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Ano II - julho - Nº 16 www.oduque.com.br

Jornal O Duque #16

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Jornal de arte e cultura

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Ano II - julho - Nº 16www.oduque.com.br

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CONSELHO EDITORIALEdição nº 16 / Ano II

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

DIRETOR ADMINISTRATIVOMiguel Fernando

DIRETOR DE ESTRATÉGIAGustavo Hermsdorff

DIRETORA DE CONTEÚDOLuana Bernardes

REVISORZé Flauzino

COLABORADORESPaula Mariá - #Confraria (páginas 8 e 20)Ademir Demarchi - Ensaio (página 16)Tamires Belluzzi - Pequenos Prazeres (páginas 18 e 19)Dee Freitag - Música (página 21) Thays Pretti - #Sarau (página 22)

Departamento Comercial44 9959-8472

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As colocações expostas por convidados ou entrevistados são de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

charges

DESIGN EDITORIAL E JORNALISMO

ARTISTA DO MÊSCibele SantosIlustração de capa

Impressão: GrafinorteTiragem: 3.000 exemplares24 Páginas / Tablóide Americano

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FILIADO A FOMENTADO POR

AS MATÉRIAS DA EDIÇÃO EM 5 MINUTOS

expressoEntrevista com Maurício Arruda Mendonça

A beleza dos Pequenos Prazeres

Marigá e o cinemaque ninguém vê

A cruz e a espada da organização

Ouvir música é sair da zona de conforto

Dramaturgo londrinense falou sobre a formação de novos autores para o palco e do potencial que está sendo descoberto no Paraná. (Página 04)

Série fotográfica de Tamires Belluzzi apresenta o singelo e humano nos detalhes de uma vida comum. (Páginas 18 e 19)

O repórter Elton Telles fez um resgate da filmografia maringaense e foi a campo conferir e acompanhar o trabalho dos grupos que investem tempo e recursos para fazer de Maringá uma cidade cinematográfica.

(Páginas 12 a 15)

Matéria de capa

Reportagem de Gustavo Hermsdorff analisa duas situações que aconteceram em junho e ilustram a diferença que os

pequenos detalhes fazem no processo artístico (Página 09)

Dee Freitag estreia coluna de música nas páginas do Duque falando sobre a cena independente. (Página 21)

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Entrevista //

MAURÍCIOARRUDAMENDONÇA

entrevista com

“Daqui um tempo veremos os críticos tentando entender porque no Paraná surgem tantosdramaturgos dealta qualidade”

GustavoHermsdorff

É dramaturgo, tradutor, poeta, músico e diretor teatral. É graduado em Direito, Mestre e Doutorando em Letras na Universidade Estadual de Londrina. Colabora com o Armazém Companhia de Teatro e com o diretor Paulo de Moraes desde 1995 e é o orientador do Núcleo de Dramaturgia do Sesi em Maringá, Londrina e Curitiba.

Publicou mais de quinze livros entre poesia, teatro, conto e pesquisa historiográfica. Como dramaturgo escreveu mais de 20 peças, dirigiu 8 espetáculos e recebeu 3 prêmios nacionais de melhor dramaturgia (SATED/MG e dois SHELL-RJ). É o único dramaturgo brasileiro com três prêmios internacionais, tendo recebido nos anos de 2013 e 2014 por duas vezes o prestigioso prêmio Fringe First Award concedido pelo jornal The Scotsman, por “innovating and outstanding new writing” [inventiva e excepcional nova escrita] das peças A Marca da Água (2013) e O Dia em que Sam Morreu (2014) durante o Festival de Teatro de Edimburgo (Escócia) – o maior festival de teatro do mundo e em 2014 o prêmio “Coup de Coeur” do Clube de La Presse durante o Festival de Teatro de Avingnon, França – o mais antigo festival de teatro internacional do mundo. Esse mesmo prêmio foi concedido anteriormente a nomes importantes do teatro mundial como o polonês Thadeuz Kantor, por exemplo.

A premiação recebida por Mendonça é inédita para o teatro brasileiro, latino-americano e para a dramaturgia em língua portuguesa.

Bem, o que quero dizer com isso é que o teatro é essencialmente político (no melhor dessa palavra) – tem a ver com a cidade, com as relações interpessoais e as suas complexidades, especialmente na contemporaneidade. Não creio que esse seja um ponto de partida da minha criação, mas uma forma de entender o que é o teatro. O que costumo dizer é que o teatro nos faz pensar sobre questões problemáticas e nesse sentido é uma “lente de aumento” sobre aquilo que muitas vezes não conseguimos ver direito.

Eu comecei já tarde em termos da minha carreira. Comecei em 1995, há 20 anos. Londrina sempre teve uma cena teatral muito rica, especialmente na década de 1980, quando tínhamos mais de vinte grupos atuantes. Na década de 90 consolidaram grupos como o Cemitério de Automóveis do Mario Bortolotto (hoje em São Paulo) e o Armazém Companhia de Teatro de Paulo de Moraes e Patrícia Selonk (hoje no Rio), este último com quem fui trabalhar em 95. Eram duas companhias muito interessantes e agitaram muito Londrina até o final dos anos 90. Depois seguiram para grandes centros.

Nos encontros do Núcleo de Dramaturgia do SESI, você deixa escapar algumas máximas que ilustram bem o seu pensamento sobre o teatro e encaminham bem quem está começando. Uma das que mais me chamou a atenção foi "O teatro é uma lente de aumento sobre as relações". Podemos presumir que esse é o ponto de partida da sua criação dramatúrgica?

Quando foi que começou o seu trabalho no teatro? Como era a cena teatral de Londrina naquela época?

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Entrevista //

Bom, eu venho da poesia, da tradução de poesia de língua inglesa, francesa, japonesa e mesmo chinesa. Isso me deu um gosto pela palavra muito grande, pelos valores de som e sentido da fala, o estudo da prosódia. O lado pesquisador é o meu lado mais voltado à pesquisa história e à reflexão, pois tenho um interesse muito grande pela filosofia. Eu levo para o texto teatral os valores poéticos e filosóficos, isso é uma marca do meu trabalho. A coisa da pesquisa tornou-se também uma parte do meu processo de escrita que passa por estudos e pesquisas antes da redação.

O Armazém é uma escola. Aprendi muito com o contato com os atores da companhia. O Paulo de Moraes que, além de um diretor extraordinário, é um dramaturgo de alta qualidade e um parceiro que sabe instigar para criarmos algo sempre mais arriscado. O trabalho com o Armazém é um trabalho de proposição de ideias, uma conjunção entre trabalho de diretor, de atores e dramaturgos num todo orgânico.

Sim, o Paulo é um artista fundamental no teatro brasileiro contemporâneo, pois concilia direção com dramaturgia e encenação numa verdadeira “obra-de-arte-total.”, como disse a própria crítica britânica. Nossa parceria começou quando ele decidiu que precisava de um especialista para cuidar dos textos da companhia, no caso um poeta. Em 1995 ele me chamou para adaptar “Edipo-Rei” com ele. Acho que tínhamos algumas referências geracionais em comum e isso facilitou o entendimento artístico mútuo. E eu, de minha parte, sempre fui muito aberto a parcerias, pois tenho amigos que são artistas que considero muito e trabalho com eles quando é possível.

Grandes artistas sempre extrapolam sua linha de ação porque utilizam tudo como estudo e experiência. Além das peças, você também é pesquisador, traduziu muitos (grandes) textos e adaptou até clássicos como Édipo-Rei. Como esse processo de pesquisa e aprendizado refletiu no tipo de texto que você faz hoje?

Além do estudo, as parcerias também são fundamentais para desenvolver uma carreira dentro de qualquer atividade artística. Como é o trabalho no Armazém Companhia de Teatro, com o qual você colabora há 20 anos?

Impossível te perguntar sobre parceria e não citar Paulo de Moraes. Juntos vocês conquistaram, só a título de exemplificação, o maior prêmio do teatro mundial, o Fringe First Award (Festival de Edimburgo na Escócia) por duas vezes, além de diversos outros prêmios dentro e fora do Brasil. Como foi que essa parceria começou? O que fez - e faz - o trabalho coautoral dar certo entre vocês?

Essa frase eu aprendi com Roberto Koln, o fundador do primeiro grupo de teatro amador de Londrina, o GPT [Grupo de Pesquisa Teatral] em 1957 - uma pessoa incrível e que me ensinou muito, infelizmente já falecido. Conheci ele quando eu era coordenador da escola municipal de teatro de Londrina no finalzinho dos anos 90. Acho que a dramaturgia tem esse caráter de discussão de coisas que não temos muito acesso. Muitas peças que são de grande qualidade são peças que apresentam discussões memoráveis sobre os mais diferentes assuntos e nos dão uma nova compreensão do mundo e da vida. Mas acho que o artista deve ser alguém que está sempre envolvido com seu mundo, procurando falar sobre ele. É algo visceral, mas que demanda reflexão.

Outra máxima sempre lembrada nos encontros do Núcleo é a de que "O teatro não é lugar para provar verdades pequenas". Para você, esse poder de discussão que a dramaturgia (e a arte num todo) possibilita é também uma forma de o artista aprender sobre o mundo?

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Entrevista //

Bem, Mário e Paulo estão há muitos anos fora do Paraná. Eu sou o único que fiquei no Norte do Paraná. Mas você está certo. Creio que tanto Londrina quanto Maringá são cidades que propiciam condições para que os jovens comecem a desenvolver seu trabalho. Claro que enfrentamos problemas de público, mas temos a chance de aprender, conhecer pessoas interessantes e unir para fazer teatro. Mas se quisermos que nosso trabalho prossiga e tenha um reconhecimento maior, a saída é viajar muito e apresentar-se muito. O teatro é uma arte delicada e difícil, mas nada se compara ao prazer que ela proporciona a quem faz.

Eu acho que é preciso que aprendamos as duas coisas. O que se fez e o que se está fazendo. Evidente que o teatro contemporâneo possui múltiplas referências estéticas e é preciso entendê-lo, mas quero que quem esteja aprendendo a escrever para teatro, principalmente no interior do Estado, possa ler mais e saber mais sobre o que foi feito, pois a dramaturgia não existe num vácuo. Com o bom conhecimento do que foi feito é possível ousar mais em textos que radicalizam os elementos tradicionais da escrita teatral.

Acho que os dramaturgos se fazem no desejo de expressar coisas importantes em companhia de seus amigos. No fundo disso tudo está o amor pela arte e pelas pessoas. Também não há como um dramaturgo não ser influenciado pelo seu tempo. Agora, o problema da formação de dramaturgos é uma coisa séria em nosso país, e creio que o SESI do Paraná está fazendo algo incrível em favor do teatro brasileiro. Imagino que daqui um tempo veremos os críticos tentando entender por que no Paraná surgem tantos dramaturgos de alta qualidade.

Maringá é uma cidade extraordinária e tem uma tradição. Os espaços são excelentes, e as pessoas, muito sérias e interessadas em fazer arte. Acho que Maringá já começa a viver um momento muito rico. Mas é preciso que quem faz teatro, os grupos se unam e procurem se apresentar em conjunto em temporadas em que o público possa vê-los em suas diferenças e riquezas. Separados, com uma apresentação aqui e ali, o meio teatral tende a parecer sem contundência. Acho que não é o caso de seguir iniciativas, pois Maringá tem a sua própria

personalidade. Mas há algumas diferenças que podemos pensar. Em Londrina os jovens que faziam teatro aprenderam muitíssimo vendo espetáculos internacionais no FILO (Festival Internacional de Teatro), por sinal o festival internacional mais antigo do Brasil. Outra coisa foram as Vilas Culturais que é uma tradição dos artistas de teatro londrinenses de usarem barracões – isso começou com a Armazém Companhia de Teatro, depois com o teatro Núcleo I, e hoje há vários na cidade. Essa tática foi boa, porque as pessoas conseguiram um lugar fixo para ensaiar e se apresentar na falta de espaços como existem aqui em Maringá. A falta de público também fez com que surgissem grupos muito bons de teatro de rua, que é forte em Londrina.

Essa é uma sacada que eu tive na Escola Municipal de Teatro de Londrina de tanto montar e desmontar cenários e sentir aquela saudade. Depois vi que o grande Peter Brook diz quase a mesma coisa com a ideia de "espaço vazio." É com base nessas duas ideias que eu faço esse comentário. Quanto a mim, eu quero poder ousar mais nos meus textos teatrais, quero dar aulas e passar o que eu sei, traduzir alguns estudos de teatro, dirigir peças que me instigam. Ou seja, o teatro me escolheu e eu quero honrar essa arte com o melhor que eu possa fazer nesta vida.

Maurício Arruda de Mendonça, Paulo de Moraes, Mário Botolotto... três grandes nomes da dramaturgia que começaram e continuam fazendo teatro no interior do Paraná. Para quem está começando, é a prova de que é preciso estar nos grandes centros para conquistar alguma coisa. O que você acha disso?

Você assumiu recentemente a orientação das oficinas do Sesi em Maringá e em Londrina, e trouxe, pelo menos aqui, o teatro desde sua origem nas tragédias clássicas, introduzindo a todos o que é a essência da dramaturgia. Você acha que o ensino dessa base está sendo esquecido em relação à discussão das novas estéticas contemporâneas?

Não se faz mais dramaturgos como antigamente?

Temos aqui em Maringá teatros bons e relativamente bem equipados, além de um crescente incentivo para produções e iniciativas locais. Penso que o resultado disso tudo deve começar a vir em médio prazo, dentro dos próximos cinco anos talvez. Para você que está conhecendo melhor nossa cidade e o potencial que aqui tem. O que podemos esperar do teatro local?

Quais iniciativas de Londrina que nós deveríamos seguir?

Por último, queria citar uma outra frase que sempre ouço nos encontros. "O teatro nasce do zero e volta ao zero, mas no meio tempo acontece uma mágica indescritível". Pensando na carreira de um artista que também nasce do zero, o que mais você pretende fazer durante esse seu "meio tempo de mágica indescritível"?

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#Confraria

A literatura da maringaense Bruna Siena não é para quem não sabe brincar. “Eu escrevo putaria mesmo, não precisa dar outro nome, tentar suavizar, dizer que é ‘erótico’; é putaria mesmo”, defende ela. O trabalho de colocar noites sujas, amores brutos e a descrição sem pudores do sexo em si na literatura não é fácil e quem escreve sabe, mas Siena tem o dom.

A proposta agora é lançar, até o final do mês, o projeto intitulado Sodomia, fazendo referência às famosas cidades de Sodoma e Gomorra que, segundo a bíblia, foram destruídas por Deus com fogo e enxofre caídos do céu devido a prática

A introdução do álbum “Autópsia na Verdade”, de Ivan Marinheiro, já é pesada assim: “Dói, mas faz bem, não é?” Em tempos de Namastê generalizado, nada como uma pedrada dessas para despertar um pouco. O “R” puxado não esconde as origens do rapper maringaense. Boa essa sensação de identificação, especialmente em um material bem feito como esse.

As rimas ricas falam muito sobre as batalhas pessoais que cada um enfrenta. São análises do cotidiano e do espaço. Um retrato do que acontece ao redor, sim, mas sempre voltado para a autorreflexão. O artista apresenta muito mais do que problemas, apresenta caminhos, armas que podem ser utilizadas nessa batalha. E o som tem peso de guerra mesmo. A batida e o rap cru são pesados, demarcados, mas graças aos trabalhos conjuntos que Ivan chamou para compor a obra, não o deixam cansativo.

Cada introdução fica bem pontuada e, como característica, acrescenta no álbum a mistura de artes. Estão presentes em

de atos imorais. A escritora traz contos inéditos que expõem em carne viva os pecados da alma. Da alma sim, porque os corpos que Siena descreve são lotados de alma, de instinto e sentimentos profundos. Muito se engana quem acha que o pecado é da carne. Nada é o que aparenta.

As cenas buscam a extrema veracidade. É possível participar, num ménage à trois, dos amores ali descritos. “Eu sempre escrevi sobre mim, sobre a minha vida. É tudo um absurdo, mas porque a vida é absurda mesmo, mas no fundo é tudo verdade. A ficção é só um charme”, revela Siena. Sodomia, segundo ela, é a mistura

sua música desde o nordestino Siba e a Fuloresta até uma divertida conversa entre Elis Regina e Adoniran Barbosa. Alguns versos bem declamados de Shakespeare também quebram o já esperado. Por outro lado, essas características podem dar a impressão de que o álbum não está costurado, justamente, pelo peso individual de cada música. O disco “Autópsia na Verdade” bate mais do que desliza e funciona mais como uma obra de singles.

Bem, talvez seja mesmo esse o propósito: desvendar órgão a órgão - faixa a faixa - cada uma das partes de maneira específica e aprofundada a fim de entender o todo. O álbum passa realmente a impressão de ser um exame delicado e concentrado. É preciso escutar, reescutar, voltar tudo de novo e mais uma vez. É notável o trabalho dedicado a cada um dos sons e assim eles precisam ser também compreendidos. Agora, se a causa - da morte ou da vida - é ou não desvendada, depende muito de quem ouve.

de três histórias: O Pintor, o Boyglam e o Maldito, “cabeça, braços e coração”, explica.

Onze contos formam o trabalho, que começou com a ideia de um zine e, ao final, se tornou um livro com mais de 60 páginas.  As artes escolhidas para ilustrar as histórias são da francesa Apollonia Saintclair, com quem a escritora teve contato após uma publicação da revista digital Sexus. De fato, só não podemos dizer que a relação entre os textos e as imagens forma um casamento perfeito, porque, olhando de perto, fica claro que

o matrimônio não as contempla, a relação está muito mais para uma grande orgia.

Ainda sem data marcada, o lançamento está sendo planejado com direito a uma noite de rock n roll - e muita sacanagem - no Tribo’s Bar. Enquanto isso, a escritora se dedica a projetos paralelos, entre eles o livro coletivo Menarca que está aberto para receber contos e poemas das mulheres de Maringá e região. Ele será produzido e ilustrado pela Editora Fracasso. Os textos podem ser enviados para [email protected].

Sienamapeia acidade do pecado

Não fique à deriva de música positiva

"Eu sempre escrevi sobre mim, sobre a minha vida.É tudo um absurdo, mas porque a vida é absurda

mesmo, mas no fundo é tudo verdade.A ficção é só um charme."

“As rimas ricas falam muito sobre as batalhaspessoais que cada um enfrenta. São análises

do cotidiano e do espaço. Um retrato do que aconteceao redor, sim, mas sempre voltado

para a autorreflexão. ”.

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Vida de Artista //

A cruz e a espadada organização

Para termos um ambiente ideal para a valorização da arte,precisamos aprender a respeitar cada processo

Repórter

Foto: João Caldas / Divulgação

GustavoHermsdorff

A arte maringaense vive um momento de profundo e significativo desenvolvimento, impulsionado, sobretudo, pelas iniciativas de profissionais que acreditam e apostam em nossa região. São produtores, artistas e entusiastas que dedicam tempo, talento e muita raça para construir, evento por evento, uma cena ampla e sustentável, com diversas opções para o público e para quem quer viver de sua arte. Essa construção, no entanto, sugere acima de tudo um ensinamento: é preciso educar a todos que a arte deve ser levada à sério.

No último mês, duas situações que aconteceram em eventos realizados em Maringá ilustraram bem o que significa esse aprendizado. Nas duas situações, artistas com longa experiência mostraram, através do seu comprometimento com o trabalho, que o papel do artista não é só encantar, mas também educar seu público mesmo que a contragosto. Não é por que é uma peça de teatro que nós podemos chegar atrasados e atrapalhar o espetáculo, assim como também não é por que um curso é gratuito que você vai pular uma etapa sem comprometer o restante da formação.

A primeira delas foi quando o ator Antonio Fagundes, que dispensa apresentações, esteve na cidade com o seu espetáculo "Tribos" nos dias 12 e 13 de junho no Teatro Calil Haddad. Rigoroso defensor da pontualidade em todos os seus trabalhos nos mais de 40 anos de carreira, Fagundes faz questão de que todos os seus espetáculos fechem as portas ao início da apresentação. Isso causou certo transtorno para uma parcela - pequena - do público que não respeitou a regra e à produção, que teve de lidar com os atrasados.

Em entrevista concedida a um programa televisivo - e compartilhada nas redes sociais pela produção local da peça - o ator deixa claro por que não tolera a situação. "As pessoas pensam que a vida do ator é muito fácil, que não tem horário. Ao contrário, ele tem que começar tudo na hora, porque senão ele prejudica uma série de profissionais que estão lá, aguardando por ele". No teatro, Fagundes é ainda mais incisivo: "Os atrasados, eles são abusados por natureza. Já sendo atrasados, eles já partem do

princípio que você deveria esperá-los, não é?", conclui.A segunda situação também envolveu uma artista

acostumada a percorrer o país encantando e educando o público. Babaya Morais é cantora e professora de técnica da voz, uma das maiores preparadoras vocais do país, profissional fundamental dos principais grupos de teatro e de grandes atores da televisão e do cinema como Renata Sorrah, Luis Melo, Marieta Severo e Letícia Sabatella. De 18 a 21 de junho, Babaya esteve em Maringá para ministrar a oficina "A voz do ator/cantor" que fez parte do FOCA (Formação e Capacitação de Artistas), projeto de Rachel Coelho

viabilizado através do Prêmio Aniceto Matti, da Secretaria de Cultura de Maringá.

A oficina, totalmente gratuita, foi realizada em três módulos, divididos nos quatro dias, e os interessados se inscreveram com antecedência para as 20 vagas oferecidas pela produção. O primeiro módulo, uma palestra intitulada "Noções de fisiologia da voz", era etapa fundamental para todos os inscritos que fossem participar dos demais dias, mas uma parte - aproximadamente sete ou oito pessoas - não participou e por isso perdeu o direito de continuar a oficina. Em nota sobre o ocorrido, Rachel Coelho explicou que a exigência constava em todos os materiais de divulgação on-line e impresso.

No caso do FOCA, a situação fica ainda mais ilustrativa por conta de um fator fundamental: estamos falando de um projeto que tem por objetivo formar artistas para todo o ofício, inclusive para a profissionalização da classe. Para Márcia Costa, atriz

maringaense que participou da oficina, é através do exemplo de Babaya que alcançaremos esse nível. "Os excelentes e experientes profissionais que ministram as oficinas estão nos mostrando que a arte do teatro não se faz mais ou menos. Mostram-nos que arte para eles é vida, comprometimento e responsabilidade! Essas pessoas não são referências de qualidade à toa", publicou.

"Babaya ficou absurdamente chateada e constrangida com a situação. Quem conseguiu fazer a oficina viu o quanto a situação a abalou. Nós também

ficamos numa situação desconfortável, pois a essência do nosso projeto é trazer conhecimento para as pessoas e não privá-las dele", completa Rachel, mostrando que, apesar de respeitadas as regras, ainda assim, o fato gera transtornos que poderiam ser evitados caso houvesse uma cultura de comprometimento de todas as partes. O mesmo também vale para o elenco e a equipe que produziu "Tribos" aqui na cidade.

O que fica como exemplo das duas situações é, sobretudo, a cumplicidade que deve haver entre artistas e plateia para se alcançar aquela cena ampla e sustentável como houve com a grande maioria que cumpriu o horário no Calil e participou de todas as etapas do FOCA. "Felizmente, temos diversas pessoas (a maioria) participando de todas as oficinas com um comportamento exemplar, nos enchendo de alegria e orgulho. É por essas pessoas que continuaremos nosso trabalho", completa Rachel.

"Os excelentes e experientes profissionais que ministram as oficinas estão nos mostrando que a arte do teatro não se faz mais ou menos. Mostram-nos que arte para eles é

vida, comprometimento e responsabilidade!Essas pessoas não são referências de qualidade à toa."

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Série "Pixo"

PaulaMariá

Repórter

“O pixo existe desde a Era das Cavernas. É uma necessidade humana”, defende o artista - de casa e de rua - Isaac Kassiano. É claro que no meio os nomes se confundem: Quem faz é artista ou vândalo? Depende. O grafite é diferente da pichação, também, dirão. Mas e aí? Onde está a diferença? Onde, exatamente, está a linha que os divide?

É difícil o trabalho de catalogação, mas se alguém tem que fazê-lo, convenhamos, ninguém melhor do que os próprios artistas - ou pichadores - que marcam, cada um a seu modo, os muros da cidade. Se mesmo entre eles, há convicções distintas sobre o que é o pixo e qual seu objetivo, imagine quem nunca chegou perto de uma lata de tinta? Pouco sabe sobre o sentimento, a mensagem, o conceito por trás de um muro sujo.

Em compensação, o resultado final é de domínio público. Talvez, a rejeição inicial aos muros pichados venha justamente disso: soa estranho que arte, poesia e ensinamento apareçam assim, ao acesso de todos, sem barreiras. Como explica Isaack, “o pixo rouba a atenção sem pedir permissão”. “O objetivo por trás da pichação, cada um tem o seu, mas é sempre feito para incomodar”, completa. A grande questão é que o incômodo aqui tem a intenção de despertar. Bonito ou não, dolorido ou não, quando o pixo acontece, transforma tudo. O muro está para o pixo, como o papel está para a notícia. Quando se juntam, tornam-se veículo de comunicação direta de uma rua, dedicada a lembrar a todos que existe e resiste.

“O risco corta o concreto e tudo o que se quer como ordem perde-se na contaminação dos traços. Linhas desordenadas sobrepondo-se em explosão. Tags acelerados no incomensurável do espaço. A cidade, esse grande acelerador de partículas a reinvestir os signos dessa dimensão artístico-estética ad infinitum. Paredes de cidades como palco da efemeridade de cada traço-gesto que escapa a uma conjunção uniforme. Sordidez em cada olhar.”

Luizan Pinheiro da Costa,Doutor em Artes Visuais e pesquisador da arte de rua contemporânea.

A partir daí é impossível ficar indiferente ao pixo. É preciso falar dele, de suas causas e efeitos. O Duque inicia, com essa matéria, uma série de quatro reportagens sobre a pichação que pretendem descobrir e revelar o universo dos sprays e ideias que pintam a cidade. Na próxima edição falaremos mais sobre o assunto. Até lá!

O pixo que atravessa o muro

“Fiz um documentário sobre a desocupação, aliás, Massacre Fundiário, realizado na região metropolitana de Curitiba para a construção da terceira pista do aeroporto. Em uma das paredes da comunidade estudada, tava pixado "O Céu É Noiz". Gostei. Ficou como nome do doc.”

“Tatuei uma frase que uma amiga pixou em 2012. Tinha um bloco aberto na UEM e a gente sempre se juntava na ponta do bloco para ver o pôr-do-sol, no chão do bloco ela pixou ‘As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia’, é uma frase do livro ‘A Insustentável Leveza do Ser’, fez todo o sentido naquele pixo.”

Ele ia rápido, escrevendo numas formas bem bonitasque eu não entendia.Um pedaço parecia com um “e daí?”.Do lado tinha já um desenho bonito feito antes por outra pessoa.Aquele era um muro bom mesmo. Cada centímetro preenchidoe nada passando por cima do outro, um painel carregado de beleza,feita a sei lá quantas mãos.Chegou um outro homem, uma mochila e uma lata.Uma mina ultrarrápida mandou um “VEMK!”Um pixo mais bonito que o outro. Violento mesmo!Todos velozes e satisfeitíssimos com a tela.Eu também.Diariamente acompanhava a evolução dela.Vou mimbora, que vem é a polícia.Foi mais rápido e se beneficiou da contra-mãoo pedestre sempre se fodefreguês tem sempre razão

Policial desceu do camburãotirou do bolso o telefonetirou uma foto do muroe mandou o retrato pra namoradaaproveitando o wi-fi da farmácia.

Tem amor quem pode

PIXOKarina Buhr

Vinícius Nogueira Torresan

Felipe Lago

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Foto: Bulla Jr.

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Especial

MARINGÁMARINGÁE O CINEMA QUE NINGUÉM VÊ

ELTON TELLES REPÓRTER

Reza a lenda que, em meados dos anos 1960, foi produzido o primeiro filme de ficção maringaense. As filmagens foram realizadas na mata que hoje é o Parque do Ingá e acompanhava as aventuras de um Tarzan pé-vermelho que viajava de uma árvore a outra em cordas de sisal verde, na falta de cipós de verdade.

Não há muitos detalhes sobre a história, nem o título do filme consta nos registros, porém o crédito da direção tem um nome e é atribuído ao finado Antônio Del Grossi, proprietário do saudoso Cine Horizonte quando ainda era uma casa de madeira. No entanto, como tantos outros filmes com locações em Maringá, o nosso Tarzan infelizmente se perdeu na selva. E lá se mantém.

A curta memória da “filmografia maringaense” – se é que podemos afirmar que temos uma – se dá por vários obstáculos ligados à formação cultural da cidade. O fato de não haver uma tradição de produção de cinema implica na ausência de produtoras de vídeo nas primeiras décadas, o que levou a não construir um histórico de projetos audiovisuais na cidade. Estes motivos remetem a uma cadeia de fatores “culposos”, como a falta de recursos via patrocínio e o consequente desestímulo dos profissionais em gravar na cidade, que, precisamos ressaltar, possui cenários belíssimos e naturalmente cinematográficos.

Enquanto outras manifestações artísticas ganhavam espaço com o avançar dos anos, o cinema local era prática exclusiva de famílias abastadas,

já que os equipamentos que registravam imagens em movimento eram caros e não se encontravam em qualquer esquina. Agora, os tempos são outros e é possível gravar um longa-metragem com a câmera do celular, se quiser. Mesmo diante desta “facilidade” técnica, quem faz o cinema acontecer atualmente em Maringá se depara com outras adversidades, não vinculada apenas às questões orçamentárias, mas principalmente em como conciliar trabalho, família e estudos com a dedicação exigente de se fazer um filme. E se produzir cinema é um esforço coletivo, rastrear pessoas interessadas em colaborar é fundamental para o primeiro take.

Foi pensando em reunir entusiastas da Sétima Arte que o escritor Gabriel Dominato, 26, organizou o NECIM (Núcleo de Estudos Cinematográficos de Maringá). A ideia surgiu em 2013, quando Dominato juntou meia dúzia de amigos para filmar o curta-metragem “Prelúdio sem Sol” de 13 minutos de duração e 0 de investimento financeiro: as roupas, a casa, a câmera, tudo era emprestado. Na época, ele diz que precisou se virar para dar conta de alguns recursos técnicos que não dominava, como o design de som e a iluminação. “Você pode até idealizar um projeto sozinho, mas é muito complicado executá-lo sem ter pessoas junto contigo”, adverte. O NECIM então veio com o objetivo de formar e unificar uma equipe para dividir os talentos de cada departamento – figurino, maquiagem, fotografia, som, cenografia, dentre outros.

A primeira reunião com os atuais 12 membros ativos do coletivo aconteceu no final de 2014 para estruturar o calendário e definir as funções de cada participante. O grupo só esperou passar as festividades de Natal e Ano Novo para iniciar as filmagens do curta “Jé”, abreviação de

Foto: Kelvin Henrique

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Especial

“Quando falo que trabalho com cinema, as pessoas ficam um pouco desconfiadas porque a produção não está difundida no meio cultural da cidade. São poucas pessoas que fazem.”

Fábio Mascarin, cineasta

Jéssica, sobre o cotidiano de uma transexual universitária. Dirigido por Samuel Costa, o filme utiliza o retrato como licença poética para discutir os agentes marginalizados pela sociedade. A casa onde transcorre a história de “Jé” é emprestada de uma amiga do grupo que foi passar um fim de semana na praia. “Ela emprestou a casa dela com uma condição: tínhamos que dar ração para os gatos”, recorda aos risos enquanto dá um gole na cerveja. Com várias horas de gravação, o interessante, afirma Dominato, é que todas as decisões são democráticas e feitas em grupos sobre qual a tomada vai para a versão final, por exemplo.

Quanto ao aluguel salgado de equipamentos técnicos, o idealizador do NECIM endossa que tudo é difícil no cinema independente. Por enquanto, cada responsável por departamento utiliza os meios da forma como pode. O cinegrafista usa a própria câmera, a produtora participa com o gravador, emprestados de amigos vem o refletor e claquete, rebatedor de luz se improvisa com isopor e papel alumínio, steady cam é confeccionado com cano PVC e assim “se vira como pode”, resume.

Finalizada as filmagens de “Jé”, o grupo já tem outros roteiros na gaveta para serem discutidos e decidirem qual história é mais viável para dar início à pré-produção. O coletivo fica com as portas abertas para qualquer pessoa que tem interesse de produzir cinema de forma independente, pois a proposta do NECIM é primar sempre pelo autoral. “Damos muito valor para o experimental pela possibilidade de ter um formato mais livre e explorar a linguagem cinematográfica”, afirma Dominato. Sobre a participação em editais, os membros não descartam a possibilidade e apontam que o mais difícil é conseguir financiamento.

Essa, pelo menos, não foi uma dificuldade para o jovem cineasta Fábio Mascarin, 25. Não neste momento, já que seu longa-metragem “O Sonho de Adrian” foi o único projeto inscrito e contemplado na categorial Audiovisual do Prêmio Aniceto Matti da Prefeitura de Maringá. Foi vasculhando fuçando na internet que Mascarin descobriu o edital, escreveu o roteiro em 20 dias e qualificou o resultado. No fim das contas, o filme recebeu R$ 35 mil de orçamento. “Quando soube que ganhamos esse incentivo, fiquei muito contente. Mas na prática, foi tão difícil como qualquer outro projeto que eu já tinha feito com mil reais. Fazer cinema é um misto de prazer com exaustão”, conta.

“O Sonho de Adrian” tem 80 minutos de duração e as gravações foram finalizadas em 60 dias. Durante os meses de maio e junho estava em condição de pós-produção e finalmente terá sessão de estreia neste mês, com data e local ainda a serem definidos. Protagonizado por André Anelli e Thayse Mochi, a trama apresenta um homem solitário e desiludido que consegue mudar a realidade por um mundo “perfeito”.

Cofundador da Fantasia Filmes, que já produziu três curtas e um longa-metragem desde a inauguração em 2011, Mascarin revela que já recorreu a rifas e vaquinha virtual para financiar seus projetos e afirma que trabalhar com um bom orçamento é importante, mas não é a solução para ter um filme satisfatório. “Encontrar na cidade pessoas com habilidades e capacitadas para operar os equipamentos é bem mais difícil; por outro lado, não dá para negar a vontade e o empenho de todos em aprender. E como se aprende? Errando e fazendo de novo”, diz.

No mercado do cinema local há 15 anos com a produtora Diamante Filmes, o cineasta Érico Alessandro, 37, destaca a dificuldade de chamar a atenção das distribuidoras brasileiras e encontrar espaço no circuito comercial frente à supremacia de superproduções norte-americanas. “Se é complicado até para cineastas consagrados, imagina eu no interior do Paraná! Eu consigo sobreviver de cinema, porque invisto sempre e sigo tentando até acertar um filme”, relata Alessandro, que diz ter gasto cerca de R$ 70 mil em equipamentos e entra em estúdio no próximo mês para gravar “Círculo de Ouro”, com orçamento de R$ 150 mil. Aliás, o orçamento dos filmes produzidos pela Diamante, segundo o diretor, é uma soma de patrocínio de empresários e contribuições de amigos, parceiros que têm afinidade e cinéfilos que apostam no cinema maringaense. O orçamento dos outros quatro longas-metragens anteriores da produtora variam de R$ 100 mil a R$ 300 mil, incluindo o documentário “O Grande Sonho” (2014), com locações no Rio de Janeiro e atores globais no elenco.

Buscando sempre alcançar um “padrão hollywoodiano” em seus filmes, Alessandro reconhece que hoje é mais fácil produzir cinema em comparação a 2001, quando deu os primeiros passos, por conta da tecnologia acessível e as ferramentas disponíveis para fazer divulgação. “Há alguns anos, se você falava para alguém que era cineasta, a pessoa te olhava com uma cara que parecia que você a estava ofendendo”, lembra. A abertura dos cursos de comunicação e cunho artístico nas universidades de Maringá, ele observa, também é um fator importante que impulsionou alguns iniciantes a terem uma noção da linguagem cinematográfica. “É uma introdução, um contato inicial que eles só vão mesmo aprender na prática.”

Foto: Rayssa Gaspar

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Especial

Em termos de quantidade, a produção audiovisual de Maringá se faz presente dentro das universidades. Os filmes são criados pelos estudantes sejam para cumprir atividades de disciplinas específicas, projetos de pesquisa, trabalho de conclusão de curso ou até para denunciar as ações políticas atreladas à instituição. Alguns destes projetos ficam restritos à sala de aula, outros se destacam e ganham até projeção internacional, como é o caso do vídeo experimental “Passagens”, assinado por Felipe Bonifácio, 27. O filme, que promove um diálogo entre as paisagens urbanas e a linguagem do vídeo, foi usado na defesa do seu mestrado em Geografia e participou de festivais na França, São Paulo, Curitiba e Blumenau.

Bonifácio é um dos 25 membros atuantes do NEMO (Núcleo de Estudos de Mobilidade e Mobilização), vinculado ao Departamento de Geografia da UEM. O núcleo atua no campo do audiovisual há cinco anos com o intuito de expressar as ideias e pesquisas acadêmicas em outras linguagens, não somente na escrita. O primeiro documentário realizado pelo NEMO abordou as propriedades familiares no Paraná. Desde então, foram produzidos aproximadamente 20 curtas-metragens, todos de cunho social e com caráter de denúncia. Segundo Bonifácio, os que mais tiveram repercussão foram as filmagens das ocupações feitas na reitoria da UEM como sinal de resistência por parte dos acadêmicos. “É preciso romper com o romantismo, porque aqui é um campus de conflito. Os filmes não são meramente um produto, é um meio também de mobilizar as pessoas”, comenta.

Outro documentário dirigido por Bonifácio que recebeu destaque foi “Superagui: Ilhados na Contradição”. Era janeiro de 2012 e, em férias

Escolha Única (2010)Dirigido e estrelado por Érico Alessandro, “Escolha

Única” é um filme interativo em que o público pode escolher qual final deseja para a história. A trama se concentra em Ruan, um policial corrupto que entra em coma após ser baleado na cabeça. Enquanto permanece internado, o personagem entra em contato com a civilização de uma dimensão paralela que tem o poder de influenciar decisões dos humanos. Por conta disso, ele se torna a chave para acabar com o conflito entre o bem e o mal na Terra, quando a Terceira Guerra Mundial está prestes a acontecer. Com orçamento de R$ 300 mil, o filme demorou cinco anos para ser concluído. O título foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Florianópolis, onde ganhou o Candelabro de Ouro. “Escolha Única” pode ser assistido no YouTube.

23.11.1967: Documentos do Caso Clodimar Pedrosa Lô (2011)

Quando o diretor Eliton Oliveira conheceu o trágico episódio do garoto assassinado pela polícia em Maringá, entrou em contato com o tio da vítima e, munido de um gravador, foi à casa dele para conversar. Saiu de lá com horas de gravação. Inicialmente, a ideia dele era transformar a história – cinematográfica por natureza – em um longa de ficção. Já tinha até título: “Novembro Negro”. Por restrições orçamentárias, entretanto, o roteiro foi engavetado. Viu a luz quando decidiu produzir um documentário simultâneo ao livro homônimo assinado por Miguel Fernando. “Para mim, produzir o documentário era algo pessoal, eu queria registrar aqueles depoimentos antes que estes se perdessem para sempre. Afinal, ninguém vive eternamente”, diz Oliveira. O filme está disponível na íntegra no YouTube.

Momentos Roubados (2014)O filme independente “Momentos Roubados”

participou no ano passado da 1ª Semana Municipal da Cultura e foi exibido para um público de aproximadamente 100 pessoas no Teatro Calil Haddad. Dirigido por Ribamar Nascimento, o projeto contou com um orçamento baixíssimo de R$ 1,2 mil, que foi usado para comprar o microfone para usar nas filmagens. “Trabalhamos com som ambiente e depois tivemos que dublar tudo”, recorda um dos produtores, Victor Machferreh. A história intrigante se concentra em Marcelo, um repórter freelancer que descobre ser acusado de um crime que não lembra ter cometido e sua investigação o leva até uma quadrilha que apaga memórias sob encomenda. “Momentos Roubados” pode ser conferido no YouTube.

3 LONGAS-METRAGENSMARINGAENSES NOSÚLTIMOS 5 ANOS

“Eu sempre falo para os alunos que se eles produzirem um filme, deve inscrevê-lo para todos os festivais que conhecer. Pode nem ser selecionado, mas pelo menos o filme vai ser visto. Pronto: cumpriu a sua função.”

Zuleika Bueno, professora

Cinemana sala deexibição aula

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Especial

com amigos no paradisíaco Parque Nacional do Superagui, litoral do estado, o jovem e sua câmera começaram a colher depoimentos da comunidade local. Bonifácio revela em seu filme que, por trás do paraíso natural, havia vários problemas que os nativos enfrentavam, como a poluição e a especulação imobiliária. “Quando o filme ficou pronto, eu voltei para a ilha e o exibi para a comunidade. A recepção foi ótima”, recorda. “Superagui: Ilhados na Contradição” foi premiado no festival do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e, como todos os demais filmes do NEMO, pode ser conferido no canal do núcleo no YouTube.

“Dentro da universidade, o cinema também entra como produção de conhecimento, pois os alunos precisam de um repertório de formação histórica e sociológica, além de conhecer as questões de estrutura, técnica e linguagem do audiovisual”, explica a professora Zuleika Bueno, que ministra a disciplina de Cinema no curso Comunicação e Multimeios. Ela observa que os universitários, principalmente nos primeiros anos da graduação, têm uma necessidade imensa de se expressarem e usam o vídeo para isso, porém muitos têm a referência do cinema somente por assistirem alguns filmes em casa e carecem de aprofundamento teórico.

Em sala de aula, Zuleika comenta que alguns jovens demonstram resistência quando se fala de títulos europeus, orientais, mudos ou preto & branco, pois eles já vão com uma ideia pré-concebida de que filmes dessas nacionalidades ou com essas características são “chatos”. “Mas é engraçado que, quando eles vão produzir e percebem a dificuldade de se aproximar do formato mainstream, eles mesmos acabam apropriando essa linguagem mais ‘autoral’ e enxergam como também é válida e importante essa maneira de se expressar”, comenta.

Sobre as exibições, a professora defende a ideia de que “filmes são feitos para serem visto” e incentiva os estudantes a inscreverem suas produções em festivais de cinema. César Biégas e Carolina Steinke, ambos de 20 anos, seguiram a recomendação e inscreveram o curta “Kinetoscópes” no Festival do Minuto. “O filme foi bem avaliado pelos jurados, recebendo 4 estrelas de 5. A gente não esperava nunca que fosse estar bem cotado”, comenta Carolina, que codirigiu o projeto com mais três pessoas. O mesmo grupo repetiu a parceira no tenro curta-metragem “Ella”, sobre um garoto que lida com o término do relacionamento.

Com o estudante Guilherme Massago, 21, a história com o Festival do Minuto é bem curiosa. Quando submeteu o curta “SkateAR-TE Maringá” para concorrer ao prêmio principal no festival, um empresário

da cidade entrou em contato e pediu que ele retirasse o filme da competição porque tinha interesse em comprar os direitos para atrelar o vídeo à sua marca. Em 24 horas, o filme atingiu 90 mil visualizações no YouTube. “Foi muito louco e inesperado. A gente gastou no máximo uns 30 reais de combustível para se deslocar de um lugar a outro e saímos no lucro com a venda do material”, comemora. Massago agora está preparando um documentário sobre ideologia de gêneros nas escolas e pretende apresenta-lo ainda neste semestre.

Como trabalho de conclusão de curso, os jornalistas Gustavo Hermsdorff e Camila Munhoz, ambos com 24, decidiram prestar uma homenagem ao cartunista Lukas em “Lukas, Perfil”. O documentário foi gravado em dois meses e conta com 11 depoentes, entre amigos, família e colegas de profissão do artista. O filme, finalizado em 2012, ainda segue uma trajetória de exibição: teve sessão na Festa Literária de Maringá, recebeu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cinema de Maringá e é exibido anualmente nas bibliotecas públicas durante as oficinas de cartuns ministradas no local. “Sinto que o doc se tornou uma referência quando falam do Lukas e ver que seu trabalho tem vida própria é muito gratificante”, comenta Camila. Sobre inscrever o material em outros festivais, a codiretora adianta que, por ser um produto acadêmico, prefere editar algumas cenas para não inscrever um filme com “cara de TCC”.

Já a cineasta Fernanda Paz, 25, não precisou fazer alterações em seu trabalho e apresentou em maio o média-metragem “TransVersos” na programação do Cine Sereno, na UEM, para um público de 80 pessoas. “Foi muito legal! E duas das entrevistadas do filme estavam presentes na sessão e teve um debate que durou cerca de 1 hora. A recepção foi bastante positiva”, conta. “TransVersos” é um documentário que busca uma imersão no dia a dia de seis transexuais residentes de Maringá e Paranavaí. O filme já teve exibição na Mostra Diversidade Sexual, em Campinas, e Fernanda já se prepara para qualificá-lo a outros festivais Brasil afora. “Eu já tenho uma lista para onde vou tentar levar o ‘TransVersos’. Eu acho muito importante participar desses eventos pela questão da visibilidade para atingir diferentes públicos e que abre caminho para fazer networking com pessoas que também fazem cinema”, opina.

“Eu já fiz um filme sem tripé e sem microfone, só com a câmera. Algumas pessoas deixam de filmar por conta do aparato técnico, mas eu acho que precisam superar isso. Qualidade é importante, mas o que mais conta é a criatividade e passar a mensagem.”

Fernanda Paz, cineasta

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Ensaio //

Ítalo Calvino não a conheceu, nem a sonhou, mas existe. Ela está no norte do Paraná, num ponto em que parece estar no centro da abóbada celeste, que é vista em ângulo de 360 graus, como se uma cúpula de vidro azul tivesse sido colocada sobre ela. Mas não é vidro, é apenas um céu de azul claríssimo, formado por gases, na verdade o abismo negro do Universo que se vê, filtrado pela luz intensa do sol, transformado em tênue negrume para iludir os olhos incautos e salvá-los da aflição de não habitar apenas um lugar, mas o Universo, sem Deus, essa fantasia.

Olhando desse lugar para a abóbada em 360 graus constata-se que não há teto que nos proteja. Pisando a terra, o que está acima é isso mesmo: o Universo e seu vazio pontuado de incontáveis corpos celestes como as pérolas sobre os peitos arfantes de desejo. Não há consolo possível, não há teto protetivo, é como se estivéssemos nus sobre esta Terra, tal como uma estátua de bronze em homenagem ao desbravador numa praça circular, nu, apequenado por esse cenário, apesar de seus vários metros de altura, mãos abertas para o alto, boca escancarada como se gritasse a agonia dessa pequenez que o torna feminino como é a cidade que o engole.

Por isso, quando venta, e venta muito, ventos que atingem a velocidade maior que a permitida nas rodovias, apesar de todos os radares que os medem e não podem multar, depois informam nos jornais: foram mais de 80 km por hora dessa vez. Resultado? Uma bebedeira lúbrica total: 80 árvores imensas e vistosas arrancadas como mato, postes caídos, a noite abissal das cavernas de volta às casas sem luz na madrugada que não acaba enquanto a tempestade não cessa. E em cima desses tetos frágeis, o abismo do Universo para o qual muitos rogam clemência sem sequer conseguir imaginar quão imenso é esse Deus-Universo e nem tentam para não serem esmagados pelo medo e pela falta de ar de si próprios.

Vista de longe, de suas margens, essa cidade parece estar sob uma floresta, tal a que arrancou para transformar em tábuas toscas e construir as casas, parecendo o tempo todo que está pronta para ser comida, vista como um prato de brócolis com legumes brilhantes cercados de bacalhau que se encontra num restaurante que se diz casa e por improvável que pareça, afirma que sim, com certeza, uma casa portuguesa em que às vezes falta o espírito

religioso de bagaceira. Tal como, há também, uma japonesa com os olhos negrumados de jabuticaba no balcão com o sashimi cortado e pronto para a língua, uma alemã respingando ouro suavemente defumado e pronta para encher mãos potentes, uma italiana sussurrante e ardente em molhos e outras russas, eslovacas, mamelucas e indígenas que ecoam seus odores com as ressonâncias olfativas da floresta que pede dança e responde na culinária inebriante.

Suas ruas largas foram desenhadas para no futuro circularem discos voadores. Enquanto isso não acontece, um protótipo de foguete futurista se mantém colado ao chão pela fé retrógrada que o segura e impede que alce voo ou que coisas inocentes como a luz circulem por seu corpo saindo em refração pelas janelas do alto na forma de arco-íris. Enquanto pelo mundo o papa zumbiza desculpas passando zíper nas portas das sacristias, sob sua sombra o falocentrismo edipiano engole hóstias insossas e não goza senão com culpa, ocupado com procissões de fé fantasiosa. Fora, os turistas divagam: “Foi inspirada no Sputinik”. “Mas parece um chapéu de bruxa!”. “Quem sabe uma Joana D´Arc, ou uma das tantas que foram queimadas pela Inquisição!” “Está tremendo! Vai cair!” “Vai voar!” “Meliés! É Meliés! Em propulsão para furar o olho da Lua!”.

As vitrines das avenidas são vistosas e brilhantes como diamantes, prontas para refletir a passagem do foguete, ornadas com modelos de vestidos longos de todas as cores, prenunciando os corpos frágeis que vão vesti-los como armaduras para parecerem esplendorosos e fortes. Estarão sobre sapatos de couro peludo ou de dourado único, desenhados como pequenos pedestais para o desejo. A protuberância desses vestidos os faria naturais se saíssem desfilando das vitrines, vazios de corpos, pelas ruas passareladas à procura dos discos voadores.

Caminhando por ela, descobre-se que a cidade é formada por inúmeros labirintos que podem ter entrada numa simples loja de armarinhos que oferece uma miríade de botões na vitrine, numa loja de lingeries da babilônia, num hotel com umbral oriental, num bar que fabrica a própria bebida, num desses restaurantes que emitem odores atrativos, num templo budista que atenua os sentidos, na redação de um jornal que ficcionaliza a existência todos os dias ou na própria igreja da seita sputnika oferecendo ingressos hóstios para a viagem sideral... São inumeráveis as portas abertas para se entrar.

umacidade

invisível

Escritor

AdemirDemarchi

Ademir Demarchi nasceu em Maringá em 1960 e vive em Santos-SP. Editou a revista de poesia BABEL e publicou os livros Os mortos na sala de jantar (2007), Pirão de Sereia (poesia reunida, 2012), 101 Poetas do Paraná (2014), entre outros, e lançará proximamente Siri na Lata, reunião de crônicas publicadas em jornais.

Blogue:babelpoetica.worpress.com

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fB.COM/MUNDOLIVRE1025FM | MUNDOLIVREFM.COM.BR/maringa

caia nessa viagem sonora

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Caminhos Fotográficos //

PEQUENOSPRAZERES

por Tamires Belluzzi

Page 19: Jornal O Duque #16

Caminhos Fotográficos //

"A verdade é que, olhando minhas postagens no Instagram, percebi que sempre fui uma entusiasta daquelas coisas pequenas e gostosas que fazemos no nosso dia a dia e que muitas vezes são realizadas de maneira automática. Por exemplo, você almoça todos os dias, mas muitas vezes deixa de reparar como a comida tem um gostinho bom ou de perceber o quanto o frio é lindo e que você pode tomar um chocolate quente no café da esquina no intervalo do seu trabalho ao invés de reclamar do quanto os dedos do seu pé estão dormentes e o seu nariz está gelado.

A proposta desse projeto é tocar as pessoas, fazendo com que se note as coisas pequenas que me deixam feliz todos os dias e, ao publicá-las, incentivar outras pessoas a olhar com mais atenção para esses pequenos prazeres em suas próprias vidas. Gosto de pensar que é como espalhar amor nas redes, ao invés de toda essa negatividade, crítica e discursos de ódio que existem nas timelines por aí.

Foi muito legal observar que as pessoas de fato acompanham o projeto e ficam felizes por esse breve momento de respiro, de admiração pelo simples a que todos temos acesso. E ver que alguns amigos se apropriaram desse momento de reflexão e utilizaram

a frase "pequenos prazeres da vida" para contar algo que os faz feliz em suas próprias redes sociais foi simplesmente o máximo!

Bom, a fotografia é outro grande prazer que também me deixa muitíssimo feliz, por isso tiro foto de muitas coisas e várias fotos da mesma coisa, até que minha mãe sempre diz "ah, mas você já tirou umas vinte fotos dessa árvore, já não tá bom?" ao que eu sempre respondo "não mãe, ainda não". Mães fazem essas coisas né? E a minha família é essencial para esse projeto, porque ela é grande, barulhenta e gosta muito de comer, grande parte dos pequenos prazeres que tenho na minha vida são fruto da convivência com essas pessoas maravilhosas. São aqueles momentos durante as férias quando meus primos vêm aqui pra minha casa e vamos nadar na caixa d'água, contar histórias de terror, tomar banho de mangueira, brincar na lama, subir em árvore, comer o pão que minha vó faz e todas essas coisas divertidas que ninguém deveria deixar de fazer. E aqui é preciso fazer uma observação, porque meu avô é grande exemplo de que apreciar a vida em seus detalhes e ao máximo não tem idade, um dos motivos de ele sempre estar presente nas minhas postagens.

Eu poderia falar muito mais, mas acho que basta dizer que ainda tenho muitas fotos legais e divertidas pra postar, então se quiser se inspirar você pode começar a tirar as suas próprias fotos ou mesmo só começar a ver com os olhinhos de dentro as coisas lindas que fazem parte da sua vida e apreciá-las como deve ser."

Page 20: Jornal O Duque #16

#Confraria

Vamos realizar juntos.Qual o seu sonho?

Fones: 44 3220-5454 ou 44 3033-0654

www.coopercard.com.br

Amigas desde 2008, a professora de inglês Andressa Andrieli e a cervejeira Andressa Modolo dividem, desde então, as mesas de bar, as conversas de domingo e, agora também, as telas. No início deste ano, as duas começaram a se dedicar a arte da pintura em um formato diferente do convencional: juntas e ao vivo.

A tela chega riscada e as tintas são colocadas ao lado. Aos poucos, o quadro vai tomando forma. Cada uma de um lado, revezando cores e pincéis, as duas trabalham em sintonia e a obra nasce de forma rápida, surpreendendo o público. “A gente troca muita ideia, conversa antes e na hora que está pintando, vamos decidindo tudo juntas”, conta Andrieli. A interação entre as duas fica clara no resultado final da obra, que em nenhum momento transparece que foi construída a quatro mãos.

O rolê começou na Rádio Cadillacs - Café Cultural, no programa Blues ‘n Roll, comandado por Ji Ramos, que as convidou para ilustrar as noites especiais dedicadas às divas do Jazz e do Blues. “A gente gostou muito dessa proposta de representar as mulheres. A Ji comandando o programa e nós, duas mulheres, pintando divas da história da música”, contam as meninas, que para o processo ilustraram telas com Billie Holiday, Nina Simone e Etta James.

A construção toda ocorreu durante o programa de 1h30.

Para elas, o fato de a pintura ser ao vivo não assusta. “Nunca foi um conflito para nós, pelo contrário, é muito legal quando o pessoal se aproxima, vem perguntar… E assim a gente também trabalha de uma

outra forma, junto com a música, com o clima do ambiente, vamos seguindo o fluxo”, explica Modolo.

Todos os meses as meninas estão na Rádio Cadillacs e os quadros ficam no local para quem deseja adquiri-los. As duas pretendem continuar atingindo o público dessa forma, ao vivo, de surpresa “o legal é que ninguém leva para casa só um quadro, sempre vai ter uma história por trás, da noite em que o quadro foi feito, uma lembrança boa ou ruim, mas que vai junto com a tela”.

Arte ao vivo: uma tela e duas Andressas

"Nunca foi um conflito para nós, pelo contrário,é muito legal quando o pessoal se aproxima, vem perguntar… E assim a gente também trabalha de

uma outra forma, junto com a música, com o clima do ambiente, vamos seguindo o fluxo"

Page 21: Jornal O Duque #16

Música //

Música é democracia. Já dizia Rubem Alves: “Toda alma é uma música que se toca”. No entanto, buscar um conceito mais detalhado do que isso significa nos dias de hoje é complexo. Há inúmeros estilos musicais que definem tribos, comportamentos e que, certamente, se diferenciam pela forma de consumir o álbum preferido do momento. Lembro-me bem da primeira fita cassete que ganhei de presente: era o primeiro álbum de Alanis Morissette que ficou famosa com o rock de letras confessionais nos anos 90. Na mesma época, meu pai ainda colecionava vinis do Michael Jackson e cuidava de uma velha vitrola que o acompanhou durante a adolescência. Não demorou muito para os CDs dominarem o mercado fonográfico e tornar prática a maneira de ouvir música. Foi a partir dessa mudança que percebi como a música é a mais maleável de todas as formas de expressão.

Ousadia e criatividade são pontos fundamentais adotados pelos produtores atuais. O objetivo é misturar os estilos a fim de criar uma forma diferente de comunicação, baseada no comportamento de uma tribo. “É uma arte que pode tudo”, diz o musicólogo David Horne, diretor do Institute of Popular Music, em Liverpool, na Inglaterra. Para ele, não existe uma fronteira definida entre gêneros, como o clássico e o popular que sempre foram distintos. Essa é uma característica da própria música enquanto forma de arte. O estilo que mais sofre esta transformação é a música pop, que deixou as batidas futuristas para flertar com o passado em melodias exuberantes. A nostalgia é o ponto de partida de boa parte dos

produtores, talvez o apelo emocional de uma época que pode ser revivida por bandas atuais.

Em contrapartida, o Brasil não parece estar preparado para reconhecer artistas que investem nessa nova maneira de ouvir música. A cantora Marcela Vale, popularmente conhecida como Mahmundi, soma dois EPs e um prêmio Multishow de Música Brasileira no currículo, mas ainda não tem contrato com uma grande gravadora. Inspirada pela década de 80, a música da carioca mistura bases eletrônicas com lo-fi e poesia. Ingredientes inusitados demais para um público que preza sertanejo e trilha sonoras de novelas.

Lançar-se de maneira independente é um desafio e, geralmente, os artistas precisam do apoio de amigos e conhecidos na hora de compartilhar músicas na rede. Aliás, a internet se tornou ferramenta básica para divulgar notícias e lançamentos. As plataformas de streaming online (Spotify, Rdio, Deezer e outras) conquistaram ouvintes e, de certa forma, contribuíram para a baixa da pirataria. Trata-se de uma nova maneira de consumir música, exigindo do consumidor apenas que se cadastre em um plano mensal.

Entretanto, facilitar o acesso a conteúdos exclusivos ao ouvinte não favoreceu a carreira do novo artista. Os sites de audição online não pagam os custos de gravação em estúdios e, devido a isso, ficam restritos aos artistas mais conhecidos. Caso recente aconteceu com a banda inglesa Portishead, conhecida e premiada mundialmente pelos álbuns ‘Dummy’ (1994) e ‘Portishead’ (1997), em que o produtor Geoff

Barrow aplaudiu sarcasticamente sites como Youtube, Apple e Spotify por “vender nossa música tão barato”.

Se por um lado há os artistas independentes, por outro há os ouvintes que precisam ouvi-los. Intermediar o acesso entre os dois pontos é o objetivo de dezenas de blogs brasileiros que, por diversas vezes, divulgam e comentam o trabalho gratuitamente. Inovação e criatividade são características que motivam sites como Miojo Indie, Don’t Skip e Pick Up The Headphones a compartilhar músicas que merecem a atenção do leitor.

Essa comunicação mediada pela diversidade de estilos pode criar uma tribo, mas não é suficiente para cair no gosto popular. A soma dos recursos disponíveis para divulgação ainda é insuficiente para formar um mercado favorável às bandas autorais. Tal cenário não é diferente em Maringá: faltam recursos e oportunidades para os independentes. Sem a ajuda de casas noturnas, o reconhecimento é infactível e dificulta o acesso aos demais estabelecimentos. Conquistar o público é um grande passo, porém a cena independente também necessita de incentivo cultural por parte das instituições. Conquistar o público é um grande passo, porém também necessitam de incentivo cultural por parte das instituições.

A maneira como consumimos música mudou drasticamente nos últimos anos. Entretanto, o ouvinte nem sempre está preparado para aceitar novidades. É difícil para as pessoas saírem da zona de conforto e dar uma chance aos artistas independentes. É preciso estar de braços abertos para que a música toque a alma do jeito que a própria música é.

OUVIR MÚSICA É SAIR DA ZONA DE CONFORTO

Colunista

DeeFreitag

Lançar-se de maneira independente é um desafio e, geralmente, os artistas precisam do apoio de amigos e conhecidos na hora de compartilhar músicas na rede. Aliás, a internet se tornou ferramenta básica para divulgar notícias e lançamentos.

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#Sarau

Quando o informante contou a Adam onde seria, ele não acreditou. Pensou, “não é possível, é previsível demais!”. Não imaginava que seria algo assim, tão estúpido, tão banal. Houvera se sentido ridículo por ter mesmo momentaneamente cogitado isso, arrependendo-se em seguida, e agora ele vinha com essa. Não era possível.

- Mas a Catedral? - Sim, a Catedral. - Não é muito previsível? Como conseguiram? - É previsível, sim, mas do mesmo jeito que é previsível que tudo aconteça com ou

na Estátua da Liberdade nos filmes que se passam em Nova Iorque, e por isso mesmo acaba gerando certa imprevisibilidade. Além disso, tínhamos participação de gente de dentro.

- Padres? Não faz muito sentido. - Nem todo representante da Igreja é, bem, você entende, daquela “santidade” toda.

E muita gente foi substituída durante o processo por pessoal de confiança deles. - Entendo. E quando vai ser? - Ainda estão decidindo. De toda forma, será confidencial. Se você for selecionado,

receberá um aviso com certa antecedência. Mas não muita: só a suficiente para os preparativos fundamentais.

- Não há como garantir que eu seja selecionado? - Não. Nem eu sei se serei. Tudo o que podemos fazer é aguardar. Aguardar. Não conseguia aguardar. Era uma angústia infinita! Se fosse selecionado,

saberia na véspera, mas, e se não fosse? Só saberia que não foi selecionado quando fosse tarde demais. Não podia esperar, não podia correr o risco. Havia muito em jogo para que ele corresse o risco. Além disso, já participara muito do desenvolvimento desse projeto. Não podia simplesmente ser deixado de fora.

Acendeu um cigarro, ofereceu outro para o informante. Tragaram e ficaram olhando para o horizonte. Ambos queriam virar o olhar mais a noroeste, para focalizar a Catedral de Maringá, distante e imóvel. Mas não podiam, ambos sabiam que isso seria uma fraqueza, e passaria a impressão de não terem confiança de que seriam selecionados. E a única coisa pior do que não ser selecionado seria passar a impressão de que não seria selecionado. Era definitivamente o fim.

Adam era engenheiro químico. Físico e engenheiro químico. Tinha profunda convicção de que eles precisavam de seu conhecimento. Não havia como darem prosseguimento ao projeto sem ele. Mas, ao mesmo tempo, acreditava que a tecnologia deles era muito avançada, de modo que talvez só estivessem usando-o para chegar aonde eles queriam. Ou, pior, apenas usando-o como instrumento de estudo, analisando como ele chegaria a alguma conclusão de tal nível, mas sem nem por um segundo considerarem levar em conta suas análises e planos.

- Tenho que ir. - diz o informante. - Sim, certo. Irei embora depois de quinze minutos. - É o melhor. - É o melhor. Depois de três segundos de silêncio, o informante levantou os olhos para Adam. A

boca tremeu de leve antes de começar a falar. - Espero que sejamos selecionados. Havia incerteza e medo em seu olhar, e Adam soube, a partir daquele momento,

que o informante não seria selecionado: demonstrara fraqueza, e não acreditava realmente que seria selecionado. Enfim. Não seria. Mostrar não ser um deles é o mesmo que afirmar não ser. Adam precisava tomar cuidado. Apenas acenou com a cabeça como resposta, carregando o movimento de uma confiança que não tinha realmente. Os olhos do informante se encheram de lágrimas. Pela resposta de Adam, ele percebeu que havia falhado. Virou-se e, de olhos baixos, foi para seu carro em silêncio.

Sozinho, olhando o horizonte, Adam acendeu outro cigarro. Não podia olhar a noroeste. Olhar para a Catedral seria uma fraqueza. Fumou em silêncio, olhando apenas para a fumaça que subia, ou para o horizonte tranquilo e, de certa forma, até opressor. A tranquilidade externa oprime quando nossa alma está em borbulhão.

No dia seguinte, ligou a TV antes de sair para o seu escritório, onde prestava consultoria. Gostava de saber sobre os assuntos sobre os quais as pessoas falariam durante o dia, então se informava logo cedo. E o que descobriu foi: seu informante se matara. A polícia considerava a possibilidade de acidente, acreditavam que ele poderia ter perdido o controle do carro, mas Adam sabia que não. Fora proposital. Ele com certeza acelerara o carro o máximo que podia e foi criteriosamente em direção ao muro, sem nem tentar evitar, ignorando o próprio instinto de sobrevivência. Mas Adam entendia: talvez fizesse o mesmo, se tivesse certeza de que já não poderia mais ser selecionado.

Então, manteve-se firme. Terminou de tomar o café tranquilamente e foi trabalhar como se nunca tivesse dividido um cigarro com aquele homem, que estraçalhou seu carro contra uma parede de tanto desespero, por ter estraçalhado todas suas possibilidades anteriores, e tudo devido a um peso errado no olhar.

Eles ThaysPretti

Halisson Júnior

Parte I

Thays Pretti Nascida em São Paulo – SP, mas já morou em mais lugares do que é possível contar nos dedos. Leciona disciplinas de Literatura Brasileira na UEM e escreve por paixão e necessidade de se manter sã.É feminista, secularista e libriana – o que já deve dizer bastante.

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