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1 outubro O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 2 - Outubro de 2013 R$ 2 O GRAFITE, O MURO E A ESTÉTICA DA LIBERDADE SYLVIA PLATH e a poesia interrompida apresentada por Gilmar Leal Santos, na coluna #Sarau CIDADE MENINA A cultura cafeeira de Maringá como pano de fundo de peça e mais pág 10 pág 15 MEU CLOWN e o poder de transformar qualquer situação complicada em delicada comédia pág 12

Jornal O Duque #02

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Jornal de arte de Maringá e região. Capa: Nuno Skor Deisgn editorial: Gus Hermsdorff | Vila Ópera

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1outubro

O jornal da cultura de Maringá e região Ano I - Nº 2 - Outubro de 2013

R$ 2

O GRAFITE, O MURO E AESTÉTICA DA LIBERDADE

SYLVIA PLATHe a poesia interrompida

apresentada por Gilmar Leal Santos, na coluna #Sarau

CIDADEMENINA

A cultura cafeeira de Maringácomo pano de fundo de peça

e mais

pág 10

pág 15

MEU CLOWN e o poder de transformar

qualquer situação complicada em delicada comédia

pág 12

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3outubro

MARINGÁ

Quantas vezes ao andarmos por nossa ci-dade nos deparamos com desenhos em construções largadas ao abandono? É um pouco de vida que insiste em ganhar

o espaço do ambiente cinza e cru que nos rodeia. Es-sas cores, traços e letras formando desenhos muitas vezes abstratos ao olhar sem treino, são o resultado da criação e visão de mundo de artistas que teimam espalhar mais cor pela cidade: os grafiteiros.

Fomos às ruas e conversamos com esses artistas sobre o seu trabalho e suas vidas. Há uma riqueza ímpar e uma profusão de cores sem fim em suas obras, como você pode conferir na capa que Nuno Skor fez exclusivamente para essa edição. Nas pági-nas da matéria principal você também acompanha a conversa que ele teve com a gente, explicando como ainda, não pouco, tem o seu trabalho rebaixado ao vandalismo e à pixação.

E quanta arte de rua existe em Maringá! A Or-ganização do Hip-Hop Maringaense (OH2M) é mais uma prova viva de como é possível levar a arte para jovens dos bairros mais carentes de Maringá. Quem conta sobre a história do grupo é Rachel Coe-lho, na página 02.

Ainda nessa edição, batemos um papo muito ba-cana com o pessoal da troupe Meu Clown, Se você ainda não conhece, vale a pena. Essa galera faz graça das nossas tragédias cotidianas por meio de perso-nagens inocentes e singelos... e se eu falar mais en-trego a matéria inteira, que foi escrita em primeira pessoa pela jornalista Cibele Chacon.

Falando em espetáculo, esse mês tem estreia da peça “Cidade Menina”, uma justa homenagem aos nossos pioneiros escrita por Rogério Carniato

e dirigida por Márcio Alex Pereira. Entre cafezais e muita luta, a peça conta a história de como a “Ci-dade Menina”, se transformou em “Maringá”. Quem acompanhou de perto os ensaios foi o jornalista Elton Telles, que teve a oportunidade de conversar com toda a equipe e sentir um gostinho de café em três atos.

Telles ainda entrevistou Paulo Petrini, veterano produtor cultural dessa cidade que agora lança seu livro, “Hermeto Pascoal, musicalmente falando”. Petrini ao longo de sua jornada enfrentou muitos entraves às suas iniciativas e também com muitos amigos, assim como você poderá ler na página 15.

Se acharam que esta edição se fecharia sem uma crítica de cinema, ledo engano, a jornalista Cibele Chacon também nos brindou com a crítica de Elena, o delicado documentário que foi exibido no Fest-Cine Maringá. Aos que ainda não puderam prestig-iar, na crítica Chacon faz mais do que um convite.

Finalizamos essa edição, com um toque de me-lancolia, nem por isso menos bela, posto que es-colhemos “Sylvia Plath e a Poesia Interrompida”, de Gilmar Leal Santos para coroar o nosso sarau literário. Para além de sua morte trágica, Plath nos deixou um legado de ouro, que vale a pena um o-lhar mais atento, assim como pode ser conferido pelo poema de Sylvia que deixamos em nossa última página.

Esperamos que curtam a segunda edição tanto quanto curtimos deixá-la pronta.

Com carinho,

Luana Bernardes. Co- editora

TAMBÉMTEM COR?

Mais!

Maringá merece!

Referência!

Adorei o Duque: Efusivos cumprimentos!! Gente, só que eu li tudo de uma vez e...acabou! Mais mais maaaaais por favor!

Amei o jornal O Duque. Maringá merece um jornal sobre cultura. Está lindo em tudo, diagramação, críticas, conteúdo, imagens... Parabéns.

Quero parabenizá-los pela FANTÁSTICA ideia e desejar todo o sucesso do mundo, para que esse jornal seja referência em toda a cidade/estado e quem sabe pelo Brasil. É bom saber que ainda há pessoas interessadas em repassar conteúdos com substâncias e valores, ao contrário das demais mídias.

Quer participar da coluna e ver seu recadoimpresso? É só deixar uma mensagem para nós na página do jornal O Duque no facebook. Pode ser inbox ou no mural, o importante é marcar presença!

FAN PAGEJornal O Duque

Juliana Fontanella

Eloiza Elena Silva

Priscilla Oliveira

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Artigo

A arte e a cultura são capazes de transformar vidas. É por acredi-tar nisso que, há 12 anos, um grupo de amigos resolveu criar a Organização do Hip Hop Ma-

ringaense – OH2M. Leandro Rodrigues, 27 e José Augusto Ramos, 34, mais conhecido como Nugget, são dois dos idealizadores que ainda permanecem nessa luta.

Eles se conheceram ainda moleques, na rua. Na época, eles já haviam reconhecido na música e na dança, respectivamente, formas de se expressarem livremente. Ambos receberam conselhos de uma assistente social para usar o hip hop como forma de resgatar crianças das ruas e evitar que entrassem para o mundo das drogas e da violência. Daí o nome dos primei-ros eventos, “Hip Hop Resgata”.

Organizaram-se informalmente. Leandro é MC e Nugget é b.boy e por isso achavam que faltava espaço para os artistas amadores e profissionais representarem os quatro elemen-tos da cultura Hip Hop: o break, os MCs, o grafite e os DJs. Assim surgiu o Hip Hop na Praça, evento que sempre teve apoio da Sec-retaria Municipal de Cultura, que cede um ônibus-palco para as atrações. O evento quase sempre é realizado na praça Renato Celidônio e já trouxe nomes como SNJ, DBS e a quadri-lha, Facção Central, entre outros nomes repre-sentativos do movimento.

Também foram organizadas rodas de break, ligas de MCs, batalhas de freestyles, palestras, tudo sem muitos recursos financei-ros, contando apenas com o incentivo direto de empresários locais que acreditam na causa. A limitação, porém, impossibilita ampliar os horizontes e realizar o trabalho da forma como eles sonham.

Após um período de desânimo diante das dificuldades, os atuais membros retomaram as rédeas da organização e partiram para uma nova fase. Querem se profissionalizar, consti-tuir uma associação com CNPJ para ter acesso aos editais. O objetivo é oferecer mais ativi-dades e realizar mais eventos ou, como diz o slogan que adotaram para si, “movimentar o Movimento”.

Para tanto, reúnem-se semanalmente e estão em contato direto com entidades bem sucedidas na área, buscando orientação e ajuda para resolver as questões burocráticas. O grande sonho é constituir uma casa do hip hop que ofereça espaço para cursos, oficinas, exposições, apresentações, palestras e debates.

Entre os objetivos previstos em estatuto, estão: contribuir para a formação cultural, social e política dos militantes do movimento hip hop e da comunidade em geral; fortale-cer a autoestima e os valores éticos e morais, principalmente das crianças e adolescentes; lutar pela profissionalização dos integrantes do movimento, promovendo ações de quali-ficação e requalificação técnica, visando a geração de trabalho e renda; combater o pre-conceito e a discriminação que existe com o movimento; representar os membros do movi-mento perante os órgãos públicos e privados; manter e promover intercâmbio sócio-cultural com entidades congêneres do Brasil e do exte-rior e contribuir, por meio da cultura Hip Hop, com a transformação da sociedade através de ações baseadas na solidariedade, no trabalho coletivo, no humanismo e na democracia pa-rticipativa. Acima de tudo, praticar a cultura da paz, da solidariedade, do amor e da não-violência.

RachelCoelho

HIP-HOPRESGATA

As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

CONSELHO EDITORIALSetembro / Edição nº 02 / Ano I

O jornal da cultura de Maringá e região

EDITOR-CHEFEMiguel Fernando

JOR. RESPONSAVELElton Telles

CO-EDITORALuana Bernardes

REVISÃOZé Flauzino

COLABORADORES

REDAÇÃO DESIGN EDITORIAL

ILUSTRAÇÕES

FOTOGRAFIAS

Rachel Coelho - Artigo (página 04)Zé Flauzino - Crítica Literária (página 08)Cibele Chacon - Crítica de Cinema (página 11)Gilmar Leal Santos- #Sarau (página 15)

Cibele ChaconElton Telles

Gustavo Hermsdorff

Nuno Skor

Leonardo Biazini

Impressão: Jornal O DiárioTiragem: 3.000 exemplares16 Páginas / Tablóide Americano

Críticas, dúvidas ou sugestõ[email protected]

Departamento [email protected]

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5outubro

Nuno Skor

Antes mesmo de começar a falar em grafite, tenho certeza que algumas – espero que poucas – pessoas vão sol-tar algo como “são vagabundos”, “eles vandalizam o patrimônio público”, “vou chamar a polícia”. Mas vale lem-brar que, do mesmo jeito que rabiscos na parede são diferentes de quadros no museu, as pichações que incomo-dam tantos olhares também são bem diferentes da arte de colorir cenas da vida urbana, o grafite. Uma pena que, mesmo utilizando traços e técnicas diferentes, esse preconceito ainda e-xista. A boa notícia, no entanto, é que o grafite, apesar de tudo isso, está se fortalecendo aos poucos no mundo artístico por aqueles que trabalham na área ou por quem apenas brinca um pouco de colorir.

A história não é tão antiga assim. Começou logo ali, na década de 1970, em Nova Iorque. Foi uma maneira bastante diferente de expressar a re-alidade das ruas, principalmente, das camadas mais pobres da população. Aqui no Brasil, poucos anos depois, e até hoje, é muito comum olhar para viadutos, paredes, muros e perceber que estão conversando com você. Sim, conversando mesmo. Os desenhos podem carregar discursos políticos,

DA LIBERDADEsociais, econômicos, ecológicos ou mesmo pessoais, que de alguma for-ma, nos traços e cores dos grafiteiros conseguimos ouvir a voz das comuni-dades mais oprimidas e marginaliza-das. Com isso, é de se perguntar: onde esses artistas conseguem dinheiro para criar tantos trabalhos? A respos-ta é bem simples: colocando em práti-ca o jeitinho brasileiro e desenhando com diversos materiais e misturas de tinta, não apenas os famosos e caros sprays.

Por falar nas soluções criativas que só acontecem mesmo no Brasil, até o grafiteiro Angolano Nuno veio parar em terras tupiniquins. Vinte anos após deixar o país natal, de onde fugiu por conta da guerra civil e com a família morou alguns anos na Suíça, o grafite brasileiro o conquistou. Foi aqui que decidiu transformar o hobby em profissão e mostrar os traços em outras formas diferentes das cober-turas dos bolos, que confeitava traba-lhando em uma padaria. Agora sim, os pensamentos e ideias de Nuno po-dem ser vistas em diversos lugares do país. Mesmo que as pessoas não en-tendam muito bem a mensagem, não importa. O que vale é sentir e criar a própria compreensão. O desenho começa sendo dele, mas depois per-tence a todo mundo.

A ESTÉTICAO MURO EO GRAFITE,

Especial

[email protected]

CibeleChacon

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Nuno Skor

BrejoÉ claro que viver de arte nunca foi - e continua não sendo - fácil. Por mais que o grafite ganhe es-paço, é uma arte de rua e a essência não sobrevive-ria em galerias e museus, Então, não é tão simples transformá-la em dinheiro. Mas, estando em todos os cantos da cidade, não há pedestre, por menos cu-rioso que seja, que não pare e observe atentamente. É isso que os grafiteiros mais querem. É claro que muitos deles – ou a maioria – aproveitam o espaço para uma abordagem mais crítica, como é o caso de Felipe Tomazella, que tenta levantar uma bandeira mais social na mensagem. Por isso desenha imagens mais fáceis de serem decifradas, atingindo o maior número de pessoas. Uma pena que, vez ou outra, al-guns desaforos são disparados por quem pensa que as paredes estão sendo meramente sujadas, mas faz parte do processo. Para Nuno, esse pensamento está mudando e, aos poucos, as pessoas entendem mais o grafite. Não é a toa que sempre é contratado para pintar painéis e muros de casas e empresas, valori-zando a originalidade de cada traço.

Enquanto para alguns a arte pode estar à venda, para outros, não. Marcelo Sepulvida é do time que defende o grafite como maneira de livre expressão, sem poder precificá-lo, principalmente quando pe-dem para que ele reproduza algum desenho. “Eu desenho o que sinto. Dinheiro corrompe. O grafite é arte de rua, não é cópia ou xerox”, acredita. Inde-pendente da relação com o grafite, um pensamento é unânime: realizar intervenções artísticas é uma maneira de levar alegria a diversos locais e, tam-bém, aliviar pesos negativos em ambientes sem vida. Mesmo que o desenho não sobreviva muito tempo no local escolhido, o que importa é ter feito parte da história daquele ambiente por uma época.

Quando pensamos o lado das ofensas e do pre-conceito, Marcelo já está escaldado, mesmo desen-hando apenas com autorização, em casas abandona-das e viadutos. Ele teve problemas com a polícia por conta de pessoas desavisadas que o confundiram com um vândalo e fizeram e o denunciaram sem ao menos falar com ele. Entretanto, para surpresa de quase todos, o proprietário do imóvel havia con-cordado com o desenho e tudo se resolveu, ficando apenas o constrangimento pela situação. Essa reali-dade não é diferente da que o grafiteiro Brejo vive. Ainda assim, mesmo com algumas pessoas não en-tendendo muito bem a arte, ele não se sente inco-modado e não deixa de sair pela cidade em busca de espaços para deixar a marca, mas nesse caso troca as figuras por letras.

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7outubro

Falta de apoio

Infelizmente, não há muito interesse do Poder Público quando se trata do grafite. Para o grafiteiro Nuno falta maior interação entre a Prefeitura e os artistas e não é por falta de pedidos. Existe público para todas as formas de expressão, mas para que o trabalho seja realizado e apresentado um programa de incentivo seria bastante importante, porque as-sim se estabeleceria um diálogo entre grafiteiros, governo e comunidade. O apoio não deve ser ape-nas financeiro. Deve-se, também, favorecer a cri-ação de debates sobre os caminhos a serem dados ao grafite e a valorizar uma arte espontânea e livre.

De qualquer maneira, com ou sem apoio da prefeitura, o que importa é a união dos próprios artistas, como sempre defendeu Brejo. Essa é a ma-neira de levar o grafite para o maior número de pes-soas e conquistar mais e mais espaço. Essa também é a linha de pensamento do artista Felipe Toma-zella que, mesmo não se denominando grafiteiro e sim alguém que brinca com a arte, começou a ler e entender mais sobre o assunto. Assim levou a dis-cussão para dentro da universidade, rompendo um pouco com a resistência de quem não conhece essa forma de expressão das ruas.

Color + City

“Mais cor, por favor”, é com esse pedido que a mais nova ferramenta do Google trabalha. Bus-cando colorir e transformar as paisagens urbanas o Color + City permite que pessoas do país inteiro doem espaços nos muros e paredes para grafitei-ros, que tenham interesse em deixar a marca. Basta acessar o site, fazer o login com a conta do Google, marcar o local disponível no mapa e enviar algu-mas fotos. Feito isso, é só aguardar o interesse de algum artista também cadastrado na ferramenta.

Felipe Tomazella

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// Crítica Literária

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O EQUÍVOCO COMO MOTOR

Equivocar-se é humano. Nada mais verossímil, pois não, são as personagens do livro “O evangelho segundo Hitler”, romance do ma-ringaense Marcos Peres, vencedor do Prêmio SESC de Literatura 2012/2013 que de equívoco em equívoco conduz o leitor por um contexto inusitado dos bastidores da História. Os fatos têm versões – equivocadas ou não – que a própria realidade desconhece. De como o ditador alemão Adolf Hitler concebeu seu plano de poder e fez o que fez é o tema principal do livro de Marcos.

Por chocar, de pronto, o título do livro parece um equívoco. Ele sugere que Hitler, que passou para o ideário

como o anticristo, esteve às voltas com os evangelhos, textos que apresentam Jesus como o Messias, filho de Deus e salvador da humanidade. De anticristo para anticristo, o evangelho abordado no livro será o apócrifo de Judas, que por entregar Jesus aos romanos é con-siderado, por muitos, o primeiro anti-cristo. Nele se defende a atitude de Ju-das, pois dele dependeu a divinização de Jesus, ou seja, Judas transmitiu a verdadeira vontade de Deus. Ele foi o mal para que triunfasse o bem. Judas pecou para nos salvar. No livro, o autor fará esta tese se encontrar com Hitler, justificando, por sua vez, as atrocidades cometidas pelo nazismo.

Título nos remete a nome. O ícone da literatura argentina e universal nas-ceu Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo, porém é mais conhecido pelo breve nome de Jorge Luis Borges. No livro há este e mais um Jorge Luis Bor-

ges, o protagonista. Como se o nome não bastasse ele é argentino e escritor também. Vive à sombra do outro, in-vejoso e frustrado em suas aspirações literárias. A existência de homônimos deflagra a série de equívocos. O nasci-mento do Borges obscuro vem de um equívoco. Na resolução de um crime a polícia se equivoca. Para impressionar a mulher amada, Borges a conduz a um equívoco se fazendo passar pelo Borges famoso. Esta mentira o fará se envolver com uma seita, que se equivoca ao e-legê-lo profeta, culminando com o mais insano dos equívocos: o exter-mínio de judeus.

Uma das temáticas da literatura do consagrado Jorge Luis Borges é a pre-sença de um “outro”, um espelho, que divide a protagonização. No “Evan-gelho” se explora a ideia sem confundir os Borges, são distintos, não há um gêmeo sobrenatural, logo, a narrativa

não é fantástica como gênero, nem de cunho puramente psicológico já que é narrado em primeira pessoa. Tem tons de mistério no início, parte para um melodrama, ganha ares detetivescos e acaba por configurar-se em drama no todo. Por expor personagens bíblicos e dar outras versões para fatos ocor-ridos com eles é impossível não lem-brar o “Código Da Vinci”, livro de Dan Brown. A analogia procede e tem, por assim dizer, aval do próprio Marcos, que no capítulo 60 de seu livro, destaca uma citação ao escritor norte-americano.

Vencido o equívoco que na capa se insinua ganhará o leitor, pois não ocupará o texto com uma reserva de conceitos, não recusará a matéria da sua criação e nem negará a revelação de seu enigma. Não o preverá mais. Es-quecerá, enfim, que leu o livro antes de começar a lê-lo. Como humano que é será digno de perdão.

ZéFlauzino

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9outubro

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Segundo constam nos arquivos, os primeiros registros da colonização na região de Maringá data do início da dé-cada de 1930, com a vinda de produ-tores rurais em busca de terras férteis para expandir a área de cultivo do café. Movido, principalmente, pela comer-cialização de terras por fazendeiros e trabalhadores que viriam a calejar as mãos nas futuras lavouras, a formação e povoamento daquele espaço eram prósperos e caminhava a passos largos de vilarejo para ganhar formas de mu-nicípio. Em 1947, com o planejamento urbano já finalizado, Maringá surgiria no mapa.

O atual cognome “Cidade Canção” só viria a ganhar voz mais de 50 anos após a fundação do município, sendo no início apelidado de vários nomes, entre eles “Cidade Menina”, título que batiza a nova peça maringaense da Carniato & Carniato Produções Artísticas. No palco, fatos históricos e dramaturgia se abraçam para narrar o romance de três jovens, cada um deles levemente inspirados em personagens da nossa história e do nosso folclore. A mocinha é baseada na lendária Ma-ria do Ingá, “a cabocla que mais dava o que falá”, como escrevia Joubert de Carvalho; enquanto Cícero é gerente da companhia colonizadora que ven-dia os lotes da região – uma alusão à

A cultura cafeeira da Maringá dos anos 1940 é pano de fundo para o triângulo amoroso narrado na peça “Cidade Menina”

[email protected]

EltonTelles

Companhia de Terras Norte do Paraná. Para além dos cinco ensaios por se-

mana em dois meses, a ajuda do elenco para representar e atribuir o tom correto aos personagens veio de fotos e livros de história. Os primeiros encontros do grupo foram também para definir a car-acterização de cada integrante, afinal, “o ritmo de quem viveu nos anos 40 é to-talmente diferente do nosso”, afirma o diretor, Marcio Alex Pereira. Por conta da diferença, o papo democrático en-tre os envolvidos atentou para a pre-paração dos atores em empregarem o tempo apropriado daquela época, in-cluindo a postura, o comportamento, o modo de falar, andar e as pausas entre as respirações, tudo para se adequar ao período remoto. “Fomos estudar até como peneira o café, porque todo mundo aqui foi criado na cidade.”

Mas a reprodução temporal não foi a única preocupação dos envolvi-dos de “Cidade Menina”. “Mesmo em uma história de amor, a gente precisa fazer com que o público reflita sobre paradigmas e conceitos que foram historicamente e socialmente con-struídos”, comenta Pereira. Além de resvalar no machismo e na relação de poder entre diferentes classes sociais, a montagem também alfineta o como-dismo das atuais gerações familiares dos pioneiros, que desfrutam dos ben-

efícios sem sequer buscar conhecer a que custo tudo foi conquistado. Afinal, se o fazendeiro acordava todo dia uma hora antes para empurrar a cerquinha dele um pouco pra lá, isso também deve ser trazido à tona e servir como matéria de reflexão.

Retratando episódios pontuais da história, como as negociações nos escritórios da CTNP e a trágica gea-da negra de 1975, o autor do texto, Rogério Carniato escreveu “Cidade Menina” em homenagem aos seus avós, os pioneiros Arthur Carniatto (in memorian) e Euda Carniatto, que também cultivavam o tal “ouro verde” em uma região da cidade até perder a plantação em decorrência de uma geada imperdoável. “Meus avós me contavam, com tristeza, que quando levantaram de manhã e abriram a porta, além do frio que cortava o rosto, não enxergaram nen-hum pé de café”, recorda.

“Cidade Menina” promete ser um espetáculo intimista, pois revive a nostalgia daquele tempo com humor e doses de romance, sem com isso recorrer ao didatismo para contex-tualizar a trama. Desde as belezas e dificuldades que nossos pioneiros se depararam, o amadurecimento da ci-dade é visível e hoje já pode ser con-siderada uma mulher de verdade.

“Passei minha in-fância ouvindo as histórias dessa época, por isso, ela vive no meu imag-inário. Acho que a maior beleza que nossa cidade tem é seu passado, que é muito recente.”

Rogério Carniato,autor da peça “Cidade Menina”

Foto

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iTrês atos de café,por favor

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11outubro

VOCÊ SABEQUEM É ELENA?Documentário exibido no Festival de Cinema de Maringá emociona por ser poético e delicado

"Elena, sonhei com você essa noite." Palavras de Petra Costa ao mergulhar em suas memórias, des-vendando a si mesma através da busca pelos caminhos da irmã, Ele-na. Em um documentário extrema-mente pessoal, a cineasta nos guia por meio de sua voz em uma trilha estreita de lembranças dolorosas e perguntas deixadas na gaveta que são, agora, inevitáveis para compor um retrato delicado sobre perda, saudade e (re)descobrimento.

Elena tinha 15 anos quando os pais se separaram e, talvez, isso a tenha afetado profundamente, já que não há demonstrações de tristeza, apenas um afastamento da família, mesmo que por um inconsciente de preservação. Ela se muda de país e decide, então, viver como sempre quis, atuando. No meio da busca

desse sonho, Elena não consegue mais sustentar toda aquela alegria, mostrando um vazio imensurável. Esse sentimento a tornou incapaz de fazer arte, e não conseguindo fazê-la, preferia a morte.

Petra tinha apenas sete anos de idade quando Elena morreu, mas sempre teve o desejo do reencontro aparentemente impossível com a irmã, reaproximando-se dela ao re-fazer seus passos em Nova York e ao fazer escolhas semelhantes na vida. Mostrando essa trajetória, a irmã e diretora não constrói um filme a-penas para si. Consegue expandi-lo para além das recordações, univer-salizando os sentimentos de quan-do o espaço ocupado por alguém começa a se tornar vazio. De quando a presença se torna ausência e o que resta é escavar as lembranças.

Quando a vida é interrompida de maneira voluntária, é mais do que natural uma pergunta de quem ficou para quem se foi, mesmo que a resposta seja fragmentada ou, até mesmo, impossível. E o caminho percorrido pela cineasta para que possamos conhecer quem foi – e ain-da é – Elena traz inúmeras imagens registradas em VHS pela família, desde quando Petra era uma men-ininha até quando se deparou com o significado da morte e precisou carregá-lo consigo. Nesse misto de arquivos guardados e de imagens atuais, a jovem diretora demonstra imensa segurança e senso estético. A delicadeza para narrar a relação com a primogênita é fruto de um belíssimo roteiro escrito por ela em parceria com Carolina Ziskind e conta com o auxilio de uma trilha sonora pontual e cuidadosamente escolhida.

O filme Elena se utiliza de bus-cas detalhadas, revelando desejos e emoções contidas por meio de di-versos planos fechados que conse-guem aproximar o universo das irmãs – também de sua mãe – e de todos que o assiste. Com a câmera percorrendo as ruas em busca do

passado de Elena e do presente de Petra, as duas voltam a se encontrar, mesmo que apenas uma possa viver o futuro. Nesse sentido, o documen-tário não é apenas sobre a perso-nagem-título, mas também sobre a cineasta, que carrega as lágrimas e o sorriso na voz e nos permite visitar seus pesadelos, dores e fragilidades, tanto quanto os de Elena. O longa é a criação de aura quase onírica, ao mesmo tempo sensível e angus-tiante, mostrando como as marcas, mesmo que nem sempre tão visíveis, continuam lá, assim como as dores.

As feridas deixadas pela partida precoce de Elena são claras nos o-lhos e nas vozes de todos que di-videm as lembranças ao longo do filme, principalmente sua mãe. Nesse aspecto, é importante dizer que o documentário é um relato também de coragem, tanto de quem escolhe viver quanto de quem de-siste da vida. E fica bastante claro que, independente da morte, cada fragmento das lembranças sobre Elena nunca abandonaram Pe-tra e, agora, também a todos que a conheceram por meio dessa home-nagem e resgate. Elena é como se fosse a irmã que nunca tivemos.

CibelechaconJornalista

// Crítica de Cinema

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Num lado pouco movimentado da UEM, em plena segunda à noite, o som do vento sussurrando pelas árvores tornaria o lugar vazio, não fossem vozes vindas de uma das sa-las ali cravadas. Mesmo sem saber o que acontece lá dentro, os agudos e o tom maquiavélico me lembram histórias infantis contadas pela mãe, na qual a bruxa sempre era imagina-da gritando de maneira exagerada. Subindo as escadas o som aumenta, algumas pausas e comentários tam-bém começam a ser ouvidos e, claro, várias risadas, afinal, o grupo Meu Clown tem talento para transformar qualquer situação complicada ou delicada em comédia.

Dizem que é mais difícil arran-car risadas do que lágrimas, mas isso não é verdade para essa trupe. Os atores, de cara limpa e com roupas confortáveis, já conseguem mostrar a composição onde a vilã, a serviçal e os mocinhos nascem sob o olhar atento do diretor Marcelo Colavitto

que anota algumas observações. Eu, como único corpo estranho sen-tado em meio a outros membros do grupo, tenho o privilégio de rir de algo novo, ao contrário de todos que já sabiam o que esperar do diálogo seguinte. Uma pena já estarem nos minutos finais.

Interrompendo o ensaio, dei-xando de lado as vozes e trejeitos dos personagens em questão de se-gundos, o grupo se preocupa em dizer que ser um clown não é faz-er graça o tempo todo, e sim estar sempre em contato com a essência. É poder se aceitar e encontrar o ri-sível nas próprias fragilidades e con-tradições, afinal, se rir é o melhor remédio - como diz o famoso ditado popular - o grupo Meu Clown é uma bela receita para levar a alegria. E nesse encontro de artistas, a busca pela poesia na comédia é o que ga-rante um misto de sentimentos, seja em Maringá ou em qualquer outro lugar do mundo.

Durante a conversa, eles revelam ainda mais essa sensibilidade cômi-ca, contando como atravessaram o Atlântico para conquistar o público em diversos países da Europa. E para quem pensa que a língua foi

um obstáculo, está mais do que en-ganado. Para esses artistas, as pes-soas conseguem se identificar com as situações apresentadas, principal-mente quando existe a combinação entre tragédia e comédia. Os clowns conseguem mostrar o que é trágico na vida, ao mesmo tempo em que assumem as fraquezas e a humani-dade, e é daí que extraem o humor. Eles representam seres ingênuos e ridículos que mostram descompro-metimento e aparente ingenuidade, o que dá poder de zombar de tudo e todos impunemente em benefício da alegria.

Terminado o bate-papo, deixo o grupo continuar com o ensaio, afi-nal, cada riso arrancado da plateia é feito com bastante seriedade e dedicação. Descendo as escadas os sons vão diminuindo, mas agora, não ouço apenas o vento. Passo pela guarita em que fica um dos guardas do campus e identifico a música de abertura da novela. Talvez o mundo nem faça ideia de como muitas pes-soas trabalham querendo apenas uma coisa: transformar a realidade das pessoas em risos e sorrisos. Transformaram a minha. Ao menos naquela noite.

[email protected]

CibeleChacon

que palhaçada é essa?

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13outubro

q

ue palhaçada é essa?

Como era o cenário cultural de Maringá no início dos anos 80,quando você chegou aqui?

Você acha isso é um retrocesso?

Qual a sua visão de cultura e como pode mudar a vida de uma pessoa?

De 1984 a 1990, você comandou as discussões do Cinematógrapho Clube de Cinema. Como funcionava a dinâmica do encontro?

Você atua como apresentador do pro-grama radiofônico Jazz & Companhia há 21 anos. Imagino que não tenha sido fácil mantê-lo no ar por tanto tempo.

E a partir dessa iniciativa, quais músicos você trouxe para tocar em Maringá?

Por falar em Hermeto Pascoal, você recentemente lançou seu primeiro livro, Hermeto Pascoal, musicamente falando..., sobre a obra do artista. Como foi o processo de escrita? Por quê?

Quando cheguei a Maringá, havia even-tos na cidade que depois simplesmente desapareceram. Lembro-me do festival de teatro amador; grupos regionais que atuavam com MPB de raiz; o coral de jovens da UEM; cineclubes e a cidade estava na rota dos grandes nomes de MPB. Então vinham pra cá Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Alceu Valença... O preço dos ingressos era acessível, e o Chico Neto estava sempre lotado em dias de show, a fila dobrava a esquina e se chegasse atrasado, não conseguia entrar. Hoje em dia, a gente já não vê isso com frequência.

Figura de extrema importância para a cultura maringaense, o jornalista Paulo Petrini, com amplo conhecimento e experiência no campo da música e do cinema, agora se aventura na Literatura com o lançamento de seu novo livro, que retrata a obra influente do artista Hermeto Pascoal. Ao O Duque, ele concede entrevista sobre seu legado na cidade

Não sei se pode ser chamado de re-trocesso, pois depende da corrente de análise. Há autores que consideram to-dos curtirem a mesma coisa algo posi-tivo, já que reúne pessoas de todas as instâncias sociais e quebram barreiras impostas. Eu acho que se o indivíduo gosta disso, vai fundo. Quem não gosta e quer se livrar da massificação deve bus-car e pesquisar até encontrar algo que case com a sua própria personalidade, pois vamos nos formatando enquanto sujeito e criamos uma identidade. Se depender das coisas que chegam de graça para nós, não sairemos do lugar.

Antigamente, eu pensava a cultura como desenvolvimento do sujeito. Você quer estar próximo das artes para pro-vocar uma revolução na sociedade em seus aspectos imaginários e políticos. Mas... e se as pessoas não quiserem isso? E se a felicidade de muitas delas não de-pendem disso, e sim do último modelo de carro que foi lançado? E se elas se preocupam com os bens materiais e não com os aspectos simbólicos da vida? Ué, bom também, desde que sejam felizes. A questão é que se o sujeito fica refém somente do que lhe é oferecido pelo sistema de comunicação de massa, es-tará aquém da sua própria descoberta.

O cineclubismo representava um so-nho do jovem engajado da época que era promover as mudanças sociais. O Cinematógrapho era gratuito. Surgiu com um grupo de universitários da UEM e era uma forma de levar debate para as pessoas que não tinham acesso. Naquela época, se você quisesse ver um filme artístico, tinha que buscá-lo em um centro cultural ou na embaixada do país. As sessões eram quase todas im-provisadas, feitas em praça pública, em uma sala de aula. Projetava-se um filme de 16 mm na parede de uma igreja de bairro, etc. O mais importante era fo-mentar o debate ao término do filme.

Pra mim é difícil falar com precisão porque não estou vivendo tanto a ci-dade. Sei que temos eventos interes-santes no nosso calendário cultural, mas antes havia mais opções. Houve um tempo em que Maringá estava também na rota do teatro interessante, porque é diferente assistir a espetáculos de Paulo Autran e Gianfrancesco Guarnieri dos de Sergio Mallandro, por exemplo. Com o tempo, Maringá foi se distan-ciando, mas isso foi um fenômeno que atingiu a todos os lugares por conta do domínio total da cultura de mercado que se mantém soberana até hoje.

Nós podemos alcançar essa revolução hoje em dia? Pouco provável. Por isso, eu vejo a cultura exclusivamente para a satisfação pessoal, intelectual e espiritu-al, um bem-estar que a pessoa alcança por meio do prazer com a leitura, músi-ca, cinema, etc. A revolução a gente não pode fazer por esse caminho, mas eu acredito no sujeito enquanto partici-pante, que ele possa agregar diferencial em seu meio de convívio.

Quando o Jazz & Companhia veio de três emissoras comerciais e se instalou na rádio da UEM (onde está até hoje), não era mais necessária a luta de se manter um programa, porque antes havia a necessidade de resistir à alta pressão das rádios comerciais, tanto no aspecto econômico, que era levantar re-

Eram apresentações em formatos difer-entes, variando de recital a concerto. Fizemos a fase blues com vários artistas do Brasil, como Blues Etílicos, André Christovam e Irmandades do Blues. Paralelamente, realizei shows de grupos instrumentais: Paulo Moura, Márvio Ciribelli, Pascoal Meirelles, José Bol-drini, Saul Trompet, Banda Mantique-ira, Hermeto Pascoal, dentre outros. Ao todo, foram uns 15 shows em oito anos.

Durante a fase de produção do Jazz e Companhia, sempre tive vontade de trazer o Hermeto para tocar em Ma-ringá e quando aconteceu decidi fazer um projeto para estudar a sua obra e sua representatividade no universo in-strumental brasileiro. Iniciei as pesqui-sas e comecei a fazer entrevistas com músicos para coletar material, e então iniciei o livro em 2002. Depois de um tempo, suspendi o projeto por motivos pessoais, mas comecei a rever esse ma-terial no ano passado e dentro do que já havia rascunhado vi a possibilidade de publicar as entrevistas. O segundo vo-lume será publicado em breve.

“O homem desligado à cultura está aquém da

própria descoberta”Paulo Petrini

[email protected]

EltonTelles

cursos, quanto ideológico, a busca pela audiência. Essa é a cruel lógica do mer-cado. Hoje, na UEM, não há mais essa loucura. É mais confortável e mais deli-cioso de se fazer, sem falar que dediquei mais tempo para outras atividades e foi justamente nessa época que desenvolvi um lado de produção cultural do pro-grama.

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15outubro

# SARAU

Sylvia Plathe a poesia interrompida

Fiquei com uma danada de uma dúvida sobre o primeiro tema desta coluna. Sabia que escreveria sobre um poeta, mas quem? Poeta brasileiro ou estrangeiro? Resolvi da maneira mais simples: já que estava lendo Sylvia Plath, escolha natu-ral e bacana. Sylvia é considerada uma das grandes poetisas estadunidenses. O espaço é pequeno, desta maneira escolhi salpicar algumas passagens importantes de sua vida curta.

Sylvia Plath suicidou-se em 1963 aos trinta anos de idade; como naquela música do Vinícius: "... ligou o gás, o coitado, o último gás do botijão...". Pudera, com dois filhos, doente, quebrada financeiramente, morando em um cubículo de apartamento em Londres após um casamento fracassado. Foi a sua trágica escolha.

Não foi uma surpresa, Sylvia já tinha tentado o suicídio aos oito quando seu pai morreu devido à diabetes. A experiência foi descrita em seu único romance e pseudobiografia "The Bell Jar", no Brasil: "A Redoma de Vidro".

Nascida em Massachussets, foi uma aluna notável. Publicou o seu primeiro poema também aos oito anos de idade. Ganhou uma bolsa de estudos e foi es-tudar em Cambridge, Inglaterra. Lá conheceu, em uma festa, seu marido, o tam-bém poeta Ted Hughes.

Em uma de suas memórias de diário, Sylvia escreveu: "É como se minha vida fosse magicamente comandada por duas correntes elétricas: alegre positivo e desesperada negativo, aquela que, no momento, estiver no comando, domina a mina vida, inundando-a.". Esta é uma bela descrição do transtorno bipolar, que naquela época não tinha nenhum remédio efetivo.

Parece que as dificuldades de sua vida reforçavam a sua necessidade de es-crever e, geralmente, Sylvia trabalhava durante a madrugada, enquanto seus fi-lhos dormiam. Às vezes conseguia terminar um poema por dia.

Sylvia pode ser considerada como parte da escola de poesia confessional, juntamente com Robert Lowell e Anne Sexton; ganhou um prêmio Pulitzer e, como disse Woody Allen no filme Annie Hall: "Plath foi uma poetisa interes-sante cujo seu trágico suicídio foi mal interpretado como romântico.".

Abaixo a tradução que fiz de um poema de Sylvia Plath: The sleepers, publi-cado em 1959.

Os adormecidos

Nenhum mapa marca a ruaOnde aqueles dois adormecidos estão.Nós perdemos a pista deles.Eles repousam como fosse sob a águaEm uma estática luz azul,E a janela francesa entreaberta

Com cortinas de laços amarelos.Através da fresta estreitaSobe o cheiro da terra molhada.A lesma deixa um rastro prateado;Cercas-vivas escuras protegem a casa.Nós damos uma olhadela para trás.

Entre pétalas pálidas como a morteE folhas de formas constantesEles dormem, boca com boca.Uma bruma branca sobe.As pequenas narinas verdes respiram,E eles revolvem em seus sonos.

Expulsos daquela cama quenteNós somos um sonho que eles sonham.Suas pálpebras mantêm o escuro.Nenhum mal pode alcançá-los.Nós trocamos nossas peles e deslizamosPara outro tempo.

The Sleepers

No map traces the street Where those two sleepers are. We have lost track of it. They lie as if under water In a blue, unchanging light, The French window ajar

Curtained with yellow lace. Through the narrow crack Odors of wet earth rise. The snail leaves a silver track; Dark thickets hedge the house. We take a backward look.

Among petals pale as death And leaves steadfast in shape They sleep on, mouth to mouth. A white mist is going up. The small green nostrils breathe, And they turn in their sleep.

Ousted from that warm bed We are a dream they dream. Their eyelids keep up the shade. No harm can come to them. We cast our skins and slide Into another time.

GilmarLeal Santos

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