Inácio da Cunha Menezes que ganhou a sesma-ria, cuja terra ia da Mariquita até onde foi a sede de praia do Bahia na Boca do Rio, daí pra dentro a mesma coisa.

Matéria concedida pela Revista de Arte Dendê Por André Avelino e Raimundo Mundin

Page 13: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

JRV – 13

Localizada na Rua Odilon San-tos, no Rio Vermelho, a casa, desde 1992, abriga os estudan-tes de Paulo Afonso e é consi-derada uma das melhores de Salvador, juntamente com a Casa do Estudante de Itapetin-ga, no bairro da Saúde.

Reformada para melhor aten-der às necessidades dos jovens, oferece uma infraestrutura com sala de informática com compu-tadores, acesso a internet sem fio, sala de televisão e vídeo, biblioteca, cozinha, refeitório e quartos com banheiro, frigobar, ventilador e armários. A Casa do Estudante de Paulo Afonso é

uma demonstração clara que a prefeitura pode participar e dar estímulo, mesmo que de manei-ra indireta, para que os jovens estudantes possam concluir o ensino universitário na capital. A casa é um ponto estratégico para facilitar a vida dos estudan-tes, sem a qual não poderiam se manter nem evoluir academica-mente em Salvador.

Atende somente estudantes universitários. Comprada pela prefeitura em 1993, possui um coordenador nomeado pelo poder público de Paulo Afon-so, mas que não reside no local. Para morar na residência é ne-

cessário procurar a Secretaria da Educação do município, onde é avaliada a condição financeira do candidato e seu currículo.

Equipamentos de grande im-portância para os estudantes do interior do estado, não só como moradia, mas para garan-tir e manter os estudos do re-sidente, as Casas do Estudante tendem a desaparecer se não houver um forte trabalho de es-clarecimento e reconhecimen-to do seu papel na formação desses jovens. Infelizmente, a grande maioria das prefeituras municipais do interior não tem a visão da importância dessas

residências. Opiniões opostas e desinformação são marcas constantes na relação entre os governos municipais e as resi-dências estudantis.

Garantir da prefeitura o repasse mensal de um percentual míni-

mo do Fundo de Participação dos Municípios para manutenção das residências, aprovadas em Lei Orgânica, é o que todos os estu-dantes do interior esperam. De parabéns a Prefeitura de Paulo Afonso pela manutenção da Casa do Estudante em Salvador.

Casa do Estudante de Paulo Afonso

Exemplo de república de estudantes apoiada pela prefeitura

Foto: André Avelino

Largo de Santana precisa de atenção

O Largo de Santana, onde está a obra de Tati Moreno em home-nagem a Zélia e Jorge Amado e um dos tabuleiros de acarajé mais badalado da cidade, en-contra-se em estado lastimável. Além do piso quebrado em vá-rios pontos, as lâmpadas coloca-das no chão estão queimadas ou foram arrancadas. A parede da igrejinha serve de sanitário pú-blico tanto de dia como de noi-te, já tem um buraco formado de tanta urina. Uma tristeza !

Isso é lugar para instalar barraca?

Como num passe de mágica surgiu no calçadão da Paci-ência uma enorme barraca, que pelo tamanho é, na ver-dade, um novo ponto comer-cial instalado em área públi-ca. Uma situação contrária à pregação da prefeitura de or-denamento da cidade, ainda mais quando existe um proje-to de requalificação da área, que conforme promessa do próprio prefeito será iniciada após a Copa.

Ponto de ônibus virou estacionamento

Todos os dias é a mesma coi-sa, carros estacionados onde os ônibus deveriam encostar e os ônibus parando no meio da pista para pegar os passageiros. Essa é a rotina dos usuários do sistema de transportes coleti-vos no ponto que fica na Rua da Paciência, próximo à traves-sa Lydio Mesquita.

Cidadania digital

A parede da Escola Municipal Oswaldo Cruz foi transformada em um grande painel grafitado com orientações de como utili-zar a internet com responsabili-dade. Iniciativa louvável diante da forma inadequada que mui-tos estão fazendo das redes so-ciais, publicando fotos, vídeos e informações que acabam preju-dicando os outros.

Deu no Blog blogdoriovermelho.blogspot.com.br

Fotos: Carmela Talento

Page 14: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

14 – JRV

Quem visitar Salvador fatalmen-

te experimentará o Rio Ver-

melho. Bairro boêmio da cidade,

aqui diversas tribos convivem paci-

ficamente, as opções vão de hotéis

cinco estrelas ao Mercado do Peixe,

passando pelo Largo da Dinha, local

privilegiado onde se pode degustar

as iguarias da terra, praticar azaração

ao gosto do freguês, sorver umas

geladinhas, e jogar muita conversa

fora. Diferentemente do Pelourinho,

que a maioria dos soteropolitanos,

principalmente os mais metidos a

besta, vê com preconceito e como

espaço prioritário para turistas, o

Rio Vermelho é o “xodó” da Roma

Negra, o sentimento de pertenci-

mento do bairro é constantemente

expresso, de diferentes formas, por

todas as classes e castas sociais. Mas

as verdadeiras pérolas do Rio Ver-

melho não são tão visíveis assim,

frequentar o território é uma coisa,

viver no Rio Vermelho é uma expe-

riência incomum. Cada pedaço do

Rio Vermelho tem lá suas manias,

cada subespaço tem vida própria,

quem mora aqui sabe disso, os vizi-

nhos agradavelmente bisbilhoteiros

e os botequins que ainda vendem

fiado nas cadernetas dão colorido

especial à convivência comunitária,

não é novidade para os residentes a

troca de feriadões em beira de praia

pela presença nos botecos das suas

ruas, a terapia de grupo está sempre

assegurada, evidentemente movida

pelo consumo generoso de estimu-

lantes etílicos. Quando me referi às

pérolas do Rio Vermelho, quis di-

zer as indefectíveis “visgueiras” que

frequentamos, mais exatamente

os personagens que compõem o

cenário desses lugares, os biriteiros

inveterados e os donos dos bote-

cos, além dos coadjuvantes passa-

geiros, que, uma vez inoculados por

esses ambientes, terminam virando

clientes cativos. Vou tratar aqui da

preciosidade conhecida como BAR

DE BAHIA, exemplo de sucesso em-

presarial, e ao mesmo tempo em-

blema da contradição às modernas

teorias organizacionais vigentes.

Bahia, o proprietário, cuja alcunha

decorre do fato de ser um fervoroso

torcedor do Tricolor de Aço, é uma

figuraça: negro, estatura mediana, já

não tão jovem, pescoço repleto de

correntes de prata, humores nem

sempre agradáveis, linguajar nada

discreto, paciência quase nenhu-

ma, empresário com suas próprias

regras de administração, e adepto

da filosofia que quem tem razão é

sempre o dono do negócio, quase

nunca o cliente. Para os frequenta-

dores mais chegados a relação ex-

trapola o vínculo comercial, Bahia

é um amigo leal em todas as horas,

mesmo quando o cliente é um tor-

cedor do rival Vitória, como eu e o

professor Alberto, o mais rubro-ne-

gro dos rubro-negros que conheço

nessa cidade. Frequentam o boteco

consumidores de todos os matizes,

gente de diversos credos, etnias e

faixas etárias, funcionários públicos,

comerciários, profissionais liberais,

artistas, publicitários, aposentados,

operários, desocupados, e por aí vai,

além dos garotos que pedem água

a “Seu Bahia” no retorno das escolas,

e um doido varrido, Del, que vive

pedindo dinheiro nos semáforos

próximos, e depois vai ao boteco

saborear a sua pinga, ao tempo em

que canta suas criações em falsete

na linha dos Bee Gees, divertindo a

galera e dando sua modestíssima

contribuição ao faturamento do bar.

Independentemente das eternas

contendas clubísticas entre torce-

dores rivais do Leão da Barra e do

Tricolor de Aço, o boteco frequen-

temente é palco para discussões

políticas e filosóficas, registrando

confrontos épicos entre conserva-

dores e liberais, fernandistas/serris-

tas e lulistas/dilmistas, carlistas e an-

ticarlistas, axezeiros e mepebistas/

roqueiros, tudo com paixões exa-

cerbadas, porém, sempre com res-

peito mútuo, no final entre mortos

e feridos salvam-se todos, e, como

se diz por aqui, a amizade continua,

que é mesmo o que vale quando

chega o fim da farra. O boteco tam-

bém pode ser considerado um cen-

tro cultural pop-brega-surreal. Tem

a presença dos “poetas” de plantão,

que não podem ouvir palavras oxí-

tonas proferidas por desavisados,

sem concluir com uma rima des-

confortável, em geral atingindo a

integridade sexual da vítima da vez.

Tem os clientes sósias de celebri-

dades mundiais, representados por

Geovani, que virou o camarada Bo-

ris Yeltsin na descoberta de Toinho

Espinheira; Emanoel, o nosso eterno

Anthony Quinn, e até por mim, que

durante o governo Bush fui taxado

por Geovani, sob meus protestos,

de Colin Powell, o xerife americano

que garantiu a existência de armas

químicas no Iraque, para justificar a

invasão que deu no que deu. No bo-

teco havia agregada uma baiana de

acarajé à feição das antigas, daque-

las que adoram falar sacanagem,

que, por sinal, anda desaparecida

provavelmente curtindo um amor

novo. Também funciona uma loca-

dora de vídeos, se é que se pode

assim chamar uma caixa plástica re-

pleta de títulos, onde os depósitos

e retiradas de DVDs ocorrem gratui-

tamente, ao bel-prazer dos clientes,

sem nenhuma interferência de ter-

ceiros, muito menos do dono. Aos

domingos sempre surgem rangos

de dar água na boca, experimen-

tos gastronômicos de alguns che-

fs de ocasião, ou vasilhames com

alguns tira-gostos nas mãos de

algum cliente bem-aventurado, já

que no bar não são servidos ace-

pipes, segundo o dono porque ele

“não é mulher pra ficar cozinhando

para homem”. Enfim, esse é o Bar

de Bahia, programa imperdível para

quem, como eu, conhece o cara há

mais de 20 anos, e também para

recém-chegados que não se impor-

tem com etiquetas, bons modos e

frescuras tais, e estejam somente

a fim de tomar, quer dizer, beber

umas, conhecer gente, e, como já

mencionado anteriormente, jogar

uma boa conversa fora. Assim, dese-

jo sorte a você que está lendo este

texto e pretende circular pelo Rio

Vermelho, e que Olorum o ajude a

achar o boteco, se você for merece-

dor ou merecedora de tal ocorrên-

cia. O endereço não dou, não quero

provocar superlotação, além do que

encontrar o Bar de Bahia é um de-

sígnio dos orixás, e não sou eu que

vou me arriscar a meter o bedelho

nessa história. Portanto, dá licença

que já é hora de bater o ponto.

Bar de Bahia ou a vida como ela pode serPor Dilton Machado

Inaugurado em 1983, o mo-numento de autoria do escul-tor Mário Cravo Jr. foi erguido em homenagem ao ex-pre-feito de Salvador, Clériston Andrade, morto em acidente de helicóptero às vésperas de eleição para o governo da Bahia. Tem 14 metros de al-tura, executado em concreto armado, revestido com már-more, fibra de vidro, alumínio e relevo em latão.

Atingido por um incêndio em outubro do ano passado, o monumento, que fica na Ave-nida Garibaldi, começou a ser revitalizado pela Prefeitura de Salvador, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Cultura e Turismo (SEDES) e da Com-panhia de Desenvolvimento Urbano (DESAL), com apoio da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP), Fun-dação Gregório de Mattos (FGM), Limpurb e Superin-tendência de Conservação e Obras Públicas (SUCOP).

As obras terão sete etapas, sendo a primeira delas com-preendendo a retirada do revestimento em mármore, da argamassa e da cúpula em fibra de vidro, além da recuperação e tratamento da estrutura metálica e fixação da estrutura de vidro. A se-gunda e terceira etapas en-globam o assentamento do mármore novo e das cúpulas de vidro, com tratamento e limpeza, bem como a imper-meabilização da laje da co-bertura do monumento. Já a quarta e quinta envolvem a recuperação, produção e assentamento dos bustos, assim como a instalação da nova iluminação. As últimas duas etapas compreenderão a estabilização do espelho d’água e a recuperação urba-nística do entorno.

Um trabalho quase artesanal para que a obra não perca suas características originais. O artista Mário Cravo Jr. está de olho.

Recuperação do monumento Clériston Andrade

Foto: André Avelino

Page 15: Jornal Do Rio Vermelho 07 Edicao

JRV – 15

Prato Quente

Modo de preparoCozinhe o polvo junto com uma cebola aberta em quatro partes e reserve. Numa frigideira co-loque o azeite de oliva, a cebola picada, a cebolinha e o coentro. Coloque o polvo para rechear nesse tempero, depois despeje o leite de coco e um pouco de molho shoyu. Junte o arroz negro pré-cozido, uma pitada de sal, ferva por cinco minutos em fogo médio e está pronto para servir.

ARROZ NEGRO DE POLVOFo

tos:

Andr

é Ave

lino Ingredientes

• Polvo 300g • Cebola bem picada • Coentro • Cebolinha • Arroz Negro • Shoyu • Azeite de Oliva • Leite de Coco

Roque Brito, mais conhecido como Chef Sabará, comanda a nova cozinha do Restaurante Póstudo e apresenta a receita do Prato Quente dessa edição.

Onde?Restaurante Póstudo – Rua João Gomes, 87 - Rio Vermelho, Salvador-BA(71) 3015-8800

Chico Mazzoni é arquiteto, artis-ta plástico, cenógrafo, mestre em conservação do patrimônio e de-signer. Baiano e morador do Rio Vermelho, o artista comemora 31 anos numa trajetória iniciada aos 13 anos no Colégio Marista, quando apresentou seu trabalho no Gabinete Português de Leitu-ra. Tendo recebido estímulo dos pais, cursou arquitetura e, com 24 anos, fez pós-graduação na Itália. Voltou ao Brasil e logo re-alizou sua primeira exposição individual em 1983, na Aliança Francesa. De lá para cá foram de-zenas de exposições individuais e coletivas em salões da capital e do interior da Bahia, e mais São Paulo, Nápoles, Florença e Viena. Mostras que fizeram o artista ex-perimentar diversas formas de pintura até chegar à técnica de tinta acrílica com baixo relevo. Mazzoni foi professor da Facul-dade de Arquitetura da UFBA e é professor titular da UNIFACS.

Com a Exposição “Tramas Since-ras”, em cartaz no Palacete das Artes, Chico Mazzoni comemora seus 31 anos de carreira profissio-nal, numa mostra composta por

31 telas em tinta acrílica dimen-sional apresentando formas ima-ginárias, frequentadas ao longo de sua trajetória, numa síntese das linguagens artísticas que fo-ram da ultrafiguração, adotada em algumas de suas mostras, à quase-abstração, a que chegou na mostra mais recente.

Segundo Chico Mazzoni, seu maior interesse é buscar lingua-gem e identidade próprias no cenário da arte brasileira. “‘Tramas Sinceras’ constitui-se numa refle-xão sobre as amostras realizadas nessa trajetória. Nela, além de revisitar temas, técnicas e lingua-gens, tento depurar isso numa trama inédita, para cumprir mi-nha missão como artista”.

Sobre o Rio Vermelho comenta: “Sempre quis morar no Rio Ver-melho. Era o bairro dos artistas, de Dorival Caymmi, Jorge Amado, Floriano Teixeira, Jenner Augusto. É um bairro histórico. Se preser-vou, é alternativo. Parece que a cidade dá a volta no Rio Vermelho e não contamina o Rio Vermelho. Moro há 23 anos no Rio Vermelho. Moro e tenho ateliê aqui.”

Chico Mazzoni e suas “Tramas Sinceras”

Chico Mazzoni comemora 31 anos de carreira com a exposição “Tramas Sinceras”

Foto: Edgard Carneiro

O São João da Bahia é a maior festa regional do Brasil. A fes-ta movimenta todos os seus 417 municípios, que recebem de braços abertos milhares de visitantes e turistas. Embora a maioria seja de brasileiros, é cada vez mais comum encon-trarmos turistas europeus, asi-áticos e norte-americanos, que chegam para acompanhar de perto os festejos.

As atrações vão desde grupos regionais até atrações nacionais, sem contar com as diversas ma-nifestações populares, como rei-zados, quadrilhas, grupos festivos, brincadeiras, jogos, quermesses etc. Não existe festa mais gostosa de participar do que o São João embalado em seus ritmos: forró, xote, xaxado, baião, coco etc. Suas comidas, como canjica, pamonha, cuscuz, bolo de milho, bolo de ca-

rimã, bolo de aipim, arroz doce etc. E as bebidas, como quentão, rabo de galo, licores de diversos sabores, em especial o de jenipapo, fazem dessa festa a mais bonita do Brasil.

Em Salvador, o São João é come-morado em todos os bairros com fogueiras e fogos de artifício, mas a festa principal se concentra no Pe-lourinho, totalmente ornamenta-do com o tema São João da Copa.

Viva o São João da Copa!

Foto: Carla Ornelas/GOVBA

Nesse São João, alunos do Manoel Devoto homenageiam a Copa

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16 – JRV

Guache Marques, 60 anos, baiano de Feira de Santana

e artista do Rio Vermelho, que adotou Salvador como sua fon-te de inspiração sem perder de vista as referências de suas raí-zes. Casado com Gleide Bacelar de Melo e pai de Geovana, de 9 anos. Artista múltiplo que já passeou por diversas técnicas do bico de pena à arte digital, passando pela gravura, pintu-ra e foto-desenho, Guache tem uma obra voltada para o enten-dimento do homem, seus desíg-nios, suas crenças e mitos.

Sua obra apresenta um discurso com acentuadas preocupações com nossa identidade mestiça e nossa cultura de tradições e con-temporaneidade, evocando as raí-zes de um cotidiano que ele mes-mo vivencia através da releitura de signos da cultura afro e indígena.

Em seu currículo constam vários prêmios, exposições individuais e coletivas em Salvador, Buenos Aires (Argentina), Curitiba, Rio de Janeiro, Porto (Portugal), Ma-cau (China) e Paris (França).

Jornal do Rio Vermelho – Signos e símbolos das culturas negra e indígena inspiram grande parte da sua obra. Como aconteceu isso?Guache Marques – Cedo me entusias-mei pelo Surrealismo. Quando entrei na Escola de Belas Artes, em 1974, comecei a conhecer a obra de uma série de outros artistas como Juarez Paraíso, Jamison Pedra, que foram meus mestres, e juntei minha própria experi-ência em Feira de Santana. Veja bem, eu não tenho muitos pelos, a minha pele mostra tra-ços de índio, eu tenho descendência indígena como a maior parte dos brasileiros. Então essa miscigenação interferiu também na minha obra. De posse disso, eu comecei a trabalhar com bases e materiais da terra como o couro, por exemplo. Foi em Salvador que me aproxi-mei da cultura afro, que hoje é a coisa que me rodeia. Cheguei aqui com 20 anos, já estou com 60 – são 40 anos de arte aqui em Sal-vador com idas frequentes a Feira de Santana para visitar D. Terezinha, minha mãe.

JRV – As cores vivas e os tons terrosos frequentam muito sua obra. Qual a força e a importân-cia da cor na sua obra?GM – É engraçado, porque quando eu entrei na Escola de Belas Artes eu fazia bico de pena. Estava maravilhado com o desenho, a gravura. Cheguei a ser professor nas oficinas do MAM na década de 1980. Ou seja, trabalhava o preto e branco. E a cor só chegou depois com pastel seco. Falo disso tudo enquanto aluno. E a pintura com tinta acrílica somente aconteceu na década de 90. Uma coisa exigiu a outra, a necessidade de colocar cor nos trabalhos, as cores terrosas que me auxiliam nas temáticas indígena e afro. Eu tenho feito esses trabalhos porque essa cultura é abrangente e intrínseca a nós. Todo artista preci-sa se voltar para suas raízes.

JRV – E a evolução da sua lin-guagem artística. Como era

Guache ontem e como é Guache hoje?GM – Eu era um menino que desenhava com graveto na terra. Na terra molhada de chuva. Aí na Escola de Belas Artes fui incor-porando técnicas. Hoje tenho um trabalho na TVE como designer gráfico e preciso es-tar na frente de um computador para fazer vinhetas, marcas e acabei por começar a fazer arte digital, revisitando trabalhos meus, recortando, dando novas conotações

e transformando em gravura digital, que é um múltiplo pode ser reproduzida várias vezes. Tem me agradado fazer isso porque acho que quando a gente revisita a nossa obra, a gente vislumbra novas possibili-dades. Meu trabalho passou por algumas fases: fiz bico de pena, desenho a pastel, gravura em metal, litogravura, xilogravura, desenho sobre fotografia e agora pintura acrílica e gravura digital. Ou seja, sou mul-tifacetado em artes plásticas.

JRV – Como você vê o panorama das artes na Bahia hoje?GM – Nós temos um panorama que dá uma esperança que nossa arte seja mais vista lá fora. Eu acho que nossa arte tem aparecido mais, a gente tem alguns salões, eu mesmo já participei de alguns deles. Eu vejo que há uma intenção de promover mais a arte e a cultura baianas. Estamos agora resgatando uma bie-nal histórica para a Bahia e até para o Brasil, cuja última versão tivemos artistas presos,

como Juarez Paraíso. Olha que coisa louca! A ditadura baixava o pau e prendia artistas por causa das suas obras. É um absurdo pensar nisso hoje! Agora temos a liberdade para nos expressarmos, temos as redes sociais, ninguém mais precisa subir num tijolinho e ficar gritando abaixo a ditadura! Abaixo isso. Abaixo aquilo. Eu sou de uma geração que teve amarras, a gente ficava pensando: eu posso falar isso? Eu posso fazer aquilo? Durante um certo tempo isso se refletiu na minha obra, mas não teve maiores reverberações.

Mas voltando ao assunto eu tenho esperança, sim. Temos boas galerias, com bons contatos como a Paulo Darzé, Roberto Alban. Temos a Prova do Artista, de Denisson...

JRV – Sobre a III Bienal da Bahia, fale mais um pouco...GM – Eu vejo como uma iniciativa interes-sante porque resgata de uma forma histórica, a trajetória de uma bienal que foi interrompida. O modelo que está se fazendo para retomar esse processo eu não sei qual é. Eu cheguei a estar na primeira lista para participar da bie-nal, mas por uma questão de verba, houve um enxugamento do orçamento e alguns artistas dançaram. Acho que eu dancei por aí. Sei que vai haver exposições em Feira, em Cachoeira. Acho que meu trabalho deveria estar aí. Acho que foi um erro. Não somente eu, mas vários outros artistas. Minha arte utiliza das nossas raízes mas com uma perspectiva universal, está fincada na contemporaneidade.

JRV – Vamos voltar um pouco no tempo: você pertenceu ao gru-po chamado Geração 70. Esse grupo pintou um mural imenso aqui no Rio Vermelho, na Praia da Paciência, foram os precurso-res do grafite atual.GM – Aconteceu num período em que eu, Zhivé, Murilo, Bel Borba, Mazo, Chico Diabo, que já faleceu, e mais alguns ou-tros, éramos uns sonhadores levando para a rua nosso trabalho. Hoje cada um está no seu ateliê, criando o seu trabalho. Antes a gente trocava ideias mesmo, eu já trabalhei num galpão da Escola de Belas Artes jun-to com Zhivé, Florival Oliveira, Deca Conde, já falecido, cada um produzindo sua arte e interagindo. Então foi assim, nos juntamos no muro da Paciência para fazer um mural, a gente sorteava os espaços e cada um fazia sua parte. Tinha aquele lugar mais nobre, na esquina, uma vez tirei essa posição e disse: Tenho que caprichar nessa obra! Acho que fizemos isso durante uns cinco, seis anos se-guidos. Todo ano a gente pintava o muro de branco e rolava uma festa enquanto pintá-vamos. Até que um dia o dono da casa cha-piscou o muro de cimento e não deu mais para pintar. Bel ainda conseguiu colocar uns ladrilhos depois, mas agora só dá pra turma do grafite que não tem problema com a tex-tura da parede.

JRV – O que o Rio Vermelho re-presenta para você?GM – O Rio Vermelho é o meu território pes-soal. Assim como vários artistas na Bahia, aqui eu me sinto em casa. Por estar num bairro que tem peculiaridades que me agradam: é um bairro boêmio, artístico e místico. Só lamento que as autoridades não deem o devido valor ao nosso Rio Vermelho. Quer um exemplo? Cam-po de futebol pode colocar em qualquer lugar, mas um lugar belíssimo como aquele mirante da Paciência merecia uma praça e não aquelas quadras horríveis.

Galeria do Artista Guache MarquesFoto: Edgard Carneiro

“TODO ARTISTA PRECISA SE VOLTAR PARA SUAS RAÍZES”