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MICROFONIA MÚSICA .FILME .HQ .SHOW Ano 1 .nº 04 João Pessoa, Julho 2011 Balthazar - Do rock ao Brega Balthazar é cantor e compositor brega, que com um es- pírito rock and roller, já andou o país inteiro ‘roubando’ um pedaço de cada fã espalhados por todo território nacional. Interceptamos essa figura quando cantou na cidade de Santa Rita no Bregarita na mesma noite de Luzineide, Veronise e Roberto Miller em 16 de abril desse ano. Confira a seguir um pedaço da estrada de Balthazar. Estávamos indo de Campina Grande para Mossoró com minha banda tocar por lá. E falei: tem um CD aqui do Balthazar, vamos ouvir! Como é que tá Cunha Lima? Rapaz, eu sei que estava muito frio... Cunha Lima eu não sei... Campina Grande no mês de junho é muito frio. Fui uma vez lá de manga curta, querendo tirar uma onde de ga- rotão me fudi, não é brincadeira! Eu vi pingüim passar por mim de cachecol, malandro! (risos) E a gente ficou divagando a seu respeito. Uma das es- peculações era se você já tinha morado em Bayuex. Mas acabamos descobrindo que você estava morando em Fortaleza... Eu morei em João Pessoa, depois eu vim pra Bayeux, e fiquei em casa de amigos. Ficava uma semana na casa de um, daqui a pouco chegava um e logo depois chegava outro e dizia: essa semana você fica na minha casa. Era um negócio lindo porque nego brigava pra eu ficar na casa deles porque eu como pouco, peido pouco, porque esse negócio de convidar um cara que fica peidando na sua casa é cruel! Você é natural de onde? Eu sou sergipano, nasci em Aracajú em 05 de março de 1952, filho de um cabra de lampião chamado Francisco Balthazar Góes, que depois que passou a onda do canga- ço ele foi ser carteiro dos Correios e Telégrafos, na época que andava de trem com aqueles malotes, entregando ci- dade por cidade, nas cidadezinhas do interior, aonde o trem ia passando, ele ia deixando as sacolas nas estações ferroviárias, para alguém, de cada cidade, vir pegar e en- tregar as cartas. Quando você começou a cantar? Fui calouro uma vez só na minha vida. Me inscrevi de brincadeira, eu já cantava em casa... Esse foi o seu primeiro contato com a música? Praticamente sim. Não profissionalmente ainda, mas eu ganhei um concurso de calouro na rádio Liberdade de Sergipe, em Aracaju. E ganhei como prêmio de melhor calouro um quilo de café Alagipio, o melhor café de Ser- gipe. Fiquei tão puto que abri o pacote e despejei na porta da rádio todo o café e depois taquei fogo, ficou um cheiro de café insuportável! (risos) Você ainda era amador... Foi a primeira vez que eu cantei Quando você começou a cantar profissionalmente? Profissionalmente, em termos de disco, participei de vários festivais, eu sou compositor, hoje em dia, depois dessa novela aí fica até esquisito falar, mas eu sou o com- positor do hino da Revolução de 64: o povo brasileiro tem orgulho da nação (cantando)... Chama-se Menina Revolução, agora é Véia Cabação porque ninguém quis comer! (risos). A Menina Revolução até hoje é cabaço! Mas antes disso, o que foi que te levou pra música? Agora eu fiquei embananado porque ninguém nunca me perguntou isso... Eu venho de uma família de músicos frustrados. Meu pai era metido a tocar violão e não tocava porra nenhuma, só tocava Abismo de Rosas de Dilerman- do Reis e eu ficava olhando ele tocar, eu pequenininho com uns 5, 6 anos mais ou menos, mas me lembro como se fosse hoje. Quando ele saia pros Correios, eu pegava o violão, e ele tinha um ciúme tremendo do violão fabri- cado por um cara lá de Aracajú que fazia os instrumentos, por sinal, instrumentos muito bons, que se chamava Ar- bolo. Quando meu pai saia eu pegava o violão e eu, por mim mesmo, fui pegando notinha por notinha. Aí eu fui na casa de um primo que era considerado um dos mel- hores violonistas do Brasil, que se chamava Carnera, ele era representante da DiGiorgio em Aracaju. E eu falei: primo, eu já estou fazendo isso aqui no violão (toquei para ele). Ele olhou pra mim e disse: o que é que você quer? Eu disse que queria aprender a tocar violão. Ele disse: bom, só se for em outro século, porque você já tá tocando, se brincar, mais do que eu! Eu ficava olhando ele tocar e fazia a mesma coisa. Nunca ninguém me disse nada. Até porque nem podia dizer! Porque com meu pai era assim – ou eu ia ser político ou padre. Ele era muito católico e político. Foi chefe do integralismo e eu não fui uma coisa nem outra, porque pra ser político tinha que ser ladrão e eu não sei ser ladrão. Eu posso roubar um pouquinho do sentimento de cada um com a minha musicalidade, mas isso é um roubo de Deus, num é um roubo, roubo. Quando meu pai me viu tocando Abismo de Rosas, que foi a primeira música que tirei no violão só olhando ele tocar, mal e parcamente, mas aí eu mel- horei! Escutei os discos, eu tinha aqueles de 78 RPM em casa, do Dilermando Reis, o cara tocava muito. Esse meu primo era uma fera no violão, morou em São Paulo, to- cou na rádio Nacional do Rio de Janeiro, era um profis- sional. Quando eu mostrei a meu pai Abismo de Rosas, a primeira coisa que ele fez foi parar de tocar e me deu o violão, e nunca mais ele pegou no violão. Não é tocar, nem pegar. Tome você nasceu pra isso, eu nasci para Cor- reios e Telégrafos! Como meu pai era altamente radical, naquele momento ele entregou os pontos comigo. Porque a idéia dele é que eu fosse ser médico, advogado... Dotô! É que nem cocô, é a mesma coisa, hoje em dia tem mais dotô que cocô, porque comer hoje em dia tá difícil... Era muito marginal ser músico... E até hoje é! Eu me considero um marginal social total. Não me considero uma pessoa normal socialmente não porque eu não admito racismo, nem pobreza, acho que tudo vem de Deus e ele dá aquilo que você merece. Se você chega prum cachorro e dá um osso e um monte de bosta, ele vai comer bosta se quiser, o instinto natural dele vai ser partir pra comer o osso. Acho que é esse o grande sentimento que tenho... Outro é a frustração do meu pai de nunca aprender a tocar violão realmente. Eu me achei num direito, meio abestalhado, meu pai não toca, mas eu vou aprender a tocar essa bexiga. Não sou um grande violonista... Profissionalmente falando... Mas aí já foi profissionalmente porque quando eu voltei pra rádio depois de calouro, eu voltei com um contra- to. Gravando disco eu comecei em 72 apresentado por Raul Sampaio compositor de Meu Pequeno Cachoeiro (cantando). Logo depois conheci um cara chamado Chico Xavier, que era diretor, o compositor de Sara, ele era engenheiro, gostava de música, ele nunca quis gan- har dinheiro com música, era engenheiro agrônomo da Petrobras. Você é compositor. Como funciona letra e música? Você faz letras? Porque você tem parceria com várias pessoas... Às vezes eu faço tudo e boto alguém de parceiro. Antiga- mente se fazia isso. Por exemplo: eu tenho uns rocks com Raul, uns eu fiz sozinho e botei Raul, Se Ainda Existe Amor é do Raul. Sara é de Chico Xavier e Nem. Nem é um apelido que eu tenho. Na realidade quem fez a músi- ca com Chico Xavier fui eu. Mas tinha um engenheiro agrônomo, eu já dou sorte com engenheiro agrônomo, que era amigo dele chamado de Nem e que fazia música com ele, como Chico na época não era um cara com gra- na e ele tinha uma condição social melhor do que o Chico Xavier, hoje o compositor brasileiro padece, imagina nessa época! Ele dava uma graninha pro Chico, foi um dos caras de me incentivou. Daí eu gravei um compacto simples com uma música que fiz pro meu pai. Meu pai tinha uns olhos aciganados, era místiço de cigano, todo sergipano é, eles não gostam que seja dito isso não... Como você conheceu Raul Seixas? Eu morei com ele uns 8 anos. A gente se encontrava nos corredores da gravadora no Rio de Janeiro. Quando meu pai mudou de Sergipe pra São Paulo, meu irmão mais velho morava lá, mas quando chegou lá ele pegou uma pneumonia, em 68, não ficou nem 6 meses lá. Depois fo- mos pro Rio, meu pai tinha um irmão que serviu junto com ele na Polícia Militar. Meu tio continuou e meu pai fez concurso pros Correios. Eu conheci o Raul pratica- mente através da música Se Ainda Existe Amor... “Abismo de Rosas” foi a primeira música que toquei Você foi chamado para uma sala para ouvir a música, foi isso? Veja bem, a editora intersong, que agora é Warner, que a gente chama de véia (WEA). Então o Chico Xavier era o cara que recebia os compositores e gravava as canções. As que prestavam ele deixava gravado para mostrar aos artistas das gravadoras. A editora levava até Roberto Car- los, etc o cara que gostasse gravava. Quando eu cheguei na intersong, o Toninho, que escolhia as músicas disse: rapaz, o CX deixou uma música aqui e uma idéia: você tem cara de judeu – eu sou metade cigano e metade ju- deu – a gente vai botar você no Chacrinha vestido com uma túnica indiana e cantando uma música que ele fez (risos). Eu namorava a filha do Raul Sampaio e morando no Engenho Novo, eu descobri que ele morava lá. Com isso o RS me botou no meio de música. Um dia eu cheg- uei no Jairo Pires que era o diretor da Polygram, quando depois de uns 6 meses calhou dele me atender, e quem me apresentou a ele foi um cara chamado Marcus Pitter, que na época era ídolo com a música Maria Isabel. Eu estava com o violão do lado e o MP me perguntou: você toca violão? Quase que eu dizia: não rapaz, eu uso como bengala! A bengala é fininha e o violão dá mais apoio! Passei uma harmonia de uma música dele. Era um cara bonito, na época da Jovem Guarda era mais beleza do que gogó, ninguém cantava, inclusive Roberto Carlos, mas depois ele aprendeu. Está cantando bem! Vocês já ouviram Joãozinho e Maria? Nem queiram! Nem Ro- berto quer ouvir, acho que ele quebrou todos os discos, mandou exterminar Joãozinho e Maria! Quem tem esse disco está rico! Mas voltando ao MP... Depois de tocar, ele perguntou: você canta? Eu disse: é, canto. Então cante aí!Depois que cantei, ele disse: rapaz, você canta pacas, vou lhe apresentar ao diretor agora. Seis meses passando Foto do Brega Blog Music

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Balthazar - Do Rock ao Brega e Washington Espínola (entrevistas), Sodoma, Mahatma Gangue, Contrataque, Keith Richards (André Cananéa)

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MICROFONIA MÚSICA .FILME .HQ .SHOWAno 1 .nº 04 João Pessoa, Julho 2011

Balthazar - Do rock ao BregaBalthazar é cantor e compositor brega, que com um es-pírito rock and roller, já andou o país inteiro ‘roubando’ um pedaço de cada fã espalhados por todo território nacional. Interceptamos essa figura quando cantou na cidade de Santa Rita no Bregarita na mesma noite de Luzineide, Veronise e Roberto Miller em 16 de abril desse ano. Confira a seguir um pedaço da estrada de Balthazar.

Estávamos indo de Campina Grande para Mossoró com minha banda tocar por lá. E falei: tem um CD aqui do Balthazar, vamos ouvir!Como é que tá Cunha Lima?

Rapaz, eu sei que estava muito frio... Cunha Lima eu não sei...Campina Grande no mês de junho é muito frio. Fui uma vez lá de manga curta, querendo tirar uma onde de ga-rotão me fudi, não é brincadeira! Eu vi pingüim passar por mim de cachecol, malandro! (risos)

E a gente ficou divagando a seu respeito. Uma das es-peculações era se você já tinha morado em Bayuex. Mas acabamos descobrindo que você estava morando em Fortaleza...Eu morei em João Pessoa, depois eu vim pra Bayeux, e fiquei em casa de amigos. Ficava uma semana na casa de um, daqui a pouco chegava um e logo depois chegava outro e dizia: essa semana você fica na minha casa. Era um negócio lindo porque nego brigava pra eu ficar na casa deles porque eu como pouco, peido pouco, porque esse negócio de convidar um cara que fica peidando na sua casa é cruel!

Você é natural de onde?Eu sou sergipano, nasci em Aracajú em 05 de março de 1952, filho de um cabra de lampião chamado Francisco Balthazar Góes, que depois que passou a onda do canga-ço ele foi ser carteiro dos Correios e Telégrafos, na época que andava de trem com aqueles malotes, entregando ci-dade por cidade, nas cidadezinhas do interior, aonde o trem ia passando, ele ia deixando as sacolas nas estações ferroviárias, para alguém, de cada cidade, vir pegar e en-tregar as cartas.

Quando você começou a cantar?Fui calouro uma vez só na minha vida. Me inscrevi de brincadeira, eu já cantava em casa...

Esse foi o seu primeiro contato com a música?Praticamente sim. Não profissionalmente ainda, mas eu ganhei um concurso de calouro na rádio Liberdade de Sergipe, em Aracaju. E ganhei como prêmio de melhor calouro um quilo de café Alagipio, o melhor café de Ser-gipe. Fiquei tão puto que abri o pacote e despejei na porta da rádio todo o café e depois taquei fogo, ficou um cheiro de café insuportável! (risos)

Você ainda era amador...Foi a primeira vez que eu cantei

Quando você começou a cantar profissionalmente?Profissionalmente, em termos de disco, participei de vários festivais, eu sou compositor, hoje em dia, depois dessa novela aí fica até esquisito falar, mas eu sou o com-positor do hino da Revolução de 64: o povo brasileiro tem orgulho da nação (cantando)... Chama-se Menina Revolução, agora é Véia Cabação porque ninguém quis comer! (risos). A Menina Revolução até hoje é cabaço!

Mas antes disso, o que foi que te levou pra música?Agora eu fiquei embananado porque ninguém nunca me perguntou isso... Eu venho de uma família de músicos frustrados. Meu pai era metido a tocar violão e não tocava porra nenhuma, só tocava Abismo de Rosas de Dilerman-

do Reis e eu ficava olhando ele tocar, eu pequenininho com uns 5, 6 anos mais ou menos, mas me lembro como se fosse hoje. Quando ele saia pros Correios, eu pegava o violão, e ele tinha um ciúme tremendo do violão fabri-cado por um cara lá de Aracajú que fazia os instrumentos, por sinal, instrumentos muito bons, que se chamava Ar-bolo. Quando meu pai saia eu pegava o violão e eu, por mim mesmo, fui pegando notinha por notinha. Aí eu fui na casa de um primo que era considerado um dos mel-hores violonistas do Brasil, que se chamava Carnera, ele era representante da DiGiorgio em Aracaju. E eu falei: primo, eu já estou fazendo isso aqui no violão (toquei para ele). Ele olhou pra mim e disse: o que é que você quer? Eu disse que queria aprender a tocar violão. Ele disse: bom, só se for em outro século, porque você já tá tocando, se brincar, mais do que eu! Eu ficava olhando ele tocar e fazia a mesma coisa. Nunca ninguém me disse nada. Até porque nem podia dizer! Porque com meu pai era assim – ou eu ia ser político ou padre. Ele era muito católico e político. Foi chefe do integralismo e eu não fui uma coisa nem outra, porque pra ser político tinha que ser ladrão e eu não sei ser ladrão. Eu posso roubar um pouquinho do sentimento de cada um com a minha musicalidade, mas isso é um roubo de Deus, num é um roubo, roubo. Quando meu pai me viu tocando Abismo de Rosas, que foi a primeira música que tirei no violão só olhando ele tocar, mal e parcamente, mas aí eu mel-horei! Escutei os discos, eu tinha aqueles de 78 RPM em casa, do Dilermando Reis, o cara tocava muito. Esse meu primo era uma fera no violão, morou em São Paulo, to-cou na rádio Nacional do Rio de Janeiro, era um profis-sional. Quando eu mostrei a meu pai Abismo de Rosas, a primeira coisa que ele fez foi parar de tocar e me deu o violão, e nunca mais ele pegou no violão. Não é tocar, nem pegar. Tome você nasceu pra isso, eu nasci para Cor-reios e Telégrafos! Como meu pai era altamente radical, naquele momento ele entregou os pontos comigo. Porque a idéia dele é que eu fosse ser médico, advogado... Dotô! É que nem cocô, é a mesma coisa, hoje em dia tem mais dotô que cocô, porque comer hoje em dia tá difícil...

Era muito marginal ser músico...E até hoje é! Eu me considero um marginal social total. Não me considero uma pessoa normal socialmente não porque eu não admito racismo, nem pobreza, acho que tudo vem de Deus e ele dá aquilo que você merece. Se você chega prum cachorro e dá um osso e um monte de bosta, ele vai comer bosta se quiser, o instinto natural dele vai ser partir pra comer o osso. Acho que é esse o grande sentimento que tenho... Outro é a frustração do meu pai de nunca aprender a tocar violão realmente. Eu me achei num direito, meio abestalhado, meu pai não toca, mas eu vou aprender a tocar essa bexiga. Não sou um grande violonista...

Profissionalmente falando...Mas aí já foi profissionalmente porque quando eu voltei pra rádio depois de calouro, eu voltei com um contra-to. Gravando disco eu comecei em 72 apresentado por Raul Sampaio compositor de Meu Pequeno Cachoeiro

(cantando). Logo depois conheci um cara chamado Chico Xavier, que era diretor, o compositor de Sara, ele era engenheiro, gostava de música, ele nunca quis gan-har dinheiro com música, era engenheiro agrônomo da Petrobras.

Você é compositor. Como funciona letra e música? Você faz letras? Porque você tem parceria com várias pessoas...Às vezes eu faço tudo e boto alguém de parceiro. Antiga-mente se fazia isso. Por exemplo: eu tenho uns rocks com Raul, uns eu fiz sozinho e botei Raul, Se Ainda Existe Amor é do Raul. Sara é de Chico Xavier e Nem. Nem é um apelido que eu tenho. Na realidade quem fez a músi-ca com Chico Xavier fui eu. Mas tinha um engenheiro agrônomo, eu já dou sorte com engenheiro agrônomo, que era amigo dele chamado de Nem e que fazia música com ele, como Chico na época não era um cara com gra-na e ele tinha uma condição social melhor do que o Chico Xavier, hoje o compositor brasileiro padece, imagina nessa época! Ele dava uma graninha pro Chico, foi um dos caras de me incentivou. Daí eu gravei um compacto simples com uma música que fiz pro meu pai. Meu pai tinha uns olhos aciganados, era místiço de cigano, todo sergipano é, eles não gostam que seja dito isso não...Como você conheceu Raul Seixas?Eu morei com ele uns 8 anos. A gente se encontrava nos corredores da gravadora no Rio de Janeiro. Quando meu pai mudou de Sergipe pra São Paulo, meu irmão mais velho morava lá, mas quando chegou lá ele pegou uma pneumonia, em 68, não ficou nem 6 meses lá. Depois fo-mos pro Rio, meu pai tinha um irmão que serviu junto com ele na Polícia Militar. Meu tio continuou e meu pai fez concurso pros Correios. Eu conheci o Raul pratica-mente através da música Se Ainda Existe Amor...

“Abismo de Rosas” foi a primeira música que toquei

Você foi chamado para uma sala para ouvir a música, foi isso?Veja bem, a editora intersong, que agora é Warner, que a gente chama de véia (WEA). Então o Chico Xavier era o cara que recebia os compositores e gravava as canções. As que prestavam ele deixava gravado para mostrar aos artistas das gravadoras. A editora levava até Roberto Car-los, etc o cara que gostasse gravava. Quando eu cheguei na intersong, o Toninho, que escolhia as músicas disse: rapaz, o CX deixou uma música aqui e uma idéia: você tem cara de judeu – eu sou metade cigano e metade ju-deu – a gente vai botar você no Chacrinha vestido com uma túnica indiana e cantando uma música que ele fez (risos). Eu namorava a filha do Raul Sampaio e morando no Engenho Novo, eu descobri que ele morava lá. Com isso o RS me botou no meio de música. Um dia eu cheg-uei no Jairo Pires que era o diretor da Polygram, quando depois de uns 6 meses calhou dele me atender, e quem me apresentou a ele foi um cara chamado Marcus Pitter, que na época era ídolo com a música Maria Isabel. Eu estava com o violão do lado e o MP me perguntou: você toca violão? Quase que eu dizia: não rapaz, eu uso como bengala! A bengala é fininha e o violão dá mais apoio! Passei uma harmonia de uma música dele. Era um cara bonito, na época da Jovem Guarda era mais beleza do que gogó, ninguém cantava, inclusive Roberto Carlos, mas depois ele aprendeu. Está cantando bem! Vocês já ouviram Joãozinho e Maria? Nem queiram! Nem Ro-berto quer ouvir, acho que ele quebrou todos os discos, mandou exterminar Joãozinho e Maria! Quem tem esse disco está rico! Mas voltando ao MP... Depois de tocar, ele perguntou: você canta? Eu disse: é, canto. Então cante aí!Depois que cantei, ele disse: rapaz, você canta pacas, vou lhe apresentar ao diretor agora. Seis meses passando

Foto do Brega Blog Music

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MICROFONIA2

fome, eu e o Lourenço que era meu parceiro de músicas, não tenho vergonha de dizer. Sabe o que é você chegar e ficar esperando o diretor na porta do edifício 311 que o último da Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro? Bem, o MP me levou lá, peguei o violão e cantei uma música pro Jairo que não lembro qual era. O Jairo tirou o sapato e jogou na parede: Porra MP porque você não me mostrou logo! Coincidentemente Evaldo Braga já tinha me apre-sentado, mas ele... Aí o Evaldo morreu! Não dizem que morre o boi pro bem do urubu? Claro que eu não queria que Evaldo morresse porque ele era muito meu amigo.Você morou com ele?Sim, moramos juntos virgula: eu numa cama e ele lá na outra. (risos). E aí eu gravei meu primeiro LP com Sara que era a quinta faixa do lado B, gravei porque era do Chico Xavier e eu o achava o maior barato. A primeira música que estourou foi Se Ainda Existe Amor do Raul e Verdade Pura Crua. E depois estourou o disco todinho! Quando eu vi, em seis meses, o menino que num tinha dinheiro nem pra pegar o trem pra chegar na central e caminhar da central até a Rio Branco, que deve dar uns 3 quilometros, em seis meses eu fiquei rico, eu vendi um milhão em seis meses, deu 5 discos de ouro e uns 10 de platina. Cheguei em casa com um monte de disco e meu pai disse: esse disco é de ouro mesmo? Não, é só pintado! (risos). O segundo disco foi Se Eu Parar de Cantar, o ter-ceiro Transa de Amor, estourou tudo, um atrás do outro. E daí eu fiz a besteira de sair da Polygram e pra CBS, aí declinou muito. A CBS tava um bagaço, isso em 78. Depois fui pra Warner e tem uma história incrível que é muito enrolada. Hoje em dia eu tenho uma graça muito grande, porque faço meus shows, com uma banda linda!

Antes da entrevista você falou Beatles ou Rolling Stones... Qual a tua relação com o rock’n’roll?Raul Seixas! Eu fui produtor do Serguei. Eu conheci o Guimarães que foi o cara que lançou o Paulo Sérgio, e ele queria fazer um disco comigo, mas antes ele tava en-gatilhado com Serguei, era uma música chamada Ouro e Prata. Serguei levou uns 2 dias pra botar voz numa músi-ca, 2 dias! Porque ele esquecia de cantar. Agora imagina nós dois num estúdio, só músico doido. De dois em dois minutos todo mundo tossia, rolava um fumo solto, era uma loucura do cão! Não é brincadeira não, se a polícia chegasse, nem entrava com medo de sair doidão! A gente gravava no estúdio Hawai que ficava no pé do morro, era só assoviar. Muita gente não tem a cara de pau de dizer, mas eu digo, eu sou um cara com 59 anos, não preciso, estou tomando cerveja sem álcool porque eu achei um pedacinho de papel onde era o lugar do meu fígado que dizia: vale um fígado!

Eu não acredito em gênioQual foi o melhor momento da sua carreira?Acho que todos os momentos das nossas vidas são os melhores momentos. Onde existe vida, existe uma coisa boa. Profissionalmente foi quando eu recebi o meu pri-meiro disco de ouro.Você gravou um álbum recente, não foi?Eu gravei um breganejo com produção de Toninho, mas esse disco não saiu. Foi uma coisa anti profissional, até anti humana, um cara como Zezé de Camargo que está bilionário, ele não fuma, não bebe, nem come ninguém, então só guarda dinheiro, criou um problema porque gravei quatro músicas dele sem autorização. Se eu fosse ele, eu teria orgulho, um cara bem mais velho, digamos, como se fosse Nelson Gonçalves gravando Carta de Amor que é uma música minha, eu iria ficar orgulhoso, não queria nem grana, a satisfação maior era de um cara como ele gravar minha música. Mas ele não pensa da mesma forma e ele vetou, acabou o disco. O engraçado que os punhetas desses sertanejos gravaram músicas minhas!Quais foram as influencias de Balthazar?As minhas influencias? Eu tive várias influencias doi-das... Por exemplo, eu guri, minhas influencias eram bo-leristicas, Carlos Alberto, Altemar Dutra, que era o que tocava em Aracaju, não tinha rádio que tocasse rock, isso não existia. Na rádio Globo eu cantava no programa do Adelson Alves de vez em quando, e eu fui o único cantor brasileiro que cantava versão italiana, num programa que era só de samba!

A sua história com o rock começou aí?Quando eu gravei pela Polygram. Yes, Ten Years After, Blood, Sweat and Tears, Crosby Still Nash and Young, tudo isso foi lançado pela Polygram e eu pegava nos ar-quivos pra escutar. Foi logo depois de Woodstock, Janis Joplin, que conheci no morro da Mangueira...Volta e meia você toca aqui. Você tem alguma relação sentimental com a Paraíba?Se eu tenho?! Eu adoro Bayeux, o povo da cidade tem um amor por mim incrível. Como em João Pessoa tam-bém, e ainda morei em Mamanguape, Rio Tinto, Baía da

Traíção, todo esse pessoal desses lugares me deram uma força.Lobão, em recente en-trevista quando de pas-sagem por João Pessoa, mencionou Odair José e Waldick Soriano como gênios. E daí perguntaram onde ele via genialidade

em Valdick e Odair. O nome brega ainda tem uma carga muito preconceituosa?O brega é o nome mais certo que existe. Eu vou lhe ex-plicar: eu sou gênio, só pra agüentar minha mulher e uma banda doida dessa tenho que ser gênio ou então mato eles, é o jeito! (risos) Meu gênio pode virar ao contrário! Eu não acredito em gênio. Eu acredito numa pessoa dotada por Deus com mais ou menos luz. Então, eu acho que sou uma pessoa bem iluminada, me dou bem com todo mundo. Pra mim, gênio tem que fazer uma coisa só e muito! Tipo Chico Buarque de Holanda, Milton Nasci-mento, Jessé que tinha gogó e cantava brega mais do que todo mundo junto! Um menino que canta muito é Vicente Neri. Você já viu um cantor de forró ser chamado de um grande cantor? Vicente Neri acende minha música! O brega tá voltando em tudo que é lugar! Sabe por quê? Porque, por exemplo: quando um cantor de brega, na era da internet, tem 200 mil acessos por dia! Porque eu me enturmei bem!Você falou que tem acende, mas tem gente que apa-ga... Kika Seixas, por exemplo...Eu acho que a atitude da Kika de querer proibir eu regra-var egoísta e burra, quem me deu a música para gravar foi o marido dela, Raul dos Santos Seixas, natural de Itan-haém, 20 dias de jegue e 4 dias de trem, era assim que ele dizia do lugar onde ele morava. Raul era um produ-tor pequeno na CBS e eu fiz da música dele Se Ainda Existe amor um sucesso! Como ela quer proibir, quem é ela pra proibir. Por que ela herdou? Ela herdou o dinheiro do Raul e algumas centenas de chifres, essa foi a herança que ela ficou. Hoje em dia eu conto com minha mulher que é uma pessoa que cuida de mim, como se eu fosse um menininho, D. Marisa – a rainha do ‘vamos’! Ela toma conta de tudo.

EXPEDIENTEEditores Responsáveis: Adriano Stevenson /

Olga Costa (DRT – 60/85)Colaboradores: Alex Alves, Beto L,Jesuíno Oliveira, Williard Fragoso,

Editoração: Josival Fonseca e Olga CostaIlustração: Josival Fonseca

Agradecimentos: nossos colaboradores e Erivan

Contato/Anúncios: 3512 2330E-mail: [email protected]://facebook.com/jornalmicrofonia

Twitter: @jmicrofoniaTiragem: 3.000 exemplares

Enquanto isso na redação...

Surpresa, sexo e sertão são palavras que começam com a décima nona letra do alfabeto. Ok, isso você sabe. O que você não sabe é que essa tríade encon-tra-se nesse # 4. Vejamos: Surpresa – Balthazar revela sua faceta rocker com atitude numa entrevis-ta inédita. Washington Espínola em terras paraiba-nas fala sobre seu novo trabalho “Ice Cream Sun”. Val Fonseca estréia no Amor à Queima Roupa com A Turma do Xaxado e o tema recorrente do sertão: a seca das terras nordestinas. André Cananéa saiu do mainstream para o underground jornalístico na Fahrenheit 451, com o representante mais outsider do rock na mídia: Keith Richards. Sexo - Pegando a deixa do Richards, Atrás da Porta Verde vem de verde e amarelo ‘Pisando Fundo’. Nas resenhas o CD de estréia do Sodoma nas palavras de Wil-liard Fragoso (filósofo e baixista) que dissecou um trabalho recheado de citações e sexo! É para ficar de quatro, no bom e no mau sentido! Divirta-se!

EDITORIAL

Vila Musical Centro (Centro Histórico) Diego (83) 88757600 Vila Musical Mangabeira (Em cima da Disk Oi) Anderson (83) 88771681

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MICROFONIA 3

SODOMA - SEMPITERNO AGRESSOR (PB) Em mãos, o CD debut da banda Sodoma(Black/Death Metal).Desde o Coelhosomem (Wallace & Grommit) não me sentia tão apavorado...Grande disco.Superando o trabalho apresentado anteriormente nas demos ‘Sadomazocristo’ (2005)e ‘Renascida em Trevas’ (2008), a Sodoma mostra um desenvolvi-mento. As canções são certeiras, estruturalmente bem compostas e possuem vários ganchos melódicos que ressaltam a avalanche sonora desencadeada ao longo de Sempiterno Agressor. Alternando blast-beats,mid e down tempos, o Sodoma dispara riffs e bases diretos que lembram os trabalhos iniciais de bandas como Mutilator, MX, Chakal, Necro-mancia e chegam aos requintes de bandas mais atuais como Immortal e Behemoth. Os vocais de Daniel Hate são assombrosamente potentes e bem colocados. As guitarras estão rítmica e melodicamente bem trabalhadas. A cozinha (baixo/bateria) é precisa. Músicas de destaque? Tarefa difícil. Entretanto, ‘Mentor da Fornicação’, ‘Estigmas Jorram Sê-men’, ‘Suprema Ave Negra’ e ‘Agressor’ sobressaem-se. Ressalvas? (1) Produção burocrática, muito ‘certinha’: faltam graves robustos e, portanto, peso.(2) As letras: as boas intuições carecem de maturidade de alguns malditos célebres (Baudelaire,Blake, Milton, Augusto dos Anjos, Bandeira, etc.); (3) A arte do disco deixa a desejar: é difícil identificar o nome da banda, ‘entender’ a capa e ler as informações do encarte. Pena.De todo modo, trata-se de um disco que já nasce ‘cult’. Parabéns. O Coelhosomem está orgulhoso. W.F.

mentos, problemas de saúde da minha mãe, etc. Ao mesmo tempo eu estava bem de saúde, mas foi um ano difícil. Esse disco foi gravado durante todo ano de 2010, na verdade. Comecei a gravar em abril, maio. Uma música foi gravada na França e as out-ras foram gravadas no estúdio Music Store, onde o Phil Collins ensaia. Ice Cream Sun eu compus no piano. É uma música que começa com gui-tarra, mas eu comecei pela primeira parte, porque tem uma parte de piano no meio, que é bem Supertramp... Eu não sei... Quando eu comecei a can-tar em G.R.U.E., foi onde começou a grande mudança. A questão era mais escrever as letras, como me expressar e o que dizer, porque na verdade você pode dizer I Love you, I Love you e I Love you, tem mil maneiras e meu problema era esse, de dizer alguma coisa séria e importante e ao mesmo tempo não dizer porra nenhuma como “I am here as you are me”, só curtir mesmo, usar as palavras apenas pela sonoridade, como é o caso de Ka-limera...

Você é que nem o Geddy Lee, que nunca gostou de fazer letras...Não, porque eu sempre quis fazer. Eu sempre adorei cantar. Não sou can-tor, mas canto, tecnicamente eu não sou cantor. Meu problema era me expressar. Lembro de uma conversa com Sílvio Osias e eu indagava exatamente isso, o que é que vou dizer, pois, basicamente, tudo já foi dito, depois de Dylan, depois de Chi-co Buarque... Mas ao mesmo tempo você tem a entonação, tem o sentido e depois eu descobri que podia contar histórias como em Blue Shoes do tra-balho anterior. Até os ingleses gostam da letra, e foge do contexto tradicio-

Na beira-mar numa tarde de sábado, sentado na calçadinha da praia do Cabo Branco, com o cheiro da ma-resia na atmosfera, o guitarrista e compositor Washington Espínola, radicado na Suíça há mais de 10 anos, falou pro Microfonia sobre seu novo trabalho: Ice - Cream - Sun.Ice – Cream – Sun!I scream very loud! (risos)

A que você atribui o fato desse seu último CD ter elementos mais pop, além da música instrumental e de todas outras influencias ao longo da sua carreira...É difícil dizer porque 2010 foi um ano muito difícil pra mim. Aliás você é a primeira pessoa com quem co-mento isso.Tive vários problemas, um deles foi ter dado bobeira e le-varam minha bolsa com meus docu-

El Mariachi

MAHATMA GANGUE - SURFE E DESTRUA (Capitão Lixo/Oxenti Records/Punchdrunk/Raw Recs/Cospefogo/Karasu Killer). Advindos da própria “crater city” – a calorenta Mossoró, a quase 300 km da ensolarada Natal –, o power-punk-surf-trio formado por Ingrid (voz/guitarra), Pedro (baixo/voz) e Farofa (bateria) produz um ensandecido cruzamento de surf music (sombras de Ventures e Centurions encharcam a instrumental “Cidade cratera surf” e “Chafurdo na praia”), garage punk à la Cramps (“Fora do ar”) e atitude punk-ster em geral (ouça o refrão de “O gato” em altos decibéis: “Ainda preciso de mais! Quero armar barulho!”). E a turma do alto oeste potiguar consegue, erguendo micro-crônicas sociais, como diz a letra de “Com o disco na mão”: “Lá na minha escola, o melhor é pular o muro / lá na minha escola, as garotas não me olham / e eu sou apenas um retardado com um disco na mão”. Impossível um rocker original não se identificar com a verborragia. No som, riffs ora cadenciados (“Pedais ao infinito”) ora turbinados (“Sudeste 2009”, em que o trio descreve sua turnê pela supracitada região do país). Gravação crua e suja, digna de nota. E mais: o disco foi lançado graças a seis gravadoras diferentes, sendo cinco do Brasil e uma do Japão (Karasu Killer). Isso é que é cooperação global. O governo tupiniquim tem que aprender com o Mahatma em como fazer uma gangue correta. A.A.

CONTRATAQUE – CD (PE)Celo, Adriano e Neilton são nomes que já acompanho a algum tempo no quesito produção. A primeira vez que vi esses nomes foi com o Matalanamão, depois com a Nação Corrompida e agora Contrataque. Guardando as devidas proporções, eles são a versão HC brasileira de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (dupla jamai-cana que produziu meio mundo de gente). Nesse trabalho com Contrataque, que é um trio sem baixista, comecei a questionar se o baixo é realmente necessário nesse tipo de produção. Márcio (guitarra com afinação quase no chão) e Fábio (bateria) em sincronia formam uma ‘cozinha’ sem baixo e fazem a cama de gato para Batata arregaçar no vocal. Destaques? Vários: Hey Canalha, Minha Igreja é uma Empresa e Minha Empresa é uma Igreja, Paluchiado da Cachaça (do disco Pilo-gamia do Baião do Quinteto Violado de 1979). A música A Face tem a participação de Cannibal (Devotos). Se você tem mais de 30 tome um relaxante muscular! A.S.

WASHINGTON ESPÍNOLA - ICE CREAM SUN (IMP) O guitarrista paraibano Washington Espinola, atualmente radicado na Suiça, tem uma trajetória musical consistente, baseada na divisão exata entre o talento e o trabalho. “Ice-Cream-Sun” é o seu disco mais recente e o que concretiza sua nova fase, no qual temos um compositor maduro com suas virtudes sonoras: a melo-dia pop, a sofisticação instrumental e o rebuscado harmonico. W.E. concretiza nas oito faixas do disco todas suas referências marcantes desde o apelo popster dos Beatles - bem evidente na faixa título que abre o disco - até a complexidade instrumental, seja erudita, jazzy, progressivo e popular - seria injusto não citar nomes como John McLaughlin, Santana, Yes, Paco de Lucia e Raphael.

nal do blues de ser sexual ou triste. Um blues alegre é a coisa mais difícil do mundo (risos).

Ice – Cream – Sun...Eu gosto muito da letra. Ice-Cream-Sun É aquela história do inverno. A minha idéia foi o seguinte: eu estava em casa num inverno de lascar, só que tem dias lindos, um sol maravil-hoso, mas ao abrir a janela é uma ge-ladeira. A minha idéia era dizer que o sol é um sorvete de sol, mas eu queria que ele derretesse para ficar quente. E depois eu me dei conta do “I scream” que faz sentido também

Ice-Cream-sun são as duas partes de Washington Espínola, a neve onde você está hoje e o sol de onde você veio...Pode ser também! Eu sempre guardo o sol dentro de mim. As pessoas me perguntam como consigo rir, no in-verno de lá. E me perguntam: Tá rin-do por que? E responde: bicho, tem que rir senão dou um tiro no ouvido ou pulo do primeiro avião. E tem o tal do vento mistral que entra até no pensamento!

Vamos falar agora de outra música chamada Superman...Essa música é interessante. Eu gosto dessa música. Tem um trabalho vo-cal... Detalhe, eu terminei a música todinha, fiz no piano também, gra-vamos tudo e eu só tinha a primeira frase: Wish I could be like a super-man/Fly away... E daí eu vou pra onde? Me perguntei... Em que lugar eu vou desenvolver isso? Um belo dia, já estava mixando o disco, aí veio o resto da letra da música, a se-gunda parte: mesmo o super homem tem problemas como se apaixonar ou

Foto

de

Edi

val V

aran

das

ENTREVISTAWashington Espínola

arrumar um emprego, a história do Clark Kent... Quando você está numa situação que quer fugir, deixar tudo, e é bem isso aí.

Essa música lembra uma do R.E.M. que tem o mesmo nome... O apelo pop é o mesmo...Bem, depois de percorrrer toda essa estrada, décimo terceiro disco, quem das suas influencias, você gostou mais de ver no palco, de conversar?De conversar mesmo foi o John Mclaughlin e Jan Akkerman (Fo-cus). Infelizmente perdi o contato com Jan Akkerman, não sei onde ele anda, ele é meio esquisitão, não gosta de avião... David Randall que é um cara de Liverpool que tem até hoje The Musical Index, conversando com um dos meus melhores amigos lá na Suíça sobre o Focus, achamos na internet o contato desse cara, que era o manager do Jan Akkerman e mandei um e-mail dizendo que era um fã e que queria enviar alguns CDs meus pro Akkerman. Depois de uma semana recebi a resposta dizendo que ele tinha gostado muito do meu tra-balho e perguntando o que eu estava fazendo na Suíça. Bom, o cara deve está sendo simpático, pensei. Um dia recebi um outro e-mail dizendo que o Akkerman iria tocar em Liverpool e o manager disse que se eu quisesse poderia assistir ao show e que depois ele me apresentaria ao Jan Akker-man. Eu eu fui! Desci no aeroporto John Lennon airport. O J.A. não voa, não gosta de voar e ele iria dirigir até New castle, que é longe, e na hora de dividir, o Randall disse: vá ali com o JA! E fomos conversando a viagem inteira, conversando sobre música e escutando o meu disco! E

toda hora eu me beliscando – rapaz é verdade mesmo?! Foi fantástico!E o McLaughlin eu já encontrei umas cinco vezes. Dos cantores acho que não conheci nenhum de ficar muito tempo conversando. Teve uma vez num show de Sting, que o Abe La-boriel Jr. tocou com ele. Quando terminou o show fui no backstage e fui falar com o cara, a primeira coisa que perguntei foi: bicho, como é to-car com Paul McCartney? Ele super simpático disse: eu fiz um teste, me aceitaram e até hoje estou tocando. Falou que o disco preferido dele dos Beatles era o Revolver...

Hoje eu estava contando para o Adriano que, eu e você, fomos numa viagem à Recife pegar uma guitarra com o Herbert Vianna, lembra disso?Era uma guitarra de jazz, uma Aria, tenho umas fotos com ela com o meu primeiro trio lá na Suíça... E ficamos hospedados na casa do seu primo...

Isso! Até hoje ele lembra que a gui-tarra do Herbert Vianna ficou na sala dele por algumas horas... O que aconteceu com ela?Tá lá em casa! Em cima da minha estante. Até pensei em traze-la pra cá e usá-la no show, mas eu estava sem um hard case, porque o soft case no avião destrói o instrumento, achei melhor não trazer nessas condições...

Rabello; tudo bem embutido nas suas com-posições. Ice Cream Sun é um quadro pintado com as cores da pecualirade do artista que dosou per-feitamente em partes instrumentais e cantadas. É um artista persistente e perfeccionista no “modus operandi”, resultando numa produção esmerada - entre seus melhores trabalhos - e que deixa a confirmação de sua busca em renovar e progredir artisticamente. Interessante é saber que ele ao lado de sua paixão pela guitarra e se aventura - com desenvoltura - por novas texturas harmonicas, ora tocando violão, ora piano eletrico, como por exemplo nas faixas “La Donna Mata” e “3eme Dimension”. È um trabalho exuberante, expondo, de forma singela, toda as facetas sonoras do com-positor. Excelente disco e super recomendado! J.O

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MICROFONIA4

Atrás da porta verde Fahrenheit 451

Série Celebridades (2009) 70 min.O problema dos filmes nacionais é que não pas-sam de cenas sem ligação. Pisando Fundo não prova o contrário, mesmo com atrizes gostosís-simas como Julia Paes e Cléo Cadillac, a frieza

das duas é uma constante. A cena que se pode destacar no filme é a inicial que, mesmo com

todo gelo das garotas, tem a vantagem de ambas terem corpos exuberantes, que a maioria dos

homens gosta. A cena começa numa banheira e acaba numa cama, com as duas atrizes trocando beijos muito discretamente. As outras cenas são desconectadas, como disse, mas elas se mostram

mais experientes. Mesmo assim, não deixe de assistir, pois os tarados de plantão (no bom

sentido) irão se deliciar. Até a próxima e use camisinha!B.L.

Pisando Fundo

Editora Globo, 630 págs, R$ 60 em médiaPoucos caras personificaram tão bem o trinômio sexo, drogas e rock ‘n’ roll como Keith Richards: foi casado com as estonteantes Anita Pallenberg e Patti Han-sen; é um dos mais famosos junkies da música pop; e é autor dos riffs de grandes clássicos dos Rolling Stones, a maior banda de rock em atividade no planeta.A vida de um sujeito assim só poderia dar um bom livro. E deu. ‘Vida’ autobiografia do roqueiro mais figura de todos os tempos, é uma deliciosa nar-rativa cinematográfica, repleta de drama, paixão, comédia, aventura, suspense e, claro, música.

E o que torna ‘Vida’ um livro delicioso é o fato de que: a) o texto (escrito pelo ghostwriter James Fox) tem a fluência de um romance de Dan Brown; b) a verve ácida de Richards provoca passagens hilárias e, c) não se trata apenas do guitarrista do Rolling Stones, mas da pessoa Keith Richards, camarada família que tem uma biblio-teca incrível (revela que é louco por livros de História), uma cultura consistente, opinião formada sobre política e justiça e, acima de tudo, é um sujeito de coração ab-erto, de paixões intensas, apaixonado e apaixonante.

Como é de se esperar, Richards não tem papas na língua. Não se furta a nomear o professor pedófilo que havia na escola, fala sem restrição dos circos armados pela polí-cia e a mídia, que o puseram (junto com os Stones) sob os holofotes, aborda abertamente seu relacionamento turbulento com Anita Pallenberg (incluindo o chifre que botou em Brian Jones, e também o que levou de Jagger) e é inacreditavelmente franco quando fala sobre drogas, e de como não foi trouxa de se deixar levar por elas.Muitos dos episódios folclóricos envolvendo a car-reira de Richards estão lá, incluindo o mito sobre a troca de sangue na Suíça e o escândalo de que ele teria cheirado as cinzas do pai, misturadas a cocaí-na (cheirado sim, com cocaína, não), além de dois acidentes graves que quase arruínam sua cabeça.

E claro que os maiores quiproquós envolvendo sua trajetória estão lá, na visão franca e ácida de Rich-ards, incluindo a grande briga que ele teve com Jag-ger, quando, segundo ele, a fama teria subido a ca-beça do vocalista, mesmo depois de tantos anos.E embora este não seja um livro sobre os Rolling Stones, Keith Richards aproveita para revelar um pouco dos bastidores de shows, músicas e discos, so-bretudo entre o final dos anos 60 e o começo dos 80 (depois disso, tudo é muito pontuado, inclusive a passagem da banda pelo Rio de Janeiro em 2006).

Não sendo um livro sobre os Stones, sobram páginas para que Keith Richards possa compartilhar suas lem-branças na França e também na Jamaica, onde chegou a morar por um tempo. E encontra espaço para abrir sua intimidade, como a relação com o primogênito Marlon ou um safári que fez com a família na África, até a decepção que teve com um de seus maiores ído-los, Chuck Berry, na época em que ajudou a produzir o filme Hail! Hail! Rock’n’Roll (1987).‘Vida’, essa autobiografia de Keith Richards, só tem um problema: ela acaba!

André Cananéa - Jornalista, editor do caderno Vida & Arte do Jornal da Paraíba, pai dedicado, cos-tumava gastar 80% do salário em livros e dvds.

Turma do Xaxado (Ed. IMEPH)Anos atrás já tinha conhecido o Xaxado, e no início deste ano ganhei de presente de uma amiga de trabalho quatro volumes da “Turma do Xaxado” (Ed. IMEPH). Foi aqui que me fa-miliarizei mais com o personagem criado pelo baiano Antonio Cedraz, publicado primeira-mente no Caderno dos Municípios do jornal A Tarde, a partir de 20/01/1998, e quatro meses depois passou a ser publicado diariamente no Caderno 2, do mesmo jornal, e não parou mais.Xaxado é neto de um dos cangaceiros de Lampião e que através de suas tirinhas bem humoradas mostra a realidade do povo nordestino. A seca, a fome, o coronelismo e a fé do povo sofrido são retratados de forma triste como a conhecemos. Mesmo com toda a beleza e maestria de sua escrita e cores, é forte o estigma da seca como plano de fundo e que nos remete ao descaso como o nordes-tino é tratado pelos políticos, que só pisam naquele chão quando em busca de votos para se elegerem. Xaxado é uma obra pra crianças e também para adultos, sem sombra de dúvidas, é tão denso e politizado quanto às tiras de Mafalda e outros personagens que abordam assuntos sérios por trás do bom humor. Xaxado e sua turma já ti-veram materiais diversos publicados Brasil afora e até no exterior, em revistinhas, livros didáti-cos e uma série de outros produtos. Em abril de 2010, a Editora HQM lançou em banca uma re-vista mensal de 32 páginas ao preço de R$ 2,90. O tema em torno da seca do sertão é tão forte que é abordado nas escolas e faculdades na educa-ção de nossa nação. Com uma leitura agradável, Xaxado dá o tom da simplicidade e do humor de uma realidade complexa e bem triste. J.F.

Não Vamos a La Playa

Amor À Queima Roupa

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