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JOSÉ ABRAÃO OP - Naquela época , aonde o se- nhor pensava em chegar? José Otoch - Sempre fui mui- to audacioso e confiante em mim mesmo. Eu queria che- gar no infinito. Não dava por menos, não. (risos) OP - E como o senhor atravessou, por exemplo, o período da Dita- dura Militar? José Otoch - Foi o melhor pe- ríodo da minha vida, onde se ganhava dinheiro hones- tamente. Foi a época em que a gente ganhava dinheiro de verdade. Sou contra dita- dura, mas era uma ditadura amena... A prova é que você não viu nenhum militar mor- rer rico. Quer dizer que eles eram super-honestos, tá en- tendendo? O mais fraco foi o Costa e Silva, mas não foi tão mal. OP - Como eles favoreceram os empresários? José Otoch - Você podia tra- balhar honestamente, seria- mente, que eles apoiavam tudo. A gente passava o ano trabalhando, ganhava pouco dinheiro, mas o dinheiro va- lia. O pouco que se ganhava era respeitado. Foi a melhor época da minha vida, foi a época da ditadura. Infeliz- mente, tenho que dizer isso. Porque não apoio ditadura, mas era uma ditadura que eles queriam o bem e a gran- diosidade do Brasil. Agora mesmo, a gente está vendo coisas que não podiam exis- tir... Não entendo de política, não sou político, mas gosto muito do Nordeste, sou apai- xonado por esta terra. Procu- ro fazer tudo pelo Nordeste. A prova é que o Hospital Monte Klinikum não é coisa pra ga- nhar muito dinheiro. Por que eu me dediquei? Porque meu irmão era médico, meu genro foi médico e eu gostava. Fui odontólogo. Ainda hoje, eu me encontro com a turma de Odontologia. OP - O senhor foi um rapaz que gostou de farrear? José Otoch - Quem é que não gosta, na vida?! Quem é que Ana Mary C. Cavalcante da Redação P odem lhe chamar de Zé. “Não se in- comode, que sou muito simples”, estende a mão, para um cumprimento seguro. No sobrenome, en- tretanto, estão o pai, Abraão, e uma das mais bem-sucedi- das empresas locais, Otoch. José Abraão Otoch tem san- gue do avô, libanês puro, e destino de cearense. Nasceu em Fortaleza porque o velho ferreiro veio tentar a vida no Brasil, pelos 1800. Herdou o tino de mascate do pai. A família Otoch cresceu no ramo de armazém, nego- ciando tecido. No começo, ganhava o que economizava. Só dava para formar um fi- lho por vez, lá fora. Primeiro, foi o médico. Enquanto isso, seu Zé estudava Odontologia aqui. Mas queria era alcançar o infinito. Queria, não. “Di- zem que o homem é pra vi- ver 120 anos, eu ainda estou perseguindo isso, viu? Quero viver só 40 anos mais. Aí, eu consigo tudo”. Nesta entrevista, reali- zada no escritório vizinho à loja-matriz (avenida Sargen- to Hermínio), seu Zé Otoch ciranda com o tempo. Projeta novas lojas, até 2008. Reen- contra-se com os seus, em re- tratos e memórias. “Cheguei a ter, com meus irmãos, 55 lojas no Brasil, dez mil funcioná- rios”. Eram 13 irmãos. Só es- caparam, observa seu Zé, os que tinham nome de bicho. Ele, vingou pelo nome do pai. A propósito, Abraão, perso- nagem bíblico, significa “pai de uma multidão”. O primeiro patriarca hebreu nasceu em Ur, antiga Mesopotâmia, dois mil anos antes de Cristo. Sua descendência se conta pelos grãos de areia e pelas estrelas do céu, segundo determinou o próprio Deus. Os nomes con- tém, de nascença, histórias. E esta começa assim: O POVO - O senhor prefere que eu lhe chame como? José? Abraão? José Abraão? De todo modo, são dois nomes de gran- des histórias... José Abraão Otoch - Meu nome era José Buhamra Otoch. Mas, em 1963, meu pai mor- reu (com 69 anos). Para a fir- ma continuar como Abraão Otoch & Cia, tinha que ter um Abraão Otoch. Aí, eu pas- sei, judicialmente, meu nome para José Abraão Otoch. OP - E eu lhe chamo como, en- tão? José Otoch - Zé. OP - Zé? Simples assim? José Otoch - É, Zé. Zé Otoch. Olhe, não se incomode, que sou muito simples. Muito ta- xativo, franco, objetivo. E não gosto de mentira. Tudo o que eu disser é a pura realidade. OP - O senhor é cearense, mas descende de libaneses. Que his- tórias do seu avô, do seu pai, o senhor guarda? José Otoch - Meu avô veio, em 1895, para o Brasil. Ele, a mulher e dois filhos - um era Habib, que “abrasileiraram” para Felipe; e o outro era Abraão. O Habib com dois anos, e o Abraão com um ano de idade. Desceu no Rio de Janeiro, veio por Belo Ho- rizonte, quando chegou em Fortaleza, gostou da cidade e resolveu ficar. Teve mais oito filhos, todos cearenses. OP - Que lembranças o senhor tem da sua infância, já que seu pai viajava muito? Como era sua rotina de criança, sua casa? José Otoch - Nós morávamos ali, na rua Senador Pompeu, pertinho da delegacia fiscal. Era uma infância dura, viven- do de sacrifício. Papai teve 13 filhos, mas os seis primeiros morreram. Só escaparam os sete últimos. E se deram pra botar nome de bicho. O pri- meiro filho foi Fahad, um dos fundadores da Faculdade de Medicina do Ceará, que, em brasileiro, chama-se “leopar- do”. Nome de bicho, escapou. E o último foi Deib, o mais novo. A tradução é “lobo”. Ainda hoje, ele é um lobo, viu? (risos). (Seu José pisca o olho) É que eles não falam co- migo! Mas eu não vou contar isso, não. (risos) OP - O senhor trabalha desde criança, não é? José Otoch - Estou com 79 anos, fiz no dia 21 de feve- reiro. E trabalho desde os 11 anos de idade. OP - Era muito inteligente... José Otoch - Não, tinha memó- ria. Eu pegava tudo no ar. Até hoje, nunca usei uma agenda na minha vida. Nunca usei máquina de calcular. OP - Mas me diga uma coisa: o fi- lho de libanês levava jeito pra ser dentista? José Otoch - Fui ser dentista porque meu irmão mais velho foi se formar... Aqui não tinha faculdade de Medicina. Ele estudava em Recife. E, como o papai tinha pouco dinheiro ou quase nenhum, não tinha dinheiro pra formar dois fi- lhos fora. Resolvi me formar em Odontologia. Mas, de- pois, desisti. Resolvi enfren- tar o comércio e a indústria. Cheguei a ter dez mil fun- cionários. Cheguei a ter, com meus irmãos, 55 lojas em todo o Brasil. Me meti no ramo imobiliário, construções de apartamentos. Também na construção do hospital Mon- te Klinikum, que sempre foi a menina dos meus olhos. Por- que o outro meu genro, que casou-se com minha filha, era médico. Foi quando foi feito o Hospital. Hoje, só me dedico muito a três firmas: às lojas Otoch (são lojas de João Pessoa até Belém; 17 lojas, que pretendo transformar em 20, talvez, este ano ou, no máxi- mo, no outro), o hospital e a Esplanord (Esplanada Con- fecções do Nordeste). OP - Como era, então, o comércio em Fortaleza? José Otoch - Era muito limita- do. Quando abri, só trabalha- va em tecido. Varejo. Depois de algum tempo, varejo e atacado. Foi na Praça do Fer- reira, onde era o antigo Bazar Alemão. Era um prediozinho de dois andares. Depois, foi se modernizando, e nós fo- mos aumentando. Otoch Vida e obra de A entrevista foi na impecável sala azul do diretor comercial da empresa, Expedito Derocy. Tudo em ordem, com aroma de capim santo (para espantar insetos). Seu Zé Otoch prefere receber as visitas ali, desculpando-se pela “bagunça” da sala da presidência. Para abrir a conversa, um chá mate. - “Nossa família é toda de olhos claros”, mostra seu Zé Otoch, ao se encontrar com os seus nos inúmeros retratos pela sala da presidência. “Aqui é quando eu tinha 20 anos... Ô tempo bom!”, recreia- se. Aos (quase) 80, ainda há resquícios. É que dona Odília, companheira de 47 janeiros, é mais caseira. “Aí, ela me deixa solto!”, brinca o par. <ENTREVISTA> Libanês cabeça-chata. Assim é José Abraão Otoch, em essência. Tem sangue de comerciante e destino de cearense. Trabalhar é o verbo que conjuga, dia a dia. Nesta entrevista, o presidente do Grupo Otoch abre seu livro de negócios e vida Em frente à mesa do presidente do Grupo Otoch, sobre um dos armários, posta-se Santo Expedito. E também São José. A mãe de seu Zé Otoch, em um vivo retrato preto-e-branco, está ao lado do filho, cotidianamente. Junto com Nossa Senhora emoldurada, “minha melhor amiga” 18 FORTALEZA-CE, SEGUNDA-FEIRA - 9 DE JULHO DE 2007 Páginas azuis COMÉRCIO > EXPANSÃO VAREJISTA > MODA > NORDESTE FOTOS SEBASTIÃO BISNETO

José Abraão: vida e obra de Otoch

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Páginas Azuis do Jornal O POVO com José Abraão, 2007.

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Page 1: José Abraão: vida e obra de Otoch

JOSÉ ABRAÃO

OP - Naquela época , aonde o se-nhor pensava em chegar?José Otoch - Sempre fui mui-to audacioso e confiante em mim mesmo. Eu queria che-gar no infinito. Não dava por menos, não. (risos)

OP - E como o senhor atravessou, por exemplo, o período da Dita-dura Militar?José Otoch - Foi o melhor pe-ríodo da minha vida, onde se ganhava dinheiro hones-tamente. Foi a época em que a gente ganhava dinheiro de verdade. Sou contra dita-dura, mas era uma ditadura amena... A prova é que você não viu nenhum militar mor-rer rico. Quer dizer que eles eram super-honestos, tá en-tendendo? O mais fraco foi o Costa e Silva, mas não foi tão mal.

OP - Como eles favoreceram os empresários?José Otoch - Você podia tra-balhar honestamente, seria-mente, que eles apoiavam tudo. A gente passava o ano

trabalhando, ganhava pouco dinheiro, mas o dinheiro va-lia. O pouco que se ganhava era respeitado. Foi a melhor época da minha vida, foi a época da ditadura. Infeliz-mente, tenho que dizer isso. Porque não apoio ditadura, mas era uma ditadura que eles queriam o bem e a gran-diosidade do Brasil. Agora mesmo, a gente está vendo coisas que não podiam exis-tir... Não entendo de política, não sou político, mas gosto muito do Nordeste, sou apai-xonado por esta terra. Procu-ro fazer tudo pelo Nordeste. A prova é que o Hospital Monte Klinikum não é coisa pra ga-nhar muito dinheiro. Por que eu me dediquei? Porque meu irmão era médico, meu genro foi médico e eu gostava. Fui odontólogo. Ainda hoje, eu me encontro com a turma de Odontologia.

OP - O senhor foi um rapaz que gostou de farrear?José Otoch - Quem é que não gosta, na vida?! Quem é que

Ana Mary C. Cavalcanteda Redação

P odem lhe chamar de Zé. “Não se in-comode, que sou

muito simples”, estende a mão, para um cumprimento seguro. No sobrenome, en-tretanto, estão o pai, Abraão, e uma das mais bem-sucedi-das empresas locais, Otoch. José Abraão Otoch tem san-gue do avô, libanês puro, e destino de cearense. Nasceu em Fortaleza porque o velho ferreiro veio tentar a vida no Brasil, pelos 1800. Herdou o tino de mascate do pai.

A família Otoch cresceu no ramo de armazém, nego-ciando tecido. No começo, ganhava o que economizava. Só dava para formar um fi -lho por vez, lá fora. Primeiro, foi o médico. Enquanto isso, seu Zé estudava Odontologia aqui. Mas queria era alcançar o infi nito. Queria, não. “Di-zem que o homem é pra vi-ver 120 anos, eu ainda estou perseguindo isso, viu? Quero viver só 40 anos mais. Aí, eu consigo tudo”.

Nesta entrevista, reali-zada no escritório vizinho à loja-matriz (avenida Sargen-to Hermínio), seu Zé Otoch ciranda com o tempo. Projeta novas lojas, até 2008. Reen-contra-se com os seus, em re-tratos e memórias. “Cheguei a ter, com meus irmãos, 55 lojas no Brasil, dez mil funcioná-rios”. Eram 13 irmãos. Só es-caparam, observa seu Zé, os que tinham nome de bicho. Ele, vingou pelo nome do pai. A propósito, Abraão, perso-nagem bíblico, signifi ca “pai de uma multidão”. O primeiro patriarca hebreu nasceu em Ur, antiga Mesopotâmia, dois mil anos antes de Cristo. Sua descendência se conta pelos grãos de areia e pelas estrelas do céu, segundo determinou o próprio Deus. Os nomes con-tém, de nascença, histórias. E esta começa assim:

O POVO - O senhor prefere que eu lhe chame como? José? Abraão? José Abraão? De todo modo, são dois nomes de gran-des histórias...José Abraão Otoch - Meu nome era José Buhamra Otoch. Mas, em 1963, meu pai mor-reu (com 69 anos). Para a fir-ma continuar como Abraão Otoch & Cia, tinha que ter um Abraão Otoch. Aí, eu pas-

sei, judicialmente, meu nome para José Abraão Otoch.

OP - E eu lhe chamo como, en-tão?José Otoch - Zé.

OP - Zé? Simples assim?José Otoch - É, Zé. Zé Otoch. Olhe, não se incomode, que sou muito simples. Muito ta-xativo, franco, objetivo. E não gosto de mentira. Tudo o que eu disser é a pura realidade.

OP - O senhor é cearense, mas descende de libaneses. Que his-tórias do seu avô, do seu pai, o senhor guarda?José Otoch - Meu avô veio, em 1895, para o Brasil. Ele, a mulher e dois filhos - um era Habib, que “abrasileiraram” para Felipe; e o outro era Abraão. O Habib com dois anos, e o Abraão com um ano de idade. Desceu no Rio de Janeiro, veio por Belo Ho-rizonte, quando chegou em Fortaleza, gostou da cidade e resolveu ficar. Teve mais oito filhos, todos cearenses.

OP - Que lembranças o senhor tem da sua infância, já que seu pai viajava muito? Como era sua rotina de criança, sua casa?José Otoch - Nós morávamos ali, na rua Senador Pompeu, pertinho da delegacia fiscal. Era uma infância dura, viven-do de sacrifício. Papai teve 13 filhos, mas os seis primeiros morreram. Só escaparam os sete últimos. E se deram pra botar nome de bicho. O pri-meiro filho foi Fahad, um dos fundadores da Faculdade de Medicina do Ceará, que, em

brasileiro, chama-se “leopar-do”. Nome de bicho, escapou. E o último foi Deib, o mais novo. A tradução é “lobo”. Ainda hoje, ele é um lobo, viu? (risos). (Seu José pisca o olho) É que eles não falam co-migo! Mas eu não vou contar isso, não. (risos)

OP - O senhor trabalha desde criança, não é?José Otoch - Estou com 79 anos, fiz no dia 21 de feve-reiro. E trabalho desde os 11 anos de idade.

OP - Era muito inteligente...José Otoch - Não, tinha memó-ria. Eu pegava tudo no ar. Até hoje, nunca usei uma agenda na minha vida. Nunca usei máquina de calcular.

OP - Mas me diga uma coisa: o fi -lho de libanês levava jeito pra ser dentista?José Otoch - Fui ser dentista porque meu irmão mais velho foi se formar... Aqui não tinha faculdade de Medicina. Ele estudava em Recife. E, como o papai tinha pouco dinheiro ou quase nenhum, não tinha dinheiro pra formar dois fi-lhos fora. Resolvi me formar em Odontologia. Mas, de-pois, desisti. Resolvi enfren-tar o comércio e a indústria. Cheguei a ter dez mil fun-cionários. Cheguei a ter, com meus irmãos, 55 lojas em todo o Brasil. Me meti no ramo imobiliário, construções de apartamentos. Também na construção do hospital Mon-te Klinikum, que sempre foi a menina dos meus olhos. Por-que o outro meu genro, que casou-se com minha filha, era médico. Foi quando foi feito o Hospital. Hoje, só me dedico muito a três firmas: às lojas Otoch (são lojas de João Pessoa até Belém; 17 lojas, que pretendo transformar em 20, talvez, este ano ou, no máxi-mo, no outro), o hospital e a Esplanord (Esplanada Con-fecções do Nordeste).

OP - Como era, então, o comércio em Fortaleza?José Otoch - Era muito limita-do. Quando abri, só trabalha-va em tecido. Varejo. Depois de algum tempo, varejo e atacado. Foi na Praça do Fer-reira, onde era o antigo Bazar Alemão. Era um prediozinho de dois andares. Depois, foi se modernizando, e nós fo-mos aumentando.

OtochVida e

obra de

A entrevista foi na impecável sala azul do diretor comercial da empresa, Expedito Derocy. Tudo em ordem, com aroma de capim santo (para espantar insetos). Seu Zé Otoch prefere receber as visitas ali, desculpando-se pela “bagunça” da sala da presidência. Para abrir a conversa, um chá mate.

- “Nossa família é toda de olhos claros”, mostra seu Zé Otoch, ao se encontrar com os seus nos inúmeros retratos pela sala da presidência. “Aqui é quando eu tinha 20 anos... Ô tempo bom!”, recreia-se. Aos (quase) 80, ainda há resquícios. É que dona Odília, companheira de 47 janeiros, é mais caseira. “Aí, ela me deixa solto!”, brinca o par.

<ENTREVISTA> Libanês cabeça-chata. Assim é José Abraão Otoch, em essência. Tem sangue de comerciante e destino de cearense. Trabalhar é o verbo que conjuga, dia a dia. Nesta entrevista, o presidente do Grupo Otoch abre seu livro de negócios e vida

Em frente à mesa do

presidente do Grupo Otoch, sobre um dos armários, posta-se Santo Expedito. E também São José. A mãe de seu Zé Otoch, em um vivo retrato preto-e-branco, está ao lado do filho, cotidianamente. Junto com Nossa Senhora emoldurada, “minha melhor amiga”

18 FORTALEZA-CE, SEGUNDA-FEIRA - 9 DE JULHO DE 2007

Páginas azuis COMÉRCIO > EXPANSÃO VAREJISTA > MODA > NORDESTE

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#Data: 070709 #Clichê: Primeiro #Editoria: Páginas Azuis
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#Autor: Ana Mary C. Cavalcante #Crédito: Sebastião Bisneto <ENTREVISTA> <EMPRESÁRIO> <JOSÉ ABRAÃO OTOCH>
Page 2: José Abraão: vida e obra de Otoch

FORTALEZA-CE, SEGUNDA-FEIRA - 9 DE JULHO DE 2007 19

não gosta de, quando é jo-vem, farrear? Quem é que não gosta de mulher bonita? Ou ele é doente da cabeça, ou é doente do pé! (risos). Eu gostava de brincar com muita seriedade. Trabalha-va exageradamente, ainda como hoje, viajava muito, fa-zia tudo. Mas nunca misturei trabalho com brincadeira. Eu brincava como qualquer pes-soa normal gosta de brincar.

OP - E era um bom pé-de-valsa?José Otoch - Ah, toda vida gostei muito de dançar! Prin-cipalmente, naquela época que eu era jovem. Ia pra uma festa, era o primeiro a dançar e o último a sair.

OP - Numa dessas, conheceu o seu par?José Otoch - Não! De casa, fui o mais velho pra casar. To-dos os meus irmãos casaram com 25, 26, 28 anos. Naque-le tempo, todo mundo casa-va com 19, 20, 21 anos. Acho uma loucura. O sujeito não tem a cabeça formada, não está com a vida independen-te. Ainda sou apologista: a pessoa só deve casar quando puder sustentar bem sua mu-lher, quando não depender de ninguém. E, lá em casa, fui o último a casar. Eu me casei com 33 anos, e ela com 23. O ideal é sempre o ho-mem dez anos mais velho do que a mulher.

OP - Voltando aos negócios, que época foi a melhor para o se-nhor?José Otoch - Começou no tempo dos militares e, logo após, já tínhamos amealha-do algum dinheiro. O resto foi mais fácil. O primeiro di-nheiro é o mais difícil de se ganhar. Agora, como eu digo: a pessoa tem que saber se sa-crificar. Não pode misturar brincadeira com negócio. E eu, graças a Deus, tive muita sorte. Porque não é só inteli-gência, competência e serie-dade. Precisa um pouco de sorte. Até 2002, quando fize-mos a cisão com meu irmão e sobrinho, fizemos a firma

muito bem. Chegamos a ter 55 lojas nesse Brasil. E o nos-so perfil é: a menor loja de 1.600 metros, e a maior loja, 6 mil metros.

OP - Houve momentos de crise para o senhor?José Otoch - As crises sem-pre existem. Mas você está falando com uma pessoa muito otimista. A gente tem jeito pra dar em tudo. Nas crises, tem que saber como agir... Nunca tive decepção com o povo do Nordeste. Por isso que, na nossa se-paração, preferi ficar só no Nordeste. Sou um verdadei-ro cabeça-chata.

OP - Mas já houve momentos em que o senhor pensou em fe-char alguma loja?

José Otoch - Nunca. É como eu disse a você, sou mui-to autoconfiante. Acho que tudo no mundo tem um jeito de resolver, sem precisar se desesperar. Tive muita sorte e também confiança em mim mesmo.

OP - Quando o senhor fala em sorte, quer dizer que apostou certo?José Otoch - Às vezes, a gente faz tudo certo, com compe-tência, seriedade, honestida-de, mas, não sei por quê, as coisas não andam. Eu, além de fazer com competência, seriedade e honestidade, ti-nha sorte. Tudo comigo dava certo. E tudo quem mandava era eu. Não sou um sujeito, desculpe a expressão, pra ser mandado. Infelizmente, ou felizmente. Não sei ser man-dado. E isso eu estou compro-vando agora, que estou total-mente só nas lojas Otoch. No dia 03 de março de 2002, eu me separei dos irmãos e so-brinhos. Fiquei com as lojas Otoch e algumas Esplanada. E, se a pessoa procurar ob-servar, são as lojas que mais vendem no ramo “mole” e que vendem mais barato do que todo mundo. Ainda dou uma garantia que ninguém dá no Brasil: se alguém en-contrar coisa mais barata do que eu vendo, dou a diferen-ça em dinheiro.

OP - Isso é arriscado.José Otoch - É arriscado, mas é porque tenho a cer-teza de que dá certo. Tenho certeza de que não erro. Não sei se isso é convenci-mento (risos).

OP - Tem um ditado popular que diz “Amigos, amigos, negócios à parte”...José Otoch - Esse é o ditado mais certo do mundo.

OP - Então, é difícil ser sócio de parentes...José Otoch - Hoje é muit o difícil. Porque, no meu sis-tema, sou muito individu-alista, muito perfeccionis-

ta. Sou chato, viu? Mas, no hospital, me dou bem com o doutor Hipólito. E, graças a Deus, o hospital vai mui-to bem. Estamos esperando só o “sim” da prefeita para fazer a ampliação. Vamos mais do que dobrar. E tem 70 leitos; vamos passar para 150. Ainda este ano.

OP - O senhor já declarou que gosta de aprender com as pes-soas que têm sucesso. O que o senhor aprendeu enquanto era sócio de Tasso Jereissati, outro descendente de libanês?José Otoch - Fui sócio do Tasso Jereissati durante muito tem-po, inclusive, no Hotel Espla-nada. Aprendi muito porque ele é um político fino, sério, audacioso e grande. Mas não é só o Tasso Jereissati. Eu era sócio do Tasso Jereissati e do Nelson Otoch, meu primo. Aprendi muito com ele por-que conheci desde o tempo do pai dele. Eu morava na Praça José de Alencar, rua 24 de Maio, e o pai dele morava na Imperador - quando ele hospedou, pela primeira vez, Getúlio Vargas. Eu me dava muito com o pai dele. Sou uma pessoa que gosta de ter amizade com todo mundo. Tenho amizade com o CDL, o Bittencourt (que é do Sesc-Senat), a Associação Comer-cial, enfim, graças a Deus, tenho amizade com quase todo mundo de Fortaleza. Com quem não tive amizade, foi onde eu fui enganado.

OP - Como deve ser a relação en-tre empresários e políticos?José Otoch - Quando os dois são inteligentes, tudo é fácil. Só não é fácil quando um quer enganar o outro. Nunca entrei numa sociedade pen-sando em enganar um sócio. Pelo contrário. Eu fazia tudo e repartia irmanamente.

OP - Como o senhor aplica, no dia a dia, a sua máxima de que o negócio só tem sucesso quando se sabe vender e comprar?José Otoch - Para saber ven-der e comprar é um dom que a gente nasce com ele. A gen-te não inventa, isso já nasce no sangue. Sou um descen-dente de libanês puro.

OP - O comércio de Fortaleza mudou muito daquele tempo que o senhor começou pra cá?José Otoch - Mudou relativa-mente. Ainda tem que mudar muito. Infelizmente, os meus maiores concorrentes, a vida toda, são os informais. O que eu conheço de informalida-de, de não gostar de pagar imposto... Mas não quero sa-ber da vida de ninguém.

OP - Em que o comércio ainda tem que mudar?José Otoch - Depende muito do Governo federal e esta-dual. O governo pode acabar com a informalidade, a sone-

> José Abraão Otoch nasceu na rua dos Galegos, como era conhecida a Senador Pompeu naquele 21 de fevereiro de 1928, quando “todo mundo morava no Centro”. Aos 20 anos, formou-se dentista. Seis meses depois, trocou o consultório pelo comércio: no dia 19 de maio de 1949, tornava-se sócio do pai e dos irmãos nos Armazéns Esplanada. No princípio, eram os tecidos e o atacado. A compra fiada na loja do Zé Meireles para abastecer o armazém, o empréstimo no Banco do Brasil para pagar o aluguel do ponto. Com o tempo e os lucros, a família Otoch apostou no varejo, na indústria de confecção (José Abraão trouxe a Vicunha

ao Ceará, grupo do qual foi sócio entre 1969 e 1992), no ramo imobiliário, nas lojas de departamento.Família, família, negócios à parte. A sociedade se desfez em 2002, e José Abraão ficou com as lojas Otoch do Nordeste e do Norte. Agregou ao patrimônio a Esplanada Confecções do Nordeste S/A e o Hospital Monte Klinikum. No caminho, diversos prêmios - como a comenda outorgada aos dez maiores contribuintes do ICMS do Ceará, pela Secretaria da Fazenda Estadual. Além de fazer parte do Sindicato dos Lojistas de Fortaleza, José Otoch é conselheiro do Ideal Clube e integra o Conselho da Paróquia de Nossa Senhora do Líbano.

PERFIL[+]gação. Depende de querer... Estou indo muito bem, com todas essas dificuldades que lhe contei. Agora, não nego: meus grandes concorrentes são os informais. E o gover-no podia tomar providência. É só querer. É aquele ditado: querer é poder.

OP - O senhor já falou aqui que, quando começou, queria alcançar o infi nito...José Otoch - É. Ainda hoje. Mesmo com 80 anos, já, que eu vou fazer, não me confor-mo, não! Tenho saúde e peço sempre a Deus para alcançar esse infinito que eu disse. Não gosto de me entregar. Dizem que o homem é pra vi-ver 120 anos, eu ainda estou perseguindo isso, viu? Ainda quero viver só 40 anos mais. Aí, eu consigo tudo.

OP - Considerando esse momento da economia, esse pacote de boas intenções do Governo federal, dá para se apostar em novas lojas?José Otoch - Quero. Mas, em lugar de estar abrindo loja, estou pegando uma loja que já existe e aumentando 50%. Está faltando só uma loja. A partir daí, é que vou abrir mais umas três ou quatro lojas. E, se Deus me ajudar, abrirei muito mais. No Norte e Nordeste. Porque uma pra-ça muito boa é Belém, onde tenho duas lojas e vou abrir uma terceira. Tem praça mui-to boa, João Pessoa, que ainda não tenho loja. Posso partir para essas lojas onde não te-nho. A gente depende, numa idade como a minha... Mas não sou ancião, não, viu? (ri-sos) Se Deus me der a saúde que tenho, espero ir longe.

OP - O senhor sabe tudo o que vendeu, quanto vendeu. Toda manhã, o senhor tem esse con-trole...José Otoch - Sei tudo de cor.

OP - E como é sua relação com os funcionários?José Otoch - Excepcional. Meus funcionários são doi-dos por mim. Quem trabalha comigo, trabalha com amor, dedicação. Não gosto de pas-sar carão violento em fun-cionário, gosto de conversar. Papai sempre me dizia: “Meu filho, nunca ensine tudo o que você sabe aos seus fun-cionários. Só ensine a ele o que ele já sabe. O que ele não sabe, não ensine, não”. Eu sou diferente. Ensino tudo o que eu sei.

OP - Quais são seus prazeres na vida?José Otoch - Trabalhar.

OP - Mas fora das quatro paredes da empresa?José Otoch - Ah, não posso contar aqui, não! É proibido pra menores de 25 anos (gar-galhadas).

Não gosto de me entregar. Dizem que o homem é pra viver 120 anos, eu ainda estou perseguindo isso, viu?

> 1. O Grupo José Abraão Otoch e Cia. Ltda possui 16 lojas de departamento, metade delas no Ceará e as outras no Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e Pará. Emprega 1.800 funcionários (esse número chega a 2.200, nas vendas de final de ano).

> 2. O “ramo mole”, segundo identifica o presidente do Grupo Otoch, é tudo menos eletrodomésticos (“ramo duro”). O foco da empresa é a moda (masculina, feminina, infantil, juvenil, lingerie e praia) mais acessórios (calçados, perfumaria, relógios, bolsas) e tecidos. O faturamento anual oscila em torno de R$ 150 milhões.

Papai sempre me dizia: 'Meu filho, nunca ensine tudo o que você sabe aos seus funcionários'

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#Data: 070709 #Clichê: Primeiro #Editoria: Páginas Azuis
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#Autor: Ana Mary C. Cavalcante #Crédito: Sebastião Bisneto <ENTREVISTA> <EMPRESÁRIO> <JOSÉ ABRAÃO OTOCH>