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Abril 2014 Número 124 Ano X Tiragem 3.000 exemplares www. jornalmartimpescador.com.br O pescador Arara e o diretor da Colônia Z-4, de Cabo Frio-RJ , Ideraldo Rodrigues, falam das dificuldades da pesca. Pág. 8 Antônio Cruz e Pedro Henrique falam sobre a pesca em Ponta de Pedras, Pernambuco. Págs. 4 e 5 Pescadores de Pernambuco Em Recife acontece o V Workshop Internacional sobre Incidentes com Tubarões e o VIII Encontro da SBEEL. Págs. 2 e 3 O arqueólogo Manoel Mateus Gonzalez fala sobre a pré-história na Baixada Santista. Pág. 8 Museu de Pesca perde seu maior taxidermista, Nelson Dreux, aos 60 anos. Pág. 7

JORNAL MARTIM-PESCADOR 124

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Abril 2014 - Número 124 - Ano X - Órgão Oficial da Federação de Pescadores do Estado de São Paulo.

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Abril 2014Número 124

Ano X

Tiragem 3.000exemplares

www. jornalmartimpescador.com.br

O pescador Arara e o diretor da Colônia Z-4, de Cabo Frio-RJ , Ideraldo Rodrigues, falam das dificuldades da pesca. Pág. 8

Antônio Cruz ePedro Henriquefalam sobre apesca em Pontade Pedras, Pernambuco. Págs. 4 e 5

Pescadores de Pernambuco

Em Recifeacontece oV Workshop

Internacionalsobre Incidentes

com Tubarões e oVIII Encontro

da SBEEL. Págs. 2 e 3

O arqueólogo ManoelMateus Gonzalez falasobre a pré-históriana Baixada Santista. Pág. 8

Museu de Pesca perde seu maior taxidermista, Nelson Dreux, aos 60 anos. Pág. 7

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Av. Dino Bueno, 114 Santos - SP

CEP: 11030-350Fone: (013) 3261-2992www.jornalmartimpescador.com.br

Jornalista responsável: Christina Amorim MTb: 10.678/SP [email protected] e ilustração: Christina Amorim; Diagramação: cassiobueno.com.br; Projeto gráfico: Isabela Carrari - [email protected]

Impressão: Diário do Litoral Fone.: (013) 3226-2051Os artigos e reportagens assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal ou da colônia

EXPEDIENTE Órgão Oficial da Federação de Pescadores do Estado de São Paulo

Presidente Tsuneo Okida

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EXPEDIENTE Órgão Oficial da Federação de Pescadores do Estado de São Paulo

Presidente Tsuneo Okida

Driblando os tubarõesÀs vésperas da Copa, ações para evitar ataques de tubarões são

articuladas por cientistas e autoridades em Recife

As placas em Boa Viagem avisam o risco de ataques de tubarão

N Praia de Boa Viagem, com maré baixa, osrecifes formam uma lagoa de águas rasas....

...mas alguns preferem se arriscar em locais pouco seguros

Com a vinda de milhares de turistas ao Brasil para a Copa do Mundo, a cidade de Recife, em Pernambu-co, se prepara para intensificar as ações de prevenção de ataques de tubarões em suas praias. O tema foi dis-cutido no V Workshop Internacional sobre Incidentes com Tubarões em Recife, de 1 a 4 de abril. Cientistas brasileiros e estrangeiros, e representantes do Minis-tério Público de Pernambuco, Corpo de Bombeiros, Ministério do Meio Ambiente, Agencia Estadual de Meio Ambiente-CPRH, entre outros, participaram das discussões abertas ao público.

Monica Souza do Instituto Oceanário de Pernambuco apresentou as principais ações de edu-cação ambiental realizadas pela entidade. De 2004 a 2014 foram desenvolvidas 2.279 ações, entre elas campanhas educativas em praias, escolas, e produção de material informativo como histórias em quadrinhos e literatura de cordel. Segundo o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), de 1992 até hoje aconteceram 59 ataques. Até o início do programa de educação ambiental em 2004 foram re-gistrados 42. De 2004 a 2014 aconteceram 17 ataques, o que mostra uma redução nos casos. A bióloga Dra. Rosangela Lessa, presidente do Cemit, explica que o Instituto Oceanário tem convênio com a Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE para o transpor-te com o barco de pesquisa Sinuelo dos tubarões vivos encontrados em áreas de risco que são deslocados para áreas afastadas da praia. Eles recebem marcas de telemetria para monitorar seu comportamento. Na época do ataque fatal à turista Bruna Gobbi na praia de Boa Viagem, em julho de 2013, as ações de moni-toramento e remoção de tubarões estavam paradas por sete meses devido à falta de verbas e foram retomadas após o incidente. Rosangela explica que atrás de uma espécie de parede de recifes que circunda a praia de Boa Viagem existe um canal paralelo à linha de praia com até 8 metros de profundidade e mais de 1 quilô-metro de extensão, o que faz o banhista sofrer risco de afogamento e também de ataques de tubarões. “Em

feriados cerca de 500 mil pessoas frequentam a praia de Boa Viagem”, explica. Segundo a bióloga, com o aumento do fluxo de turistas durante a Copa a partir de junho será necessário intensificar todas as ações de prevenção. Entre elas distribuir panfletos educativos em aeroportos, estádios, hotéis, praias, criar novo modelo de placas de alerta nas praias e uso de fitas zebradas nas áreas de risco.

Para o professor do Departamento de En-genharia de Pesca e Aquicultura da UFRPE, Dr. Fábio Hazin, o programa de prevenção de ataques desenvolvido no Brasil é mais efetivo, mais barato e menos impactante do que os adotados em países como África do Sul e Austrália. Apesar da redução dos incidentes, Hazin acredita ser impossível zerar os ataques. “Quando entramos no mar assumimos riscos inerentes explícitos. É como entrar na mata atlântica e ser picado por uma cobra venenosa", exemplifica.

No último dia do workshop cientistas bra-sileiros e estrangeiros e autoridades discutiram os programas para mitigar os riscos com incidentes com tubarões no Brasil, Austrália, África do Sul, Estados Unidos e Ilha Reunião (Oceano Índico). Geremy Cliff, chefe de pesquisa no Kwazulu Natal Sharks Board, na África do Sul, falou sobre sua experiência durante a Copa do Mundo de 2010, quando as atividades para redução de incidentes também foram reforçadas. Elogiou o programa brasileiro, acrescentando que este não poderia ter interrupção. Mostrou também preocupação com a alta incidência de afogamentos na região e no país, recomendando cuidados espe-ciais para solucionar o problema. George Burgess, coordenador do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões na Florida, Estados Unidos, sugeriu a cria-ção de centros de atendimento hospitalar próximos aos locais vulneráveis a ataques, para aumentar a rapidez dos socorros. Representantes do Corpo de Bombeiros sugeriram também melhorar a infraestrutura, com a criação de mais postos, e contratação de mais guarda-vidas para operar a cada 100/200 metros.

DefesosBagre rosado (Genidens genidens, Genidens barbus, Cathorops agassizii) 01/01/14 a 31/03/14Camarão-rosa (Farfantepenaeus paulensis), camarão-branco (Litopenaeus schmitti), camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus Kroyeri), camarão-santana ou vermelho (Pleoticus muelleri), camarão-barba-ruça (Artemesia longinaris)- 1/03/14 a 31/05/14Caranguejo guaiamum (Cardisoma guanhumi) 01/10/13 a 31/03/14Lagosta vermelha (Panulirus argus) e lagosta verde (P. laevicauda) 01/12/13 a 31/05/14Tainha (Mugil platanus e Mugil liza) 15/03/14 a 15/08/14Pargo (Lutjanus purpureus) 15/12/2013 a 30/04/2014MoratóriasCherne-poveiro (Polyprion americanus) 06/10/2005 a 6/10/2015Mero (Epinephelus itajara) 17/10/2012 a 17/10/2015

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Professor Carolus Vooren durante o encontro da SBEEL

Autores durante o lançamento do livro sobre raias

Jonas Santander e Ana Rita Onodera da Comissão Organizadora do Encontro

Professor Ricardo Rosa fala sobre o site Tubarões do Brasil

Participantes da SBEEL ao final do encontro As placas em Boa Viagem avisam o risco de ataques de tubarão

HUDSON BATISTA

O V Workshop Internacional sobre Incidentes com Tu-barões em Recife aconteceu simultâneo ao VIII Encontro da Sociedade Brasileira para Estudos de Elasmobrânquios-Sbeel, ambos no campus da UFRPE. No evento foram discutidos os desafios da pesquisa e estudos de tubarões e raias no Brasil, através de palestras, mini-cursos e mais de 70 trabalhos científicos. Muitos cientistas brasileiros e estrangeiros puderam apresentar palestras nos dois eventos. Embora a preocupação na mídia se concentre nos ataques de tubarões, sérias questões como a conservação destes animais, presentes na natureza há cerca de 350 milhões de anos, também merecem reflexão. Várias espécies sofrem constante pesca comercial o que têm levado algumas à beira da extinção, com conseqüente catástofre ambiental. “As populações de elasmobrânquios vêm sofrendo ao longo das últimas décadas declínios significativos em todo o mundo, e por este motivo, diversos países e organizações interna-cionais vêm promovendo ações que visam à conservação de tubarões e raias”, afirma o presidente do encontro, professor da UFRPE, Francisco Marcante. Embora os casos de ataques sempre despertem comoção, cobras matam mais, e acidentes de trânsito também. Segundo o livro Mitos e Verdades sobre os Ataques de Tubarões no Recife, de Arnaud Mattoso, de dezembro de 2011 a julho de 2012, já com a nova Lei Seca, foram registradas 1.059 mortes decorrentes de acidentes de trânsito em Pernambuco. Não podemos esquecer que o tubarão, como grande predador, tem um papel importante para a manutenção do equilíbrio dos oceanos e da cadeia alimentar. Daí a importância de ações para a conservação destes animais, que foi discutida na mesa-redonda “Desafios e conquistas do PAN - elasmobrânquios”, pelos especialistas Dr. Jorge Kotas (ICMBio), Dr. Andrés Navia (Fundación SQUALUS), Dr. Cláudio Sampaio (UFAL), Dr. Fábio Mot-ta (UNESP). Segundo o Dr. Jorge Kotas o Plano de Ação dos Elasmobrânquios está em fase de elaboração, faltando apenas uma oficina de consolidação com o Grupo Assessor,

e que será realizada entre os dias 13 e 16 de maio próximo. Um dos documentos que serviu de base para o Plano de Ação foi justamente o Plano de Ação Elaborado pela SBEEL em 2005. No presente momento a lista de espécies ameaçadas atualizada em 2012 e já validada, ainda não foi oficializada pelo Governo Brasileiro, e isso somente será feito através de uma Instrução Normativa.

Dentro do simpósio, o terceiro setor se fez presente com o tema “O papel das Organizações Não Governamen-tais na conservação de elasmobrânquios do Brasil”, com Paulo Guilherme Cavalcanti do Projeto Divers For Sharks e Wendel Estoll da Sea Shepherd Conservation Society. Durante o encontro foi lançado o livro: “Rayas de agua dulce (Potamotrygonidae) de Suramérica. Parte I. Colombia, Ve-nezuela, Ecuador, Perú, Brasil, Guyana, Surinam y Guayana Francesa: diversidad, bioecología, uso y conservación”. A obra foi organizada por Carlos A. Lasso, Ricardo S. Rosa, Paula Sánchez-Duarte, Mónica A. Morales-Betancourt, Edwin Agudelo-Córdoba.

A boa notícia foi a apresentação do site interativo de di-vulgação científica Tubarões do Brasil, ainda em construção pelos professores doutores Ricardo S. Rosa (Universidade Federal da Paraíba-UFPB), Otto Bismarck Fazzano Gadig (UNESP), e Carlos Alberto Toscano de Britto (PBSoft In-formática). Segundo o professor Ricardo Rosa, eleito novo presidente da SBEEL (Biênio 2014-2015), “a disponibilida-de destas publicações (científicas) através da Internet ainda é limitada, e seu caráter essencialmente técnico afasta-as de um público mais generalizado”. Daí a importância de um site para maior divulgação. A versão preliminar deste site foi apresentada no encontro, visando colher sugestões para o seu aprimoramento, sensibilizar potenciais parceiros, bem como propor e discutir sua possível inserção na página da SBEEL. Saiba mais sobre os trabalhos desenvolvidos no VIII Encontro da SBEEL em www.jornalmartimpescador.com.br (legislação/livro de resumos da SBEEL).

Desafios na pesquisa de tubarões e raias são discutidos na SBEEL

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Pescadores de Ponta de Pedras

Fotos:Comunicação Corporativa

Coluna

OuvIDOrIa EmbraPOrT: 0800 779-1000

[email protected] www.terminalembraport.com.br

Embraport presenteia crianças em ação especial de Páscoa

A Embraport, em parceria com a Ad-ministração Regional da Área Continental de Santos, promoveu, no dia 16 de abril, a doação de ovos de chocolate para mais de 200 crianças das escolas municipais da Ilha Diana e do bairro de Monte Cabrão.

A entrega dos ovos foi realizada por integrantes da Embraport, que puderam conhecer e passar uma tarde com as crianças. Além disso, eles participaram

pelo primeiro ano do recém lançado Programa de Voluntariado, desenvolvido pela área de Comunicação Corporativa. O objetivo da empresa é que a partir deste ano, cada integrante possa colaborar com a comunidade local por meio de ações que contribuam com o desenvolvimento dos moradores e estimulem a cultura, a cidadania e o compromisso com as futuras gerações.

“Nosso intuito é oferecer bons mo-mentos a essas crianças e proporcionar aos nossos integrantes a oportunidade e satisfação de ajudar o próximo. Essa é uma das primeiras ações do nosso Pro-grama de Voluntariado, mas esperamos que a iniciativa cresça e envolva cada vez mais profissionais”, explica Miucha Andrade, coordenadora de Comunicação Corporativa da Embraport.

O mar verde contrasta com um céu muito azul. A praia com recifes descobertos na maré baixa conta como o local recebeu o nome de Ponta de Pedras. Esse distrito do município de Goiana, em Pernambuco, com cerca de 8 mil habitantes, logo mostra sua vocação para a pesca artesanal. E os homens do mar ali estão, na pracinha de árvores frondosas da cidade, onde eles dizem com bom-humor que gostam de ficar contando “mentiras de pescador”. Além dos barcos na praia, no centro da cidade está um dos marcos principais da profissão: o antigo prédio da Colônia de Pescadores Z-3, fundada pelo capitão-de-fragata Augusto Durval Guimarães em 1930, e oficialmente inaugurada em 30 de novembro de 1931. A rica história de Ponta de Pedras atraiu a atenção do engenheiro de pesca Kaio Lopes de Lima que inicia a sua tese de doutorado em Recursos Pesqueiros e Aquicultura na Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE, sob a orientação da professora Rosângela Lessa. Um dos objetivos do estudo é identificar artes mais importantes na Reserva Extrativista Acau Goiana, entre municípios Goiana, em Pernambuco e Acau, na Paraiba. Num breve passeio pela praia é possível avistar pescadores chegando do mar, cuidando dos barcos, uma faina diária sem fim. Sérgio Ribeiro de Amorim, 44 anos, nascido em Ponta de Pedras, e Antônio Cruz, nascido no Rio Grande do Norte e há 15 anos no local, contam um pouco de suas vidas.

Pedro Henrique, 17 anos, conta como o avô Zé Bran-quinho comprou um carro novo com a renda de um dia de pescaria há 10 anos atrás. Vindo de tradicional família de pes-cadores, Pedro quer seguir a carreira de engenheiro civil.

Pedro, sonhando com outra profissão

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Pescadores de Ponta de Pedras

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Há 15 anos pescan-do em Ponta de Pedras, Pernambuco, Antônio Cruz, 50 anos, nunca perdeu o gosto pela pesca nem pelo peixe, que ele saboreia bem fresquinho também nas viagens em alto-mar.

Aprendeu com o pai, David, e com colegas, a pescar numa jangada aos 13 anos de idade, em sua cidade natal, Touros, Rio Grande do Norte. O pai pescava peixe com linha de mão na jangada feita com cinco pedaços de madeira pregadas.

“Era feita com tron-co da mata, madeira bem leve que boiava, agora usa compensado naval”, explica. “Numa jangada iam três pes-cadores”, conta. “Naquela época tinha muito peixe, o mar não estava poluído, explorado, tudo era natural”. Os pescadores de jangada pegavam vários tipos de peixes de linha, como cavala, cioba, guarajuba, dentão. “Quando eu era muito pequeno só via jangada chegar”, lembra. Mais tarde aprendeu a pescar com jangada mais moderna de compensado naval.

Hoje pesca em barco de madeira motorizado, de 8,20 metros. Da mesma maneira que o pai fazia, sai de madrugada para pescar, por volta das 3 horas da manhã, mas não tem hora certa para voltar. “Quem vai para o mar não tem hora de chegada, a partir das 5 horas da tarde até 7 horas da noite”, comenta. Usa covo, linha de mão ou pequeno espinhel. O covo é jogado no mar, e depois de dois dias voltam para despescar. O pai usava o samburá, cesto feito de cipó ou taquara, para acondicionar o peixe na jangada. “Hoje é com isopor e gelo”, diz. “Trabalho hoje está muito bom, melhorou muito, graças a Deus”, acredita Antônio, apesar de se queixar que falta investimento para que a pesca melhore mais. A queixa hoje é a escassez de peixe. “Tenho certeza que diminuiu o peixe”, diz. Para confirmar conta a história do pescador Zé Branquinho que há 10 anos atrás comprou um carro novo com a renda obtida numa única pescaria. Outros chegaram a comprar barco novo. “Hoje o preço também diminuiu, a lagosta custa cerca de R$ 40,00 o quilo”, afirma. Teve época em que pescava e com a família cuidava do roçado no pé do morro com feijão de corda, milho, batata-doce, jerimum (abóbora), melancia , macaxeira. Hoje é só pesca. Foi uma profissão do meu avô, meu pai, mas eu não quis deixar para meu filho. Tem quatro filhos: Igor, 14, Bianca, 17, Cleciane, 22, Hugo, 25. “Igor enfrenta o mar, nunca enjoou, fica tranquilo, mas acho que não vai ser pescador”, pressente. “Isso ele que vai resolver para frente”, conclui.

Sérgio Ribeiro de Amo-rim, nasceu em Ponta de Pedras, há 44 anos. O pai, Severino, o ensinou a pescar aos 13 anos de idade. De uma família com mais quatro irmãos ele foi o único que se-guiu a profissão de pescador. “Acostumei devagarzinho com o mau cheiro do óleo e a maresia do material”, diz. “Tem gente que muitas vezes vai, não se dá”, afirma dizendo daqueles que não aguentam trabalhar no mar. Sua rotina é sair à 1 hora da manhã para largar os covos (tipos de armadilhas para peixes e lagosta) no mar, e volta para terra só ao anoitecer. Sai com os primos Gelbi, Quinca e Jailson. Vão longe, e marcam o lugar onde largam os covos no GPS, para voltar em outro dia e recolher os peixes. “Ali não vê terra, só você e o mar”, conta. Trazem cioba, dentão, saramolete, budião, lagosta, que são vendidos na peixaria. Gosta de comer o peixe que traz. “Mas todo dia não, todo dia abusa”, afirma. Gosta de pirão e da moqueca feita com coco fresco ralado. Tem oito filhos, todos estudando. Nenhum vai seguir a profissão. “É ruim vida de pescador, sai de madrugada, sabe Deus se volta ou não, está nas mãos de Jesus”, diz Sérgio.

“A pessoa ir no mar e não comer um mexidinho não foi no mar”, afirma Antônio. “O mexidinho é diferente da peixada, que bota tanta da coisa que é da sabidência deles”, complementa, pois acredita que é a receita dos pescadores é feita de forma bem mais simples que a peixada típica de Recife. Os pescadores preparam a receita em alto-mar, colocando água suficiente apenas para cobrir o peixe e muitos chegam a misturar um pouco de água de mar na água doce para dar um sabor especial. “Usa o peixe que pega, dentão ou cioba, mas o que eu gosto mais é o cangulo (peixe-porco)”, acrescenta. “Bota cominho em pó, colorau, um tomate e uma cebola cortados, um galinho de coentro e estamos conversados”, explica. No final, é ver se está bom de sal, e jogar a água em outra panela com a farinha de mandioca para fazer o pirão em consistência firme que dê para pegar pedaços com a mão. Depois de pronto, põe as postas de peixe em cima e cada um tira sua quantia.

Sérgio, enfrentando esse mar de meu Deus

Antônio, da jangada para o barco motorizado

Mexidinho

O pescador potiguar Antônio Cruz está há 15 anos em Ponta de Pedras

O pescador Sérgio usa a catraia para sair de seu barco já ancorado para a terra firme

Kaio Lima prepara sua tese de doutorado em Ponta de PedrasOs covos são usados para

pescar lagosta ou peixes

Na pracinha os pescadores botam a conversa em dia

A Colônia de Pescadores Z-3 foi inaugurada em 1931

O mexidinho é a comida do

homem do mar

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Dia 7 de abril é comemorado o DIA MUNDIAL DA SAÚDE e o Martim Pesca-dor que vem em suas edições colaborando com o tema através desta coluna, prossegue divulgando medidas preventivas para o consumo de pescado de boa qualidade, a fim de evitar as doenças transmitidas pelo pescado.

Quando se fala em saúde no contexto ali-mentação logo se pensa em pescado e a Orga-nização Mundial de Saúde recomenda a adoção de medidas concretas para garantir a promoção e a prevenção da saúde, comendo peixe.

A Baixada Santista tem o privilégio de desfrutar do consumo de pescado pelas suas características regionais. Os turistas que aqui chegam vêm interessados em degustar peixes e frutos do mar. Este hábito vem cada vez mais se consolidando entre a população, devido ser este alimento uma das principais fontes de nutrien-tes. Rico em proteínas, sais minerais, vitaminas A, D, Complexo B e gorduras insaturadas. É de fácil digestão, sendo recomendado a todas idades. Tanto as crianças quanto os adultos precisam muito de vitaminas e sais minerais, pois ajudam na formação dos ossos, dentes e sangue, além de manterem o equilíbrio do organismo e o vigor do sistema nervoso. Por outo lado, a gordura do pescado é chamada "gordura boa", ou seja são ácidos graxos do tipo ômega 3 por diminuir o risco de doenças cardíacas, ateroscleroses (endurecimento das artérias).

Para garantir a qualidade as autoridades sanitárias recomendam que o pescado seja comercializado fresco, congelado, salgado ou defumado. Este produto deve ser sempre inspecionado pelos serviços de inspeção federal (SIF), estadual (SIE) ou municipal (SIM), para tanto devem ter no rótulo o nome do serviço que autorizou a comercialização. Todo produto que não se apresente desta maneira no comércio, pode ser considerado clandestino. As donas de casa acreditam erroneamente que o pescado "bom" é aque-le que se compra diretamente do pescador. Nesse caso ele pode ser fresco, mas pode não estar livre de contaminantes que causam doenças. Esta crença deveria ser abolida e o consumidor deve procurar adquirir pescado em locais idôneos.

Um local é considerado idôneo quando comercializa pescado com procedência, ou seja, sofreu o processo de inspeção sa-nitária o que dá a garantia de um alimento saudável. Portanto, não basta que peixes, camarões, mariscos, ostras estejam frescos. É necessário associar quesitos de segurança alimentar para que as doenças não cheguem ao consumidor.

O pescado pode se contaminar com bac-térias de várias formas: durante a pescaria, na embarcação, no cultivo; durante o abate

a carne pode se contaminar pelo contato com o intestino, pele ou guelras; durante o processamento através de microrganismos presentes em algum outro produto cru ou em superfícies que entre em contato com o pescado; e até mesmo na cozinha onde as bactérias podem passar de um alimento para outro devido ao uso inapropriado de utensílios de cozinha ou através das mãos dos manipuladores.

As principais doenças em humanos são causadas por bactérias, vírus, parasitos, toxinas, metais pesados como o mercúrio e outras substâncias químicas como pesticidas. Pelo menos um terço das doenças infecciosas tem origem zoonótica, isto quer dizer são transmitidas ao homem através dos animais. As bactérias são os principais micro-organis-mos: Salmonella, E. coli, Campylobacter, Listeria e Yersinia. Toxinas produzidas pelo Staphylococcus, Clostridium e Bacillus cereus, são substâncias que desempenham papel importante na toxinfecção. Temos ainda a presença de parasitos, tais como os anisaquídeos, Diphilobotryum e Ascocotile, entre outros responsáveis pelas zoonoses parasitárias.

No Estado de São Paulo, devido à grande importância e prejuízo sócioeconômico que representam as doenças para o Estado, foi instituída a legislação sanitária " RISCO ZERO" para proteger o consumidor.

Segundo a Organização Mundial de Saúde estes são os cinco itens para a garantia de um alimento saudável:

- fazer a limpeza correta das mãos, super-fícies, utensílios e equipamentos;

- separar alimentos crus do pescado co-zido;

- submeter o pescado à temperatura de cocção adequada;

- manter o pescado na temperatura adequa-da de refrigeração ou congelamento;

- usar água e matérias-primas seguras.

Augusto Pérez Montano - Médico Veterinário, membro da Comissão de Aquicultura do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo

Registros preciosos sobre a história da Colônia de Pescadores Z-4, em São Vicen-te, estão nas mãos de Maria Aparecida Nobre, a Nenê. Documentos que são guardados por sua tradicional família mostram que a Z-4 já estava em funcionamento em 1921. O registro de pescador de seu bisavô, Firmino Gonçalves dos Santos, feito em 20 de julho de 1921, está assinado pelo oficial da Marinha de Guerra, comandante Frederico Villar, que em viagem no cruzador José Bonifácio criou o Programa Nacional de Pesca e Saneamento do Litoral nos anos de 1919 a 1924. Nessa mis-são o comandante criou inúmeras colônias de pescadores e efetivou registro de pescadores na costa brasileira. Saiba mais sobre a história da Colônia Z-4 na próxima edição do jornal Martim-Pescador.

Quem na infância não se identificou com o patinho feio das fábulas e daí acreditou que um dia poderia virar um belo cisne? Histórias tra-zem entretenimento e muitas vezes nos levam a entender melhor a vida. “Resgatam a magia dos encontros, isso é muito antigo, vem desde a época de nossos ancestrais que sentavam ao redor do fogo para falar e ouvir”, diz a comu-nicadora social Estela Magalhães. Foi com essa crença que ela e Raphael, ator e músico, há um ano criaram a Zuzo Bem Contação de Histórias, com o objetivo de compartilhar com crianças e adultos os momentos encantadores que só as histórias contadas proporcionam. Para isso a dupla utiliza recursos musicais,

figurinos e acessórios. Porém, a maior força está na palavra. A dupla explica que as crian-ças menores gostam muito de fábulas: reis, rainhas, príncipes, princesas, animais que falam e as mais velhas também se interessam por histórias de terror e monstros. A Zuzo Bem tem um repertório variado, incluindo histórias clássicas, contemporâneas e uma cuidadosa audição do cotidiano, e se apresenta em livra-rias, escolas, eventos e empresas. Saiba mais em http://www.zuzobemhistorias.wordpress.com. Contato : [email protected]/Raphael de Souza (11) 9 9216-9926, Estela Magalhães (11) 9 8800-9246) ou (13) 3284-1997.

JU LIMA

PESCADO É SAÚDEEra uma vez...

História da colônia de São Vicente é resgatada

Nenêexibe o

registro depescador

de seubisavô

Raphael de Souza e Estela Magalhães entram no mundo mágico das histórias

para cativar crianças e adultos

Contação de Histórias na Livraria da Vila

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Ao chegar ao Museu de Pesca de Santos quase sempre encontrava Nelson no laboratório de taxider-mia. Constantemente envolvido em um novo projeto, gostava de compartilhar com as pessoas os detalhes das obras que fazia, com muita dedicação e amor. Foram muitos desafios, trabalhos que às vezes pareciam quase impossíveis de executar, mas ao final, como bom artista, sempre achava a solu-ção ideal. “Tenho o defeito de ser perfeccionista”, confessava Dreux. A oportunidade para trabalhar com taxidermia surgiu em 1998, quando Sebastião Medeiros o convidou para auxiliar na finalização do restauro de algumas peças na reabertura do Museu de Pesca, que ficara fechado por 11 anos. Com a aposentadoria de Medeiros em 2000 assumiu a função de taxidermista. Dos inúmeros trabalhos, considerava a lula-gigante Architeuthis sp, com com 5 metros de comprimento e 91 quilos a mais difícil de ser trabalhada. A peça é o único exemplar em exposição no mundo e está desde 2003 no acervo do Museu de Pesca de Santos, no momento fechado para reforma. Além da dificuldade de trabalhar com a pele muito fina da lula, o taxidermista usou 560 pedaços cortados de uma mangueira de plástico para substituir as ventosas que o animal apresentava em seus oito braços. A raia-manta, Manta birostris, com 600 kg e 4,40 metros foi outra difícil tarefa realizada por Dreux em 2006. Seu último trabalho de grande porte foi a taxi-

dermização de um pirarucu de 2,30 metros e 140 quilos, originário do aquário Acqua Mundo, em Guarujá, onde se encontra hoje em exposição. O peixe foi trazido ao laboratório congelado, e Dreux contou com a ajuda de seis pessoas para colocar o animal em sua bancada de trabalho.

Dreux trouxe muitas inovações para arte da taxidermia, como a substituição do suporte de madeira para uma haste leve de metal, e a troca da serragem de madeira, suscetível a brocas e cupins, pelo plástico bolha e pela serragem sintética. Na pintura, usava o aerógrafo e pesquisava a fundo a cor do animal para dar um visual o mais natural possível. As estruturas internas de madeira foram substituídas por hastes mais flexíveis de alumínio, que davam maior ideia de movimento aos peixes.

Seu nome ficou gravado para sempre no museu através de seu trabalho e na exposição permanente em forma de painel e vitrine inaugurada em julho de 2013 em homenagem a todos os taxidermistas que trabalharam na instituição. Além de Dreux ali estão os nomes de Sebastião Medeiros, Durvalino Antonio dos Santos, Cássia de Freitas e Waldeney Gonçalves. O painel fala sobre a arte milenar e na vitrine estão expostos os ins-trumentos e os materiais usados pelos especialistas. Assim, uma profissão quase extinta é re-conhecida”, afirmou na época

Dreux, que considerava a técnica uma maneira de fazer um animal se transformar numa peça didática. Nascido em 5 de setembro de 1953 em Paraibuna, veio em 1959 para Santos, aos seis anos de idade. Faleceu em Santos, na madrugada de 14 de abril de 2014, após passar internado por vários dias na Unidade de Terapia Intensiva da Santa Casa de Santos, depois de uma cirurgia de emergência. Nelson deixa uma tristeza imensa no coração de amigos e familiares e uma lacuna difícil de ser preenchida na continuidade da arte da taxidermia.

Suas inúmeras obras pertencem ao acervo do Museu de Pesca de Santos (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do ESP), que no momento está fechado por motivo de reforma. Endereço: av. Bartolomeu de Gusmão, 192. Telefone 3261.5995.

Adeus, NelsonTaxidermista Nelson Dreux Costa falece aos 60 anos deixando grande acervo no Museu de Pesca de Santos

TaxidermiaTaxidermia (dar forma à pele em grego) é a arte de conser-var animais mortos. O processo consiste em retirar toda a carne, deixando apenas a pele, que é deixada por váriosdias na formalina. Depois de tratada, a pele é preenchida com materiais sintéticos para dar a forma do animal vivo

O artista iniciando o trabalho com o pirarucu de 140 quilos... ..que exigiu dois meses de trabalho

Dreux introduziu muitas inovações na taxidermia em 13 anos de trabalho

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Abril 20148

Quem habitava a Baixada Santista há cinco mil anos, quando o mar estava cinco metros acima do nível atual? Numa época considerada pré-história brasileira, a paisagem era bem diferente. “As áreas onde hoje existem as ci-dades de Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá estavam submersas”, explica o arque-ólogo Manoel Mateus Gonzalez, presidente do Centro Regional de Pesquisas Arqueológicas-Cerpa, em Santos. Apenas o topo de alguns morros, como Xixová, na Praia Grande, Vo-toruá, em São Vicente, Nova Cintra e Monte Serrat em Santos estavam descobertos.

Nesse cenário viveram os caçadores-coleto-res, ou, pescadores-coletores, assim chamados também, pois os resquícios que deixaram mos-tram uma quantidade maior de ossos de peixes e de conchas, do que provenientes da caça. Esses achados mostram sua ligação com as águas. As evidências da presença desses povos seminô-mades está nos sambaquis, do tupi tamba'kï; ou seja, "monte de conchas". Esses sítios arqueo-lógicos, também conhecidos como concheiros ou casqueiros, encontrados em diversos lugares do mundo, eram locais cerimoniais de sepulta-mento dos pescadores-coletores. Muitos desses sítios são colinas que podem chegar à altura de 30 metros. Sua característica é a presença de sepultamentos, vestígios de fogueiras e restos de animais, como dentes, ossos, adornos e instrumentos como pontas de flechas, arpões e machados de pedra polida.

“Os pescadores-coletores respeitavam os mortos, que eram enterrados com acom-panhamentos funerários”, explica Gonzalez. Não conheciam a técnica de fabrico de cerâmica, da domesticação de animais e de agricultura, mas há indícios do uso de em-barcações para navegação costeira. Embora não tenham ficado evidências materiais da

existência de canoas, pois a madeira teria se desfeito em cinco mil anos, os esqueletos dos pescadores-coletores têm ombros desen-volvidos de remadores ou nadadores. “A probabilidade maior é de que eles ficassem grande parte do tempo na mata do continen-te, e se deslocassem em canoas pela região”, conclui Gonzalez. “Osso de peixes afiados e ferrões de raias evidenciam a atividade da pesca”, acrescenta o arqueólogo. “Há ossos e cartilagens (calcificadas) de mais de 40 espécies de peixes”, explica. Entre eles, 12 espécies de tubarões, incluindo o grande branco, que pode chegar a seis metros, e peixes comuns de estuário como a corvina e o bagre. Além de ferramentas primitivas, os ossos e cartilagens desses animais eram usados para confecção de adornos, encon-trados nos esqueletos. Dentes de tubarão em colares parecem simbolizar força para esqueletos de homem encontrados, na região pélvica das mulheres, fertilidade. Afinal, muitos desses peixes car-regam dezenas de filhotes no ventre, o que devia im-pressionar os pescadores-coletores ao capturar fêmeas grávidas. “Muitos grupos que utilizaram e ainda utili-zam os recursos do ambiente aquático consideravam os tubarões e raias como divin-dades”, esclarece Gonzalez. Os tubarões-brancos, por exemplo, provavelmente in-fluenciaram várias lendas de tradição havaiana, e os maias reverenciavam tubarões e raias como espíritos sagra-dos, embora malignos.

Descobrindo o passadoAs pesquisas de Gonzalez foram inicia-

das com estudos dos sambaquis da Baixada Santista e do litoral Norte. Parte do material estudado foi resgatado pela professora Dora-th Pinto Uchôa e sua equipe entre os anos 60 e 80, e está depositado no Museu de Arque-ologia e Etnologia da Universidade de São Paulo-USP. Os estudos culminaram na tese de doutorado, transformada no livro Rei dos Mares-deus na terra: cenários da pré-história brasileira (Editora Comunnicar, 2009).

Através da análise de isótopos estáveis feita por Gonzalez em seu pós-doutorado no Museu de História Natural de Paris, na Fran-ça, novas informações foram obtidas sobre as condições ambientais da pré-história na Baixada Santista. Os otólitos, ossos locali-zados no ouvidos de peixes ósseos, como a corvina, são uma espécie de cápsula do tempo capaz de reconstituir vários dados sobre o ambiente de cinco mil anos atrás.

Como as árvores, que pos-suem anéis de crescimento, os otólitos podem indicar, através da análise de isóto-pos, diferentes informações, como quando e quanto o peixe viveu, e a temperatu-ra e salinidade da água no local. Os otólitos de cor-vina estudados registraram temperatura na água entre 30 e 22 graus centígrados, indicando a passagem pelo verão, outono e primavera. Mostram também que a água era salobra, portanto a pesca era feita mais no estuário do que no mar. “Os

sambaquieiros estavam presentes em todas as estações do ano no sítio, não somente no verão, como se acreditava anteriormente”, explica Gonzalez. Há cinco mil anos o mundo atravessava o Ótimo Climático do Holoceno (8-3 mil anos atrás), com o der-retimento das calotas polares e a elevação no nivel do mar em todo o mundo, o clima se caracterizava por chuvas e umidade. Em épocas anteriores a oito mil anos, a carac-terística era o nível mais baixo que o atual. O mar da praia de Santos estaria recuado cerca de 30 km, e prova disso é a existência de sambaquis submersos no Guarujá, cons-truídos nessa época.

Em 2009, a descoberta do sambaqui Cotia-Pará 2, o segundo maior de São Paulo e o terceiro maior do Brasil, abriu perspectivas de novos estudos. Localizado na Ilha de Casqueirinha, na região dos mangues entre as rodovias Anchieta e padre Manoel da Nóbrega, fica próximo ao parque ecológico com o mesmo nome. Sua idade estimada é de mais de cinco mil anos e tem cerca de 20 metros de altura. Gonzalez em suas primeiras visitas ao sítio ali encontrou além de conchas de ostras, vértebras de tubarão e três instrumentos: um machado, um percurtor (objeto de pedra utilizado para a confecção de outros objetos) e uma pré-forma de machado. Os materiais foram coletados e enviados ao Cerpa para análises e catalogação, e mais tarde, avaliados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Essas relíquias são a prova da existência dos pescadores-coletores, que povoaram essa região na época da pré-história brasilei-ra, num cenário bem diverso do atual, e nos fazem exercitar a imaginação para recriar um mundo onde as cidades atuais estavam submersas.

Cidades submersasO arqueólogo Manoel Mateus Gonzalez fala da época em que áreas onde

hoje estão cidades como Santos e São Vicente estavam praticamente submersas

Imagem há 5 mil anos, vendo-se apenas as pontas dos morros

Imagem atual de Cubatão, Santos, São Vicente e Praia Grande

Esqueleto encontrado num sambaqui em Cubatão

O livro Rei dos Mares fala sobre a Pré-História brasileira