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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 42 Abr/Jun2010 >> 2,50 Euros PORMENOR DE ILUSTRAÇÃO DE FEDRA SANTOS TEMAS Jornalismo Público 2.0 O fim dos tempos ou a reinvenção do Jornalismo? Os media e a blogosfera (II) ENTREVISTA Carlos Camponez Os jornalistas e a auto-regulação ANÁLISE 15 anos de ciberjornalismo em Portugal

Jornalismo Público 2.0 O fim dos tempos ou a reinvenção do … · 2010. 6. 25. · TEMA 1 Jornalismo Público 2.0 O Jornalismo vive hoje um tempo de redefinição, uma tensão

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  • JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 42 Abr/Jun2010 >> 2,50 Euros

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    TEMAS

    Jornalismo Público 2.0

    O fim dos tempos oua reinvenção do Jornalismo?

    Os media e a blogosfera (II)

    ENTREVISTA

    Carlos CamponezOs jornalistas e a auto-regulação

    ANÁLISE

    15 anos de ciberjornalismoem Portugal

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  • 02.qxp 09-06-2010 15:55 Page 1

  • Director

    Direcção Editorial

    Conselho Editorial

    Grafismo

    Secretária de Redacção

    Propriedade

    Tratamento de

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    Impressão

    Tiragem deste número

    Redacção,

    Distribuição,

    Venda e

    Assinaturas

    Mário Zambujal

    Eugénio Alves

    Fernando Correia

    Fernando Cascais

    Francisco Mangas

    José Carlos de Vasconcelos

    Manuel Pinto

    Mário Mesquita

    Oscar Mascarenhas

    José Souto

    Palmira Oliveira

    CLUBE DE JORNALISTAS

    A produção desta revista só

    se tornou possível devido aos

    seguintes apoios:

    � Caixa Geral de Depósitos

    � Lisgráfica

    � Fundação Inatel

    � Vodafone

    Pré & Press

    Campo Raso, 2710-139 Sintra

    Lisgráfica, Impressão e Artes

    Gráficas, SA

    Casal Sta. Leopoldina,

    2745 QUELUZ DE BAIXO

    Dep. Legal: 146320/00

    ISSN: 0874 7741

    Preço: 2,49 Euros

    2.000 ex.

    Clube de Jornalistas

    R. das Trinas, 127

    1200 Lisboa

    Telef. - 213965774

    Fax- 213965752

    e-mail:

    [email protected]

    Nº 42 ABRIL/JUNHO 2010

    SUMÁRIO

    DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

    DO CLUBE DE JORNALISTAS

    Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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    TEMA 1Jornalismo Público 2.0O FIM DOS TEMPOS OU A REINVENÇÃODO JORNALISMO? A proposta de um Jornalismo dos Cidadãos baseia a sua

    força argumentativa numa (re)ligação entre jornalistas e

    cidadãos, tecnologicamente sustentada pela irrupção do

    que se vem designando por uma Web 2.0. A centralidade

    de uma agenda do cidadão convoca, dessa forma, um

    forte paralelismo com o Jornalismo Cívico/Público, surgi-

    do nos finais da década de 1980, nos Estados Unidos da

    América. Por Paulo Nuno Vicente

    TEMA 2OS MEDIA E A BLOGOSFERA CONFLITO EM PÚBLICO? (II)Por Helena de Sousa Freitas

    ANÁLISE15 ANOS DE CIBERJORNALISMOEM PORTUGALOs média noticiosos portugueses começaram a desembar-

    car na Internet em meados da década de 90 do século pas-

    sado. Numa primeira fase, com muitas hesitações. Depois,

    na viragem do século, com excesso de optimismo e investi-

    mento a mais. Logo a seguir, veio a depressão, seguida de

    um longo período de relativa estagnação, que se arrastou

    praticamente por toda a primeira década do século XXI. O

    balanço está longe de poder ser positivo. Por Helder Bastos

    ENTREVISTACARLOS CAMPONEZ"Os jornalistas são um pouco desleixados com a sua auto-regulação"Por Carina Fonseca

    JORNAL

    [50] Ciência, política e media Por Ana Jorge

    [54] Juan Gelman Por Carla Baptista

    [56] Opinião Por Bruno Horta

    [58] Livros Por Silas Oliveira e Carla Baptista

    [62] Sites Por Mário Rui Cardoso

    CRÓNICAPor Nair Alexandra

    Colaboram neste número

    Ana Jorge (UNL / CIMJ)

    Bruno Horta (FREELANCE)

    Carina Fonseca (FREELANCE)

    Carla Baptista (UNL / CIMJ)

    Fábio Teixeira (FREELANCE)

    Francisco Torrão (DESIGNER FREELANCE)

    Hélder Bastos (UNIV. PORTO / CIMJ)

    Helena de Sousa Freitas (LUSA)

    Luís Humberto Teixeira (FREELANCE)

    Mário Rui Cardoso (ANTENA 1)

    Nair Alexandra (FREELANCE)

    Paulo Nuno Vicente (ANTENA 1 / Doutorando UT Austin-Portugal)

    Silas de Oliveira (FREELANCE)

    JJ|Abr/Jun 2010|3

    03_sumario_42.qxp 11-06-2010 12:35 Page 3

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    Tema

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    ANÁLISE

    União Europeia:uma afirmaçãoproblemática

    AMInas notícias

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    JORNAL

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    JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 35 Julho/Setembro 2008 >> 2,50 Euros

    TEMA

    INFOGRAFIAUm novo

    génerojornalístico

    PrémiosGazeta 2007

    ANÁLISE

    Revistas com estilo

    ENTREVISTAS

    Joaquim FidalgoJosé Nuno Martins ILUSTRAÇÃO: MÁRIO CAMEIRA

    JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 32 Outubro/Dezembro 2007 >> 2,50 Euros

    ANÁLISE

    Nascimentoe ascenção dasNewsmagazinesMEMÓRIA

    João Coito

    Tema

    Jornalistasregressamà escola

    JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 31 Julho/Setembro 2007 >> 2,50 Euros

    GRANDE PRÉMIO GAZETA

    Jacinto GodinhoGAZETA DE MÉRITO

    Manuel António PinaPRÉMIO GAZETA REVELAÇÃO

    João PachecoPRÉMIO GAZETA IMPRENSA REGIONAL

    PrémiosGazeta 2006

    4|Abr/Jun 2010|JJ

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  • 6|Abr/Jun 2010|JJ

    Jornalismo Público 2.0

    O fim dos tempos ou areinvenção do Jornalismo?

    A proposta de um Jornalismo dos Cidadãos baseia a sua forçaargumentativa numa (re)ligação entre jornalistas e cidadãos,tecnologicamente sustentada pela irrupção do que se vemdesignando por uma Web 2.0. A centralidade de uma agenda docidadão convoca, dessa forma, um forte paralelismo com o JornalismoCívico/Público, surgido nos finais da década de 1980, nos EstadosUnidos da América. Que possibilidades e desafios são trazidos pelaincorporação de tecnologias móveis digitais - em particular, dotelemóvel - nas rotinas de produção noticiosa?

    Texto Paulo Nuno Vicente Ilustração Francisco Torrão

    TEMA 1

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  • 8|Abr/Jun 2010|JJ

    Num sábado chuvoso, em Junho de1997, o Harvard Faculty Club serviude ponto de encontro para váriasdezenas de jornalistas e investi-gadores universitários. Na agendaestava um debate alargado sobre a

    prática do Jornalismo norte-americano e da sua relaçãocom um interesse público alargado: o Jornalismo estava adiluir-se, progressivamente a tornar-se indistinto, mergu-lhando nas águas mais vastas, híbridas, das formas decomunicação concorrentes.

    O debate seria orientado para o corpo de um livro. Eo grupo haveria de ganhar nome próprio: Commitee ofConcerned Journalists1 . Durante três anos, Bill Kovach eTom Rosentiel coordenaram um projecto de investi-gação dedicado a descrever a teoria e a cultura doJornalismo praticado nos Estados Unidos da América: 21debates públicos, com a presença de 3000 pessoas e otestemunho de mais de 300 jornalistas, uma série deentrevistas, conduzidas por investigadores univer-sitários, a mais de 100 profissionais do Jornalismo e maisde uma dezena de estudos seriam vertidos para a obraOs Elementos do Jornalismo: O que os profissionais do

    Jornalismo devem saber e o público deve exigir (Kovach &Rosentiel, 2004).

    No final do projecto de investigação Kovach eRosentiel apuraram nove fundações, nove princípios "quese esbateram ou diluíram ao longo dos tempos, mas queestiveram sempre presentes" (p. 9) no Jornalismo profis-sional exercido nos EUA: a primeira obrigação doJornalismo é para com a verdade; o Jornalismo deve man-ter-se leal, acima de tudo, aos cidadãos; a sua essênciaassenta numa disciplina de verificação; aqueles que oexercem devem manter a independência em relação àspessoas que cobrem; deve servir como um controlo inde-pendente do poder; deve servir de fórum para a crítica ecompromisso públicos; deve lutar para tornar interes-

    sante e relevante aquilo que é significativo; deve garantirnotícias abrangentes e proporcionadas; aqueles que oexercem devem ser livres de seguir a sua própria con-sciência.

    Pela sua proposição genérica, vagamente normativa,estes nove elementos - redigidos, interpretados e cumpri-dos com nuances, mais ou menos, consideráveis por todoo mundo - consubstanciam um edifício de valores germi-nais partilhados pelo Jornalismo. Em rigor, é precisamentea diversidade de apropriações destes princípios genéricosque estimula um dos mais abrangentes e concertados pro-jectos de investigação - Worlds of Journalism 2 - implemen-tado em 18 países distintos, com o objectivo de referenciare desconstruir as diversas culturas jornalísticas numa gre-lha de dimensões comuns.

    No que se refere à relação entre o Jornalismo e aSociedade, em particular à luz dos processos de digita-lização - átomos transformados em bits como ADN dainformação (Negroponte, 1995) - a rápida disseminaçãoda noção de convergência complexificou a equação. Numecossistema comunicacional onde proliferam conteúdosque atravessam plataformas (cross-plataform), o termoserve frequentemente de atalho para designar a veloci-dade a que se fundem os desenvolvimentos na tecnolo-gia, nos mercados, na produção, no conteúdo e narecepção.

    O Jornalismo vive hoje um tempo de redefinição,uma tensão entre a desestruturação, "o desunir de muitodo que até aqui estava assemblado e que constituía atéhá pouco tempo uma fórmula vencedora", e a reestrutu-ração, "a inovação e a procura de novas e duradourasassemblagens" (Demers, 2007: 29). Pelo prisma dos mo-delos de negócio, uma das fundamentais linhas de inter-pretação é a de que a reestruturação pode implicar umaconsiderável desestruturação socioeconómica (falências,encerramento de empresas, despedimentos, mão-de-obra precária).

    TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

    O Jornalismo vive hoje um tempo deredefinição, uma tensão entre adesestruturação, "o desunir de muitodo que até aqui estava assemblado eque constituía até há pouco tempouma fórmula vencedora", e areestruturação, "a inovação e aprocura de novas e duradourasassemblagens."

    Se atendermos, como sugere Demers,que a informação jornalística écomposta pela actualidade, pelaexpressão pública e pela autoridadeeditorial, fica claro que o(res)surgimento da retóricanormativa de um Jornalismo dosCidadãos, na última década, vemprestar um contributo central para atensão desestruturação/reestruturação.

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    Se atendermos, como sugere Demers, que a infor-mação jornalística é composta pela actualidade, pelaexpressão pública e pela autoridade editorial, fica claroque o (res)surgimento da retórica normativa de umJornalismo dos Cidadãos, na última década, vem prestarum contributo central para a tensão desestruturação/reestruturação.

    O debate da noite chuvosa, no Harvard Faculty Club,mantém a sua actualidade; em rigor, revalidada à luz dadigitalização dos processos jornalísticos. Os profissionaisda área consideram que o Jornalismo é, ainda, de algummodo, diferente de outras formas de comunicação? Ondeidentificam as diferenças? Consideram que o Jornalismoprecisa de mudar? Mantendo ou não alguns princípiosbasilares? E quais?

    O JORNALISMO CÍVICO E O JORNALISMO PÚBLICO

    Será o Jornalismo dos Cidadãos uma proposta profunda-mente nova ou a remediação de uma ideia reiteradamentelatente?

    O tema encontra fortes antecedentes e protagonistascomuns na proposta de um Jornalismo Cívico - posteri-ormente, denominado Jornalismo Público - surgido emfinais de 1980 e inícios de 1990, nos Estados Unidos.Emerge associado a uma tentativa de reposicionar o pa-radigma do jornalismo político, em particular, o do jor-nalismo praticado durante as campanhas eleitorais. Eleparte da evidência de seis toques de alarme 3 (Rosen,1994): a queda da leitura e a incerteza publicitária(económico), a indefinição do lugar do jornalista numsistema de comunicações amplamente reconfigurado(tecnológico), a Imprensa como parte de uma classepolítica enfraquecida (político), as redacções comoespaços de inovação, democracia e diversidade limitadas(ocupacional), a ausência de uma visão afirmativa da

    vida pública (espiritual) e um vocabulário jornalísticoempobrecido (intelectual).

    O Jornalismo Público não pretende, contudo, um sim-ples diagnóstico; ele assume um ponto de partida pro-gramático, propõe específicas linhas de acção. Pelos ter-mos de Rosen (p. 44), ele é uma "verdade praticável" queprocura restaurar a ideia de um público activo na imagi-nação política dos jornalistas. Fá-lo através de um reforçoda ética comunitarista - um bem comum como alternativaaos direitos individuais - estabelecendo no seu epicentro aedificação de uma agenda do cidadão ou, por outros termos,um agenda-setting dos cidadãos.

    Esse levantamento de uma agenda de temas cívicosprocura (re)fundar uma relação de diálogo dirigida àsolução dos problemas concretos do quotidiano, i.e., estadeslocação do pólo informativo da notícia para a cidadaniaassume a edificação de um jornalismo de proximidade(Camponez, 2002) baseado na redescoberta dos valorescomunitários como resposta ao "universalismo, à crise doracionalismo, a uma certa crítica do Homem unidimen-sional, à falta de respostas nas burocracias dos aparelhosde Estados e da administração pública, ao ruir do mundodividido em blocos" (p. 160).

    Essa revolução coperniciana sugere, pois, que o jorna-lista não se resuma à função do observador, situado nopalco privilegiado das elites sociais, e passe a situar-se entreos cidadãos. Ao evidenciar essa tendência comunitarista(Mesquita, 2003), o Jornalismo Público procura uma"reforma da cidadania e reformulação do jornalismo" (p.26) ou, mais claramente, uma reforma da cidadaniaatravés da reformulação do jornalismo.

    A WEB 2.0 E O JORNALISMO DOS CIDADÃOS

    Se, até ao início da primeira década de 2000, as reivindi-cações de uma aproximação do Jornalismo à realidade

    Os profissionais da área consideramque o Jornalismo é, ainda, de algummodo, diferente de outras formas decomunicação? Onde identificam asdiferenças? Consideram que oJornalismo precisa de mudar?Mantendo ou não alguns princípiosbasilares? E quais?

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    social que reporta cabiam, fundamentalmente, a sectoresdescontentes de jornalistas profissionais, a investigadoresuniversitários e a alguns sectores da sociedade civil epolítica - por exemplo, a Comissão MacBride criada pelaUNESCO - veremos, de seguida, como a proposta de umJornalismo dos Cidadãos convoca agora exigências direc-tas por sectores sociais até aqui conhecidos como o públi-co, e como essas reivindicações utilizam um argumento delegitimidade baseado na liberalização tecnológica da pro-dução de discursos.

    Uma compreensão apurada das propostas doJornalismo dos Cidadãos é indissociável da realidadetecno-social da denominada Web 2.0. Em boa medida, elaaproxima-se daquilo que Tim Berners-Lee idealizou comosendo uma Read/Write Web, i.e., um sistema global hiper-textual, baseado na Internet e pensado para a combinaçãode conhecimentos, que os utilizadores podem, simultane-amente, consultar (ler) e criar (escrever).

    Nessa exacta medida, "o valor do software é propor-cional à escala e dinamismo dos dados que ajuda a gerir"(O'Reilly, 2005). Esse é o mantra essencial desta segundaidade da Web: uma dinâmica pela qual os utilizadoresgeram valor-acrescentado, testam novos serviços emtempo real, dando forma a uma inteligência colectiva - deque a Wikipedia é o mais evidente exemplo - pelo que pres-cindem de alguns direitos de propriedade intelectualtradicionalmente reservados (Creative Commons). Estaarquitectura de participação é reforçada por um modelode personalização (RSS) e de constância (permanent link),em que os dados são remisturáveis e transformados(mashup).

    Este novo hibridismo técnico sugere, pois, um novohibridismo social. É esse o entendimento que deleextraem os proponentes de uma revolução entre asnoções de amador e profissional (Leadbeater & Miller,2004): "um Pro-Am prossegue uma actividade como umamador, sobretudo pelo amor a ela, mas estabelece

    critérios profissionais. Os Pro-Ams não ganharão maisdo que uma pequena porção dos seus rendimentos combase no seu passatempo, mas prosseguem-no com a de-dicação e o compromisso associados a um profissional.Para os Pro-Ams, o lazer não é o consumismo passivo,mas activo e participativo; envolve o estabelecimento deconhecimentos e perícias publicamente acreditadas, fre-quentemente construídas ao longo de uma longa car-reira" (p. 20).

    A digitalização associada à Web 2.0 aprofunda a tensãodesestruturação/reestruturação ao problematizar a dife-renciação entre profissionais, amadores e amadores comcritérios profissionais. Será este um novo híbrido social ouantes uma permanência histórica que, assente nas cor-porizações da Web 2.0, encontra novas formas deexpressão internacional?

    Longe de ser uma criação intelectual da década de2000, o Pro-Am recupera a ideia de um prossumidor (pro-sumer), avançada há trinta anos (Toffler, 1980). Em boamedida, sugere o autor, coube à Revolução Industrialtornar clara a distinção que, de resto, é expressiva seobservarmos as práticas de agricultura de subsistência: oindivíduo consome o que produz. Até certo ponto, oJornalismo dos Cidadãos propõe esse mesmo modelo deautarcia informativa.

    Seguindo os exactos termos de Toffler: "um modo maisrevelador de pensar sobre a economia é o de entendê-lacomo tendo dois sectores. O Sector A abrange todo o tra-balho não-remunerado feito directamente pelas pessoaspara elas próprias, para as suas famílias, ou para as suascomunidades. O Sector B compreende toda a produção debens e serviços para venda ou troca através de uma redede troca ou mercado" (p. 266).

    Na exacta medida em que a Web 2.0 pôs, em boa medi-da, fim à invisibilidade daquele Sector A, a tensão desestru-turação/reestruturação no actual ecossistema comunica-cional sugere, pois, uma terceira vaga capaz de superar a

    TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

    A digitalização associada à Web 2.0aprofunda a tensãodesestruturação/reestruturação aoproblematizar a diferenciação entreprofissionais, amadores e amadorescom critérios profissionais. Será esteum novo híbrido social ou antes umapermanência histórica que, assentenas corporizações da Web 2.0,encontra novas formas de expressãointernacional?

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  • JJ|Abr/Jun 2010|11

    oposição entre os dois sectores, o que se poderá chamarde Jornalismo Colaborativo, o fenómeno que Toffler, nadécada de 1980, apelidava de "uma nova era de síntese"(p. 130) ou, avançando para a remistura, um JornalismoPúblico 2.0.

    Recuperando a proposta de Jay Rosen (1994), estahipótese exige uma nova inteligência sobre os assuntossociais. Pelo prisma das fontes de informação, os jornalis-tas são confrontados com um alargamento dos "cérebrosde confiança" disponíveis (p. 38). Ao mesmo tempo, comas metamorfoses promovidas pela Web 2.0, a linha entre ojornalismo e as publicações pessoais torna-se difusa(Lasica, 2003), "graças a novas ferramentas ubíquas quetornam possível que qualquer pessoa possa publicar ereportar notícias".

    O que a Web 2.0 sugere é, pois, uma autoridade editorialdispersa. Essa retórica de legitimidade parte frequentementede pressupostos identificáveis: o lugar da enunciação - debaixo para cima, o grassroots journalism de Gillmor (2005),a agenda do cidadão de Rosen; o número - seguindo umalógica de raciocínio em que mais vozes (quantidade) corres-pondem a vozes distintas (qualidade).

    NOVAS APROPRIAÇÕES SOBRE O ESPAÇO E O TEMPO

    A noção de media locativos - "dispositivos informacionaisdigitais cujo conteúdo da informação está directamenteligado a uma localidade" (Lemos, 2007) - implica umarelação entre lugares e dispositivos móveis inédita. Detodos os aparelhos disponíveis, o telemóvel é o mais gen-eralizado: se, nos países de altos rendimentos, elealcançou um estatuto de quasi-ubiquidade, nos países demédios e de baixos rendimentos ele revela-se umaprimeira forma de conectividade em rede.

    O telemóvel é, nessa medida, o "único aparelho univer-sal" (Ahonen, 2008): um sétimo meio de comunicação demassa, um quarto ecrã (p. 49). Apesar disso, os estudos

    jornalísticos não têm considerado a sua dimensãomediática; possivelmente, porque essa cultura dotelemóvel (Goggin, 2006) é percebida como "uma espéciede cultura popular, entendida como uma cultura baixa evulgar das multidões. Enquanto isso, o facto é que ele temusos instrumentais e responde a determinadas necessi-dades" (p. 205).

    Em boa medida, essa cultura do telemóvel é fatia dobolo maior de uma cultura da convergência (Jenkins,2006), "onde os novos e os velhos media colidem, onde osmedia de base e empresariais se intersectam, onde opoder do produtor de media e o poder do consumidor demedia interagem de forma imprevisível (p. 2).

    Estas novas mobilidades - um mundo social progressi-vamente móvel que altera a natureza da interacção e daorganização social (Green & Haddon, 2009) - derivam deuma computação ubíqua (Weiser, 1991), i.e., uma informa-tização que se infiltra no quotidiano e que, até certoponto, se torna indistinguível dele.

    O telemóvel generalizou consideravelmente a portabi-lidade das ligações sociais (Chayko, 2008), "as comu-nidades são agora facilmente tornadas móveis e podemser construídas, mantidas e acedidas de praticamentequalquer sítio a qualquer hora" (p. 5). Estamos, pois,diante não apenas de comunidades interactivas (Web 2.0),mas de comunidades portáteis.

    Pelo prisma tecnológico do Jornalismo, ao entrarmosnum tal "ambiente móvel de produção" (Silva, 2007), pelaqual, "com essa estrutura disponível, o jornalista alcança amobilidade para narrar as notícias in loco e em tempo real,sem a necessidade de deslocamento até à redacção paraedição do material" (p. 6), chegamos a um tempo de MoJos(mobile journalists) e de LoJos (locative journalists) em que otelemóvel - de forma geral, as tecnologias móveis, comonotebooks e netbooks - assume o estatuto interactivo de umlugar-objecto.

    Nesse sentido, estaremos cada vez mais distantes de

    O que a Web 2.0 sugere é umaautoridade editorial dispersa. Essaretórica de legitimidade partefrequentemente de pressupostosidentificáveis: o lugar da enunciação- de baixo para cima, o grassrootsjournalism de Gillmor (2005), aagenda do cidadão de Rosen; onúmero - seguindo uma lógica deraciocínio em que mais vozes(quantidade) correspondem a vozesdistintas (qualidade).

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    um telemóvel unívoco; ele é (quase) tudo - máquinafotográfica e de vídeo, televisão e cinema, leitor de músi-ca, correio electrónico, mensagens escritas e multimédia,WAP, GPS… - aproximando-se do estatuto de central decomunicações no bolso ou, como escreve Lemos (2004),"um controlo remoto para diversas formas de acção noquotidiano".

    É, pois, a intermediação jornalística que volta a serquestionada, não apenas pela compressão sugerida pelainstantaneidade adoptada enquanto valor jornalístico,mas por uma nova disseminação pública (Green &Haddon, 2009) que além de interactiva é mobilizada.

    São uma vez mais as relações de poder entre jornalis-tas e públicos a evidenciarem a sua centralidade (Ling &Donner, 2009), na exacta medida em que "fica claro que otelemóvel faz parte de um movimento de jornalismo "doscidadãos" ou "participativo", que é nalguns casos maisdirecto, mais aberto ao comentário público do que as for-mas tradicionais, e está a fornecer ao consumidor de notí-cias abordagens alternativas sobre os acontecimentos" (p.119).

    Como já apontam alguns estudos (Gordon, 2007), arelevância do telemóvel em momentos críticos é consi-derável se a percebermos enquanto "ferramenta impor-tante, para documentar e reportar acontecimentos detestemunhas e dos que estejam envolvidos" (p. 307),para além dos limites de censura impostos à Liberdadede Imprensa pelos processos de transferência de tec-nologia associados a convergências políticas auto-ritárias.

    Ilustram esta tendência projectos colaborativos de geo-referenciação como Ushahidi - "testemunho" em Swahili -implementados, a exemplo, no Quénia, RepúblicaDemocrática do Congo, Haiti, EUA, Uganda, Malawi eZâmbia, na Faixa de Gaza ou iniciativas de fiscalizaçãomóvel de eleições, como a que foi estimulada emMoçambique (Outubro de 2009) pelo Centro de Integridade

    Pública e pela Associação de Parlamentares Europeus paraÁfrica (Awepa).

    A prática do que se auto-aproxima de uma reportageminformal (Robinson & Robison, 2006) transporta, contudo,sérios riscos de uma paparazzização das comunicações, naexacta medida em que "a recolha cooperativa de infor-mação vai continuar a diluir a linha entre o amador e oprofissional" (p. 99).

    A necessidade de gerir comunidades portáteis talveznunca tenha confrontado de modo tão expressivo oJornalismo. Essa gestão, à luz dos dispositivos móveis, evi-dencia os limites da retórica libertária de que tudo é jornal-ismo, ao mesmo tempo que demonstra as insuficiências deum jornalismo palestra fechado sobre si mesmo.

    UM NOVO "NOVO JORNALISMO"?

    A tensão desestruturação/reestruturação no Jornalismo, sub-sidiada pela Web 2.0, é potenciada pelo uso das tecnolo-gias móveis na produção e na recepção de conteúdosinformativos. Se todos os jornais cabem agora no bolso(Fidalgo & Canavilhas, 2009), é igualmente certo que aproliferação diluviana das torrentes comunicacionais quepartem das comunidades portáteis vem estimulandouma compressão libertária da Ética e da Deontologia jor-nalísticas.

    O abalo sísmico tem, pois, epicentro no exercício depoder da intermediação jornalística - um questionamentodirecto à sua capacidade de monitorização. Se, em parte, oque o Jornalismo dos Cidadãos sugere é uma relocalizaçãodas formas de participação pública - das suas geografias(espaço) e ritmos (tempo) - podem as tecnologias móveisoperar como uma (re)legitimação do jornalismo?

    Nesse ponto, a ideia de um jornal mutualista exige maisdo que a dicotomia velhos media VS novos media, e está paraalém de um duelo nós jornalistas profissionais VS eles jornal-

    TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

    A necessidade de gerir comunidadesportáteis talvez nunca tenhaconfrontado de modo tão expressivoo Jornalismo. Essa gestão, à luz dosdispositivos móveis, evidencia oslimites da retórica libertária de quetudo é jornalismo, ao mesmo tempoque demonstra as insuficiências deum jornalismo palestra fechadosobre si mesmo.

    Corresponderá o Jornalismo dosCidadãos a um ímpetocomunitarista emergindo do coraçãodas sociedades democráticasliberais? Ou, pelo contrário, a umreforço desse liberalismo enquantoagregação torrencial de "agendas docidadão" individualizadas edesinteressadas do bem comum?

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    istas cidadãos. A equação deve ser reelaborada pela univer-sidade, reposta à experimentação pela indústria; a uniãodos dois contributos permitirá o apuramento, a descriçãoe a categorização da multiplicidade de manifestações deum jornalismo conversação; e com base nisso, a estabilizaçãode um quadro realista de normativas.

    Precisamos, pois, de reavivar e rever uma literacia dosmedia (Gillmor, 2009a), "numa era de saturação mediática,no centro de um ecossistema de jornalismo e informaçãocomunitária em desenvolvimento" (p. 1).

    Corresponderá o Jornalismo dos Cidadãos a umímpeto comunitarista emergindo do coração das socie-dades democráticas liberais? Ou, pelo contrário, a um re-forço desse liberalismo enquanto agregação torrencial de"agendas do cidadão" individualizadas e desinteressadasdo bem comum?

    Esta proposta será tão mais autoritária quanto sirva,simultaneamente, para examinar as diferentes manifes-tações exibidas dentro das tradicionais formas de exercíciodo Jornalismo. Não será tanto um debate sobre um medi-um, antes sobre as apropriações sociais que dele são feitas.

    Um dos problemas de postular, genérica e acritica-mente, que as pessoas anteriormente conhecidas como opúblico (Rosen, 2006) são jornalistas corresponde ao dediluir, na origem, a diferença entre autenticidade dos factos,mecanismos de verificação e normativas ético-deontológicas.

    Se o Jornalismo dos Cidadãos pode ser perspectivadopelo prisma da indústria, da audiência e de uma culturada convergência (Deuze, 2009), deve, pois, assumir-seque ele não é, neste momento, tanto um conceito estabi-lizado, quanto uma diversidade de variações práticascom base em algumas ideias partilhadas; lembrando,como propunham Kovach e Rosentiel, há mais de umadécada, numa noite chuvosa passada no HarvardFaculty Club, que o Jornalismo não se justifica a sipróprio, mas pelas consequências sociais (benefícios,prejuízos) que gera.

    Notas

    1) Comissão de Jornalistas Preocupados

    2) http://www.worldsofjournalisms.org/

    3) Apurados no decurso da investigação Project on Public Live and the Press,

    levado a cabo entre 1990 e 1992.

    4) Consultar http://lojoconnect.com

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    JJ

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    Simbiose ou parasitismo?Blogues e agenda mediáticaO tema é regular em debates e encontros mas o consenso parece difícil, mesmo entre osprofissionais com presença nos dois terrenos. Afinal, os jornalistas “picam” os blogues efazem-se donos da notícia? Ou o procedimento é inverso? E, em termos de agenda, quemdita e quem segue? Admitir que se consulta a blogosfera causa embaraço nas redacções?

    Atendência actual ainda é para serem “as agen-das mediáticas a influenciar os blogues”, defen-de Dina Soares, da Rádio Renascença, assegu-rando não os utilizar como fontes “directas ou

    indirectas” nem conhecer jornalistas que a eles recorramcom esse intuito.

    António Granado tem outra opinião, suspeitando que,nas redacções, “há receio de admitir que se utilizam blo-gues para recolher informação”.

    Num momento em que a influência da blogosfera naagenda mediática “já ocorre”, embora seja “ainda muitolimitada”, o ex-editor do Publico.pt assinala que há blo-gues de media “que valem muitas vezes mais do que mui-tas páginas de jornais”. Há igualmente “muitos bloguesde ciência que são do melhor que se produz na Internet”e outros tantos de tecnologia “que ganharam uma credibi-lidade bastante superior às páginas dos grandes órgãos deinformação mundiais”.

    E, salientando à JJ que “há muito boas vozes e muitomás vozes” na blogosfera, o autor do blogue Ponto Mediaconsidera que “dar voz ao que é mau seria péssimo, darvoz ao que é bom só ajuda a melhorar o jornalismo”.

    Também jornalista e blogger, José Mário Silva, segundoquem “hoje em dia todos os directores de jornais e todosos editores acompanham de perto o que se passa não sóna blogosfera como no Twitter e nas redes sociais”, consi-dera que a Net se tornou “uma fonte infinita de factos etendências noticiosas, explorada e canibalizada a toda ahora pelos media tradicionais”.

    Para o autor do blogue Bibliotecário de Babel, que seconfessa um seguidor da blogosfera – até por ser aí quesurgem, amiúde, “certas notícias em primeira-mão” –,

    neste momento a questão já não é “saber quem vai àInternet procurar factos e ideias (vão todos), mas saberquem os procura melhor”.

    O BLOGUE COMO FONTE COMPLEMENTAR

    Acreditando que a maioria dos jornalistas “utiliza bloguescomo fontes de informação, quer directa quer indirecta-mente”, muitas vezes “sem lhes darem o devido crédito”,José Mário Silva, coordenador da secção de livros da revis-ta Actual, do Expresso, e colaborador permanente da Ler,é da opinião que também o público já olha para estesespaços “com menos desconfiança”.

    São, talvez, “fontes de informação alternativas”, sugereCarla Maia de Almeida, freelancer e dinamizadora do blo-gue O Jardim Assombrado, que reconhece, sem proble-mas, dar uso a estas ferramentas, “normalmente comocitação e sempre com referência à origem”, já que a utili-zação de informações obtidas na blogosfera sem indicaçãoda proveniência é comparável a um “plágio”.

    Um roubo intelectual que João Paulo Meneses, duran-te cinco anos animador do Blogouve-se, reconhece existirpor parte da classe jornalística mas cuja prática tambémrejeita. Declarando que, no geral, “há cada vez mais gentea procurar informações nos blogues”, o jornalista da TSFassinala, contudo, que “o anonimato não ajuda” a validarestes espaços.

    Talvez por isso, Miguel Carvalho, grande repórter naVisão, aconselhe “redobradas cautelas”. “Um dado oupista proveniente de um blogue é apenas parte de umprocesso de recolha, investigação e contraste de informa-ção”, sublinhou à JJ.

    “Pretender que uma qualquer informação retirada de

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    Textos Helena de Sousa Freitas

    Esta é segunda e última parte do dossiê “Os media e a blogosfera”. Tendo uma leituraautónoma, as duas partes são complementares, pelo que aconselhamos os leitoresinteressados no tema a lerem também a primeira parte, publicada no número anterior da JJ

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    um blogue é automaticamente notícia, é fraudulento”,embora também não seja admissível “picar” a blogosferae tornar o material aí obtido propriedade própria, alerta ojornalista, que marca presença no meio com A DevidaComédia.

    “Se uma pista ou informação dada por um blogue foicredível e ajudou a sustentar uma notícia, devemos citá--lo”, frisa, lamentando que “a vontade de mostrar serviço,o desleixo e a irresponsabilidade jornalística” por vezeslevem à ocultação da origem de certos dados, fazendo dosblogues “parentes pobres do processo de tratamentoinformativo”, em lugar das fontes complementares emque estes “podem e devem” constituir-se, até por algunsserem “bastante úteis”.

    Podemos, então, falar de uma influência dos bloguesna agenda dos órgãos tradicionais? Miguel Carvalho é

    peremptório: “Sim e cada vez mais. O que está a levar-nospor caminhos perigosos”.

    “As redacções quase deixaram de ter uma agenda pró-pria. Vamos muito atrás da agenda das instituições e dosprotagonistas, resultando em informação requentada emuito igual na generalidade da imprensa. O resto dotempo é gasto a passar alguns blogues e sites a pente fino,sem sair da secretária”, critica, concluindo: “O jornalismodo Portugal sentado está a levar a melhor e isso talvezexplique porque muitos leitores fogem. Estamos a precisarde olhar mais para a rua e menos para o computador e épena que os grupos detentores dos media estejam cadavez menos dispostos a investir nisso”.

    “BÁLSAMO” FACE AOS MEIOS CONVENCIONAIS

    Neste contexto, pode a blogosfera emergir como alternati-

    “Todos os directores de jornais e todos oseditores acompanham de perto o que se passanão só na blogosfera como no Twitter e nas redessociais.”

    José Mário Silva

    LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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    va aos órgãos ditos convencionais? João Paulo Menesesfaz prontamente a destrinça, afirmando que os bloguessão “um meio alternativo e válido, mas não jornalismo”.“É normal que coexistam e que possam coexistir cada vezmais, mas são coisas diferentes e devem manter-se dife-rentes”, complementa.

    A verdade é que, embora no estrangeiro “alguns blog-gers já tenham um estatuto intermédio entre o convidadoe o jornalista”, por vezes conseguindo acreditações paraeventos como se fossem imprensa, entre nós a realidade émuito distinta, sendo “pouco provável que haja jornalis-mo sério a ser feito nos blogues enquanto não houver umrendimento associado”, assinala Pedro Mexia, cronista ecrítico com presença semanal no Público e na TSF e activi-dade constante na blogosfera.

    José Mário Silva concorda. “Para ser um meio infor-

    mativo alternativo, a blogosfera necessitava de conseguira independência económica que ainda não tem. Talvezquando a migração da publicidade do papel para osmeios digitais se concretizar, aconteça esse salto”, afirma,descrevendo aquele espaço como “um valioso comple-mento” dos órgãos convencionais e, pontualmente,“uma espécie de bálsamo que oferece serviços públicosque os media tradicionais deixaram de poder, ou querer,prestar”.

    “Reportando-me a Portugal, creio que, em certas áreas,há até mais informação nos blogues do que nos jornais. Einformação nova. É claro que está em bruto, não é tratadacom os cuidados que um jornalista teria se a difundisse noórgão em que trabalha, e que, nalguns casos, tem umabase factual mínima e uma grande componente de opi-nião, mas, mesmo assim, o panorama mediático portu-

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

    “Em certas áreas, há até maisinformação nos blogues doque nos jornais. Einformação nova.”

    Pedro Mexia

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    guês seria muito mais pobre se os blogues que dão estasinformações não existissem”, declarou Pedro Mexia, quedinamiza agora o blogue Lei Seca, à JJ.

    Apesar de estes espaços poderem começar a ser encara-dos como outra via de acesso à informação, a distânciaentre a blogosfera e o jornalismo é retomada por DinaSoares, do blogue colectivo Escola de Lavores, com baseem preceitos fundamentais da profissão.

    “O jornalismo obedece a regras de recolha e verificaçãoda informação, de contraditório. Há princípios éticos edeontológicos que dão garantias de credibilidade ao que épublicado. Na blogosfera nada disso existe nem tem deexistir”, salienta a jornalista da Renascença, para quemdar ouvidos aos que sugerem os blogues como um meioinformativo alternativo pode afundar-nos num terreno“completamente pantanoso”.

    Na opinião de Carla Maia de Almeida, “já estamos numterreno pantanoso” mas em matéria de jornalismo, embo-ra, ainda assim, seja “de lamentar” se a blogosfera substi-tuir o suposto quarto poder.

    “Porque é óbvio que um blogger, por bem informado elinguisticamente competente que seja, ainda não dispõedos meios que um jornalista de um órgão de comunicaçãosocial tradicional tem ou deveria ter. Não temos deembandeirar em arco com esta aparente democratizaçãodo acesso à informação. É verdade que não pago nadapara ter um blogue, mas preferiria, de longe, pagar paraaceder facilmente a um jornalismo interessante, compe-tente e transparente. Do qual também gostaria de fazerparte, sendo paga para isso, obviamente”, esclarece a cola-boradora das revistas Ler, Notícias Magazine e NotíciasSábado.

    FERNANDO VELUDO/NFACTOS

    “São um meio alternativo e válido, masnão jornalismo.”

    João Paulo Meneses

    JJ

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    Paulo Querido, pioneiro da blogosfera

    “Os bloggers dependem bastantemais do trabalho dos jornalistasdo que o inverso”Somou quase trinta anos de jornalismo (1981-2009) e já leva mais de duas décadas deciberpresença (desde 1989), sendo co-autor do primeiro livro português sobre a blogosfera.Na sequência da recolha de material para essa obra, intitulada “Blogs”, criou, a 10 de Junhode 2003, o primeiro alojador nacional de blogues aberto ao público: weblog.com.pt.

    Jornalismo & Jornalistas – Acompanha a blogosfera desde

    os seus primórdios. Como percepciona, actualmente, a rela-

    ção entre jornalistas e bloggers? Estão do mesmo lado da

    barricada ou em trincheiras opostas? Podemos falar de uma

    relação de interdependência?

    Paulo Querido – Há que separar as realidades. A relaçãoentre jornalistas e bloggers muda em diferentes regiões doplaneta e nos EUA não é, sequer, parecida com a portu-guesa: do outro lado do Atlântico há muito mais informa-ção publicada em primeira-mão por bloggers.

    Assim, direi que já passaram os tempos das barricadas:em 2003-2005, no início da explosão da auto-edição, existiaessa dicotomia, mas foi desaparecendo.

    Hoje há uma relação de interdependência, sendo queos bloggers dependem bastante mais do trabalho dos jorna-listas do que o inverso. São os jornalistas que mandam naagenda da relação, uma vez que são eles quem produz amatéria que vai servir de alimento à actividade dos blog-gers; o caminho inverso existe, claro, mas com muitomenor frequência.

    Apesar disso, nas redacções – sobretudo nas secções depolítica – dá-se muita atenção à opinião dos bloggers e osentido desta é, por vezes, determinante nos ângulos deaproximação aos factos, acontecimentos e pessoas.Considero isto normal e até desejável: o jornalista estáhoje menos isolado do mundo e sabe melhor como pen-sam, e reagem, alguns públicos – os mais esclarecidos ou,se preferirmos, os mais interessados.

    Em Portugal há, curiosamente, alguns sectores onde arelação entre bloggers e jornalistas não fez faísca alguma.Dois deles: o noticiário sobre celebridades e a informaçãotecnológica, da Internet, redes sociais e noticiário econó-mico ligado a elas.JJ – E que diferenças fundamentais encontra entre estes dois

    espaços? A oposição jornalismo/blogosfera sublinha a antí-

    tese informação versus opinião?

    PQ – Por um lado sublinha-a, sim. Para simplificar, diga-mos que o custo de produzir opinião é bastante menor doque o custo de produzir informação. Um blogger, mesmoque exerça jornalismo amador de alguma forma, não dis-põe dos recursos necessários à produção de informação,que envolve vários processos consumidores de tempo eaté de dinheiro: a recolha de informações, a sua verifica-ção, por vezes em muitas fontes distintas, o tratamento, aprodução multimédia, quando a haja...

    É claro que, nalgumas situações, um grupo de bloggerspode entreajudar-se e produzir uma peça de informaçãocapaz de rivalizar com a peça de um meio sobre o mesmoassunto/acontecimento – mas essas são as excepções queconfirmam a regra, e a regra é: a informação é cara.

    Com isto não quero dizer, muito pelo contrário, quenão haja pontos de contacto e até de cooperação no pro-cesso, com ganhos mútuos. Agora, em geral, a blogosferanão rivaliza com o jornalismo na produção de informação,sendo sobretudo isso que separa os dois mundos.

    Dito isto, um reparo: da blogosfera americana, sobretu-do, mas também da francesa e da espanhola nasceramdiversas novas marcas de media que produzem informaçãodo melhor nível. Publicações como o Mashable e oTechcrunch nasceram como blogues, das mãos de bloggers,e mantêm essa matriz, mas profissionalizaram processos etornaram-se tão boas nos seus nichos como as publicaçõesde matriz jornalística, quando não melhores. Aspectocomum a estas profissionalizações é a contratação de jorna-listas, articulistas e outros autores e profissionais dos media.

    Em Portugal não vingou até à data nenhuma publica-ção alternativa, embora no campo do futebol existam pro-jectos com perspectivas auspiciosas, caso optem por selançar nessa aventura.JJ – A blogosfera trouxe algo de novo à interacção dos jorna-

    listas com o público?

    PQ – Trouxe uma verdadeira revolução. Até aos blogues, a

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

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    interacção entre leitores e jornalistas – ou o que estes pro-duzem, as peças, notícias, etc. – era muitíssimo reduzida esempre filtrada.

    Com a blogosfera, tudo mudou. O comentário do leitornão está nem sujeito aos cortes pelas razões de espaço eoportunidade, nem condenado à subalternidade. A hie-rarquização do comentário depende apenas da qualidadeda sua mensagem. Não raro, atinge o patamar da correc-ção ao artigo; e se contribuir com dados novos, esquecidosou pertinentes, melhor.

    É claro que a maior parte dos comentários se fica pelospatamares do posicionamento do leitor face à notícia, aosintervenientes ou ao autor dela, mas isso é irrelevante:importa que a interacção aumenta por força da abertura e

    da maior transparência na relação.JJ – É jornalista e blogger. O público fará a distinção entre o

    profissional e o cidadão? Ou “uma vez jornalista, sempre

    jornalista”?

    PQ – O público faz o que lhe apetece, o que é um poucocruel. Mas continuo a achar o mesmo de há 30 anos: o jor-nalista tem direito à opinião e deve expressá-la devida-mente identificada. O meu blogue é um espaço de opi-nião, não de informação, que só episodicamente ali terálugar.

    ACESSO ÀS MASSAS: O PODER REPARTIDO

    JJ – No livro “Blogs”, que escreveu com Luís Ene, é dito que

    foi sobretudo com a blogosfera que o cidadão passou a ter

    “Em geral, a blogosfera não rivaliza com ojornalismo na produção de informação, sendosobretudo isso que separa os dois mundos.”

    “No início, a vertigem do poder de publicar deua muitos a ilusão de que podiam atingir opatamar do jornalista só porque tinham umblogue.”

    LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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    acesso directo às massas, algo que, até

    início deste século, estava reservado à

    comunicação social. A classe jornalística

    tem, então, de repartir o seu poder?

    PQ – Sim. Isso já está a acontecer umpouco por todo o mundo, em velocidadese escalas diferentes. Um dos mais vistosospoderes, o de provocar e liderar causassociais, foi dos primeiros. Com as redessociais a potenciarem a capacidade orga-nizativa de indivíduos e colectivos,sobram poucas ou nenhumas “causas”para o jornalismo liderar. Pode, quandomuito, fazer eco, juntar-se-lhes.

    Outro poder que já está repartido, paranão dizer perdido, é o poder de certificara “verdade” e quais das verdades são asmais importantes (a primeira página). AWikipedia, o Digg e os outros mecanis-mos de agregação de sabedoria e decrowdsourcing desmantelaram esse poderde certificação.

    Terceiro exemplo, o do endosso. Acapacidade de influência dos críticos tra-dicionais – do cinema aos vinhos – dimi-nui na proporção do surgimento de meca-nismos alternativos, como os sites derecomendações que também usam técni-cas de crowdsourcing, e do alargamentodas redes sociais; quanto mais natural é ouso destas, mais as pessoas tomam asdecisões do dia-a-dia, como ver um filmeou escolher o restaurante ou hotel, emfunção da proximidade, da consulta aos pares, e não emfunção do crítico/jornalista.

    Finalmente, cada vez mais fontes de informação – deempresas a governos – usam as redes para distribuir assuas versões dos factos; a quantidade de informaçãoaumenta, bem como a quantidade de receptores capazesde a avaliar e redistribuir acrescentando valor, através deum juízo (opinião) ou da conjugação de informação paraproduzir uma análise independente.

    Mas o preocupante não é a divisão de poderes, é a reac-ção das empresas jornalísticas a ela: surgem aos olhos dosseus leitores com um maior grau de comprometimentocom as fontes e com os sectores. Em vez de reforçarem assuas competências para se distinguirem, parecem teroptado por desbaratar o seu prestígio, sacrificando a inde-pendência e o rigor.JJ – Não estará a blogosfera a alimentar a ideia de que qual-

    quer pessoa pode ser jornalista?

    PQ – A blogosfera trouxe a democratização do acesso aosmeios de produção, às ferramentas de edição e de distri-buição do produto jornalístico. Antes dela, o indivíduoque queria ser jornalista tinha de ir para um jornal, único

    local onde dispunha das ferramentas;com ela não precisa de o fazer: vive imer-so nas ferramentas e na informação.

    Agora, é verdade que, no início, a ver-tigem do poder de publicar deu a muitosa ilusão de que podiam atingir o patamardo jornalista só porque tinham um blo-gue. O poder do jornalista conquista-seao longo do tempo, num processo de finsnem sempre garantidos. Nesse tempo ojornalista é submetido a provas, que temde vencer. Qualquer pessoa pode ser jor-nalista e hoje é mais fácil chegar lá.Contudo, não é jornalista quem quer masquem consegue superar a aprendizageme revelar-se competente na função.JJ – A prática num blogue pode vir a susci-

    tar, no seu autor, interesse pelo jornalismo

    enquanto profissão?

    PQ – Poder, pode. As semelhanças dosmeios – publicação, audiência, resposta –leva alguns a pensar nisso. Mas a esmaga-dora maioria desiste. O jornalismo profis-sional demanda em permanência recur-sos a que um blogger individual acede epi-sodicamente, a começar pelo tempo e aacabar no dinheiro.JJ – A blogosfera concorre já, ou tem condi-

    ções para vir a concorrer, com os órgãos de

    comunicação social tradicionais? Pode ser,

    realisticamente, vista como uma ameaça?

    PQ – Se tomarmos a blogosfera isolada-mente, não é grande ameaça... Concorre

    em áreas como a opinião política, o mexerico (excepto emPortugal, onde os órgãos incumbentes dominam), massem ameaçar o essencial dos meios de comunicação social,que é a informação. Tem, sim, um papel afluente em ter-mos da distribuição da informação produzida por estes:os links, e os comentários, dos blogues levam diariamentemilhares de leitores aos sites dos jornais. Na verdade estesdeviam pagar pela deferência dos bloggers – e em muitoscasos fazem-no, naturalmente nas moedas da rede: oPúblico retribui os links nas notícias, o Diário2 associa ostweets, e há outros mecanismos de retribuição.

    Agora, quando juntamos à blogosfera o resto do quehoje, em traços largos, se denomina por web social – osagregadores como o Digg e, em Portugal e Brasil, oDoMelhor, a Wikipedia, o Twitter e o Facebook, para daros exemplos clássicos –, então vemos mais poderes amea-çados: o privilégio do acesso às fontes, o poder de certifi-cação, o poder de endosso, o poder de distribuição emmassa... Sem esses poderes enclausurados por uma cerca,com uma caixa registadora colocada na entrada dos con-sumidores (os leitores) ou no acesso à audiência (a publi-cidade), não há negócio para os media.

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    “O jornalismoprofissionaldemanda empermanênciarecursos a que umblogger individualacedeepisodicamente, acomeçar pelo tempoe a acabar nodinheiro.”

    JJ

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  • 22|Abr/Jun 2010|JJ

    Daniel Pinto Lopes, bloggerenquanto o emprego tarda

    “O Expressões Lusitanas faz com quenão perca as bases do jornalismo”Com pouco mais de dois anos mas um significativo conjunto de entradas, o blogueExpressões Lusitanas foi criado pelo estudante Daniel Pinto Lopes para exercitar o queaprendia no curso. Entretanto licenciado mas sem emprego, investiu no espaço e hoje, comoqualquer jornalista, tem uma agenda de contactos, entrevista figuras públicas e até já recebedirectamente notas de imprensa.

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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  • JJ|Abr/Jun 2010|23

    Aexperiência arrancou, de certo modo, como res-posta a um desafio de Sena Santos, professor deDaniel Lopes na Escola Superior deComunicação Social, e sucedeu a outros projec-

    tos – uma mini rádio online e um podcast intitulado ViaHertziana.

    “No âmbito da cadeira Novas Expressões de Rádio, oprofessor informou que o elemento principal de avaliaçãoseria um podcast sobre um tema à escolha e foi aqui queverdadeiramente começou o Expressões Lusitanas, naaltura com o subtítulo ‘porque a música portuguesa tam-bém é para ouvir’”, recordou à JJ.

    O primeiro entrevistado foi o então director da editoradiscográfica multinacional Universal Music Portugal, TozéBrito, a que, com o tempo, se juntaram outros músicos,“produtores, humoristas, directores de rádio, jornalistas”,

    contou Daniel Pinto Lopes, de 23 anos, pronunciando-setambém sobre o acolhimento a um blogger por parte daspotenciais fontes.

    “Até há bem pouco tempo identificava-me como autordo blogue ou jornalista freelance e, por vezes, conseguia asentrevistas, embora noutros casos nem obtivesse respos-ta”, revelou, acrescentando que, apesar de já ter optadopor esta forma de apresentação, “a palavra ‘jornalista’ nãointeressa tanto para quem está do outro lado, importamais em que meio a entrevista ou reportagem vai serpublicada”.

    A resistência e alguma suspeita ainda se fazem sentir,mas também há quem veja na blogosfera um novo meiode difusão a não desperdiçar: “Algumas editoras/produ-toras/agências já me enviam informações e comunicadosde imprensa, o que vai ao encontro das minhas priorida-des: receber o máximo de informação de várias fontesrelacionadas com as notícias tratadas pelo ExpressõesLusitanas”.

    GANHAR EXPERIÊNCIA

    Focado sobretudo na área cultural e desde o início do anocom uma nova vertente, o turismo, o blogue permite aDaniel Pinto Lopes “aprender mais, interagindo com omeio, ganhando experiência no terreno e angariando con-tactos” mas também “mostrar trabalho”.

    “O Expressões Lusitanas impede-me de adquirir umapostura passiva e faz com que não perca as bases do jor-nalismo, quer na escrita de reportagens, quer na edição depeças áudio”, acrescentou o blogger, que, apesar da suaexperiência pessoal, ainda prefere informar-se através dapágina de uma rádio, jornal ou televisão do que recorren-do a um blogue desconhecido. “É verdade que dependedos casos, pois há blogues sérios, bem escritos e com infor-mação credível, mas é preciso saber distinguir, o que nemsempre é fácil”, afirmou à JJ, expondo uma oposição entreos media e a blogosfera que assume também outros con-tornos.

    Afinal, sempre há o risco deste medium unipessoal, mascuja audiência é cada vez mais vasta, canibalizar os órgãosde informação tradicional, sobretudo os suportes impres-sos?

    “Aniquilar e substituir não o vão fazer. O hábito decomprar o jornal ou a revista ainda está bastante enraiza-do e penso que se está a transmitir (em menor grau) àsgerações futuras. Creio que a imprensa escrita não vai des-aparecer e a Internet vai ter um papel essencial na suamanutenção. A maneira mais imediata de uma pessoasaber o que se passa no país e no mundo é consultar, porexemplo, a página de um jornal diário. Os blogues podemfuncionar como um complemento ocasional e de trata-mento temático e profundo de determinada informação.Aquando das eleições legislativas de Setembro passado,por exemplo, alguns jornais inauguraram blogues apenasdedicados a este assunto”, declarou.

    “A palavra ‘jornalista’ nãointeressa tanto para quemestá do outro lado, importamais em que meio a entrevistaou reportagem vai serpublicada.”

    JJ

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  • 24|Abr/Jun 2010|JJ

    Pedro Fonseca, jornalista e blogger

    “As definições do que é um meiode comunicação social esbateram-se”Colaborador do Diário de Notícias, Pedro Fonseca, no jornalismo há 20 anos, mantém, desde2002, o blogue ContraFactos & Argumentos. Em “Blogues Proibidos”, um dos primeiroslivros portugueses sobre a blogosfera, refere casos que conquistaram espaço nos mediatradicionais. Favorável aos “novos media”, traça, contudo, uma fronteira clara entre bloggerse jornalistas.

    Jornalismo & Jornalistas – Em “Blogues

    Proibidos” refere casos em que foi publicada

    informação anónima cuja veracidade nunca se

    confirmou. Passa por aí a grande diferença

    entre a blogosfera e os media convencionais?

    Pedro Fonseca – Não. Os jornais e revistas,rádios e televisões também publicam infor-mação anónima. “Fonte junto de…”,“segundo disse fonte próxima…” é o quê?Isto não justifica, obviamente, o anonimato –numa sociedade democrática, ele é pernicio-so, seja num blogue ou num jornal, e apenasadmissível em raras excepções.JJ – A questão das habilitações literárias de

    José Sócrates surgiu no blogue Do Portugal

    Profundo antes de os jornalistas acompanha-

    rem o tema. Recorda-se de outros casos em

    que os blogues se tenham antecipado aos

    media num assunto noticioso?

    PF – O blogue Muito Mentiroso levou jor-nais como o Euronotícias ou o Correio daManhã, por exemplo, a escreverem sobre oque tinha publicado. E o próprio DoPortugal Profundo já antes tinha revelado,sobre o processo Casa Pia, ligações entre umjuiz do caso e uma fundação criada por umentão secretário de Estado ligado ao PartidoSocialista, que circulou em blogues e depoisna comunicação social.JJ – Podemos falar numa animosidade dos

    media para com a blogosfera?

    PF – Cada vez menos, até porque muitos jornalistas passarama ter blogues ou contas Twitter ou Facebook e entenderam aspotencialidades do meio. Mas essa animosidade pode terocorrido e as razões eram simples.

    Por um lado, os bloggers usavam o que saía na imprensapara aprofundar ou criticar os temas escritos por jornalistas,fazendo cruzamentos a posteriori entre notícias, para revelarfalhas, que nem sempre eram fáceis de realizar antes, quando

    se estava a escrever.Por outro, alguns bloggers, excelentes

    conhecedores de certos assuntos, tinhamfacilidade em detectar erros ou lacunasnos textos dos jornalistas, que normal-mente não são especialistas. Em lugar deenviar cartas ao director ou pedidos derectificação, atacavam, por vezes deforma exagerada, o trabalho num blo-gue. Alguns jornalistas sentiram-se“acossados” e reagiram contra a blogos-fera como um todo.

    Pode também ter havido jornalistascom o trabalho “vigiado” e em que osbloggers podiam descobrir erros sistemá-ticos. Naturalmente, estes também nãotiveram qualquer apreço pelos blogues.

    Devo acrescentar que os jornalistasque perceberam rapidamente o poten-cial dos blogues foram os que maisganharam com esta animosidade.Entenderam que podiam dialogarcom os leitores (antes ou depois dapublicação dos textos, o que normal-mente era difícil ou menos usual) emelhoraram a qualidade das suas fon-tes e, consequentemente, do seu tra-balho jornalístico. A tal “animosidade”foi e é bem gerida por conheceremambos os meios, sendo capazes de

    lidar com ela de forma positiva.JJ – Seria essa animosidade razão para alguns jornalistas omiti-

    rem a blogosfera como ponto de partida de histórias que depois

    seguiam?

    PF – Os créditos devem ser sempre atribuídos, seja a bloguesou a outros meios de comunicação. Sempre houve “jornalis-tas” que gostaram de esconder a origem das “ideias” nos seustrabalhos – e não é um mal necessariamente português.Quem o fazia com outros meios de comunicação social, mais

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    “No meu blogue nãodevo contarpormenores de umaentrevista que nãodivulgo no jornal, nãoposso ofender umafonte ou umprotagonista públicomesmo que elemereça.”

    DR

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  • JJ|Abr/Jun 2010|25

    à vontade se sentiu para copiar conteúdos de blo-gues. Por isso, não diria animosidade mas pregui-ça e incompetência. Nada de novo.

    DISTINGUIR VERTENTE PESSOAL

    DA PROFISSIOMNAL

    JJ – A acreditação de bloggers para eventos dirigidos à comuni-

    cação social levanta a hipótese de os blogues poderem tornar-

    se veículos de informação alternativos aos meios convencionais,

    havendo quem diga que acabarão por substituir os media,

    nomeadamente os suportes impressos. Parece-lhe viável?

    PF – Os bloggers com acesso a espaços tradicionalmente ocu-pados pelos meios de comunicação social são raros, tal comosão raros os eventos em que pretendem participar. São nor-malmente eventos públicos, como conferências de imprensaou cimeiras partidárias.

    Porém, os blogues são – e podem ser ainda mais – informa-ção alternativa quando se dedicam a temas da sua especiali-dade. Alguns fizeram entrevistas de grande qualidade. Masserá jornalismo? Um canal no Twitter com cinco colaborado-res focados num dado tema é um orgão de comunicaçãosocial?

    O problema é que as definições concretas do que é ummeio de comunicação social se esbateram e alargaram, talcomo o conceito original de blogue.

    Quanto aos suportes impressos, a questão não deriva daexistência ou não de blogues. Os próprios jornais podem pas-sar a ser apenas online.JJ – Nalgumas situações, o blogger é, simultaneamente, um pro-

    fissional da comunicação. Neste caso, deve o jornalista colocar

    no seu blogue informação não difundida através do órgão em

    que trabalha, desde que a mesma tenha manifesto interesse

    público?

    PF – Não, excepto se a não conseguir publicarno seu orgão de comunicação. Isto pode de-correr da crónica falta de espaço e oportunida-de editorial, mas o trabalho de um jornalistadeve ser publicado inicialmente no meio quelhe paga. Já se for um caso de censura por parte

    daquele, deve, após ter seguido os passos que este tipo desituações possibilita. No livro, o caso d’O Primeiro de Janeirofoi exemplar para analisar as consequências deste tipo deacções. [Ver caixa]JJ – Exige-se ao jornalista, pela profissão que exerce, um cuida-

    do acrescido com o que coloca na blogosfera? Um blogue é um

    reduto estritamente pessoal ou um espaço onde as esferas pes-

    soal e profissional se intersectam?

    PF – Sim ao “cuidado acrescido” por parte do jornalista, poisa opinião expressa num blogue, mesmo pessoal, influencia a“leitura” do seu trabalho no meio de comunicação. A questãoé mais sensível no jornalismo político mas não só: no meublogue não devo contar pormenores de uma entrevista quenão divulgo no jornal, não posso ofender uma fonte ou umprotagonista público mesmo que ele mereça, etc.

    É, acima de tudo, uma questão de bom senso e não deimpedir a liberdade de expressão de alguém só porque é jor-nalista. Este é um cidadão como os outros e não perde direi-tos devido à actividade que exerce. Contudo, a sua expressãoconhecedora de alguém ou de um tema num blogue pessoaltambém deriva, muitas vezes, da sua categoria profissional.

    Excepto em situações muito raras, a destrinça entre avertente pessoal e profissional deve ser feita, para evitarmisturar blogues privados com trabalho e informação obti-da por esta via. Afinal, ninguém aceitaria que um médicofalasse em público de casos que conheceu no local de tra-balho, pois não?

    Diário de um Jornalista: um blogue que causou despedimentos

    A 30 de Março de 2004 nascia na

    blogosfera nacional o Diário de um

    Jornalista, espaço onde, apesar do

    nome, escreveram não apenas um mas

    vários profissionais da comunicação,

    tendo em comum ligações ao jornal O

    Primeiro de Janeiro.

    O blogue surgiu para denunciar

    relações de promiscuidade entre a

    redacção e o sector comercial no

    Departamento de Publicações

    Especiais do diário.

    Entre os participantes que o blogue

    teve, alguns dos quais sob

    pseudónimo, os mais constantes

    foram Ricardo Simães, antigo

    colaborador do periódico, Sérgio

    Moreira, fundador do blogue, Joel

    Pinto e Dina Fernandes – estes três

    despedidos do jornal devido à

    intervenção no Diário de um

    Jornalista.

    Afirmando que era comum o jornal

    celebrar contratos de publicidade a

    troco de publireportagens não

    identificadas como tal ou entrevistas a

    figuras da entidade anunciante, os

    autores do blogue viriam a ser

    processados por difamação no início

    de Maio de 2004.

    O caso – contado em “Blogues

    Proibidos” – terminaria em Outubro de

    2005, com o arquivamento dos

    processos, mas conseguiu um lugar na

    História da blogosfera nacional por O

    Primeiro de Janeiro ter sido o primeiro

    jornal português a despedir

    funcionários devido ao que colocaram

    num blogue.

    JJ

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  • 26|Abr/Jun 2010|JJ

    Tese de mestrado investigaO impacto dos bloguesno jornalismo de tecnologiaOs jornalistas de tecnologia já não dissociam o seu trabalho dos blogues, embora estes nãosejam, para a maioria, a principal fonte, até por raramente facultarem informação emprimeira-mão, conclui uma dissertação de mestrado defendida por Leonor Pipa naFaculdade de Ciências Sociais e Humanas em Dezembro.

    De acordo com a autora dainvestigação – que obteve29 respostas aos 44 inquéri-tos enviados por e-mail a

    profissionais que se ocupam a tempointerior ou parcial da área de tecnolo-gia –, “os blogues são ainda menciona-dos por um número diminuto de jor-nalistas como a principal fonte deinformação, surgindo, no entanto, àfrente da televisão e das revistas espe-cializadas”.

    “Em Portugal, aproximadamentemetade dos jornalistas de tecnologiaafirma que raramente (menos de umavez por semana) os blogues lhes trans-mitem informação em primeira-mão ea esmagadora maioria assevera queraramente (uma vez por mês oumenos) cita blogues nas suas peças jor-nalísticas”, assinala também LeonorPipa, de 28 anos.

    Actualmente editora de conteúdosno grupo CGI, tendo passado antespela Media Capital, a investigadoraextraiu igualmente que os inquiridos“já não dissociam o seu trabalho destaferramenta”, que se mostra “fundamental, quer para oaprofundamento de temas, quer para a abertura à discus-são e confronto de assuntos úteis sobre tecnologia”, per-mitindo-lhes “desencadear investigações mais aprofun-dadas, amplificando e reenquadrando temas da suaárea”.

    SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIA TRADICIONAIS

    É IMPROVÁVEL

    O trabalho, desenvolvido no âmbito do mestrado emCiências da Comunicação – Especialização em Estudosdos Media e do Jornalismo, revela ainda que os bloguesinternacionais Gizmodo e Slashdot foram referidos poralguns jornalistas como os principais espaços digitais

    onde procuram informação sobre tec-nologia, “nomeadamente quando omaterial a investigar não está disponí-vel prontamente em qualquer lugar”,enquanto, entre os portugueses, sur-gem na liderança o Portal de Tec-nologia, o TugaTrónica e o Tek Online.

    Para a concretização de “O impactodos blogues no jornalismo de tecnolo-gia em Portugal – um estudo explora-tório”, Leonor Pipa optou por um uni-verso variado: jornalistas que sóacompanham assuntos de tecnologia,freelancers ou colaboradores especiali-zados e profissionais que escrevemocasionalmente sobre a temática. E,em termos de órgãos, foram escolhi-dos a agência Lusa e os jornaisPúblico, Jornal de Negócios, DiárioEconómico, 24 Horas, Diário deNotícias, Correio da Manhã, Jornal deNotícias, Expresso, Sol, WeekendEconómico, Destak, Meia Hora, Metroe OJE.

    Do global das respostas, a autoraretirou também que o impacto dosblogues no jornalismo de tecnologia

    em Portugal ainda é bastante incipiente se comparadocom a realidade de outros países, como os EstadosUnidos, “onde os bloggers são facilmente acreditados paraconvenções partidárias e a sua presença massiva chega ainfluenciar o noticiário, ajudando a ditar temas de cober-tura”.

    A conclusão, ainda que respeitante apenas a uma áreaem Portugal, leva Leonor Pipa a considerar improvável “asubstituição dos meios de comunicação tradicionais pelosblogues”, embora os bloggers possam, hoje, “chegar juntodo público e até dos profissionais da comunicação comalternativas válidas para uma melhor análise e compreen-são da realidade e, quem sabe, contribuir para um futuromelhor do jornalismo”.

    TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

    “Os bloggers podemcontribuir para umfuturo melhor dojornalismo.”

    JJ

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  • 27.qxp 09-06-2010 16:08 Page 1

  • 28|Abr/Jun 2010|JJ

    ANÁLISE

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  • JJ|Abr/Jun 2010|29

    15 anos de ciberjornalismo em PortugalOs média noticiosos portugueses começaram a desembarcar na Internet emmeados da década de 90 do século passado. Numa primeira fase, com muitashesitações. Depois, na viragem do século, com excesso de optimismo einvestimento a mais. Logo a seguir, veio a depressão, seguida de um longoperíodo de relativa estagnação, que se arrastou praticamente por toda aprimeira década do século XXI. O balanço está longe de poder ser positivo.

    Texto Helder Bastos Ilustrações Fedra Santos

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  • 30|Abr/Jun 2010|JJ

    Aabordagem histórica dos primeirosquinze anos do ciberjornalismo emPortugal pode ser dividida globalmenteem três fases: a da implementação(1995-1998); a da expansão ou “boom”(1999-2000); e a da depressão seguida

    de uma relativa estagnação (2001-2010). A primeira fase abarca os anos de implementação de

    edições electrónicas de média tradicionais na Web. É umafase experimental, dominada pelo modelo shovelware: osjornais abrem os respectivos sites para neles reproduziremos conteúdos produzidos para a versão de papel, as rádiostransmitem na Web o sinal hertziano, as televisões os seustelejornais.

    A fase do “boom”, a do optimismo, porventura exage-rado, é marcada pelo aparecimento dos primeiros jornaisgeneralistas exclusivamente online, como o Diário Digital eo Portugal Diário. Alguns jornais reforçam as suas redac-ções digitais para abrirem serviços de “última hora”.

    A fase da depressão fica marcada pelo encerramentode sites, cortes em pessoal, incluindo dezenas de jornalis-tas, e redução das despesas. A “bolha digital” rebentara eo investimento publicitário decaíra. Seguir-se-ia um perío-do de estagnação generalizado, de reduzido investimento

    a quase todos os níveis, pontuado por alguns investimen-tos a contracorrente.

    O INÍCIO DA HISTÓRIA

    O ano de 1995 foi o ano fundador da relação entre osmédia noticiosos generalistas portugueses e a Internet. Nodia 26 de Julho de 1995, era inaugurada a edição na Webdo Jornal de Notícias, que se tornou deste modo oprimeiro diário de informação geral a actualizar, diaria-mente, a informação na sua edição online.

    O segundo diário generalista a dar início à colocaçãodas suas edições diárias na Web foi o Público, a 22 deSetembro de 1995. Antes desta data, o jornal já colocavaonline, de forma esporádica, artigos do jornal impresso.Mas, durante cerca de três anos, o site limitou-se a forne-cer uma versão electrónica do jornal impresso. Foi emSetembro de 1999, em plena crise de Timor-Leste, quecomeçou a produzir informação própria, com a introdu-ção do serviço “Última Hora”.

    O primeiro órgão de comunicação social português aregistar oficialmente o seu domínio havia sido, no entan-to, a RTP, a 28 de Maio de 1993. Apesar disso, a televisãoestatal só inauguraria uma página sua, a da RTPInternacional, em Novembro de 1995.

    ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

    No dia 26 de Julho de1995, era inauguradaa edição na Web doJornal de Notícias,que se tornou destemodo o primeirodiário de informaçãogeral a actualizar,diariamente, ainformação na suaedição online.

    Em Janeiro de 1998,o semanário Setúbalna Rede entrava paraa história dociberjornalismoportuguês: foi oprimeiro jornalexclusivamente onlineem Portugal.

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  • JJ|Abr/Jun 2010|31

    No dia 29 de Dezembro de 1995, data em que comple-tou 131 anos, também o Diário de Notícias começou a colo-car a sua edição diária na Web. Até Setembro de 2001, apresença do Diário de Notícias na Internet limitar-se-ia àreprodução dos conteúdos em papel, não tendo secçõesautónomas nem produção de conteúdos específicos pararede.

    O canal privado de televisão TVI decidiu apostar naInternet logo no dealbar de 1996. A partir do dia 12 deJaneiro deste ano, o “Novo Jornal” da TVI passou a poderser visto na Web. A estação tornou-se, deste modo, no pri-meiro canal português a emitir diariamente um noticiárioonline numa rede global de informação.

    Em Setembro de 1996, nascia a TSF Online. Depois deuma homepage provisória, a funcionar desde Abril, “a rádioem directo” estreava «uma nova sonoridade», disponibili-zando um menu com ligações a diversas rubricas: cróni-cas, magazines, jornais especiais, reportagens, imagens,ficha técnica e utilidades, como mapas de Portugal e pre-visão do tempo. O lema a “rádio em directo” também seaplicava à TSF na Internet. Através do Real Áudio, o utili-zador podia ouvir, em directo, os noticiários da estação.

    O Expresso tornar-se-ia o primeiro semanário portu-guês a estar presente na Internet com a estreia, «de forma

    experimental», no dia 17 de Julho de 1997. Numa brevenotícia publicada na primeira página da versão de papel,o semanário prometia começar, «brevemente», a publicarna Web as suas edições integrais.

    Em Janeiro de 1998, o semanário Setúbal na Redeentrava para a história do ciberjornalismo português: foi oprimeiro jornal exclusivamente online em Portugal. Foitambém o primeiro órgão digital a registar-se no Institutoda Comunicação Social e obrigou a Associação deImprensa Portuguesa a alterar os estatutos para permitir asua inscrição como sócio.

    Pouco tempo depois, a 19 de Março, o Correio da Manhãiniciava a colocação da sua edição diária na Internet.Todos os principais diários do país estavam, finalmente,na Web.

    O PERÍODO FEBRIL

    Após o gradualismo e as cautelas que marcaram os pri-meiros anos do ciberjornalismo em Portugal, entrou-se,quase no dealbar do novo milénio, numa fase de euforia,marcada pelo surgimento de novos projectos, envolvendoinvestimentos avultados. Grupos multimédia arriscaram eapostaram em portais. Procurando “marcar posição”,algumas redacções alargam substancialmente os seus qua-

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  • 32|Abr/Jun 2010|JJ

    dros, numa altura em que se verificava uma euforia,nacional e internacional, à volta da economia gerada pelaInternet.

    Logo em Janeiro de 1999, o Público anunciava aquiloa que chamou a “nova era” do publico.pt. José VítorMalheiros passava de editor a director deste ciberjor-nal, enquanto a edição online deixaria de ser um merosuporte para a edição electrónica do jornal para passara constituir uma nova era de negócio, com produtospróprios. Em Julho, era lançado o Diário Digital, umapublicação exclusivamente online. Propunha-se actuali-zar a informação em permanência, 24 sobre 24 horas, desegunda a sexta-feira, cobrindo todas as áreas da actua-lidade.

    No primeiro trimestre de 2000, o grupo Media Capitalabria o seu portal, o Imagine On Line, marcando a entra-da daquele grupo de comunicação no mercado daInternet. O projecto pretendia ser um portal de informa-ção, uma página generalista que levasse para a Internet osconteúdos produzidos pelos média do grupo. Em Abril,era lançado o portal Lusomundo.net, apresentado comoum dos principais acessos a conteúdos informativos por-tugueses na Internet. Dava acesso a conteúdos do Jornal deNotícias, Diário de Notícias, Açoriano Oriental, Diário de

    Notícias da Madeira, o TSFnoticias.com e o próprio site doGrupo Lusomundo.

    Em Julho, apareceria o concorrente maisdirecto do Diário Digital na Web, oPortugal Diário, apostado em produzirinformação própria. Em Dezembro, ogrupo Impresa anunciava que as suas acti-vidades online, designadamente o Expresso

    e a SIC, iriam conhecer uma maior integração e adoptaruma estratégia «mais agressiva». A ideia era tirar o máxi-mo de partido das sinergias dos investimentos do grupono sector online. As três redacções da “plataforma SIC”,que passaria a integrar a SIC Online, a SIC Notícias e a SICgeneralista, iriam transformar-se, era prometido, na«maior fábrica de notícias de Portugal».

    DEPRESSÃO E ESTAGNAÇÃO

    Os primeiros sinais da crise que se avizinhava haviamcomeçado logo em finais do ano 2000: em Outubro, demi-tiam-se os directores da Lusomundo.net. Em Fevereiro de2001, o Diário Digital dava também os primeiros sinais deretracção, ao decidir integrar no Diário Digital duas daspublicações da Caneta Electrónica, a Super Elite e

    ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

    A nova economia, tal comomuitos investidores aimaginavam, afinal, nãoexistia. Como assinalava, naaltura, a revista Visão, cercade 400 trabalhadores – 210da Teleweb, 26 do Submarino,40 da Imaterial TV, cerca de30 na Impresa (Sic.pt eExpresso on-line), 20 do DiárioDigital e cerca de 10 dosportais da Media Capital –sentiram isso mesmo na pele,após perderem os seusempregos.

    A dificuldade em encontrarmodelos de negócio desucesso levou a generalidadedos investidores adesinteressarem-se pelociberjornalismo.

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    Desporto Digital, até então autónomas. O quadro geral daInternet era caracterizado como sendo muito negativo.Passados apenas três meses, o Diário Digital dispensavaonze pessoas.

    Já em finais de Março de 2001, o Expresso Online aca-bara com a actualização de notícias e dispensara metadeda redacção, ou seja, 17 pessoas num total de 34, entre jor-nalistas e outro pessoal, na maioria contratados a prazo. Adecisão foi anunciada pela administração da Sojornal.com(proprietária da publicação), que justificou o “emagreci-mento” com a necessidade de reajustar editorialmente osite após uma fase experimental que durara seis meses.

    O Sindicato dos Jornalistas, pela voz do seu presiden-te, Alfredo Maia, reagiu ao anúncio e criticou «uma sériede empresários que se limitam a fazer experiências no sec-tor da comunicação social sem cuidarem dos problemasda vida das pessoas».

    No mês seguinte, Abril, dois directores, Miguel Gaspare Miguel Vieira, abandonavam o imaterial.tv. Dois mesesdepois, o Sindicato dos Jornalistas denunciava publica-mente o “drama” do projecto: quatro dezenas de jornalis-tas haviam começado, alguns meses antes, a trabalharnum site de informação que prometia arejar o jornalismoportuguês, o imaterial.tv. Mas, apenas quatro meses

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    depois, deixaram de receber ordenados, ficaram sem ins-talações e o projecto ficou na gaveta.

    Ao panorama depressivo generalizado nesta fase nãofoi alheio o enquadramento da conjuntura internacionalligada à “nova economia”, que havia conduzido, na vira-gem do milénio, a investimentos avultados nas chamadas“dot.com”. A “bolha”, inflacionada, não demoraria arebentar, arrastando muitos milhares para o desemprego.A nova economia, tal como muitos investidores a imagi-navam, afinal, não existia. Como assinalava, na altura, arevista Visão, cerca de 400 trabalhadores – 210 daTeleweb, 26 do Submarino, 40 da Imaterial TV, cerca de 30na Impresa (Sic.pt e Expresso on-line), 20 do DiárioDigital e cerca de 10 dos portais da Media Capital – senti-ram isso mesmo na pele, após perderem os seus empre-gos. Nove meses depois da nova economia ter caído narealidade dos números negativos, nomeadamente nosEstados Unidos, começaram os