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Na memória de Bento Rodrigues e Paracatu, as festas ainda resistem Jornal-laboratório I Jornalismo UFOP I Ano 6 - Edição Nº 22 - Março de 2016 PÁG. 11 Moradores de áreas de risco em Ouro Preto cobram casas e mais dignidade Mariana recebe novos médicos, mas a espera pela UPA continua PÁGS. 6 E 7 PÁG. 3 ARTE: LÍGIA CAIRES

Jornal Lampião - 22ª Edição

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O Jornal Lampião é uma publicação laboratorial do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Março de 2016

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Page 1: Jornal Lampião - 22ª Edição

Na memória de Bento Rodrigues e Paracatu, as festas ainda resistem

Jornal-laboratório I Jornalismo UFOP I Ano 6 - Edição Nº 22 - Março de 2016

PÁg. 11

Moradores de áreas de risco em Ouro Preto cobram casas e mais dignidade

Mariana recebe novos médicos, mas a espera pela UPA continua

PÁgs. 6 E 7 PÁg. 3

Arte: LígiA CAires

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2Arte: thiAgo BArcelos

Março de 2016 Março de 2016

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Morar em cidades relativa-mente pequenas não é sinôni-mo de viver tranquilamente ou sob os cuidados da administra-ção pública. Para isso, teríamos de contar com o apoio de ór-gãos que realmente se importas-sem com os direitos do cidadão, principalmente quando os assun-tos são habitação, saúde e mo-bilidade urbana.

Em municípios como Mariana e Ouro Preto, historicamen-te ricos em cultura e experi-ência política - se considerar-mos as datas de fundação de

suas Câmaras de Vereadores, ambas do século XVIII - as de-cisões que atingem o cotidiano dos moradores são meras facha-das e acabam por não repre-sentar os anseios da população, além de serem irreais para ci-dades localizadas em territórios tão largos. A efeito de compara-ção, Mariana e Ouro Preto pos-suem uma área maior que a ci-dade do Rio de Janeiro, onde habitam mais de 6 milhões de pessoas. Será que teríamos ca-pacidade de planejar para uma população como essa? Afinal, as

cidades crescem cada vez mais e as necessidades devem ser su-pridas na mesma medida em que os impostos são pagos.

Para complicar o progres-so na região e a resolução dos problemas apontados principal-mente em bairros mais pobres, os métodos de comportamento dos governantes locais, quando não utilizam de demagogias, bei-ram a cegueira. O que seria or-gulho extraído do Ciclo do Ouro e da mineração pode se tornar prêmio de consolação. Em ex-cesso, o despreparo em pensar

rigorosamente no futuro se am-plia de maneira desproporcional às verbas disponíveis, como nos casos em que as prefeituras não conseguem lidar com a expan-são descontrolada das comuni-dades e sua óbvia carência por infraestrutura. Até então, tudo e todos exigem por recursos, mas sabem aplicá-los?

Porém, o que se observa atu-almente é uma desastrosa troca de favores, em que o cidadão é contrariado e acaba por figu-rar como uma moeda em contex-tos políticos e sociais. Não tão

distante dessa visão, as promes-sas de uma cidade melhor so-mem de cena como num espetá-culo de mágicas e transformam os direitos à cidadania, moradia, saúde e mobilidade em palavras soltas ao vento.

Em meio aos obstáculos o LAMPIÃO tem, por missão, tra-zer à público as exigências por uma sociedade mais justa, me-nos desigual e com um poder público melhor estruturado, co-nhecedor de seus deveres dian-te de uma população desprovida de recursos e retornos ao voto.

OMBUDSMAN

EDitOriAl

Natália Goulart*

Quando recebi o convite para escrever este texto, fiquei surpre-sa, afinal, a tarefa desta escrita é a de ser ombudsman da 21a edição do LAMPIÃO, intitulada, “Do fim ao começo”, sobre a tragédia em Bento Rodrigues. Responsabilizar-se por esta convocação e aceitar o chamado de um texto, abrir-se para uma posição crítica a este jornal, é, mais do que nunca, reescrever e re-ler o LAMPIÃO, em tom de afeto.

Como ex-aluna do curso de Jor-nalismo da Universidade Federal de Ouro Preto, Ufop, não pude deixar de voltar... Voltar a um pedaço de imagem, a memória de um tempo outro, do tempo em que este jor-nal foi criado, inventado e, sem-pre, reinventado por nós, desde a primeira publicação e todas as ou-tras que ainda circulam por entre os espaços da cidade.

A cada leitura, de cada um que esbarra nesse papel, seja lá quem for, um novo texto. A cada le-tra escorregadia que, ao pou-cos, foi trocada, esquecida, pre-sente, um novo jornal. Digo isto porque talvez seja a tarefa do jor-nalismo e a do LAMPIÃO colo-car a palavra em movimento, fazer com que a palavra esteja sempre na travessia, além, reinventando os acontecimentos da vida.

A 21a edição nos coloca uma questão, pergunta esta que se re-pete ao longo das matérias sobre Bento Rodrigues, “quem cuida de nós”? Ainda em forma de interro-gação pergunto: quem, afinal, pode abrir-se a escuta dos sobreviven-tes, dos testemunhos, um a um? A universidade, o jornalismo, a psica-nálise, a literatura, o poder publi-co, o direito? Quem cuida de nós e abre um caminho as vozes da mar-gem? Como contar uma história em que o vão e o silêncio tomam o lugar da palavra?

Mesmo sabendo que a tragédia da barragem do Fundão é compre-endida em seu sentido técnico e ex-plicativo, através das vozes dos es-pecialistas e entendida, sobretudo, como ato irresponsável do poder público e da mineradora Samarco, algo ainda persiste, a lacuna, alguns restos incompreensíveis de cada so-brevivente. Restos que, mesmo es-gotados de explicações, sempre, se-rão restos cuja palavra não alcança. Quero dizer que, compreender este

evento somente em termos técnicos é apagar as vozes dos sobreviven-tes, barrar e atirar a lama no tempo que não é o mesmo do relógio, cro-nológico, endireitado, objetivo.

O tempo é o tempo do trauma. A psicanálise e a literatura nos ensi-nam uma lição, é preciso suportar a desproporção, a falta, a incomple-tude, a incerteza, o vazio que exis-te entre a experiência vivida e a nar-ração. Embora, seja justamente essa rasura, no sentido positivo, que nos permita, mais uma vez, reviver, re-contar, voltar a vida. Depois de Bento Rodrigues, narrar, é, senão, contar em pedaços o que se viveu, no espaço da desmemoria, esse é o saber que me parece precioso.

Assim, a 21a edição nos apresen-ta um tempo outro, um relógio na capa, um LAMPIÃO entre a som-bra e a luz, uma edição que lança a palavra ao futuro, no balanço de re-portagens mais objetivas e acenan-do lampejos de uma escrita poética, rumo à imaginação. Além disso, nos apresenta vozes, várias delas, sejam oficiais ou a dos sobreviventes, as quais a edição parece se aproximar e buscar, as vozes da margem. Sem a margem, sem o limite que separa a montanha da lama em desalinho, quem sobreviveria?

Como reinventar saídas, religar-se ao mundo novamente, ir da so-brevida à vida? A aposta é na pala-vra. Testemunhar, abrir um espaço em que as vozes abandonadas se-jam acolhidas, assim como fez o jornal. Acolher as vozes de quem nunca teve a voz, não no sentido do gesto testemunhal pelo viés da cer-teza, da transparência, da fantasia que, por vezes, acredita algum jor-nalismo, na crença de que pode ex-plicar ‘tudo’. Mas, um local em que o ato de narrar seja entendido como ficção, no contar de cada sujeito a partir de suas reinvenções.

E é aqui a posição crítica des-te texto, a de que o jornalismo de-veria saber que não existem apenas dois lados, mas, um rio de vozes, de ficções, de poesias para além, mui-to além dos dois lados. Assim, te-nho a abertura nesse texto de di-zer ao LAMPIÃO que siga em frente, sempre a mais, rumo à ima-ginação, a escrita poética, na di-reção do incerto que a vida e o texto nos ensinam.

CrôNiCAcArol vieirA

Trem para lugar nenhum

Ser território

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Jornal-laboratório produzido pelos alunos do curso de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza, Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Benedito Donadon Leal, Chefe de departamento: Profa. Dra. Virgínia Alves Carrara, Presidente do Colegiado de Jornalismo: Profa. Dra Jan Alyne

Barbosa e Silva – Professoras responsáveis: Karina Gomes Barbosa (Reportagem), Ana Carolina Lima Santos (Fotografia) e Talita Aquino (Planeja-mento Visual) – Editor-chefe: Flávio Ribeiro – Editora de Texto: Thamiris Prado – Editora de Arte: Lígia Caires – Editor de Fotografia: Carol Vieira – Editora Multimidia: Gabriela Visciglia – Repórteres: Alícia Milhorance, Caio Aniceto, Clarissa Castro, Débora Mendes, Hariane Alves, Lara Massa, Monique Torquetti, Pedro Guimarães, Pedro Menegheti, Sabrina Passos, Stela Diogo, Tainara Ferreira, William Vieira – Fotógrafos: Agliene Melquíades, Aleone Higidio, Alexandro Galeno, Caroline Hardt, Fernando Cássio, Francielle Ramos, Paloma Demartini, Priscila Ferreira – Diagra-madores: Anna Flávia Monteiro, Camila Guardiola, Caroline Rooke, Fernando Ciríaco, Mariana Rennó, Thiago Barcelos – Repórteres Multimidia Larissa Lana, Luísa Rodrigues, Rodrigo Sena – Revisão: Eduardo Rodrigues, Elmo Oliveira – Monitoria: Catarina Barbosa, Silmara Filgueiras, Stênio Lima – Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, nº 166, Centro. Mariana – MG. CEP: 35420-000.

thamiris Prado

A vida toda é pertencimen-to. Dedicamos disposição, tempo e suor a conquistas que, ao longo da trajetória traçada aqui, comprovam nossa existência e afirmam a valida-de dos caminhos que tomamos. Pre-cisamos atestar o lugar que ocupa-mos nas coisas, pessoas e espaços, pela busca contínua de territórios e testemunhas que se tornem parte de nós diante do mundo. Precisamos de lugares e pessoas que recebam essa entrega. Nós doamos e ven-demos propriedades de sentimento àquilo que chamamos de nosso, de terra, de herança, de representativi-dade, de lembrança, de lar. Seja ele de concreto ou de pele.

Esse tipo de necessidade, com-partilhado enquanto combustível da sociedade para além do capitalis-mo, é fruto da urgência permanen-te que temos em atravessar com me-nos dureza as realidades cruas que deixam o cotidiano oco, de sentido e de gente. Só os afetos e materializa-ções, do trabalho e da memória, en-

cobrem os vácuos de existência que carregamos. É uma espécie de pro-cesso inconsciente - mas com pro-pósito - escolhido para nos livrar da condição impraticável de não ser dono de coisa alguma. De não ser parte de algo que possa ser visto, sentido, pisado, transformado. Em tapete de sisal, rima de rap, depósito de lama. Casa pra morar.

Resgatar memórias é não se obri-gar a conviver com o apetite mé-dio de um presente do qual, por ve-zes, não escolhemos ser parte. Nem sempre deixar de pertencer é opção. O pertencimento não é só povoado de escolhas. É também território de imposição, invasão dos espaços físi-co e simbólico alheios. Às vezes se usa o poder e a impunidade pintados de catástrofe natural para desapro-priar pessoas. Outras vezes, se vale da mesma condição ambiental para escancarar a impunidade do poder público que desabriga pessoas.

A interdependência social im-plica espera. Seja por conquista de bens, emancipação cidadã, supera-ção de preconceitos, ou rendição à

burocracia falha e desengrenada de que comungamos politicamente. A espera condiciona sonhos, proje-ções, sobrevivências e lugares que demarcamos, no chão e na socieda-de. As coisas se emprestam a nós, e o motivo é didático: a existência dos nossos legados atravessa a nos-sa - já clareava Saramago em suas definições de eternidade.

O jornalismo desafia o tempo. Contraria a durabilidade das coisas quando contesta, ouve, registra de-poimentos e pedaços de realidade que passam, escorrem dia e noite pelo cotidiano. Falamos do relacio-namento entre o homem e o mun-do para entendermos os porquês dos espaços que se dedicam a nós. Somos preenchidos de legados, he-ranças, determinações territoriais. Se as matérias nos escapam, os abs-tratos se devolvem. É a troca desses abrigos que nos mantém irrequietos, pulsantes, encorajados. Nos poupa de quase todas as dúvidas atordoan-tes, mas descortina a incapacidade que temos em ser propriedade par-ticular. A vida toda é partilha.

Nenhuma voz é precisa, mas é precisa.

* Natália Goulart é jornalista e

participou da 1a edição do LAMPIÃO.

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3Arte: thiAgo BArcelos

Março de 2016

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Grades entreabertasDetentos de Mariana têm oportunidade de estudar enquanto cumprem pena, mas medida enfrenta resistências

As quintas-feiras em que o professor de língua portu-guesa José Antônio de Olivei-ra Júnior, 28 anos, chegava ao presídio de Mariana para mi-nistrar aulas aos detentos ti-nham um clima pesado. Após as revistas das celas, que ocor-riam às quartas, os presos es-tavam cabisbaixos, diferente de outros dias, nos quais sem-pre demostravam grande in-teresse pelas aulas. Algumas vezes eles tinham os mate-riais escolares recolhidos pe-los agentes na noite anterior, mesmo não sendo proibido levá-los para as celas.

O mesmo ambiente delica-do era sentido nos dias após o corte de cabelo dos deten-tos. Para José, a falta de auto-nomia de situações como es-sas se refletia na sala de aula. A educação é uma das formas de ressocialização dos presidi-ários, mas muitos problemas são enfrentados para asse-gurar esse direito. Em Minas Gerais, apenas 7,7% dos pre-sos frequentam salas de aula.

No presídio de Mariana, as aulas são oferecidas des-de março de 2015, em parce-ria com a escola estadual Dom Benevides. Para o início das aulas deste ano, que deveria ter ocorrido no dia 11 de fe-vereiro, alguns problemas bu-rocráticos foram enfrentados. Um deles esbarrou na reali-zação das matrículas. Muitos detentos não possuem docu-mentos básicos e a dificuldade em encontrar os históricos es-colares é grande e causa trans-tornos, como explica a auxiliar de secretaria escolar Maria de Fátima Silva Mattos, 58.

As aulas deste ano darão continuidade ao programa de Educação de Jovens e Adul-tos (EJA) iniciado no ano pas-sado. Serão ofertados os dois primeiros períodos do ensi-

no fundamental 1, referentes ao 1o e 2o anos, que terão au-las ministradas por um único professor. Isso se deve à in-fraestrutura do presídio, com apenas uma sala de aula, que pode funcionar apenas nos turnos da manhã e da tarde. O turno vespertino será ocupa-do pelo segundo período do ensino fundamental 2, refe-rente ao 7o ano.

A secretária Maria de Fáti-ma explica que, apesar de se-rem adultos e muitos terem frequentado a escola, alguns chegam sem saber nada e pre-cisam ser alfabetizados. Como são poucas turmas ofertadas, é comum ter alunos com dife-rentes níveis de aprendizagem, e o professor precisa achar um padrão intermediário para re-alizar um trabalho conjunto com a turma. No ano passa-do, José Antônio dava aulas para o 6o ano do ensino fun-damental, mas um dos alu-nos deveria estar no 1o ano do ensino médio, turma que não é ofertada.

Entretanto, isso não era um problema para José. De acordo com ele, o número re-duzido de alunos facilita o en-sino, ao possibilitar o acom-

panhamento de cada detento de perto. Na turma do profes-sor, sete alunos frequentavam as aulas, apesar de um deles, muitas vezes, ter sido impedi-do por desrespeito aos agen-tes. Tendo em vista que a cada 12 horas de frequência esco-lar o detento abate um dia da condenação criminal, a priva-ção de comparecer à sala de aula funciona como castigo dentro do sistema carcerário.

São poucos os detentos que têm o privilégio de parti-cipar da educação dentro dos presídios. A determinação é feita pela Comissão Técnica de Classificação – uma equi-pe formada por profissionais de diversas áreas, entre jurídi-ca e psicossocial, responsável pela avaliação –, como expli-ca a Secretaria de Desenvolvi-mento Social (SEDS) de Mi-nas Gerais. Em 2016, pelo menos 20 detentos no presí-dio de Mariana terão o direto à educação assegurado. Esse número corresponde ao do-bro de alunos do ano passado.

Apesar de a participação nas aulas não ser uma opor-tunidade oferecida à maioria dos presidiários, os que ma-nifestam interesse em fazer o

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) têm o direito de realizar a prova. Segundo a SEDS, no ano passado 37 de-tentos em Mariana participa-ram do exame, e três deles ob-tiveram notas suficientes para retirar o diploma do ensino médio por meio do sistema. Os presos que frequentavam as aulas no ano passado não participaram do Enem, uma vez que era ofertado apenas o ensino fundamental na educa-ção prisional da cidade.

RessocializaçãoFoi depois de dar aulas

dentro do sistema carcerário que José Antônio teve a visão transformada. Percebeu que as pessoas erram, que devem pagar por isso, mas merecem novas oportunidades. A edu-cação é o princípio da resso-cialização do detento, como afirma o professor, comple-tando que é a saída para uma vida mais estruturada. Os de-tentos também acreditam nis-so, apesar de o preconceito existente dentro do presídio ainda persistir. Muitos des-confiam que eles participam das aulas apenas para ter a pena reduzida.

Para o professor da Fa-culdade de Direito de Con-selheiro Lafaiete Mauro Savi-no Filó, 38, a educação dentro do sistema carcerário, além de ajudar o detento a voltar para a sociedade melhor, com ou-tras possibilidades, auxilia na ocupação do tempo duran-te a detenção, um dos maio-res problemas dos presídios brasileiros. Ele explica que, ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos deten-tos quer trabalhar, mas não há emprego para todos. Mau-ro ainda afirma que, além da educação, é preciso estimular dentro dos presídios ativida-des físicas, trabalho, estudo, leitura e serviços manuais.

Mais médicos, menos UPA

CiDADE

Consultas podem ser agendadas por telefone

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Caminho. Professor vê ensino prisional como nova chance

Na busca por qualida-de no atendimento público de saúde, Mariana aderiu em janeiro de 2015 ao progra-ma Mais Médicos. Segundo o secretário de Saúde, Julia-no Duarte, há pouco mais de um mês a secretaria pediu ao Ministério da Saúde mais va-gas para a cidade. “Um médi-co custa caro para os cofres municipais. Quem chega pelo Mais Médicos é custeado pelo governo federal”, explica.

Mariana tinha, até feve-reiro, um profissional atuan-do pelo Mais Médicos. Dió-genes Teixeira, 28, trabalhou como clínico geral na cida-de. Para ele, atuar na atenção básica é interessante para ad-quirir experiência. “Discuti-mos alguns temas, temos su-pervisão. Nós, que acabamos de nos formar e ficamos in-seguros, contamos com esse apoio”, conta.

Maria Carneiro, 50, era pa-ciente de Diógenes. Ela relata sobre a confiança no profis-

sional e a melhoria no siste-ma de saúde. “Há um tempo a gente ia e não era atendido. Há cerca de três, quatro anos, não era bom. Agora é rapidi-nho.” O médico saiu do pro-jeto e até o fechamento não havia substituto.

Os médicos do progra-ma podem trabalhar na ci-dade por até três anos, reno-váveis pelo mesmo período; recebem em média R$ 10 mil por mês. A atuação é avaliada de acordo com o cumprimen-to da carga horária, que é de 40 horas semanais. Após isso, eles podem prestar os servi-ços de maneira privada.

Atualmente, o município tem 71 médicos concursados e 56 contratados. De acordo com a Secretaria de Saúde, as 13 unidades do Programa da Saúde da Família (PSF) têm atendimento de clínico geral e pediatra. “Comparada a ou-tras cidades da Região dos In-confidentes, Mariana é hoje a que mais possui médicos aten-dendo”, afirma Juliano. A Or-ganização Mundial de Saúde

(OMS) recomenda o número de mil pacientes por médico. Mariana tem, em média, um médico para 463 pacientes.

Criado em 2013 pelo go-verno federal, o Mais Médicos surgiu para ajudar na melho-ra do atendimento aos usuá-rios do Sistema Único de Saú-de (SUS), com a contratação de mais profissionais para os municípios, especialmente os mais afastados.

Falta dinheiroSe o Mais Médicos pode

ser ampliado, uma das prin-cipais obras da cidade, a Uni-dade de Pronto Atendimen-to (UPA), não deve sair tão cedo. Juliano Duarte explica que a edificação deve custar R$ 30 milhões. “As obras de-vem permanecer paralisadas por tempo indeterminado”, diz. Os investimentos iniciais eram de R$ 22 milhões, sen-do R$ 19,8 milhões do pró-prio município.

O governo federal re-passou R$ 2,2 milhões, su-ficientes para a construção

de uma UPA tipo I, para um município de até 100 mil ha-bitantes. A obra equivale a uma unidade de atendimen-to tipo III, para até 300 mil habitantes. No último censo do IBGE, de 2015, Mariana tinha 58.802 habitantes.

O ex-secretário de saúde Germano Zanforlim reclama dos critérios populacionais do Ministério da Saúde, que não atendem às demandas reais do município. Germano garan-

te que a decisão pelo mode-lo da UPA foi conjunta com o Conselho Municipal de Saúde. “Houve previsão orçamen-tária e financeira para a obra, além de um valor de seguran-ça, recebido há pouco, de 40 milhões em tributos e acer-to das mineradoras que a pre-feitura não havia recolhido. A obra foi licitada em 2014 e de-veria ser entregue em julho de 2016”, esclarece. Ele lem-bra que tanto o valor quanto

tamanho da UPA eram de co-nhecimento dos vereadores e da Prefeitura da cidade. Julia-no Duarte lamenta a inviabili-dade de terminar a unidade. O atendimento será concentra-do na policlínica que, segundo ele, tem capacidade de atender toda a comunidade, desde que passe por ampliação.

A secretaria não informou à reportagem do LAMPIÃO o valor da reforma nem o pra-zo de início das obras.

Instituída em Mariana em 28 de dezembro de 2015, a lei de agendamentos de consul-tas por telefone facilita a vida de pessoas com necessidades especiais, grávidas e idosos.

De acordo com o autor da lei, vereador Tenente Frei-tas (PHS), o projeto visa di-minuir as filas nas unidades de saúde de Mariana, redu-zindo obstáculos para quem tem dificuldades em se loco-mover. As vagas são limitadas a 20% do número de atendi-

mentos presenciais.Segundo Freitas, a lei não

deve interferir nos cofres pú-blicos, pois os atendimen-tos serão feitos por profis-sionais que já atuam no setor, com a estrutura que a Se-cretaria de Saúde já possui. Atualmente, na sede da Pre-vine, já existe uma central de marcação de consultas.

Em caso de não cumpri-mento da lei, Freitas esclare-ce que o secretário de Saúde deve ser acionado, e quem não

cumprir pode sofrer uma ação de improbidade administrati-va. “Nosso melhor fiscal é o usuário do serviço. O cidadão que não for bem atendido vai reclamar”, completa.

Quem precisar de atendi-mento médico deve procurar a unidade de saúde mais pró-xima com documentos pesso-ais: encaminhamento médico, cartão do SUS, comprovan-te de residência e identida-de para realizar o cadastro na unidade básica de saúde.

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4Arte: CAmilA guArdiolA

Março de 2016 Março de 2016

Eleições entram em cenaCom a proximidade do novo pleito, nomes e grupos conhecidos do povo começam a se destacar na primaz de Minas

Região sofre com transporte

Superlotação. Serviço desorganizado gera tumultos

Lara Massa

“O efeito? Nós vamos an-dar mais a pé!”, critica Geral-do Soares, 33 anos, pai de 5 fi-lhos, armador e montador de andaime. No dia 22 de feve-reiro de 2016, a passagem nas linhas municipais de Mariana – que ligam o centro da cidade a bairros e distritos –, sofreu reajuste de 30 centavos; 12,5% do valor da passagem, indo de R$ 2,40 para R$ 2,70. É o segundo reajuste do ano, antecedido pelo das linhas in-termunicipais, que tiveram alta de 45 centavos. “O negócio é pedir carona de Passagem pra cá”, lamenta Geraldo, mora- dor do distrito.

O aumento da passagem gerou insatisfação na popula-ção que depende do transpor-te público. A tarifa, que antes comprometia 10% do salário mínimo, hoje consome 12,3% todo mês. Leila Bento dos Santos, 39, relata a dificuldade de remanejar o salário de em-pregada doméstica. “Tive que abrir mão de alguns gastos,

como alimentação e despesas de casa, para não andar uma distância muito grande a pé.”

Além de caro, o serviço é considerado ruim. Superlo-tação e desrespeito às mães com crianças de colo, grá-vidas e idosos são reclama-ções frequentes entre os usu-ários do transporte coletivo de Mariana. O não cumpri-mento de horários das linhas de ônibus e a falta de horá-rios e itinerários são as denún-cias mais frequentes, segundo o Departamento Municipal de Transito (Demutran). A em-presa Transcotta foi procura-da mas não se manifestou.

Para Leila, a espera pelo ônibus do Cabanas é constan-te. “Eles sobem lotados. Em horários de pico a gente espe-ra um ônibus mais vazio e vai ficando cada vez mais tarde a volta pra casa.” Para Geral-do, a demora da linha de Pas-sagem piora nos fins de sema-na. “Aos domingos a gente chega a ficar três horas para pegar o ônibus.” O aumen-to da tarifa é autorizado

pela Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públi-cas (Setop), baseado na va-riação dos preços dos ele-mentos necessários para a prestação do serviço, como mão de obra operacional, ve-ículos e óleo diesel. Neste ano, as maiores variações re-gistradas foram a do óleo die-sel (16%) e da folha de paga-mento dos funcionários da empresa de ônibus (8,68%).

A equipe do Demutran, em conjunto com a Polícia Militar e a Guarda Municipal, iniciou no dia 28 de janeiro a fiscalização dos transportes. Apesar das frequentes recla-mações da população, duran-te os 15 dias de fiscalização, os automóveis da Transcot-ta apresentaram somente mau funcionamento dos elevado-res para cadeirantes. Segun-do o Demutran, a empresa foi notificada sobre as falhas. No dia 2 de março, a Transcot-ta realizou o treinamento dos funcionários para manuseio da nova plataforma de acesso para deficientes. A insatisfa-

ção com o transporte é tema recorrente na Câmara Muni-cipal de Mariana. Em 2015, o Ministério Público pediu a suspensão do edital de licita-ção do setor, alegando vícios na concorrência. Segundo a Procuradoria Municipal, uma das empresas participantes es-taria impedida, judicialmente, de realizar contratos públicos. Enquanto isso, a Transcotta continua prestando serviços à população mesmo não es-tando contratada. Segundo a Prefeitura, desde 2003 Maria-na tenta licitar os serviços de transporte coletivo.

Para lidar com a demora na licitação e os problemas do transporte público na cidade, a Câmara Municipal iniciou o debate sobre a implantação do táxi lotação. O objetivo é usar os veículos temporaria-mente para sanar os proble-mas enquanto a licitação para nova empresa de ônibus não sai. Posteriormente, o serviço seria utilizado como meio de transporte secundário, como é feito na cidade de Ouro Preto.

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Possíveis nomes na disputa pela Prefeitura de Mariana

*Dados declarados ao TSE, referentes à última campanha eleitoral do político.

WiLLiaM Vieira

Os novos rumos da ad-ministração de Mariana serão decididos este ano. As cam-panhas eleitorais só começam em julho, mas os partidos po-líticos já se organizam para formar chapas que disputarão o pleito de outubro, enquanto decisões da Justiça Eleitoral influenciam as futuras candi-daturas. Dentre os nomes di-vulgados até o momento, está o do vereador Marcelo Mace-do, pré-candidato pelo PSDB. O Partido Trabalhista Brasi-leiro (PTB) lançará pré-can-didatosainda em março. Até agora, na legenda, se desta-cam o ex-prefeito Rober-to Rodrigues, a prefeita afas-tada do mandato em 2010 e 2011, Terezinha Ramos, e o vereador José Jarbas Ramos Filho. Entre a população, cir-culam nomes como o do pre-feito, Duarte Junior (PSB), o do deputado estadual Thia-go Cota (PMDB) e o do ve-reador Cristiano Vilas Boas (PT). Rodrigues deve ficar fora da disputa por conta de decisão contra ele no Tribu-nal Superior Eleitoral em fe-vereiro, que o mantém inele-gível por oito anos.

O gestor Duarte Ju-nior diz não pensar em elei-ções por enquanto. Para ele, isso depende de alguns fato-res. “Se tiver um grupo que acha que essa administração deve continuar, serei candi-dato. Mas só vou me candi-datar se as pessoas quiserem que eu continue. O governo está fazendo um bom traba-lho, mesmo com a queda na arrecadação”, afirma.

Em entrevista ao LAM-PIÃO em fevereiro deste ano, o prefeito se disse desconten-te com o Partido Popular So-cialista (PPS), no qual estava à época, segundo ele. Entre-

tanto, o diretório nacional do Partido Socialista Brasi-leiro (PSB) afirma que Du-arte se filiou em setembro de 2015. O movimento pode ter a ver com a presença de Thiago Cota na mesma legen-da. Segundo Duarte, não há aproximação entre eles. Ao LAMPIÃO, Duarte garantiu que, se Thiago for candida-to, disputará a eleição contra o deputado estadual. Sobre a pré-candidatura de Marce-lo Macedo, vereador de um dos partidos de sua coligação (PPS, PMDB e PSDB) no úl-timo pleito, Duarte considera como positivo o maior núme-ro de candidatos, mas enten-de que a coligação dita acima não será preservada.

O prefeito diz manter conversas com o PT sobre uma possível aliança com o vereador Cristiano, mas nega acordos formais. Cristiano também não é candidato ofi-cialmente. Até agora, só há especulações sobre a provável candidatura. Para o vereador, essa é uma decisão que de-pende de interesses múltiplos, principalmente da população. O petista ainda não foi ofi-cialmente convidado para ser vice em nenhuma chapa.

O deputado Thiago Cota também não confirmou se será candidato à Prefeitura. Para ele, os trabalhos que de-sempenha na Assembleia Le-gislativa são mais importan-tes. “Num futuro próximo, não é viável deixar de ter algo que demoramos para con-quistar, que é a representa-tividade no parlamento mi-neiro”, disse. O deputado acredita ainda que o clima de insatisfação política que exis-te em Mariana não é exclu-sivo. Segundo ele, o descon-tentamento é generalizado, mesmo que o “troca-troca de prefeitos” no município pre-

judique a situação.Thiago não vê problemas

na declaração de Duarte so-bre uma possível candidatura de oposição. Já a saída do de-putado do PPS se justifica, se-gundo ele, pela “incompatibi-lidade de ideias e diretrizes”. Em dezembro, Cota recebeu convite do Partido da Mu-lher Brasileira (PMB) e acei-tou. Em fevereiro, mudou de partido novamente, filiando-se ao PMDB.

Roberto Rodrigues, ex-gestor em 2012, afirmou que o PTB realizará ainda em março uma reunião para de-finir os pré-candidatos. Os candidatos oficiais e a chapa serão decididos futuramen-te. Conforme o político, den-tre os partidos que pleiteiam coligar-se com o PTB está o PT, do vereador Cristiano Vi-las Boas. Sobre a inelegibili-dade de Roberto, o advoga-do do político, Matheus Silva Campos Ferreira, afirmou que o TSE apenas manteve a decisão tomada anterior-mente, rejeitando um recur-so. Ferreira disse ainda que outros recursos para reverter a situação devem ser julgados até agosto. Até o fechamento desta edição, Marcelo Macedo (PSDB) não havia respondido ao LAMPIÃO.

Insatisfações De 2010 a 2016, Maria-

na apresentou oito trocas de prefeito. A última ocorreu em maio de 2015, com a cassação de Celso Cota (PSDB), eleito em 2012. As mudanças cria-ram um clima de insatisfa-ção política nos cidadãos, que passaram a exigir mudanças, sobretudo após a crise econô-mica e o rompimento da bar-ragem da Samarco.

Para o prefeito Duarte, o descontentamento não é com sua gestão, embora o momen-

to financeiro atual seja difí-cil. “Não dá para manter o padrão que o governo tinha quando arrecadava R$ 33 mi-lhões. Hoje, arrecado 20. Vai voltar para R$ 17 milhões. Te-mos que administrar com o que temos”, afirma.

Segundo ele, a população entende que a baixa nos co-fres do município causa efei-tos nas ações do poder pú-blico. Agora, Duarte tenta buscar saídas para a situação. “Mariana nunca foi uma ci-dade muito rica porque não teve diversificação econômi-ca, e precisamos melhorar por meio dela e de um turis-mo mais forte.”

Para o vereador Cristia-no, há ainda reclamações so-bre questões como trans-porte público, transparência na administração, incentivos à diversificação econômica, ao turismo e combate à cor-rupção, que, segundo ele, “se eternizam independentemen-te da tragédia da barragem”. Cristiano afirma que os pro-blemas vêm se arrastando há algum tempo. “Infelizmente, as administrações dos últimos anos não souberam aprovei-tar a grande quantidade de recursos que passaram pelos cofres municipais para plane-jar a cidade e criar alternativas à mineração, e hoje pagamos esse alto preço.”

O doutor em Ciência Po-lítica e professor da Universi-dade Federal de Ouro Preto (Ufop) Antônio Marcelo Ja-ckson Ferreira da Silva é pes-simista em relação às eleições e aos candidatos. “As pesso-as dessa cidade e das cidades próximas acreditam que seus problemas devem ser solucio-nados por uma instância mui-to superior à do prefeito e, salvo a aparição de um candi-dato ‘surpresa’ no pleito, pou-co ou nada mudará”, diz.

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CAires

Page 5: Jornal Lampião - 22ª Edição

5Arte: CAmilA guArdiolA

Março de 2016

Período chuvoso deixa município em estado de alerta e população reinvindica soluções de problemas antigos

Ouro Preto, solo instávelciDaDE

Pinheiros Altos quer voltaraLicia MiLhorance

Tranquilo, mas esquecido. É assim que o morador José Raimundo Duarte define o dis-trito de Pinheiros Altos, em Piranga. Aban-donados, os moradores queriam voltar a pertencer a Mariana, na esperança de mais in-vestimentos na saúde, infraestrutura e sanea-mento. Porém, o que era um projeto em exe-cução parece sonho distante.

O movimento de reintegração de Pinhei-ros Altos a Mariana começou em 2016, con-duzido pelo advogado Francisco Sales Filho. A comunidade foi estimulada a assinar o abai-xo-assinado para dar continuidade ao proces-so, caso fosse desejo da maioria. Dois manifes-tos sobre o assunto contêm denúncias à atual gestão municipal. Os moradores recolheram assinaturas no comércio local, mas para o lí-der do movimento, isso não foi suficiente.

De acordo com Francisco, a divergência de objetivos desmotivou a continuidade do processo. “Na área rural tivemos mais apoio. A população é mais unida em relação à zona urbana do distrito.” Segundo dados de 2010, Pinheiros tinha aproximadamente 4 mil habi-tantes, sendo 3 mil só na zona rural.

Hoje, não se tem ao certo o número de moradores de Pinheiros Altos, pois em outu-bro de 2014 Piranga criou o distrito de San-to Antônio dos Quilombolas, então subdistri-to de Pinheiros. A dificuldade em conseguir as assinaturas, segundo Francisco, se expli-ca justamente aí, pois “tirar” a parte mais Piranga. Abandono do pré-escolar municipal é retrato de descaso com distrito

populosa foi um artifício para diminuir o território e habitantes.

O projeto que eleva Santo Antônio dos Quilombolas a distrito chegou à Câmara Mu-nicipal de Piranga no final de 2014 a pedido do prefeito, Carlos de Araújo Silva. A justifi-cativa foi que, como distrito, o lugar poderia receber mais políticas públicas. Para o verea-dor Lucas Rezende, o processo foi de vontade dos moradores da região, com quase 180 as-sinaturas da população local. O número con-firmaria a validade da ação, garante Lucas.Estima-se, após a reestruturação, que Pinhei-

ros tenha 3 mil habitantes, dos quais apenas 200 assinaram o abaixo-assinado pela reinte-gração. De acordo com a Lei Estadual Com-plementar 37/95, para a anexação de distri-tos a outro município, ambas as partes têm de ser consultadas. A Câmara de Mariana se diz aberta a receber Pinheiros Altos, pois já aten-de as demandas da comunidade – principal-mente de saúde. Em nota, a Prefeitura de Pi-ranga afirma ser nula a hipótese de separação do distrito de Pinheiros Altos.

Segundo o vereador marianense Ge-raldo Sales, o Bambu, com a reintegração a

Mariana, a população de Pinheiros – além de buscar assistência – quer resgatar sua origem e história. A Prefeitura de Piranga declara des-conhecer os motivos que justificam a saída e garante prestar todos os serviços públicos bá-sicos aos moradores. O vereador de Piranga Lucas Rezende diz que o abandono de Pinhei-ros decorre da má administração do Executi-vo. “O problema de Piranga não é a falta de verba, mas a vontade de fazer.”

A Prefeitura de Piranga afirma que tem verba para executar projetos, mas age com cautela e respeita as destinações aprovadas pela Câmara. O próximo investimento, já aprovado pelo Legislativo, é o asfaltamento das ruas de Pinheiros Altos. As obras devem começar após as chuvas, informa a prefeitura.

O asfalto é compromisso antigo. A apo-sentada Deia Oliveira diz que muitas promes-sas foram feitas, mas nada foi cumprido. A má condição das ruas e estradas complica a vida da comerciante Arlinda Cunha. O marido faz fisioterapia em Mariana e enfrenta problemas no percurso: “Ele vai para tratar a coluna, mas de tanto buraco no caminho, volta pior”.

A educação é outro nó. O distrito conta-va com o Pré-escolar Municipal Joaquim Vie-ra de Souza. A creche foi construída em 2004 e usada por poucos anos; hoje, está desativada e precarizada. Os alunos foram transferidos para a Escola Estadual Francisco Sales Ferrei-ra. Os vereadores já pediram à prefeitura para reconstruir a Pré-escola. O Executivo confir-ma, mas espera análise orçamentária.

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Vulnerabilidade. Construções em encostas aumentam riscos no bairro São Cristóvão

sabrina Passos

O verão é a época do ano na qual há maior incidência de chuvas. Isso acontece porque as temperaturas mais elevadas do ano acabam coincidindo com o período de precipitação. Em Ouro Preto não é diferente, já que entre outubro e março chove cerca de 87% do es-perado ao longo de todo ano, confirmando a alta pluviosidade da região.

Por conta disso, no dia 17 de janeiro des-te ano, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec-MG) informou que havia risco de deslizamentos em 15 mu-nicípios mineiros, incluindo Ouro Preto. Nes-se dia, a cidade estava com um índice acumu-lado de precipitação de 138 mm, acima do alerta máximo, de 128 mm. A partir dos da-dos registrados pela prefeitura, o LAMPIÃO apurou que o total de precipitação de janei-ro de 2016 foi oito vezes maior que em 2015.

A inclinação das encostas e a ocupação de-sordenada de morros, além dos problemas ge-ológicos existentes, são fatores cruciais para a ocorrência de desastres nessa época do ano. O crescimento populacional sem planeja-mento e gestão territorial adequada na cidade resultou em processos de ocupação de locais não apropriados e de difícil acesso (encostas e antigas áreas mineradas). São as conhecidas “áreas de risco”.

No caso da cidade de Ouro Preto, que as áreas instáveis já estão ocupadas, surge um novo elemento a ser considerado: a vulnera-bilidade. Ela expressa perdas materiais e so-cioambientais e possibilita dimensionar os ris-

cos enfrentados pelo município.De acordo com o coordenador da Defesa

Civil de Ouro Preto, Sebastião Evásio Boni-fácio, cerca de 60% do solo urbano é instável e tem risco de médio a muito alto. Uma das principais recomendações para os habitantes das áreas de perigo é nunca realizar obras ou cortes nas encostas sem autorização. Por ou-tro lado, segundo ele, a cidade não enfrenta problemas graves em relação a enchentes e alagamentos desde 2006. Na região, somente Adamantina e Cachoeira do Campo têm esse tipo de problema.

As medidas tomadas pela prefeitura se ba-seiam no lançamento anual do Plano de Con-tingência do município e nos monitoramentos dos pluviômetros e inclinômetros, instalados pelos bairros que necessitam de mais atenção, entre os quais Alto da Cruz, Piedade, Taqua-ral, São Francisco, São Cristóvão, Padre Fa-ria, Morro Santana, Piedade e Vila Aparecida.

Equipamentos

A Defesa Civil, em parceria com o Insti-tuto Geotécnico de Ouro Preto (Igeo), insta-lou em Ouro Preto, entre 2014 e 2015, 43 in-clinômetros, instrumento utilizado para medir deslocamentos em terrenos. A leitura desses aparelhos permite determinar a progressão de movimentos de terra e localizar a profundida-de de uma eventual ruptura na superfície.

Já a instalação dos pluviômetros faz parte de um projeto do Governo Federal, que dire-ciona esses equipamentos para os municípios com histórico de desastres naturais. Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a ter

pluviômetros automáticos e semi-automáti-cos. Os automáticos enviam os dados coleta-dos para o Centro Nacional de Monitoramen-to e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) via sinal de rádio. Já os semi-automáticos fa-zem a leitura automática, mas são operados pela comunidade.

A cidade também possui uma Carta de Riscos Geotécnicos da Área Urbana que foi atualizada em 2011 pelos professores da Uni-versidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Ro-méro César Gomes e Michel Fontes. O docu-mento mapeia as áreas de risco do município para o controle e uso do solo urbano.

Para Charles Romazamu, engenheiro ge-ológico da Secretaria Municipal de Obras de Ouro Preto, a parceria realizada com o Igeo é vista como um marco em termos de estudos geotécnicos da cidade. O Igeo Itinerante, por exemplo, “foi uma das ações mais importan-tes no quesito conscientização da população sobre os riscos que são enfrentados por ela”, segundo Charles. A ação visava divulgar o tra-balho do instituto e informar os riscos urba-nos à população ouro-pretana.

Até o fechamento do LAMPIÃO havia cerca de 140 solicitações de vistoria de obras denunciadas como irregulares, segundo o fis-cal de Obras, Patrimônio e Postura da Pre-feitura de Ouro Preto, José Mauro Barsan-te. As denúncias são atendidas por grau de prioridade, levando em conta a gravidade e a complexidade de cada caso. Mas, segundo ele, na maioria dos casos as famílias insistem em

morar em áreas comprometidas e, mesmo que de maneira ilegal, fazem obras para am-pliar o espaço do terreno.

IndignaçãoWagner Gonçalves, 47 anos, é comercian-

te e mora no Taquaral com a esposa, o filho e outros parentes. Ele vive no bairro há 34 anos, e não tem medo de morar em área de risco, mas teme pela família e se indigna com a política da cidade e a falta de poder público.

O morador também conta que a prefeitu-ra disponibiliza para algumas famílias o pro-grama Aluguel Social, mas poucas delas acei-tam integrar o projeto, que não cobre todas as despesas necessárias, além de ter um limite de renda, considerado por ele muito baixo para integrar o programa.

Em novembro do ano passado, moradores de Águas Férreas e Taquaral fizeram manifes-tação contra a paralisação de obras como ins-talação de manilhas e escadas para escoamen-to da água das chuvas. Na época, a prefeitura prometeu reiniciar as obras, que até o fecha-mento do LAMPIÃO continuavam paradas. A Secretaria de Obras não se manifestou.

Wagner estava presente quando 30 famí-lias do Taquaral, na primeira semana de janei-ro de 2012, tiveram que deixar suas casas pelo risco iminente de deslizamento. Muitas fa-mílias se abrigaram em escolas, outras foram para casas de parentes ou alugaram casas por conta própria. Mas, passado o aviso, muitos voltaram para às antigas moradias, lembra.Receio. Morador do Taquaral há três décadas, Wagner teme pela segurança da família

Agliene melquíAdes

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Page 6: Jornal Lampião - 22ª Edição

6Arte: mAriAnA rennó

Março de 2016

Hariane alves e stela Diogo

“Sonho em ter minha casinha. Em deixar algo para meus filhos.” Frase e sonho são partilhados por Gláucia, Rosângela e Eva, que pa-decem da mesma espera. Retiradas de áreas de risco de Ouro Preto, ti-veram as residências demolidas pela prefeitura. Aprenderam a temer a força da natureza, têm medo de dor-mir e não acordar quando as chuvas duram dias. Hoje, fora das áreas vul-neráveis, convivem com o descaso de promessas que nunca se concreti-zam e aguardam há mais de 10 anos a construção das casas próprias.

Gláucia Aparecida Souza, 32, es-pera com o marido e os sete filhos há 11 anos a nova propriedade. “Eu tinha minha casa, era em área de ris-co, mas era minha. Me tiraram de lá. Eu quero o que é meu”, exige Gláu-cia. A casa que ficava no bairro Pie-dade, divisa com o Taquaral, foi de-molida quando foram retirados em 2005, junto com outras 27 famílias. A família mora atualmente no Alto da Cruz em uma casa alugada e rece-be o Aluguel Social desde 2006.

Além de Gláucia, 162 famílias vi-vem com o Aluguel Social, parte do Programa Municipal Habitacional Um Teto é Tudo. Só podem ser be-neficiados moradores removidos e sem condições de retornar ao local; residentes de área de risco ou alto grau de insalubridade; e pessoas em situação de vulnerabilidade social ou extrema pobreza. A verificação das condições dos moradores é feita por técnicos sociais e Defesa Civil. Ao serem enquadradas, as famílias são realocadas em casas alugadas, reno-vadas a cada seis meses.

Rosângela*, 30, vive com o mari-do e os três filhos em casas alugadas desde que foram retirados em 2005 da Barra, no Beco do Manxica. Ela recebeu o auxílio por cinco anos, de-pois foi para a capital e há dois anos retornou ao programa. “Fiquei em Belo Horizonte quatro anos. Voltei pra cá, comprei um lote [no Manga-beiras, no Alto da Cruz] e construí outra casa. Eles me tiraram de novo. Perdi duas casas e até hoje não rece-bi a minha”, lamenta. Hoje, Rosân-gela vive de aluguel no Santa Cruz, esperando a indenização prometi-da ou a construção da casa. “Quan-do entramos no aluguel, eles falaram para não nos preocuparmos, que te-ríamos cesta básica e fraldas. Hoje, você vai pedir uma cesta básica é

uma guerra. É de dois em dois me-ses. Quem vive com dois pacotes de arroz? Quando a gente vai lá é hu-milhado. Não peço mais, não sou lixo.” Questionado sobre cesta bási-ca e outros benefícios, o secretário municipal de Desenvolvimento So-cial, Roberto Leandro, afirma que o programa só é responsável pelo pa-gamento do aluguel.

Eva Ferreira, 44, vive com oito dos 11 filhos no Santa Cruz, em uma casa alugada pela prefeitu-ra há 10 anos. “Morava no Taqua-ral com os meninos. Falaram que minha casa era ruim e que eu tinha que sair ou levariam meus filhos. Ia morar só três meses de aluguel en-quanto eles reformavam minha casa. Nunca voltei. Meu barraco foi joga-do no chão”, lembra. Eva aguarda a casa prometida enquanto cria sozi-nha os filhos, após a morte do mari-do. “Meu sonho é ter minha casa. Se eu faltar, tenho certeza que a prefei-tura não vai pagar aluguel para eles. Que seja em qualquer lugar ou ta-manho. Mas acho que não vou con-seguir. Sai prefeito, entra prefeito e eles não fazem nada.”

Não vieramEm setembro de 2007, o governo

federal liberou R$ 8,1 milhões para Ouro Preto. A verba era destinada à construção de cerca de 300 casas populares, que começaram a ser er-guidas só em 2010. Seriam constru-ídas 155 em Cachoeira do Campo, no Alto do Beleza, 57 em Antônio Pereira, 40 no Santa Cruz e 45 em Santa Rita de Ouro Preto. Das casas prometidas, apenas 90 ficaram pron-tas em fevereiro de 2016 no Alto do Beleza. Para o pedreiro Odice Dutra dos Reis, 48, contemplado com uma propriedade em outubro de 2015, as casas novas têm problemas e não houve vistoria da prefeitura após a entrega. “Quando mudamos, chovia fora e dentro. Arrumei, mas há casas em que as pessoas precisam correr para o banheiro, porque só não mo-lha lá.” As casas têm estrutura pa-

Moradias à MargeMCom relevo irregular e falta de planejamento, Ouro Preto enfrenta problemas de habitação

drão: dois quartos pequenos, sala, banheiro e cozinha e cerca de 200m² para expansão. De acordo com o se-cretário, “as casas estão sendo libe-radas aos poucos e as famílias têm 30 dias para relatar problemas”.

Além dessas, 200 residências para financiamento, referentes a protocolo de intenção firmado com a Companhia de Habitação do Es-tado de Minas Gerais (Cohab) em julho de 2015, seriam construídas em três terrenos nos bairros Santa Cruz, Caminho da Fábrica e no dis-trito de Antônio Pereira até junho de 2016. A Cohab informa que “os terrenos propostos já foram visto-riados e pré-aprovados por equipe técnica em setembro de 2015, mas precisam passar por análise da com-panhia. Até o momento, o municí-pio não encaminhou os documentos que comprovam a propriedade des-ses terrenos”. Roberto Leandro in-forma que nem todos os documen-tos foram enviados ainda devido à burocracia, que demanda tempo.

Até o fechamento do LAM-PIÃO, o prefeito José Leandro não respondeu sobre os atrasos nas construções e entregas das moradias e sobre o valor existente no Fundo Habitacional do município para o investimento em habitação, além de não explicar quanto do recurso dado pelo Governo Federal existe. Não foi possível identificar quantas fa-mílias foram indenizadas e quais os valores, e nem estabelecer quantas casas exatas foram prometidas e lici-tadas, já que o site da prefeitura está fora do ar e o Executivo não nos en-viou os dados e documentos solici-tados. Os vereadores de Ouro Preto também reclamam da falta de trans-parência sobre o tema, que vem sen-do discutido na Câmara.

Chico ReiJoana de Cristo, 50, e o mari-

do Francisco Faustino, 64, moram de favor em uma casa no Morro do Santana, em área de risco, perto do barranco que cedeu em 2012, ma-tando dois taxistas. O casal faz par-te do Movimento Chico Rei, criado em 25 de dezembro de 2015, quan-do por volta de 60 famílias, lideradas pela Associação Ouro Preto Mora-dia, Preservação e Cidadania e Cen-tral de Movimentos Populares de Belo Horizonte, ocuparam cerca de 16 hectares da fazenda Maria Soares, da empresa Novelis, em Saramenha. Para Joana, o Movimento Chico Rei

Inve

stIgação

InvestIgação

Puxadinho. Beneficiados expandem cômodos para suprir necessidades

Espera. Aguardando novas casas, famílias vivem de forma precária

2005A prefei tura remove 28 famílias de área de risco no Taquaral. As

casas são demolidas e as famílias inseridas no Bolsa Moradia,

realocadas para casas pagas pelo A luguel Social, enquant o aguardam

2006

Início das obras do programa

municipal Um Tet o é Tudo em

Cachoeira do Campo. Do R$ 1 mi lhão

economizado pela Câmara e doado ao

Fundo Municipal de Habi tação,

R$ 456 mi l f inanciam a primeira

etapa do programa.

200708/08 - Famílias

ret iradas do A l t o do Taquaral vão à Câmara dos Vereadores

protestar cont ra at rasos na const rução das casas populares.

2008Moradores de Cachoeira do Campo ocupam casas não f inalizadas no A l t o do Beleza, que seriam para ex-moradores do Taquaral. A const ru t ora pede reintegração de posse, mas só em março de 2010 a Just iça determina que os ocupantes f icam nas casas e as famílias do Taquaral cont inuam no A luguel Social. As casas só são ent regues em 2012.

PriscilA ferreirA

Ag

liene m

elqu

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esquando mudamos,

chovia fora e dentro. Arrumei, mas há casas em que as pessoas precisam correr para o banheiro, porque só não molha lá. ”

Odice Dutra

a const rução das casas próprias.

27/12 - Governo Federal libera R$ 8,1 mi lhões para a

const rução de 300 casas. Prefei tura arcará com despesas

de compra dos t errenos, pavimentação e complementará o

valor das const ruções.

Page 7: Jornal Lampião - 22ª Edição

7Arte: mAriAnA rennó

Março de 2016

Moradias à MargeMCom relevo irregular e falta de planejamento, Ouro Preto enfrenta problemas de habitação

é uma esperança de sair da área de risco. “Morar aqui é muito ruim, em época de chuva começa a cair bar-ranco. A gente dorme com medo, porque se ele cair, mata a gente.”

Segundo o ex-vereador e ex-se-cretário de Governo de Ouro Preto Wanderley Rossi Junior, o Kuruzu, um dos organizadores do movimen-to, a ocupação pretende mostrar que existem terras boas para a constru-ção de moradia digna e trazer uma proposta de bairro modelo, com in-fraestrutura, no terreno ocupado. “Empresas como a Novelis ficam com as terras boas da cidade. As pessoas que não conseguem pagar casas em áreas nobres como o Cen-tro Histórico, disputando com estu-dantes e pessoas de alta renda, vão morar nas áreas de risco, se sujeitan-do a perigos. Faltam planejamento urbano e ações efetivas da prefeitura para resolver isso.”

Iniciada com 60 famílias, a ocu-pação ganhou visibilidade e passou a ter 640 pessoas cadastradas até a desapropriação do terreno. O presi-dente da entidade, Luciano Olivei-

ra Silva, pré-candidato a vereador, enviou uma carta em setembro de 2015, solicitando uma reunião com a empresa e pedindo a doação de ter-ras para a construção de casas po-pulares. Em resposta, a Novelis in-formou que “todas as propriedades possíveis para doação já haviam sido anunciadas e comunicadas aos seus respectivos beneficiários até aque-la data, não havendo mais a possi-bilidade de reabertura desse assun-to.” Diante da ocupação, a empresa reafirmou que as terras são de sua propriedade e pediu a reintegração de posse. A liminar foi emitida em 29 de dezembro e a área foi desocu-pada em 21 de janeiro.

O movimento prosseguiu fazen-do ocupações simbólicas entre ja-neiro e março. Em fevereiro levan-taram o acampamento Chico Rei no terreno público da antiga Fun-dação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) de Ouro Preto. As famílias utilizam o espaço para mo-mentos de lazer e educação enquan-to aguardam a liberação de terrenos para construção das casas.

O secretário de Desenvolvimen-to Roberto Leandro garante que o problema de Ouro Preto não é terra, e sim recursos. A prefeitura tem tra-balhado em medidas para solucionar as questões de quem mora em áre-as de risco, afirma. “Nós [prefeitura] estamos entrando com vários proje-tos que vão dar possibilidades futu-ras para quem ainda não tem casa e para quem ainda mora em áreas de alto risco.” As ações são apenas a médio e longo prazo.

TerritórioFundada no século XVIII, Ouro

Preto, então Vila Rica, surgiu como território promissor pela riqueza em ouro e outros minérios valiosos. Após o declínio da extração mine-ral e a mudança da capital para Belo Horizonte, em 1897, a região sofreu grande êxodo populacional. A saí-da dos ouro-pretanos foi revertida a partir dos anos 1940, com a recupe-ração econômica local, influenciada pela industrialização. A cidade co-meçou a atrair trabalhadores à medi-da que fábricas se instalavam.

Com a industrialização, novas construções surgiram na cidade. A partir de 1938, a expansão começou ser limitada, pois a cidade foi tomba-da pelo Instituto do Patrimônio His-tórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Nacional e, em 1980, se tornou Patrimônio Cultu-ral da Humanidade. O título, dado pela Organização das Nações Uni-das para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), reconhece o va-lor histórico do local e exige que se preserve o conjunto arquitetônico. Se tornaram inviáveis novas cons-truções no Centro Histórico, área menos íngreme já ocupada por ca-sarões da classe média alta e por re-públicas estudantis da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Fa-mílias com baixo recurso para com-

prar, alugar ou construir no centro histórico, ocupam áreas periféricas da região, que em muitos casos são vulneráveis territorialmente.

A desigualdade de moradia de Ouro Preto surge logo após o fim da escravidão. Os negros alforria-dos, sem salários e sem moradia, ti-nham de ocupar terras periféricas e precárias. Com o tempo, o problema habitacional se agravou. O potencial turístico e a burocracia para realizar construções em áreas tombadas tor-nam o centro supervalorizado, com aluguéis entre R$ 1.000 e R$ 4.000. Enquanto que em bairros periféri-cos, os valores são mais acessíveis.

Para a geógrafa Regina Celly e a ambientalista Celênia Macedo, “as classes de menor poder aquisitivo são forçadas a viver em áreas menos atraentes e bonitas, menos dotadas de infraestrutura urbana, insalubres e periféricas. São excluídas de cer-tos espaços”. Taquaral, São Francis-co, Santa Cruz, Alto da Cruz, Alto das Dores e São Cristóvão são bair-ros em áreas de risco alto, segundo informações da Defesa Civil.

Mani festaçáo. Integrantes de moviment o social reivindicam terras em busca de um fu turo melhor

2008Moradores de Cachoeira do Campo ocupam casas não f inalizadas no A l t o do Beleza, que seriam para ex-moradores do Taquaral. A const ru t ora pede reintegração de posse, mas só em março de 2010 a Just iça determina que os ocupantes f icam nas casas e as famílias do Taquaral cont inuam no A luguel Social. As casas só são ent regues em 2012.

Sai resul tado da lici tação para cont ratar

as empresas que vão realizar obras de

infraest ru tura e const rução de 155 casas em

Cachoeira do Campo, no Vi la A legre, 57 em

Antônio Pereira, 40 no Santa Cruz e 45 em

Santa Ri ta de Ouro Pret o. O invest iment o f ica

em t orno de R$ 20 mi lhões, com prazo para

2011

a f inalização de 540 e 360 dias

respect ivamente - não cumpridos.

201380 famílias ocupam o residencial

Vi la A legre em Cachoeira do Campo. Em junho, ocorre uma

reunião ent re representantes da Caixa Econômica e Secretária

de Desenvolviment o Social, para levantar questões relacionadas à

paralisação das obras e a ocupação i legal. Em 07/05/2014, as obras

são ret omadas.

2016

Ent rega of icial de 90 das 155 casas que deveriam ser const ruídas no Vi la A legre, em Cachoeira do Campo. No A l t o da Cruz e em Antônio Pereira

foi f ei tas a t erraplanagem e iniciou-se a pavimentação dos t errenos, mas as casas não foram

const ruídas.

PriscilA ferreirA

As classes de menor poder aquisitivo são forçadas a viver em áreas menos atraentes e bonitas...”

Regina Celly e Celênia Macedo

Page 8: Jornal Lampião - 22ª Edição

8Arte: CArol rooke

Março 2016 Março 2016

cultura

Os lados opostos do verso

Da garrafa ao voo poético

Pensamento rápido e ritmo ecoam nas paredes barrocas marianenses, mas machismo inibe participação ativa de mulheres

Clarissa Castro

Pedro Menegheti

Duelo. Estilo predominante na periferia, rap atrai dezenas de jovens para o centro da cidade

Reinvenção. Valfré faz obras de arte utilizando materiais recicláveis

Agliene MelquíAdes

PrisCilA ferreirA

É madrugada em Ouro Pre-to quando a boca beija em goles a garrafa de cerveja e a mão deixa a long neck no balcão do bar Barroco. Entre as pernas da Curva dos Ven-tos, nasce o horizonte claro com as notícias de ontem estampadas nos jornais, correndo de mão em mão até serem esquecidos nas mesas da Padaria da Estação.

O sino da Igreja de Nossa Se-nhora das Mercês marca nove da manhã quando o poeta gira a maça-neta para flutuar nas pedras do ca-minho. Estampa nos lábios o trecho de um poema silencioso: "É preciso transver o mundo".

Para Anderson Valfré, 22 anos, a linha da vida se divide em antes e de-pois dos poemas de Manoel de Bar-ros. Antes, levava a poesia a sério, feito gente grande, e pensava bem o que escrever. Em 2014, quando chegou a Ouro Preto, foi encontra-do pelo idioleto manoelês, a língua dos bocós e dos idiotas intitulada as-sim pelo próprio Manoel. Descobriu o prazer de brincar com as palavras, inventar um mundo pequeno. De-pois de Manoel, Anderson viu que o "inútil só presta para a poesia". Quis inventar inutensílios.

As notícias passadas e garrafas ocas ocupam os cantos de uma das cidades mais antigas e boêmias do país. Para transver as coisas comuns, Anderson inventou garrafas poé-ticas, amarradas com fio de nylon

em postes, árvores e cabos do po-voado. De vidro e jornal fez jorrar uma invenção que se torna supor-te útil às palavras. Dá vida própria a todo verso.

Quando comemorou dois ve-rões em Ouro Preto, Anderson Po-eta Bicho Bobo, como se chama, se encontrou comigo para conversar sobre o que inventa. Apontou na mesa uma garrafa cuidadosamen-te revestida de jornal e estampada com um poema:

A garrafa poética sugeria em-briaguez lúdica, pedia que fosse um pouco bocó. Me servi de poesia en-quanto observava Anderson pegan-do no quarto os nove blocos de po-emas que coleciona desde 2013. No caixote que leva os versos, chamam atenção os dizeres:

AMOR LUGAR AMOR

Em Ouro Preto, Anderson já é conhecido como o “o moço das garrafas”. Obra e autor se confun-dem sempre que podem. Mas o cria-dor insiste em afirmar que as garra-fas têm vida própria. Ele não precisa mais cuidar da poesia. Precisa dei-xá-la livre. Conta ainda que toda vez que pendura uma garrafa, sente

que parte de si está ali, engarrafado. Precisa sempre se lembrar, “já não sou mais a garrafa. Como dizia Le-minski: ‘ameixa. ame-a ou deixe-a'”.

Atingir o outro com um molo-tov silencioso é a descoberta do jo-vem poeta, que sonhou com a po-tência de modificar o estado comum do objeto. O Projeto Transvê poe-sias é a resposta dos desejos de Val-fré. As garrafas e jornais se reci-clam em vida nos espaços públicos e inspiram pedestres passageiros. Quando alguém para e contempla o que elas têm a dizer, é como uma profecia cumprida.

A intervenção de Valfré, iniciada sem grandes pretensões, soma for-ças e parcerias a cada exibição. Atual-mente, o Projeto Transvê Poesias re-apresenta a ideia de performance. O corpo que interage é a garrafa lúdica e o poeta é apenas um mediador en-tre a escrita e o objeto. O moço das garrafas acresceu o projeto transfor-mando-o em oficina de escrita poéti-ca para escolas públicas e bibliotecas. Percebeu a necessidade de contagiar a invencionice e incentivar crian-ças e adolescentes a se alimentarem de suas poesias.

A cada performance, olhos curiosos e mãos ligeiras encontram as garrafas que podem ser levadas quando afetam – anuncia a placa pendurada. As pessoas vagamente se aproximam e a poesia jorra. Con-templam e conversam com aque-le objeto pelo tempo de um abraço. Ou pela rapidez de um aceno.

“querer falar coisas sem teoria,

verbalizar sentidos sem razões,

descrever sobre um mundo presente e

lúdico. deixo essas responsabilidades

para a poesia….”

Rimas feitas na hora, improvi-sadas em meio a várias pessoas, são características das batalhas de MCs (mestres de cerimônia) que existem ao redor do país. Os duelos podem ser feitos com rimas de conheci-mento, quando há um tema envolvi-do, ou de sangue, quando é preciso atacar o oponente.

O vocabulário é solto, o clima descontraído, e a plateia vibra a cada tentativa de “ataque” feita pelo MC. Os beats (batidas que acompanham as rimas) geralmente são de músicas conhecidas, mas há quem arrisque um beat box. O DJ libera a batida e os batalhadores têm aproximada-mente 45 segundos para “mandar” seu verso e envolver o público nas construções improvisadas.

O rap surgiu na Jamaica na dé-cada de 60 por meio dos sound sys-tems (amplificadores) e foi difundi-do nos Estados Unidos anos depois. No Brasil, ganhou força nas ruas de São Paulo com beat box, break e grafite, alguns dos pilares da cultura rap e hip hop.

Em Mariana, o rap da Batalha nas Gerais começou no fim de mar-ço de 2015, idealizado por Daniel Silva em parceria com Gustavo Mar-ques - o Djonga, e Camila Azeve-do, além da influência do grupo ma-rianense Tanamenterap. O evento acontece quinzenalmente e leva mú-sica e entretenimento aos frequenta-dores da atração.

Camila, 23 anos e estudante de Turismo, conta que o movimento surgiu por uma vontade de Daniel. “Ele sentiu a necessidade de implan-tar o movimento em Mariana por-que ainda não existia um que fosse consolidado, então se uniu ao Djon-ga e ao grupo Tanamenterap para começar a batalha.”

O local escolhido como palco para as rimas improvisadas foi a Pra-ça Minas Gerais, que concentra duas igrejas barrocas da cidade: Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis. Segundo Camila, o lugar é importante por ser cartão-postal da cidade e possuir valor simbólico e social para os marianenses.

Quando chove, a batalha é trans-ferida para a Praça Gomes Freire (conhecida como Jardim), e a dispu-ta acontece em cima do coreto que protege participantes e equipamen-tos do mau tempo. Ainda que sob chuva e diante de um número me-nor de frequentadores, o evento não deixa de ser promovido.

O movimento começa geralmen-te às 20h e tem um público médio de 200 pessoas, de acordo com a or-ganização. Os duelos são estabele-cidos na hora. Os participantes se inscrevem junto à equipe organiza-dora, que define em sorteio imedia-to os confrontos que devem com-por a batalha. São oito participantes por noite, e geralmente é pedido aos frequentadores uma colaboração em dinheiro para premiar o vencedor como forma de incentivo.

Camila ressalta que seu pai não gosta que ela participe da batalha, por conta de algumas aparições da Polícia Militar no evento. O capitão Geovanni Mendes, 35, alega que a presença da PM é devida a reclama-ções de perturbação da ordem por parte da vizinhança, e que as ocor-rências foram frequentes no final de 2015. Já os organizadores dizem não enfrentar problemas com os vizihos.

EnvolvimentoMulheres como Karol Conka,

Flora Matos e Lurdes da Luz, de letras e rimas com palavras de for-ça, luta e empoderamento feminino, vêm ganhando destaque no cenário

do rap e hip hop atual. MC Soffia, por exemplo, tem apenas 11 anos e já alcançou notoriedade pelas músi-cas de conteúdo feminista, além de tentar atingir meninas que sofrem preconceito racial. Uma de suas le-tras mais conhecidas diz “Menina pretinha/exótica não é linda/você não é bonitinha/você é uma rainha”.

A participação das mulheres no rap é antiga e hoje ganha espaço. A pesquisadora de literatura periféri-ca e negra produzida por mulheres Bianca Gonçalves, 23, destaca que “é importante lembrar que as mu-lheres foram atuantes no hip hop desde os primórdios, no entanto não ganhavam a mesma visibilidade dos homens deste cenário”.

A antropóloga Mércia Lima, 29, diz que a quantidade de mu-lheres presente nas batalhas de rap hoje é pequena se comparada com

o número de homens envolvidos, e acrescenta: “Temos que levar em consideração que isso é um reflexo da sociedade em que vivemos”.

Para as especialistas, um fator que retarda a participação feminina ou impede que as MCs se dediquem mais à música é a necessidade de de-manda a outras atividades, como tra-balho, estudo, cuidados com casa, fi-lhos, entre outros.

Questionada sobre o machismo no movimento, Mércia garante: é ve-lado, mas deixa rastro. “As lutas fe-ministas estão indo por um bom ca-minho ao baterem em cima de letra que agride as mulheres. Contudo, o que se percebe nas primeiras letras de raps nacionais é que o machismo era muito presente. Os rappers, gra-fiteiros e b. boys afirmavam não ter mulheres que se interessavam pelas batalhas. Existem sim, só que elas

têm receio de participar pelo predo-mínio masculino.”

Em Mariana, Camila Azevedo conta que não há muito envolvimen-to das meninas como MCs. Ela já viu umas duas garotas versando, mas, em geral, participam apenas como frequentadoras. A organizadora conta que só não rima porque acha não ter talento, mas acredita que as marianenses deveriam ter participa-ção mais ativa no movimento.

Letícia Gomes, 16, estudante e frequentadora da batalha desde a primeira edição, já ouviu discurso machista dos participantes. Isso a desencoraja a batalhar. “Até hoje vi duas meninas participando. Eu mes-ma já quis muito participar mas não me senti à vontade, até porque já es-cutei uma rima que dizia: 'Pode ir pra plateia porque você manda igual me-nininha'. E não gostei nada disso.”

Page 9: Jornal Lampião - 22ª Edição

9Arte: CArol rooke

Março 2016

cultura

Mãos que tecem memóriasEm Cachoeira do Brumado, artesanato produzido com sisal garante sustento de famílias: tradição é transmitida por gerações

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Propósitos turísticos

A casa volta para o filho

Projeto. Antiga moradia de Fernando Morais pode receber acervo da carreira do escritor

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Legado. Juliana dos Santos, 16, continua a prática de fazer tapetes que herdou da avó

Campeão de exportação Caio aniCeto

Reza a lenda que Aracne era uma famo-sa artesã da Grécia Antiga. Um dia, foi desa-fiada pela própria deusa da sabedoria a tecer um bordado melhor que o dela. Aracne não apenas conseguiu, como aproveitou a oca-sião para denunciar atos de violência dos deu-ses contra as mulheres. Por isso, recebeu uma punição divina: foi transformada em aranha, condicionada a tecer até o fim da vida, fadan-do toda a sua prole ao mesmo destino.

Para muitas famílias de Cachoeira do Bru-mado, distrito de Mariana, tecer também é si-nônimo de herança. Efigênia Ramos, 79, co-meçou ainda criança, tendo aprendido o ofício da avó. Trabalha com a venda dos tecidos des-de então, por meio da qual criou os oito filhos. “Tinha semana que eu comprava corda e tinha semana que comprava comida pros meninos. Depois foi melhorando. Foi o meio de susten-to da gente toda vida”, conta.

Encontro Geisiane Borges, 27, na loja Ar-tesanato Cachoeira do Brumado, onde ela e o marido vendem panelas de pedra, namoradei-ras e tapetes de sisal bordados por ela. “Antes o tapete era feito com pita, mas sujava e de-morava muito para preparar. Hoje em dia a gente usa o sisal, que compramos da Bahia”, diz. Como Efigênia, também aprendeu a fiar com a avó e a mãe. Suas filhas já estão fami-liarizadas com a prática. Keitany (10) conhece as técnicas e acompanha a mãe, bordando ta-petes pequenos. Geisiane espera o momento certo para ensinar a caçula, Darfaly, 5.

“Agora não tem muita gente que faz. Da geração que nem a minha, que tá vindo, nin-

guém mais”, conta Juliana dos Santos, 16, en-quanto trança o sisal em seu tear - está com-pondo um tapete grande, com losangos azuis. Segundo a estudante, que confecciona desde os 6 e pretende ser estilista, a tradição vem di-minuindo porque os mais jovens não têm tan-to interesse, e também devido ao preço do si-sal. Geisiane endossa. “Tá chegando muito caro. Quando comecei tava R$ 1,50 o quilo. Hoje em dia tá R$ 4,50”, conta.

Dona Efigênia, no entanto, permanece oti-mista. “Tá difícil, muito difícil. Já vieram me falar: ‘Para de fazer esses tapetes, boba, isso vai acabar’. Mas vou continuar. Demora, mas eu vendo. Deus abençoa e a gente vende”, afirma. Juliana leva o trabalho a sério, mas confessa que gostava mais do ofício quando era menor, já que ele não era uma obrigação. “Antigamente era por diversão. Os adultos co-locavam a gente pra tecer do lado deles e fica-vam corrigindo. Não era fácil pra gente ficar. Aí começava, ia brincar, voltava, continuava… Era mais gostoso tecer antes”, lembra.

Juliana me conduz até a oficina ao lado de casa, onde há sacos de sisal de diversas cores espalhados pelo chão e teares de diferentes ta-manhos encostados nas janelas. Ela me ensina a tecer: com dificuldade, passo os fios pelo ali-nhamento imitando os nós que a vi fazer com agilidade. Juliana disfarça o riso diante da mi-nha tentativa desprovida de destreza. Conto a experiência para Dona Efigênia, e ela garante que é questão de prática. Seus netos pequenos aprenderam a tecer, mas alguns não gostam, pois, com o tempo, os dedos passam a criar cortes e feridas – é o preço exigido pela arte.

Juliana, Geisiane e Efigênia; em três dife-rentes fases da vida, com origens e objetivos distintos, compartilham em comum os ensi-namentos dos antepassados. Confesso a elas que jamais conseguiria tecer daquela forma: cada uma das mulheres que entrevistei sacrifi-cou suas mãos ao tear, e antes delas suas mães, suas avós, as avós de suas avós. O sangue que (literalmente) escorre pelo alinhamento atra-vessa gerações – assim como o ofício que Aracne transmitiu a seus descendentes.

O sisal é uma planta nativa do sul do Mé-xico, mas cultivada em muitos outros países, especialmente os sul-americanos. A fibra re-sistente derivada dele é usada para fins medici-nais e para a confecção de diversos produtos, incluindo tapetes, forragens, fertilizantes e até mesmo tequila. Uma muda, geralmente, pro-duz uma média de 200 folhas, cada uma con-tendo cerca de 1000 fibras.

As fibras da planta já eram utilizadas pelos maias e pelos astecas na fabricação de tecidos simples e papel. No Brasil, os primeiros plantios comerciais foram feitos na década de 1930, sendo exportadas em 1948. Hoje, o país é o maior produtor de sisal do mundo (150,6 milhares de toneladas em 2013), principalmente na Paraíba e na Bahia – mesmo que haja controvérsias acerca dos impactos ambientais provocados por seu cultivo. Para evitar a poluição criada pela extração em

afluentes, países reutilizam subprodutos do sisal como biocombustível. A fibra é também uma alternativa ecológica ao amianto.

Depois da colheita, as folhas são esmagadas e batidas por uma roda com lâminas incrustadas, para que só restem as fibras. A fibra é então secada, escovada e ensacada para exportação. No Nordeste brasileiro o sisal é cultivado, em grande parte, pela agricultura familiar, e as fibras são extraídas manualmente.

A exportação do sisal brasileiro tem causado aumento no preço da venda de fibras dentro do país, prejudicando artesãos de cidades menores. A fibra é popular como matéria-prima na agricultura devido à sua força, durabilidade, elasticidade e facilidade de absorver pigmentos. Peças de tapeçaria produzidas com sisal não desfiam e nem acumulam poeira.

tá difícil, muito difícil. Já vieram me falar: ‘Para de fazer esses tapetes, boba, isso vai acabar’. Mas vou continuar. demora, mas eu vendo. deus abençoa e a gente vende”.

Efigênia Ramos

O projeto Casa de Mariana, idealizado pelo jornalista Fernando Morais, visa oferecer um espaço público e cultural à população da região a partir da doação de seu acervo, entre livros, filmes, documentos e materiais jornalís-ticos. Além de uma biblioteca com cerca de 10 mil volumes, o projeto ainda inclui workshops regulares que englobam diversas áreas. Nomes do jornalismo como Lira Neto e Lucas Figuei-redo confirmaram ministrar palestras, como também o produtor cinematográfico Rodri-go Teixeira e o artista gráfico João Batista da Costa Aguiar, além do próprio Fernando, que abordará sobre jornalismo investigativo.

A compra da casa, porém, ainda não ga-rante a concretização do projeto. Para real-mente entrar em operação, Reinaldo Morais, irmão de Fernando, conta que o objetivo ime-diato após a aquisição do imóvel seria garan-tir outro espaço para a maior parte do funcio-namento da Casa de Mariana. “O ‘grosso’ das atividades do instituto teriam de ser em ou-tro lugar. Teria um auditório para fazer proje-ções e palestras, além de uma sala que abrigue adequadamente uma biblioteca de 10 mil vo-lumes”, explica. Segundo ele, a casa na Dom Benevides seria uma parte simbólica do proje-to e serviria como um memorial da carreira de Fernando Morais.

A coordenadora de turismo de Mariana Lí-via Castro, 31, acredita que o projeto seja de extrema relevância para a cidade. Segundo ela, a Casa de Mariana viabilizaria mais um impor-tante espaço cultural na cidade, contribuin-do para a valorização e divulgação da história e cultura locais. Sempre sob aspectos benéfi-cos, Lívia ainda afirma que a casa “contribui-ria muito para o fortalecimento do segmento cultural, e abriria mais uma opção na gama de produtos turísticos da cidade.”

Rua Dom Benevides, 5. No centro histó-rico de Mariana, há uma casa na esquina. Pe-quena e discreta, por sua tímida beleza ainda chama a atenção. O muro de pedra cerca um lugar que já viveu história. Nele, uma placa diz “casa onde nasceu em 1946 o escritor, jorna-lista e pesquisador Fernando Morais, que nela residiu desde seu nascimento até a transferên-cia de sua família para Belo Horizonte”. Ago-ra, Fernando quer voltar à cidade. Ao menos deixar uma parte sua.

O jornalista marianense, nascido em 22 de julho de 1946, anunciou neste ano a proposta de doar parte de seu acervo de mais de 4 mil itens para Mariana. Os planos iniciais de Fer-nando incluem recomprar o lugar onde viveu e torná-lo parte da Casa de Mariana, nome do projeto. Apesar de ter saído novo da cidade, Fernando voltou muitas vezes a Mariana na infância, quando passava as férias nas casas dos tios e dos avós paternos. As boas memó-rias que coletou ao longo do tempo não ne-gam: a casa é o coração do projeto.

Comprada pelo pai, José Carneiro de Mo-rais, na década de 50, o número 5 da Dom Benevides simboliza um local de memórias. Reinaldo Morais, 60 anos, irmão de Fernan-do, ainda possui resquícios de lembranças de onde morava. Era muito novo quando a fa-mília mudou-se para a capital mineira. Mas ao retornar há alguns anos à primeira casa onde viveu memórias surgiram bem vagamen-te. Parecia que a casa tinha diminuído. “Uma sala que era pequena eu via como gigantesca. Quando fui lá fiquei um pouco decepciona-do”, brinca Reinaldo, aos risos.

A Casa de Mariana dará acesso a centenas de documentos, depoimentos e entrevistas que o jornalista acumulou ao longo de seus 50 anos de trabalho. Um tipo de projeto que

Pedro guiMarães não é novidade para a cidade. Pequenas casas e sobrados, datados de séculos atrás, mantêm na memória a carreira de notórios marianen-ses. Alphonsus de Guimaraens, grande poe-ta da virada do século XIX para o século XX, deu nome ao museu na Rua Direita, fundado onde morou com a família até sua morte.

A professora de Jornalismo da Universida-de Federal de Ouro Preto (Ufop) Marta Maia ressalta a importância da Casa de Mariana para o curso. Para ela, Fernando Morais é re-ferência para a área e um dos maiores biógra-fos do país. “ O projeto seria como se tivés-semos um museu ao vivo. Com certeza vamos pensar em parcerias, assim como a universida-de. Acho que pode ser um grande ganho para a instituição como um todo.”

Vencedor de três prêmios Esso e qua-tro prêmios Abril, Fernando Morais possui

uma vasta carreira, entre redações de veícu-los como Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde, e biografias e reportagens de sucesso, como Olga, Chatô, o Rei do Brasil e Corações Sujos - as três também ganharam adaptações cinemato-gráficas. Fernando tornou-se um dos maio-res escritores do Brasil, autor de best-sellers que venderam mais de 2 milhões de exemplares. Ele declarou não querer financiamento gover-namental para viabilizar a ideia, que está em fase de captação de recursos.

Enquanto ainda exista incerteza da con-cretização da Casa de Mariana, o numero 5 na Dom Benevides aguarda seu destino. O lugar pequeno e discreto, que permanece nas lem-branças dos antigos moradores, anseia por seu retorno. As lembranças de anos atrás darão espaço para novas. Fernando não volta, mas sua memória fica.

Page 10: Jornal Lampião - 22ª Edição

10Arte: AnnA FLáviA monteiro

Março de 2016

Monique TorqueTTi

Tradicional no cardápio mineiro, a ora-pro-nóbis é uma planta normalmente encon-trada na região de Ouro Preto e pouco co-nhecida no restante do Brasil. Habitualmente acompanhada de costelinha cozida e angu, a receita deixa qualquer um com água na boca. Chamada também de “rogai por nós”, lobro-bo e orabrobó, a planta carrega junto com sua história diversas lendas sobre a origem de seu nome. A mais famosa conta sobre um padre mineiro que não deixava seus fiéis colherem a planta no jardim da igreja e, durante o “rogai por nós” (em latim, ora-pro-nobis), os católicos mandavam seus filhos apanharem as folhas. Com o nome cientifico de Pareskia aculeata Mill, a planta nasce em forma de trepadeira, com o corpo bastante espinhento e adaptável a qualquer ambiente.

A planta é de origem brasileira, porém não é exclusiva de apenas uma região; a cactácea teve o uso recorrente no estado de Minas Ge-rais, onde a presença em receitas, remédios naturais e até em ornamentos é comum des-de o século XVII. De acordo com o profes-sor de botânica Hildeberto Caldas de Souza, o uso cotidiano se deu pela presença maciça de escravos na região mineira. Eles se utili-zavam da planta por ser rica em proteínas e ferro. Esse também é um dos motivos para a ora-pro-nóbis ser chamada de “carne dos pobres”, pela usual substituição da fonte de proteínas no cardápio.

João Félix Vieira, autor do livro “Ora-pro-nóbis: a carne dos pobres”, conta que o cultivo da planta em Minas Gerais de maneira densa foi originária em 1700, na época da explora-ção do ouro, quando muitos viajantes vieram para cidades e houve deficiência de alimentos na região. A ora-pro-nóbis apareceu como so-lução para essa escassez em virtude de seus valores nutricionais. Ouro Preto, Diaman-

tina, São João del-Rei, Tiradentes e Sabará são as cidades em que o cultivo aparece com maior intensidade.

Na cidade de Ouro Preto não é muito di-fícil achar quem planta orabrobo. Difícil mes-mo é encontrar algum morador que não co-nheça os benefícios que ela traz a quem a consome diariamente, de acordo com a estu-dante de nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Lívia Bitencourt. Eneu-dina Ribeiro é cozinheira e cultiva a trepadei-ra na sacada de casa: “Dizem que é bom pra colesterol e diabetes”. E ela não está errada. A planta, além de ajudar na prevenção de di-versas doenças, diminui o nível do colesterol ruim (LDL), devido ao alto teor de proteína

cerca de 25%, é rica em vitaminas A, B e C, além magnésio, fósforo e cálcio.

Em seu livro, João fala que frequente-mente hortaliças não convencionais são es-quecidas, mas algumas delas já apresentam comprovação científica de suas proprieda-des. “A população não aproveita essas fon-tes naturais de nutrientes que poderiam ame-nizar carências.” O autor ainda elenca alguns usos na culinária doméstica. “A ora-pro-nó-bis, com suas folhas, pode ser usada em vá-rias preparações, como farinhas, refogados, tortas e massas alimentícias, como macarrão e até sorvetes, inclusive as flores, incluídas nas saladas naturais.” Costumam falar que cozi-nhar não tem segredo, mas Eneudina contes-

ta. “A ora-pro-nóbis tem que saber fazer, por-que ‘baba’ demais. Tem que queimar aquela baba dela e fritar”, ensina. Terezinha Apareci-da Costa, filha de Eneudina, saboreia a recei-ta tradicional. “Quando faz com costelinha de porco, e até frango, junto com o angu mole, não precisa nem de arroz para acompanhar, é sucesso na família.” A combinação com angu e costela suína são as mais recorrentes na re-gião. Com aspectos semelhantes à couve e ao quiabo, a ora-pro-nóbis tem características que a tornam única.

Diversidade Após consumir com costelinha e angu, que

tal um sorvete de ora-pro-nóbis? Bolo? Pão? São receitas também tradicionais. “Já escutei falar que coloca ela em sorvete, faz bolo, mas nunca fiz”, confessa Eneudina. Atuais estudos da Universidade Federal dos Vales de Jequiti-nhonha e Mucuri verificaram que a planta como complemento na massa do macarrão (tipo ta-lharim) é uma boa opção para quem quer se alimentar bem e tem receio de comer a plan-ta in natura. O estudo comprovou que a plan-ta desidratada, inserida na massa, mantém os mesmos benefícios.

Reconhecida como hortaliça não conven-cional, com boa disponibilidade e barata, é aliada ao combate à fome em populações de baixa renda. Pesquisas recentes da Universida-de Federal de Lavras mostraram que a farinha múltipla com as folhas da planta pode ser um complemento para a dieta de pessoas com de-ficiência nutricional.

“A inserção na alimentação da pessoa mais pobre, que não come carne e tem uma alimen-tação precária, vai ter impacto maior, princi-palmente por causa do ferro. O lobrobo na rotina vai ajudar nas deficiências nutricionais, porque a pessoa vai comer o ferro, o fósfo-ro, o cálcio, o magnésio, e vai melhorar o seu metabolismo”, diz Lívia.

Hortaliça não convencional, a ora-pro-nóbis é fonte de nutrientes e tem uso culinário como aliado no combate à fome

Projeto incentiva talentos

Promessas. Ginastas Lucas e Rafaela se mantêm no esporte financiados pelo Bolsa Atleta

Tradição. Eneudina Ribeiro gosta de preparar a planta com costelinha de porco

Ouro Preto foi uma das 37 cidades contem-pladas em Minas Gerais para receber um dos símbolos da Olimpíada 2016, a tocha olímpi-ca. O revezamento em Minas irá ocorrer entre os dias 7 e 16 de maio, e irá percorrer todos os cantos do estado, começando pelas cidades de Araguari e Uberlândia e terminando na cida-de de Muriaé. A Ouro Preto, a tocha chegará no dia 13 de maio, mesmo dia que passará por Itabirito e Inhotim.

A chama será acesa no dia 21 de abril, em Olímpia, na Grécia, onde a tradição foi cria-da. Ao Brasil, ela chegará em 3 de maio a Bra-sília e irá atravessar 329 municípios brasileiros em quatro meses, até chegar ao Rio de Janei-ro, após viajar 20 mil quilômetros em terra e 10 mil milhas aéreas.

A Secretaria de Esportes de Ouro Pre-to, junto com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e outras instituições privadas da cida-de, estão organizando uma força tarefa para o evento na cidade. Até o momento, Gabrielle Dias, Liliane da Silva Pereira, Bruno Pedroso Oliveira e Paulo César Coelho são os nomes dos carregadores indicados pela prefeitura. O restante dos portadores será anunciado em breve pelo COB.

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Em época de Olimpíada, o esporte é um dos assuntos mais comentados em todo o mundo. No Brasil, país sede dos jogos em 2016, o Bolsa Atleta é um programa de in-centivo à prática das modalidades olímpicas. O investimento beneficia esportistas de alto rendimento por todo o país. O auxílio federal existe desde 2004 e até agora já ofereceu bol-sa para mais de sete mil atletas.

É considerado o maior patrocínio indivi-dual do planeta, mesmo passando por diver-sas crises desde a implantação. Em 2011, fo-ram apontadas diversas irregularidades quanto ao pagamento das bolsas e lançamentos de editais; já em 2014, o recurso foi usado de for-ma ilícita e beneficiou atletas que não esta-vam de acordo com os pré-requisitos pedidos pelo governo.

Baseado na lei nº 10.891, criada em de ju-lho de 2004, a plataforma se divide em seis categorias: base, estudantil, nacional, inter-nacional, olímpica/paralímpica e pódio, sen-do a última implantada em 2012, para espor-tistas que têm potencial em ganhar medalha na Olimpíada do Rio. Os valores variam en-tre R$ 370 e R$ 5 mil por bimestre. Os be-nefícios são concedidos para aqueles que tenham históricos de resultados em compe-tições estabelecidas, para custeio de material esportivo, inscrições em competições e trei-namento. A assistência contempla o espor-tista independente de sua condição financei-ra e sem necessidade de intermédios, basta cumprir os requisitos.

O Bolsa Atleta motivou alguns estados e municípios a implantar projetos semelhantes. É o caso do estado de Minas Gerais. Espe-lhado no governo federal, o estado implan-tou, dentro do programa Minas Esportiva, o auxílio aos competidores com potencial para representar o estado em competições na-cionais e internacionais. O recurso estadu-

do Projeto Esporte e Cidadania, da Fundação Aleijadinho. Treina desde 2011 e recebeu o subsídio da prefeitura em 2015. “A bolsa aju-dou sim, porque estamos em uma fase com-plicada, sem dinheiro suficiente para viajar. Se não fosse a bolsa, não teria participado de alguns campeonatos.”

A opinião é dividida com Lucas Junio, que também é ginasta e participa de compe-tições desde 2008. Junio recebe o benefício da prefeitura e do governo estadual há dois anos. O atleta já participou de diversos cam-peonatos em mais de nove países. “O valor da bolsa, de R$ 2,5 mil, foi o suficiente para ir a essas competições.”

Bárbara Silva recebeu o auxílio do gover-no federal durante dois anos. Praticante de esgrima, participou de competições em esta-dos distantes. “Para conseguir a bolsa, preci-sei ficar entre os três primeiros colocados no Campeonato Brasileiro.”

A inscrição para o programa federal é bem simples: ao sair o edital, basta entrar no site do Ministério do Esporte e preencher o for-mulário. Após isso, são selecionados atletas que correspondem aos pré-requisitos, que

al já contemplou 242 atletas e, no programa, são ofertadas quatro categorias: estadual, na-cional, internacional e olímpica/paralímpi-ca. Atualmente, são 89 beneficiados no esta-do, segundo dados fornecidos da Secretaria Estadual de Esportes.

Ouro Preto também aderiu ao programa federal e, até 2015, oferecia 38 bolsas, com um valor investido de R$ 150 mil no ano. “O Bol-sa Atleta contempla competidores das esfe-ras internacional, nacional e municipal. Cada modalidade dessa que é premiada tem um va-lor específico. É feito um rateio dentro da ver-ba destinada”, explica José Moreira, diretor de Esportes da Prefeitura de Ouro Preto. Em 2016, o auxílio provavelmente não será for-necido pelo município: “Até o momento não tem edital aberto, porque a arrecadação da prefeitura caiu”. A secretaria não deu previ-são para liberação.

Para Moreira, a importância do auxílio é servir de incentivo aos competidores, pois eles recebem uma “força a mais para se espe-cializarem e treinarem, além de competir fora dos domínios de Ouro Preto”. Rafaela Yara é atleta de ginástica de trampolim e faz parte

têm prazo para entregar os documentos ne-cessários. Após o auxílio adquirido, o espor-tista não tem de prestar contas financeiras ao governo: “Só tem que prestar contas junto à sua federação e junto a seu clube de treina-mento, de que está comparecendo aos treinos e continua participando das competições”, diz Bárbara.

No caso da esgrimista, o valor é um incen-tivo para continuar participando do esporte. “O valor da bolsa era suficiente para bancar tanto despesa de alimentação, equipamentos e algumas viagens durante o campeonato, mas ninguém consegue se manter só com a bolsa.”

Page 11: Jornal Lampião - 22ª Edição

11Arte: AnnA FLáviA monteiro

Março de 2016

do em uma van enviada pela empre-sa. Os instrumentos foram cedidos pela mineradora, mas os uniformes e outros adereços, não.

Zezinho mostra as fotos que conseguiu salvar. Nelas, os morado-res vestiam chapéus, coroas, másca-ras e roupas coloridas. Carregavam instrumentos de percussão e ban-deiras. Fotos antigas, ainda em pre-to e branco, de quando a folia teve início. Conta que, assim que foram avisados do estouro da barragem, pegou as fotos antes dos próprios documentos. Recorda-se da atmos-fera que costumava permear as ce-lebrações de Paracatu: além da folia, realizavam ainda a Festa de San-to Antônio, em junho, e a Festa do Menino Jesus, em setembro. Esta úl-tima normalmente era feita em de-zembro, mas os moradores decidi-ram adiantá-la para setembro em decorrência das chuvas.

O chão da praça era pintado com tinta branca, azul e amarela – em todas as festas, as casas e ruas eram decoradas com bandeirinhas de várias cores. “Ficava bonito pra danado. Era alegria demais, Nossa Senhora”, lembra.

Quando perguntado se espera poder promover novamente as fes-tas perdidas, Seu Zezinho é enfáti-co: “Se Deus quiser! Eu faço elas nem que não for em Paracatu. Não vai acabar, não. Faço em qualquer lugar”. Quer que seus filhos deem continuidade às tradições e, acima de qualquer coisa, deseja retornar à antiga vida. “Quero voltar pra lá. Deus permita que eu termine minha vida em Paracatu.”

Vontade de superar perdas Memórias e costumes: atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco seguem com esperanças de recuperar festividades

ALeone Higidio

Caio aniCeTo

Maria das Graças e Sandra Quin-tão são irmãs, nascidas e criadas em Bento Rodrigues. Maria é recepcio-nista da odontologia na Policlínica de Mariana, e Sandra é famosa por suas coxinhas artesanais, que servia em seu restaurante no distrito. Mo-rando agora em casas relativamente distantes, lembram-se das festas tí-picas que costumavam acontecer no arraial, quando todos estavam pró-ximos, e das quais grande parte dos habitantes participava. É um pas-sado em que Bento Rodrigues ain-da existia -– seus moradores jamais imaginando que suas vidas, suas his-tórias e suas esperanças seriam en-golidas por um monstro de lama que desceu pela barragem rompida da mineradora Samarco, em rugidos inesquecíveis aos que escaparam.

Bento Rodrigues celebrava, além da Semana Santa e das coroações em maio (nome popular da Coro-ação de Nossa Senhora), três fes-tas típicas: a de São Bento, na úl-tima semana de julho, a de Nossa Senhora das Mercês, em setembro, e a de Nossa Senhora Aparecida, em outubro. “Enfeitavam-se as ruas com bandeirinhas. Na Semana San-ta também: colocavam-se os tape-tes, cada um enfeitava sua porta, co-locava as colchas novas na janela”, conta Maria. As festas de São Ben-to e N. S. das Mercês eram organi-zadas por comissões de festeiros, de uma das quais Sandra fazia parte. As celebrações tinham início com en-contros de orações: uma novena em São Bento e um tríduo na de Mer-cês. Os rituais encerravam-se aos sá-bados, com a procissão da bandeira, que costumava sair da casa do festei-ro que estivesse em posse dela, per-correndo as ruas com a banda Bom Jesus de Matosinhos, de Ouro Pre-to, seguida de uma missa, do haste-amento da bandeira e de um show de fogos de artifício.

Durante as celebrações aconte-ciam ainda bingos e leilões, dos quais Bento inteiro participava. Nas festas

de N. S. Aparecida, as moradoras se arrumavam e iam a pé até uma pe-quena capela construída na estrada entre Mariana e Bento, em que fica a imagem da Santa. Elas a levavam até a Igreja de São Bento, onde ce-lebrava-se pela manhã uma missa e era feita a coroação. A imagem era então colocada em uma caminhone-te enfeitada e saía em carreata por Bento, até retornar à igreja. “Quan-do chegava lá o padre dava a benção pros carros, pro povo e depois era a festa das crianças. Cachorro quente, bala, pipoca, aquela bagunça toda. Eu e mais três moças enfeitávamos a igreja com flores naturais e minha filha, Mônica, enfeitava os andores”, conta Maria. A imagem da santa foi preservada, e os moradores do dis-trito agora planejam recriar a fes-ta de outubro – mesmo que em um local que não Bento.

Sandra suspira, emocionada. “Ah, saudade da praça do Bento eu tenho da hora que acabava a fes-ta toda, aí a banda parava na minha porta e tocava pra mim. Muita sau-dade, vai ficar na lembrança, a ban-da toda tocando lá. Aí nós batíamos palma e eles iam tomar o café pra se despedir. Era muito bonito esse mo-mento, dava uma emoção na gente”, recorda. Como se profetizassem o que aconteceria no dia 5 de novem-bro, os moradores de Bento empe-nharam-se como nunca na organi-zação das festas realizadas em 2015. “Esse ano passado então, foi incrí-vel… Todas as festas tinham tanta gente, e a participação foi tão gran-de, que tava todo mundo comen-tando. Até falei que achava estra-nho aquele tanto de gente na Igreja, aí me disseram que era porque na hora da crise todo mundo corre pra procurar Deus. Mas a gente tava é se despedindo das nossas festas”, lembra Maria.

Maria me pergunta se eu conhe-cia Bento Rodrigues. Respondo que havia ido somente depois da tragé-dia. Ela conta que só teve permis-são de entrar no arraial e tentar lo-calizar sua casa quando estava com

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Saudade. As irmãs Maria das Graças e Sandra Quintão relembram as celebrações de Bento Rodrigues

uma equipe do Profissão Repórter, da Globo. Mostra fotos de antes da tragédia: o restaurante da irmã, sua casa, a igreja. Respira fundo. Diz que vai me mostrar seu cantinho prefe-rido em Bento – um banco de pe-dra que seu pai havia feito, debaixo de um pé de manga na praça. Cos-tumava deitar-se nele para descan-sar. “E agora só tem lama. Ficou a vida da gente lá, soterrada. Nossa história. As coisas que a gente tinha lá e nem imaginava que fazia tanta falta”, lamenta.

Riqueza José Patrocínio de Oliveira, 85, conhecido em toda região simplesmente como Seu Zezinho, é o líder e organizador da Folia de Reis de Paracatu de Baixo. As origens da folia no distrito são incertas, mas a festa como é realizada hoje teve início em 1956, quando Zezinho (à época com 25 anos) reuniu esforços para resgatar a tradição que herdou do pai e dos tios. “Quando tava com 9 anos eu já andava com meus tios na folia. Isso vem de muitos anos pra trás. Aí fui crescendo, virei rapaz e eles me diziam: ‘Ó, isso aqui não pode acabar. Não pode acabar não’”, conta.

De acordo com o Portal do Pa-trimônio Cultural de Mariana, a Fo-lia é um patrimônio imaterial inven-tariado, mas que atualmente não possui qualquer proteção legal. Ape-sar disso, a festa é considerada regio-nalmente como um ícone da preser-vação da cultura local. A companhia de 15 pessoas percorre os distri-tos de Furquim, Monsenhor Horta, Bandeirantes e Águas Claras, sem-pre entre os dias 26 de dezembro 6 de janeiro. Quando retornavam a Paracatu, no dia 6, a festa era realiza-da. “Faz 46 anos que faço essa festa. Compro um boi de 12, 14 arrobas e muito frango, e dou de comer pro povo”, diz Zezinho.

Convicto de que a tradição es-taria perdida depois que a lama da Samarco devastou Paracatu levan-do instrumentos, fantasias e objetos, Seu Zezinho foi surpreendido pela oportunidade de poder realizar a fes-ta novamente. “Nós tínhamos perdi-do tudo da folia, mas a Samarco me devolveu. A lama levou 3 sacolas, 8 bumbos, pandeiros, reco-reco, um violão, foi tudo embora”, diz. Há mais de 50 anos, o trajeto era feito a pé. No ano passado, foi percorri-Continuidade. Zezinho luta para que Folia de Reis retorne a Paracatu

PaTRimÔniO

esse ano passado então, foi incrível… todas as festas tinham tanta gente, e a participação foi tão grande, que tava todo mundo comentando. Até falei que achava estranho aquele tanto de gente na igreja, aí me disseram que era porque na hora da crise todo mundo corre pra procurar deus. mas a gente tava é se despedindo das nossas festas”

Maria das Graças Quintão

DeslocadosDesde que foram transferidos

dos hotéis pagos pela Samarco, os moradores de Bento Rodrigues e Pa-racatu de Baixo encontram-se distri-buídos por casas alugadas na cidade de Mariana. Separados pela distân-cia e pelos espaços desconhecidos, sentem na pele o estranhamento de serem obrigados a habitar um local a qual não pertencem.. “Essa cida-de é só pra quem nasceu e foi cria-do aqui. Aqui não tá bom, não. Eu queria estar lá. Graças a Deus não tá faltando nada pra gente aqui, mas estamos doidos pra voltar”, conta Zezinho.

Pelas ruas de Mariana, pessoas que costumavam ser vizinhas ago-ra topam-se de vez em quando. “A gente encontra outros moradores de Bento espalhados por aqui, pa-rece que tá tudo sem rumo… Sem saber o que fazer. As crianças você fica bobo de ver. Porque lá elas fi-cavam juntas, a vida era livre. Aqui elas ficam presas”, diz Maria. Mui-tos moradores são hostilizados, acu-sados de quererem extorquir a mine-radora que destruiu suas casas, suas rotinas, suas famílias. “Tem a sensa-ção que tá estranho... Tem a sensa-ção das pessoas. Os primeiros dias em que eu estava no hotel, não deu nem sete dias e já tinha gente fazen-do manifesto nas ruas. Aquilo doeu, doeu muito. A Samarco precisa lim-par toda a sujeira que deixou em Bento”, cobra Sandra.

A saudade dos bons tempos, apesar de tudo, supera a dor provo-cada pela paisagem de destruição. Seu Zezinho ainda visita Paracatu regularmente – logo depois de nossa entrevista, juntou filhos e netos para voltar ao distrito. Maria, quase todos os fins de semana, retorna a Bento, mesmo que para observar à distân-cia o que restou do arraial. “Às ve-zes até hoje a gente tá aqui em casa, cada um em um canto e alguém fala: Vamos lá pro Bento?’, e a gente vai. Nós vamos só pra ficar olhando de longe”, relata.

Maria se lembra da vez que en-controu Sandra discutindo com um representante da Samarco, pois a mineradora pretendia construir uma terceira barragem nas proximida-des de Bento. Maria tentou ameni-zar a tensão. “Calma, Sandra. Eles têm pessoas estudadas, competen-tes, não iam fazer nada pra prejudi-car a gente, não. Agora a Sandra joga na minha cara. Diz que eles não fi-zeram nada para prejudicar a gente, só acabaram com as nossas vidas”.

A despeito das incalculáveis per-das sofridas, os atingidos não desis-tirão até que suas celebrações – suas casas, suas histórias, suas antigas vidas – sejam devolvidas.

Page 12: Jornal Lampião - 22ª Edição

12Arte: fernAndo ciríAco

Março de 2016

Entre olhares e prosas, as janelas dos casarios de Mariana se tornam

palco da contemplação do cotidiano. O fim de tarde dessas senhorinhas

nos lembram aquelas tradicionais “namoradeiras” de janelas por aí afora.

O pôr do sol é testemunha de um tempo que passa lentamente até o cair da noite.

Passa carregado de lembranças de uma vida e tecendo planos futuros. Seus olhares

transbordam saudades de uma época de modo sutil , enquanto numa ciranda notam o presente

ali na sua frente. Talvez essas janelas tenham muitos romances para nos contar, assim como

diz a música de Gil .

Namoradeiras

Foto e texto: AlexAndro GAleno