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José Diogo Falcão 1 Aula escrita sobre o tema “O Contrato-Promessa e o seu actual regime no ordenamento jurídico português” (art. 3.º n.º 2 al. b) do Regulamento das Provas Públicas de Avaliação de Competência Pedagógica e Técnico-Científica a que se referem os ns.º 9 a 11 do art. 6.º da Lei n.º 7/2010, de 13 de Maio) José Diogo Farinas de Almeida Falcão ISCAP 2013

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José Diogo Falcão

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Aula escrita sobre o tema

“O Contrato-Promessa e o seu actual regime no ordenamento jurídico português”

(art. 3.º n.º 2 al. b) do Regulamento das Provas Públicas de Avaliação de Competência

Pedagógica e Técnico-Científica a que se referem os ns.º 9 a 11 do art. 6.º da Lei n.º

7/2010, de 13 de Maio)

José Diogo Farinas de Almeida Falcão ISCAP 2013

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Aula escrita sobre o tema

“O Contrato-Promessa e o seu actual regime no ordenamento jurídico português”

SUMÁRIO: 1. Noção. 2. Disciplina jurídica. 3. O princípio da equiparação. As excepções relativas à forma e à

substância. 3.1 A forma do contrato-promessa. 3.2 As normas não extensivas ao contrato-promessa 4. Transmissão

dos direitos e obrigações das partes. 5. A eficácia real da promessa. 6. O incumprimento. 6.1 A execução específica.

6.2 A resolução do contrato-promessa. 6.3 O direito de retenção.

1. Noção

O contrato-promessa está definido no Código Civil como sendo «a convenção

pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato» (art. 410.º n.º 1 do Cód. Civil)1. O

contrato objecto do contrato-promessa, e que as partes se obrigam a realizar,

denomina-se por contrato prometido (por exemplo, compra e venda, arrendamento,

trespasse, etc.). Daqui decorre que a prestação devida no contrato-promessa traduz-se

numa prestação de facto positivo consistente na emissão de uma declaração de

vontade negocial destinada a celebrar um outro contrato, denominado por contrato

prometido. A título de exemplo, num contrato-promessa de compra e venda as partes

obrigam-se a realizar no futuro o prometido contrato de compra e venda,

respectivamente, como comprador e como vendedor.

Estamos em face de um instituto de enorme importância prática e relevância

social, sendo muito variadas as razões que, frequentemente, estão na base da sua

utilização. Através do contrato-promessa pretendem as partes assegurar a celebração

do contrato prometido quando existe algum obstáculo, material ou jurídico, que impede

a sua imediata realização. Assim sucede quando, por exemplo, uma das partes não

dispõe, de imediato, das importâncias necessárias para celebrar o contrato prometido;

ou quando o contrato prometido ainda não pode ser celebrado por se tratar de coisa

futura, ou por não ser possível, desde logo, cumprir determinadas formalidades 1 Todas as disposições legais referidas sem menção expressa ao respectivo diploma legal pertencem ao Código Civil.

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legalmente impostas, pretendo, porém, as partes assegurar a sua celebração; mutatis

mutandis quando se torna necessário obter o consentimento de terceiro. Nestes casos

(como noutros) o contrato-promessa surge como o instrumento natural destinado a

assegurar às partes a posterior celebração do contrato pretendido realizar, isto é, o

contrato prometido.

O contrato-promessa distingue-se dos meros actos de negociação que integram

o denominado “iter negotii”. É que estes actos, embora possuindo relevância jurídica –

podendo inclusivamente desencadear responsabilidade pré-contratual –, limitam-se a

integrar o processo formativo dos negócios jurídicos, estando, porém, desprovidos de

eficácia contratual. Diversamente, o contrato-promessa tem eficácia “inter partes” pois

através dele as partes (frequentemente designadas por promitentes) ficam vinculadas à

realização do contrato prometido. Ademais, e com vista a evitar posteriores

negociações, deve o contrato-promessa definir, desde logo, o conteúdo do contrato

prometido.

O Código Civil admite a existência e distingue “lado a lado” o contrato promessa

bilateral (ou sinalagmático) do contrato-promessa unilateral (não sinalagmático). No

contrato promessa bilateral ambas as partes se vinculam à celebração do contrato

prometido. Por seu turno, no contrato-promessa unilateral apenas uma das partes se

vincula à celebração do contrato prometido, ficando a contraparte livre de celebrar ou

não este último contrato (cfr. art. 411.º do Cód. Civil). A título de exemplo, imagine-se

que A (promitente) promete vender a B (promissário) uma moradia, pelo preço de €

200.000,00 e pelo período de um ano, sem que B se vincule a comprá-la. Destarte,

deste contrato-promessa apenas emerge a obrigação de vender para A, não

constituindo o mesmo fonte de qualquer obrigação para B, o qual mantém a plena

liberdade de comprar, ou não, a moradia.

2. Disciplina Jurídica.

O contrato-promessa encontra a sua disciplina nuclear nos artigos 410.º a 413.º, 441.º,

442.º, 755.º n.º al. f) e 830.º do Cód. Civil. Algumas destas disposições legais já não

mantêm a sua redacção originária em virtude de terem sido objecto de diversas

alterações legislativas. Com efeito, no ano de 1980, o legislador alterou de modo

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substancial a disciplina do contrato-promessa2. Esta reforma legislativa não teve uma

longa vida, porquanto passados 6 anos o legislador realizou nova intervenção

legislativa3. Já recentemente, o legislador realizou nova intervenção legislativa, embora

de menor alcance do que as anteriores4.

3. O princípio da equiparação. As excepções relativas à forma e à substância.

Preceitua o art. 410.º n.º 1 que à promessa de contratar «são aplicáveis as disposições

legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por

sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa».

Consagra, assim, a referida disposição legal o princípio da equiparação, embora

atenuado por duas excepções. Vale isto por dizer que, quanto aos requisitos e efeitos,

são aplicáveis ao contrato-promessa quer as normas que disciplinam os contratos em

geral, quer as normas que consagram a regulamentação específica do contrato

prometido. Assim, por exemplo, serão aplicáveis ao contrato-promessa as normas

sobre a capacidade das partes ou as normas que imponham determinadas proibições

de aquisição no âmbito do contrato prometido.

Como vai dito, ao princípio da equiparação abre a Lei duas relevantes

excepções, a saber: não se aplicam ao contrato-promessa as normas relativas à forma

do contrato prometido bem como as normas que, pela sua razão de ser, não se lhe

devam considerar extensivas.

Vejamos, então, cada uma das excepções.

3.1 A Forma do Contrato-Promessa.

Encontrando-nos em face de uma das excepções ao princípio da equiparação, não se

aplicam ao contrato-promessa as normas que disciplinam a forma do contrato

prometido. Cabe, pois, questionar sobre a forma que o contrato-promessa deverá

revestir.

2 Vide Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho. 3 Vide Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro. 4 Vide Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho.

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Como regime geral vigora para o contrato-promessa o princípio da liberdade de

forma (art. 219.º), o que vale por dizer estarmos em face de um contrato não formal. A

este regime, abre, porém, a Lei duas excepções previstas nos ns.º 2 e 3 do art. 410.º.

Debrucemo-nos sobre cada uma delas. Dispõe o n.º 2 do art. 410.º que «a promessa

respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico,

quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou

por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral». Daqui decorre

que caso a Lei exija para o contrato prometido a necessidade do mesmo revestir a

forma escrita, o respectivo contrato promessa deverá ser, igualmente, reduzido a

escrito e conter a assinatura de ambas as partes ou só de uma delas consoante ambas

se vinculem à celebração do contrato prometido (promessa bilateral) ou apenas uma

das partes se vincule à sua celebração (promessa unilateral). Quer isto significar que,

no caso de promessa unilateral, apenas será necessário a assinatura do promitente

sendo suficiente, do lado do promissário, uma simples manifestação de vontade

informal. Vale dizer, deve assinar o contrato-promessa quem seja, de facto, promitente.

Trata-se de uma formalidade “ad substanciam” pelo que a sua inobservância

acarretará, em princípio, a nulidade do contrato-promessa (art. 220.º).

Tem sido largamente debatida quer pela doutrina quer pela jurisprudência a

questão da validade do contrato-promessa bilateral reduzido a escrito mas apenas

assinado por um dos promitentes. Duas soluções, colhidas dos institutos consagrados

na parte geral do Código Civil, têm sido adiantadas. Parte substancial da doutrina

pugna pela aplicação a esta temática do instrumento da redução do negócio jurídico

(art. 292.º). Não falta, porém, quem sustente a aplicação do instituto da conversão ao

contrato-promessa sinalagmático tão só assinado por um dos contraentes. Os

mecanismos das reduções ou da conversões são, como é consabido, distintos.

O instrumento da redução visa o aproveitamento do negócio jurídico, depois de

expurgada a parte atingida pela invalidade. Destarte, no caso de contrato-promessa

bilateral assinado apenas por um dos contraentes, o negócio restringe-se a um

contrato-promessa unilateral. Todavia, resulta da segunda parte do art. 292.º que a

invalidade total se produzirá quando o contraente que nisso tenha interesse demonstre

que o negócio «não teria sido concluído sem a parte viciada». Assim, o contraente

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interessado na invalidade total do contrato-promessa tem o ónus de alegação e prova

dos factos demonstrativos que o mesmo não teria sido celebrado se não fosse bilateral.

Só nesse caso, o contrato-promessa será totalmente inválido. Por seu turno, o

contraente interessado no aproveitamento do contrato-promessa, embora restringido a

um promessa unilateral, encontra-se desonerado de provar que a vontade hipotética

das partes seria a de manter o contrato-promessa ainda que limitado ao esquema de

promessa unilateral.

A aplicação do instituto da conversão (art. 293.º) implica, ao contrário da

redução, que se considere que a falta de assinatura de um dos contraentes origina a

nulidade de todo o contrato-promessa. Existe, porém, uma diferença assinalável entre

os dois institutos. No caso da redução, e como vai referido, o contrato-promessa

mantém-se, ainda que parcialmente, válido, salvo se o contraente interessado na

invalidade total provar que não o teria celebrado sem a parte inválida. No caso da

conversão, sendo o contrato-promessa assinado apenas por um dos contraentes nulo,

recairá sobre o contraente interessado na manutenção do contrato o ónus de prova de

que a vontade hipotética de ambas as partes era a do aproveitamento do contrato-

promessa convertido numa promessa unilateral.

De salientar que em qualquer uma das situações se impõe o recurso aos

ditames da boa-fé, de acordo com as regras da integração dos negócios jurídicos (art.

239.º).

Sobre esta temática já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça através do

Assento de 29/11/19895, o qual firmou a seguinte doutrina: «No domínio do texto

primitivo do n.º 2 do artigo 410.º do Código Civil vigente, o contrato-promessa bilateral

de compra e venda de imóvel exarado em documento assinado apenas por um dos

contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral,

desde que essa tivesse sido a vontade das partes». O Assento não qualificou

juridicamente a sua fundamentação, não deixando de modo claro e inequívoco a opção

pelo instituto da redução ou da conversão.

5 Publicado no Diário da República de 23/02/1990 I-Série-A.

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Em nossa opinião, e tendo em conta o elemento sistemático da interpretação da

lei, propendemos para a aplicação do instituto da redução. Desde logo, e tendo em

conta a unidade do sistema jurídico, assiste-se hoje a uma preocupação por parte do

legislador em tutelar os interesses do consumidor. Ora, a prática demonstra-nos à

saciedade que uma quantidade apreciável de contratos-promessa têm por objecto

mediato a compra de unidades habitacionais a contraentes profissionais, por via de

regra empresas especializadas. De forma a melhor tutelar os interesses do

adquirente/consumidor, compreende-se deva recair sobre o promitente-vendedor, cada

vez mais um profissional, o ónus de prova de que a vontade hipotética das partes seria

a da não celebração do contrato-promessa sem a vinculação de ambos os contraentes.

No que tange aos contratos-promessa relativos à celebração de contratos

onerosos de transmissão ou de constituição de direitos reais sobre edifícios, ou suas

fracções autónomas, construídos, em fase de construção ou apenas projectados, o art.

410.º n.º 3 preceitua que o documento escrito contenha «o reconhecimento presencial

das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que

realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de

construção». Compreende-se a maior solenidade imposta aos referidos contratos-

promessa tendo em conta a sua relevância social e dos respectivos prometidos

contratos. Com a certificação da existência da licença de utilização (para o caso do

edifício já se encontrar construído), ou da licença de construção (para o caso do

edifício ainda não se encontrar concluído), pretendeu o legislador criar mais uma

medida de combate à construção clandestina e, simultaneamente, proteger o

adquirente (evitando que este venha a adquirir uma construção clandestina).

Para o caso dos promitentes não observarem a forma imposta – isto é,

reconhecimento presencial e a certificação, pela entidade que realiza aquele

reconhecimento, da existência da licença de utilização ou de construção - , estabelece

a segunda parte do art. 410.º n.º 3 a seguinte disciplina: «contudo, o contraente que

promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos

quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte». Consagra-se,

assim, uma nulidade mista ou atípica que representa um desvio do regime-comum

consagrado no art. 286.º. Com efeito, e como princípio, a nulidade apenas pode ser

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invocada, nos termos gerais, pelo promitente adquirente. O promitente da transmissão

ou constituição do direito real apenas pode invocar a nulidade do contrato-promessa

quando a omissão dos aludidos requisitos tenha sido culposamente causada – seja

através de dolo ou de simples negligência – pelo beneficiário da promessa de

transmissão ou de constituição do direito real. Quanto a este, parece evidente não

poder arguir a nulidade quando a falta de observância dos requisitos de forma lhe

sejam imputáveis, pois tal arguição representaria um claro abuso de direito na tipologia

“venire contra factum proprium”.

Poderá questionar-se se, sendo a nulidade aqui prevista uma nulidade atípica,

pode a mesma ser invocada por terceiros interessados ou se a mesma é do

conhecimento oficioso (cfr. art. 286.º). Actualmente, parece ser pacificamente aceite o

entendimento segundo o qual não pode a referida nulidade ser arguida por terceiros.

Mutatis mutandis quanto ao seu conhecimento oficioso, sendo hoje aceite não ser a

nulidade aqui prevista do conhecimento oficioso.

No que tange à arguição da nulidade por terceiros interessados pronunciou-se o

Supremo Tribunal de Justiça, através do Assento n.º 15/94, de 28/06/19946, o qual

firmou a seguinte doutrina: «No domínio do n.º3 do artigo 410.º do Código Civil

(redacção do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades

previstas nesse número não pode ser invocada por terceiros». Deste modo, ficou

arredada a possibilidade de arguição da nulidade por terceiros como consequência da

inobservância dos requisitos de forma especiais previstos na citada disposição legal.

No que concerne ao conhecimento oficioso da mencionada nulidade, foi o

mesmo objecto do Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/95, de 01/02/19957 o

qual fixou a seguinte orientação: «No domínio do n.º 3 do art. 410.º do Código Civil

(redacção do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades

previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal». Ficou

destarte, também, excluída a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade como

6 Publicado no Diário da República de 12/10/1994, I-Série-A. 7 Publicado no Diário da República de 22/04/1995, I-Série-A.

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consequência da não observância de qualquer das formalidades mencionadas na

referida disposição legal8.

3.2 As Normas Não Extensivas ao Contrato-Promessa

A segunda excepção ao princípio da equiparação reporta-se às normas do contrato

prometido que, pela sua razão, não se devam considerar extensivas ao contrato-

promessa. Torna-se, assim, necessário atender à razão de ser da norma aplicável ao

contrato prometido para determinar se a mesma é, ou não, aplicável ao respectivo

contrato-promessa. Assim, por exemplo, não serão aplicáveis ao contrato-promessa as

normas relativas à transmissão da propriedade nos contratos de alienação. Com base

neste critério será válido o contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia (art.

892.º), bem como o contrato-promessa relativo à alienação de imóveis próprios ou

comuns, quando vigore entre os cônjuges um dos regimes da comunhão, ainda que

falte o consentimento de um dos cônjuges (art. 1682.º-A). Em ambos os casos o

promitente não transmite a propriedade, apenas se obrigando a uma alienação em si

mesma possível.

4. Transmissão dos Direitos e Obrigações das Partes

Resulta do art. 412.º que o complexo de direitos e obrigações que integram o

contrato-promessa são, em princípio transmissíveis por morte ou por acto entre vivos.

No que concerne à transmissão por morte do promitente aplicam-se as regras dos arts.

2024.º e seguintes. Vale dizer, se A e B celebram um contrato-promessa de compra e

venda de um edifício, através do qual A promete vender a B que reciprocamente

promete comprar o referido edifício, e se A morrer sucedendo-lhe, por ex., o cônjuge e

um filho (C e D), transmitir-se-á para estes a posição de A, pelo que poderão exercer

os direitos de que aquele era titular, assim como podem ser forçados a cumprir as

obrigações do “de cujus” (isolada ou conjuntamente conforme o resultado da

sucessão). 8 Merece destaque o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2007 (Proc. n.º07B2027) segundo o qual «o não reconhecimento notarial das assinaturas acarreta a nulidade do contrato, sendo irrelevante o facto de, previamente ao acto de assinatura do contrato, as partes, por mútuo acordo, dispensaram as referidas formalidades».

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Já no que toca à transmissão por acto entre vivos aplicar-se-ão as regras da

cessão da posição contratual (art. 424.º), ou da cessão de créditos (art. 577.º) na

hipótese de apenas ser transmitido um direito de crédito.

Todavia, os direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa de natureza

exclusivamente pessoais não são transmissíveis. Destarte, caso o contrato-promessa

tenha para um ou para ambos os promitentes natureza “intuitu personae” não serão

transmissíveis os respectivos direitos e obrigações. Impede assim a lei a transmissão

da posição contratual quando o contrato-promessa ser revele absolutamente

indissociável da pessoa dos promitentes.

5. A Eficácia Real da Promessa.

Como é consabido, o contrato-promessa, como regra geral, apenas produz

efeitos “inter partes” (art. 406.º). Admite, porém, o art. 413.º que a partes atribuam

eficácia real «à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens

imóveis ou móveis sujeitos a registo». Com a atribuição de eficácia real ao contrato-

promessa este passa a ter eficácia “erga omnes” própria dos direitos reais, pelo que

surge um direito de crédito dotado de eficácia real. Destarte serão ineficazes todos os

actos de disposição ou oneração referentes ao bem objecto do contrato prometido,

desde que não estejam registados antes do contrato-promessa. Daqui resulta que a

posterior alienação do bem prometido vender não afasta a possibilidade do promitente

fiel recorrer à execução específica do contrato-promessa e, dessa forma, obter uma

sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente faltoso. É, deste

modo, ineficaz o acto de transmissão do bem objecto do contrato prometido, estando o

respectivo contrato-promessa dotado de eficácia real.

Dispõe o art. 413.º sobre os requisitos do contrato promessa dotado de eficácia

real. De acordo com a referida disposição legal, para que um contrato-promessa goze

de eficácia real torna-se necessário:

a) que haja uma declaração expressa nesse sentido (art. 413.º n.º 1);

b) que a promessa conste de escritura pública ou de documento particular

autenticado; todavia, caso a lei não exija forma tão solene para o contrato

prometido, torna-se suficiente a existência de documento particular com o

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reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas (art.

413.º n.º 2)9;

c) que o contrato-promessa seja inscrito no registo (art. 413.º n.º 1); só após a

inscrição no registo do contrato-promessa este adquire eficácia real.

Destarte, ainda que estejam respeitados os requisitos referidos nas alíneas

a) e b) supra, mas não se encontre o contrato-promessa inscrito no registo,

gozará o contrato-promessa de eficácia meramente obrigacional.

6. O Incumprimento

O não cumprimento do contrato-promessa encontra-se subordinado à disciplina

geral sobre o incumprimento das obrigações. Todavia, encontram-se previstas na Lei

especificidades a respeito do incumprimento do contrato-promessa que importa

analisar. Em concreto, e perante um quadro de incumprimento abrem-se ao promitente

fiel dois caminhos que pressupõem, respectivamente, a mora e o incumprimento

definitivo. São eles a execução específica e a resolução do contrato-promessa.

6.1 A Execução Específica (art. 830.º)

Preceitua o n.º 1 do art. 830.º que «se alguém se tiver obrigado a celebrar certo

contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em

contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso,

sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida». Daqui resulta

que, sendo o contrato-promessa sinalagmático, se algum dos promitentes não celebrar

o contrato prometido, assiste ao promitente fiel o direito de obter uma sentença que

supra a falta de manifestação de vontade do promitente faltoso. Nisto consiste a

execução específica, isto é, no poder do promitente fiel em obter do Tribunal uma

9 Por força do Decreto-Lei n.º 250/96, de 24 de Dezembro, foram abolidos os reconhecimentos notariais feitos por semelhança e sem menções especiais relativas aos signatários. Dispõe o art. 2.º que «a exigência em disposição legal de reconhecimento por semelhança ou sem determinação de espécie considera-se substituída pela indicação, feita pelo signatário, do número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte».

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sentença que supra a inércia do promitente faltoso. Deste modo, a sentença que julgue

procedente o pedido de execução específica produz exactamente os mesmos efeitos

jurídicos que o contrato prometido se destinava a produzir (sentença constitutiva). Esta

sentença, proferida em processo declarativo, substitui não só a falta de manifestação

de vontade do promitente faltoso como a do promitente fiel, pelo que possui a mesma

eficácia do contrato prometido, mesmo para efeitos de registo, se o contrato-prometido

for susceptível de registo.

É pressuposto da execução específica a mora do promitente faltoso e não o

incumprimento definitivo do contrato. Com efeito se, em face do inadimplemento do

promitente faltoso, o promitente fiel recorre à execução específica é porque mantém

interesse na prestação devida. Destarte, o recurso à execução específica significa que

o promitente fiel considera como um simples atraso a violação do contrato por parte do

promitente faltoso, mantendo interesse na realização da prestação em dívida. De outra

forma, se o promitente fiel não mais tivesse interesse fundado na prestação debitória,

consideraria o contrato-promessa definitivamente incumprido e declararia a sua

resolução10.

De salientar que o recurso à execução específica não obsta a que o promitente

fiel seja indemnizado pelos danos decorrentes da mora, pois nenhuma razão

juridicamente relevante existe para fixar um regime especial distinto do regime geral do

incumprimento temporário da obrigação (art. 804.º).

10 Poderá, no entanto, haver lugar à execução específica na hipótese de declaração antecipada de não cumprir por parte do promitente vendedor. Com efeito, no caso desta declaração de não querer ou não poder cumprir ser revelar pela sua natureza certa, séria e segura, configura uma situação de incumprimento definitivo, sendo desnecessário e até inútil forçar o promitente comprador a recorrer à interpelação admonitória para converter a mora em incumprimento definitivo. Neste caso, e apesar do promitente vendedor se encontrar numa situação de incumprimento definitivo, poderá ainda o promitente comprador ter interesse na realização da prestação debitória, pelo que lhe assistirá o direito de recorrer à execução específica ou optar pela resolução do contrato, assim se desvinculando do contrato, sem ter que recorrer previamente ao estatuído no art. 808.º. Vide nesse sentido José Carlos Brandão Proença in “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, Coimbra, 1987, pág. 115. Ensina o Ilustre autor: «dissemos, na altura, que a execução específica surge como prima ratio e que a pretensão em que ela assenta pressupõe naturalmente a mora no cumprimento da promessa ou um incumprimento definitivo na forma de recusa categórica e inequívoca. A resolução … é, assim, um ultimum subsidium ou um remédio excepcional, ligado como está, em regra, ao incumprimento definitivo e à impossibilidade de cumprimento (por violação ou não do contrato), com um escopo essencialmente liberatório e de exercício pelo contraente legitimado».

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Como resulta na norma contida no n.º1 da citada disposição legal, o promitente

fiel apenas poderá recorrer à execução específica caso não haja «convenção em

contrário» ou, caso «a natureza da obrigação assumida» não se oponha à mesma.

No que respeita à primeira hipótese, admite-se pois que as partes convencionem

excluir o recurso à execução específica, pelo que esta apenas terá lugar se as partes

não a afastarem, o que confere natureza supletiva à citada norma. Não se torna,

porém, necessário que as partes manifestem expressamente a sua vontade no sentido

de afastar a aplicação das regras da execução específica. Com efeito, estipula o n.º 2

do art. 830.º entender-se existir convenção em contrário, assim se afastando a

execução específica, a existência de sinal ou de cláusula penal para a hipótese de

incumprimento da promessa. Nestes casos – existência de sinal ou de cláusula penal –

presume-se ter sido vontade das partes que a consequência do incumprimento do

contrato-promessa fosse determinada apenas com base no recurso à aplicação das

regras relativas ao sinal ou à cláusula penal. No fundo seria como que um preço que o

promitente faltoso pagaria em consequência do seu incumprimento (ainda que

ilegítimo), e da inerente desvinculação do contrato-promessa.

Estamos, porém, em face de uma presunção ilidível (art. 350.º), pelo que nada

impede que as partes, mesmo num contrato-promessa sinalizado ou com cláusula

penal, convencionem manter em aberto a possibilidade de recurso à execução

específica para o caso de incumprimento da promessa. Nesse caso diremos que as

partes ilidíram a presunção constante do n.º 2 do art. 830.º do que resulta que, apesar

de estarmos em face de um contrato-promessa com sinal ou clausula penal, será

sempre possível ao promitente fiel recorrer à execução específica.

Preceitua o n.º 3 do art. 830.º que o direito à execução específica não pode ser

afastado pelas partes nas promessas respeitantes a contratos onerosos de

transmissão ou constituição de direitos reais sobre edifícios, ou suas fracções

autónomas, já construídos, em construção ou a construir. Trata-se aqui de uma norma

imperativa, não podendo ser afastada pela vontade das partes, sendo, por essa razão,

nula a cláusula que exclua a execução específica. Destarte, neste tipo de contratos-

promessa, mesmo existindo sinal ou cláusula penal, assistirá sempre ao promitente fiel

o direito (potestativo) de execução específica. Pretendeu o legislador tutelar a posição

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José Diogo Falcão

14

do promitente mais fragilizado, habitualmente o promitente comprador de uma unidade

habitacional, sendo de salientar, porém, que, os termos amplos em que a norma se

encontra redigida, permite interpretá-la no sentido de se aplicar a qualquer edifício

independentemente do seu fim.

Com vista a restabelecer o equilíbrio entre as posições dos promitentes,

estabelece a segunda parte do n.º 3 do art. 830.º que «a requerimento do faltoso,

porém, a sentença que produza os efeitos da declaração negocial pode ordenar a

modificação do contrato nos termos do artigo 437.º, ainda que a alteração das

circunstâncias seja posterior à mora». Naturalmente que o regime geral da resolução

ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, disciplinado nos arts.

437.º a 439.º se aplica a qualquer contrato-promessa. A especificidade em sede de

execução específica assenta no facto do promitente faltoso poder requerer a

modificação do contrato-promessa11 com base na alteração anormal das

circunstâncias, mesmo no caso deste se encontrar em mora, o que representa um claro

desvio à norma prevista no art. 438.º. Permitindo a Lei a modificação do contrato-

promessa a pedido do promitente faltoso, quando este se encontre em mora, deverá o

Tribunal actuar de forma prudente recorrendo aos princípios da boa fé de forma a evitar

soluções injustas para o promitente fiel.

Em termos estritamente adjectivos, o pedido de modificação do contrato,

representando uma pretensão autónoma do promitente faltoso, deve ser deduzido em

sede reconvencional.

Sucede frequentes vezes as partes convencionarem que a transmissão do

edifício ou fracção autónoma dele é feita livre de ónus e encargos, encontrando-se,

porém, o edifício ou a fracção autónoma onerados com uma hipoteca, a qual subsiste

após a alienação. Neste caso, assistindo ao promitente fiel adquirente o direito de

expurgar a hipoteca, nos termos previstos no art. 721.º, atribui-lhe o n.º 4 do art. 830.º a

faculdade de pedir, na acção destinada a obter a execução específica, a condenação

do promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor

correspondente à fracção do edifício e dos respectivos juros vencidos e vincendos.

11 Mas já não a resolução do contrato por esta ser incompatível com a execução específica.

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José Diogo Falcão

15

No caso do contrato prometido admitir ao promitente faltoso invocar a excepção

do não cumprimento, preceitua o n.º 5 do art. 830.º que a acção improcede, se o

promitente fiel não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado

pelo Tribunal. Assim, e a título de exemplo, num contrato-promessa de compra e venda

a acção não procederá no caso do promitente comprador não consignar em depósito o

preço convencionado em falta no prazo estipulado pelo Tribunal.

Alguma doutrina12 tem entendido que a consignação em depósito do preço não

actua como um pressuposto para a apreciação do mérito da acção de execução

específica. Dito por outras palavras, a falta de consignação em depósito do preço não

provoca a improcedência liminar da acção de execução específica. Esta orientação

justifica-se no facto da excepção do não cumprimento não ser de conhecimento

oficioso, pelo que carece de ser invocada pelo promitente faltoso na sua contestação.

Destarte, só após o Tribunal apreciar a excepção do não cumprimento e caso esta

proceda deverá então, na decisão final que decrete a execução específica, o Tribunal

fixar um prazo para que o requerente proceda à consignação em depósito do preço. O

que significa que, caso o requerente da execução específica, não consigne em

depósito o preço em falta – o preço ainda em dívida - dentro do prazo fixado pelo na

sentença, a acção improcederá.

Estaria, assim, a procedência da execução específica dependente do

pagamento ou consignação em depósito do preço no prazo fixado pela sentença, cujo

“dies a quo” ocorreria no dia do trânsito em julgado daquela decisão final. Dito por

outras palavras, estaríamos em face de uma sentença sob condição.

É, todavia, possível sustentar entendimento diverso, porventura mais ajustado

ao sentido e alcance decisivos na norma. Com efeito, parte da doutrina13 tem vindo a

considerar que a consignação em depósito deverá ser realizada antes de proferida a

sentença que decrete a execução específica. Para o efeito, justifica tal entendimento

com o facto da sentença constitutiva ter como efeitos naturais a transmissão da

propriedade do bem objecto do contrato prometido e a sua entrega contra o pagamento 12 Vide Almeida Costa in “Contrato-Promessa, Uma Síntese do Regime Vigente, 9.ª edição, Almedina, págs. 60 a 63. 13 Vide João Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 13.ª Edição, Almedina, págs. 180 a 183.

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16

do preço. E, para evitar o risco da transferência da propriedade não ser acompanhada

do pagamento do preço, com prejuízo para o promitente vendedor, a consignação em

depósito actuaria como um pressuposto para a apreciação do mérito e procedência da

acção de execução específica. Deste modo, caso o promitente vendedor invoque na

sua contestação a “exceptio non adimpleti contractus”, a acção improcede se o

promitente comprador não consignar em depósito, dentro do prazo que lhe for fixado

pelo Tribunal, o preço em falta. Daqui decorre que, para ser decretada a execução

específica, deverá a consignação em depósito ser previamente realizada. De outro

modo, a sentença que julgasse procedente a acção de execução específica seria

decretada sob condição do depósito ser realizado posteriormente, em prazo a fixar pela

sentença.

Do que acaba de se expor resulta que, caso não seja realizado o pagamento ou

o depósito do preço dentro do prazo fixado pelo Tribunal, deverá ser julgada

improcedente a acção de execução específica sem necessidade de apreciação do

mérito da causa. Com efeito a apreciação do mérito da causa ficaria prejudicada por se

tornar inútil tendo em conta a inexorável improcedência da acção decorrente da falta do

depósito do preço.

Embora compreendendo as razões subjacentes à posição doutrinal referida em

primeiro lugar, propendemos para esta última orientação por a considerarmos mais

consentânea quer com a letra quer com os interesses que a Lei pretendeu acolher.

De “jure condendo” entendemos, porém, que a consignação em depósito deverá

poder ser substituída por uma garantia bancária “on first demand” ou garantia

equivalente, evitando desse modo a necessidade do promitente comprador ter que

dispor do valor do preço em falta por período de tempo que se pode revelar longo.

Conforme vai supra referido, o n.º 1 “in fine” do art. 830.º também exclui o

recurso à execução específica caso «a natureza da obrigação assumida» se oponha à

mesma.

Estamos perante contratos-promessa que, quer pela natureza dos interesses em

jogo quer pela própria natureza da sentença a proferir, não se coadunam com a

realização coactiva da prestação debitória.

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17

É o que sucede com as promessas de prestação de serviços ou o contrato-

promessa de trabalho, pois a natureza intuitu personae da prestação debitória não é

conciliável com a sua realização coactiva, ainda que, nesse caso, o promitente faltoso

possa incorrer em responsabilidade contratual.

Mutatis mutandis quanto aos contratos reais «quoad constitutionem», como será

o caso dos contratos-promessa de depósito, de penhor, de comodato ou de mútuo, na

medida em que, sendo estes contratos reais, a sua celebração não depende apenas da

emissão de uma declaração de vontade por parte dos contraentes mas também da

prática de um acto material consistente na entrega de uma coisa.

Do mesmo modo, faltando a licença de utilização quando a Lei obriga à sua

existência, também a execução específica não pode ser declarada, pois doutra forma

estaríamos a admitir, por via judicial, a celebração do contrato prometido quando a Lei

não o consente.

A execução específica fica igualmente inviabilizada se, estando o contrato-

promessa apenas dotado de eficácia obrigacional, o promitente vendedor aliena

previamente a coisa objecto do contrato prometido a terceiro (que procede ao imediato

registo da aquisição do bem, estando este sujeito a registo). Pois aqui, a sentença que

decretasse a execução específica do contrato estaria a promover a venda de uma

coisa alheia. Restará pois ao promitente fiel declarar a resolução do contrato-promessa

e exigir do promitente faltoso o pagamento duma indemnização calculada nos termos

que adiante serão analisados.

Já não será assim, porém, se o contrato-promessa se encontrar dotado de

eficácia real estando registado nos termos previstos na norma do n.º 1 do art. 413.º.

Neste caso, mesmo que o promitente vendedor tenha disposto a favor de terceiro do

bem objecto do contrato prometido, deve entender-se que a atribuição de eficácia real

permite sempre recorrer à execução específica (ainda que estejamos em face de um

contrato-promessa no qual as partes convencionaram sinal ou cláusula penal).

Para além das situações supra descritas, e como vai acima referido, é válido o

contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia (art. 892.º), bem como o

contrato-promessa relativo à alienação de imóveis próprios ou comuns, quando vigore

entre os cônjuges um dos regimes da comunhão, ainda que falte o consentimento de

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um dos cônjuges (art. 1682.º-A), pois em ambos os casos o promitente não transmite a

propriedade, apenas se obrigando a uma alienação em si mesma possível. Sempre se

dirá, porém, que, também nestas situações, torna-se impraticável a execução

específica pois não cabe ao Tribunal substituir o terceiro ou o cônjuge do promitente

que não interveio no contrato-promessa. Restará assim ao promitente fiel declarar a

resolução do contrato e optar pelo mecanismo indemnizatório.

6.2 A Resolução do Contrato-Promessa

Como vai acima referido, a opção pela execução específica pressupõe que o

promitente faltoso se encontre em mora. Já a resolução do contrato pressupõe o

incumprimento definitivo do contrato-promessa, assistindo, em consequência, ao

promitente comprador o direito de extinguir o contrato e exigir a indemnização prevista

no n.º2 do art. 442.º.

A título de nota introdutória, importa saber se estamos em face de um contrato-

promessa no qual as partes convencionaram, ou não, sinal.

Por sinal entende-se uma coisa, habitualmente uma quantia em dinheiro

(embora nada impeça que o sinal possa ser constituído por outra coisa fungível ou não

fungível), que um dos contraentes entrega à contraparte no momento da celebração do

contrato (podendo, todavia, ser entregue em momento ulterior), destinada a comprovar

a seriedade do propósito negocial e a actuar como garantia do seu cumprimento ou da

indemnização devida no caso do tradens incumprir o contrato.

No que tange ao contrato-promessa de compra e venda o art. 441.º estabelece a

presunção de que assume a natureza de sinal toda a «quantia entregue pelo

promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou

princípio de pagamento do preço». Trata-se, no entanto, de uma presunção juris

tantum (art. 350.º). Daqui resulta que num contrato-promessa de compra e venda toda

a quantia pecuniária que o promitente comprador entregue ao promitente vendedor

assume a natureza de sinal e de antecipação do preço convencionado.

Antes de analisarmos a temática relativa ao incumprimento do contrato-

promessa importa ter em conta o estatuído no n.º 1 art. 442.º, o qual é aplicável a

qualquer contrato e não exclusivamente ao contrato-promessa. Dispõe a referida

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disposição legal que «quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na

prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível». Daqui resulta

que, em caso de cumprimento do contrato (inclusive do contrato-promessa) a coisa

entregue a título de sinal, normalmente uma quantia em dinheiro, será computada na

prestação debitória o que implicará uma operação de mero cálculo para quantificar o

valor daquela prestação ainda em dívida.

De modo diverso se passam as coisas se o sinal entregue não for uma quantia

em dinheiro, mas antes uma coisa (fungível ou não fungível) não sendo possível a sua

imputação na prestação devida. Neste caso, realizada a prestação devida pelo tradens

justifica-se a restituição do sinal, pois, de outra forma, assistiríamos a um

locupletamento sem causa por parte do accipiens.

Vejamos agora, como actua o regime do sinal em caso de incumprimento do

contrato-promessa imputável a um dos contraentes. Importa porém, e porque estamos

no âmbito do incumprimento do contrato-promessa, distinguir consoante nos

encontramos em face de um contrato-promessa no qual não foi estipulado a entrega de

sinal ou de um contrato-promessa sinalizado.

Caso não exista sinal, o promitente fiel poderá, após resolver o contrato, exigir

do promitente faltoso o pagamento de uma indemnização fixada nos termos gerais da

responsabilidade civil.

É, porém, outro o regime legal caso exista sinal. Neste caso poderão ser

diversos os caminhos que se abrem ao promitente fiel em caso de resolução de

contrato-promessa com sinal passado.

Preceitua a 1.ª parte do n.º 2 do art. 442.º que ao promitente fiel assiste o direito

de fazer seu o sinal recebido ou de exigir a sua restituição em dobro, consoante

incumprimento seja imputável à parte que o entregou ou à parte que o recebeu. Neste

caso, o sinal corresponde a uma sanção predeterminada para o incumprimento do

contrato aproximando-se da cláusula penal. Este facto tem levado a que parte da

doutrina e da jurisprudência venha pugnando pela aplicação do mecanismo da redução

equitativa da cláusula penal de montante excessiva previsto na norma constante do art.

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812.º ao contrato-promessa com sinal passado, por entender que a redução se justifica

em ambas as situações14.

Como alternativa ao dobro do sinal, estabelece a 2.ª parte do n.º 2 do art. 442.º

que, caso tenha ocorrida tradição da coisa objecto do contrato prometido, o promitente

que entregou o sinal pode, em face do incumprimento definitivo da contraparte, optar

por exigir uma indemnização correspondente ao aumento do valor da coisa ou do

«direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do

não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado», devendo

ainda ser-lhe restituído o sinal em singelo. Para melhor ilustrar este regime atente-se

no seguinte exemplo: A, como promitente vendedor, e B, como promitente comprador,

celebram um contrato-promessa de compra e venda do prédio X tendo convencionado

o preço de € 150.000,00, e tendo A entregue a B as chaves do prédio que este passou

a ocupar. Como sinal e princípio de pagamento B entregou a A € 15.000,00. Na data

acordada para a celebração do prometido contrato de compra e venda A recusa-se a

outorgar a prometida escritura pública. O valor do prédio objecto do contrato prometido

ascende, à data da recusa, a € 200.000,00. Neste caso, e em alternativa ao dobro do

sinal, assiste a B o direito de exigir de A uma indemnização calculada com base no

aumento do valor do prédio - € 50.000,00 – acrescida do sinal em singelo - € 15.000,00

–, o que perfaz o montante global de € 65.000,00, em vez dos € 30.000,00

correspondentes ao dobro do sinal.

Esta solução visa impedir que o contraente que promete transmitir ou constituir o

direito opte por incumprir o contrato-promessa motivado por razões de natureza

especulativa, sobretudo quando existe já existe tradição da coisa prometida transmitir.

A indemnização pelo aumento do valor da coisa prometida vender pressupõe a

existência simultânea de sinal (pois funciona como alternativa a este) e da prévia

tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, pelo que a “traditio rei” actua

como pressuposto desta modalidade indemnizatória. Desta sorte, caso não tenha

14 Vide nesse sentido Almeida Costa in Contrato-Promessa, Uma Síntese do Regime Actual, 9.ª ed., Almedina, pág. 70, António Pinto Monteiro in Clausula Penal e Indemnização, págs. 195 e seguintes. Na jurisprudência vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/1977 in BMJ, n.º 265, pág. 210 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/02/1983 (in BMJ, n.º 324, pág. 552). Em sentido contrário, vide João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4.ª ed., Coimbra, pág. 303.

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ocorrido aquela tradição o direito do promitente comprador queda-se pelo poder de

exigir, a título de indemnização, o dobro do sinal.

Como forma de garantir o crédito indemnizatório resultante do não cumprimento

imputável à outra parte, e como veremos adiante, o art. 755.º n.º 1 alínea f) concede ao

beneficiário da promessa de transmissão ou de constituição de direito real, que obteve

a tradição da coisa, um direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato prometido.

Dispõe a 2.ª parte do n.º 3 do art. 442.º que «se o contraente não faltoso optar

pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como estabelece o número anterior, pode

a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a

promessa, salvo o disposto no art. 808.º»15.

Com base nesta norma, o incumprimento do contrato-promessa, enquanto facto

que está na origem da aplicação das consequências previstas no n.º 2 do art. 442.º,

concretamente da indemnização correspondente ao dobro do sinal ou ao valor

actualizado da coisa ou do direito, deu lugar à construção de duas teses:

a) uma das teses entende ser suficiente a simples mora para que o promitente fiel

possa exigir a indemnização pelo sinal (perda ou pagamento em dobro), ou a

indemnização correspondente ao valor actualizado16.

b) A outra tese considera necessário proceder à compatibilização entre o n.º 2 do

art. 442.º e o n.º 1 do art. 808.º. Vale dizer, exige, como pressuposto necessário

para desencadear as sanções previstas no n.º 2 do art. 442.º, a necessidade do

promitente fiel converter a mora do promitente faltoso em incumprimento

definitivo. Isto é, o mecanismo sancionatório previsto na norma do n.º 2 do art.

442.º só deverá ser aplicado em caso de incumprimento definitivo e não na

15 Esta opção do promitente faltoso tem recebido por parte da doutrina a designação de “excepção do cumprimento do contrato-promessa”, vide, por todos, Almeida Costa in ob. cit., pág. 77. 16 Nesse sentido escrevem Pires de Lima /Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol,.I, pág. 423, «esta ressalva [do disposto no art. 808.º] significa que o direito de pedir, a título de indemnização, o aumento do valor da coisa pode ser exercido logo que o promitente-alienante incorra em mora … À face das alterações introduzidas no art. 442.º pelo Decreto-Lei n.º 379/86, também o direito de o promitente-adquirente exigir o dobro do sinal entregue, bem como o direito de o promitente-alienante fazer seu o sinal recebido, pressupõem apenas a mora da contraparte e não uma situação de incumprimento definitivo». No mesmo sentido, reportando-se ao sinal em dobro, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/03/1997 in CJ – AC. do STJ, ano V, t.I, págs. 161).

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José Diogo Falcão

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hipótese de simples mora. Esta última tese tem vindo a ser acolhida

maioritariamente pela jurisprudência17e pela doutrina18.

Aceitando – como aceitamos – esta última tese, segundo a qual a aplicação do

regime legal sinal e da alternativa pelo aumento do valor apenas se aplica em caso de

resolução por incumprimento definitivo (e não no caso de simples mora no

cumprimento), torna-se difícil determinar o sentido e alcance a atribuir à 2.ª parte do n.º

3 do art. 442.º. Com efeito, pressupondo a resolução do contrato-promessa por banda

do promitente comprador que este tenha perdido objectivamente interesse na

prestação, ou que tenha convertido a mora em incumprimento definitivo, nos termos do

art.808.º, torna-se incongruente que o promitente vendedor ainda se possa oferecer

para cumprir um contrato-promessa já resolvido.

Cabe, pois, perguntar qual a razão pela qual, optando o promitente fiel, em

consequência da resolução do contrato-promessa fundada no art.808.º, pelo aumento

do valor da coisa ou do direito, assiste ao promitente faltoso a possibilidade de se opor

ao exercício desse direito, oferecendo-se para cumprir a promessa «salvo o disposto

no art. 808.º»? Por outro lado, não se descortina com facilidade que interesse

juridicamente relevante poderá o legislador ter querido acolher ao ressalvar “in fine”

aplicação do disposto no art. 808.º (a chamada excepção do cumprimento), quando ao

promitente fiel é atribuído o direito de exigir o aumento do valor da coisa ou do direito,

após ter, precisamente nos termos do art.808.º, convertido a mora em incumprimento

definitivo e declarado a resolução do contrato-promessa.

17 Vide, a título de exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2010 (Proc. n.º 628/09.3YFLSB) «A mora não confere o direito de resolução do contrato; só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009 (Proc. n.º 449/09.3YFLSB.C1.S2) « A mora não é suficiente para desencadear o mecanismo indemnizatório do sinal, que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008 (Proc. n.º 08B773) «Só o incumprimento definitivo do contrato-promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato e desencadeia a aplicação das sanções consignadas no n.º2 do art.442.ºdo Código Civil»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2007 (Proc. n.º 07B1835) «No caso de incumprimento do contrato-promessa, a lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso: a execução específica (art.830.º do Código Civil), havendo simples mora, e a resolução do contrato (art. 432.º) havendo incumprimento definitivo»; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006 (Proc. n.º 06A3723) «A aplicação das sanções previstas no art. 442.º do Código Civil pressupõe o incumprimento definitivo e não a simples mora». 18 Vide, por todos, João Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 13.ª Edição, Almedina, págs. 140 a 154.

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José Diogo Falcão

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De forma a evitar a contradição da 2.ª parte do n.º 3 do art.442.º com as regras do

incumprimento das obrigações e com a resolução parece-nos correcta a doutrina que

pugna pela sua interpretação ab-rogante19. De facto, a 2.º parte do n.º 3 do art. 442.º

colide directamente com os princípios gerais do direito civil e do não cumprimento das

obrigações, pelo que para evitar essa contradição, que nos parece insanável, e,

simultaneamente por não encontramos utilidade relevante que justifique “in casu” a

«excepção do cumprimento» somos tentados a considerar como não escrita a norma

contida na 2.º parte desta disposição legal.

Por fim, estatui a 1.ª parte do n.º 3 do art. 442.º que «em qualquer dos casos

previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a

execução específica do contrato, nos termos do art. 830.º». Quer esta norma significar

que, existindo sinal, o promitente fiel pode recorrer à execução específica nos termos

gerais previstos no art. 830.º. Ou seja, será possível recorrer à execução específica

num contrato-promessa com sinal passado em duas situações, a saber: caso as partes

tenham ilidido a presunção prevista no n.º 2 do art. 830.º, ou no caso de contratos-

promessa a que se refere o n.º 3 do art. 410.º, situação em que, por força da natureza

imperativa da norma contida no n.º 3 do art. 830.º, será sempre possível o recurso à

execução específica mesmo nos contratos-promessa sinalizados, sendo inclusive nula

a cláusula em que as partes convencionem o contrário.

Parece ser, assim, supérflua a 1.ª do n.º 3 do art. 442.º, pois, em boa verdade, nada

acrescenta ao art. 830º, normativo que define os termos em que é possível obter uma

sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente faltoso.

De salientar que o recurso à execução específica não implica que tenha havido

“traditio rei”. Nesse sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu

Assento de 19/12/1989 segundo o qual «no domínio dos artigos 442.º n.º 2 e 830.º, n.º

1, do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de

Julho, o direito à execução específica não depende de ter havido tradição da coisa

objecto do contrato-promessa para o promitente comprador»20.

19 Nesse sentido João Calvão da Silva in ob. citada, pág. 153. 20 Publicado no Diário da República de 23/02/1990 I-Série-A.

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O n.º 4 do art. 442.º exclui, no caso de incumprimento do contrato-promessa, a

possibilidade do promitente fiel exigir qualquer outra indemnização «nos casos de

perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do amento do valor da coisa ou do

direito à data do não cumprimento». Esta norma merece duas observações. Por um

lado trata-se de uma norma supletiva, pelo que nada impede que as partes

convencionem disciplina diversa. Por outro lado, não impede a possibilidade de ao

promitente fiel assistir o direito a exigir outra indemnização baseada em facto distinto

do incumprimento do contrato-promessa. Pense-se no direito à indemnização por

benfeitorias realizadas pelo promitente comprador que adquiriu a tradição da coisa

objecto do contrato prometido.

6.3 O Direito de Retenção

O art.755.º n.º1 al. f) atribui um direito de retenção ao «beneficiário da promessa

de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se

refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não

cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º».

Resulta deste normativo que o titular do direito de retenção é o beneficiário de

qualquer contrato-promessa que tenha obtido a tradição da coisa objecto do contrato

prometido. Naturalmente que é pressuposto do direito de retenção a existência da

“traditio rei”, pois sem esta o direito de retenção deixa de ter objecto.

Vale dizer, o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito

real que não obteve a tradição da coisa não goza do direito de retenção, pois nada tem

para reter uma vez que nada lhe foi entregue.

Estamos em face de um direito real de garantia cuja finalidade é garantir o

crédito do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real em

face do incumprimento imputável à contraparte. Ora, esse crédito, que o direito de

retenção visa garantir, consiste no dobro do sinal, no aumento do valor da coisa ou da

indemnização convencionada, conforme resulta do n.º 4 do art.442.º, o qual tem como

facto constitutivo o incumprimento definitivo do contrato-promessa por banda da parte

que promete transmitir ou constituir o direito real.

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Trata-se de uma garantia que se enquadra no âmbito da protecção dos

consumidores, designadamente do promitente adquirente não profissional que obteve a

“tradidio rei”. O direito de retenção, tal como vai consagrado no art. 755.º n.º 1 al. f),

encontra a sua justificação na reforçada expectativa por parte do promitente comprador

que obteve a “traditio rei” de que o contrato prometido será celebrado. Para além do

direito de retenção actuar como um direito real de garantia (de que o crédito

indemnizatório do beneficiário será satisfeito), tem igualmente uma natureza coerciva

no sentido de pressionar o promitente alienante a pagar a indemnização devida.

Enquanto direito real de garantia atribui prioridade ao respectivo titular de ser

pago, com preferência a qualquer outro credor, pelo valor do bem objecto do contrato

prometido. O direito de retenção prefere inclusivamente à hipoteca registada

anteriormente (art. 759.º n.º2). Esta prevalência tem motivado, no entanto, a crítica da

doutrina, por se entender que o promitente vendedor/construtor poderá, por via da

referida prevalência, prejudicar a instituição financiadora da obra ainda que o crédito

desta esteja protegido por hipoteca. Bastaria, para o efeito, que o promitente vendedor,

em fase de acabamento da construção do edifício, entregasse as chaves deste ao

promitente comprador para que este nele se instalasse. Por esta via, o crédito

indemnizatório a que o promitente comprador tem direito, em consequência do

incumprimento definitivo do promitente vendedor, encontra-se protegido pelo direito de

retenção o qual prevalece sobre a garantia real anteriormente registada da instituição

financiadora, podendo inclusivamente esvaziar-se desse modo a garantia resultante da

hipoteca21.

Esta norma (contida no n.º 2 do art. 759.º) já viu a sua inconstitucionalidade ser

suscitada por diversas vezes. Porém, o Tribunal Constitucional nos seus acórdãos n.º

356/04 de 19/04/2004, e 594/03 de 03/12/2003 pronunciou-se no sentido da

constitucionalidade da referida norma22.

Ao consagrar o presente regime pretendeu o legislador tutelar os interesses do

promitente-comprador/consumidor quando em confronto com os interesses das

21 Vide Antunes Varela in Sobre o Contrato-Promessa, 2.ª ed. Coimbra Editora, pág. 154 a 157. 22 Também no sentido da constitucionalidade na norma contida no n.º 2 do art. 759.º pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 18/12/2007 (Proc. n.º 07B4123).

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instituições financiadoras, em especial quando se está perante a compra de imóvel

destinado à habitação23.

23 vide a este respeito Ribeiro de Faria in Direito das Obrigações, I, Coimbra 1990, pág. 281. Ensina o Ilustre Autor que «no diferendo ou jogo de interesses polarizado em torno de um consumidor final e das instituições de crédito, a lei, repensando tudo, deixou-se cair uma vez mais para o lado do primeiro. E bem. É que as armas com que as instituições de crédito se podem defender neste contexto levam de longe a palma às capacidades de defesa dos simples consumidores. Àquelas basta, na verdade, para se tutelarem adequadamente, seleccionar os créditos a conceder».