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Caríssimo leitor, você está diante da primeira edição do Lagartixa, que é, como se pode ver, um jornal cultural de parede. Toda a sua concepção, produção e finalização coube a estudantes entusiasmados pela comunicação e pelo jornalismo, dispostos a experimentar, aprender e melhorar permanentemente – e isso inclui aprender e melhorar o mundo! É fácil perceber que o Lagartixa tem ares de fanzine. Ele abre espaço para que cada colaborador escolha um tema e o desenvolva de maneira livre. Por outro lado, o pessoal estuda Jornalismo e está atento aos preceitos da profissão: são curiosos responsáveis. Também se pode ver, desde já, que os repórteres- Lagartixa se pautam por uma noção ampliada de cultura. Interessam-se por tudo aquilo em que haja produção e reestruturação de significados, na nossa relação com o mundo material. Daí termos, no cardápio, uma discussão sobre teatro, cinema e serviços de delivery ; anotações de uma viagem a Machu Picchu; um ping-pong saboroso com o escritor Rubem Alves. Nossa intenção é fazer uma nova edição a cada quinze dias, sempre neste local e em alguns outros. Procure! Daisi Vogel Número 1 Março de 2006

JORNAL MURAL LAGARTIXA

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Jornal mural cultural Lagartixa. Desenvolvido por alunos de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina entre 2006 e 2008.

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Page 1: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Caríssimo leitor,você está diante da

primeira edição doLagartixa, que é, como se

pode ver, um jornal cultural deparede. Toda a sua concepção,

produção e finalização coube aestudantes entusiasmados pela

comunicação e pelo jornalismo,dispostos a experimentar, aprender

e melhorar permanentemente – e issoinclui aprender e melhoraro mundo!É fácil perceber que oLagartixa tem ares defanzine. Ele abre espaçopara que cada colaboradorescolha um tema e odesenvolva de maneiralivre. Por outro lado, opessoal estuda Jornalismoe está atento aos preceitosda profissão: são curiososresponsáveis.Também se pode ver, desdejá, que os repórteres-Lagartixa se pautam por umanoção ampliada de cultura.Interessam-se por tudoaquilo em que hajaprodução e reestruturaçãode significados, na nossarelação com o mundomaterial. Daí termos, no

cardápio, uma discussão sobre teatro, cinema e serviçosde delivery; anotações de uma viagem a Machu Picchu;um ping-pong saboroso com o escritor Rubem Alves.Nossa intenção é fazer uma nova edição a cada quinzedias, sempre neste local e em alguns outros. Procure!

Daisi Vogel

Número 1 Março de 2006

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Machu Picchu

Longe dos PlanosConhecer Santa Cruz de la Si-

erra ao lado de um alemão de 60anos não estava no roteiro daestudante carioca Bárbara Adams.“O maluco estava viajando pelomundo para escrever um livrosobre a própria vida”, conta.

Bárbara, que foi a MachuPicchu em janeiro deste ano,ressalta justamente essasexperiências inusitadas como omais interessante da viagem. “Étudo muito incerto. Não se sabe oque esperar da viagem”, diz.

Guilherme Carrion

Além de

Um amigo de CheDepois de oito horas em um ônibus superlotado e repleto de

galinhas, o estudante mineiro André Felipe Ramos Machado chegouà região de Vallegrande para fazer a chamada Rota do Che. “Estavaem Santa Cruz e me convidaram para conhecer o museu do Che.Chegando lá, descobri que o homem que cuidava do lugar foi amigodele. O senhor era uma lenda viva. Foi preso três vezes por ajudar aesconder o Che”, conta André.

Nesta parte da Bolívia, Ernesto Che Guevara, ícone da revoluçãocubana, lutou por 11 meses ao lado de 38 combatentes até ser presoe assassinado pelo exército boliviano apoiado pela Agência Centralde Inteligência dos Estados Unidos (CIA).

Culto da cocaDesde os tempos pré-

colombianos, a coca é mascadapelos povos andinos para evitaros efeitos da altitude. Repleta derituais e dúvidas, a planta é dignado museu informativo eesclarecedor que recebe em LaPaz. Mas números oficiaismostram que desde 1988 foramerradicados mais de 90 por centodas plantações de coca da Bolívia.Com a vitória do presidente EvoMorales, de origem cocaleira,deve ser liberado o cultivo daplanta em algumas áreas antesproibidas, alegando razões desubsistência. É claro que issocolide de frente com a campanhanorte-americana de combate aonarcotráfico.

Os novos tempos prometidospor Morales comovem bolivianoscomo Farith, 20 anos, dono deuma lanchonete em Santa Cruz dela Sierra. Ele fala com lágrimasnos olhos sobre as promessas denacionalização dos recursosnaturais da Bolívia e da dispensade ajuda financeira e militar dosEstados Unidos. “É nossa terra, édo nosso povo e deve ficar com agente”, diz Farith.

Bagagem nas costas e pé na estrada. A caminho da cidade perdida dosincas, o roteiro de muitos mochileiros atravessa a Bolívia e invade o Peru,reservando aos viajantes muito mais que ruínas, cidades e monumentos

Caminhadas pelo Peru podem revelar relíquias deixadas pelos pré-colombianos

Lagartixa número 1

Povo originário dos Andes, os Quíchuas mantêm o idioma predominante dos incas

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Ruindo a históriaDurante a alta temporada,

nos meses de julho a setembro, avisitação diária do parque deMachu Picchu pode ultrapassar3 mil turistas. Um número seisvezes maior que as 500 pessoasque viviam na cidade pré-colombiana. E é a possívelintervenção dos turistas quepreocupa organizações locais einternacionais. A construção deum teleférico que sobrevoará ovale de Urubamba até chegar àsruínas gerou revolta emhistoriadores e em líderes locaise internacionais. A oposição àobra acusa fraudes na licitaçãoe diz que o teleférico põe emperigo a vegetação e os sítiosarqueológicos. A empresaresponsável pela obra se defendedizendo que o projeto é seguro esem irregularidades.

Mão inglesa invertidaNa ausência de indústrias

automobilísticas, todos oscarros bolivianos sãoimportados, a maior parte depaíses asiáticos. É comumencontrar nos postes anúnciosde empresas especializadas emvender automóveis usadosjaponeses. Como no Japão éutilizada a chamada “mãoinglesa”, na qual o volante ficaà direita, os bolivianos invertema direção, deixando um buracono lado direito do painel.

Nas asas do condorO Império Inca existiu no território que começava ao norte da

América do Sul, no Equador e sul da Colômbia, englobava todo Peru eBolívia e ia até o noroeste da Argentina e norte do Chile.

Machu Picchu foi o último reduto do império. Intactas à conquistaespanhola, as ruínas foram descobertas apenas em 1911, pelo norte-americano Hiram Bingham. No formato de um condor, a cidade possuimonumentos arquitetônicos e arqueológicos impressionantes, que alevaram à categoria de patrimônio mundial da Organização das NaçõesUnidas . Próxima a Machu Picchu estava localizada a capital inca, hoje acidade peruana de Cuzco, que se sustenta nos dólares dos turistas.

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Lagartixa - Como o senhor,que publica crônicas sema-nalmente na Folha de S.

Paulo, lida com os prazos pra en-tregar seus textos?

Rubem Alves – Eu sou mui-to grato a isso, porque só escre-vo graças aos deadlines. É assim:escrevo crônicas, e quinta-feiratenho que entregar uma delas,não tem conversa. Com ou seminspiração. Às vezes é um sufo-co, porque a inspiração não vemsempre. Quando ela vem, é umabeleza, tudo tão fácil, fica lin-do, mas quando não vem, é umparto, não aparece nada, é mui-to ruim. Mas se você esperar fi-car pronto pra escrever, vai mor-rer sem ter escrito uma linha.Eu nunca tenho aquela sensa-ção: “estou pronto pra escre-ver”, eu sento pra escrever e es-crevo.

Tem que ter uma idéia prainiciar, mas as idéias boas mes-mo surgem quando eu tô escre-vendo. As idéias vão encadean-do, parece que vão aparecendo.E esse negócio de criatividadetem muito a ver com saber vero mundo. Muitas pessoas pen-sam que pra escrever uma boacrônica tem que ver coisas mui-to extraordinárias, mas é com-pletamente o contrário, vocêtem que prestar atenção nascoisas mais banais. A crônicadas coisas grandes é muito cha-ta: é obituário, é crime, émensalão... Isso todo mundosabe. Mas quando se vai pra te-mas comuns, do dia-a-dia, é mui-to mais interessante. Olha só,tem uma crônica que eu escrevisobre a dentadura. Nunca pen-sei na minha vida que ia escre-ver sobre dentadura, mas acon-teceu uma coisa tão inusitada,que escrevi sobre a dentadura.

Um dia eu tava na rua e umcara botou a cabeça pra fora docarro e cuspiu. Saiu a crônica so-bre o cuspe. Aí você vai dizer:

“Isso é literatura? Mas isso nãotem importância!” Aconteceque literatura não é pra ter im-portância, literatura é vagabun-dagem.

Lagartixa – O que o senhornos indica de literatura boa noBrasil atualmente?

R.A. - Olha, no Brasil eu nãosei. Mas eu posso dar uma dicaboa pra vocês, o livro do GabrielGarcía Márquez, Memória de Mi-nhas Putas Tristes. É um poemade delicadeza.

Eu ando meio chateado comSaramago. É que, quando se es-creve um livro muito bom, a gen-te começa a comparar com osoutros. Ele escreveu um monu-mental, como chama mesmo?[bota a mão na cabeça e fechaos olhos pra ver se lembra onome do livro e uma lagartixalhe sugere um título] Memorialdo Convento! Esse mesmo! Mo-numental! Agora, o Ensaio Sobre

a Lucidez é um romance polici-al vagabundo. O Ensaio Sobre aCegueira é monumental, tô atépra escrever uma crônica sobreesse livro. Comecei a ler e fiqueitão deprimido que parei. Sócriei coragem pra terminar umano depois. É um livro filosófi-co, que diz que “nós só somosmorais por causa da visão”. Seninguém visse nada... Os cegossão morais porque sabem queestão sendo observados. Isso

vagabundagemO percurso entre o Aeroporto Hercílio Luz,

em Florianópolis, e um colégio no centro dacidade geralmente leva 15 minutos para serfeito. Naquele 4 de novembro, levou 40. Issoporque quem estava no carro era a equipedo Lagartixa e o escritor Rubem Alves.Como o tempo da entrevista seria o trajeto,nosso motorista tratou de escolher umcaminho muito mais longo.

tem aplicações na política tam-bém, né? Toda essa corja de va-gabundagem está se valendo deque eles não seriam vistos...

A diferença de Saramago eGarcía Márquez é que oSaramago é amargo, o Gabrielnão. Esse livro, Memórias de Mi-nhas Putas Tristes, fico imagi-nando qual foi o momento queprovocou no autor aquela idéia.Porque sempre tem alguma coi-sa que incomoda e faz nascer ahistória. Penso que assim: oGabriel García Márquez tá ve-lho, né? Deve ter uns 78 anos,tá pronto pra morrer, eu tam-bém tô pronto pra morrer. Acena que eu imaginei: ele indopela rua e de repente vem umamenina de 15 ou 16 anos sorrin-do para ele. E a partir daí eleescreve.

Lagartixa – Como saber quejá se está velho?

R.A. - Um dia eu tava nometrô lá em São Paulo e fiqueiolhando pra uma moça que tavasentada. E ela ficou olhando pramim. Houve uma troca de olha-res e houve um momento de sus-pensão romântica. Eu olhandopra ela e ela pra mim. Aí ela se

levantou e me deu o lugar [ri-sos]. As pessoas não sabem aofensa que tão fazendo ao seremeducadas [risos].

Lagartixa – O Woody Allenfalou que a velhice não traznada de bom, só atrapalha. Oque o senhor acha disso?

R.A. – Tem uma coisa muitoboba que é a idealização da ve-lhice, como a “melhor idade”,eu acho horrível aqueles bailesde velhinhos, acho besteira. Emalguns casos, com a idade a gen-te fica mais sábio, em outrosnão. Tem uns velhinhos que fi-cam rabugentos, muito chatos. OWoody Allen é um velhinho cha-to. Aliás, o humor do WoodyAllen vem todo da chatice dele.

Uma coisa que me impressi-ona no cinema de hoje é esse cul-to por ação, enquanto tem unsfilmes muito bons que são maistranqüilos. Vocês já viram Regrasda Vida? É muito bom. É um fil-me que faz a gente pensar.

Lagartixa – O senhor escre-ve textos e livros tanto para opúblico infantil quanto adulto,qual dos dois o senhor prefere?

R.A. - Bom, tudo dependedo demônio que baixa na gen-te na hora de escrever. Porexemplo, quando eu escrevisobre a dentadura eu ri tan-to... Eu ria, ria... Sobre a pi-poca também... E as criançastambém gostam dessas bestei-ras. Mas eu não sei explicarqual público eu gosto mais.Além disso, as histórias queeu escrevo pras crianças ser-vem pros adultos também.Tanto é que muitos lêem os li-vros que eu tinha pensado es-tar escrevendo somente prascrianças.

Felipe SantanaJonathas Mello

Literatura, velhice e

“Se você esperarficar pronto pra

escrever, vai morrersem ter escrito

uma linha.”

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Lagartixa número 1 Março de 2006

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Março de 2006Lagartixa número 1

Nem salas de cinema, nemlocadoras, nem títulos baixadosda internet – nos Estados Unidosinventaram um jeito ainda mais

cômodo dever filmes. ANetflix é umaempresa deLos Gatos,Califórnia,que entregaem casaq u a l q u e rfilme que umdos seus 4,2milhões dec l i e n t e sdeseje, nomesmo dia

em que o sujeito decide o quequer ver. São mais de 55 miltítulos no acervo, cada um comvárias cópias. O total de DVDs,segundo a assessoria de imprensada companhia, é de mais de 42milhões de exemplares.

O negócio é milionário,rendeu à empresa um lucro supe-rior a US$ 190 milhões nosúltimos três meses, e o esquemade funcionamento é meioinacreditável. O cliente secadastra num site e lista os filmes

O teatro, dizem os teóricos, é uma arteefêmera, por que cada exibição é única.Quem perdeu a hora do espetáculo hojevai ver amanhã um espetáculo diferente.E você há de concordar: não é igual a ver omesmo filme duas vezes.

As duas artes são ancoradas pelaatuação, pela performance cênica. Porém,diferentemente do cinema, umacaracterística marcante do teatro é apresença do ator e do espectador no mesmoespaço, no mesmo tempo. “Posso jogar umapedra em quem eu tô assistindo e é essaproximidade que caracteriza o teatro”, dizAndré Carreira, professor do curso de ArtesCênicas da Universidade do Estado de SantaCatarina (Udesc).

Existem também osrecortes possibilitados pelaedição. “Se você pega umacâmera e filma umaapresentação de teatro,automaticamente interferena obra de arte, seja noângulo que você escolhe, nalente que usa e no zoom quevocê dá pra destacar umdetalhe que achou legal. Vocêproduz uma outra obra dearte, feita numa linguagemdiferente da original”, explica o professor.

DOS SIGNOS E ÍCONESO sucesso da linguagem do cinema se deu

não só pela possibilidade de larga reprodução, mastambém pelas ferramentas utilizadas. O cinema, porexemplo, se fortaleceu não só porque é visto pormais gente, mas principalmente porque ele seaproxima mais das referências cotidianas daspessoas, com maior reforço daquelas impressões quenos são familiares, comuns.

O espectador vê no cinema um carro igual aoque ele vê nas ruas, enquanto que no teatro apresença desse carro é apenas sugerida de algumaforma. “Para ver teatro, é preciso exercitar umacompreensão de signos um pouco mais complicadaque no cinema, que procura retratar o real de formamais direta. O teatro demanda maior compreensão designo, enquanto o grosso do cinema trabalha num planomais iconográfico”, explica Carreira.

FIM DO TEATRO?Segundo o professor, o teatro ainda tem muita

história pela frente e as demais linguagens artísticasnão oferecem perigo a ele. “O teatro, o cinema e a músicanão competem pelo mesmo mercado. Se o teatro com-pete com alguma coisa, é com a lógica dacontemporaneidade. Cada vez mais estamoscondicionados a nos deslocar somente o necessário e oteatro demanda deslocamento físico”, explica. Ao invésde atravessar a cidade para assistir a uma peça de teatro,podemos optar por baixar um filme da internet e vê-lo alimesmo, em casa.

Aí a opção é de cada um, como já disse o teatrólogoAderbal Freire Filho: “já me disseram que não fariamteatro porque teatro não tem close. Eu disse que não fariacinema porque cinema não tem cheiro”. Nanni Rios

Lagartixa PROJETO DE EXTENSÃO DO CURSO DE JORNAL ISMO DA UNIVERS IDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACOORDENADOR DE EQUIPE: Heitor Cardoso REPORTAGEM: Andressa Taffarel, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, HeitorCardoso, Isadora Peron, Jonathas Mello, Lucas Neumann, Nancy Dutra, Taise Bertoldi DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion,Jonathas Mello SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

Foi-se um século e o cinema não abalou oteatro, como já se alardeou um dia. Mas alógica contemporânea, essa sim, pode ter osseus riscos

Teatro X Cinema

Escolha o filme, cliquee receba em sua casa

que quer assistir, numa certaseqüência. Pode escolher desdeo último blockbuster de Hollywoodaté os mais remotos títulos – oacervo é realmentesurpreendente. No dia seguinte,o primeiro filme da lista chega nacaixa de correio, e a pessoa ficacom ele o tempo que quiser.Cansou, bota de volta na caixa decorreio no mesmo envelope, queé pré-pago. Quando a empresarecebe, geralmente no mesmodia, envia imediatamente opróximo título da lista.

Há 37 filiais da super-locadora espalhadas pelo país,que mandam os filmes para aagência do correio mais próxima.Desse jeito, garantem a entregados filmes no mesmo dia para90% dos clientes, exceto nosfinais de semana, quando aempresa não abre. São váriosplanos de adesão, que variam deacordo com o número de DVDsque se quer manter em casa. Omais barato (um filme em casapor vez) custa U$10 por mês, algoem torno de R$ 24; o mais caro(oito filmes em casa ao mesmotempo), perto de U$ 50.

Felipe Santana

Duas empresas brasileiras, a Vídeo Flix e a FlexFilmes,oferecem um serviço de entrega doméstica de filmes parecido aoda NetFlix norte-americana. Ambas funcionam da mesma maneira,com algumas diferenças em relação a NetFlix: não atendem o paísinteiro, só a região da Grande São Paulo; os DVDs são entreguespor funcionários, não pelos correios; e o acervo é dez vezes menor(cerca de 5 mil títulos).

De resto, o processo é similar: você cria uma lista online com osDVDs que quer assistir e, então, alguém os entregará na sua casa noprazo aproximado de um dia útil (incluindo sábados) para 90% dassolicitações. Você pode ficar o tempo que quiser com o filme e, quandoenjoar, deve pedir a retirada pela internet.

No caso da FlexFilmes, o plano mínimo de um DVD em casa porvez custa R$ 24,00 mensais, mas você pode optar por ter até cincofilmes em casa ao mesmo tempo, a R$ 79,90. Na Vídeo Flix, o planomais barato sai por R$ 36,90, e você tem direito a dois DVDs por vez.

Isadora Peron

TEM VERSÃO TUPINIQUIM!

Duas gravuras de Andy Warhol , que manufaturouarte, ignorando a idéia de que ela deve ser única

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Até um órgão oficial como Unesco já tentou uma resposta. Reco-nheceu a arte poética como base de qualquer

ação artística ou literária e, em carta oficial de março de 2000, estabeleceu que o dia 21 deste mês seria dedicado à poesia. A carta faz alusões à importância e à universalidade do gênero, mas passa longe de uma resposta substancial, e a dificuldade de definir a poesia permanece. É provável, aliás, que só a própria poesia tenha a necessária precisão para definir a si mesma.

João Ferreira Duarte, professor da Universidade de Lisboa, afirma em seu livro Imagens de modernidade que “a poesia é pura e simplesmente um meio de expressão”, que preza um efeito visual além daqueles permitidos pela métrica. Luciano Maykot Mateus, poeta e professor da Oficina de Escrita de Poesia do CIC, vai além. Acredita que a poesia é uma expressão subjetiva do interior do poeta com o mundo exterior, “é mais livre”. Vago? Pois é. A definição segue aberta para que pensemos a respeito.

poesia para quem precisaOutra questão citada no documento é a

popularização do gênero. Segundo Maykot, que já desenvolveu trabalhos com crianças em escolas, a “educação para a poesia” é fundamental. O acesso ainda é tímido e se apresenta em ações pontuais. O varal literário, por exemplo, idealizado na década de 70 pelo poeta Alcides Buss, então Diretor de Cultura de Joinville, teve tamanho êxito que foi difundido em outras cidades e estados. Outra iniciativa importante foi a do Grupo de Poetas Livres, que divulga seus trabalhos nas janelas dos ônibus da capital. Não há quem nunca tenha parado para ler.

“O varal não está morto”

Tente re sponder, com síntese, mas sem pressa: o que é poesia?

Inicia assim o relato apaixonado de Alcides Buss, poeta e diretor executivo da Editora da UFSC, sobre o projeto varal literário – uma idéia que deu tão certo que permanece viva e se multiplica, a ponto de existirem varais similares até na Rússia.

A história do varal confunde-se com a da cultura em Joinville. Na década de 70, ele e alguns amigos, entre eles o radialista pernambucano Ildo Campello e o cronista Carlos Adalton Vieira, inconformados com as poucas opções culturais que a cidade oferecia, bancaram algumas cartolinas, escreveram suas poesias e estenderam-nas nos bancos da

praça. Ali, em frente à biblioteca, no meio da Feira de Arte e Artesanato da cidade.

Percebendo a falta de praticidade do método, começaram a estender fios entre as árvores da praça para pendurar seus trabalhos. Nasceu o varal literário. Daí para frente foi só escrever. O sucesso foi tão grande que a idéia foi levada para outras cidades, estados e países.

Uma antologia do projeto foi lançada em 1983, mostrando também o lado interativo do varal literário. Todos os poemas da coletânea foram escolhidos com a indicação dos leitores. (L.D.)

Uma data comemorativa, como ressalta Luciano Maykot, não só traz a consciência sobre as coisas, mas principalmente, nos propõe a procurar o que está por trás delas. O Dia Mundial da Poesia pode seguir o mesmo caminho.

Laura Dauden

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NA CAPITAL DE SANTA CATARINA HÁ MUITOS JOSÉS E JAVIERES. A cidade atrai muitos viajantes dos paises vizinhos, e também de outros estados do Brasil. Infelizmente, por causa de preconceitos, nem todos vêem essas pessoas com bons olhos. Sobre esse fato, o calado José quis comentar. “Essa vida é difícil, pois as pessoas têm medo do que consideram estranho. É claro que existem hippies ladrões, assim como existem políticos e jornalistas ladrões.”

No centrinho da Lagoa da Conceição, outros três viajantes “hippies” brasileiros se recusam a falar e não permitem tirar fotos. Apenas uma moça, 24 anos, loira de olhos azuis, fala rapidamente, porém sem parar de trabalhar durante um minuto sequer. Explica que há pouco tempo um jornal local entrevistou alguns “malucos” (termo que ela emprega), bateu fotos, e quando publicaram a matéria, taxaram os viajantes de vagabundos e deturparam suas palavras. Por isso o silêncio.

Diante da correria e crueza da vida contemporânea, ser hippie pode representar escolher viver de maneira humilde, em busca de tranqüilidade, solidariedade e paz interior. Mais do que isso: é notável que muitas dessas pessoas optem por esse estilo de vida para fugir da miséria. É uma escolha que desperta estranheza, curiosidade e, às vezes, preconceitos nas pessoas. Artesanato, andanças e viagens são, nesse caso, mais do que ideologia. São um caminho para driblar o desemprego e garantir sobrevivência.

Heitor Cardoso

Lagartixa número 2

Se você é do tipo que, quando vê alguém com jeito de maluco, roupas

velhas e rasgadas, vendendo colares e pulseiras na praia, logo conclui que se trata de um “preguiçoso, indolente e ocioso”, preste atenção. Num zás você pode ampliar seu preconceito e enquadrar esse alguém, negativamente, num vago conceito de hippie.

O ideal hippie tem suas origens nos movimentos de contracultura norte-americanos, que começaram a surgir após a Segunda Guerra Mundial para contestar o que havia (e ainda há) de pior no sistema capitalista, como o consumismo e o individualismo exacerbados.

Mas hoje o termo “hippie” é usado de forma muito mais ampla e não se restringe aos jovens americanos de classe média clamando por paz e amor. A palavra agora tende a denominar desde um estilo de vestimenta, até uma forma radicalmente alternativa de vida.

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Os uruguaios Javier Centuríon (29) e José (31) se dizem hippies com muito orgulho. Ambos moram na periferia Montevidéu, segundo eles próprios , em condições miseráveis. Ambos já viajaram para vários lugares da América Latina, e no domingo, 12 de fevereiro, trabalhavam calmamente sob a sombra de uma árvore na beira da rodovia Jornalista Manoel de Menezes, perto da entrada para a Fortaleza da Barra.

Apesar de parecerem amigos de longa data, se conheceram a menos de um mês, na cidade Barra do Chuí, fronteira do Brasil com o Uruguai. Tornaram-se compa-nheiros durante o encontro do Acampamento Binacional Brasil-Uruguai, evento paralelo ao Fórum Social Mundial que ocorreu entre 24 e 29 de janeiro. Desde lá rumam para o norte, sempre pegando carona na estrada.

Javier: “Faz uma semana que estamos em Florianópolis. Logo que chegamos fomos expulsos pela polícia de um albergue no centro. Tínhamos dinheiro pra pagar, mas nos expulsaram porque somos uruguaios. Por isso viemos para Barra da Lagoa. Este bairro aqui parece Santa Fé, no sul da Argentina, pela água, pelos morros e pelos nativos que são muito solidários”.

Os dois homens se sustentam com artesanato. Javier diz que prefere trocar seus trabalhos por comida e não por dinheiro. “Assim faz mais sentido pra mim, pois se eu quisesse fazer artesanato pra vender não sairia do Uruguai. Às vezes troco um colar que fiz com

uma pedra ou uma semente que eu trouxe lá de Córdoba. Pra mim vale muito, pois é parte da minha história. Tudo que eu faço tem valor sentimental.”

Enquanto Javier fala, José, que não disse o sobrenome, trabalha calado. Faz um, dois, três, quatro colares. Depois, tira da mochila o livro Tener o ser(Ter ou Ser, 1976), do sociólogo e psicanalista alemão Erich Fromm. Lê por um tempo, guarda de volta e não diz nada.

Javier troca artesanato por comida e viajou por boa parte da América Latina

Cuidado com as generalizações. Uma simples piadinha entre amigos ou um comentário aparentemente inofensivo podem promover preconceitos. E isso é muito sério.

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“Ninguém deveria ser obrigado a ler o que não tem vontade”, escreve Ana Maria Machado,

imortal da Academia Brasileira de Letras, no prefácio de Comédias Para Se Ler Na Es-cola, coletânea de crônicas de Luiz Fernando Verissimo. Na hora do ves ti bu lar, porém, todo mundo sabe: a linguagem, o tema e o tamanho dos livros geralmente espantam os estudantes. Muitos chegam a recorrer aos famigerados resumos.

Mas não é que as coisas mudam? A própria coletânea de Verissimo foi incluí-da nas leituras obrigatórias do Ves ti bu lar 2007 da UFSC. Sua leitura leve servirá de contrapeso para os demais livros selecio-nados – en tre eles, títulos consagrados de Machado de Assis e Clarice Lispector.

No conjunto, os livros contemporâ-neos e de fácil assimilação ainda são minoria nos vestibulares (veja a tabela 2). Por isso, a escolha de Comédias para se Ler na Escola, atualmente o 26º na lista dos mais vendidos da revista Época, pode ser considerada uma inovação. “Não quer dizer que escolhemos os livros por causa da vendagem”, diz a coordenadora pedagógica da Comissão Permanente do Ves ti bu lar da UFSC (Coperve), Maria Luiza Ferraro. “Que-remos é incentivar a leitura. Se colocarmos somente livros pesados, como Os Sertões, os alunos não se motivam.”

O hábito e o tipo de leitura dos vestibulandos foi objeto de estudo de uma pesquisa, feita pelo Núcleo de Literatura e Memória da UFSC, com es-tudantes do 3º ano, em cinco escolas públicas e particulares da capital. A conclusão foi que os estudantes se interessam muito mais pela leitura dos autores contemporâneos. Luis Fernando Verissimo era um dos autores mais citados, junto com J. K Rowling, Jô Soares e J. R. R. Tolkien.

“Constatamos que é preciso abrir mais espaço para textos contemporâneos, mas o pessoal

também não pode deixar de ler os clás-sicos”, re lata Tânia Regina de Oliveira Ramos, coordena-dora da pesquisa. “Toda forma de liter-atura é importante, porém o aluno não pode ler apenas o que gosta”, confirma Maria Luiza Ferraro,

coordenadora pedagógica da Coperve. “É importante cobrar leituras que talvez o aluno nunca faça se não for no ves ti bu lar.” Diogo Honorato

Comédias para se Ler na Es-cola foi eleito a partir de um longo processo de seleção. Em 1998, fez-se uma pesquisa em cerca de 300 escolas de todo o Estado, que serviu de base para a escolha dos livros dos últimos oito anos. A lista completa de livros sugeridos foi avaliada por uma comissão de quatro professores da UFSC, dois do Departamento de

Língua e Literatura e dois do Colégio de Aplicação.

Sugestões das escolas

Comédias... não constava na indicação das escolas. Mas o significativo número de sugestões de obras do autor foi levado em conta. Assim, a comissão da UFSC resolveu incluir Verissimo na lista, e escolheu o título que melhor se adequava à proposta do ves ti bu lar.

A análise da mesma pesquisa mostra que, se o ves ti bu lar ainda privilegia os textos clás-sicos, isso acontece com o aval e incentivo dos professores de Ensino Médio. Os livros mais sugeridos por eles são justamente os de grande renome (confira na tabela 1).

“Os alunos preferem literatura contem-porânea, mas os professores, com exceções, indicam os cânones, porque eles já os leram na graduação e encontram toda a crítica pronta”, diz Tânia Regina de Oliveira Ramos, professora de Literatura e integrante da comissão que escolheu os livros do ves ti bu lar 2007.

Uma nova pesquisa nas escolas, a ser feita neste semestre, servirá de base para escolha dos livros nos próximos anos.

Professores preferem cânones

Para ler dentro e fora da escola

Gosto dos estudantes ganha peso e livro de Luiz Fernando Verissimo entra na lista do ves ti-bu lar 2007 da UFSC. Mas autores “clássicos” ainda dominam indicações

Lagartixa número 2 Março de 2006

Lagartixa PROJETO DE EXTENSÃO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACOORDENADOR DE EQUIPE: Heitor Cardoso EQUIPE: Andressa Taffarel, Dalmo Borba, Diogo Honorato, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guil-herme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Jonathas Mello, Laura Dauden, Lucas Neumann, Nancy Dutra, Taise Bertoldi COLABORAÇÃO: Francis França COORDENADOR DE EQUIPE: Heitor Cardoso EQUIPE: Andressa Taffarel, Dalmo Borba, Diogo Honorato, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guil-herme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Jonathas Mello, Laura Dauden, Lucas Neumann, Nancy Dutra, Taise Bertoldi COLABORAÇÃO: Francis França COORDENADOR DE EQUIPE: Heitor Cardoso EQUIPE: Andressa Taffarel, Dalmo Borba, Diogo Honorato, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guil-

DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion, Jonathas Mello SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected] Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Jonathas Mello, Laura Dauden, Lucas Neumann, Nancy Dutra, Taise Bertoldi COLABORAÇÃO: Francis França DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion, Jonathas Mello SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected] Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Jonathas Mello, Laura Dauden, Lucas Neumann, Nancy Dutra, Taise Bertoldi COLABORAÇÃO: Francis França

Maria Luiza Ferraro

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A imagem vista no espelho é invertida imagem vista no espelho é invertida imagem vista no espelho é invertida

Lagartixa número 3

Heitor Cardoso

Maio de 2006

Na Grécia arcaica, fatigado numa tarde de caça, um belo jovem cha-mado Narciso parou junto a uma fonte para descansar. Ao olhar o reflexo do seu rosto nas águas, ficou apaixonado, e a paixão fez com que não pensasse em mais nada a não ser nele próprio. Nar-ciso foi definhando, morrendo, e assim também sua imagem, até desaparecer nas águas da fonte e dar lugar a uma flor.

tarde de caça, um belo jovem cha-mado Narciso parou junto a uma fonte para descansar. Ao olhar o reflexo do seu rosto nas águas, ficou apaixonado, e a paixão fez com que não pensasse em mais nada a não ser nele próprio. Nar-ciso foi definhando, morrendo, e assim também sua imagem, até desaparecer nas águas da fonte e dar lugar a uma flor.xxtarde de caça, um belo jovem cha-xtarde de caça, um belo jovem cha-xxxtarde de caça, um belo jovem cha-xtarde de caça, um belo jovem cha-

mado Narciso parou junto a uma xmado Narciso parou junto a uma fonte para descansar. Ao olhar o xfonte para descansar. Ao olhar o reflexo do seu rosto nas águas, xreflexo do seu rosto nas águas, ficou apaixonado, e a paixão fez xficou apaixonado, e a paixão fez com que não pensasse em mais xcom que não pensasse em mais nada a não ser nele próprio. Nar-xnada a não ser nele próprio. Nar-ciso foi definhando, morrendo, e xciso foi definhando, morrendo, e assim também sua imagem, até xassim também sua imagem, até desaparecer nas águas da fonte e xdesaparecer nas águas da fonte e xx

Espelho não é apenas um objeto Espelho não é apenas um objeto emoldurado, uma peça decorativa, emoldurado, uma peça decorativa, nitrato de prata, cobre galvânico nitrato de prata, cobre galvânico e tinta no vidro. Espelho é toda e tinta no vidro. Espelho é toda e qualquer superfície polida ou e qualquer superfície polida ou muito lisa que reflete os raios lu-minosos e a imagem dos objetos. minosos e a imagem dos objetos. A definição está na Grande Enci-Grande Enci-clopédia Portuguesa e Brasileira.E a imagem vista no espelho é in-E a imagem vista no espelho é in-vertida. O virtual é o inverso do vertida. O virtual é o inverso do vertida. O virtual é o inverso do vertida. O virtual é o inverso do real.real.

Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, conto Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, conto reunido em reunido em Ficções, Jorge Luis Borges es-creve: creve: Devo à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta de Uqbar. O espelho inquietava o fundo de um corredor numa chácara da rua Gaona, em Ramos Mejía; a enciclopédia falaz-mente se chama-se The Anglo-American Cyclopaedia (Nova Iorque, 1917) e é uma reimpressão literal, mas também tardia, da Encyclopaedia Britannica de 1902. O fato ocorreu faz uns cinco anos.

Espelho não é apenas um objeto emoldurado, uma peça decorativa,

Mais Ficções... No dia seguinte, Bioy me telefonou de Buenos Aires. Disse-me que tinha à vista o artigo sobre Uqbar, no volume XXVI da enci-clopédia. Não constava o nome do heresiarca, mas sim a informação de sua doutrina, formulada em pa-lavras quase idênticas às repetidas por ele, ainda que – talvez – literar-iamente inferiores. Ele tinha recor-dado: “Copulation and mirrors are abominable”. O texto da enciclopé-dia dizia: Para um desses gnósticos, o visível universo era uma ilusão ou (mais precisamente) um sofisma. Os espelhos e a paternidade são abomináveis (mirrors and fatherhood are hateful) porque o mul-tiplicam e o divulgam.

imagem vista no espelho é invertida imagem vista no espelho é invertidaA imagem vista no espelho é invertida imagem vista no espelho é invertida

jantar na TurquiaU m f í s i c o d i r á q u e

responder essa pergunta não é simples, não antes de uma série de aulas sobre imagem real, imagem virtual, objetos e raios luminosos. Mas aqui, como no conto O “Espelho” de Guimarães Rosa, as questões dos livros de física não importam tanto. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções da física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente.

O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho?

familiarizou, as leis da óptica.

luminosos. Mas aqui, como no de Guimarães

Rosa, as questões dos livros de O

senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções da física, com que se

nem tenha idéia do que seja na verdade – um nem tenha idéia do que seja na verdade – um

Estudos da Antropologia confirmam que Estudos da Antropologia confirmam que o espelho inspirava receio supersticioso a povos primitivos, que acreditavam que o reflexo de uma pessoa fosse a sua alma. Os índios Xokleng do Vale do Itajaí, por ex-Os índios Xokleng do Vale do Itajaí, por ex-emplo, quando fizeram os primeiros contatos com os emplo, quando fizeram os primeiros contatos com os colonos europeus, não conheciam o espelho de vidro, nem os objetos de metal. Conta-se histórias de que os índios quebravam os espelhos dos europeus em pedac-inhos, e cada vez que quebravam, ficavam mais furio-sos e quebravam mais, até reduzi-los quase ao pó. Eles viam monstros desfigurados dentro dos espelhos.

Na Bíblia, na Epístola de Tiago, es-Bíblia, na Epístola de Tiago, es-Bíbliacrita em meados do século I, o au-tor, dito irmão de Jesus (Tiago, “o irmão do Senhor”, Gl 1:19) enaltece xirmão do Senhor”, Gl 1:19) enaltece xxirmão do Senhor”, Gl 1:19) enaltece xa importância dos deveres práticos xa importância dos deveres práticos xxa importância dos deveres práticos xdo cristão. Tiago usa o espelho como xdo cristão. Tiago usa o espelho como xxdo cristão. Tiago usa o espelho como xmetáfora (Ti 1:22-24). (22) E sede xE sede xxE sede xcumpridores da palavra e não somentcumpridores da palavra e não somentcumpridores da palavra e não somentxcumpridores da palavra e não somentxxcumpridores da palavra e não somentxxcumpridores da palavra e não somentxxcumpridores da palavra e não somentxxe xouvintes, enganando-vos a vós mes-xouvintes, enganando-vos a vós mes-xxouvintes, enganando-vos a vós mes-xmos. (23) Pois se alguém é ouvinte da xmos. (23) Pois se alguém é ouvinte da xxmos. (23) Pois se alguém é ouvinte da xpalavra e não cumpridor, é semelhante xpalavra e não cumpridor, é semelhante xxpalavra e não cumpridor, é semelhante xa um homem que contempla no espe-xa um homem que contempla no espe-xxa um homem que contempla no espe-xlho o seu rosto natural; (24) porque lho o seu rosto natural; (24) porque x

lho o seu rosto natural; (24) porque xx

lho o seu rosto natural; (24) porque x

se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. (25) En-tretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela per-severa, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será bem-mas executor da obra, este será bem-mas executor da obra, este será bem-aventurado no que fizer.

Do fundo remoto do corredor, o espe-lho nos espreitava. Descobrimos (na alta noite essa descoberta é inevitáv-el) que os espelhos têm algo de mon-struoso. Então Bioy Casares lembrou que um dos heresiarcas de Uqbar declarara que os espelhos e a cópula são abomináveis, porque multiplicam o número dos homens.

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As irmãs Nur e Sevgi, esta com uma mecha indiscreta de cabelo escapando do lenço

Na porta, a habitual aglo-meração: seis pessoas ten-tando se equilibrar, uma

das mãos apoiada na parede e a outra tirando os sapatos. Desamarra, puxa, ajuda com o outro pé, confere se a meia está apresentável. Não só para adentrar o apartamento da família de Nur, como em todas as residências na Turquia, é obrigatório tirar os sapatos. Assim como é dever dos donos da casa oferecer pantufas e chinelinhas às visitas.

“Entrem, garotas, e sintam-se à vontade, que já termino de preparar o jantar”, diz Nur, enquanto retira o lenço preto que lhe cobre os cabelos e, num gesto rápido, o substitui por outro, branco com flores coloridas. Tempo suficiente para perceber que, por baixo do véu, a jovem turca usa uma touca branca, que envolve a cabeça. “Só vou mostrar meus cabelos ao meu marido, depois do casamento. Guardo tudo para esse dia, o pacote completo!”

O aroma de curry, cebola, alho e pimenta cebola, alho e pimenta se mistura, no ar, com o perfume da colônia de limão que os turcos costumam oferecer aos seus convidados. Após pingar algumas gotas da colônia nas mãos das visitas, Enram, o pai de Nur, aperta o frasco de plástico, despejando o equivalente a meia xícara de colônia em suas mãos, para, em seguida, esfregar um pouco na nuca e espalhar o restante no rosto, com batidinhas suaves nas bochechas.

O corredor encarpetado conduz à sala de jantar/estar/televisão. Ali, mais tapetes com desenhos geométricos em tons de verde e vermelho. No canto esquerdo, um armário de madeira antigo com porta de vidro guarda, em meio a pratos e outras louças de porcelana, uma fotografia da formatura da jovem turca. No retrato, o sorriso tímido emoldurado pelos longos cabelos negros, jogados cuidadosamente por cima do ombro direito, revela o desconforto com a exposição das

A reunião descontraída e cordial, numa casa da cidade turca de Izmir, revela os sonhos e costumes de Nur, uma jovem muçulmana que esconde os próprios cabelos para a visão exclusiva de um marido futuro

madeixas. Regra da universidade, que proíbe o uso do véu em suas dependências.

Mesa posta. Seis lugares, oito pessoas. Nur e Sevgi, sua irmã, não sentam para jantar com os outros. Apenas o farão quando todos estiverem bem servidos, o primeiro botão da calça aberto, em busca de uma posição confortável para distribuir melhor na cadeira o peso excedente deglutido naquela noite. Terminado o jantar, é hora do chá preto com amendoim, semente de chá preto com amendoim, semente de girassol e de abóbora, pistache, avelã. girassol e de abóbora, pistache, avelã. Ainda falta a sobremesa: folhados de

nozes com calda de açúcar.

Agora ela e a irmã podem sentar-se à mesa, enquanto os convidados, bem alimentados, descansam nos dois sofás da sala. A televisão está ligada na CNN, que noticia mais uma morte decorrente da gripe aviária. Nur espia a TV por cima do ombro, mas não se interessa pela notícia. “Levamos uma semana na preparação da sopa. Os ingredientes têm que ser deixados no sol até que se tornem secos e possam ser moídos, transformando-se num pó, que é misturado à água quente. Receita de família.” Estufa o peito, sentindo orgulho de si mesma, e deseja apenas que a mãe já tivesse

retornado da peregrinação a Meca.Então, Nur empilha os pratos e

junta os talheres dentro de um copo. Levanta-se da mesa e percebe que ainda não tirara o avental. Mas o não tira agora, tampouco. Gosta de se ver no papel da mãe e sente uma enorme e sente uma enorme vontade de casar, formar uma família. Fecha os olhos e imagina como gostaria que fosse seu futuro marido: fala no mínimo três línguas, gosta de viajar, apóia a esposa no seu crescimento profissional. Ser muçulmano não faz parte de suas exigências, mas seria bom se fosse, para compreender seus costumes e tradições.

Retorna do sonho para a pia, que transborda de louça suja.

Débora Corrêa

jantar na Turquia

As irmãs Nur e Sevgi só sentam para jantar depois que todos estiverem bem

servidos – o primeiro botão da calça aberto, em busca

de uma posição confortável para distribuir melhor, na cadeira, o peso excedente

deglutido naquela noite

Jantar servido às amigas de Nur. Costumes locais não permitem receber amigos

Maio de 2006LagartixaLagartixa número 3

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Lagartixa - Atualmente é difícil ser uma artista de qualidade no Brasil?

FeFeF rnanda Porto - Eu acho que é difícil. Existem tantos talentos no Brasil, tanta gente boa de quem eu recebo material. O problema é que as gravadoras ainda pensam em números muito grandes. Por isso, às vezes, você não consegue nem começar, porque tem um projeto que precisa de um número “x” para poder existir. Por exemplo, na Europa você pode vender dez mil cópias e es-tar existindo. Aqui, se você vender só isso, acham que você é pequeno.

Lagartixa - E onde os artistas peque-nos podem ter vez?F.P. - A salvação são as várias gra-vadoras menores que estão abrindo espaço para gente nova e com preço menor para compositores indepen-dentes. Acho que estamos em um momento muito saudável.

Lagartixa - Depois de fazer piano clássico e de ser cantora lírica, como você começou a compor músicas com batida eletrônica?F.P. - Na faculdade, estudei música contemporânea com o professor ale-mão Hans-Joachim Koellreuter,Hans-Joachim Koellreuter,Hans-Joachim Koellreuter o maestro que trouxe esse estilo para o Brasil. Ainda na faculdade, a primei-ra banda que tive foi de música popu-

lar, e já usava seqüenciador de palco.Em 97, conheci o DJ Xerxes, que me apresentou o drum´n bass, que é esse ritmo específico que eu uso hoje.

Lagartixa - Você costuma fazer mui-tos trabalhos sob encomenda?F.P. - Eu sobrevivi da música fazendo trilha para vários projetos, inclusive para o cinema. Um dos filmes que fiz foi aqui em Florianópolis, chamado Desterro, do Eduardo Paredes, sobre a Revolução Federalista. Um filme, aliás, muito bonito e premiado. Out-ro filme que fiz a trilha foi o Cabra Cega, do Toni Venturi, que acabou saindo até em CD, que teve a partici-pação do Toni Garrido e da Na Ozetti.

Lagartixa - Como é compor para o cinema?F.P. - É fácil para mim, porque me in-spira muito. Eu também tive a sorte de fazer filmes brasileiros reveladores, tanto em termos históricos quanto políticos. Fiz O Velho que é a história de Prestes; o Cabra Cega, se passa na época da ditadura. Tem ainda o Víti-mas da Vitória que também trata da Revolução Federalista. E, por fim, o Ruído de Passos, que é em cima de um conto da Clarice Lispector.

Bruna Wagner

Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o drum’n’bass de Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o de Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

Fernanda PortoSem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

Fernanda PortoSem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim” Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim” Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

Fernanda Porto sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim” Fernanda PortoSem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

Fernanda PortoSem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim” Sem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

Fernanda PortoSem pandeiro ou tamborim, como quem não sabe nada de samba, o

feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim”

feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos sacudiu pistas do mundo inteiro graças ao remix “Sambassim”

conversou com a equipe do feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos conversou com a equipe do feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos

Lagartixa em sua passagem por Florianópolis em abril. feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos

em sua passagem por Florianópolis em abril. feito por Dj Patife. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a paulista de 38 anos

Fernanda falou sobre a sua formação musical e sua identificação com a música eletrônicaconversou com a equipe do Fernanda falou sobre a sua formação musical e sua identificação com a música eletrônicaconversou com a equipe do LagartixaFernanda falou sobre a sua formação musical e sua identificação com a música eletrônica

Lagartixa em sua passagem por Florianópolis em abril. Fernanda falou sobre a sua formação musical e sua identificação com a música eletrônica

em sua passagem por Florianópolis em abril.

fernanda porto samba assim

Lagartixanº4www.lagartixa.ufsc.br Junho de 2006

ENTREVISTA

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Porto: “Sobrevivi da música fazendo vários projetos, inclusive cinema”

Lagartixa PROJETO DE EXTENSÃO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAEQUIPE: André Faust, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron COLABORAÇÃO: Bruna Wagner, Cauê Azevedo, Dalmo Borba, Francis França, Renan Fagundes DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion, Jonathas Mello SUPERVISÃO EQUIPE: André Faust, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron COLABORAÇÃO: Bruna Wagner, Cauê Azevedo, Dalmo Borba, Francis França, Renan Fagundes DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion, Jonathas Mello SUPERVISÃO EQUIPE: André Faust, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron COLABORAÇÃO: Bruna Wagner,

DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

Page 16: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Há uma semana tento marcar uma entrevista com o procurador do Estado. É uma pessoa ocupadíssima.

“Está sempre correndo”, diz o assessor de imprensa. Finalmente, consigo uma brecha no horário do Dr. Sérgio. “Tem que ser pontual”, previne o assessor.

“Quer dizer que você trabalha para uma agência de notícias de meio ambiente? Então sou seu inimigo?”, me recebe o Dr. Sérgio. Acende um Chanceler e põe o celular na mesa. Em cinco segundos o aparelho começa a tocar “E vai rolar a festa”, de Ivete Sangalo. “Alô? Ô, rapaz!”, diz, massageando o topo da cabeça. “Vou ter que acordar às quatro pra pegar esse vôo? Ah, então nem dormimos, vamos virar.” Desliga e começamos a entrevista.

“Olha, “Olha, o governador não é contra o meio ambiente, só que as unidades de conservação criadas ano passado pelo Governo Federal ferem explicitamente o direito à propriedade de centenas de pequenos agricultores.” Na realidade são dez proprietários, que têm no mínimo mil hectares de terra cada um. Para garantir o direito dessas pessoas, o governo catarinense entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade para derrubar a lei que criou o Sistema Nacional de Unidades

Procurador articula empreitada do governo para extinguir unidades de conservação criadas nos últimos seis anos

de Conservação.

“O interesse coletivo não é prioritário em relação ao individual?”, pergunto. “Depende do coletivo, do ponto de vista dos moradores locais, o interesse coletivo é prejudicado pelas reservas”, rebate. “Mas, tratando-se de espécies ameaçadas de extinção, o coletivo não é nacional?”, insisto. “O interesse nacional é muito difuso, os maiores interessados são os moradores locais”, responde.

Resolvo entrar no jogo. “Certo, e se daqui a 20 anos a região estiver totalmente degradada, com enchentes, secas, pragas, e os filhos desses proprietários tiverem um prejuízo astronômico, não se trata de interesse particular dos próprios donos das terras?” Dr. Sérgio abaixa a cabeça e ri. “O Governo Estadual não é contra proteger as

ignorante

Junho de 2006

ambiental

araucárias, mas a lei é inconstitucional porque porque o Governo Federal sai criando reservas com meros decretos, numa atitude totalmente autoritária.”

O procurador não sabe que todas as unidades de conservação criadas pelo próprio governo estadual em Santa Catarina foram instituídas por decreto. Na realidade, não existe uma palavra sequer na Constituição Federal que proíba os governos de criar unidades de conservação por decreto. Dr. Sérgio reconhece. “É, questionar esse artigo pode não dar resultado, mas tem este outro, que talvez passe. Vai depender do Supremo.”

Então revela-se a estratégia do governo catarinense: “jogar um verde” – para valorizar o trocadilho. “Eu entendo é de lei, sou sou totalmente ignorante em meio ambiente”, deixa escapar, esquecendo de que é o responsável pela empreitada do governador em extinguir a lei que regula todas as unidades de conservação do País criadas nos últimos seis anos.

O nome, Sérgio, é fictício.

Francis França

isto aí não é uma lagartixaÉ um jacaré, um Caiman latirostris, o Jacaré-de-Papo-Amarelo. Normalmente ele habita lagoas marginais e várzeas de rios de parte da região Nordeste e Sudeste do Brasil, e também do Sul. Este ao lado foi fotografado próximo à ciclovia da Avenida Beira-mar, no cruzamento com a Madre Benvenuta. Alí perto está a construção do shopping Iguatemi, no aterro do mangue. O que o réptil fazia ali? Será que veio ver o shopping de perto?

Heitor Cardoso

OLHO DE RÉPTILLagartixaLagartixaLagartixa número 4

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Page 19: JORNAL MURAL LAGARTIXA

é pentaNo futebol não é diferente. Na Copa

do Mundo, milhões de torcedores largam seus afazeres, seja no estudo ou trabalho, e esquecem temporari-

amente dos problemas, na ânsia de ver sua seleção no primeiro lugar.

No Brasil, somos diariamente açoitados por frustrações como falta de emprego, violência urbana e políticos corruptos. Talvez por isso buscamos no futebol um momento de fanta-sia, uma forma de enfrentar a realidade.

É nesse tom, após a ressaca da eliminação do Brasil na Copa da Alemanha, que o Lagartixa conversa com Roberto DaMatta, brasileiro, antropólogo, professor da PUC do Rio e autor do recente A bola corre mais que os meninos (Editora Rocco), livro com ensaios e crônicas sobre o esporte.

Lagartixa - O que significa, para o brasileiro, perder a Copa do Mundo?

Roberto DaMatta - Significa mais uma enorme frustração. O rumo ao “hexa”, como o caminho da ética na política, prometido pelo presidente Lula e pelo PT, perdeu-se no

desempenho dos jogadores. A esperança de superar pelo futebol a vida real e o jogo que todo o povo joga do lado de fora dos estádios, foi-se por água abaixo. Mas como tudo tem dois lados, resta o recomeço. E recomeçar aqui, fala de definir as nossas relações com esses eventos que prometem muito e que exigem muita concentração e luta e como a eleição.

Lagartixa - Até que ponto a mídia e as cam-panhas publicitárias podem ter atrapalhado o desempenho da seleção?

DaMatta - Tudo atrapalha na derrota, como tudo ajuda na vitória. Acho que o clima foi de que o Brasil era campeão. A copa não seria feita de uma escalada de dis-putas difíceis, pois todos jogam muito contra o pentacampeão do mundo, mas seria uma via-gem, um “rumo ao hexa”. E foi aí que nos fudemos, porque no futebol, como na vida, existem adversários e adversidades.

Lagartixa - O que mais, além

do futebol, forma a identidade cultural do brasileiro?

DaMatta - A língua que falamos, a casa onde moramos, o amor que temos pelos nossos pais, irmãos e filhos, a comida que comemos, o time para o qual torcemos, os valores que adotamos, a música que cantamos, a mulher que amamos. Tudo, enfim, que por oposição e em relação com os outros, permite que tenhamos consciência de quem somos e de onde viemos. Condições básicas para saber para onde queremos ir.

Lagartixa - Como torcedor, o que mais irritou você nessa competição? E o que mais chamou atenção?

DaMatta - O que mais me ir-ritou foi o ingênuo carnaval montado em torno do time do Brasil, com dezenas de cronistas solicitando tempo, fazendo piadas e descon-centrando os jogadores. O que mais despertou minha atenção foi a semelhança no modo de jogar dos times e a falta de imaginação dos finalistas.

Filipe Speck Guilherme Carrion

ENTREVISTA: Roberto DaMatta

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“Porque no futebol, como na vida, existem adversários e adversidades”

A CULTURA GRUDADA NA PAREDE

Julho de 2006 número

Lagartixa PROJETO DE EXTENSÃO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAEQUIPE: André Faust, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron COLABORAÇÃO: Cauê Azevedo, Dalmo Borba, Gustavo Bonfiglioli, Henrique Kabritu, Rafaela Biff Cêra; DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion;SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: lagartixaDalmo Borba, Gustavo Bonfiglioli, Henrique Kabritu, Rafaela Biff Cêra; DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion;SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: lagartixaDalmo Borba, Gustavo Bonfiglioli, Henrique Kabritu, Rafaela Biff Cêra; DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion;

@cce.ufsc.br

LagartixaLagartixaLagartixaLagartixaJulho de 2006Lagartixa

Julho de 2006 Lagartixa

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númeroLagartixaLagartixaLagartixa

5

www.lagartixa.ufsc.brLagartixawww.lagartixa.ufsc.brLagartixaFrustrações deixam cicatrizes. Essa máxima, na maioria das vezes verdadeira, é válida para o esporte, onde sempre há um derrotado - um frustrado.

Page 20: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Tinha tudo para ser diferente, aquele 7 de julho de 1976. Era para ser lembrado na

cidade pelo show dos Doces Bár-baros – banda com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. Mas ficou marcado como o dia em que Gilberto Gil foi preso, por ter em seu quarto de hotel cerca de 750 mg de maconha – mais ou menos três baseados. Junto com Gil, foi preso o bateri-sta Chiquinho Azevedo.

Os Doces Bárbaros haviam se reunido para fazer uma turnê pelo Brasil e gravar um disco ao vivo, além do registro em vídeo de cenas de toda a viagem. Depois da estréia em junho, no Anhembi São Paulo, o itinerário incluía Cu-ritiba e Porto Alegre. Por causa do pedido de alguns amigos da Ilha, os Bárbaros passaram por aqui entre os dois shows.

Na sua edição de 7 de julho, O Estado contou como e quando O Estado contou como e quando O Estadocada um dos quatro bahianos veio a Florianópolis. Todos chegaram dia 5. Caetano veio de carro, e com ele viajava o artista plástico catari-nense Max Moura, que nos conta: “O empresário da banda, Gui-lherme Araújo, tinha amigos aqui. Eles vieram mais para fazer teste de show. A Bethânia e a Gal não queriam, mas toparam tocar aqui por insistência de Caetano e Gil”.

Na noite de véspera, Caetano e Gil saíram para jantar. Quando retornaram ao hotel Ivoram, não

Trinta anos depois, ele faz trabalho vo-luntário e escreve livros com inspiraçâo espírita .

O delegado Elõi Gonçalves de Azeve-do prendeu Gil há 30 anos, diz que o músico é um cara “respeitoso” e “bacana”, mas nâo se arrepende da prisão.

Lagartixa: O senhor se arrepende de ter prendido Gilberto Gil?Elói: Não, faria outra vez. Como dele-gado acredito que se quisermos com-bater a droga, devemos combater em todas as classes sociais. Elas sempre foram e continuam sendo um caso de polícia. O dependente de droga é um

caso de tratamento médico.

Lagartixa: Como era o combate às drogas em Florianópolis naquela época? Havia alguma tática?Elói: Combatia tudo. Não adianta combater o tráfico sem combater o uso. A tática era investigar e atacar os pontos de reunião, ponto de venda, local de aglomeração. As pessoas eram autuadas, quem podia pagar fi-ança saía, senão ficava preso.

Lagartixa: Na década de 70 o combate à droga era mundial. Refletiu aqui?Elói: Sim, naquela época inclusive o FBI [serviço de inteligência america-

no] veio aqui, foram feitos convênios com os Estados Unidos no combate ao tráfico. Nós fazíamos o combate à droga e ao uso. Eles incentivaram nesse sentido, dando instruções, ca-pacitando a polícia tecnicamente.

Lagartixa: Voltando ao Gil, qual a reação dele ao ser preso?Elói: Foi bastante respeitoso, bacana, consciente, sabia que estava errado, sabia que não era o certo, mas disse que fazia muito por causa das músi-cas. Ele achava que cada um devia fazer o que quisesse com a sua vida, um liberalismo bastante grande.

Felipe Santana

triste história

suspeitaram de que eram seguidos (“inves-tigados”) pelo dele-gado Elói Gonçalves de Azevedo, que os acordaria bem cedo, na manhã seguinte. “Fomos pro hotel às 6. Bati na porta do quarto do Gil, me iden-tifiquei e disse que havia denún-cia de que estavam fumando maconha, e que se estivessem mesmo, estariam presos”, conta o delegado.

Os policiais encontraram a droga dentro de uma bolsa preta, em cima da cabeceira da cama. “Perguntei se ele sabia que era ilegal, ele disse que sim, então disse: tu tás preso.”

Mesmo com a prisão, os Bár-baros tocaram no Clube Doze

Max Moura: “A Bethânia e a Gal só toparam tocar aqui por insitência do Gil e do Caetano”

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Lagartixa número 5 Julho de 2006

Elói faz questão de mostrar a cerveja sem álcool

Capa do O Estado de 8 de julho de 1976

Há 30 anos Gilberto Gil era preso em Florianópolis por porte de maconha

“As coisas como estão hoje em dia permitem a discussão moral sobre

a relação do homem com a lei”Gil, em entrevista a O Estado, em 11 de julho de 1976

naquela noite. Depois de serem au-tuados por Elói, o juiz Ernani Pal-ma Ribeiro concedeu liminar, para que Gil e Chiquinho participassem do show. “Foi tenso. Os músicos estavam nervosos, principalmente Caetano, pois sabiam que no outro dia iriam embora, mas Gil e Chi-quinho ficariam, presos”, conta Max Moura.

Pela legislação da época, quem era pego com maconha era considerado traficante ou viciado. No primeiro caso, respondia como criminoso; no segundo, como lou-co. Assim, como louco, Gil teve que receber tratamento psiquiátrico. Dois dias após o show, ele e o ba-terista foram internados na Casa de Saúde São Sebastião.

No dia 15 de julho, foram con-denados a um ano de reclusão e ao pagamento de importância corres-pondente a 50 salários mínimos. Mas o juiz substituiu a pena pela internação dos dois músicos no Instituto Psiquiátrico de São José, onde ficaram até 20 de julho, quan-do voltaram pro Rio. “Gilberto Gil declarou que gostava da maconha e que seu uso não lhe fazia mal, nem o levava a fazer o mal”, disse o juiz, ao encerrar o julgamento.

Por causa da prisão, a turnê dos Doces Bárbaros foi abortada. Em outubro foi retomada no Rio e foi recorde de bilheteria do Canecão, onde ficou por dois meses.

Felipe Santana Heitor Cardoso

Isadora Peron

fala o delegado

ESPECIAL

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flamenco de brasileira conquista espanhóis

OLHO DE RÉPTIL

DANÇA

celebração da igualdade

Madri. As alunas se preparam para a aula de flamenco. Saias, sapatos, leques e castanholas se misturam numa sala com 30 mulheres, todas nativas, algumas do sul da Espanha, onde surgiu essa dança. Elas escutam atentamente as instruções da professora Yara Castro, brasileira nascida em São Paulo. Na sala ao lado, a professora espanhola se contenta com uma turma de três alunas. “Por que eu?” pergunta-se Yara.

Cada vez mais artistas brasilei-ros são convidados a fazer parte de grandes companhias

de dança de todo o mundo. As alu-nas de Yara dizem que é porque a forma do brasileiro de ser e de se comunicar é “diferente e charmo-sa”. Ela própria lembra o começo da carreira, quando ia estudar o baile na Espanha: “eu estava naquela paixão para aprender, fa-zendo passinhos de marcação, com pavor de mexer os quadrispavor de mexer os quadris e sol-tar aquela franguinha brasileira e parecer ridícula”.

Então a professora de Yara disse: “por que você não liberta a brasileira que tem dentro de você? Você tem cintura!”. E em vez de ser discriminado como um flamenco não autêntico, o jei-tinho brasileiro foi um sucesso na Espanha.

O marido de Yara, o violonista Fernando de La Rua, passou por algo parecido. No começo ele tinha medo de tocar

qualquer acorde que não lembrasse só o ritmo espanhol. “Durante um bom tempo deixei toda a música brasileira e clássica guardada na gaveta. Agora, estou começando a desenterrar tudo outra vez”, con-ta Fernando, que compõe para as maiores companhias de dança fla-menca da Espanha.

“Quando um cantor na Espa-nha fala ‘Olé!’ é um sinal de apro-vação, é o ápice. Às vezes, eu tenho umas recaídas, toco umas coisas brasileiras e ouço o ‘Olé!’. É muito gratificante!”, relata. Neste ano, ele se apresenta nos Estados Unidos, Espanha, França, Taiwan e, claro, no Brasil.

Luiza Medeiros

O flamenco surgiu há mais de 300 anos no sul da Espanha. A mistura das influências árabe, juda-ica, cigana e espanhola presentes na região fo-ram os ingredientes que deram origem ao estilo. Essa dança se apóia em três elementos: o canto, o violão e o baile. Cada um deles se integra ao espetáculo num jogo de improvisações.

LAGAPÉDIALAGAPÉDIA

O nome oficial, registrado nos panfletos, era “Parada do Orgulho GLBTS” - sigla para gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e simpatizantes. Mas na hora do desfile, no dia 9 de julho, na avenida Beira-Mar, se anunciava nos auto-falantes um nome cheio de carga politicamente correta: “Parada da Diversidade”. Isso porque a manifestação fugiu aos estereótipos restritivos e se rendeu à abrangência da diversidade. No mesmo espaço, co-existiam drag-queens fu-drag-queens fu-drag-queensturistas, executivos engomados, famílias prototípicas da classe média, jovens deslumbrados, gays, heteros – e inusitadas metamorfoses de tudo isso. Tão peculiares, em uma paradoxal celebração da igualdade.

Gustavo Bonfiglioli

Lagartixa número 5 Julho de 2006

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Na terra do flamenco, Fernando e Yara desenterraram suas raízes brasileiras

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de saco cheioFoi ele quem disse.

De saco cheio esta-va o diretor Carlos

Imperial Hamburguer após passar quinze anos na televisão. Tempo que ficou conhecido pelo seu apelido, Cao, ao dirigir di-versos programas infanto-juvenis, entre eles Castelo Rá-Tim-Bum. A série fez tanto sucesso que migrou para o cinema, atual casa do diretor. Em Florianó-polis a convite da 5ª Mos-tre de Cinema Infantil, que se realizou no Cen-tro Integrado de Cultura (CIC) no início de julho, Cao Hamburguer conversou com produtores, diretores e cinéfilos sobre sua carreira e recente produção: Quando seus pais saíram de viagem de férias. Depois de duas horas sendo metralhado por perguntas dos especialistas catarinenses, o diretor tratou de guardar algumas respostas para a equipe do Lagartixa.

Lagartixa - Qual a sua intenção em fazer filmes para crianças?

Cao Hamburguer - É mais entretenimento. Na verdade é por acaso que comecei a fazer, não só cinema como televisão para crianças. Cin-ema infantil tem um público até mais difícil

que cinema para adulto, porque se o filme não captura a criança, você perde. Com adulto não a-contece isso, porque ele pode não gostar de uma coisa, mas achar a fotografia le-gal ou gostar de cer-to ator. Com as cri-anças, ou você pega ou não pega, o que torna mais difícil. É um exercício muito interessante.

L - Imaginação ainda é importante?

Cao - Muito mais importante que o lado didáti-co. O didático é legal, quando bem feito.

L - O Castelo Rá-Tim-Bum é didático?

Cao - Mas é didático porque tinha que ser. É didático sem ser chato. Um pouco mais lúdico.

L - E grandes produções, como Harry Potter?

Cao - Acho que não tem preocupação didática. Mas são histórias. Tem a parte da didática, que é de ensinar coisas propriamente ditas, e tem a própria história do filme, que ensina coisas

ENTREVISTA/CAO HAMBURGUER

Lagartixa PROJETO DE EXTENSÃO DO CURSO DE JORNAL ISMO DA UNIVERS IDADE FEDERAL DE SANTA CATAR INAEQUIPE: André Faust, Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Laura Dauden COLABORAÇÃO: Cristiane Barrionuevo, Fernanda Dutra, Gustavo Bonfiglioli DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

ESCAPE, SOMBRA E REFLEXO

que ajudam as pessoas a se entenderem. O Harry Potter tem isso, e quando assis-tido, aprende-se coisas da humanidade. Nem todos os filmes ou programas de TV bons são didáticos e nem todo programa didático é bom. Muito difícil achar um programa didático que seja bom. Geral-

mente são muito chatos. Falham no roteiro, no rit-mo, na idéia. Às vezes é um saco. Por outro lado, existem programas que não são didáticos, mas são muitos bons. A criança se diverte e cresce. O Chaves, por exemplo. Aquela geração de crianças se divertia muito e aprendia bastante também, as-sistindo. Não é só ensinar a fazer dois mais dois.

L - Como você explica o sucesso no cinema de al-gumas produções marginais?

Cao - É fundamental ter esse sucesso marginal. E tem sucesso porque tem público, que não quer só ver filmes da Globo. Quer ver outros tipos de filmes.

L - O cinema infantil tem espaço?

Cao - É mais difícil. O lance é investir na tele-visão.Quando a televisão brasileira voltar a fazer programas infantis legais, o cinema vem junto.

L - Em seu novo filme, você trata de temas adul-tos, mas sempre com uma ligação com a criança?

Cao - É uma história que eu queria contar, da época da minha infância. É um filme universal que envolve a história do Brasil, além de questões que todos os seres humanos se emocionam. A cri-ança que é personagem principal do filme passa por momentos muito difíceis.

Filipe Speck Guilherme Carrion

Associação de Coletores de Materiais Recicláveis, centro de Florianópolis:a estética urbana embaixo da ponte Colombo Salles

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Lagartixa06 Setembro de 2006

A CULTURA GRUDADA NA PAREDE

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“Quando a televisão voltar a fazer programas infantis

legais, o cinema vem junto.”

Page 24: JORNAL MURAL LAGARTIXA

SETEMBRO DE 2006

As experimentações de Dziga Vertov no cin-ema, em época de expansão soviética, eram bancadas por Lênin. Em prol da propagan-

da socialista, o polonês ganhava uma grana pre-ta para pirar com sua câmera e sua montagem, desde que, claro, não falasse mal do chefe. As-sim, o cineasta revolucionou o modo de fazer cin-ema no mundo todo.

Setenta anos depois, as coisas mudaram. A sorte de pessoas como o estudante de arquitetu-ra Gabriel Vespucci, 23, é que a tecnologia hoje dá condições de (quase) qualquer um fazer um filme, com pouca ou sem grana, e o melhor: com

as experimentações que bem entender.

Quando viu o cartaz de um festival de vídeos promovido pela UDESC, Gabriel decidiu que aquele seria o palco (ou a tela) de seu primeiro filme. Acontece que esse filme ainda não existia. Em uma se-mana, ele escreveu roteiro, filmou e edi-tou Sem Titulo No 1, em que “pós-adoles-cente de classe média

deseja ser fodão e vai se cagando no decorrer da história”, segundo o diretor.

Alguns detalhes que não desanimaram Gabri-el: o programa que ele usou para edição, chamado Vegas, é básico, e o equipamento para filmagem foi uma Mavica, a avó das máquinas fotográficas digitais, emprestada de um amigo, ainda por cima. Como equipe, só ele e a namorada, que segurava a câmera nas cenas em que ele aparecia. De grana, só a da gasolina para uma cena dentro do carro.

Apesar de o vídeo ter sido finalizado em uma

semana, foi pouco tempo para a ins-crição no festival da UDESC. A carreira de festivais de Sem Titulo No 1 decolaria e aterrissaria no Catavídeo, festival a-berto, sem curadoria, que reúne vídeos de novíssimos realizadores locais.

Agora, uma água fria nesse oba-oba: nem a mais bacanona das filma-doras digitais vai fazer o sujeito virar o Akira Kurosawa da Trindade, fazendo filmes de fotografia impressionante. Isso porque o vídeo ainda é muito di-ferente da película, que capta melhor iluminação e pequenos detalhes do quadro.

Mas isso não quer dizer que a pes-soa não possa se tornar um grande realizador com qualquer tipo de filmadora. “É preciso achar sua linguagem e estética próprias, para não acabar fazendo imitação barata”, sugere Gabriel.

Chico Faganello, diretor do recente longa em vídeo digital Outras Memórias, corrobora: “não vai ser a câmera que vai definir se o sujei-to vai ou não virar um grande-produtor de cinema, mas sim a história que ele tiver para con-tar, o valor dasua imagem num contexto bem mais amplo do que o da tecnologia”.

Faganello diz que qualquer história pode ser contada em película ou digital, desde que sejam feitas mudanças dramáti-cas nas cenas. Por exemplo, se uma cena precisa de gotas de chuva para emocionar um es-pectador, ela precisa ser repen-sada se for gravada em vídeo porque essas gotas não ficam bem definidas em digital.

Acima, cena de Os Sonhos, do japonês Akira Kurosawa, em que

o arco-íris e as cores do campo são “reais”; abaixo, cartaz de Um Homem com uma Câmera, obra-

prima do polonês Dziga Vertov, documentário em que são testadas

as possibilidades do cinema

Antes de se jogar no passo-a-passo abaixo, é importante lembrar que cinema é arte. E depende de outros fatores além de uma câmera e um computador. Faganello enumera algumas coisas a ser pensar antes da filmagem: “a idéia, a concepção, a emoção, o cuidado com a busca de algum sentido poético no que se pretende dizer”.

Transforme a história em imagens. Cada linha da história precisa ser escrita como se tivesse sendo vista. Há bons manuais de roteiro no mercado. Ajuda muito fazer um storyboard, que é uma história em quadrinhos, em que cada quadrinho é uma cena do filme. Escreva diálogos. Poucos, por favor!

Arranje uma filmadora e um computador. Muitos pequenos filmes já morreram quase no final, na hora de editar, pela falta de um com-putador. Seja mais rápido que a Lei de Murphy e arranje tudo antes. Se precisar de atores, essa é a hora, mas já explique se eles passarão o filme todo vestidos ou não.

Ação. Capture as imagens, edite. Crie, ouse. Pense que você não precisa agradar nenhum di-tador.

Felipe Santana

Lagartixa NÚMERO 6SÉRIE

seu filmefaça-você-mesmo Uma câmara na mão, uma idéia na

cabeça. Nunca foi tão fácil fazer cinema

passo-a-Passo

Page 25: JORNAL MURAL LAGARTIXA

O rganizar festa de aniversário requer tempo. Às vezes, para que nada saia errado, os

preparativos iniciam até um ou dois meses antes. Mas que tal começar a organizar detalhes quase três anos de antecedência?

Pois no ano passado um grupo de amigos se deu conta que em 2008 o artista Franklin Joaquim Cascaes completaria 100 anos se estivesse vivo, e decidiu preparar uma boa festa.

Para terem um pouco de flexibilidade na arrecadação de recursos para o projeto, idealizaram uma ONG, a Associação Amigos do Museu Universitário (AMU), que criaram em dezembro.

O museu, localizado no campus da UFSC, guarda a coleção “Professora Elizabeth Pavan Cascaes”, que reúne mais de 2,7 mil desenhos, manuscritos e esculturas que retratam o cotidiano, os mitos e as tradições da Ilha de Santa Catarina. Foi doada em vida pelo artista, em 1981.

A celebração do centenário vai se estender por 2008 inteiro e começa já no final de 2007. “Vamos começar com um grande presépio na Praça XV”, anuncia a presidente da AMU, Isabel Orofino. A tradição do presépio foi iniciada em 1974 por Cascaes e pelo museólogo Gelci José Coelho, o Peninha.

O presépio costumava ser instalado sob a figueira lendária e possuía uma grande estrutura de madeira, coberta com folhas de piteiras. Agora sua montagem está sob a responsabilidade do artista plástico Jone Cezar de Araújo, que garante, para o ano que vem, um presépio igual ao de Cascaes. “Já plantei as piteiras, para não ter problema pra arrumar as folhas”, ressalta.

Para outubro de 2008 está agendada uma grande exposição no CIC. “Vamos colocar toda a obra do Cascaes na rua”, afirma Isabel. A curadoria será dividida por nomes conhecidos no meio cultural catarinense, como João Evangelista, Fernando Lindote e Lourdes Rosseto.

A o l o n g o d o ano, serão montadas exposições itinerantes e desenvolvidas atividades culturais educativas, vo l t a d a s p a ra a s crianças. Apresentações musicais e performances teatrais também estão programadas. Outro projeto é a produção de um documentário sobre a vida e a obra do artista. população menos favorecida também quer se expressar, não só assistir. Deve haver programas que viabilizem essa produção”, defende Pires.

Isadora Peron

tem festa! SETEMBRO DE 2006Lagartixa NÚMERO 6

POR QUEHOMENAGEARCASCAES?

Dizer que Franklin Cascaes era apenas desenhista ou escultor é co-meter uma injustiça. Isabel Orofino o define como um artista múltiplo, que além de desenhar, esculpir e escrever, teve uma preocupação de documen-tarista e de antropólogo.

Nascido a 16 de outubro de 1908, em Itaguaçu, então município de São José, Cascaes cresceu ouvindo históri-as sobre embruxamento de crianças, lobisomens e boitatás. Ao perceber que todo esse imaginário estava se perdendo, resolveu anotar tudo.

Junto com sua mulher, começou a visitar as comunidades de Florianó-polis, registrando os costumes e as es-tórias narradas pelos seus habitantes. Em casa, transformava a tradição oral em desenhos, esculturas e textos.

Entre os temas comumente re-tratados estão a modernização e suas conseqüências, os seres mitológicos (bruxas, lobisomens e boitatás), as tradições religiosas e as ações cotidi-anas dos manezinhos da Ilha.

“Se nos gabamos de ter uma herança cultural, devemos isso à obra do Cascaes, que teve a preocupação de preservar essa memória coletiva”, afirma o museólogo Peninha.

Para Isabel, tempo é transfor-mação: “Não adianta a gente conge-lar as tradições, elas irão mudar. O que a gente tem é que saber guardar e di-vulgar nossa memória”. O que Frank-lin Cascaes fez com maestria.(IP)

FRANKLIN CASCAES/100 ANOS

com presépio, boitatá e bruxas

Cascaes transformava

imaginário popular em

esculturas

A viola de cocho tem uma história de mais de dois sé-culos. O instrumento de cordas, originário do Pantanal mato-grossense, é usado em danças típicas como o cu-ruru e o siriri. Tanto as melodias quanto a fabricação arte-sanal são tradições passadas de pai para filho. Seu Caetano Ribeiro, 80 anos, fabrica violas de cocho em casa, com ajuda da família inteira. O filho, Alcides, de 41 anos, cuida do aspecto administrativo: representa a oficina em eventos, palestras e cursos. Alcides faz parte de uma nova geração, em formação desde 2004, quando a tradição da viola de cocho foi re-gistrada como patrimônio histórico imaterial do país. Hoje em dia, fazer dessa tradição um meio de geração de renda é uma prioridade. Instituições públicas e privadas incentivam o seu aprendizado com cursos e festivais. Para Alcides, o mais importante é a mudança de menta-lidade dos mato-grossenses a respeito de sua cultura. Se antes a viola de cocho era considerada um mero violão rústico, hoje em dia recebe o devido reconhecimento como instrumento musical.

Fernanda Dutra

HISTÓRIA

Castor, pai, e Alcides, filho, vivem em função da viola de cocho, instrumento tombado patrimônio histórico

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Page 26: JORNAL MURAL LAGARTIXA

lei muda,

SETEMBRO DE 2006

chapeiro e sertanejoRua Lauro Linhares, nº 945. 0h15. O tráfego de hot-

dogs ainda é grande na lanchonete, point de universitários na Trindade. Atrás do balcão vermelho, o chapeiro Jair Wodzick repete mecanicamente as etapas de preparação dos cachorros-quentes, como em uma linha de produção: rotina bem diferente da que conhecia anteriormente. O paranaense de Santo Antonio do Sudoeste cresceu no campo, longe da confusão da cidade grande. “Gosto do meu trabalho, mas não vejo a hora de voltar pro mato”, anseia. E como forma de diminuir a distância, a música. Todas as noites, ao fechar o estabelecimento, Jair toca canções sertanejas - para quem quiser lhe ouvir.

Faltam dez para a uma da manhã. Num ato simbólico de transição, Jair pendura o avental – e, junto com ele, o semblante de trabalhador urbano. Nos primeiros acordes, a principal rua da Trindade se faz campo, onde nem o ronco dos motores atrapalha o som da viola.

Guilherme Carrion Gustavo Bonfiglioli

Lagartixa NÚMERO 6

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PRODUÇÃO CULTURAL

• Os orçamentos não destinarão mais 10% para a figura do captador. Agora, o custo deste profissional deve ser enquadrado entre os 15% dos gastos administrativos.

• Os editais devem instituir um plano de acessibilidade, para que todos os segmentos sociais tenham condições de usufruir o produto cultural. Esse plano deve ser formulado por quem propõe o projeto. Um exemplo é a disponibilização de ingressos bara-tos, no caso de um teatro.

• Lançados pelo MinC, os editais serão diferenciados, para que várias empresas possam investir em pro-jetos de cidades do interior, que geralmente têm dificuldade em captar recursos. Antes, um projeto de uma cidade do interior concorria com outros projetos das capitais.

• O novo texto da lei também propõe a criação de prêmios para estimular as empresas patrocinadoras.

• Programas e ações culturais tam-bém podem ser apoiados por meio da lei. Antes, só projetos eram con-templado. (LD)

polêmica ficacultura a peso de meio por cento

Os números mostram a importân-cia da Lei Rouanet que, só no pri-meiro semestre, foi responsável pela captação de R$ 110 milhões – um re-forço para os recursos do Ministério da Cultura, que em 2006 receberá do governo R$ 534 milhões, previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Isso corresponde a 0,57% do total dos re-cursos do país. É o menor valor entre os destinados às políticas sociais, daí a disputa dos artistas.

Criada em 1991, durante o gov-erno Sarney, a lei instituiu três dife-rentes mecanismos para o fomento à cultura: o Fundo Nacional de Cultura, o Fundo de Investimento Cultural e o Mecenato, hoje o principal meio de captação de recursos.

O Mecenato funciona através do incentivo fiscal. Patrocinadores físicos ou jurídicos podem abater até 100% do valor que investiram do Importo de Renda. Hoje, a Petrobras é a em-presa que mais investe em cultura por essa lei. (LD)

O QUE É NOVO

OLHO DE RÉPTIL

Todas as músicas tocadas por Jair remetem à vida no campo

“Não há, ó gente, oh não, luar como este do sertão...”

OMinistério da Cultura d ivu lgou , em abr i l , alterações feitas no texto

da Lei Rouanet, principal lei de incentivo à produção cultural no país, e a controvérsia sobre como se produz e financia a arte voltou ao centro do debate.

Em Santa Catarina, o cineasta Zeca Pires considera, por exemplo, que embora ainda possa ser aperfeiçoada, a lei tem sua validade. “É uma forma de convencer a classe política e a sociedade a fomentar a cultura”.

O produtor e diretor de teatro Jefferson Bittencourt discorda: “Recorrer a leis

como a Rouanet é questão de sobrevivência, mas elas não são o melhor método, porque artistas e empresários, que querem coisas diferentes, têm que lidar com o mesmo produto” .A controvérs ia sobre a funcionalidade da lei é maior em alguns pontos:

Dirigismo cultural. É delegado às empresas o direito de escolher o que deve ser patrocinado ou não com o dinheiro público. Os números do Ministério da Cultura mostram que, dos quase 11 mil projetos aprovados em 2004, menos de 2 mil conseguiram patrocínio. Zeca Pires: “As empresas querem seu nome vinculado a produtores e artistas já reconhecidos”.

Concentração dos recursos em Rio - São Paulo. Neste ano, 64% dos recursos estão divididos entre os dois estados. “São mesmo os que mais produzem culturalmente”, explica Pires. Jefferson discorda: “Isso acontece por causa do marketing cultural, duas palavras que, a princípio, parecem incompatíveis”.

Retorno social. Todos os projetos devem apresentar um plano de retorno à sociedade, que varia conforme o segmento artístico. “A população menos favorecida também quer se expressar, não só assistir. Deve haver programas que viabilizem essa produção”, defende Pires.

Laura Dauden

Page 27: JORNAL MURAL LAGARTIXA

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BUENOS AIRES - Victor Piris, Nazareno Sil-va, Adrian Camacho, Gustavo Fernandes Lopes, Juan Pablo Arsuage e Hugo Hector

Gome. Esse grupo de argentinos viajaram setem-bro passado até a Cidade do Cabo, África do Sul, para representar seu país em um campeonato de futebol. Não ficaram em bons hotéis. Não gan-haram grandes prêmios. Não venceram sequer uma partida. Mas isso pouco importa, quando todos são moradores de rua. Dentro da quadra, a disputa foi pelo título do quarto Campeonato Mundial de futebol para Moradores de Rua que reuniu 48 seleções do mundo inteiro. A Rússia

levou o caneco. Fora da quadra, a disputa é pela inserção social e contra a pobreza.

Em Buenos Aires, os seis argentinos, ao lado de outras 280 pessoas na mesma situ-ação, vendem a revista Hecho

en Bs As (HBA) em diversas regiões da capital. A pub-licação faz parte da Rede Internacional de Publi-cações de Rua (INSP) que tem como objetivo ajudar pessoas carentes de opor-tunidades, a fim de os in-serir na sociedade. Cada vendedor da HBA paga 70 centavos por revista e a re-vende na rua por 2 pesos. A diferença fica toda com o vendedor que recebe uma credencial obrigatória para trabalhar e não pode mendigar ou implorar para que se compre a revista.

Criada em 2000, a re-vista já está no número

74 e aborda temas sociais, cul-turais e de interesse geral, além de reservar espaço para os pró-

prios vendedores publicarem poemas e co-mentários. Mas o trabalho da HBA não pára nas páginas dos 40 mil exemplares vendidos mensalmente. Em sua sede, a organização dis-ponibiliza uma gama de serviços para pessoas sem condições financeiras, desde terapias de apoio, atividades culturais, até consultas odontológicas. Estatísticas da organização

apontam que, desde sua fundação, a HBA aju-dou mais de 1.600 pessoas necessitadas.

Além disso, existe a idéia de criar uma “consciência solidária” no público, é o que diz a editora Patricia Merkin. “Este jornalis-mo pode, efetivamente, incidir em um debate coletivo sobre diferentes temas, e se propõe instalar estes na agenda pública para que pos-sam somar benefícios em favor da comunidade com que trabalhamos”, afirma.

No total, são 53 jornais e revistas asso-ciados à INSP, todos com a mesma intenção: ajudar moradores de rua a sair desta con-dição. Existem duas publicações brasileiras filiadas à rede, a OCAS, vendida nas ruas do Rio de Janeiro e São Paulo, e a Boca de Rua, vendida em Porto Alegre.

Guilherme Carrion

nº7

Editora de Florianópolis reimprime grandes obras a preço camarada, sem medo da lei

A CULTURA GRUDADA NA PAREDEA CULTURA GRUDADA NA PAREDE

LagartixaNovembro de 2006

Um homem jovem caminha apres-sado pelo centro da cidade. Olha nervoso para os dois lados. Certifica-se de que não está sendo seguido. Nas mãos, uma sacola que não aparenta estar muito pe-sada. Ele entra em um estabelecimento. Não demora muito, apenas deixa a enco-menda. Dentro do pacote, livros, Mach-ado de Assis e Karl Marx, mas também poderia ser Shakespeare ou Nietzsche.

E não, não estamos na época da di-tadura militar onde trocar informações era um ato perigoso. O ano é 2006. A imprensa não é censurada e, pelo menos na teoria, temos livre acesso a qualquer tipo de informação. Com uma ressalva: ela é cara. E quando vem em formato de livro, ainda mais.

Pensando nisso, um grupo de cinco amigos criou a editora Barba Ruiva, cujo objetivo é “democratizar a cultura escrita, acabando com o caráter elitista refletido nos preços que as editoras tradicionais botam sobre os livros”, conforme expli-ca um dos idealizadores do empreendi-mento. A editora tem como público-alvo, inicialmente, “estudantes falidos” e, idealmente, movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e escolas públicas do in-terior de Santa Catarina.

A Barba Ruiva confecciona livros baratos, sem pretensão de lucro. O preço varia de acordo com o número de pági-nas. Um livro de mil páginas, por exem-plo, sai por R$25. Esse é o maior valor do catálogo, que reúne aproximadamente 500 títulos. O texto é retirado de e-books (livros eletrônicos disponíveis na internet), impresso em folhas A4 que são posteri-ormente dobradas e agrupadas em fas-cículos. A costura é feita manualmente e a capa é de papel cartão.

A princípio, a idéia era usar apenas obras de domínio público, ou seja, aque-las sobre as quais não incidem direitos autorais. Porém, diante da quantidade de material disponível na rede, eles não resistiram e começaram a publicar qualquer obra. Vem daí a necessidade de todo aquele esquema para a entrega do produto. Tudo é feito meio à surdina. As encomendas são realizadas somente pelo e-mail [email protected].

Na resposta ao pedido, vem o apelo de sigilo para que o projeto não termine de maneira desastrosa: “Não existe nenhum nome além do da edi-tora. Caso vocês saibam do nome de algum colaborador isso deve ser man-tido em segredo”. Por esse motivo, o Largatixa não cita as fontes.

Isadora Peron

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Revista argentina busca inserção social de seus

vendedores, moradores de rua de Buenos Aires

Vendedor lucra 1,30 peso por exemplar vendido

Eles moram na rua, vendem revista e jogam pela seleção argentina

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pirata ou robin hood?

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Page 28: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Boa parte da humanidade aguarda pela volta de Cristo há dois mil anos; espera dias melhores, espera, espera

e espera. E há quem ache absurdo esperar Godot por algumas horas, confortavelmente sentado na platéia. Tem coisa fora do lugar aí, você não acha?

Pra entender: Godot é o “protagonis-ta” – entre aspas, porque o(a) esperado(a) Godot nunca aparece – de Esperando Godot, peça escrita por Samuel Beckett (1906-1989) na década de 50. E absurdo diz res-peito à estética teatral em que a peça de Beckett se enquadra.

“O maior delito do homem é o de ha-ver nascido”, diz Beckett, numa época em

que as pessoas viviam na esperança de dias melhores, mas também perdidas, sem saber como reconstruir o que a 2ª Grande Guerra destruíra. O que viam e faziam parecia sem sentido. A realidade se mo-strava irreal, absurda.

O contexto fez Beckett e outros dra-maturgos, como Eugène Ionesco (1909-1994), retratarem a realidade absurda no teatro. Segundo Vera Collaço, professora de História do Teatro na Universidade do Es-tado de Santa Catarina (Udesc), “as pessoas estavam tão perdidas que não notavam nem a semelhança do teatro com a sua realidade, nem a crítica ali representava”.

Elisiane Rios

Irrealidade, estranhamento, desconforto – marcas atualíssimas de uma estética consolidada há mais de meio século nos palcos

absurdo teatro da vida

Ionesco disse certa vez que, em nossa época, as pessoas “perderam qualquer consciência mais profunda de destino”. O teatro do absurdo mostra uma forma tragicômica de vida, quando não podemos evitar certas questões. “O que estamos fazendo na terra e como podemos suportar o peso esmagador do mundo das coisas?”

Se transportada a estética do ab-surdo do teatro para a realidade, con-ceitos e imagens se sobrepõem de forma quase perfeita. “A nossa volta pessoas inocentes morrem nas guerras e nas ruas, a violência está banalizada. As imagens na TV não tocam mais nin-guém. Somos os atores do teatro do ab-surdo!”, diz Vera Collaço.

Os personagens de Ionesco vivem confinados no medo, “palhaços ma-

cabros de um trágico espetáculo de fantoches”, como o próprio autor os definiu. Em As Cadeiras, um surdo-mudo apresenta-se como o orador cheio de promessas que anuncia a cena que já está acontecendo.”Uma patética personificação do grotesco desam-paro”, definiu Margot Berthold, em sua História Mundial do Teatro.

Em Esperado Godot, os personagens Vladimir e Estragon, sem motivo ou sentido, esperam Godot num planal-to distante com uma única árvore nua na paisagem. Em Fim de Jogo, Beckett apresenta o personagem Winnie, que se afunda, passivo, num deserto de arei-a, enquanto, em outro lugar distante, Nagg e Nell consomem-se na expecta-tiva do fim de um jogo – o jogo da vida. Alguma semelhança com nosso mundo? Decerto, de certo. (ER)

A desesperança de Beckett levada à realidade no retrato da parente de vítima da 2ª Guerra

nós somos os atores

Eugène Ionesco, com A cantora careca (1949), e Samuel Beckett, com Esperando Godot (1953), consolidaram o Teatro do Absurdo nos palcos. Alfred Jarry, por sua vez, foi apontado como seu criador, bem como precursor do dadaísmo e do surrealismo, depois de anunciar, em 1895, aos 15 anos de idade, a nova estética, com a peça Ubu Rei.

Albert Camus dizia, em 1942, da nova forma de expressão que se definia: “um mundo que pode ser explicado, mesmo que com fundamen-tos inadequados, é um mundo familiar. Num uni-verso, porém, que é repentinamente despojado das ilusões e da luz da razão, o homem sente-se um estranho. Esta separação do homem e de sua vida, do ator e de sua experiência, é o sentido do absurdo”. (ER)

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Coadjuvantes dos conflitos em Ruanda

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Lagartixa NÚMERO 7 NOVEMBRO DE 2006

100 ANOS

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juíza fecha a cortinaCom mais dois ab-

surdos: trabalho infantil e censura. No mês de junho, em Minas Gerais, a juíza Lúcia de Fátima Magalhã-es mandou apreender a edição n°9 da revista do Observatório Social, pub-licada em março. Motivo: a reportagem de capa, que apontava a existência de trabalho infantil em minas de talco na região da Mata dos Palmitos, em Ouro Preto.

Através do Ministério Público de MG, a promotora de justiça Luiza Hel-ena Fonseca moveu ação civil pública contra o autor da reportagem, Marques

Casara, alegando que “a revista publicou matéria e fotos forjadas, expondo in-devidamente os menores da região”.

A preocupação da pro-motora e do MP é quanto à imagem dos menores. Até que ponto o direito de imagem deve interferir na atividade jornalística? Para

Marques Casara, a solução do dilema é indubitável, nesse caso: “Essas crianças estariam sendo mais prejudicadas se a imagem delas estivesse sendo preser-vada. Hoje, com a repercussão da ma-téria, não existe mais trabalho infantil na região”. Gustavo Bonfiglioli

Page 29: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Este é o cotidiano de Seu Osmar, surdo-mudo, que trabalha há 43 anos no Paris Madaloni, uma das barbearias mais antigas de Florianópolis. A

deficiência poderia provocar mal-entendidos, mas Seu Osmar, ou Mudinho, como é conhecido, ganha eloquência com a ajuda de gestos e grunhidos. A conversa se torna uma Imagem & Ação sem ampulheta.

Sempre que chega um cliente no salão, ele pergunta se quer cortar rente, médio ou grande, mostrando a espessura com a mão. Se é para manter o cavanhaque, por exemplo, ele envolve o queixo e a boca com a mão e faz como se o resto fosse tirado. Os clientes, muitos só cortam com ele, entram logo no jogo e imediatamente começam a fazer mímicas.

Seu Osmar “fala” do colega, um homem muito claro de uns 70 anos, com cabelos brancos e óculos fundo de garrafa. O Mudinho aponta para um olho e faz sinal de negativo, aponta para o outro e faz sinal de mais ou menos. Que dupla! Depois, sempre gesticulando, finge carregar uma bolsa e, com uma carta na mão, faz como se a entregasse para alguém. Para confirmar, faço como uma pessoa que

anda muito e carrega uma bolsa pesada. Tá aí, o outro barbeiro era carteiro, se aposentou e hoje trabalha na barbearia.

Algum tempo depois, Cida, a manicure do salão, me conta que o barbeiro de óculos nunca foi carteiro, trabalhou a vida inteira no Banco do Brasil. A partir desse momento, começo a duvidar de toda a eloqüência de Seu Osmar e da minha compreensão.

Seu Osmar reclama da pouca clientela, para ele antes

vinha mais gente, junta os dedos e faz uma cara de triste. Para a manicure, a clientela não é tão escassa, “eles tiram a maior grana aqui”. Conta que “às sete e meia da manhã [Seu Osmar] já está aqui, e só vai sair depois das sete da noite. É o primeiro a chegar e o último a sair. É maluco!”, completa

A manicure diz que ele é muito implicante. “É só eu começar a dar um cochilo, que ele começa a fazer barulho para me incomodar. Me dá uma raiva. Porque quando é ele quem tira uma soneca, eu posso fazer o barulho que eu quiser que não adianta nada.”

Maria Fernanda Ziegler

imagem e ação

NOVEMBRO DE 2006

OLHO DE RÉPTIL

- O que vamos fazer hoje?- Oi, eu gostaria de cortar o meu cabelo. Aqui você pode deixar deste tamanho, mas aqui... diminui um pouco. E na barba, deixa só o cavanhaque, pode ser?

Cena comum em uma barbearia, mas agora imagine ela sem palavras, no silêncio

Lagartixa NÚMERO 7

Entre o literal e o literário

“Meu coração é um balde despejado.” A inserção do conectivo de comparação “como” poderia acabar com toda a beleza literária da frase, mas facilitaria o entendimento do leitor. Entretanto, mesmo sem sua presença, a compreensão acontece.

Esse processo de reconhecimento de metáforas, ironias e brincadeiras cotidianas, exageros eufêmicos e estratégias de comunicação das demais figuras de linguagem tem um responsável: o lado direito do cérebro.

Antes, acreditava-se que a linguagem seria processada apenas pelo hemisfério esquerdo. Porém, uma pesquisa desenvolvida pela professora Leda Tomitch, do Departamento de Língua e Literatura Estrangeira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), concluiu que, para o uso das figuras literárias, é necessária a interação dos dois lados.

Durante o estudo, único no Brasil, Tomitch observou, por um exame de ressonância magnética, o cérebro dos participantes da pesquisa quando submetidos a dois tipos de estímulo: um texto com a idéia principal no início e outro, com a

informação relevante no final, na ordem indireta da frase.

C o m o s d a d o s , coletados na Universidade de Carnegie Mellon, na Pens i l vân ia , nos Estados Unidos, onde a professora defendeu sua tese de pós-doutorado, Tomitch concluiu que os dois hemisférios estão envolvidos nos processos de linguagem. “O lado direito tem um papel importante em tudo que tem a ver com ser capaz de entender um discurso indireto, em ser capaz de identificar tudo o que depende de dedução.” Já o hemisfério esquerdo “está envolvido em processos mais mecânicos da linguagem, de sintaxe, semânticos, em nível da frase”, completa.

Cristiane Barrionuevo

No literal, usa-se o lado esquerdo do cérebro...

...e no literário é necesário também do direito

NA ESQUINA

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Seu Osmar usa gestos para saber a preferência de corte do cliente

Pesquisa de professora da UFSC revela que os dois lados do cérebro são usados na leitura de textos com figuras de linguagem

Page 30: JORNAL MURAL LAGARTIXA

não fez cinema, mas matou o gov-Se Matou o Cinema e foi ao Governador não for lembrado por suas opções estéticas, certa-mente será pela celeuma

Lagartixa NÚMERO 7

O filme Matou o Cinema e foi ao gover-nador levantou a discussão, em época de eleições, quanto à política cultu-

ral do governo Luiz Henrique da Silveira. A maior crítica dos realizadores do longa foi a obsessão de LHS por grandes protjetos como a construção de monumentais Cen-tros de Eventos e o patrocínio de R$500 mil a um espetáculo teatral cuja única relação com o estado foi a participação da eterna miss Vera Fischer.

E o pior de tudo: dizem os cronistas que a peça é uma comédia ao estilo Zorra Total e os Centros de Eventos têm uma acústica pífia. Em entrevista exclusiva ao Lagartixa, o go-vernador ensina que cultura e turismo são a mesma coisa, e que o melhor vem sempre do eixo Rio-Sampa ou lá da Rússia. Dancemos:

Lagartixa – De acordo com seu plano de go-verno, o senhor pretende manter a política de construção de centros de eventos em várias cidades do Estado. Qual a justificativa para dar continuidade a essa política?

Luiz Henrique da Silveira – O grande mal do turismo é a sazonalidade. O turismo tem que ser uma atividade o tempo todo. Além disso, essas casas, os Centroeventos, geram uma política de turismo cultural, que qualifica a cidade, eleva o nível do patamar cultural das pessoas e faz da cidade uma referência no conjunto regional, estadual e nacional.

Lagartixa - Como o senhor vê as críticas da classe artística às grandes obras? O pessoal que quer trabalhar também reclama que é difícil chegar no recurso....

LHS – Aqui em Flo-rianópolis tinha uma Igrejinha que ficava com o bolo todo da cultura. Era pouco dinheiro. Você vê que, no último ano do governo passado, foram R$ 5 milhões. E neste governo...

neste governo... [o assessor de LHS, sempre atento, coloca-se no meio da entrevista e dá ao candidato uma colinha com a tabela dos investimentos em cultura]. Em 2005, nós já gastamos R$ 25 milhões, em 2006 foram R$ 36 milhões. Era uma Igrejinha que tinha a verba pública só pra eles. Eles perderam isso, porque cada vez mais quem vai decidir isso serão os Conselhos de Desenvolvimento Regional.

Lagartixa – E não existe um diálogo entre o Governo e a classe cultural?

LHS - Olha, a falta de diálogo é por parte deles. Eles não se movimentam para dialog-ar, só para criticar. Eles só se movimentam na direção de fortalecer o nosso adversário, de usá-lo para nos atingir, entendeu? Eles nunca me procuraram para dialogar. Quero dizer: não sou soberbo. Se tem algum político cuja marca é desenvolvimento cultural, sou eu.

Lagartixa – Outra reclamação é a dificuldade de chegar nos recursos. Existe alguma me-dida para lutar contra isso?

LHS – Os fundos são muito novos e nós esta-mos aperfeiçoando os procedimentos. E com o governo eletrônico, ninguém vai precisar sair de casa. De modo que toda e qualquer burocracia vai deixar de existir.

Felipe Santana, Filipe Speck e Elisiane Rios

ENTREVISTA/LUIZ HENRIQUE

Matou o Cinema e foi ao Governador é fi-lho do cinema digital. Feito a toque de caixa a partir da idéia e dos argumentos do jovem cineasta Marco Martins, é um longa dividido em onze partes, cada uma delas dirigida e re-alizada por uma equipe diferente.

Como seria de se esperar, cada uma dessas partes segue sua própria opção estética. Algu-mas, apesar de trazerem a mensagem crítica à política cultural do governo Luiz Henrique da Silveira, exploram pouco as possibilidades da linguagem cinematográfica e menos ainda as capacidades das pequenas câmeras digi-tais usadas na produção.

O resultado é a impressão de que os au-

tores tinham muito o que protestar, mas acabaram não escolhendo o meio certo. Dois dos curtas, por exemplo, são diálogos filmados, que talvez teriam um efeito melhor se essas fa-las fossem lidas. Na maior parte do filme, al-guns atores mostram que é difícil trabalhar nos moldes no neo-realismo italiano. Não-atores, ao interpretar, dão mais o efeito de vergonha alheia do que da naturalidade tão poética de Ladrões de Bicicletas.

Se os movimentos que redefinem a arte são sempre acompa-nhados de propostas estéticas inovadoras e intrigantes, fica difícil considerar o filme como uma reviravolta no cinema catarinense. De qualquer forma, a confusão que causou nos meios artístico e político pode apontar para um novo jeito de fazer cinema. Só resta, agora, achar quem faça.

CELEUMA - Desde o lançamento, o jornal de maior circulação no estado permanece, o tan-to quanto pode, fazendo cobertura das conse-qüências do longa. A primeira notícia seria de que um dos atores do filme teria sido demitido de uma produção para TV organizada pela fi-lha do governador, a pretensa cantora Márcia Méll. Isso porque, na parte do filme chamada de Rosa BB, Méll foi retratada como uma can-tora desengonçada e desafinada.

Entretanto, a conseqüência mais surpreen-

dente foi a exoneração de um dos realizadores do filme, o escritor Fábio Brügmann, do car-go de coordenador geral da Fundação Fran-klin Cascaes. Em e-mail de desabafo que se tornou público, Brügmann diz que o prefeito Dário Berger tomou tal atitude a partir de um pedido pessoal do governador eleito. “Uma prática que julguei ter sido esquecida desde a ditadura”, escreveu.

Felipe Santana

não fez cinemamas matou o governador

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Lagartixa P R O J E T O D E E X T E N S Ã O D O C U R S O D E J O R N A L I S M O D A U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E S A N TA C ATA R I N AEQUIPE: Elisiane Rios, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Gustavo Bonfiglioli, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Laura Dauden COLABORAÇÃO: Cristiane Barrionuevo, Lucas Neumann DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Filipe Speck, Guilherme Carrion SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

DA ESQUERDA PARA A DIREITA, OS REALIZADORES DO FILME: Renato Turnes, Cláudia Cárde-nas, Rafael Schiligting, Breno Turnes,Marco Martins, Chico Caprário, Fifo Lima, Fábio Bruggmann, Maria Estrázulas, Fernando Linares, Loli Menezes, Gustavo Cachorro e Valeska Bittencourt

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Acima, Rosa BB, de Loli Menezes; embaixo, o sósia de LHS em Lula Adoré

A atriz Gláucia Grigolo em diálogo de Apeirokalia

sem diálogoLuiz Henrique, governador reeleito por SC, confunde cultura com turismo

NOVEMBRO DE 2006

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- Rainha da sucata

Page 31: JORNAL MURAL LAGARTIXA

C heguei pontualmente às sete da noite e três crianças de pele clara já aguar-davam em frente ao portão. Por um

momento me perguntei se estava no lugar certo. Instantes depois chegou o Edinho – dreads no cabelo, um metro e oitenta (ou mais) de altura, negro – acompanhado de mais algumas crianças. Em seguida, mais outras chegaram, apanharam seus instru-mentos e o batuque foi surgindo aqui e ali.

Em poucos minutos, enquanto Edinho e eu conversávamos, já eram vinte crianças batucando, descompassadamente, dentro de um espaço pequeno e baixo, o pátio da Escola Comunitária da Lagoa do Peri. Fi-cou impossível continuar a conversa.

Edinho é professor de percussão do projeto Africatarina, que oferece ofici-nas de capoeira, dança afro, percussão e teatro para crianças entre sete e 17 anos, em situação de vulnerabilidade social. As aulas acontecem em escolas da rede pública nas comunidades da Armação do Pântano do Sul, Lagoa da Conceição e Agronômica, na capital.

DiversiDaDe sem hierarquiasAntes da interrupção, Edinho me fala-

va da dificuldade de implantação de pro-jetos sócio-culturais desse tipo, tanto em Florianópolis como em outros lugares que trabalhou. No Brasil, grupos menos favo-recidos têm, historicamente, ficado à mar-gem das políticas públicas culturais, pois a valorização das “subculturas” (como a cultura negra) é tida como ameaça para uma identidade nacional única e sólida.

O que poucos se dão conta é de que a principal característica dessa

tão almejada iden-tidade é a própria diversidade. Vale comparar o proces-so de formação da nossa identidade com uma espécie de antropofagia cul-tural – no melhor estilo oswaldiano –, que canibaliza várias culturas para a formação de outra que, por sua vez, também não é imutável.

Dentro do Africatarina, é possível encontrar bons exemplos disso. A pro-fessora do Departamento de Artes Cêni-cas da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e coordenadora do projeto, Fátima Lima, ressalta o caráter diverso do grupo. A oficina de teatro, ministrada por ela na comunidade da Armação do Pântano do Sul, está re-montando o espetáculo Vivo numa Ilha, do extinto Grupo A, sobre o surgimento das lagoas da Ilha de Santa Catarina. Numa só história, a peça reúne lendas e mitos das diversas culturas presentes em Florianópolis.

Segundo Fátima, o Africatarina tem como temática central o ensino, a valorização e a divulgação da cultura afrobrasileira, mas não se limita a isso. “Nosso grupo não é de cultura raiz. Nossa intensão não é fazer apartheid. Se fosse cultura raiz, eu, com meus ca-belos loiros, não poderia participar!”, explica.

Nanni Rios

Grupo Africatarina de Arte-Educação faz peça, conta história, batuca, pula carnaval e ensina cultura negra para crianças. Tudo para plantar a idéia da diversidade e do respeito às culturas

em preto e branco

As desigualdades que vemos hoje são resultado de uma série de “erros” praticados há tempos. Até meados do sé-culo XX, no Brasil, as crianças negras não podiam freqüentar escolas. Era proibido. Quando caiu a proibição, os peque-nos ganharam o direito de ter aulas somente no período noturno. O curioso foi que, subitamente, muitas escolas pararam de funcionar à noite.

A Constituição que vigorou no Brasil de 1824 a 1891 assegurava a liberdade e o direito à proprie-dade. Os escravos eram considerados propriedade e tratados como tal. Somente em 1988, há menos de 20 anos, a Constituição passou a dar a devida aten-ção para a discriminação dos negros na sociedade. (NR)

O Grupo A começou em 1978, na UFSC, com estudantes que escolheram o teatro para se expres-sar. Participaram do grupo artistas como Ademir Rosa, Ney Piacentini, Elisa Oliveira e Márlio da Silva. As peças eram montadas pelo método da criação coletiva, em que todos participam da concepção e não há um diretor. Em 2001, o Grupo A se trans-formou no Africatarina. Fátima estava no elenco do Grupo A que, em 1985, apresentou Vivo numa Ilha pela primeira vez, e pretende repetir a dose em 2007 com as crianças do Africatarina. (NR)

LAGAPÉDIA

JUNHO DE 2007Lagartixa NÚMERO 8

mito e dominação

Crianças em contato com a diversidade cultural através do projeto

Africatarina valoriza a cultura afrobrasileira e suas tradições

Atores do Grupo A em Vivo Numa Ilha, 1986

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Page 32: JORNAL MURAL LAGARTIXA

“Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, ar-rastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa.”

Os versos do poema Howl, escritos por Allen Ginsberg, ícone da geração beatnik, em 1955, fizeram a contestação borbulhar. Assim como Willian Burroughs e Jack Kerouac, Ginsberg buscava a revolução cultural, regada a amor livre, drogas, literatura e jazz.

Na década seguinte à publicação do poema, suas idéias libertárias inspiraram John Lennon e Paul

McCartney. Os Beatles viviam dias de exaustão, decorrentes da beatlemania gerada pela mí-

dia. Em 1966, sem realizar mais turnês, a banda jun-tou-se para um inédito processo de composição.

O resultado foi Sgt. Pepper’s Lonely Heats Club Band, a produção

mais marcante do conjunto inglês, que ajudou a gerar uma revolução na indús-tria fonográfica. Eram os dias em que Bob Dylan, Frank Zappa, Phil Spector e Brian Wilson realizavam inovações téc-nicas e de composição que deixariam

marcas na música do século 20.

Após nove meses de criação, estava concretizado o oitavo disco dos Beatles, tocado pela primeira vez, em 12 de maio de 1967, numa rádio de Londres. Era uma viagem orquestrada por violinos eruditos, psicodelia de LSD e música oriental. Não era mais um rock para jovens dançarem, mas, sim, o caminho para ousadias estéticas, que consolidavam o disco como símbolo da cultura hippie.

Quarenta anos após seu lançamento, ainda se percebe a influência da obra-prima do quarteto in-glês. Exemplo disso é o plano da gravadora EMI, que prevê lançar nova versão do disco com discípu-los dos Beatles, entre eles Oasis, The Killers, James Morrison e Razorlight. (GC)

Bilhete comprado, à espera no trapiche da Avenida Beira-Mar. Iríamos para Pepper-land, entrevistar John Lennon. Nosso trans-

porte era o Submarino Amarelo do comandante Old Fred. Zarpamos da Ilha de Santa Catarina e, depois de viajar por diversos mares, chegamos à terra um dia ameaçada por blue meanies e salva graças à música do fab four.

Logo vimos George Harrison meditando com uma série de gurus, entre eles Sri Paramahansa Yogananda e Sri Yuketswar. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts tocava para todos na praça central.

John nos esperava na cama, brincando com um caleidoscópio. Ao nos ver, dei-xou de lado o brinquedo, colocou seus óculos redondos e, amigavelmente, disse “hello”, com sotaque carac-terístico. Telepaticamente, Paul também estava presente. No estilo bed-in, criado por John e Yoko Ono, começamos.

Lagartixa - Aproveitando que estamos contigo di-reto do além-mundo, conte como é a morte.John Lennon - Ah, é um lugar onde pessoas em cavalos de madeira comem tortas de marshmel-low. Todos sorriem quando você deriva por entre as flores, que crescem incrivelmente altas.

L - O que você estaria fazendo se estivesse vivo neste momento?JL - Eu poderia costurar um suéter ao lado do

fogo, sair para um passeio em uma manhã de domingo, cuidar do jardim, escavando as ervas daninhas... quem poderia querer mais? Aliás, você ainda precisaria de mim, ainda me ali-mentaria, se eu tivesse 64?

L - Na época em que disco foi lançado, o mundo vivia a efervescência da contestação. E hoje, como você encara, daqui, a sociedade do novo século?JL - Todos sabem que não há nada que fazer, tudo está fechado como uma ruína, todos que você vê estão meio dormindo, e você está na rua, por conta própria. (Levanta-se exaltado da cama, coberta por flores de celofane verde e amarelo.) Bom dia, bom dia! Depois de um tempo, você começa a sorrir, ago-ra se sente legal. Aí decide dar uma volta na velha escola. Nada mudou, está tudo a mesma coisa... não tenho nada a dizer, mas tá tudo bem.

L - Depois de lançado Sgt. Peppers, você chegou a declarar que algumas músicas não o satisfaziam. Disse que partes de Lucy in the Sky não ficaram legais e que A day in the Life tinha, no disco, metade da beleza de quando vocês a estavam fazendo. Qual sua opinião sobre o disco, 40 anos depois?

JL - Realmente não tem importância se estou certo ou errado. De onde sou, estou certo. De onde sou.

L - Você disse que os Beatles eram maiores que Je-sus. Quem você acha que pode superar vocês?JL - Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

Cauê AzevedoGuilherme Carrion

cento e quarenta anos de solidãoLivro de Gabo, que chegou às livrarias de Buenos Aires em maio de 1967, quase não saiu por conta da penúria do autor, então um desconhecido colombiano

Depois de fazer a última revisão em Cem anos de Solidão, Gabriel Gar-cía Márquez, que naquele agosto de 1966 morava na Cidade do México, foi ao correio junto com sua mulher para enviar os originais a Buenos Aires. O casal, que andava sem dinheiro, tinha que mandar o pacote com 590 pá-ginas à Editorial Sudamericana, da capital argentina.

O empregado do correio mexi-cano colocou a correspondência na balança e disse: “82 pesos”. A mu-lher de Gabo juntou todas as notas e moedas da carteira e retrucou: “Só temos 53”. Abriram o pacote, divi-diram o volume em dois e enviaram somente metade. Depois de sair do correio, deram-se conta de que fora a última parte do livro, e não a primeira, que seguira viagem.

O material chegou às mãos de um amigo do escritor, que traba-lhava na editora. O sujeito leu toda a segunda metade do livro e, ansioso por saber como começava a história, mandou dinheiro para o México. As-sim, o casal pôde remeter a primeira parte e “voltar a nascer na sua vida diária”, como diria o próprio Gabo.

Cem anos de Solidão, que em 40 anos vendeu cerca de 50 milhões de cópias, é hoje considerado pela Real Academia Española o segundo livro mais importante escrito em espanhol, atrás apenas de Don Quijote de la Mancha.

Filipe Speck, de Buenos Aires

JUNHO DE 2007Lagartixa NÚMERO 8

Aos 40 anos, Sgt. Peppers, dos Beatles, sustenta aura de louca revolução musical

disco que não pára de tocar

entrevistamos john lennon

ESPECIAL

1967

“Você ainda precisaria de

mim, ainda me alimentaria, se eu tivesse 64?”

Com destino a Pepperland, embarcamos no Submarino Amarelo para uma conversa com o beatle

Romance premiado de Gabo completa 40 anos

Page 33: JORNAL MURAL LAGARTIXA

Nick Tosches está sentado num restaurante nova-iorquino. Quando vê que vai pagar

U$35 por meia cebola e um pouco de caviar, revolta-se com o que cha-ma de neo-cafonismo da sociedade ocidental contemporânea. Faz as contas e conclui que aquele prato podia custar, no máximo, com todo o “pseudoconhecimento” ali posto, U$0,50.

Indignado, decide viajar ao Oriente em busca da última ex-periência que considera verdadei-ra e prazerosa: fumar ópio numa casa de ópio. A aventura resul-tará em reportagem e em livro, A última casa de ópio, publicado ano passado pela Editora Conrad, no Brasil.

As casas de ópio, imaginava Tosches, seriam locais onde “se podia chupar o paraíso ao mesmo tempo em que era chupado de forma paradisíaca”. Ambientes de cortinas aveludadas, almofadas no chão, “luxuosa decadência”. Houve época em que elas existiram, em abundância, em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos da época da imigração chinesa; a luta contra as drogas da década de 50, contudo, as liquidou.

A busca de Tosches não se resumiu à satisfação pessoal, muito menos a uma excitação junkie. Pes-quisador minucioso, investigou o mundo oriental em busca do seu sonho e reconta bem a história dessa droga de grande importância histórica e cultural, pela qual tanto se lucrou, perdeu, matou e viveu.

Descobriu que, atualmente, o ópio quase sem-pre vem misturado com outras substâncias. Nos países ricos, preferem-se os derivados do ópio, como a heroína e o crack, de efeito rápido e curta du-

ração, além de mais valorizados no mercado. Isso quase eliminou o ópio do menu de entorpecentes no mundo.

A última casa de ópio tem sen-so de humor e ironia refinados, e o desfecho é melhor que final feliz. Tosches é um típico sujeito contem-porâneo, insatisfeito, que vai buscar a felicidade no outro extremo do glo-bo. Encontra a casa de ópio, mas ela

não é como sonhara, de veludo e luxos. Exatamente porque, fora da sua imaginação, ela jamais existiu.

Felipe Santana

Jornalista e romancista Nick Tosches relata em livro-reportagem sua jornada a Hong Kong e Bangkoc – atrás da felicidade

em casa de ópio,

três perguntas a nick tosches, direto de nova york Lagartixa - Há alguma droga que você considere uma experiência essencial?Nick Tosches - Não diria essencial, mas desejável. Esse pequeno livro [A última casa de ópio] tem muito a ver com desejo e conquista.

L - Você acha que as pessoas vivem histórias surpreendentes hoje em dia?NT - Não, esse é um mundo de escravos mortos-vivos.

L - Qual a melhor coisa do século 20? E a pior?NT - A pior é a mediocridade e a aristocracia mortal do mundo político. A melhor é que estamos vivos. (FS)

chupando o paraíso

“Meia hora de um som repetitivo e industrial. Sinto um leve torpor, que progride, mas não compromete a lucidez. É uma meditação agoniada, como uma sonolência criativa e impaciente. Enquanto escutava, escrevi coisas que vão de ‘cópula’ a ‘máquina de escrever’.”

Esse é um resumo da minha experiência com o ópio. Não o que Nick Tos-ches foi buscar, em sua forma pura, na Tailândia, mas sua versão virtual, que custa U$ 3,25 a “dose”. De fato, baixam-se “drogas” da internet através do I-Doser, software que comercializa arquivos de áudio supostamente transforma-dores da freqüência cerebral. Alguns simulam drogas reais (como a maconha, a cocaína e o ópio); outros são combinações criadas para resultados específicos, como relaxamento ou euforia. Há aproximadamente 100 arquivos disponíveis, vendidos como doses.

O I-Doser começou a ser desenvolvido em 1996 e ganhou forma em 2004, com o lançamento do software e de 50 doses. Ele se baseia na técnica de sin-cronia das “ondas cerebrais binaurais”, descrita pelo físico alemão Heinrich Dove, em 1839. Para entender o mecanismo, imagine que cada um de seus ou-vidos recebe o mesmo som, mas em freqüências ligeiramente diferentes. Essa diferença, segundo o estudo, interfere na atividade elétrica do seu cérebro, al-terando o seu estado de consciência. É obrigatório o uso de fones de ouvido.

Como a maioria dos arquivos já se encontra em mp3, nem dinheiro precisa. Bastam fones e acesso à Internet para ter uma moderna overdose. Nada mais ocidental.

Gustavo Bonfiglioli

overdose virtualQuer usar ópio? Sem grana pra ir à Tailândia? Chegou o I-Doser

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JUNHO DE 2007Lagartixa NÚMERO 8

Lagartixa P R O J E T O D E E X T E N S Ã O D O C U R S O D E J O R N A L I S M O D A U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E S A N TA C ATA R I N AEQUIPE: Camila Brandalise, Cauê Azevedo, Cristiane Barrionuevo, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Gustavo Bonfiglioli, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Laura Dauden, Nanni Rios COLABORAÇÃO: Andressa Taffarel DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Cauê Azevedo, Guilherme Carrion SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

Saiba mais sobre o I-Doser em www.lagartixa.ufsc.br8

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AGOSTO DE 2007Lagartixa NÚMERO 9

profecia na cantina Pedro largou a polícia há duas décadas para cultivar ideais

Modesto, segundo o Aurélio, é aquele sujeito sem vai-dade, despretensioso. Em

Florianópolis, o termo também designa alguém sempre envolvido em mobilizações populares, que luta por direitos e ideais. Modesto Azevedo, figura tarimbada do cenário político da Capital, é quem dá origem à nova definição.

Presidente da União Florianop-olitana de Entidades Comunitárias (Ufeco), Modesto é um moreno baixo, de 51 anos, que traz no rosto um sorriso frouxo e no pescoço um cordão com pingente de Che Gue-vara. Sempre bem vestido e pronto para representar as mais de 120 associações comunitárias que integram a entidade, ele par-ticipa do Núcleo Gestor do Plano Diretor Par-ticipativo, dos Conselhos Comunitários de Meio Ambiente, Transporte e Educação.

Eleito por unanimidade para o segundo mandato da presidência da Ufeco, nos últi-mos tempos esteve à frente das manifesta-ções contra os shoppings Iguatemi e Floripa. Nada despretensioso, moveu ações civis con-tra ambos e participou de todas as audiên-cias públicas durante a construção desses e de outros megaprojetos.

“Nossa briga não é contra os empresários, é contra a degradação ambiental. Não se pode, em nome do capital, destruir o meio ambien-te.” A briga a que Modesto se refere, entre am-bientalistas e desenvolvimentistas, é antiga na Ilha e ganhou evidência em 2005, quando essas frentes se juntaram em duas organizações não-governamentais.

O empresariado fundou a FloripaAmanhã, que pensa o futuro da cidade a partir de inves-

timentos imobiliários e turísticos. Ambiental-istas e líderes comunitários lançaram a Acorda Floripa, pela adoção de limites ao crescimento urbano. Modesto e o jornalista norte-america-no Jeffrey Hoff, que vive há mais de 15 anos na Ilha e participa do Fórum da Cidade, foram os idealizadores deste segundo movimento, nascido da percepção de que “alguma coisa estava errada com a nossa cidade”. Palavras de Jeffrey.

Foi necessário algo de concreto para que as pessoas realmente acordassem, e esse algo foi a Operação Moeda Verde, deflagra-da em maio passado pela Polícia Federal. A pedido do Ministério Público Federal, a PF descobriu um esquema de corrupção na liberação de obras em áreas da União e de proteção ambiental.

Bingo! Os nomes de proprietários de grandes empreendimentos na Ilha aparece-ram em duas listas: tanto na dos investiga-dos pela PF quanto na dos associados da FloripaAmanhã.

Isadora Peron

Ambientalistas, desenvolvimentistas e a cidade que a gente quer

A taça de vinho, a garrafa d’água, o caderno, a pasta. O mes-mo homem, de cabelo e barba tão grandes que se fundem em uma quase-juba grisalha. A fina faixa pre-ta amarrada na testa. Os traços si-sudos, levemente intimidadores. A religiosa imersão na leitura.

Se você freqüenta ou já esteve na Cantina de Vinhos Pipa, da Trinda-de, a descrição acima provavelmen-te soa familiar. De fato, esse homem vai à cantina todos os dias, com raras exceções. “Não venho no domingo porque fecha”, explica Pedro Lopes, 50.

O livro da vez é Filosofia e Reli-gião. Interrompo a concentração do homem, mas sou bem recebido. Pe-dro é natural de Caçador, oeste ca-tarinense, e cresceu em um internato em São José. Por que? “Meu pai tra-balhava, minha mãe estava adoecida e éramos sete irmãos.”

Foi policial por três anos, inspira-do por valores como ajudar as pessoas e fazer o bem. Concluiu que o ofício, na prática, muitas vezes não coincidia com esses ideais. “Realmente, não era um trabalho pra mim.”

Visionário, diz que, desde crian-ça, pensa em alternativas para a harmonia entre os homens e o res-peito à natureza. “Enquanto meus colegas jogavam bola, eu cuidava da horta do internato.”

Na polícia, ganhou o apelido de Profeta – e foi, enfim, profetizar: lar-gou o distintivo e iniciou um projeto de criação de oficinas auto–susten-táveis de cultura, que sobreviveriam da venda de papel reciclado. “Seria um espaço para manifestações artís-ticas e disseminação da consciência ambiental.”

O projeto, chamado Oficina da Cultura, possui um jornal bimestral, com poesias, citações e textos di-versos, muitos sobre meio ambiente. “Quero mandar o projeto pro Gover-no Federal. Se eles aceitam, pô, as coisas iam dar muito certo”.

E as intenções não param: “O Brasil possui hino nacional, hino à bandeira, mas nunca teve o poema nacional. Tenho um poema do Brasil, de minha autoria, e também pretendo mostrá-lo pro Governo”.

Pé no chão agora, Pedro. Como você se sustenta? De certa forma, a resposta é previsível: “faço jardina-gem, aqui na Cantina, inclusive”. No jardim ou no bar, na parreira ou no vi-nho, o profeta usa a cantina de base para arquitetar sua revolução cultural.

Gustavo Bonfiglioli

a importância de ser modesto

Vestido de empresário, Modesto protesta em frente ao Iguatemi

Entre uma taça de vinho e outra, Pedro esboça profecias

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Lagartixa #9Julho de 2007

Ela fala a língua dos sapos. Ele, a das lagartixas. Ela faz poesia, enquanto ele é mais

chegado em uma prosa. Mas hoje, ele pergunta e ela responde. Pode parecer que isso não vai dar certo, mas a entrevista do Lagartixa com a autora do livro A Sapinha Meiga, Regina Carvalho, rendeu um papo sobre poesia, música e feitiços. A professora aposentada do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina lançou o livro em março, pela Design Editora.

Lagartixa - A Sapinha Meiga é um retrato autobiográfico?

Regina Carvalho - Uma parte, sim. No todo, não. Há muita coisa do que

eu vivo como poeta. Essa coisa do verso se fazer quando eu não tenho como anotá-lo, quando o poema é, basicamente, o verso - isso vive acontecendo comigo, e por causa disso vivo com alguma caderneta na bolsa. E os poemas são o que mais gosto de fazer, porque acho que a poesia é o ponto mais alto da literatura, e também porque, no poema, sou eu, falando daquilo que eu sou por dentro, do que sinto, do que desejo. Daquilo que, muitas vezes, nem sei que sou.

Ela diz que não é ela quem faz a poesia, a poesia que a pega. A poesia pode pegar qualquer um? O que é preciso para ser poeta?

Não, a poesia não pega qualquer um. É preciso amar a poesia e querer ser poeta, querer fazer poemas, se expor dessa maneira. Daí ela “baixa”, sim, se faz nas pessoas escolhidas, ou que a escolhem. Como dizia Fernando Pessoa, “os deuses vendem quando dão”.

Por que não há nenhum poema da Sapa no livro?

Porque as sapinhas fazem poemas em língua de sapo, coaxo-coaxo, e eu não

saberia como fazê-los. Isso me tirou o sono por alguns dias, posso garantir! Além disso, não significariam nada pras pessoas. Assim, optei por usar um poema meu.

Desde o nascimento, a Sapinha Meiga enfeitiça a todos. E para ela, o que é enfeitiçante?

Tudo aquilo que traz beleza em si. De um modo geral, a arte, especialmente a música, mas também o mundo, o universo, com o que há de belo

nele. Mesmo o belo-horrível de que falavam os românticos.

Qual foi a trilha sonora que acompanhou a história da sapinha?

Jazz, com sua melancolia maravilhosa, e João Bosco, cantado por Elis, ou por ele mesmo. Porque ambos, João e Elis, mais os jazzistas citados, Dexter [Gordon] e Billie [Holliday], se aproximam muito da perfeição artística, daquilo com que todos nós sonhamos.

No livro, a sapinha mostrou que gosta de sinestesia. Então, se o som do Dexter Gordon tem gosto de beijo, do que a poesia tem sabor?

Tem um poema do Antônio Cícero que João Bosco musicou [“Granito”, do álbum Zona de Fronteira]. Ele diz: Há entre as pedras e as almas/afinidades tão raras/como vou dizer?/Elas têm cheiro de gente/queira ou não queira se sente/têm esse poder. Pois é, a poesia tem isso, gosto de gente, cheiro de gente, naquilo que as pessoas têm de melhor em si, mesmo que horrível. Mas é dura como o granito, exige, dói, faz sofrer.

poesia do brejo Livro de Regina Carvalho conta a história de sapa que curte jazz e João Bosco

Nancy Dutra

A cultura grudada na parede

Lagartixa P R O J E T O D E E X T E N S Ã O D O C U R S O D E J O R N A L I S M O D A U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E S A N TA C ATA R I N AEQUIPE: Camila Brandalise, Cauê Azevedo, Cristiane Barrionuevo, Felipe Santana, Filipe Speck, Guilherme Carrion, Gustavo Bonfiglioli, Heitor Cardoso, Isadora Peron, Laura Dauden, Nanni Rios COLABORAÇÃO: André Victor, Guilherme Lopes, Paola Bello, DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Guilherme Carrion, Gustavo Bonfiglioli SUPERVISÃO DE PROJETO: Daisi Vogel CONTATO: [email protected]

Arpagão continua sendo o avarento. Mas na adaptação do clássico de Moliére para o teatro de objetos, ele se tornou uma torneira velha e enferrujada. A peça El Avaro, da companhia espanhola de teatro Tábola Rassa, foi apresentada no 1º Festival Interna-cional de Teatro de Animação, que aconte-ceu em Florianópolis de 20 a 24 de junho. Nessa versão moderna, a avareza muda um pouco de sentido. Não se cobiça mais o di-nheiro, e sim a água. Os personagens são representados por torneiras, tubos, manguei-ras e recipientes. Outros aparatos são usados para aumentar a carga de anima, como um ventilador em uma cena em que dois perso-nagens fazem amor.

Camila Brandalise

dinheiro virou água

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“É preciso amar a poesia e querer ser poeta”

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Quase todos os dias de manhã, An-tônio caminha três quilômetros para che-gar à sua roça e trabalha até o almoço. Volta para casa, come a refeição prepa-rada pela mulher Leopoldina e descansa. Dorme cedo, pois no dia seguinte tem que acordar antes do sol.

Entre suas ferramentas está o ma-chado. Há anos, cortando tocos de ár-vore, no azar de uma machadada um pedaço de madeira acertou seu joelho. O impacto foi tão forte que derrubou Antônio, deixando-o alguns instantes em estado de choque. Acalmou e ar-rastou-se para casa. Chorava de dor. Durante dias não conseguiu mexer a perna direita. Reclamava aos vizinhos, que o aconselharam a procurar médico em Tijucas, “na cidade”.

O centro fica a uns oito quilômetros de casa e não existe transporte que o leve até lá, exceto carros de boi ou as próprias pernas. Resistiu, mas teve que ir, pois a dor não passava. Na primeira visita ao hospital conseguiu carona de carro com alguém da família. Esperou muito para ser atendido. Estava ansioso. A consulta foi rápida. O doutor olhou pro joelho, to-

cou aqui e ali e deu o veredicto: Antônio precisava de fisioterapia.

Ao saber que teria que vir e ir várias vezes à cidade para tratar do joelho, ficou desanimado. Um absurdo o médico não resolver o problema de uma vez. Agora teria que fazer sessões com outros médi-cos, “médicos de osso”. Lembra o núme-ro de visitas que fez e o nome dos fisiote-rapeutas; toda vez uma pessoa diferente o atendia.

A consulta ocupava o dia cheio, por-que a viagem demorava e havia filas no hospital. Por duas ou três vezes caminhou os oito quilômetros da estrada de terra para chegar à fisioterapia de uma hora. Lá, andava na esteira e de bicicleta para fortalecer os ligamentos do joelho, con-forme mandavam os médicos.

Depois de meia dúzia de sessões, seu Antônio, 80 anos, desistiu do tratamento. Diz que melhorou sozinho, conforme vol-tava à rotina de trabalho. E que esquen-tou umas ervas, em casa, que curaram seu joelho.

Heitor Cardoso

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O sol forte que vem da rua faz parecer ainda mais escuro dentro desse bar em que os únicos sinais de eletrici-dade são uma geladeira com cervejas e uma tevê que

passa um filme de ação com Tom Cruise. Três velhos, um em cada mesa de madeira, meio que uniformemente vestidos, assistem partes do blockbuster sem muita atenção, entreme-ando explosões com comentários em um português ranzinza e quase indiscernível.

Esse bar de pouco mais de 10 metros quadrados é na verdade um dos lugares mais badalados dessa freguesia. Os freqüentadores acompanham as notícias locais que ficam pregadas numa estante que também serve para exibir dife-

rentes tipos de vinho. O Lagartixa veio parar nessa pacata vila de Portugal chamada Azinhaga na esteira do último livro de José Sara-mago, As Pequenas Memórias, publicado ano passado pela Companhia das Letras. Foram nessas ruas que apren-deu a falar português o único prêmio Nobel de Literatura

da língua portuguesa.

A duas quadras desse bar, depois de um parque, fica a biblioteca José Saramago, pequena, simples, finan-ciada pela prefeitura. O dono da hor-ta vizinha à biblioteca, José Ribeiro, fala de Saramago como fala do José da padaria – os dois se conhecem desde crianças.

Nesse último livro, Saramago conta saudoso as peripé-cias que aconteceram enquanto morava aqui. Sentar na praça e só ouvir o barulho do rio Almonda -- hoje um esgoto a céu aberto dá uma pista do motivo porque o autor português salvou Azinhaga de sua pontaria certeira na hora de criticar a sociedade através de parábolas. A pobre freguesia agrícola parou no tempo, esqueceu de acompanhar a modernização do resto do mundo, mas, aos 85 anos de idade, Saramago “vol-ta a Azinhaga para acabar de nascer”, através desse poético e ficcional livro de verdades que soa como uma despedida.

Felipe Santana

Antônio conta suas histórias a pequenos detalhes

resumo de antônioCura para lesões: oito quilômetros na ida ao hospital, oito na volta, uma rotina de trabalho rural e ervas quentes

Nosso repórter foi a Azinhaga, uma pequena freguesia de Portugal, conhecer a cidade onde o único Nobel de Literatura da língua portuguesa começou a pronunciar as primeiras palavras

Saramago empresta o nome para a biblioteca do vilarejo

pequena despedida

Hei

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Car

do

so

Page 37: JORNAL MURAL LAGARTIXA

nos limites da dorUma garota pequena e magra está deita-

da de bruços sobre uma mesa. Um ra-paz usando luvas cirúrgicas, em pé, ao

lado da mesa, marca o corpo dela com uma caneta. Em seguida, ele “belisca” a pela das costas da garota na região demarcada e, ra-pidamente, perfura-a com um gancho pare-cido com um anzol de pesca.

Um a um, seis ganchos são colocados: dois logo abaixo dos ombros, dois na região da cintura e um em cada panturrilha. Cada gancho possui quatro milímetros de diâme-tro – o tubo plástico de uma caneta esfero-gráfica possui seis. E ela não demonstra fei-ção alguma de dor. Apenas sorri, com seus seis grandes piercings em formato de anzol.

Fixado ao teto, há uma espécie de cabo de metal, com várias argolas penduradas. Por uma corda com roldanas, o cabo desce. Os ganchos colocados no corpo da garota en-contram as argolas do cabo e são atados por uma corda de náilon – corda que fica livre entre uma argola e outra, para melhor distri-buir o peso do corpo.

A garota dá a ordem: “Pode subir”. Ela acena sorrindo e abre os braços, como se fosse voar. O rapaz puxa a corda; a pele começa a esticar, o corpo dela fica comple-tamente suspenso, a dois metros do chão. A impressão que se tem é que a pele vai descolar, ou que poderá arrebentar a qual-quer momento.

Depois de mais de uma hora, descem a garota de volta até a mesa. É desamarra-da e os ganchos são retirados. O garoto que limpa os furos sorri com um ar de satisfa-ção tão grande quanto o dela. E a expressão que se lê no rosto dela é única e exclusiva-mente a de felicidade.

Pode parecer tortura, loucura ou esqui-sitice, mas a suspensão corporal atrai pes-soas das mais variadas. Jovens a adultos, pessoas cobertas por piercings e tatuagens e outras que passam despercebidas na mul-tidão. Não há um grupo específico, nem for-mas de identificar fisicamente alguém que a pratica. Às vezes, a única “prova” é alguma minúscula cicatriz.

Fiz minha primeira perfuração em 98 ou 99. Acho que foi no mesmo ano que

rolou uma suspensão ao vivo nas escadarias do bar Subway, o boteco underground do centro de Floripa. O “filé” era o Lagartixa, primeiro body modified da cidade (que eu me lembre). A sus-pensão foi foda: dois andaimes no meio da esca-daria do Rosário, a uns 5 metros do chão, na frente de um prédio do exército. Terminou o show de alguma banda e todo mundo foi pra rua assistir, até os milicos. Ninguém acreditava que tinha um cara pendurado por meia dúzia de ganchos, na nossa frente. As reações eram de todo tipo: gen-te berrando, tacando cerveja, chorando. Eu tava

ali, vidrado em cada detalhe, vendo-o girar em cima de mim. Lembro da cara dele; naquele mo-mento só existia aquilo e mais nada. Comecei a fazer minhas próprias perfurações em casa, e fui correndo atrás de informações e cursos, até que iniciei profissionalmente como body-piercer em 2001. Quatro anos depois me suspendi, em Curi-tiba. Era a hora certa; toda a transição que tava acontecendo na minha vida culminou naquilo. Já vi muito neguinho se pendurar porque acha que é freak, sei lá – gente procurando temperar a vida. Comigo, foi um momento de superação física e psicológica – essa é a essência do lance pra mim.

Cada vez mais comum nos centros urbanos, a suspensão corporal ganha novos significados: uma mistura de diversão e desafio de superar limites

relato de um suspenso

Os motivos que levam alguém a ficar suspenso pela própria pele são anti-gos e diversos. A busca pelo autocontrole e o desafio de superar a dor, por exem-plo, justificam a suspensão entre os monges indianos. “Ficar suspensos, para eles, é transcender o corpo, uma forma de libertação da alma do ciclo cármico”, afirma a antropóloga Sônia Maluf.

Para Sônia, a prática da suspensão pode ser vis-ta como uma forma de fazer frente à cultura contempo-rânea, que condena a dor

e o sofrimento. “A cultura que se tem hoje é anestési-ca, baseada na eliminação do sofrimento físico e psí-quico. Há quase que uma obrigatoriedade das pesso-as viverem bem e felizes”, afirma.

Desse modo, a suspen-são corporal seria hoje tão justificável quanto o desejo de auto-realização e a busca pela felicidade. Sua práti-ca entre as tribos urbanas, uma atividade livre. Não há a necessidade de aceitá-la, tampouco de condenar seus adeptos. (PB)

contra a cultura da anestesia

Hinduísmo: monges hindus adotam a suspensão como forma de mos-trar a si próprios que um espírito elevado permanece indiferente ao sofrimento corporal. Através de provas de dor e resistência física eles acreditam transcender o corpo e libertar a alma do ciclo das reencarnações.

Aldeias da Índia: em lugares remotos da Índia, a cerimônia da sus-pensão pelos ganchos é realizada anualmente. Um escolhido, repre-sentante dos deuses, é suspenso por dois ganchos inseridos nas cos-tas. Preso a um guindaste sobre uma carroça, ele é levado de aldeia em aldeia e, ao balançar, abençoa as crianças e as plantações.

Índios Sioux: o ritual de suspensão, batizado pelos índios de O-kee-pa, representava a passagem da infância para a vida adulta. Para tornar-se um guerreiro, o jovem índio deveria ter o peito perfurado por dois pedaços de madeira presas a uma corda, amarrada a um galho de árvore. Somente quando os pés do jovem índio deixavam de tocar o chão, ele era reconhecido na tribo como o mais novo guer-reiro sioux. (PB)

Suspensão pode ser vista como forma de resistência à cultura contemporânea

sUspensão pelo mUndo

” Andre Victor, dj e produtor musical

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Paola Bello