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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010 Jornalismo digital e a escrita com o signo informático: hipóteses para os códigos das linguagens digitais e a modelização de formatos 1 Daniela Osvald Ramos 2 Faculdade Cásper Líbero Resumo A internet mudou a forma de compilar, buscar, armazenar, indexar, recuperar, processar, produzir, distribuir e publicar informação. Tais mudanças afetaram de modo irreversível o fazer jornalístico e fundaram um novo campo de conhecimento e prática, denominado “Jornalismo Digital”. Nesta investigação, nos apoiamos nas ferramentas teóricas da semiótica da cultura, especificamente nos autores I.M. Lotman e Irene Machado sobre como é possível escrever com o signo informático tendo em vista o jornalismo digital como um texto da cultura, o qual é modelizado por diversos tipos e ordens de códigos, que por sua vez modelizam os formatos de informação. Partindo da premissa que os códigos, no ambiente digital, modelizam o design informático, que se apresenta em formatos, tentaremos entender e lançar hipóteses sobre as possibilidades da escrita jornalística com o signo informático. Palavras-chave Semiótica da cultura; formato; texto-código; sistemas modelizantes; jornalismo digital Introdução Desde a introdução da internet comercial no Brasil, em 1995, as empresas de comunicação adotaram a rede para publicar produtos originários dos meios anteriores. Com o desenvolvimento da tecnologia de conexão da rede, passou-se a adotar também vídeos e áudio. No Brasil, o portal foi adotado como o principal formato das empresas de comunicação e dos provedores de conteúdo para concentrarem o maior número possível de acessos (medidos ainda como “audiência”), oferecendo como carro chefe a atualização contínua das “Últimas Notícias”, cuja prática, denominada de hard news, já era comum nas agências de informação e dominada pelos jornalistas. É o caso do Estadão, UOL, IG, Terra, Globo e G1, para citarmos os principais, como apontou BARBOSA (in MACHADO & PALACIOS, 2003, p. 164). Neste formato, a metáfora continua sendo, muitas vezes, e com raras exceções, a tentativa de reprodução do papel, da televisão e do rádio (BARBOSA, 2007). No entanto, sabemos que estamos tratando 1 Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação, X Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e docente de Novas Tecnologias da Comunicação na Faculdade Cásper Líbero. Contato: [email protected] 1

Jornalismo digital e a escrita com o signo informático ... · 1 Trabalho apresentado no GP Semiótica da ... programas informáticos. Assim, os sistemas modelizantes são instrumentos

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Jornalismo digital e a escrita com o signo informático: hipóteses para os códigos das linguagens digitais e a modelização de formatos1

Daniela Osvald Ramos 2

Faculdade Cásper Líbero

Resumo

A internet mudou a forma de compilar, buscar, armazenar, indexar, recuperar, processar, produzir, distribuir e publicar informação. Tais mudanças afetaram de modo irreversível o fazer jornalístico e fundaram um novo campo de conhecimento e prática, denominado “Jornalismo Digital”. Nesta investigação, nos apoiamos nas ferramentas teóricas da semiótica da cultura, especificamente nos autores I.M. Lotman e Irene Machado sobre como é possível escrever com o signo informático tendo em vista o jornalismo digital como um texto da cultura, o qual é modelizado por diversos tipos e ordens de códigos, que por sua vez modelizam os formatos de informação. Partindo da premissa que os códigos, no ambiente digital, modelizam o design informático, que se apresenta em formatos, tentaremos entender e lançar hipóteses sobre as possibilidades da escrita jornalística com o signo informático.

Palavras-chave

Semiótica da cultura; formato; texto-código; sistemas modelizantes; jornalismo digital

Introdução

Desde a introdução da internet comercial no Brasil, em 1995, as empresas de

comunicação adotaram a rede para publicar produtos originários dos meios anteriores.

Com o desenvolvimento da tecnologia de conexão da rede, passou-se a adotar também

vídeos e áudio. No Brasil, o portal foi adotado como o principal formato das empresas

de comunicação e dos provedores de conteúdo para concentrarem o maior número

possível de acessos (medidos ainda como “audiência”), oferecendo como carro chefe a

atualização contínua das “Últimas Notícias”, cuja prática, denominada de hard news, já

era comum nas agências de informação e dominada pelos jornalistas. É o caso do

Estadão, UOL, IG, Terra, Globo e G1, para citarmos os principais, como apontou

BARBOSA (in MACHADO & PALACIOS, 2003, p. 164). Neste formato, a metáfora

continua sendo, muitas vezes, e com raras exceções, a tentativa de reprodução do papel,

da televisão e do rádio (BARBOSA, 2007). No entanto, sabemos que estamos tratando

1 Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação, X Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.2 Doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e docente de Novas Tecnologias da Comunicação na Faculdade Cásper Líbero. Contato: [email protected]

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de uma nova mídia, não somente porque ela é digital e composta de números, que é o

princípio da representação numérica, mas também pela possibilidade da automação,

variabilidade, modularidade e transcodificação (MANOVICH, 2006). Estes são os

princípios de funcionamento da forma cultural “banco de dados”, sob os quais os

conteúdos se organizam e são organizados. Para efetivamente escrevermos, em um

sentido amplo, para as novas mídias, necessitamos entender profundamente os códigos

gerados a partir desta nova organização e aprendermos a formatá-los, ou seja,

organizarmos os conteúdos em formatos. Lotman (Apud MACHADO, 2003, p. 132)

considera que determinadas formas culturais predominam durante certas épocas. No

século XX, tínhamos o predomínio da forma cultural do cinema; no século XXI, temos

os bancos de dados. Os games nos dão um exemplo claro e conciso disso: os códigos

cinematográficos foram incorporados e atualizados por esta crescente prática, com

enquadramentos, cortes, planos, enredo e narrativa. No entanto, esta transição ainda não

atingiu de forma ampla a produção jornalística digital que, como já comentamos,

continua usando códigos provenientes de textos culturais anteriores. No tópico seguinte,

tentamos entender este contexto.

Modelização: investigação das estruturas que formam um texto

O termo “modelização” no contexto da Semiótica da Cultura tem origem na modelagem

informática, que é a atividade de construção de modelos de software que terão a função

de explicarem o funcionamento e as características de um software ou de um sistema de

softwares, e que serão seguidos e levados em conta no projeto e construção de

programas informáticos. Assim, os sistemas modelizantes são instrumentos teóricos

para a compreensão do objeto em questão, um “modelo” que pode ser compreendido em

um dado contexto de pesquisa.

A questão que nos coloca os sistemas modelizantes é entender como se organiza um

determinado sistema semiótico, compreendendo o processo de modelização das

linguagens. Lotman (1978) afirma que “Os sistemas modelizantes secundários (como

todos os sistemas semióticos) constroem-se sobre o tipo de linguagem” (p. 37).

Portanto, para entendermos a organização de um sistema semiótico devemos observar e

identificar sua(s) linguagem(ns). Partimos da premissa que o sistema modelizante

primário da cultura é a língua natural, a partir da qual o pesquisador pode construir

metalinguagem e identificar o sistema modelizante chamado de “secundário”. Os

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sistemas modelizantes secundários existem em decorrência das chamadas linguagens

artificiais, que não são somente as geradas por máquinas, mas também as construídas

com base em sistemas específicos, como a ciência e o jornalismo.

Assim, o processo de modelização das linguagens passa necessariamente pela

modelização primária. Levando em conta que podemos pensar em linguagem como

operação de seleção e combinação a partir de um determinado sistema de signos, este

processo será modelizado pelo sistema de signos em questão. Para Lotman, o signo

modeliza seu conteúdo, assim, para conhecermos o processo de modelização das

linguagens, precisamos conhecer e identificar seu(s) sistema(s) de signos. No caso dos

textos da cultura gerados por computador, temos uma situação específica: trata-se de

uma linguagem mediada pela máquina, cujos sistemas de signos são gerados por rotinas

de cálculos matemáticos que não passam, então, neste processo, pela modelização

primária da língua natural, mas por números. As linguagens processadas desta forma

são modelizadas por formatos, que são as diversas interfaces para os bancos de dados

onde estão armazenados os signos informáticos, e não por gêneros, conceito firmado na

língua natural. Desta forma, nos interessa compreender este trânsito para estudarmos as

contemporâneas linguagens digitais, geradas por computadores e observadas em vários

formatos digitais, especificamente os formatos que se apresentam como de informação

jornalística. Entendemos aqui o formato como resultante do design da comunicação

(MACHADO, 2003, 2007), na seguinte ordem: as linguagens digitais são mediadas pela

máquina, por isso falamos de uma linguagem mediada; as linguagens digitais, em um

segundo momento são modelizadas pelo formato (interfaces para bancos de dados) e se

apresentam nestes formatos. Por sua vez, o formato é modelizado pelo design

informático, ou seja, pelas diversas ordens de códigos informáticos de baixo e alto

nível.

Conhecendo o processo de modelização da(s) linguagem(ns) de um determinado texto

da cultura, pode-se iniciar o processo de investigação de seus sistemas modelizantes, ou,

conhecer a estrutura sob a qual o texto funciona. Compreender porquê o texto analisado

se apresenta e se organiza de determinada forma e não de outra é compreender a

estrutura de seus sistemas modelizantes e sua organização. Desta forma, podemos

entender que o formato, modelizador das linguagens digitais, é modelizado pelo design

informático que, por sua vez, é um encadeamento de modelizações de códigos de várias

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ordens e que o formato tem, por sua vez, vários níveis de modelização que são

determinantes em sua apresentação. Para esta hipótese ser desenvolvida, é preciso que

se entenda o design da comunicação como construção de “processos de recodificação e

transmutação de linguagem” (MACHADO, 2003, p.1).

Um sistema modelizante da cultura também é uma possibilidade de transcodificação.

Por exemplo, um formato gerado por um sistema computacional pode ser transladado

posteriormente para outro suporte, um CD-ROM, a televisão, o rádio. Neste caso

aconteceu a passagem de linguagens de um sistema semiótico para outro, que possui

uma estruturalidade diferente da original. Nossa hipótese é que é assim que a televisão e

o rádio são modelizados pelos formatos audiovisuais gerados pelo computador. “Como

prova do poder da nova mídia, a influência da internet sobre os jornais impressos se

destaca, mais do que o contrário (FOGEL & PATINO, 2007, pp.91-92)3”. É assim que

podemos observar, nas recentes reformulações de grandes jornais brasileiros, como O

Estado de São Paulo e A Folha de São Paulo, uma tentativa de adequação à leitura

rápida e dinâmica na internet, bem como a valorização de imagens e de resumos de

notícias. No caso do Estadão, em 2010 promoveu-se uma maior integração entre o

impresso e o online. Não nos estendermos neste assunto, que não é nosso objeto de

análise.

Hipoteticamente o formato é um sistema modelizante da cultura em determinados casos.

Para Manovich, a transcodificação é uma característica das novas mídias, por seu

caráter de bases de dados, que podem ser transcodificadas para outros sistemas

facilmente e de modo programável. Assim surge a hipótese do jornalismo de base de

dados, que se estende a outros meios de comunicação, como os já citados rádio e

televisão, mas também para as revistas e os jornais, pois as bases de dados deveriam ser

a estrutura organizacional das empresas de comunicação. Se a lógica das bases de dados

não modelizarem a produção de informação das tradicionais empresas de comunicação,

sua eficácia como modelo de negócio estará posta em risco, já que, em última instância,

podemos compreender as bases de dados como um sistema modelizante contemporâneo

de um conjunto de textos da cultura, e não só de um determinado sistema semiótico.

Partimos desta premissa geral na proposição a seguir, quando tentamos entender as

3Livre tradução do espanhol: “Como prueba del poder del nuevo medio, se destaca la influencia de Internet sobre los diarios impresos más que lo contrário.”

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possibilidades de geração de códigos do design informático que podem gerar distintos

formatos de informação.

Hipóteses de códigos usados na escrita digital

Dentre as várias definições de código, destacamos as que dizem que os códigos são “as

leis que organizam a representação”, no sentido do código como “(...) uma organização

de caráter genérico e convencional, uma potencialidade geradora dos signos

(Semiosphera, sem página)”; também nos apoiamos na formulação de Lotman do

“texto-código”:

“Os códigos como sistemas modelizantes e modeladores têm a função de culturalizar o mundo, isto é, conferir ao mundo a estrutura de cultura. Para isso contribuem os códigos culturais que funcionam como uma espécie de programa para o controle da cultura, sua difusão e transformação.” (Op. Cit, sem página)

Já afirmamos que os formatos são modelizados por diversas ordens e classes de

códigos. O código base para o funcionamento da estrutura do sistema informático são os

algoritmos, de baixo e alto nível, sendo que os de baixo nível são os que possibilitam o

funcionamento da máquina, e os de alto nível, aqueles que geram as rotinas de

algoritmos dos softwares (MANOVICH, 2006). A partir desta combinação, mais as dos

protocolos de funcionamento da internet enquanto a maior rede de computadores já

existente, temos uma grande variação de linguagens de programação e marcação4 (C++,

Java, Ajax, Javascript, HTML, XML, CSS e muitos outros), os quais não são nosso

objeto de pesquisa.

Tomamos como tarefa identificar, então, os textos-códigos que são as possibilidades de

organização da informação nos formatos, identificando-os como possibilidades de

escrita digital jornalística:

4 O HTML, Hypertext Markup Language, é definido como uma linguagem de marcação e não de programação, já que não compila algoritmos e gera rotinas de execução, como os softwares, mas possibilita a exibição de textos, imagens, áudio e vídeo, na tela dos navegadores como o Internet Explorer e o Mozilla Firefox. Nos exemplos citados neste artigo, HTML, XML e RDF se enquadram nesta categoria. O C++ é uma linguagem de programação usada para a contrução de softwares e o Java, Javascript e Ajax, alguns poucos exemplos de linguagens de progrmação utilizadas para os meios digitais.

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− 1) Aplicativos/Programas para internet e internet móvel: especialmente com a

disseminação da internet móvel, em celulares, como o caso do iPhone, da marca

Apple, observamos o desenvolvimento dos aplicativos de informação. São

softwares, pagos ou gratuitos, de empresas de comunicação ou não, nos quais

identificamos os princípios de Manovich: a “variabilidade” é a mais óbvia, são

diferentes interfaces para um mesmo banco de dados; a modularidade e a

representação numérica geram a síntese da automatização, que alcança um grau alto

em comparação com a web e cuja face mais visível é a “personalização” de

conteúdos. Também há a transcodificação, já que um novo código gera um novo

formato, por exemplo, na hipótese de um site na web ser transcodificado para um

aplicativo para celular. Como exemplo citamos os exemplos para iPhone, o “Guia

de Restaurantes da revista Época” (figura 1): tal conteúdo pode estar também na

web, mas no formato “aplicativo” se transforma num rápido guia móvel de consulta.

No entanto, não podemos fazer um diário de visitas aos restaurantes, nem

comentários colaborativos sobre os serviços recomendados, o que seria possível.

Outro exemplo, que explora mais a personalização de conteúdos, já que permite

inserir dados e gerar feedbacks personalizados (figura 2) é o “Nutra Bem”, no qual

se insere, por uma tabela de alimentos, o consumo diário das refeições. Ao final de

uma semana, o usuário do aplicativo poderá gerar uma relatório de nutrição, que

descreve a adequação da dieta segundo parâmetros nutricionais. Este último não foi

produzido por uma empresa jornalística, mas imaginamos que seria possível ligar

este diário de refeições com reportagens sobre o tema.

Também é importante citar os API´s, sigla para Application Programming Interface,

ou Interface de Programação para Aplicativos, geralmente usados nos mashups, que

misturam categorias de informação com os API´s, pequenos aplicativos. Um

exemplo muito utilizado são os API´s que misturam uma fonte de dados com

visualização nos mapas do Google. Assim, pode-se distribuir o número de votos nas

eleições presidenciais americanas sobre o mapa dos EUA

(http://www.mapmash.in/election_map.html). Escrever, neste caso, pode ser criar

um aplicativo, ou uma mistura deles; assim, o aplicativo é um texto-código que se

apresenta em um determinado formato.

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Figura 1 Figura 2

− 2) Games: As possibilidades narrativas que os games trazem para a área da

comunicação são quase que totalmente ignoradas pelas empresas de comunicação e

pela produção jornalística. Algo que se difunde timidamente são os newsgames, ou

“jogos de notícia” (Figura 3). Neste exemplo temos um produzido pelo site da

revista Superinterssante, da Editora Abril, em 2009, que almeja mostrar como

funciona o esquema das máfias do ponto de vista de um jogador, que é um policial

infiltrado e precisa “alcançar o posto máximo da organização para prender o Chefão

em flagrante5”. Este texto-código é baseado principalmente na “narrativa

procedimental”, que na prática caracteriza a narrativa digital com a imersão,

agência e transformação (MURRAY, 2003). A imersão já foi amplamente

explorada no Cinema. “O espectador é colocado como ponto de referência em torno

do qual se constitui a unidade e continuidade de um espetáculo que apresenta uma

representação realista e ilusória de um espaço tridimensional (SPINELLI, 2005, p.

179). No ambiente digital, em conjunto com a agência, que é a capacidade de

interferir, a imersão se torna participativa e por isso, muita vezes, mais atrativa. Já a

trasformação “(...) se refere à capacidade de pôr em movimento narrativas com

múltiplos enredos e papéis e que podem mudar de forma à medida que são contadas

e afetadas pela participação do receptor (GALERA, 2010, p.13)”. Os games são,

hoje, parte da cultura e estão formando cada vez mais pessoas aptas a manejar seus

5http://super.abril.com.br/multimidia/info_420553.shtml , acesso em 11/7/2010.

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enredos, participando da narrativa, e muitas vezes se esquecendo que a narrativa é

um algoritmo programado, ao qual é impossível criar outras opções de ação/história

que não estejam previstas. Uma pesquisa do instituto norte-americano Pew

Research aponta que, em 2008, 81% dos jogadores tinham entre 18 e 29 anos e 60%

deles entre 30 e 49. Ou seja, não são só os adolescentes tem nos games uma prática

cultural. Tal experiência tende a crescer e fará parte do alfabeto digital.

Figura 3

− 3) Hipermídia: Como extensão à definição do hipertexto, temos a hipermídia, que

permite uma navegação não linear por diversos tipos de conteúdo, como texto,

áudio, vídeo, animação, imagens, bem como diversas combinações destas unidades.

O uso deste texto-código é o que mais se destaca atualmente nos formatos

jornalísticos, especialmente com as reportagens multimídia e as infografias

interativas (BERTOCCHI, 2006). Em pesquisa anterior, chamamos os

áudioslideshows, os especiais multimídia e as infografias interativas de formatos

(RAMOS, 2009). Para Bertocchi (2006), a hipótese da proliferação do uso da

hipermídia no jornalismo digital é que estes formatos não deixam dúvidas sobre a

questão da autoria, algo que ainda é muito importante para os jornalistas. As

infografias, nas quais se destacam a produção dos espanhóis El País

(http://www.elpais.com/graficos/) e El Mundo

(http://www.elmundo.es/graficos/multimedia/index.html) são chamadas de

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interativas pois precisam que o usuário faça uso do hipertexto para acompanhar o

infográfico; é preciso clicar sempre. As reportagens multimídia, cujo exemplo

recente é a publicada no portal do Estadão, “Isso não é normal!”

(http://www.issonaoenormal.com.br/), não foi produzida pelo grupo empresarial,

mas por um coletivo de jornalistas independentes, se apresenta nos moldes da

infografia interativa. O ciberleitor deverá eleger entre alguns caminhos hipertextuais

definidos pelos autores para ver vídeos, ler textos, acompanhar slideshows de fotos,

e às vezes também infografias. O argentino El Clarín

(http://edant.clarin.com/diario/especiales/index.html) é uma empresa que investe

neste tipo de texto-código para gerar formatos. Outro formato que merece destaque,

são os áudioslideshows, que chamamos (Op. Cit, 2009) de “Histórias fotográficas”

pelo termo utilizado pela empresa norte americana MSNBC, Picture Stories

(http://www.msnbc.msn.com/). No entanto, o termo mais usado é mesmo o

“áudioslideshow”, que consiste, em todos os formatos encontrados, numa

articulação narrativa com fotografia e áudio, seja o áudio do personagem ou

personagem e trilha sonora, ou apenas trilha sonora. Consideramos então que a

hipermídia é feita de diversos textos-códigos, que também se apresentam em

diversos formatos, como os aqui mencionados, e outros, aqui não previstos.

− 4) Redes Socias, blogs, crowdsourcing e geolocalização: Redes sociais como o

Orkut, Facebook e Twitter, só para citarmos os mais genéricos e populares no

Brasil, são ambientes nos quais aparecem os usuários-mídia, que podem ser

definidos como “(...) produtores de conteúdo no ambiente digital, munidos de

ferramentas colaborativas que os permitem criar blogs, podcasts, participar e gerir

comunidades, mobilizar-se por meio da web, direcionar protestos, emitir opiniões

(TERRA, 2009, p.1).” Podemos dizer que as redes sociais e os blogs são

ferramentas, mas na nossa perspectiva também são textos-códigos, que podem ser

utilizados na escrita digital jornalística. “(...) A tecnologia dotou-nos de um

conjunto de ferramentas de comunicação capaz de nos transformar a todos em

jornalistas, com custos reduzidos e, em teoria, com acesso a um público global.

(GILLMOR 2005, p. 14)”. Talvez por isso a utilização destes códigos no jornalismo

digital seja difiícil de ser observado, já que, ao contrário da hipermídia, a

colaboração coletiva deixa dúvida sobre a autoria. O crowdsourcing é a reunião de

um coletivo de pessoas em torno do mesma tema através das redes sociais, muitas

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vezes com a presença da geolocalização, uma tendência que está aparecendo tanto

no hardware quanto no software, que sinaliza a reunião de conteúdos digitais com

sua localização geográfica. Em algumas máquinas fotográficas digitais, por

exemplo, o arquivo da imagem já é gerado com as coordenadas de latitude e

longitude da onde a fotografia foi tomada, e quando enviada a uma rede social como

Flickr, que reune fotógrafos (http://www.flickr.com), sua localização é publicada

automaticamente. A criação de uma rede social chamada Foursquare

(http://www.foursquare.com), que utiliza a geolocalização como princípio, também

indica a união de redes sociais, geolocalização, mapas e conteúdos com a internet

móvel, nos celulares, que já em sua maioria possuem GPS, o Sistema de

Posicionamento Global.

Nas situações de catástrofe podemos entender o alcance destes códigos para a escrita

digital, como no exemplo do Twitter no terremoto do Chile, com a palavra chave, ou

tag, identificada com o caracter # (hashtag), #buscapersonas. No site

http://chile.ushahidi.com/ vemos a criação de um modelo agregador de informações

para eventos emergenciais (figura 4), baseado neste texto-código. Também o mapa

colaborativo sobre as chuvas do Rio de Janeiro no O Globo (figura 5) segue este

princípio.

Figura 4

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Figura 5, http://oglobo.globo.com/rio/info/chuva/ Acesso em 11/7/2010

− 5) Visualização de bases de dados: No limite, como postula Manovich (2006),

toda interface, ou, para nós, todo formato, é uma forma de visualizar dados, já que

estes estarão disponíveis, não importa se são texto, vídeo, imagem, áudio, animação,

tabelas, em bancos de dados, como arquivos a serem acessados, representados

numericamente, podendo ser variáveis, modulares e transcodificados a qualquer

momento. No entanto, aqui cabe uma diferenciação, que é o da visualização de

dados como um recurso de escrita, portanto um texto-código a ser usado, sobre fatos

e análises de tendências. Estes recursos estão disponíveis gratuitamente, como o

projeto ManyEyes (Figura 6) (http://manyeyes.alphaworks.ibm.com/manyeyes/) 6 ,

que permite gerar diversos tipos de visualização para qualquer planilha de dados

construída no software Excel. Para a incorporação deste texto-código por parte dos

jornalistas digitais, é necessário uma formação que mostre a importância crescente

da organização de dados estatísticos de todo o tipo, para posteriores visualizações.

6A iniciativa é ideliazada pelo Visual Communication Lab em parceria com a empresa IBM.

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Esta é a visualização de um conjunto de

dados publicados na revista Fortune

Magazine7 sobre as novas oportunidades

de negócios globais; cada mercado é

representado por um círculo proporcional

de investimentos. Quando passamos o

mouse em cima de cada um, temos a

legenda.

Figura 6

− 6) Web Semântica, tags e metadados: A Web Semântica está sendo chamada de

“Web 3.0”, um passo à frente a 2.0, que foi o uso amplo e disseminado das redes

sociais. Trata-se da organização das informações semanticamente e do

reconhecimento por parte de agentes computacionais dos significados e das

existentes e possíveis entre elas.

“Estes agentes são sistemas computacionais capazes de interagir autonomamente para atingir os objetivos do seu criador. Os agentes possuem algumas características como autonomia, reatividade (percebem o ambiente e tomam decisões), têm comportamento colaborativo, possuem objetivos, são flexíveis, sociáveis e têm a capacidade de aprender. A web semântica possuirá vários agentes interagindo entre si, compreendendo, trocando ontologias, adquirindo novas capacidades racionais quando adquirirem novas ontologias e formando cadeias que facilitam a comunicação e a ação humana”. (BERTOCCHI, 2009, p. 14)

É este o contexto do desenvolvimento de narrativas jornalísticas baseadas na

estratégia de tageamento de conteúdos, ou seja, atribuição de palavras chave à todo

tipo de conteúdo, para que sejam recuperados depois pelos usuários, e os metadados,

que são o input dos dados sobre os dados, criando outros significados e associações

entre as informações. É o que a estatal de comunicação inglesa BBC já está fazendo

em seu site, como apontou Bertocchi (2009), cujo último exemplo foi a cobertura da

Copa do Mundo de Futebol de 2010 (MACMANUS, 2010). Também no Brasil a

home do portal ESPN (http://espnbrasil.terra.com.br/agora) “(...) foi apresentada ao

público com uma arquitetura de informação baseada em navegação por tags

(BERTOCCHI, 2009, p. 8). As tags também são importantes para otimizar a busca

de conteúdos internamente, nos sites e portais, e também no principal sistema de

7 http://money.cnn.com/2010/06/21/news/international/global_forum_opportunity.fortune/index.htm, acesso em 14/7/2010.

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busca atual, o Google. Esta prática é chamada de SEO, Search Engine Optimization,

e visa posicionar o conteúdo nos primeiros lugares nas páginas de resultados de

busca.

Apontamentos conclusivos

Enumeramos seis textos-códigos neste artigo, mas isso não significa que este número

seja definitivo, nem que até o momento contemos somente com esta variedade. Nosso

objetivo foi testar o alcance da hipótese dos textos-códigos como sistemas modelizantes

das linguagens digitais, que se apresentam nos formatos. Ou seja, são determinantes no

design informático dos formatos. Até o momento observamos que os textos-códigos

aparecem em usos isolados, e não como possibilidades de escrita, em formatos que os

integrem como parte do texto da cultura “Jornalismo Digital”.

Assim, tomar os bancos de dados como sistemas modelizantes primários do texto da

cultura Jornalismo Digital é hipoteticamente uma forma de escrever com o signo

informático. A organização e operação dos textos-códigos darão a forma que cada

informação terá e determinará o seu desenho, modelizando, então, as linguagens

digitais. Até o momento, não vemos isso acontecer nas empresas de comunicação. O

site jornalístico que mais se aproxima desta proposta é o espanhol La Información

(http://www.lainformacion.com/ ) , criado por Mario Tascón (responsável pela criação

dos já citados El Mundo e pela reformulação do El País) com a proposta de fazer

jornalismo digital de forma inovadora. Na home deste site, podemos observar os textos-

códigos 3, 4, 5 e 6 (Figura 7).

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Figura 7 – Deixamos fora da área visível o texto-código 4, por questões de espaço. Acesso em 14/7/2010.

Finalizando nossas considerações, queremos lançar a nossa preocupação final frente ao

postulado neste artigo: como seria o Jornalismo Digital se encarado realmente como um

texto da cultura que tem como base o signo informático? Tentamos, com este artigo,

lançar esta discussão e discutir esta hipótese: entendermos a escrita das linguagens

digitais modelizadas pelos textos-códigos, apresentadas como formatos.

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