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Vivian Fernandes de São Paulo (SP) A CRÍTICA À manipulação da sociedade feita pelos grandes meios de comunica- ção e o papel democrático que cumpre o jornalismo alternativo. Com o debate so- bre essa dupla face da mídia, o jornalis- ta Leonardo Severo lançou seu novo li- vro. Sob o título Latifúndio midiota: cri- se$, crime$ e trapaça$, a obra traz arti- gos e matérias nacionais e internacionais sobre temas da luta dos trabalhadores e movimentos sociais. Com extensa trajetória no jornalismo de resistência, Leonardo é redator do jornal Hora do Povo, assessor na área de comunicação da Central Única dos Tra- balhadores (CUT), além de colaborador do jornal Brasil de Fato. O livro inau- gura o selo do Centro de Estudos da Mí- dia Alternativa Barão de Itararé. O lançamento ocorreu em 27 de janei- ro durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS). Outro lançamento es- tá marcado para 7 de fevereiro, em São Paulo (SP), a partir das 18:30, na Livra- ria Martins Fontes (Av. Paulista, 509). O livro pode ser adquirido nas livrarias ou pela internet. Como Leonardo salienta, sua obra é acima de tudo um livro militante, com- prometido com a defesa do Brasil, de seu povo e da classe trabalhadora. Leonardo, você poderia fazer uma breve apresentação do que os leitores irão encontrar no seu livro? Leonardo Severo – Latifúndio midio- ta é um livro que faz uma reexão sobre os descaminhos e a manipulação da mí- dia em nosso país. São conglomerados de comunicação que imprimem no incons- ciente coletivo uma visão deformada do mundo. Na nossa visão, jogam para cul- tuar valores egocêntricos e individualis- tas, banalizando a violência, a mulher e as relações sociais, no sentido de manter a dominação de uma casta – que é o setor nanceiro ao qual ela serve. Então, La- tifúndio midiota reúne artigos publica- dos sobre Venezuela, Bolívia, Cuba, Pa- raguai e sobre o próprio Brasil no âmbito da construção de uma postura mais so- cial e coletivista. O que na sua experiência como jornalista o levou até a construção dessa obra? A minha experiência indica que esses artigos que foram publicados na internet mereciam ser melhor trabalhados e de- batidos. E que nesse momento de discus- são do novo marco regulatório da comu- nicação era uma oportunidade para de- bater determinados temas. O livro dialo- ga com a necessidade de nós fortalecer- mos o papel protagônico do Estado – na indução ao desenvolvimento, no estímu- lo à empresa nacional, ao emprego e ao fortalecimento dos salários. Com isso, nós damos visibilidade a análises críticas que não aparecem nos meios de comuni- cação da grande mídia. O livro é uma for- ma que eu encontrei de sistematizar essa denúncia e de fazer uma conclamação. É um livro militante. Qual dos artigos e matérias você destacaria como representativo do livro? Um dos artigos que eu gosto muito é um no qual eu sistematizei uma visita que z à Palestina em 2001, onde me en- contrei com [Yasser Arafat (1929-2004), então presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP)]. Na época a ministra de Educação superior palesti- na, Hanan Ashrawi, falava que as princi- pais vítimas das balas de aço revestidas com borracha dos israelenses eram os olhos das crianças palestinas. O livro traz fotos dessas balas, do que elas faziam no cérebro das crianças. Era uma coisa bas- tante cínica, que era para cegar e não ma- tar. Isso era o resultado da segunda Inti- fada do levante popular árabe-palestino. Essa é uma das reportagens que eu acho que dá bastante visibilidade a um tema que é totalmente manipulado pelos gran- des meios de comunicação. Você poderia relatar também alguma matéria brasileira presente no livro? Uma matéria que nós zemos sobre o Marcos Antonio Pedro, que foi um indí- gena de etnia Terena, na cidade de Si- drolândia, no interior do Mato Grosso do Sul, onde ele foi literalmente moí- do dentro de um frigoríco avícola da multinacional Cargil. Esse trabalhador foi acusado de ter se suicidado. Ele caiu [em uma máquina] porque não havia as mínimas condições de segurança. A em- presa, de uma hora para outra, modi- cou todo o local do crime. Quando ele caiu, nós temos relatos de que disseram “bom, vamos abrir por baixo [do equi- pamento] para tentar socorrê-lo”, mas o scal da empresa disse: “não, porque isso vai parar a produção”. A partir dis- so, nós nos dirigimos até a aldeia de on- de ele era proveniente. Conseguimos re- constituir as últimas horas [de vida de- le] e comprovar que na verdade Marcos tinha um grande apego pela vida. Con- versei com a companheira dele, com as lhas. Eu tenho um orgulho muito gran- de do livro porque ele procura abrir es- paço aos que não têm voz. (Radioagên- cia NP) “A grande mídia imprime no inconsciente coletivo uma visão deformada do mundo” Livro Latifúndio midiota, do jornalista Leonardo Severo, reflete sobre a manipulação da sociedade exercida pelos grandes meios de comunicação SERVIÇO Título: Latifúndio midiota: crime$, crise$ e trapaça$ Autor: Leonardo Wexell Severo Editora: Papiro Nº de páginas: 136 Preço: R$ 20,00 ENTREVISTA “Os meios de comunicação jogam para cultuar valores egocêntricos e individualistas, banalizando a violência, a mulher e as relações sociais” O jornalista Leonardo Severo Reprodução Divulgação

jornalismo investigativo SERVIÇO literatura policial · ção o nome do profeta, mas acrescentou-lhe o sobrenome “Hernández”, como Jo-sé Hernández, autor de Martín Fierro,

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Page 1: jornalismo investigativo SERVIÇO literatura policial · ção o nome do profeta, mas acrescentou-lhe o sobrenome “Hernández”, como Jo-sé Hernández, autor de Martín Fierro,

cultura de 2 a 8 de fevereiro de 2012 11

Vivian Fernandesde São Paulo (SP)

A CRÍTICA À manipulação da sociedade feita pelos grandes meios de comunica-ção e o papel democrático que cumpre o jornalismo alternativo. Com o debate so-bre essa dupla face da mídia, o jornalis-ta Leonardo Severo lançou seu novo li-vro. Sob o título Latifúndio midiota: cri-se$, crime$ e trapaça$, a obra traz arti-gos e matérias nacionais e internacionais sobre temas da luta dos trabalhadores e movimentos sociais.

Com extensa trajetória no jornalismo de resistência, Leonardo é redator do jornal Hora do Povo, assessor na área de comunicação da Central Única dos Tra-balhadores (CUT), além de colaborador do jornal Brasil de Fato. O livro inau-gura o selo do Centro de Estudos da Mí-dia Alternativa Barão de Itararé.

O lançamento ocorreu em 27 de janei-ro durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS). Outro lançamento es-tá marcado para 7 de fevereiro, em São Paulo (SP), a partir das 18:30, na Livra-ria Martins Fontes (Av. Paulista, 509). O

livro pode ser adquirido nas livrarias ou pela internet.

Como Leonardo salienta, sua obra é acima de tudo um livro militante, com-prometido com a defesa do Brasil, de seu povo e da classe trabalhadora.

Leonardo, você poderia fazer uma breve apresentação do que os leitores irão encontrar no seu livro?Leonardo Severo – Latifúndio midio-ta é um livro que faz uma refl exão sobre os descaminhos e a manipulação da mí-dia em nosso país. São conglomerados de comunicação que imprimem no incons-ciente coletivo uma visão deformada do mundo. Na nossa visão, jogam para cul-tuar valores egocêntricos e individualis-tas, banalizando a violência, a mulher e as relações sociais, no sentido de manter a dominação de uma casta – que é o setor fi nanceiro ao qual ela serve. Então, La-tifúndio midiota reúne artigos publica-dos sobre Venezuela, Bolívia, Cuba, Pa-raguai e sobre o próprio Brasil no âmbito da construção de uma postura mais so-cial e coletivista.

O que na sua experiência como jornalista o levou até a construção dessa obra?

A minha experiência indica que esses artigos que foram publicados na internet mereciam ser melhor trabalhados e de-

batidos. E que nesse momento de discus-são do novo marco regulatório da comu-nicação era uma oportunidade para de-bater determinados temas. O livro dialo-ga com a necessidade de nós fortalecer-mos o papel protagônico do Estado – na indução ao desenvolvimento, no estímu-lo à empresa nacional, ao emprego e ao fortalecimento dos salários. Com isso, nós damos visibilidade a análises críticas que não aparecem nos meios de comuni-cação da grande mídia. O livro é uma for-ma que eu encontrei de sistematizar essa denúncia e de fazer uma conclamação. É um livro militante.

Qual dos artigos e matérias você destacaria como representativo do livro?

Um dos artigos que eu gosto muito é um no qual eu sistematizei uma visita que fi z à Palestina em 2001, onde me en-contrei com [Yasser Arafat (1929-2004), então presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP)]. Na época a ministra de Educação superior palesti-na, Hanan Ashrawi, falava que as princi-pais vítimas das balas de aço revestidas com borracha dos israelenses eram os olhos das crianças palestinas. O livro traz fotos dessas balas, do que elas faziam no cérebro das crianças. Era uma coisa bas-tante cínica, que era para cegar e não ma-tar. Isso era o resultado da segunda Inti-fada do levante popular árabe-palestino. Essa é uma das reportagens que eu acho que dá bastante visibilidade a um tema que é totalmente manipulado pelos gran-des meios de comunicação.

Você poderia relatar também alguma matéria brasileira presente no livro?

Uma matéria que nós fi zemos sobre o Marcos Antonio Pedro, que foi um indí-gena de etnia Terena, na cidade de Si-drolândia, no interior do Mato Grosso do Sul, onde ele foi literalmente moí-do dentro de um frigorífi co avícola da multinacional Cargil. Esse trabalhador foi acusado de ter se suicidado. Ele caiu [em uma máquina] porque não havia as

mínimas condições de segurança. A em-presa, de uma hora para outra, modifi -cou todo o local do crime. Quando ele caiu, nós temos relatos de que disseram“bom, vamos abrir por baixo [do equi-pamento] para tentar socorrê-lo”, maso fi scal da empresa disse: “não, porque isso vai parar a produção”. A partir dis-so, nós nos dirigimos até a aldeia de on-de ele era proveniente. Conseguimos re-constituir as últimas horas [de vida de-le] e comprovar que na verdade Marcostinha um grande apego pela vida. Con-versei com a companheira dele, com asfi lhas. Eu tenho um orgulho muito gran-de do livro porque ele procura abrir es-paço aos que não têm voz. (Radioagên-cia NP)

“A grande mídia imprime no inconsciente coletivo uma visão deformada do mundo”Livro Latifúndio midiota, do jornalista Leonardo Severo, refl ete sobre a manipulação da sociedade exercida pelos grandes meios de comunicação

SERVIÇOTítulo: Latifúndio midiota: crime$, crise$ e trapaça$

Autor: Leonardo Wexell Severo

Editora: Papiro

Nº de páginas: 136

Preço: R$ 20,00

Silvia Beatriz Adoue

DANIEL, O PROFETA, resolvia os enig-mas e interpretava os sonhos. Bem an-tes de a literatura policial e a psicanáli-se se ocuparem de ambas atividades. O escritor e jornalista militante argentino Rodolfo Walsh deu a seu detetive de fi c-ção o nome do profeta, mas acrescentou-lhe o sobrenome “Hernández”, como Jo-sé Hernández, autor de Martín Fierro, a história de um peão de boiadeiro.

Tradutor, revisor de novelas policiais, Walsh, nos anos de 1950, escreveu os cinco contos compilados em Variações em vermelho – publicado em portu-guês – “por fama e dinheiro”, segundo ele mesmo admitiu. Mas, assim como fi -zera Jorge Luis Borges, tentou adaptar o gênero à realidade argentina.

Por um lado, são uma homenagem a sir Arthur Conan Doyle. Variações em vermelho, conto que dá nome à coletâ-nea, brinca com Um estudo em verme-lho, do autor britânico. A aventura das provas do prelo tem muitas referências a várias obras do criador de Sherlock Hol-mes. São as primeiras tentativas do jo-vem revisor e tradutor de ofício de se tor-nar escritor, pelo caminho da literatura de massas. E começa com o relato poli-cial de enigma.

Crime e ocultamentoLogo perceberá a difi culdade. Em 1956,

no bar onde joga xadrez com outros pa-roquianos, alguém lhe deslizará uma pis-ta bem improvável: “Há um fuzilado que vive”. Uns meses antes, e durante um le-vantamento cívico-militar que tentou restituir Juan Domingo Perón ao gover-no, e que foi esmagado pela ditadura ins-talada um ano antes por um golpe de Es-tado, muitos foram os fuzilados. Mas es-te é diferente.

Primeiro, ele fala. Um sobrevivente “mal fuzilado” está de volta do seu pró-prio fuzilamento para relatar que foram 13 os que se haviam reunido numa casi-

nha de subúrbio para ouvir a transmis-são radiofônica de um campeonato de boxe. A polícia entrou e os levou sem dei-xar que ninguém desse explicações. Es-sas mortes foram “clandestinas”, e acon-teceram bem antes da decretação da lei marcial. Fuzilamentos ilegais cometidos pelo Estado.

Walsh passou a investigar o caso. Co-mo Daniel Hernández, revisor de ofício, detetive amador, foi atrás das pistas. O que descobriu mudou sua vida. De traba-lhador de classe média passou a jornalis-ta militante. O crime havia sido cometido pelo Estado. Aos poucos, percebeu que o fundamento do Estado era o crime e o ocultamento.

Suas fi cções policiais foram mudando. O romance policial de enigma, com cri-minosos maus e polícia do bem, não dava conta de representar a realidade argen-tina. Aproximou-se do policial noir, em que a tensão dramática não está no des-cobrimento do assassino. A grande ques-tão é onde está o bem. Na medida em que sua investigação avançava, suas fi c-ções policiais mudavam. Até que aban-donou completamente o gênero.

DesvelamentoOs cinco relatos que compõem a cole-

tânea ora publicada em português per-tencem ao período em que Walsh ainda escrevia policiais de enigma. O livro tam-bém conta com um ensaio publicado em 1954 sobre o gênero: Dois mil e quinhen-tos anos de literatura policial. O título é surpreendente, já que os primeiros rela-tos considerados policiais datam do sé-culo 19, e Edgar Alan Poe é considerado fundador do gênero. Mas Walsh prova que a estrutura do relato policial já exis-tia em narrativas da Antiguidade.

Para o leitor interessado em conferir a mudança do autor, vale a pena ler Ope-ração Massacre, registro da investigação dos fuzilamentos de 1956, e Essa mulher e outros contos. Os dois publicados em português em 2010. Essa mulher, por exemplo, é um conto que registra a in-

vestigação sobre o cadáver de Eva Perón, roubado pelas forças armadas e mantido oculto por 17 anos.

Mas há um fi o condutor em toda a obra do escritor militante: o desvelamento do segredo, a investigação, a corrida atrás dos indícios presentes na realidade. Os indícios que passam desapercebidos por outros, se soubermos ler, nos levarão à verdade.

Rodolfo Walsh, emboscado, ferido e desaparecido em 1977, durante a ditadu-

ra, é um autor quase desconhecido para os brasileiros. Em dias em que o Estado usa da violência contra os pobres, os ex-pulsa violentamente das suas moradias, quando a lei diz que devia protegê-los, o registro do descobrimento do caráter cri-minoso das instituições pelo escritor de literatura comercial, da sua conversão para a literatura militante e a ação políti-ca, pode ser útil. Podemos aprender com a experiência de Daniel Hernández, que assim responde à pergunta para que ser-ve a experiência: “para ler devagar”.

Silvia Beatriz Adoue é professora da Escola Nacional Florestan Fernandes (Enff) e da

Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Araraquara.

Da literatura policial aojornalismo investigativo

SERVIÇOTítulo: Variações em vermelho e outros casos de Daniel Hernández

Autor: Rodolfo Walsh

Editora: Editora 34

Nº de páginas: 240

Preço: R$ 39,00

Walsh passou a investigar o caso. O que descobriu mudou sua vida. De trabalhador de classe média passou a jornalista militante

ENTREVISTA

“Os meios de comunicação jogam para cultuar valores egocêntricos e individualistas, banalizando a violência, a mulher e as relações sociais”

O escritor argentino Rodolfo Walsh

O jornalista Leonardo Severo

Divulgação

Reprodução

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