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Vias de Fato SÃO LUÍS, NOVEMBRO DE 2009 - ANO 01 - NÚMERO 02 R$ 2,OO Faltou dinheiro? Ironicamente, no mesmo mês que gravações da Polícia Federal revelam o apelido clandestino de José Sarney (Ma- dre Superiora), ele arma novo golpe para manter o Convento das Mercês (Patrimônio da Humanidade) como um espaço de culto à sua personalidade. “Madre Superiora” faz diabruras para se apropriar do Convento das Mercês Entrevista Palmério Dória, autor do livro Honoráveis Bandidos Tribunal Popular Judiciário no banco dos réus População está se reunindo no interior do Maranhão para fiscalizar e denunciar os membros do Poder Judiciário. No dia 1º de dezembro ocorrerá, em São Luís, o encon- tro estadual do Tribunal Popular. Índios massacrados por pecuaristas e madeireiros PÁGINA 12 PÁGINAS 5,6 e 7 PÁGINA 9 PÁGINAS 10 e 11 Terras dos Awá-Guajá

Jornal Vias de Fato - Edição 2

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Vias de FatoSÃO LUÍS, NOVEMBRO DE 2009 - ANO 01 - NÚMERO 02 R$ 2,OO

Faltou dinheiro?

Ironicamente, no mesmo mês quegravações da Polícia Federal revelam oapelido clandestino de José Sarney (Ma-dre Superiora), ele arma novo golpe para

manter o Convento das Mercês(Patrimônio da Humanidade) como umespaço de culto à sua personalidade.

“Madre Superiora”faz diabruras para

se apropriar doConvento das Mercês

Entrevista

PalmérioDória,autor

do livroHonoráveisBandidos

Tribunal Popular

Judiciáriono bancodos réus

População está se reunindo no interiordo Maranhão para fiscalizar e denunciar osmembros do Poder Judiciário. No dia 1º dedezembro ocorrerá, em São Luís, o encon-

tro estadual do Tribunal Popular.

Índios massacrados porpecuaristas e madeireiros

PÁGINA 12PÁGINAS 5,6 e 7

PÁGINA 9

PÁGINAS 10 e 11

Terras dos Awá-Guajá

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Vias de Fato São Luís, novembro de 20092

Via de Notícias

EXPEDIENTEVias de Fato jornalismo a serviço da causa popular

Coordenação Editorial

Cesar Teixeira e Emilio Azevedo

Coordenação de Agitação e PropagandaAltemar Moraes

Coordenação de Relações InstitucionaisAlice Pires

Correio Eletrônico:[email protected]

Endereço Eletrônico:viasdefato.jor.brContato para assinaturas: 8145-5052 ou 8123-51-84

Livro sobre grilagemO padre canadense Victor Asselin, um dos

fundadores da CPT no Brasil, estará lançandoem breve a segunda edição do livro “Grilagem,Corrupção e Violência em terra doCarajás”. Publicado originalmente em 1982,trata-se de um trabalho de grande valorhistórico.

Estatuto daIgualdade Racial

O antropólogo e professor da UFMA CarlosBenedito, o Carlão, antigo militante doMovimento Negro, comentou para o Vias deFato, sobre o estatuto da Igualdade Racial,aprovado recentemente pela Câmara Federal,após dez anos do início das discussões. Naopinião dele, o estatuto “não levou em contaquestões cruciais como as cotas e açõesafirmativas, direitos quilombolas etc.” ParaCarlão, “a aprovação resultou de umanegociação onde predominaram os interessesdos grupos hegemônicos que não têm interessenenhum em problematizar a questão racial noBrasil e, enquanto isso não acontece, o racismose alastra”.

Estatuto daIgualdade Racial (II)

Carlão disse também que, em relação aonegro, o modelo que predomina no Brasil “excluido mercado de trabalho e da vida social quemjá tem qualificação” e bloqueia as possibilidadesda maioria “de acesso à educação e à vidadigna”. Ele falou também dos “índicesalarmantes da violência física, com extermínioda juventude negra entre as gangues ou pelaação da polícia”. Na opinião dele asorganizações do Movimento Negro Nacionaldevariam trabalhar para eleger representantesque levem à frente os interesses da populaçãonegra e “não se rendam apenas aos interessespolítico-partidários”. Dia 20 de novembro écelebrado, no Brasil, o dia da ConsciênciaNegra. Este ano, o presidente Lula, poderásancionar a projeto de lei que cria o novoestatuto da igualdade racial.

Canal.com e LabmídiaNo mês passado, circulou duas publicações

editadas com a participação da professora VeraLúcia Sales, ambas redigidas pelos alunos queestão fazendo o 6º período do curso de

Guerra ideológicaA CPI criada para investigar o MST é uma

ação do latifúndio para desmoralizar a reformaagrária e uma resposta à pressão que o MSTestá fazendo para que seja atualizado os índicesde produtividade do campo. Entre os deputadosque assinaram a CPI, de um total de 210, pelomenos quatro tiveram suas campanhaseleitorais financiadas pela Cutrale, a milionáriaempresa que planta pés de laranja em terraspública.

Guerra ideológica (II)No auge da confusão com a empresa

Cutrale (a dos pés de laranja) o MST recebeuos mais diferentes apoios, de dentro e de forado Brasil. Registramos aqui o apoio dado pelosenhor Oliver Schutter, relator especial da ONUpara Direito a Alimentação. Segundo Oliver, oMovimento dos Sem Terra do Brasil “está aípara chamar a atenção sobre as dificuldadesque muitos países têm para sanar os problemasalimentares”. Ele recomendou que o Brasil,apóie mais a agricultura familiar. Sobre asgrandes plantações de cana-de-açucar (iguaisas que existem no Maranhão), ele disse queeste tipo de cultura tem contribuído paraaumentar a concentração de terras, sendo umaatividade que proporciona condições precáriasaos trabalhadores.

SINDJUS:Denúncia e Retaliação

O Sindicato dos Servidores da Justiça doMaranhão (SINDJUS) denunciou ao ConselhoNacional de Justiça (CNJ) a criação de trêsnovas vagas de desembargadores para oTribunal de Justiça, requerendo a imediatasuspensão da iniciativa. O SINDJUS solicitoutambém ao CNJ a apuração das denúncias queos desembargadores Jorge Rachid e AntonioBayma fizeram um contra o outro. Foi tambémo SINDJUS que denunciou o reajuste ilegal dossubsídios dos magistrados e desembargadoresmaranhenses. Por conta disso, o sindicato estásendo vítima de retaliação. No dia 29/10 oTribunal de Justiça mandou executar uma multaimposta ao SINDJUS, por motivo da greve dosservidores da Justiça deflagrada em agostopassado. O sindicato pretende agora recorrere denunciar este fato nacionalmente.

Tribunal PopularEnquanto prosseguem as caravanas por

vários municípios do Maranhão, o comitêorganizador do Tribunal Popular Estadual doJudiciário (veja matéria na página 9)desenvolveu algumas ações em paralelo: aCáritas Brasileira Regional Maranhão e aConferência Nacional dos Bispos do BrasilRegional NE V encaminharam ofíciosconvidando diversas organizações a participarda etapa estadual do Tribunal Popular doJudiciário, que acontecerá em São Luís dia 1º.de dezembro. A Cáritas também estáselecionando estudantes para os trabalhos detranscrição e decupagem de gravações de áudioe vídeo realizadas em todas as caravanas járealizadas e por realizar. A idéia é fazer umdocumentário sobre esta importantemobilização da sociedade.

comunicação da UFMA. Trata-se doCANAL.COM, uma revista-laboratório e aLabmídia, revista que trata sobre o ILaboratório Internacional de Mídia Livre,lançado em janeiro de 2009, em São Luís. Umapublicação foi encartada na outra e o resultadofinal ficou muito bom.

Freitas Diniz dizque Agnelli mentiu

O presidente da Vale, Roger Agnelli (foto),esteve no Pará em 2008 dizendo que iaconstruir no nosso Estado vizinho, umasiderúrgica. A governadora Julia Carepa (PT)embarcou na história e iniciou um processode desapropriação de grande extensão deterras. O fato trouxe problemas para agovernadora junto ao Ministério PúblicoFederal. Diante do transtorno, a Vale disse,no final do mês passado, que não tinharesponsabilidade sobre a desapropriação. Oex-deputado Domingos Freitas Diniz afirmaque Agnelli mentiu quando afirmou que ia fazera siderúrgica. “Eles jamais farão umasiderúrgica que fica a mil quilômetros do Portodo Itaqui, que é por onde a Vale iria importaros insumos para produzir o aço”.

O TJ-MA, a sujeirae o tapete

Uma das coisas que chamou a atenção nasessão onde os desembargadores Jorge Rachide Bayma Araújo trocaram insultos, foi a afliçãodos colegas tentando impedir que o diálogofosse gravado. Para eles, o problema não estána sujeira, mas sim, no tapete para colocar emcima da sujeira.

Tribunal Popular IIO Tribunal Popular do Judiciário do

Maranhão vai solicitar ao Procurador-Geral daRepública a abertura de processo contra osdesembargadores Jamil Gedeon, Stélio Muniz,José Joaquim, Nelma Sarney e RaimundaSantos, já condenados pelo Conselho Nacionalde Justiça (CNJ) a devolver diárias recebidasde forma indevida. Outra ação será recorrerao CNJ para requerer a revisão das decisõestomadas nos processos administrativos, queacabaram por favorecer os juízes ThalesRibeiro e Marcelo Baldochi. O primeiro aceitouo pagamento de suas diárias de hotel com asverbas do Fundeb. O segundo é acusado demanter trabalhadores escravos. Thales recebeupena de censura e o processo de Baldochi foiarquivado.

Novo SiteFoi lançado há poucos dias o site do Instituto

Luiz Carlos Prestes. O endereço éwww.ilcp.org.br. A divulgação esta sendo feita,entre outros, pela professora Anita Leocádia,filha de Prestes e Olga Benário.

Paulo Freire emItapecuru!

Recentemente, no município de Itapecuru,a Câmara Municipal discutia se o nome de umaescola deveria ser Paulo Freire ou ConceiçãoRosa (camponesa morta, em 1998 na luta pelaterra). Ao defender o nome de Conceição (vejamatéria na página 9), um deles teria dito: “quemé esse Paulo Freire, que nunca plantou um péde mandacaru aqui no nosso município”. Ocaso repercutiu e, em seguida, o vereador negouque tivesse feito tal declaração.

Conceição Rosa & CubaNo último dia 10 de outubro, o MST fez um

pequeno ato político em Itapecuru para receberLeandro Araújo, militante do movimento quesaiu do assentamento Conceição Rosa e passouseis anos em Cuba, estudando medicina. Agora,ele está de volta a sua comunidade, onde foiprofessor durante algum tempo.

Sobre o PT do MaranhãoO jornalista Renato Rovai, editor da Revista

Fórum, esteve no Maranhão para o lançamentodo Vias de Fato. De volta a São Paulo, elepostou em seu blog que se “não bastasse o apoioque o PT já deu para que o presidente doSenado, José Sarney, não fosse cassado”,agora José Dirceu e José Eduardo Dutradefendem que o PT do Maranhão “feche umaaliança com PMDB. Ou seja, que apóie acandidatura à reeleição de Roseana”. Naopinião de Rovai isso seria “a formalização dabandalheira”, “um seqüestro do PTmaranhense”. Rovai é simpático ao governoLula, mas tem todas as restrições ao PMDBmaranhense.

DespudoradosVias de Fato foi informado, por fonte segura,

que o site do Sistema Mirante informou no dia 28de outubro, que “tem o dedo, os pés e mãos dapresidente do TRE, Nelma Sarney, e do ministroEdison Lobão (Minas e Energia) a nomeação,pelo presidente Lula, do advogado Sérgio Munizcomo novo membro da corte eleitoral”.

INFORME

A libertação e as questões de fundo

Flávio Reis, professor de Ciências Sociais da UFMA, comentou o artigo que o historiadorWagner Cabral escreveu na edição anterior do Vias de Fato sob o título de “Omanto de Penélope: a cultura política da libertação em questão”. Segundo Reis, sobre

este tema, a questão é em que sentido a palavra libertação “pode ser retirada da armadurade ferro em que está metida, no caso a estrutura oligárquica de mando”. Para o professor,este discurso “é parte disso que elas (as oposições oligárquicas) sempre dizem combater,tanto que é liberdade em relação a um grupo, as denúncias e tudo o mais”.

O problema, segundo Flávio Reis, é que estas mesmas oposições “nunca vão àsquestões mais de fundo de um padrão de dominação”. No texto que motivou estecomentário, Wagner falou “da ausência de vida política ideológica no Maranhão”, citando“o oportunismo e adesismo tão freqüentes”. Neste interessante debate, puxado pelosprofessores, além do “adesismo e do oportunismo” muito bem lembrado pelo historiador,poderíamos acrescentar também a omissão e a conivência, características bem acentuadasda atual conjuntura social e política do nosso Estado.

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Vias de FatoSão Luís, novembro de 2009 3

Os últimos anos, marcados pelo redemoinho deacontecimentos políticos que expuseram as vísce-

ras do Maranhão, para todo o País, tiveram também aprovidencial utilidade de servir como um soco na apatiageneralizada aqui instalada. Entretanto, na terra onderezam lendas de serpentes adormecidas e carruagensmal assombradas, ainda predominam versões fantasio-sas e interpretações superficiais em torno da árida rea-lidade social do Estado.

Dois eventos, realizados no mês passado, em SãoLuís, são um exemplo do fosso que separa ficção e re-alidade, a produção do conhecimento científico e a rea-lização de obras e projetos de efetiva contribuição so-cial: a VI Jornada Maranhense de Sociologia, paralelaao II Seminário Desenvolvimento, Modernidade e MeioAmbiente, de iniciativa do Departamento de CiênciasSociais da Ufma, eo Painel Empresari-al do Maranhão2009 - Oportunida-des e Parcerias, ar-ticulado pelo Gover-no do Estado. Am-bos trouxeram à tonao tema dos chama-dos grandes proje-tos de desenvolvi-mento do Estado.

Sob a embala-gem de números es-tratosféricos e apolo-gias a um novo ciclode desenvolvimento, o Painel Empresarial anunciou um futu-ro que já chegou, com a devida espetacularização semânti-ca, em frases repletas de efeito e esquálidas de significadoconsistente, tais como: "enfim, o Maranhão decolou rumoao desenvolvimento"; "o Maranhão vive o mais alto desen-volvimento do mundo"; "um novo Brasil está acontecendoaqui no Maranhão" e outras tão presentes no cotidiano damaioria da população pobre do Estado quanto um foie gras,acompanhado por taças de champagne Veuve Clicquot. Partesignificativa do empresariado e da imprensa local reveren-ciou, como súditos, a figura de Eike Batista, o bilionário acu-sado de crime ambiental nas obras do porto do Açu, nortefluminense, e de fraude na licitação da ferrovia do complexominerador, mais especificamente, do Estado do Amapá.Sobre o supersticioso empresário, há quem desconfie dasintenções de seus empreendimentos, com uma frase recor-rente: você entregaria seu FGTS a um negócio do Eike?

Mas o evento, profético das riquezas a serem ge-radas pelos tais empreendimentos, deixou débitos aosque se interessam pelo assunto, com a ausência de res-postas mais aprofundadas para questões como: que tipode desenvolvimento é esse? Desenvolvimento paraquem? Um desenvolvimento predatório, na concepçãoda antropóloga Manuela Carneiro da Costa, cujo mo-delo é o de mero exportador de commodities? A re-

Os Flintstones e os Jetsons nodesenvolvimento animado do Maranhão

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Flávia Regina Melo é jornalista, com pós-graduação em Gestão da Comunicaçãopela USP, Universidade de São Paulo.

ducionista divulgação da vinda de indústrias e de "tri-lhões de reais" ao Maranhão, saudados pelo PainelEmpresarial, evidenciou apenas o atraso de tal pro-posta de modernização, em uma época que o mundodiscute as noções de "biocivilização" e "desenvolvi-mento includente", propostas pelo economista IgnacySachs, professor emérito da Escola de Altos Estudosem Ciências Sociais, de Paris, e co-diretor do Centrode Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo. Segun-do ele, desenvolvimento é um conceito relacionado acritérios sociais e ambientais.

Na direção contrária ao empresariado local, osprofessores e estudantes de Ciências Sociais da Ufma,realizaram debates, exposição de pesquisas sobre te-mas relacionados aos impactos contemporâneos doschamados grandes projetos de desenvolvimento. Ques-

tões fundamentaisà agenda de desen-volvimento do Es-tado foram pontu-adas, sem que aImprensa local se-quer tivesse a míni-ma curiosidade de,pelo menos, passe-ar pelo evento. Aminha vergonha, nacondição de jorna-lista acanhada di-ante de jovens de20 anos que rela-tavam suas experi-

ências em pesquisas de campo relacionadas a migra-ções de trabalhadores maranhenses, de pescadores quedenunciavam o assoreamento da Baía de São Marcos(que, por lixo de navios e outros resíduos, já avança àmargem de 2 Km) e outros problemas sociais, só nãofoi maior porque tive a alma lavada pelo coordenadorda iniciativa, o professor doutor Horácio Antunes que,no encerramento, clamou: "A sociedade não pode fa-zer coro à louvação que a Imprensa local e as autorida-des fazem destes projetos".

Sobre a propalada Refinaria Premium, a histó-ria parece próxima daquela notinha "Yes, Alcânta-ra!", de um famoso colunista social maranhense que,na década de 80, início da implantação do projetoda Base Espacial de Alcântara, profetizava "navesespaciais" e "hotéis intergaláxicos". Para a nossa des-graça, o Maranhão bocejante da serpente adorme-cida ainda permanece mais próximo dos Flintstonesdo que da família Jetson.

Flávia Regina MeloO bagaçoda laranja...O episódio ocorrido no começo de outubro em São Paulo, en-

volvendo o MST e a empresa multinacional Cutrale, mostramuito bem a distorção que a grande imprensa brasileira faz

diante de certos confrontos ocorridos no Brasil entre opressores e opri-midos. Sobre o caso, que envolveu alguns pés de laranja, o que deveriater sido registrado, e não foi, é que parte das terras onde a milionáriaempresa fez sua plantação FOI ROUBADA DO PATRIMÔNIO PÚ-BLICO.

A chamada "grande" imprensa brasileira minimizou o fato de aCutrale ter grilado terras da União. A empresa cometeu um delito e asautoridades brasileiras nada fizeram até o momento. Isso a grande mídiaomite (ou minimiza), assim como desconsidera também que naquela re-gião centenas de famílias vivem na beira da estrada, embaixo de lonasde plástico, em busca de espaço para viver com dignidade.

Mas, quando a paciência extrapola todos os limites e o povo re-solve fazer um protesto, cria-se uma onda de "indignação" por conta depés de laranja plantados em terras roubadas. E os setores "indignados"com a derrubada dos tais pés de laranja ilegais ficam inteiramente indi-ferentes aos brasileiros que lutam de forma legítima por um lugar dignopara trabalhar e criar seus filhos.

Pois o Vias de Fato não está nem aí para os pés de laranja emterras roubadas! Consideramos que o correto é o povo continuar bri-gando pela terra. Brigando para que esta mesma terra, ao invés de darlucro para um empresariado grileiro, possa sim, produzir alimentos paramilhares de outros brasileiros. O que nos causa indignação é a grilagemde terras públicas e a conivência do Estado! O que nos revolta são asdistorções editoriais da grande mídia! O que nós combatemos é acriminalização dos movimentos sociais!

Deixamos registrado no nosso modesto jornal uma palavra de in-centivo para a brava gente que luta pela terra que lhes foi roubada aolongo da história. Continuem! Incomodem estes poderosos ladrões! Enão só os da Cutrale, mas tantos outros espalhados pelos quatro cantosdo Brasil, e, em particular, no nosso Maranhão. Insistam nesta luta nointerior do país! Do contrário, para sobreviver, os sem terra terão quemigrar com seus filhos para as grandes cidades, passando a morar emfavelas, à mercê do narcotráfico, do crime organizado e de todo tipo deviolência urbana.

Como sempre, a grande imprensa que protege os poderosos la-drões endinheirados continuará a chamar os trabalhadores rurais de ban-didos, indiferentes às suas misérias, mas, obviamente, oferecendo todasolidariedade do mundo aos "coitadinhos" dos pés de laranja... Para ossem-terra, quando muito, sobra o bagaço.

Editorial

OPINIÃO

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Vias de Fato São Luís, novembro de 20094

Caso queiram definir o Poder Judiciário apartir de palavras, ei-las aos montes: anti-democrático, anti-republicano, conservador,elitista, nepotista, classista, corporativista,patrimonialista. Caso desejem a partir de umametáfora, vejam-no como um grande elefante,desengonçado, colocado dentro de umapequena loja de porcelanas e vitrais.

Passou-se para a população, no entanto, eisso formou uma opinião pública considerável,que o único problema do Judiciário era a suamorosidade no julgamento dos processos. Quemnão se lembra de Rui Barbosa, na célebreOração aos Moços, quando adverte aosformandos a não serem desses magistradosnas mãos de quem os autos penam como asalmas do purgatório, ou arrastam sonosesquecidos como as preguiças do mato?

Mas o outro lado da história insurge-se, paraafirmar que a morosidade não passa de umacortina de fumaça, a impedir a cidadania dever a realidade do Poder Judiciário em nossopaís, incompatível com a Constituição de 1988,que tornou o país uma república democrática.

Para provar essa tese, no ano 1992 oDiretório Central dos Estudantes daUniversidade Federal do Maranhão e o Sindicatodos Trabalhadores no Judiciário Federalpromoveram o seminário “Democratização doPoder Judiciário”, cujo objetivo era discutir aforma de controle social sobre esse poder, alheioe inimigo, às vezes, da democracia.

Depois dos debates, ficou uma certeza queaté os dias atuais guardo na minha memória: opoder judiciário do país, e em particular omaranhense, é o último baluarte damonarquia, resiste à república e àdemocracia, e transita, na maioria das vezes,na ilegalidade.

Aos defensores da idéia que o judiciáriomaranhense passa por uma crise, por conta dobate-boca entre os desembargadores Baymae Rachid, eu os faço repensar. Não está numacrise, é a crise em si, no seu estado mais puroe latente. O que ocorre agora já acontecia hátempo, rotina do exercício do poder judiciáriono Maranhão. Os “delicados”, os “civilizados”,como se refere Carlos Drummond, não ligavampara o que já se dizia à boca pequena noscorredores, brincadeira comum e motivo degalhofa nos escritórios e repartições públicas,grito ensurdecedor nas ruas.

O Poder Judiciário afronta a lei – Exemplospara ilustrar não faltam, existem aos montes, enão se tratam de casos isolados, mostram aessência do judiciário em nosso Estado.

O que leva um desembargador, presidentedo Tribunal Regional Eleitoral/MA, à épocaPires da Fonseca, inaugurar obra, vestir acamisa de propaganda eleitoral e deixar-sefotografar ao lado do candidato ao senadoEdson Lobão? E o que dizer quando todos osdesembargadores, dias antes da eleição paragovernador, em 1998, resolvem prestarhomenagem à candidata Roseana Sarney,deixando-se com ela fotografar para sermanchete de capa do jornal da família dacandidata no dia seguinte?

Como admitir que o presidente do Tribunalde Justiça grave pronunciamento em programapartidário, em 2006, como gravou MilsonCoutinho, fazendo elogios a José Sarney?

E o assassinato do Pe. Josimo MoraesTavares, em 1986, por conta da sua defesa doslavradores? Crime que repercutiu e comoveu asociedade nacional e internacional, apenas osmembros do judiciário fingiram que não existiu,por conta de inconfessáveis interesses, entre elesproteger um juiz, o que deu garantia deimpunidade ao pistoleiro. Vinte anos se passarame o objetivo almejado foi atingido: o processoestá no túmulo para sempre.

Como admitir que José Gerardo, em 1999acusado de chefiar o crime organizado no estado,desfrutasse de amizade pessoal de João Miranda,o que o permitiu, durante toda a gestão dessefalecido presidente (1996-1997), freqüentar assalas do tribunal com a maior desenvoltura?

A esse respeito, relato um recorde alcançadopela justiça do Maranhão. Em 1997, Zé Docafoi palco de disputas de grupos pela gestão do

executivo municipal. Em jogo, as gordastransferências de verbas, entre elas o Fundode Participação Municipal. Durante um períodonão superior a seis meses, expediram-se onzedecisões judiciais de afastamento e retorno doprefeito de então, Mascarenhas. Coincidência:quase sempre próximo ao repasse do FPM.

Na comarca de Zé Doca existe um processo,creio ainda em tramitação, em que o municípioaciona o ex-prefeito a devolver aos cofresmunicipais quantia significativa, sacada poucosdias antes do fim de sua tumultuada gestão. Osaque verificou-se na agência Banco do Brasil,no bairro do João Paulo, em São Luís. Na açãofigura como um dos beneficiários o ex-deputadoJosé Gerardo, aliado à época de Mascarenhas.

Quanto ao julgamento dos processos, não existemorosidade alguma quando se trata de reintegraçãode posse, cujas liminares são despachadas quaseque imediatamente, cumpridas de forma urgente,e com a eficiência de assombrar qualquer usuáriodo serviço público.

Como afirmei, exemplos não faltam detrânsito na ilegalidade, imoralidadeadministrativa, má gestão, ingerência emprocesso eleitoral, favorecimento à prescriçãode crimes e à grilagem de terras públicas, eassim por diante.

Tudo porque o judiciário se acostumou àfalta de controle, a ausência de fiscalização, àgestão desregrada, a não publicidade dos atos,às sessões secretas, à intimidação da imprensae dos movimentos sociais, inibindo a formaçãode espaço para a opinião pública. Tornou-seum estado dentro do estado, na maioria dasvezes até acima: “os juízes pensam que sãodeuses. Os desembargadores têm certeza!”

Concebido pelas elites para ser um poderà parte, defensor da propriedade, da ordem eda segurança, alheio à opinião pública, nãosu je i to

ao controlesocial, colidiu com a ordem constitucional e poresta está sendo ferido de morte. O que ocorreagora é apenas o seu enquadramento legal,tornando-o parte integrante do estado de direito,republicano e democrático, submetido àsoberania popular, como deve ser.

Judiciário como parte de uma estratégiapolítica de dominação – No Maranhão o poderjudiciário, além de herdar as mazelas doJudiciário do país, ainda carrega marcas daestratégia de dominação política montada pelogrupo alcunhado de “Oligarquia Sarney”.Assim, para entender a sua concepção deordem e segurança jurídica, e a crise pelo qualpassa, necessário compreender a lógica dedominação específica em que ele se insere noMaranhão.

A estratégia de dominação desse grupofunciona numa ação articulada em três eixos:a) domínio da máquina administrativa, nas trêsesferas (municipal, estadual e federal), paragarantir o prestígio e o acesso às verbaspúblicas; b) doação de terras públicas, parafacilitar alianças com as elites nacionais; e c)domínio absoluto dos tribunais (Contas, Eleitorale Justiça), forma de dominar inimigos, favorecerapadrinhados e garantir a impunidade.

Se a ascensão de José Sarney só foi possíveldevido ao domínio dos órgãos da justiça, a suapermanência se deve à influência exercidasobre os tribunais. Talvez essa tenha sido a

maior engenharia política do ex-presidente darepública e o que ainda o mantém vivopoliticamente.

Por conta dessa relação umbilical, deatrelamento e de subordinação, a crise vividahoje pelo judiciário encontra raízes em trêsrazões, duas vinculadas diretamente aosinteresses do grupo Sarney.

Até a eleição de 1994, o judiciáriomaranhense atuava como um bloco monolítico,imperceptível e inconcebível rachas internos,formação de agrupamentos. Acirrada a disputaeleitoral, o envolvimento do Poder Judiciário naeleição de Roseana Sarney tornou-se inevitável,exposição que o atingiu e deixou cicatrizespermanentes.

Internamente, a promoção de Nelma Sarneypara capital provocou uma fissura,desencadeando a formação de grupos, arivalidade e, posteriormente, uma guerradeclarada. Pires da Fonseca, então presidentedo Tribunal, baixou ato administrativo,promovendo Nelma Sarney e mais quatro juízes,Cleones Cunha, José Joaquim, José LuizAlmeida e José Ribamar Vaz, do interior paraa capital, provocando descontentamento. Atocontestado judicialmente pelos juízesprejudicados, gerou um racha interno, ferida atéhoje não curada, e marcou de forma indelévelo judiciário maranhense, ao romper com umanorma de valor inestimável para a magistratura:a lista de antiguidade.

Rivalidade acentuada entre os grupos, atática passou de retardar o desfecho doprocesso, por conta das inúmeras pressõessofridas, para influenciar na escolha dedesembargador, ação direcionada para recaira escolha em um dos cinco juízes, para dar ocaso por vencido.

A luta tornou-se pelejaaberta entre os grupos quando dopreenchimento da vaga de desembargador, hojeocupada por Cleones Carvalho Cunha. Geroutambém a primeira fissura no grupo dos cinco,pois a eleição era vista não só como “tábua desalvação” para o grupo, mas um “salve-se quempuder”, em vista de decisões proferidas noprocesso que lhes eram desfavoráveis.

De ferida o caso transformou-se em fraturaexposta, quando da eleição de Nelma Sarneyao cargo de desembargador. Na disputa estavao juiz José Luiz Almeida, também beneficiáriodo ato de Pires da Fonseca. Preterido, resolveu,após a eleição, publicar nota na imprensanacional, afirmando que foi fato público enotório a interferência de José Sarney eRoseana Sarney na eleição da cunhada aocargo de desembargador, sendo que estes, naspalavras no juiz, “exerceram pressão nuncavisto dantes sobre os vários membros daCorte”.

E diz, sem meios termos: “Alguns membrosda Corte, que, na ótica deles não mereciamrespeito, sofreram pressão via telefone;outros, que, a juízo se faziam respeitarminimamente, receberam pressão em suaspróprias casas, pelo próprio José Sarney,em pessoa, que se fazia acompanhar nasincursões pelo irmão, Ronald Sarney”, esteesposo de Nelma.

Fica a pergunta no ar: que pressões eramessas? Quais os desembargadores que não

mereciam respeito de Sarney e Roseana? E oque fizeram alguns desembargadores paraterem respeito?

Constituição ajusta o Judiciáriomaranhense – Com esse tanto de mazelas paragerir e na ausência de acordos internos capazesde viabilizar a pacificação, a disputa não resistiuao golpe fatal: a Emenda Constitucional 45/2004.Alterando a dinâmica e a correlação de forçasdo poder judiciário nacional, fixou como regras ofim das audiências secretas, a observância deprazos razoáveis para o julgamento de processoe criou o Conselho Nacional de Justiça, atribuindo-lhe as funções de controle administrativo efinanceiro do judiciário nacional, bem como fiscaldos deveres funcionais dos juízes.

A partir daí o que era fratura exposta, mas aindapassível de acordo, passou à gangrena, saindo dosbastidores para a arena pública, com acusaçõesmútuas, xingamentos, denúncias e retaliações.

Na estratégia montada pela “OligarquiaSarney”, a funcionalidade dos tribunais dirigia-se à manutenção do poder político do grupo noEstado, sob a garantia de blindagem nasinstâncias federais, inclusive na imprensa. Foiessa certeza que levou cinco desembargadoresa apresentarem defesa tão risível, em processoinstaurado no CNJ por uso indevido de diárias, chegando o relator a considerar “surreal”: acrença na certeza da impunidade!

Com a diminuição do prestígio do grupoSarney, em decorrência da exposição do senadore da sua família na imprensa nacional, os rachasinternos ganharam visibilidade e o volume dedenúncias aumentou contra membros do PoderJudiciário, modificando a estratégia, fazendo ochefe político priorizar a sua sobrevivênciapolítica, deixando os antigos aliados à própriasorte. E eles, pelo que se vê, não se deram contaque estão entregues aos leões literalmente.

O costume do cachimbo torna a bocatorta – Deixados à própria sorte, o barco estáà deriva e com vários buracos, ante as ameaçasdos órgãos federais, em vista de relatórios dandoconta de inúmeras ilegalidades praticadas.Cada vez que tapa um buraco, abre outro.

O bate-boca entre Bayma e Rachid éapenas um exemplo do que está ocorrendo nosbastidores. A nota sem sentido divulgada peloTribunal, que prefere de chamar “discussãoacalorada” uma briga de rua, ao contrário doque afirma, não existe nada nos xingamentosproferidos que lembre o ambiente democrático.O que se ouviu, mais do que ralhos, foramacusações sérias, que precisam serdevidamente investigadas.

Na sua altercação, o desembargadorBayma acusou Rachid de três práticas queprecisam ser apuradas: sociedade em terrasgriladas, ato de rapinagem, quando da suagestão na presidência do TJ/MA, e evoluçãopatrimonial incompatível com os proventos.

Já entrou na rinha a turma do “deixa disso”,como se fosse uma briga de mesa de bar,inconsequente. Cabe à Procuradoria-Geral daRepública, à Polícia Federal e ao CNJprocederem às apurações, para que a opiniãopública não esmoreça e possa acreditar nasinstituições republicanas.

Cabe à sociedade civil interferir no cursodessa história, promovendo as açõesnecessárias, mobilizando as entidades, paraexigir as investigações sobre o presente caso.

Sempre disse que o poder judiciáriomaranhense não resistiria aos ares da democracia,ao aroma da república. Mais cedo ou mais tardeiria se revelar ao mundo e não custou muito.

O que aconteceu nos últimos dias é apenaso começo do fim, o som cavo e rouco quecaracteriza a respiração dos moribundos, aagonia de um doente incurável, o ruído anormalproduzido pela respiração quebrante quando osbrônquios estão obstruídos por líquido, quegeralmente é acompanhada de expectoraçãode matéria purulenta.

Como havia afirmado o velho Marx: o queera sólido, se esfumaçou no ar. Agora é apenasum cadáver ambulante que fala!

Um elefante na loja de porcelana Jorge Moreno*

OPINIÃO

* Juiz de Direito

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Vias de FatoSão Luís, novembro de 2009 5

ENTREVISTA COM PALMÉRIO DÓRIA

“Na verdade, meus quatro livros sobre fatos políticos é que são de sacanagem, no piorsentido da palavra: o massacre no Araguaia, as armações de Carlos Lacerda - o Gênio do

Mal -, a mão grande de Roseana e o enquadramento de JS em formação de famiglia.

Ele tem uma coluna na revis-ta Caros Amigos, hoje, umadas publicações de esquerda

mais importantes do Brasil. Antes,passou pela Globo, Folha de SãoPaulo e Estadão. Foi também dire-tor de redação da revista Sexy. Aos61 anos de idade, o paraense Pal-mério Dória é hoje um best-seller. Éde sua autoria o livro HonoráveisBandidos: um retrato do Brasil naera Sarney, que, como o próprionome sugere, faz uma devassa na bi-ografia do oligarca do Maranhão, oatual e cada vez mais desmoraliza-do presidente do Senado Federal.

Lançado no dia 24 de setem-bro, em um movimentado eventoocorrido em São Paulo, em uma daslivrarias Saraiva, Honoráveis Bandi-dos é o quinto livro de Palmério Dó-ria, desta vez em parceria com Myl-ton Severiano. Antes escreveu sobrea morte de Getúlio Vargas, sobre aGuerrilha do Araguaia e sobre a fra-cassada e escandalosa tentativa deRoseana Sarney de se tornar candi-data a presidente da república (ACandidata que Virou Picolé).

Publicou ainda um livro bastan-te controvertido, Evasão de Priva-cidade, que reúne entrevistas com"celebridades" (atrizes e modelos),feito na época em que foi diretor darevista Sexy, entre 1992 e 1999.Sobre este trabalho diz que "na ver-dade, meus quatro livros sobre fa-tos políticos é que são de sacana-gem, no pior sentido da palavra".

Numa entrevista de Cesar Tei-xeira e Emílio Azevedo, Vias deFato abriu suas páginas para Pal-mério, pois é inegável que seu últi-mo trabalho interessa diretamente aoMaranhão. É impossível um jornalde São Luís ficar indiferente a estelivro, que encabeça hoje a lista dosmais vendidos em todo o Brasil.Aqui, no entanto, algumas livrarias– caso da Nobel – não aceitaramvendê-lo. Razão porque o aeropor-to de São Luís talvez seja o únicodo país onde não pode ser encon-trado o livro de Palmério. É o Ma-ranhão versão 2009! São os herdei-ros de Vitorino Freire, as criaturas,superando seus criadores. A seguira entrevista completa com PalmérioDória.

Vias de Fato - Quando inte-grou a equipe do jornal O Nacio-nal, semanário criado em 1986que criticava a Nova República,você já conhecia os maus ante-cedentes políticos de José Sar-ney no Maranhão? Por que se in-teressou em investigar as ativi-dades suspeitas da família Sar-ney e seus aliados? Enfim, comosurgiu a idéia do livro?

Palmério Dória - Claro quesim. Sou um jornalista da velha es-cola, que se formou no combate àditadura, da qual JS era servidor,sem contar o fato de que sou para-

ense. Mas só fazendo HonoráveisBandidos e A Candidata que VirouPicolé fui tendo plena consciência doestrago que o neocoronel faz. Eu,por exemplo, não ligava os 45 milgarimpeiros, a maioria maranhenses,que a Polícia Federal expulsou deterras do ianomâmis, em Roraima,no início dos anos 90, como vítimasda Lei de Terras de JS. Eu estava lána fronteira à época para fazer umdocumentário. Nem tampouco osmilhares de agricultores que reivin-dicavam um pedaço de chão emSão Pedro da Água Branca, na fron-teira do Pará com o Maranhão, hoje

estação da ferrovia Carajás, quan-do andei por ali levantando materialpara o livro A Guerrilha do Araguaia,em 1976. Esse êxodo de 1 milhãode maranhenses, que condenou oEstado ao atraso, talvez seja a coi-sa mais perversa promovida pelaDinastia Sarney. A ficha só me caiu(totalmente) quando entrevistei o go-vernador Jackson Lago, primeiro emSão Luís, depois numa cantina pau-listana para um capítulo de Honorá-veis, bem no início deste ano. A idéiado livro veio quando eu soube queJS iniciava um processo de limpezada biografia dele, que culminaria

agora em maio de 2009, com o lan-çamento de uma biografia, uma auto-biografia, o diabo a quatro. Acho queali o acadêmico nem pensava em dis-putar a presidência do Senado pelaterceira vez. Muito menos sonhavacom o mar de lama que ia jorrar.

Vias de Fato - Em 2001,você publicou Evasão de Priva-cidade, seleção de entrevistas pi-cantes com atrizes, modelos e fi-guras carimbadas da época emque dirigiu a revista Sexy. Umano depois, foi a vez de A Candi-data que Virou Picolé. Quem ven-de mais: o time de RegininhaPoltergeist, Monique Evans eRoberta Close ou os honoráveisdo grupo Sarney?

Palmério Dória - Na verda-de, meus quatro livros sobre fatospolíticos é que são de sacanagem,no pior sentido da palavra: o mas-sacre no Araguaia, as armações deCarlos Lacerda – o Gênio do Mal –, a mão grande de Roseana e o en-quadramento de JS em formação defamiglia. É difícil comparar revista elivro, mas vamos lá: a recordista devendas nos sete anos que editei aSexy foi Roberta Close: 200 milexemplares sumiram das bancas emapenas uma semana, e não nos pre-paramos para uma nova tiragem. Acapa tinha um apelo extra, um ade-sivo em cima da genitália dela comum texto dizendo "Puxe aqui". Cadaproduto deve ter um apelo. No casode Honoráveis, são os óculos doPapa Doc maranhense. Pena quenão dê pra ver direito, lá no fundo deles,a cara de seu cúmplice Agaciel Maia, parao efeito ser ainda mais devasso. Mas acara do coronel é muito real. Não tem tru-que. É de uma foto tirada na cerimônia dehasteamento da bandeira logo depois daposse. Livro é aquela coisa. Pouca gentelê. Mas o interesse pelas perversões deJS, como condenar o Maranhão aoignorantismo, colocou o livro entreos mais vendidos, coisa que ele nun-ca conseguiu com suas obras medí-ocres.

“A desmoralizaçãoda nossa democracia

não tem limites”

ENTREVISTA

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Vias de Fato São Luís, novembro de 20096

Vias de Fato - Aqui no Ma-ranhão, os empregados da oligar-quia dizem que o seu livro é a fa-vor dos tucanos (risos). Pode pa-recer piada, mas é o que dizem.Hoje, eles propagam cinicamen-te, e na maior cara de pau, quequalquer pessoa ou organizaçãosocial que denuncia os inúmerose históricos desmandos da máfiamaranhense é porque estaria aserviço de FHC, José Serra eCompanhia (risos). Qual a suaopinião a respeito?

Palmério Dória - Tem genteque acredita em disco voador, nãoé? Mas, só para não dizer que nãofalei de flores, quero lembrar quecoube a mim pautar e tocar, juntocom outros repórteres da revista, omaior sucesso de vendas da CarosAmigos até hoje. Na capa a revistaperguntava: POR QUE A IMPREN-SA ESCONDE O FILHO DE 8ANOS DE FHC COM A JORNA-LISTA DA GLOBO? Era um segre-do de polichinelo. Toda a imprensasabia mas ninguém contava. Supo-nho que isso não me deu e não medá muitos dividendos entre os tuca-nos. E quanto ao Honoráveis, bastaler como José Serra e seus Blue Capsficam na fita.

Vias de Fato - O atual presi-dente do Senado foi homem fortenos governos de Collor, Itamar,FHC e agora no de Lula. Em suaopinião, por que a democracia bra-sileira convive tão bem com essaterrível herança da ditadura?

Palmério Dória - Dá o quepensar. Não seria porque cada umdesses governos traz a sua cota doovo da serpente? Honoráveis lem-bra a comoção popular que tomouquatro quarteirões de Buenos Aires,gente à espera de passar pelo veló-rio do presidente Raul Alfonsín que,sucedendo à ditadura militar, enqua-drou os comandantes das torturas emortes, ao contrário de Sarney e to-dos os outros que vieram depois, quelhes deram guarida. Quem tem umsoba como Sarney ao lado, comoLula tem, não pode jogar pedra numsátrapa como ACM, que FHC tinhaao lado dele. Então é claro que a re-lação com o entulho autoritário é boapara ambas as partes.

Vias de Fato - Você acha queLula continua refém de Sarney edo PMDB, ou está apenas apro-veitando as lições de oportunis-mo do senador em função das elei-ções de 2010?

Palmério Dória - Na CarosAmigos, logo após a posse de Sar-ney no Senado, publiquei matériacom o seguinte título: QUEM GO-VERNA É O LULA, MAS QUEMMANDA É O SARNEY. Muita gen-te não gostou do título. Argumenta-ram isso aí: Lula é o grande malan-dro que usa esse pessoal todo parachegar aos seus objetivos. A epígra-fe daquela matéria, tirado do livroMcMáfia, do escritor Misha Glenny,é a mesma de Honoráveis: "Não exis-te organização criminosa mais bem-sucedida do que a que conta com

o apoio estatal". Ora, nesse con-junto de forças do governo Lula, ocão mais fiel de JS domina a ener-gia. Todo mundo sabe que quemdomina a energia domina o mundo.E, comprovando a tese de Hono-ráveis e da Operação Boi Barrica,a Folha mostrou, em matéria recen-te, que quem manda no Lobão é oFernando Sarney. O que dá mar-gem para a gente concluir que umvai se aproveitando do outro, não?Mas, para não ficar em cima domuro, não há a menor dúvida queLula é refém do Sarney. Pode de-testar isso, mas é. Do Sarney e doRenan.

Vias de Fato - O que a oli-garquia maranhense tem de pior,em relação a outras máfias regi-onais?

Palmério Dória - A do ACMtinha laivos de modernidade, criou opólo petroquímico de Camaçari, des-cobriu jovens talentos como BenitoGama, Mário Kertesz, CléristonAndrade, Luis Sande (ex-presidentedo BNDES), toda uma geração deexecutivos brilhantes que o ajudarama desenvolver a Bahia. Era coronelcomo JS, mas não era atrasado. JSconstruiu uma fortuna mais aparenteque a de ACM, teve vôos mais al-

tos, um poder mais sólido, re-nunciou a qualquer dignidadeideológica ao fazer alianças àdireita e à esquerda, sendo deum governismo encarniçado. Aoligarquia do JS é pré-capita-lista, baseada no ignorantismo,como The Economist contanaquela bela matéria que fezJS espumar, com título melhorainda: ONDE ANDAM OSDINOSSAUROS. A oligar-quia do Papa Doc, do BabyDoc e da Doc Girl remontaaos tempos de Ana Jansen noséculo 19, que não queria águaencanada em São Luís paranão perder o comércio em pi-pas sobre carroças puxadaspor muares, a água vendida deporta em porta por escravosmaltrapilhos e sujos, conformeJerônimo de Viveiros relata emA Rainha do Maranhão. Lem-bra aquele texto do Eça deQueiroz em homenagem aoshomens do povo? "E o mun-do oficial, opulento, soberano,o que faz a estes homens queo vestem, que o alimentam, queo enriquecem, que o defen-dem, que o servem? Primeiro,despreza-os ao não pensarneles, não vela por eles; trata-os como se tratam os bois;deixa-lhes apenas uma peque-na porção dos seus trabalhosdolorosos; não lhes melhora asorte, cerca-os de obstáculose de dificuldades; forma-lhesem redor uma servidão que osprende e uma miséria que osesmaga; não lhes dá proteção;e, terrível coisa, não os instrui:deixa-lhes morrer a alma."Sarney é o mercador de almasdo Maranhão.

Vias de Fato - Um comentá-rio de internauta postado numblog que divulga o HonoráveisBandidos diz que Sarney "é o bis-po Macedo do PMDB". Vocêacha que o primogênito do Sena-dor pode ser um "FernandinhoBeira-Mar" do Maranhão, no quetange ao tráfico de influência, for-mação de quadrilha e lavagem dedinheiro, entre outros crimes?

Palmério Dória - Eu acho queo PCC e outras organizações crimi-nosas tem muito a aprender com afamiglia Sarney.

Vias de Fato - Você diz emseu livro que no atual coronel dapolítica maranhense "o ridículoestá exposto". O chama de "pia-da pronta". E como fica o Mara-nhão nesta história? Fica maispara comédia ou para tragédia?

Palmério Dória - O melhor dohumor e da comédia é alimentadopelo drama. Basta ver a farra que oshumoristas estão fazendo de novocom JS. Não por acaso, os irmãosgênios Chico e Paulo Caruso nosbrindam com 16 páginas no livro. Nodia em que foi derrotado por Sarneyna Academia Brasileira de Letras,Orígenes Lessa mandou essa: "Per-der é sempre ruim, mas perder parao Sarney é uma piada".

Vias de Fato - Numa recen-te entrevista você diz que Sarneyé sobrevivente de uma geraçãode coronéis e "parece que nuncavai cair", mas que, como não vaidurar para sempre, seus seguido-res vão adotar a cartilha do mes-tre. Fora os membros da família,quem mais seriam seus presumí-veis seguidores?

Palmério Dória - O EdisonLobão. Dizem que ele nunca traiu.Um publicitário superinformado medisse que ele vai ser fiel ao Sarneyaté o velório. Mas, antes da missado sétimo dia, já toma o poder dosmeninos.

Vias de Fato - Você fala so-bre questões históricas, envolven-do a terra no Maranhão. Hoje, odespejo de trabalhadores ruraisem nosso estado continua a seruma rotina. Militantes sociais sãoameaçados de morte, somos omaior exportador de mão de obraescrava do país e a concentraçãode terra, puxada pelo agronegó-cio, aumenta a cada dia. Comen-te a relação da oligarquia mara-nhense com a concentração daterra.

Palmério Dória - Falei umpouco sobre isso na abertura dopapo. Esses milhares de maranhen-ses que saem Brasil afora como for-miguinhas atrás de migalhas vão aca-bar caindo no Pacífico, como medisse certa vez o historiador Wag-ner Cabral. Esse êxodo, semelhanteao do povo hebreu, me comove. Sócabe num livro, num documentário,num filme. Pode começar no tremda ferrovia Carajás, que traz nos-sas riquezas para o mundo e leva onosso miserê para o Brasil.

“Coube a mim pautar e tocar, junto com outros re-pórteres da revista, o maior sucesso de vendas da Ca-ros Amigos até hoje. Na capa a revista perguntava: PORQUE A IMPRENSA ESCONDE O FILHO DE 8 ANOSDE FHC COM A JORNALISTA DA GLOBO? Era umsegredo de polichinelo. Toda a imprensa sabia mas nin-guém contava.”

“Quem tem um soba como Sarney ao lado, como Lulatem, não pode jogar pedra num sátrapa como ACM, queFHC tinha ao lado dele. Então é claro que a relação como entulho autoritário é boa para ambas as partes.”

ENTREVISTA

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Vias de FatoSão Luís, novembro de 2009 7

Vias de Fato - Hoje, diferen-tes movimentos sociais estão fa-zendo um levantamento em to-das as regiões do Maranhão, so-bre os desmandos do judiciáriono Estado, a exemplo da escan-dalosa omissão e/ou conivênciadiante dos conflitos no campo.Após fazer dois livros sobre apolítica maranhense, você tem anoção de como, em nosso Esta-do, o Poder Judiciário se tornouum pilar da máfia política aquiimplantada?

Palmério Dória - Às vezestenho a sensação que as coisas nãomudam. Em 1976, naquela pesqui-sa para o livro A Guerrilha do Ara-guaia, o sociólogo José de SouzaMartins falava nos 5 bilhões aindaem cruzeiros "de favor" do gover-no para que os lavradores fossemexpropriados de suas terras pelasgrandes grupos que se instalavamna Amazônia. Ele dizia que umpaís era expropriado, que pioneirona nossa marcha para o Oeste eraquem primeiro chegava nos cofrespúblicos, que havia a média cons-tatada de um conflito por dia pelaposse da terra. O que mudou?Nada. Nas altas e nas baixas esfe-ras. Os seres superiores que cassa-ram Jackson Lago lembram aque-les que entregaram Olga Benárioaos nazistas, que não concediamhabeas corpus para presos políti-cos durante os governos dos cincogenerais de plantão e que se cala-ram na cassação de Evandro Linse Silva, que tinha um pé no Mara-nhão, e Victor Nunes Leal depoisdo AI-5.

Vias de Fato - Como vocêmesmo informa em seu livro, aJustiça Federal tomou uma de-cisão no sentido de anular a do-ação do Convento das Mercêspara a fundação de José Sarney.A doação, feita em 1990, é total-mente ilegal. Mesmo assim, o oli-garca recorreu da decisão e oprocesso agora está em um tri-bunal de Brasília. Você diz que"não se sabe que forças lá do altoo coronel vai convocar para re-verter a decisão". Explique me-lhor esta sua colocação. Vocêacredita que a Justiça Brasileiratem "tutano" para restabelecera legalidade, tomar o Conventodo Sarney e devolvê-lo ao seu le-gítimo dono, o povo do Mara-nhão?

Palmério Dória - Enquantoos escândalos se sucediam em ca-tadupas diárias, quando o livro es-tava sendo finalizado chegou-nosa notícia de que Sarney acabava devirar um sem-túmulo: no meio dejunho de 2009, a Justiça Federaldecidiu acatar o pedido do Minis-tério Público Federal do Maranhão,que anulava a doação do Conven-to das Mercês à Fundação JoséSarney, como o meu amigo Emí-lio deve saber muito bem. Tive-mos que fechar o livro com a in-formação de última hora, sem po-der esperar os desdobramentos.Quanto a acreditar ou não, acre-dito que 2010 reserva terríveissurpresas para a Dinastia. Achoque o povo do Maranhão não teráde volta apenas o Convento.

Vias de Fato - Você já rece-beu ameaças ou foi incomodadoalguma vez judicialmente porconta das publicações que denun-ciam os crimes do grupo Sarney?E as suas editoras, chegaram a serpressionadas alguma vez?

Palmério Dória - Por contado grupo Sarney, não.

Vias de Fato - Sendo para-ense, você deve conhecer bem oscrimes de corrupção e desvio deverbas públicas, entre outros,

praticados por Jader Barba-lho. Você nunca pensou em es-crever sobre ele?

Palmério Dória - JaderBarbalho aparece algemado emA Candidata que Virou Picolé efestejando a absolvição de Re-nan na casa de Sarney em Ho-noráveis Bandidos, sem contaro loteamento da Eletronorte en-tre ele e JS, detalhado no livropelo jornalista Lúcio Flávio Pin-to. Mas nunca pensei nele comopersonagem não.

Vias de Fato - O que vocêacha de Fernando Sarney candi-dato à Câmara Federal para sesalvaguardar judicialmente?Não seria um perigo para a de-mocracia caso fosse eleito? Maisdo que um perigo, isso não seriauma desmoralização para a de-mocracia brasileira?

Palmério Dória - Bom, ele jáanda com habeas corpus no bolso.Mas é claro que a desmoralizaçãoda nossa democracia não tem limi-tes. Estamos apenas no começo.

Vias de Fatos - Como fica aimagem do Maranhão diante detantos desmandos?

Palmério Dória - Alguém jádisse que Sarney é uma espécie deEichmann da política brasileira.Como Eichmann, em seu julga-mento em Israel no início dos anos60 (foi capturado por um coman-do israelense em Buenos Aires elevado incógnito em um avião daEl Al para ser julgado pelos crimesem campos de concentração; du-rante o julgamento falou com na-turalidade, com simplicidade, comgrande tranqüilidade de tudo o quehavia feito como "episódios deguerra", "cumprimento de ordens","isso é assim mesmo", "acontece"),Sarney banalizou a corrupção namáquina pública, o nepotismo ele-vado ao seu nível mais deplorável.E é claro que isso colou na ima-gem do Estado. O descolamento sóvirá com a queda da oligarquia.

Vias de Fato - Perto de com-pletar 80 anos, José de RibamarFerreira de Araújo Costa, o Zédo Sarney, José Sarney ou "Ma-dre Superiora" ainda se movi-menta politicamente como umjovem argonauta da repúblicamilitar, na caserna do SenadoFederal, censurando e proces-sando jornais e blogueiros, jus-tificando crimes contra o patri-mônio público e institucionali-zando a mentira compulsória. Oque fazer para sepultá-lo de vez?

Palmério Dória - Poeta Ce-sar Teixeira, só posso botar maislenha nessa fogueira: se o Mara-nhão fosse um país, estaria atrás daBolívia e na frente, apenas, doHaiti. Não é isso? Caetano e Giltem razão: "O Haiti é aqui". O Haitié o Maranhão. Sarney escolheu asujeição, a perpetuação da ignorân-cia, da miséria, da fome, do anal-fabetismo, da mortalidade infantil,para preservar seu patrimônio po-lítico e sua riqueza pessoal. A edu-cação, a saúde e a dignidade devida são os inimigos que vão der-rotar José Sarney.

Vias de Fato - Até quandovocê acha que é possível a oligar-quia Sarney manter sua garras nopoder político do Maranhão, sejapela fraude eleitoral ou pela cum-plicidade dos tribunais? Ou a opo-sição não tem peito, não é séria,e o voto do eleitor acaba virandoconfete?

Palmério Dória - Por tudo oque aconteceu, acho que o Maranhãovai viver em 2010 uma eleição aindamais espetacular que a de 2006. OBrasil está torcendo para o Mara-nhão dar certo. Ou seja: se livrar daoligarquia Sarney de uma vez portodas.

Vias de Fato - Quem é maisabominável, o Sarney escritor ouo Sarney político?

Palmério Dória - O Millôr, emCrítica da Razão Impura ou O Pri-mado da Ignorância, dá a entenderque é o escritor. Mas claro que é brin-cadeira. Como se sabe, a oligarquiaSarney se sustenta na miséria e naindigência moral. E isso não é brin-cadeira.

“O Edison Lobão. Dizem queele nunca traiu. Um publicitá-rio superinformado me disse

que ele vai ser fiel ao Sarney atéo velório. Mas, antes da missado sétimo dia, já toma o poder

dos meninos.”

“Sarney construiu uma fortuna maisaparente que a de ACM , teve vôos mais

altos, um poder mais sólido, renunciou aqualquer dignidade ideológica ao fazeralianças à direita e à esquerda, sendo de

um governismo encarniçado. A oligarquiado JS é pré-capitalista, baseada no

ignorantismo.”

“Eu acho que o PCC e outras organizações crimino-sas tem muito a aprender com a famiglia Sarney.”

ENTREVISTA

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Vias de Fato São Luís, novembro de 20098

No Maranhão, a estrada que deveria ligar os municípios de São

João do Caru e Bom Jardim é umexemplo do descaso e da negligên-cia do poder público. Trata-se daMA-318, que depois de muito di-nheiro desviado, continua em péssi-mo estado, quase intrafegável, comvárias cabeceiras de pontes quebra-das, improvisadas com troncos deárvores. No verão, um carro podedemorar de três a quatro horas paraatravessar seus 98 km. Isso se nãoquebrar o carro no caminho. No in-verno, a situação piora drasticamentee os veículos normalmente atolam.Alguns seguem, outros não. Em de-terminado período, nem carro tra-çado passa.

Segundo os moradores da re-gião, no inverno, para ir de São Joãodo Caru até Bom Jardim, é mais fá-cil chegar de barco pelo rio Pindaré,numa viagem de 12 horas. O pro-

De São João do Caru para Bom Jardim:uma estrada que virou pesadelo

Aluta dos bancários doMaranhão em mais uma Campa-

nha Salarial foi vitoriosa. As reivindica-ções incluíam condições dignas de tra-balho e salários justos. Para conseguiras vantagens para a categoria, foramfeitas denúncias, protestos, passeata e,a todo momento, novas paralisações.Isso, apesar da malograda estratégia daCONTRAF/CUT (Confederação dosTrabalhadores do Ramo Financeiro) demesa única de negociação com aFenaban (Federação Nacional dos Ban-cos), onde bancos públicos discutem, in-coerentemente, suas reivindicações comos patrões dos bancos privados.

Antes da greve, banqueiros eGoverno nem se moveram para apre-sentar um índice de reajuste. No de-

correr do movimento paredista, pressi-onados por trabalhadores de mais de 7mil agências bancárias paralisadas emtodo país, duas propostas foram apre-sentadas. Com esse andamento, umapressão maior, forte e coesa indicavaque o movimento podia ir muito além.

A proposta de reajuste de ape-nas 6%, apresentada pela Fenaban,no dia 8 de outubro, mereceu a rejei-ção, quase unânime, da assembléiado Maranhão reunida nesse mesmodia. O índice louvado pela Contraf/CUT - denominado como 'grandeavanço' e que retirou bancários daluta - garantiu um triste aumento 'real'de 1,5%: migalha perto dos bilhõesem lucratividade do setor financeirobrasileiro (apenas no primeiro semes-

tre de 2009, R$19,3 bilhões), dasAméricas, o mais rentável (17% nes-se mesmo período).

O reajuste de 6% é menor queas perdas mínimas da categoria (de23,25% nos bancos privados) e abai-xo do reajuste de 10% do ano passa-do. As categorias em greve neste se-mestre tiveram reajustes que variaramde 8,65% a 10%, além de abonos emsetores como metalúrgicos e constru-ção civil, que tiveram umalucratividade pífia em relação ao sis-tema financeiro. O setor que, mesmocom a crise, foi disparado o que maislucrou na economia e que paga a fo-lha de pagamento dos empregados so-mente com 60% das tarifasextorquidas dos clientes e usuários tem

reais condições de repor as perdas sa-lariais dos bancários e dar condiçãodigna de atendimento à população.

Mas, o Maranhão, juntamentecom alguns Estados, foi superado peloconjunto das assembléias em todo opaís e, democraticamente, se subme-teu aos rebaixados acordos orques-trados pelo conluio dos banqueiros,Governo e Contraf/CUT. Com a gre-ve, os bancários arrancaram dos pa-trões avanços que dão gás à luta con-tínua pelo respeito ao trabalhador:ampliação da licença-maternidadepara 180 dias, isonomia de direitospara homoafetivos, conquistas naigualdade de oportunidades, milharesde contratações - em número quenão resolve, mas ameniza a explora-

ção do quadro funcional atual e me-lhora o atendimento à população.

Foram 15 dias de greve nos ban-cos privados e no BB, 26 no BASA, 29dias na CEF e 33 dias no BNB. Apósesse bravo combate, os bancários sãovencedores porque não calaram, porquelutaram, porque denunciaram, porqueconquistaram para si e para os clientese usuários de bancos! Os resultadospoderiam ter sido melhores. Mas, parao Sindicato dos Bancários do Maranhão,numa luta contínua, as lições que ficamda Campanha Salarial 2009 - JUNTOSPODEMOS MAIS - norteiam os pró-ximos capítulos da brava história de de-fesa de direitos da categoria e dos clien-tes e usuários de bancos.

SMDH coordenará programa de proteção a testemunhas

MA-318: Uma estrada que revela o descaso do poder público no Maranhão

Greve dos Bancários trouxe avanços e deixou lições

ASociedade Maranhense deDireitos Humanos (SMDH) foi

indicada pelo Fórum Nacional de En-tidades Gestoras para assumir oMonitoramento e o Programa de As-sistência a Vítimas e a TestemunhasAmeaçadas - Provita, com escritórioem Brasília. Nos dias 22 e 23 de outu-bro foi realizada em São Luís, na sededa SMDH, uma oficina para planejara nova gestão, com a participação dacoordenadora nacional do Programa,a psicóloga Nilda Turra, da SecretariaEspecial de Direitos Humanos da Pre-sidência da República.

“Será uma mudança qualitativa. Apartir de novembro, a SMDH seráresponsável pela efetivação do Pro-grama Federal, garantindo a permutaentre os estados e o aperfeiçoamentoda rede nacional”, explica Nilda.

O Programa de Assistência a Ví-timas e a Testemunhas Ameaçadas,instituído pela Lei nº. 9807/99 e regu-lamentado pelo Decreto nº. 3.518/00,consiste no conjunto de medidasadotadas pela União com o objetivode garantir proteção e assistência apessoas que estejam coagidas ou ex-postas a grave ameaça em razão decolaborarem com investigação ou pro-cesso criminal.

Mais de 950 pessoas em todoo Brasil estão recebendo atendimen-

to do Provita, atualmente instalado em19 estados: Acre, Alagoas, Amazo-nas, Bahia, Ceará, Espírito Santo,Goiás, Maranhão, Minas Gerais,Mato Grosso do Sul, Pará,

Pernambuco, Paraná, Rio de Janei-ro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina,São Paulo e no Distrito Federal, es-tando ainda em fase de estruturaçãono Rio Grande do Norte.

A Secretaria Especial dos Direi-tos Humanos da Presidência da Re-pública, por meio da CoordenaçãoGeral de Proteção a Testemunhas, éo órgão responsável por implementar,manter e aprimorar o Programa. Aexecução das ações é descentraliza-da via convênios com Secretarias Es-taduais, que firmam parcerias com or-ganizações da sociedade civil com atu-ação na área de direitos humanos eque serão responsáveis pelo atendi-mento aos usuários do Programa.

No Maranhão já são atendidos 12casos, envolvendo 35 pessoas. Po-rém o Programa sofreu um revéscom as mudanças na política do Es-tado. Segundo Joisiane Gamba, inte-grante do conselho diretor da SMDH,“a recente renovação de convêniocom o governo estadual teve uma re-dução de mais de 27 por cento”.

Mas, nos termos da Lei nº. 9.807/99, a cobertura é garantida em todoo território nacional. Casos de teste-munhas ameaçadas oriundas dosestados que ainda não contam comseus próprios programas são atendi-dos temporariamente pelo ProgramaFederal, executado pela SecretariaEspecial dos Direitos Humanos emparceria com o GAJOP - Gabinetede Assessoria Jurídica às Organiza-ções Populares de Pernambuco.

blema com a estrada cria transtor-nos para cerca de 100 povoados,que juntos, reúnem algo eu torno de40 mil pessoas. Por ironia, a popu-lação chama a rodovia de “estradasdos sonhos”, diante de uma realida-

de que é um verdadeiro pesadelo.Trata-se de um exemplo

emblemático, um caso exemplar, decomo as coisas funcionam noMaranhão, ou melhor, de como elasnão funcionam. É uma situação que

revela, como o Estado, em muitasocasiões, é o maior violador dos di-reitos humanos. A falta de estradaacarreta graves problemas sociais eeconômicos. Muita gente morre nocaminho entre uma cidade e outra,transportados em redes, em buscade um hospital. Uma situação queatinge de forma mais dramática, osvelhos, as gestantes e as crianças.

O pequeno agricultor de SãoJoão do Carú (município com16.500 habitantes) e da zona ruralde Bom Jardim também não temcomo escoar sua produção, e aca-ba plantando só para sua subsistên-cia. Algumas lojas de São João fe-cham durante o inverno por contado isolamento do município.

A região é marcada pela pre-sença de latifundiários, grileiros,pistoleiros, aliciadores de trabalhoescravo, madeireiros e traficantesde entorpecentes. Trata-se de uma

área de total ausência do estado.Por lá é comum ocorrer assassina-tos, sem qualquer tipo de apuração,sendo que a alegação sempre é deque é impossível chegar até o localdo crime. Nos locais afetados peloisolamento, o serviço público pres-tados pela Cemar e Telemar tam-bém é muito ruim, com a justificati-va sendo sempre a mesma: impos-sibilidade de chegar por conta daestrada.

Em 1998, o governo Roseanaanunciou que faria a obra, mas nãofez e o recurso ninguém sabe paraonde foi. Em 2005, já no governode José Reinaldo, as prefeituras dasduas cidades receberam recursosdo Estado e mais uma vez a obranão aconteceu. Em 2007, já no go-verno Jackson, o Estado voltou arepassar dinheiro para as prefeitu-ras e nada.

Em função de decisão da reuniãodo Fórum Nacional das EntidadesGestoras, ocorrido recentemente emMaceió/AL, essa tarefa será assu-mida pela Sociedade Maranhense deDireitos Humanos.

Caberão à SMDH, em substitui-ção ao GAJOP, através de convênio,as seguintes atribuições: implemen-tar as atividades da Central de Per-mutas do Sistema Nacional de Pro-teção a Vítimas e a TestemunhasAmeaçadas, coordenar em conjuntocom a Coordenação Geral de Prote-ção a Testemunhas (CGPT/SEDH)o processo de monitoramento dosProgramas de Proteção executadosem 19 Estados e executar ações doProvita.

Para o advogado Luís AntônioPedrosa, coordenador do Provita/MA,a articulação política da SMDH coma Rede Nacional de EntidadesGestoras dos Programas Estaduais edemais instâncias atuantes no Siste-ma é de fundamental importânciapara o aperfeiçoamento e a consoli-dação do formato de proteção a tes-temunhas. “Significa agilidade e qua-lidade do serviço prestado ao usuáriodo Programa, socialização das infor-mações e garantia das condições desigilo e segurança de todos os atuan-tes na atividade de proteção”.

Nilda Turra: “No Maranhão atendemos 12 casos envolvendo 35 pessoas”

GERAL

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Vias de FatoSão Luís, novembro de 2009 9

TRIBUNAL POPULARSociedade denuncia o Poder Judiciário

Uma ação promovida por vários setores da sociedade civil está percorrendo todas as regiões

maranhenses para debater e recolher de-núncias relacionadas ao Poder Judiciáriodo Maranhão. Esta grande mobilizaçãorecebe o nome de Tribunal Popular doJudiciário. Nele, o povo é que é o juiz. Eos réus são os juízes e os promotoresmaranhenses.

O grupo de entidades promove cara-vanas, realizando pequenas reuniões muni-cipais e grande reuniões regionais. Em todasas ocasiões a palavra é aberta para que opovo faça suas denúncias. Todos os casoslevantados serão organizados e levados aoConselho Nacional de Justiça, para a dire-ção nacional da OAB e também para orga-nismos internacionais ligados às questões dedireitos humanos.

Em recente texto publicado no site do Tribunal Popular(www.tribunalpopulardojudiciario.wordpress.com), o padreJoão Maria Van-Dame fala do descaso e do comprometimen-to de juízes com a máfia política montada no Maranhão. O padre,que participa diretamente das caravanas, disse que "a situação doPoder Judiciário no Maranhão é realmente muito grave. Além dehaver indícios de corrupção, os juízes costumam violar a lei quedeveriam defender e aplicar".

O padre João Maria afirmou também que "a maior parteda população não tem acesso a estes servidores públicos muito

bem pagos por nós. Parece que a maioria destes senhores de ternonão gosta muito do povo. As suas liminares costumam beneficiar osricos fazendeiros". Na opinião dele, boa parte dos juízes do Maranhão,"costumam se aliar às elites econômicas e políticas de suas comarcase tratam com desdém o povo que os paga". Até o fim de outubro,foram realizadas reuniões regionais em Santa Quitéria (10 e 11 desetembro), Imperatriz (1 e 2 de outubro) e Bacabal (15 e 16 de ou-tubro). No dia 1º de dezembro será realizada uma reunião estadualem São Luís. Antes, ocorrerão encontros regionais em Santa Inês ePresidente Dutra.

ENTIDADES QUEPARTICIPAM E

APOIAM O TRIBUNALPOPULAR

Cáritas Brasileira Regional Maranhão,Associação de Saúde da Periferia(ASP/MA), Conferência Nacional dosBispos do Brasil (CNBB) - RegionalNordeste V, Pastorais Sociais, Socie-dade Maranhense de Direitos Humanos,Ordem dos Advogados do Brasil(OAB)-MA, Rede/Fóruns de Cidada-nia, Movimento dos Trabalhadores eTrabalhadoras Rurais Sem Terra (MST),Centro de Direitos Humanos deAçailândia, Movimento Reage SãoLuís, Comissão de Justiça e Paz e Evan-gélicos Pela Justiça

Alguns problemas apontados*

Carta Capitalescancara problemas

do TJ-MA

No início de outubro circulou uma ediçãoda revista Carta Capital (nº 565) trazendo

uma matéria de capa com a seguinte manchete:"Devassa na Justiça". Em texto que ocupou seispáginas é dito logo no início, e com destaque,que "venda de sentenças, clientelismo, corrupçãovariada. Há de tudo nos tribunais do país". Ostribunais citados na longa reportagem são os daBahia, Pará, Espírito Santo, Amazonas e, obvi-amente, o do Maranhão.

Sobre o Tribunal de Justiça do Maranhão(TJ-MA) a revista começa dizendo que se tra-ta de uma "república nepotista, resultado de 40anos de dominação do clã Sarney". A revistarevela uma situação no mínimo humilhante, ondevários desembargadores maranhenses foramobrigados pelo Conselho Nacional de Justiçaa devolver aos cofres públicos diárias recebi-das de forma indevida. São citados pela revis-ta os desembargadores Jamil Gedeon Neto,José Joaquim Figueiredo dos Santos e StélioMuniz e as desembargadoras Raimunda San-tos Bezerra e Nelma Sarney. Mas, outrosdesembargadores também estão envolvidosneste escândalo das diárias.

MST cobrapunição para os

assassinos deConceição Rosa

disso, um caminhão cheio dehomens armados também foimobilizado por José Renatopara ir até o local da ocupa-ção.

A polícia chegou umpouco antes dos pistoleirose tirou os lavradores do lo-cal. Além de expulsá-los daterra, os representantes dogoverno tiraram as foices eenxadas que estavam empoder dos sem-terra. "Elesdesarmaram o nosso lado,mas o pessoal do Zé Renatoficou todo mundo armado",diz um integrante do movi-mento que participou daação política.

Enquanto esperavam uma posiçãodo Incra, os lavradores ficaram abriga-dos num pequeno sítio vizinho, de pro-priedade de Conceição Rosa, uma senho-ra de mais de 60 anos, que deu abrigoaos lavradores sem terra. O crime acon-

teceu porque os pistoleiros deJosé Renato entraram na propri-edade de Conceição e ficaramperto de uma bica, para impedirque os abrigados bebessemágua. Ao saber disso, Conceiçãofoi pessoalmente resolver o pro-blema. Chegando ao local, foiassassinada a bala.

O crime provocou revol-ta, mas, não intimidou os sem-terra. Eles se reorganizaram e,em julho do mesmo ano de1998, voltaram para a fazendae conseguiram a posse dos1.605 hectares que estavamsob o controle do latifúndioimprodutivo. A desapropriaçãofoi feita no dia 16 de julho de

98. Hoje esta área garante renda para maisde cem famílias que plantam arroz, feijão,macaxeira, milho, hortaliças e criam aves ecaprinos. O assentamento inclusive forne-ce alimentos para as escolas do município.O nome do local foi batizado de assenta-mento Conceição Rosa.

Assassinato de trabalhadores rurais sem julgamento

Assassinato de indígenas sem julgameento

Não atendimentos de promotorias e juizados a sindicatos de trabalhadores

Vinculação de promotoriais e fóruns a prefeituras (o prefeito é quem paga as despesas de muitos juízes e promotores)

Funcionários de prefeituras trabalhando para juízes

Ordem judicial para destruição de casas e despejos de lavradores conseguidas de forma bastante suspeita.

Sumiços de documentos em processo. Em muitos casos, os processos prejudicam prefeitos ou fazendeiros.

Fraudes em cartórios sem a devida e obrigatória fiscalização do juiz

Ausência de promotores e juízes nas comarcas. Alguns só trabalham terça, quarta e quinta. Outros, nem isso.

Tramitação lenta dos processos, provocando perda de prazos.

Presos acumulados nas delegacias sem passar por julgamento.

Processos que aguardam sentenças há anos.* Os juízes citados serão denunciados nominalmente pelas entidades que organizam o Tribunal Popular. Todos os eventos são filmados.

A direção estadual do MST está de-nunciando o descaso e a omissão que aJustiça maranhense e demais autoridadeslocais tiveram em relação aos assassinosda lavradora Conceição Rosa, morta emjaneiro de 1998, no município deItapecuru. Segundo o movimento, até hojeos mandantes continuam impunes.

A tragédia aconteceu no dia 4 de ja-neiro de 1998, quando cerca de cem famí-lias ocuparam uma área improdutiva queestava sob o domínio do empresário JoséRenato, dono do Laticínio São José. Aotodo eram 1.605 hectares de terras que nãocumpriam a função social determinada pe-las leis brasileiras. Era o final do primeirogoverno de Roseana Sarney e a polícia,como sempre, chegou fortemente armadapara agir em favor do latifundiário. Além

Conceição Rosa

Povo em frente ao Tribunal de Justiça do Maranhão

GERAL

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Vias de Fato São Luís, novembro de 200910

O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ªRegião, Jirair Aram Megue-

rian suspendeu a decisão judicialemitida pelo do juiz José CarlosMadeira, da 5ª Vara Cível da Justi-ça Federal no Maranhão, que obri-ga a empresa Agropecuária Alto Tu-riaçu Ltda, do Grupo Schahin – as-sim como todos os ocupantes não-índios –, a retirar-se da Terra Indí-gena Awá-Guajá.

A suspensão, ocorrida em 23 deoutubro, atendeu pedido da Prefei-tura Municipal de Zé Doca, alegan-do que a retirada iria prejudicar eco-nomicamente a região. Porém, ocaso não termina assim, pois o Su-premo Tribunal Federal ainda vai jul-gar os recursos sobre a decisão daJustiça Federal, e a partir daí os in-vasores terão um prazo de seis me-ses para sair da área.

Para Madeira, dificilmente o STFinvalidará a sentença. “Diante dasevidências apresentadas nos autose do contundente laudo antropoló-gico, não acredito que o Supremoirá se pronunciar voltando atrás nanossa decisão”, ressalta o juiz ma-ranhense.

A Sentença - Em 30 de junhodeste ano, o juiz federal José CarlosMadeira, acolhendo pedido formu-lado pelo Ministério Público, emitiusentença judicial contra a União eoutros, condenando os réus a demar-carem a Área Indígena Awá-Guajá,seguindo-se os atos de homologaçãoe registro imobiliário. Também decla-rou extintos, “não produzindo efei-tos jurídicos” (CF 231 § 6º), os atosque possibilitaram a ocupação, odomínio ou a posse de terras na área,“inclusive aqueles praticados pelaempresa Agropecuária Alto do Turi-açu Ltda”.

O juiz impôs, sob pena de multadiária de R$ 50 mil, depois de exau-rido o prazo de 180 dias, a remoçãode posseiros, madeireiros e outros dointerior da Área Indígena; o desfazi-mento de cercas, estradas ou quais-quer obras incompatíveis com omodo de uso das terras pelos Guajá;a colocação de placas em todo operímetro da área, que indiquem comclareza ter sido demarcada por de-terminação da Justiça Federal noMaranhão e proibindo o ingresso nolocal sem autorização da FUNAI,além da divulgação dos trabalhos dedemarcação.

Até quando os invasoresvão continuar ocupando aTerra Indígena Awá-Guajá?Contrariando decisão da Justiça Federal no Maranhão, o TRF da 1ª Região (DF) suspendeu a retirada dosinvasores que ocupam a Terra Indígena Awá-Guajá, no Oeste do Estado, e especialmente das instalaçõesda Agropecuária Alto Turiaçu, empresa do grupo paulista Schahin. Entretanto, os recursos ainda vão ser

julgados pelo Supremo Tribunal Federal, podendo a sentença original ser mantida, se não houvernenhuma ingerência política, conforme observação do juiz federal José Carlos Madeira.

Entre os réus na sentença judi-cial (Processo nº.2002.37.00.003918-2), além daUnião e da empresa AgropecuáriaAlto Turiaçu Ltda, figura a própriaFundação Nacional do Índio –FUNAI.

Grupo Schahin - A Terra Indí-gena Awá-Guajá, no Oeste do Ma-ranhão, desde a década de 50 erainvadida por posseiros, fazendeirose madeireiras – época da construçãoda BR-322. Depois chegariam gru-pos empresariais ligados a interesseseconômicos escusos. Foi o caso daAgropecuária Alto Turiaçu Ltda, per-tencente ao Grupo Schahin, que seinstalou na região em 1985, apossan-do-se de 37.980 hectares das terrasindígenas.

Na verdade, o Grupo SchahinCury (que mudou de nome com asaída da família Cury da socieda-de) veio para o Maranhão em 1978,a partir da criação da Schahin Cor-retora de Valores Mobiliários, parainvestir nos setores agropecuário emadeireiro. Fundado em 1966, ogrupo atua nos segmentos financei-ro, engenharia, construção civil, in-corporações imobiliárias, teleco-municações, concessões de linhasde transmissão de energia, petróleoe gás.

Sua chegada no território Awá-Guajá fomentou o surgimento de mi-lícias armadas, o desmatamento, ascarvoarias, a construção de estradasclandestinas, a extração ilegal demadeira e o progressivo extermíniodo povo indígena nômade, cuja área,originalmente, deveria possuir 232 milhectares, incrustados nos municípiosde São João do Caru, Zé Doca eNewton Belo, adentrando a Reser-va Biológica do Gurupi.

A Agropecuária alega ter adqui-rido a área em 1982 do Instituto deTerras do Maranhão (Iterma), em-bora fosse reconhecida desde 1961como reserva florestal e, em 1985,identificada pela FUNAI como ter-ritório Awá-Guajá. Quem adminis-trava então a empresa, sediada emZé Doca, era o ex-presidente daAssociação dos Criadores de Gadodo Maranhão, Cláudio DoniseteAzevedo.

Ligado ao grupo político do se-nador José Sarney, que controla oMinistério de Minas e Energia, Cláu-dio Azevedo é presidente do Sindi-cato da Indústria de Ferro do Ma-ranhão e, em junho deste ano, foiempossado na presidência da As-sociação das Siderúrgicas do Brasil(Asibras), entidade que representaas indústrias de ferro nos estados doMaranhão, Pará, Minas Gerais e Es-pírito Santo.

Coincidência ou não, no mesmoano de 1985 a Companhia Vale doRio Doce iniciou a construção daferrovia Carajás, para o transportede ferro e manganês da serra dosCarajás (PA) até São Luís (MA),atravessando territórios indígenasdos dois estados. Pelo termo de fi-nanciamento da obra, a empresadeveria bancar o processo de de-marcação, o que não ocorreu nocaso dos Awá-Guajá.

“Pouco foi feito para ordenarsocial e geograficamente a região,mesmo com os vultosos recursos re-cebidos: cerca de 900 milhões dedólares do Banco Mundial e da Co-munidade Européia para a implan-tação do Projeto Carajás”, registraRosana de Jesus Diniz, coordena-dora regional do Conselho Indige-nista Missionário - CIMI/MA (Po-rantim, nº. 317 - ago. 2009).

Cobiça pela terra - Em 1999,a violência recrudesce quando oGrupo Schahin, é “escolhido” paraas obras de construção civil e infra-estrutura do Projeto SIVAM (Sis-tema Integrado de Vigilância daAmazônia), a cargo da Schahin En-genharia Ltda. O grupo paulista,controlado pelos irmãos Milton eSalim Taufic Schahin, passou a en-cabeçar as demandas de ações ju-diciais contra a demarcação da áreaindígena.

Pressões sobre a delimitação daTI Awá-Guajá ocorriam desde1985, quando foi identificada com232 mil hectares. Em setembro de1988, a área indígena diminuiu para65.700 ha, com a portaria intermi-nisterial nº 158, revogando a anteri-or (nº 76), que declarava posse per-manente dos indígenas 147.500 ha.Finalmente, em 27/07/1992, a por-taria nº 373, do ministro Celio Bor-ja, estabeleceu 118.000 hectares.

Em outubro de 1992, a Agro-pecuária Alto Turiaçu obteve limi-nar favorável em Mandado de Se-

Crianças Awá-Guajá, futuro incerto

Juiz José Carlos Madeira“Existe muito interesse político em cima das terras indígenas”

ESPECIAL

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Vias de FatoSão Luís, novembro de 2009

Processo n. 2003.37.00.005898-8AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: HERMES PEREIRA FONSECARéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.009952-0AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO CARURéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.009953-4AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: MUNICÍPIO DE ZÉ DOCARéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2005.37.00.002931-2AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: RAIMUNDO ALVES CARDOSORéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.003020-3AÇÃO POSSESSÓRIAAutor: ARNALDO LACERDA SOUZA E OUTROSRé: FUNAI

Processo n. 2003.37.00.004081-4 - Tipo "C"AÇÃO POSSESSÓRIAAutores: RUI GOMES MOREIRA FILHO E OUTROSRéus: FUNAI E OUTROS

Processo n. 2003.37.00.005659-7 - Tipo "C"AÇÃO POSSESSÓRIAAutores: SANDRA MARIA DE OLIVEIRA BORGES E OUTRORéus: FUNAI E OUTROS

Fonte: Justiça Federal de 1º Grau - Seção Judiciária do Maranhão / 5ª vara

ESPECIAL

Morreu no último dia 19 de outubro Dona RaimundaFerreira Pereira, mais conhecida como Dica, ou Dona

Dica. Ela era agente de Saúde na área do Coroadinho (BomJesus) e referência em São Luís no trabalho de organizaçãopopular e educação política. Integrou a Rede de EducadoresPopulares, a Pastoral da Criança e foi uma das fundadorasda Rádio Conquista. Participava, também, ativamente da lutapela preservação do Rio das Bicas. Em abril de 2008, eladeu uma entrevista ao jornal Folha do Mangue, ligado aomovimento comunitário da região de São Luís onde Dica atuou.Vias de Fatos reproduz aqui trechos dessa entrevista:

Folha do Mangue - Como se deu a criação da RádioComunitária do Coroado?

Dona Dica – Foi nesta luta ligada à educação popular.Percebemos que a mídia ajuda muito a fazer a cabeça daspessoas. Daí surgiu à idéia da Rádio Comunitária. Foi umaarticulação que envolveu cerca de 20 entidades, caso das Igrejas,Associações de Artesões, CCN (Centro de Cultura Negra),Clube de Mães, Associação de Carroceiros, entre outros. Adiscussão começou em 1988. A criação da Associação queviabilizou a rádio foi em 2001. Naquele ano mesmo a prefeiturarecuperou a Praça do Coroado e um prédio de uma outraassociação comunitária que estava abandonado. Instalamos osequipamentos no prédio e colocamos a rádio para funcionar nomesmo ano.

Morre Dona Dica, referência na luta socialFolha do Mangue - Como surgiu na sua vida a questãodo Rio das Bicas.

Dona Dica - Ao trabalhar com a educação popular sepercebe a importância da causa ambiental. E o Rio das Bicasestá aqui, do nosso lado. Logo se percebeu que tudo de ruimque era jogado no rio voltava para a comunidade. Voltavaem forma de doenças, caso de coceiras, diarréias e outrascoisas. E voltava também em forma de enchentes, isso semfalar no prejuízo da pesca.

Folha do Mangue - Por que ninguém mais pesca no Riodas Bicas?

Dona Dica - Antes o rio era uma fonte de sobrevivênciapara inúmeras pessoas, hoje ninguém mais pesca no rio porcausa da poluição. Não tem como pescar. Hoje o rio está sedestruindo. Ao lado da nascente do rio, na área da Caema emque fica a reserva do Batatã, a própria Caema joga grandequantidade de esgotos nas águas do rio. Estou falando de umesgoto que fica dentro do mato, no terreno da Caema, bemem frente à Rodoviária. Como eu disse, o rio está se destruindo,tem lugar que antes tinha cinco metros de largura e hoje só temum. É o esgoto de um lado e o aterramento do outro.

Folha do Mangue - E as enchentes?Dona Dica - Quando chove, os 19 bairros que compõem o

pólo Coroadinho, sofrem com as enchentes.

PROCESSOS NA JUSTIÇA FEDERAL/MA SOBRE A DISPUTA DAS TERRAS INDÍGENASProcesso n. 2002.37.00.003754-5AÇÃO CIVIL PÚBLICAAutor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRéus: AGROPECUÁRIA ALTO DO TURIAÇU LTDA. E OUTROSentença n. 410/2009/JCM/JF/MA - Tipo "A"

Processo n. 2002.37.00.003918-2AÇÃO CIVIL PÚBLICAAutor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRéus: UNIÃO E OUTROS

Processo n. 95.00.00353-8AÇÃO ORDINÁRIA/IMÓVEISAutor: AGROPECUÁRIA ALTO DO TURIAÇU LTDA.Réus: FUNAI E OUTRO

Processo n. 1998.37.00.002647-5AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: INDÚSTRIA DE PARQUET DA AMAZÔNIA LTDA. E OUTROSRéus: FUNAI E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.004868-9AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: CLÉSIO COELHO CUNHARéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.005469-6AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutor: SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ZÉ DOCARéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.005471-0AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutores: ILÁRIO DA SILVA E OUTROSRéus: UNIÃO E OUTRO

Processo n. 2003.37.00.005472-3AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRASAutores: ZAQUEU GOMES PEREIRA E OUTROSRéus: UNIÃO E OUTRO

Índios Awá-Guajá ameaçados pelas grandes empresas

gurança impetrado contra a Portarianº 373, permanecendo na área.Quando foi iniciada a demarcação,em fins de 1994, com base na mes-ma portaria, a equipe técnica foiimpedida por moradores da regiãode continuar o trabalho, suspensopor falta de segurança.

O juiz federal José Carlos Madei-ra, em agosto de 2002, determinouque os trabalhos de demarcação daTerra Indígena fossem reiniciados pelaFUNAI, alvo desde 1992 de umaação cautelar movida pela Agrope-

Raimunda Ferreira Pereira, militante daorganização popular e educação política

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cuária Alto Turiaçu, que reivindicavaa posse de 37 980 hectares situadosna terra Awá-Guajá, sem obter êxito.

Seguiram-se várias batalhas nostribunais e reações da sociedade ci-vil e do Ministério Público, enquan-to durou a ocupação das terras pelogrupo paulista, até a Terra IndígenaAwá-Guajá ser finalmente homolo-gada pelo Presidente da Repúblicaem 2005, com 116.582 hectares.

Ou seja, durante todos os pro-cessos judicial e administrativo, maisde 115 mil hectares foram subtraí-

dos do território original do povonômade Awá-Guajá.

Mobilização - Antes de emitir aatual sentença, o juiz federal visitou aTerra Indígena Awá-Guajá e saiu con-vencido de que a terra estava sendoesquartejada e os índios eram massa-crados sob os olhos do Estado. “Tra-ta-se de um verdadeiro genocídio”,ressalta o juiz, que considera este casomais emblemático do que o de Rapo-sa-Serra do Sol, em Roraima.

Madeira chegou a receber mais dedez mil mensagens por e-mail do Brasil

e do exterior com congratulações pelasua atuação no litígio, que acumula aotodo 15 processos (veja quadro). Nãoobstante a legalização da Terra Indíge-na, diante da omissão do Estado brasi-leiro o meio ambiente na região conti-nua ameaçado e o povo Awá-Guajá namira dos invasores, correndo um sériorisco de extinção.

Rosana Diniz enfatiza: “Está anun-ciado o extermínio de uma região im-pregnada com a vida e com a diver-sidade dos povos indígenas, fauna eflora, por meio das carvoarias, pas-

tagens, roubo da madeira e aberturade mais estradas clandestinas. Tudoregado a sangue e morte”.

Mesmo acreditando que a sus-pensão do TRF/DF não vingará pormuito tempo, e diante de uma possí-vel decisão do Supremo favorávelaos indígenas, o juiz José CarlosMadeira faz um alerta para que asociedade civil se mobilize para evi-tar surpresas, se houver ingerênciapolítica em favor dos réus. “Já fiz aminha parte. Agora é a parte políti-ca, o povo tem que ir para as ruas”.

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Vias de Fato São Luís, novembro de 200912

Por Emilio Azevedo

Em 2009, durante a chama-da crise do Senado, José Sarneymentiu muito. Até aí, nenhumanovidade. Mas, o que nem todomundo sabe é que de todas as pa-tranhas do ano, a maior delas édizer que vai fechar - por falta dedinheiro - a Fundação que leva oseu nome. Entre os problemas queo senador tem na vida, não estáincluída aí a falta, mas sim o ex-cesso e, principalmente, a origemdo seu dinheiro.

A notícia é um artifício dooligarca para tentar resolver doisproblemas. O primeiro é tentarmanter seu acervo, estátua e futu-ro mausoléu dentro do Conventodas Mercês, prédio público, tom-bado, que ele vem conseguindo,há quase 20 anos, manter a possede maneira ilegal. E o segundo étentar confundir a opinião públi-ca sobre a investigação relaciona-da com o possível desvio de ver-bas públicas destinadas aos cofresda desgastada Fundação.

Sobre o Convento, é muitoimportante, para entender o caso,saber que em junho deste ano a Jus-tiça Federal determinou que a Fun-dação deve devolvê-lo para opatrimônio do Estado. O MinistérioPúblico Federal foi quem moveu aação contra a Fundação JoséSarney, colocando de maneira mui-to clara a existência da ilegalidadena doação. A lei brasileira impedeque um bem público tombado sejadoado para uma instituição privada.

O Convento das Mercês éexatamente um bem público tom-bado e a Fundação de Sarney umainstituição privada. Apesar disso,mesmo estando escandalosamentefora da lei, Sarney, insistiu emmantê-lo sob seu controle e recor-reu da decisão da Justiça. Hoje, oprocesso encontra-se no TribunalRegional Federal, em Brasília, es-perando o julgamento do recurso.

Quatro meses depois de re-correr da decisão da Justiça,Sarney surge com esta conversade que não tem dinheiro para sus-tentar a Fundação. Não é verda-de. Para que o leitor tenha umaidéia o mal falado Jorge Murad(genro, aliado visceral e protegi-do de Sarney) comanda atualmen-te o Instituto Geia, que edita li-vros e promove eventos "cultu-rais". Para tentar limpar o seu co-larinho branco, Murad conta comapoio declarado e ostensivo daVALE, ALUMAR, Televisão Mi-rante, CEMAR, Oi, VCR Produ-ções e Publicidade, UDI Hospital,Ducol Engenharia, LojasGabriela, Agropecuária e Indús-tria Serra Grande, Alpa Máquinase Veículos do Nordeste, AtlânticaServiços Gerais, Mateus Super-mercado, Mardisa Veículos, BelSul Administração e Participa-

A “Madre Superiora” ainda quer o Convento!

ções, Bange Alimentos, CIGLA,Niágara Empreendimentos, Moi-nho Cruzeiro do Sul, RápidoLondon e Sempre Verde.

Todas estas empresas estãocom suas marcas na loja Geia/Murad, no maior Shopping de SãoLuís. São empresários ligados di-reta ou indiretamente com a "Or-ganização Sarney" e que certa-mente teriam motivos de sobrapara sustentar a Fundação criadaunicamente para promover o cul-to à personalidade do oligarca. Adesmoralização não importa, poisquem não tem constrangimento deapoiar o "bom samaritano" JorgeMurad, certamente apoiaria, comentusiasmo, a "Madre Superiora"José Sarney. Eles não enxergampecados em nenhum dos dois.Está mais do que evidente que ogenro, o sogro e todas estas em-presas, professam da mesma fé etêm a mesma "devoção" e "amor"pela cultura nacional.

Por ironia do destino, a Polí-cia Federal revelou há poucas se-manas, que Fernando Sarney,Lobão e demais membros da or-ganização, quando falam ao tele-fone, sobre tráfico de influência eoutros ilícitos, chamam JoséSarney de Madre Superiora. Oapelido clandestino do oligarcatem relação com a obsessão queele tem pelo prédio que tomou deassalto e que um dia abrigou umconvento da Igreja Católica.

Portanto, como dissemos noinício deste texto, é também porconta desta obsessão que a opiniãopública foi surpreendida com anotícia dada pela jornalista Mô-nica Bergamo (Folha de São Pau-lo) informando que "o ex-presi-dente José Sarney tomou uma de-cisão radical". "Vai fechar a Fun-dação José Sarney, que mantém,no Convento das Mercês, no

Maranhão, todo o acervo do perío-do que ocupou a presidência daRepública". Mônica falou sobre oacervo e disse que "é lá também queestá o mausoléu onde Sarney que-ria ser enterrado".

Segundo Mônica, "a fonte se-cou". Sarney teria sido informadoque, "depois das denúncias de irre-gularidades, nenhum empresário oucolaborador queria continuar dan-do dinheiro a entidade". Ele disse àjornalista que, para manter a Fun-dação, "são gastos 70 mil reais pormês". E ela colocou declarações dosenador dizendo: "Não temos maisdinheiro". "Eu sonhei um dia que oBrasil poderia ter uma grande bibli-oteca com documentos históricos deum ex-presidente. Mas eu estavaerrado". No final da notícia, aqueleque o filho travesso chama de Ma-dre Superiora, choraminga que "vaiprocurar uma instituição para doartodo o acervo".

A "boa nova" repercutiu rapi-damente na mídia nacional. A inten-ção de Sarney (propagada porMônica Bergamo) é apenas o pon-to de partida para mais uma das ve-lhas e manjadas chantagens do se-nador. Da forma como foi dada, anotícia serviu também para reforçaruma confusão entre Fundação eConvento.

Mônica Bergamo fala do fimda Fundação e diz que é lá que"Sarney queria ser enterrado". Acoisa não é bem assim. Sarney nãoquer ser enterrado na Fundação.Esta pode ser extinta, mudar denome ou mudar de endereço. Suamórbida obsessão é deixar seus os-sos apodrecendo no Convento dasMercês, no prédio histórico, tom-bado, que ele tomou de assalto dopatrimônio público e que passou a tera posse ilegal por intermédio dessafundação de araque.

Nesta história toda sobre a fun-dação particular de Sarney o que temvalor é o antigo Convento, o local ondeela está instalada. A questão agora ésaber se o oligarca, que tantos malesprovoca ao país e, particularmente aoMaranhão, ainda vai criar novos arti-fícios para se manter dentro dopatrimônio público. Não interessa seé vivo, morto ou moribundo. Com ofim da Fundação ele pode legalizar suapermanência no prédio e a situaçãoque hoje é ilegal e imoral, seria apenasimoral, pois o Patrimônio Histórico dopaís (e da humanidade) continuariaservindo para a prática nazista do cul-to à personalidade.

Sobre a extinção da Funda-ção, após contar com a colabora-ção da colunista da Folha de SãoPaulo, o senador esperou a reper-cussão na imprensa nacional e atocontínuo, acionou seu arsenalmidiático no Maranhão e divulgouinicialmente uma nota. Nela, se co-loca como um coitado falando "doprofundo sofrimento" e da "grandeamargura" pelo "caminho a seguir".

A culpa - ele apontou - é damídia que denunciou o desvio de re-cursos públicos da Fundação paraempresas fantasmas controladas pelaoligarquia. Segundo ele as "denúnci-as infundadas", prejudicaram a ima-gem do que ele chama, "de maiorespaço cultural do Maranhão" (oConvento pode ser, mas a Fundaçãonão é). E a picaretagem termina comele dizendo na nota que o Maranhão"será derrotado", pois vai perder uma"referência nacional". A chantagem éfeita com a receita de sempre, jun-tando a pilantragem habitual, odramalhão, o blefe, a megalomania,o egocentrismo e, certamente, a men-tira (se não, não seria José Sarney).

Sobre o que realmente interes-sa - o Convento das Mercês - a Jus-tiça tem dois caminhos a seguir: podemandar devolver o imóvel ao seu le-gítimo dono (o poder público) ou

pode manter a ilegalidade, até por-que, da Justiça brasileira pode se es-perar tudo, principalmente dos tribu-nais superiores. Nos dois cenários opapel de vítima serve ao senador.

Na hipótese dele se antecipar auma decisão da Justiça e realmenteextinguir a Fundação, o Conventovoltaria automaticamente ao poder doEstado, que hoje tem como gover-nadora a filha de Sarney (que coinci-dência!). Com Roseana no coman-do ele tem a segurança de como sedará o encaminhamento entre seumausoléu, sua estátua, suas quinqui-lharias e o Convento. Será que al-guém imagina Roseana mandando ooligarca tirar os seus cacarecos dedentro do patrimônio público?

É claro que não! Ele, inclusi-ve, já deu a senha, dizendo, cinica-mente, que o prejudicado seria oMaranhão. O governo, administra-do pela filha do coronel, poderá cri-ar um artifício qualquer para abrigaro propagado e falacioso acervo.Onde? Dentro do Convento dasMercês, obviamente. Homem demáfia, ele, inclusive, já colocou ascrianças pobres da banda do BomMenino das Mercês como escudo.Faz parte da chantagem e dapicaretagem.

Bem, e como fica a investiga-ção sobre os supostos malfeitos daFundação? Continua, mesmo que elaseja extinta. O que nós estamos ven-do agora é apenas mais uma etapade um golpe. Neste novo ato, odramalhão serve também para man-ter em alerta todas as forças políticas(incluindo aí o presidente da Repú-blica) que se juntaram para salvar omandato de Sarney. E como eles con-cordaram com todos os desmandosno Senado, haverão de concordar,apoiar e se mobilizar para minimizaros mal feitos da Fundação-Máfia.Como já aconteceu algumas vezes,pode valer tudo para manter o can-didato a faraó sob controle.

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