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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6 JOSÉ GENOINO NETO, nos autos da Ação Penal em epígrafe, vem, por seus defensores, respeitosamente à presença de Vossa Excelência para oferecer suas alegações finais, deduzidas em anexo. Termos em que, Pede deferimento. São Paulo, 28 de outubro de 2011. Luiz Fernando Pacheco OAB/SP 146.449 Natasha do Lago OAB/SP 184.825-E

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA

CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS

Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

JOSÉ GENOINO NETO, nos autos da Ação

Penal em epígrafe, vem, por seus defensores, respeitosamente à presença de

Vossa Excelência para oferecer suas alegações finais, deduzidas em anexo.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 28 de outubro de 2011.

Luiz Fernando Pacheco

OAB/SP – 146.449

Natasha do Lago

OAB/SP – 184.825-E

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.2.

I – SÍNTESE DOS FATOS

O defendente está sendo processado pela

suposta prática do crime inscrito no artigo 299 do Código Penal (falsidade

ideológica) porque teria, de acordo com a inicial acusatória, sido responsável

pela realização de operações de empréstimo que se reputam simuladas.

No mês de fevereiro de 2002, foi feito um

empréstimo em nome do PARTIDO DOS TRABALHADORES junto ao BANCO

BMG, no valor de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais),

com o objetivo de cobrir gastos incorridos em razão da cerimônia de posse do

então recém eleito presidente da República, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (fls.

4.068/4.135).

Tal empréstimo foi aditado por três vezes,

tendo sido renegociado o pagamento da dívida e amortizados os encargos

cabíveis em duas dessas ocasiões, conforme ajustado com a instituição

financeira credora (fls. 222/241).

Como presidente do partido à época e por

determinação do próprio Estatuto do PARTIDO DOS TRABALHADORES (fls.

92/132), o acusado fez constar a sua assinatura em todos os documentos

relativos a esta dívida, na qualidade de avalista/devedor solidário.

Pois bem.

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.3.

Em 18 de dezembro de 2006, foi oferecida – e

recebida – denúncia perante esta seção judiciária, em face do peticionário e de

outras dez pessoas, pelo suposto cometimento dos crimes de gestão temerária e

fraudulenta do BANCO BMG e, ainda, de falsidade ideológica, alegando a

acusação, basicamente, que:

“Diante dos fatos e provas expostos, resta

patente a materialidade dos crimes de gestão

fraudulenta, haja vista a concessão de

pretensos empréstimos, irregularmente

autorizados pelos diretores da instituição

financeira, a empresas com situação

econômico-financeira sabidamente deficitária,

incompatível com o montante emprestado e

com frágeis garantias; bem como o de gestão

temerária, uma vez que restou clara a não

observância de princípios basilares da

atividade, quais sejam: a seletividade, a

garantia e a liquidez recomendadas pelas

normas de boa gestão e técnica bancária.

(...)

No caso em tela, percebe-se claramente a

ocorrência da simulação dos empréstimos,

seja pelo perdão de altos montantes quando da

rolagem das dívidas, seja pela ausência de

registro contábil dos empréstimos pelas

empresas do Sr. Marcos Valério. (...)

Ademais, cada simulação considerada

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.4.

individualmente ensejou na prática, em

concurso formal, do crime de falsidade

ideológica, pela inserção, nos contratos de

empréstimo, de declaração falsa ou diversa da

que devia ser escrita, com o fim de alterar a

verdade sobre fato juridicamente relevante.”

(fls. 25/28, grifos nossos e do original)

Com a diplomação do então denunciado como

deputado federal, em 19 de dezembro daquele mesmo ano, os autos foram

remetidos ao Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por incompetência

superveniente deste juízo para dar continuidade à ação penal.

Seguindo-se o rito da Lei nº 8.038/90, foi

realizado o interrogatório do acusado (fls. 1.434/1.437), posteriormente

considerado nulo em razão da ausência de intimação dos advogados dos

corréus quanto à expedição da carta de ordem respectiva (1.950/1.955) e

novamente realizado em 29 de abril de 2009 (fls. 2.401 e 4.024/4.037).

Às fls. 2.046/2.047, o defendente apresentou

sua defesa prévia, na qual argüiu a irregularidade também do novo

interrogatório, tendo em vista a alteração processual introduzida pela Lei nº

11.719/08, que determinou fosse este ato realizado apenas ao final da

instrução.

Em 7 de maio de 2009, o SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL, concedendo a ordem no Habeas corpus nº 93.553-2/MG, afastou o

recebimento da denúncia quanto aos crimes do art. 4º da Lei nº 7.492/86

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.5.

(gestão fraudulenta e gestão temerária de instituição financeira) para os

acusados que não integravam o quadro administrativo do BANCO BMG – entre

os quais o defendente – mantendo-o apenas com relação ao delito tipificado no

art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica).

Ouvidas as testemunhas de defesa arroladas e

requeridas diligências por alguns dos acusados (que restaram indeferidas), foi

o feito novamente remetido para esta seção judiciária, por decisão de 15 de

março deste ano (fls. 4.052/4.053), vez que, devido à não reeleição do réu

como deputado federal, cessara a competência do SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL para julgar a causa.

O Ministério Público Federal requereu, à

revelia da prova, em sede de alegações finais (fls. 4.160/4.270), a condenação

deste acusado pelo crime de falsidade ideológica, reafirmando os argumentos

trazidos na denúncia e insistindo na tese de que os contratos de empréstimo

realizados com o PARTIDO DOS TRABALHADORES seriam mesmo simulados.

A imputação feita não merece, no entanto,

prosperar, pelo que se passa a expor nos itens seguintes.

PRELIMINARES

II – O CERCEAMENTO DE DEFESA

Esta ação penal encontra-se, desde o início,

maculada pela insanável inépcia da inicial acusatória, que deixou de descrever

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.6.

o fato pretensamente criminoso com todas as suas circunstâncias,

inviabilizando, assim, o pleno exercício de defesa pelo acusado.

O nosso ordenamento jurídico, erigido sobre

as bases de um Estado Democrático de Direito, exige, como pressuposto para o

início de uma ação penal, a existência de fato tipificado criminalmente,

descrito em sua inteireza pelo órgão acusatório quando do oferecimento da

exordial.

Esta descrição não pode, entretanto, ser

genérica, porque é preciso que o acusado, para se defender, tenha

conhecimento dos fatos que lhe são imputados da forma mais completa

possível, ainda que a capitulação legal da conduta atribuída pelo Ministério

Público possa vir a ser alterada pelo magistrado, conforme dispõe o artigo 383

do Código de Processo Penal.

Bem por isso, determina o art. 41 do CPP que

a denúncia deverá conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas

circunstâncias”, observando-se, assim, os princípios constitucionais da ampla

defesa e do devido processo legal.

Essa regra – inafastável – não foi, no entanto,

aplicada na presente Ação, dando causa a nulidade insanável, porque,

conforme pontificam, com acerto, os professores ADA PELLEGRINI GRINOVER,

ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES e ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO1:

1 As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 95, grifamos.

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.7.

“A instauração válida do processo pressupõe

o oferecimento de denúncia ou queixa com

exposição clara e precisa de um fato

criminoso, com todas as suas circunstâncias.

(...) A narração deficiente ou omissa, que

impeça ou dificulte o exercício da defesa, é

causa de nulidade absoluta, não podendo

ser sanada porque infringe os princípios

constitucionais”.

Na hipótese dos autos, a vestibular é

visivelmente deficiente, vez que não descreve com clareza as condutas que

injustificadamente imputa ao acusado, ao mesmo passo em que omite

circunstâncias fundamentais para o exercício da ampla defesa – devendo,

portanto, ser reconhecida a sua inépcia, senão a própria falta de justa causa

para a ação penal desde o início, bem como a nulidade daí decorrente.

Vejamos.

A falsidade ideológica atribuída ao

defendente consubstanciou-se, nas palavras da acusação, “pela inserção, nos

contratos de empréstimo, de declaração falsa ou diversa da que devia ser

escrita, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”

(fls. 28) – o que teria ocorrido, ainda, por meio da simulação de empréstimo ao

PARTIDO DOS TRABALHADORES.

Pois bem.

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.8.

Dispõe o art. 299 do Código Penal, que

contém a classificação jurídica do fato criminoso imputado:

“Falsidade ideológica

Art. 299 - Omitir, em documento público ou

particular, declaração que dele devia constar,

ou nele inserir ou fazer inserir declaração

falsa ou diversa da que devia ser escrita, com

o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou

alterar a verdade sobre fato juridicamente

relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa,

se o documento é público, e reclusão de um a

três anos, e multa, se o documento é

particular.”

A leitura do tipo penal permite distinguir, com

facilidade, três modalidades objetivas possíveis de falsidade ideológica: (i)

omitir, em documento, declaração que dele devia constar; (ii) inserir

declaração falsa ou diversa da que deveria ser nele escrita; e, ainda, (iii) fazer

inserir declaração falsa ou diversa da que nele deveria ser escrita.

Trata-se, é evidente, de condutas diversas,

que, embora tipificadas no mesmo dispositivo penal, dão ensejo a defesas

também diversas por aqueles que são acusados de nelas terem incorrido.

No caso da acusação formulada nesse

processo, no entanto, o Ministério Público sequer tratou de explicar de que

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.9.

modo teria se dado a falsidade ideológica, limitando-se a afirmar, “a partir da

assinatura apostas nos contratos de ‘empréstimo’ e respectivos aditivos” (fls.

36)”, que o defendente teria inserido, no contrato de empréstimo, “declaração

falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a verdade sobre

fato juridicamente relevante” – apenas transcrevendo, portanto, a redação do

próprio art. 299.

Ora, se o defendente era apenas avalista

nessas operações, a única coisa que poderia ter inserido – e inseriu – nos

documentos respectivos era a sua assinatura!

Não se esclarece, portanto, em nenhum

momento, qual seria a “declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido

escrita” ou que “verdade sobre fato juridicamente relevante” se pretendia

alterar – havendo mera referência a uma simulação que o órgão acusatório

sequer tratou de individualizar.

Isto, porém, vai de encontro ao que se espera

de uma acusação minimamente fundamentada, com descrição suficiente das

circunstâncias do fato que entendeu constituir crime – sobretudo se

considerarmos que o delito em questão admite três modalidades distintas, que

requerem defesas igualmente distintas.

Além disso, são elementares do próprio tipo

as circunstâncias que foram omitidas pela acusação, isto é, (i) a declaração

falsa inserida pelo acusado e (ii) a verdade sobre fato juridicamente relevante

que o agente teria a intenção de alterar.

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.10.

Sem essa descrição, é impossível inferir onde

estaria a falsidade ideológica que foi vagamente jogada sobre os ombros do

réu.

Ao comentar o tipo do art. 299, nesse sentido,

JOSÉ SILVA JÚNIOR e GUILHERME MADEIRA DEZEM2 afirmam:

“Não é, conduta, qualquer declaração falsa

que conduzirá ao reconhecimento da

tipicidade do crime. A declaração no caso

deste crime deve ser sobre fato juridicamente

relevante, ou com a finalidade de prejudicar

direito ou criar obrigação. Neste sentido

afirma Mirabete que „Para que ocorra o delito

de falsidade ideológica é necessário que o

agente vise prejudicar direito ou criar

obrigação ou, ainda, que a alteração seja

relativa a fato juridicamente relevante,

entendendo-se como tal a declaração que,

isolada ou em conjunto com outros fatos,

tenha significado direto ou indireto para

construir, fundamentar ou modificar direito,

ou relação jurídica pública ou privada (RT

546/344).‟”

2 Código Penal e sua Interpretação. Org. Alberto Silva Franco e Rui Stoco. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 1.401.

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.11.

Isto importa dizer que, além de descrever

como se deu, supostamente, a falsidade ideológica, a acusação está ainda

obrigada a explicar a “alteração do fato jurídico relevante” pretendida – o que,

como visto, não ocorreu na inicial acusatória.

Se a acusação apenas afirma que havia esse

fim, mas não esclarece qual é o fato juridicamente relevante cuja verdade se

pretende alterar, indiscutível que deixou de descrever circunstância do crime

que deveria constar da denúncia – deficiência que, aliás, também não foi

suprida ao longo do processo.

Ora, o Ministério Público Federal se limita a

alegar que houve falsidade ideológica porque o empréstimo teria sido

simulado, mas não explica de que forma o acusado seria o responsável pela

aposição da pretensa declaração – que, além de não dizer qual é, nem mesmo

evidencia ser falsa ou diversa da que deveria ser escrita, impossibilitando ainda

mais uma vez a defesa do acusado.

Com efeito, os documentos que serviram de

lastro para a acusação dão conta apenas de contrato de empréstimo e

aditamentos entre o PARTIDO DOS TRABALHADORES e o BANCO BMG,

assinados pelo defendente na qualidade de presidente do partido e

regularmente renegociados com a instituição financeira.

Não há, nesses fatos, nada que se possa

presumir, com um mínimo de razoabilidade, ideologicamente falso, porque

efetivamente existia o empréstimo que havia até mesmo sido renovado,

pagando-se os encargos necessários para tanto, conforme descreve a própria

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.12.

denúncia na parte que trata do “Empréstimo ao Partido dos Trabalhadores”

(fls. 9/12).

Na frustrada intenção de dar suporte à sua tese

acusatória, no entanto, o Ministério Público tenta explicar que a falsidade

ideológica se manifestou na simulação de cada empréstimo, que entendeu, por

sua vez, demonstrada a partir (i) do “perdão de altos montantes quando da

rolagem das dívidas” (fls. 26); (ii) da “ausência de registro contábil dos

empréstimos pelas empresas do Sr. Marcos Valério” (fls 26); e (iii) do “fato de

que o ajuizamento das ações de cobrança visando à recuperação do crédito

relativo às operações aqui mencionadas se deu apenas após junho de 2005 (fl.

1123), portanto, após as ‘denúncias’ e instalação da CPMI dos Correios”.

São estes os alicerces de areia em que se

afundou a denúncia para imputar ao acusado o delito de falsidade ideológica,

outorgando a ele a função de preencher as lacunas para se defender de um

crime que sequer foi minimamente detalhado na inicial acusatória.

Ocorre, porém, que estes fundamentos, além

de confusos, já não se aplicavam ao caso específico do defendente desde o

oferecimento da denúncia – o que fica evidente na menção à “ausência de

registro contábil dos empréstimos pelas empresas do Sr. Marcos Valério”.

Ora, o acusado nada tem que ver com as

empresas do corréu MARCOS VALÉRIO ou com suas respectivas contabilidades!

De fato, o empréstimo que se reputa falso

nessa acusação foi com o PARTIDO DOS TRABALHADORES, e não com as

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.13.

referidas empresas, o que inviabiliza a justificativa acusatória para a simulação

que tentou construir para esse caso específico – principalmente se

considerarmos, conforme ficou demonstrado ao longo da instrução, que o

PARTIDOS DOS TRABALHADORES havia, sim, contabilizado regularmente este

empréstimo.

Também a alegação de “perdão” da dívida é

de todo inaplicável ao caso do defendente, vez que, a cada renovação

contratual, foi necessário despender o montante que fora ajustado a título de

encargos financeiros – e a acusação estava ciente disso, porque ela mesma teve

acesso aos documentos demonstrativos antes do oferecimento da denúncia.

Tampouco a conjectura de que “até as

‘denúncias’ do mensalão não havia grande interesse do BMG em cobrar o

montante devido” (fls. 28) merece prosperar, porque tal cobrança seria mesmo

inviável até o vencimento da dívida – que a própria acusação apontou na

denúncia como sendo em 22.8.2005 (fls. 9)!

Não havia, portanto, já quando do

oferecimento da denúncia, nenhum suporte para a acusação lançada de maneira

inconseqüente, imputando o Parquet Federal ao acusado uma falsidade

ideológica que, porque nitidamente inexistente, descreveu de forma genérica e

de modo a confundir as diferentes operações de que trata este processo.

De fato, bastaria que a acusação tivesse

individualizado a operação de empréstimo contraída pelo PARTIDO DOS

TRABALHADORES para se dar conta de que não poderia mesmo haver qualquer

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.14.

falsidade nos contratos – mas, no calor dos acontecimentos, não foi isso o que

decidiu fazer o ilustre membro do MPF.

Mais que isso, o Ministério Público sequer se

ocupou de tentar demonstrar a culpabilidade do acusado, limitando-se a alegar

que a conduta poderia ser individualizada “a partir da assinatura aposta nos

contratos”.

Ocorre, porém, que já era do conhecimento da

acusação, quando da propositura da ação penal, que essa assinatura nada

demonstrava em termos de culpabilidade, porque não passava de mera

exigência estatutária do PARTIDO DOS TRABALHADORES3

– conforme

documento juntado pela própria acusação às fls. 92/139 para instruir a

denúncia.

Cabia ao órgão acusatório, de posse dessa

informação, não denunciar JOSÉ GENOINO. Andou mal, no entanto, e nem

sequer tentou delinear uma conduta efetiva do acusado no sentido de simular

qualquer negócio – desincumbindo-se assim de demonstrar o verdadeiro

pressuposto para qualquer ação penal, qual seja, a descrição da autoria.

De fato, o nosso sistema jurídico repudia a

responsabilização objetiva, exigindo da acusação que descreva o necessário

“nexo causal” entre a conduta do acusado e o resultado criminoso obtido –

3 Nesse sentido, o art. 195 do referido estatuto: “Art. 195: A movimentação dos recursos do Partido deverá ser

efetuada através de contas correntes bancárias em nome do Partido dos Trabalhadores. §1º: A abertura e a

movimentação de contas bancárias e demais transações financeiras em nome do Partido dos

Trabalhadores deverão ser feitas, conjuntamente, pelo Presidente e pelo Secretário de Finanças ou

tesoureiro da respectiva Comissão Executiva. §2º: O Partido dos Trabalhadores não arcará com ônus de

quaisquer transações financeiras efetuadas em seu nome ou com número de seu C.N.P.J. (Cadastro Nacional

de Pessoas Jurídicas) por quaisquer pessoas, filiadas ou não, que não tenham sido expressamente autorizadas

pelo tesoureiro ou pelo presidente da Comissão Executiva do órgão correspondente” (fls. 122, grifamos).

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.15.

porque, conforme determina o art. 13 do Código Penal, “o resultado, de que

depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.

Assim, para que se possa fazer um juízo de

culpabilidade, não basta que o órgão acusatório se valha de uma assinatura que

sabia decorrente do estrito cumprimento de dever estatutário, sendo necessário

demonstrar – ou, pelo menos, indicar de modo suficiente – uma conduta do

acusado no sentido de obter o resultado pretensamente criminoso.

Isso, no entanto, não foi feito pelo Ministério

Público, o que tornou impossível ao acusado defender-se da imputação

formulada, já que ausentes os elementos em que deveria a acusação ter-se

baseado para concluir pela sua autoria.

Bem por essa razão, remansosa jurisprudência

exige a demonstração do nexo causal:

“O princípio da responsabilidade penal

adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o

pessoal (subjetivo).

A autorização pretoriana de denúncia genérica

para os crimes de autoria coletiva não pode

servir de escudo retórico para a não descrição

mínima da participação de cada agente na

conduta delitiva. Uma coisa é a

desnecessidade de pormenorizar. Outra, é

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.16.

a ausência absoluta de vínculo do fato

descrito com a pessoa do denunciado.”4

“PEDIDO DE EXTENSÃO EM HABEAS

CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA

FINANCEIRO NACIONAL. DENÚNCIA.

NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A

CONDUTA ATRIBUÍDA AO

REQUERENTE E O RESULTADO

LESIVO NÃO DEMONSTRADO.

IMPUTAÇÃO FEITA APENAS EM

RAZÃO DO CARGO OCUPADO NA

SOCIEDADE EMPRESARIAL. INÉPCIA.

RECONHECIMENTO. IDENTIDADE DE

SITUAÇÕES PROCESSUAIS. EXTENSÃO

DEFERIDA. 1. Embora haja no ordenamento

jurídico pátrio disposições acerca da

possibilidade de responsabilização penal da

pessoa jurídica, é certo que, por tratar-se de

uma ficção, a sua existência pressupõe a

atuação de um ser humano, pessoa física, que

conduz as suas atividades em busca da

finalidade objetivada com a sua instituição. E,

na administração desta, a pessoa física

somente poderá ser penalmente

responsabilizada caso demonstrado o

necessário nexo causal verificado entre a

4 STF, HC 80.549/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ em 24.8.2001, p. 44, grifamos.

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.17.

sua conduta e o resultado lesivo. 2. Para que

seja validamente deflagrada a persecução

penal contra o suposto autor do delito,

preceitua o Código de Processo Penal que,

além de conter a qualificação do acusado e a

classificação do crime que lhe é atribuído, a

denúncia deve expor o fato criminoso, com

todas as suas circunstâncias, cuja omissão ou

deficiência implica na sua nulidade, em razão

da mitigação das garantias do contraditório e

da ampla defesa. 3. Na hipótese dos autos,

depreende-se que a exordial acusatória

quedou-se em demonstrar o liame causal

entre eventual conduta do requerente e o

resultado lesivo reclamado, cingindo-se a

atribuir-lhe de forma objetiva a

responsabilidade penal pelo evento

delituoso apenas em razão do cargo que

ocupa na sociedade empresarial que seria o

meio utilizado para a lavagem de capitais.

4. Pedido de extensão deferido, concedendo-

se a ordem para anular o processo no que diz

respeito ao requerente desde o oferecimento

da denúncia, inclusive.”5

Inexistente qualquer demonstração no sentido

de indicar a participação do acusado na falsidade imputada, consubstanciada

5 STJ, PEHC 200701997634, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ªTurma, DJ em 5.4.2010, grifamos.

Page 18: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.18.

hipoteticamente na simulação de empréstimos, carece a denúncia de requisito

inafastável.

Pelas razões expostas neste item e tendo em

vista o enorme prejuízo suportado pelo defendente com tão mal traçada

acusação, que lhe impossibilitou o exercício pleno do seu direito de defesa,

deve a denúncia ser declarada inepta, anulando-se, assim, todo o processo

desde o início.

III – A ILEGALIDADE NO RECEBIMENTO

DA DENÚNCIA

Existe, ainda, outra irregularidade que está a

comprometer o início desse processo e que configurou limitação à defesa do

acusado: o modo com que a inicial acusatória foi recebida.

Em 18 de dezembro de 2006, foi oferecida

denúncia contra o defendente perante esta seção judiciária, imediatamente

encaminhada à conclusão e recebida no mesmo dia pela MM. Juíza ADRIANE

LUÍSA VIEIRA TRINDADE, aproximadamente 35 minutos após a sua autuação

(fls. 1.237/1.238).

No dia seguinte, 19 de dezembro de 2006, foi

o defendente diplomado para o cargo de deputado federal, fixando-se, a partir

desse momento e nos termos dos arts. 53, §1º, e 102, inciso I, alínea “b” da

Constituição da República, a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

para processar e julgar a ação penal.

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.19.

Antes da remessa dos autos para o tribunal

competente, no entanto, observou-se que havia uma incongruência: embora a

denúncia tivesse sido recebida em 18.12.2006, os registros indicavam que o

seu protocolo apenas ocorrera na manhã do dia seguinte, quando já havia

cessado a competência desta seção judiciária.

Assim percebendo, o MM. Juiz ALEXANDRE

BUCK MEDRADO SAMPAIO chegou a manifestar-se no sentido de que teria

havido erro material, e que, portanto, a denúncia não poderia ter sido recebida

naquela data, mas apenas no dia seguinte:

“A denúncia foi recebida pela MM. Juíza

desta Vara Federal em 18/12/2006. Porém,

conforme consta do registro de distribuição

eletrônica desta Seção Judiciária, a denúncia

apenas foi ofertada em 19/12/2006 (vide fl.

1.2). Ora, não sendo razoável, nem possível,

que a denúncia fosse recebida antes de ser

protocolada, tenho como inelutável, in casu, a

ocorrência de erro material quanto à data de

recebimento da inicial acusatória.” (fls. 1.281)

Aplicando-se a nova data de recebimento, os

autos foram então remetidos ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Em face do ocorrido – e considerando, ainda,

que, tendo sido a denúncia formulada em exatas 37 páginas, instruída com sete

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.20.

volumes e dois anexos, seria impossível que a magistrada houvesse analisado

minimamente a acusação –, a defesa houve por bem impetrar ordem de Habeas

corpus perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com o objetivo de anular o

despacho que recebera a denúncia6.

Vencidos os Ministros EROS GRAU, GILMAR

MENDES, CELSO DE MELLO e SEPÚLVEDA PERTENCE, a ordem foi denegada,

mas não sem que se observasse que a “celeridade” nesse recebimento

constituiu “um verdadeiro recorde”, duvidoso em termos de boa aplicação da

justiça.

Em que pese a ordem não ter sido concedida –

nos estritos e estreitos limites de cognição do writ – a defesa insiste que o

recebimento da denúncia foi ilegal, não só porque a data do seu recebimento

(18.12.2006) é incompatível com a do protocolo (19.12.2006), como porque a

fundamentação do despacho deixa claro que a resposta judicial se deu de forma

incompatível com o que se espera no nosso sistema jurídico.

De fato, o Ministro MARCO AURÉLIO

acentuou em voto vencedor na decisão que afastou o recebimento da denúncia

quanto aos crimes financeiros imputados ao acusado, que:

“O recebimento deu-se em poucas linhas.

Ficou consignado apenas que, na peça,

descreveu-se fato, em tese, criminoso,

fazendo-se esta acompanhada „de suporte

probatório capaz de evidenciar a justa causa

6 HC nº 91.449-7/MG, relatado pelo Min. Marco Aurélio e julgado em 7.5.2009.

Page 21: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.21.

para a instauração da ação penal, estando

presentes os pressupostos processuais e

condições da ação, sendo cumpridos os

requisitos formais inscritos no art. 41 do

Código de Processo Penal‟ (folha 188)”7.

Considerando, no entanto, que não se atacava

naquele Habeas corpus “a singeleza do pronunciamento mediante o qual foi

recebida a denúncia”, o Ministro procedeu à análise da matéria questionada

sem mais se manifestar sobre o assunto.

Ocorre, porém, que a decisão de recebimento

foi, de fato, infundada – e a “singeleza” dos “argumentos” usados só

demonstra a precariedade do ato judicial naquele momento.

Com efeito, além de o recebimento ter-se

dado intempestivamente, porque já cessada a competência dessa seção

judiciária, os autos permaneceram nas mãos da magistrada por pouco mais de

meia hora, sendo impossível que, nesse tempo, pudesse ela ter feito um juízo

imparcial da razoabilidade dos fatos narrados na inicial e, assim, recebido

regularmente a denúncia.

Os fatos demonstram, em verdade, que a

decisão de recebimento da denúncia já estava tomada antes mesmo do seu

oferecimento, já tendo a juíza concluído pela viabilidade da acusação sem

sequer conhecer os seus termos.

7 HC nº 93.553-2/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ em 3.9.2009, p. 9.

Page 22: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.22.

Isso, no entanto, fere às escancaras o

sistema acusatório adotado pelo nosso ordenamento, que exige uma

postura imparcial do julgador.

Segundo AURY LOPES JR.8, o sistema

acusatório se caracteriza, entre outras coisas, pela “clara distinção entre as

atividades de acusar e julgar” e pelo fato de o juiz manter-se “como um

terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à

coleta da prova, tanto de imputação como de descargo”.

Ora, se a acusação não cabe ao juiz e a sua

postura deve ser imparcial, um recebimento de denúncia realizado de forma

parcial não pode subsistir no nosso ordenamento!

De fato, os autos revelam que o recebimento

seria feito de qualquer forma, aguardando-se o oferecimento da denúncia tão-

somente como requisito formal para que a decisão fosse exarada.

Não é, realmente, crível que alguém consiga,

em cerca de meia hora, analisar, ainda que superficialmente, as mais de mil

páginas que integravam a denúncia, entre acusação propriamente dita e

documentos de apoio.

É evidente que essa análise não foi feita e a

decisão de recebimento já estava, portanto, tomada – provavelmente em razão

8 Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,

2008, p. 58.

Page 23: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.23.

da diplomação do defendente como deputado federal, que ocorreria no dia

seguinte.

Isto porque, se a denúncia já estivesse

recebida até o dia 19 de dezembro daquele ano, não seria dado ao acusado

apresentar defesa preliminar, conforme o rito mais benéfico da Lei nº

8.038/90, porque os autos chegariam ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já na

qualidade de ação penal – além de o juízo de recebimento ser, obviamente,

furtado daquela corte.

O fato é que a denúncia foi recebida de forma

preordenada e às pressas, sem observância de princípios que devem nortear a

atuação do Poder Judiciário.

Não se trata, está claro, de eficiência da

magistrada que recebeu a inicial acusatória em tempo tão “recorde”, mas de

atuação manifestamente ilegal.

A falta de fundamentação no recebimento, em

afronta ao princípio inscrito no art. 93, IX, da Constituição Federal é, nesse

sentido, apenas mais um indicativo da ilegalidade que se pretende combater.

O Ministro GILMAR MENDES, aliás, no voto

que restou vencido no Habeas corpus que a defesa impetrou para anular a

decisão do recebimento, já havia consignado:

“Logo, parto dessa premissa: é necessário –

devido à gravidade, àquilo que ela significa

Page 24: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.24.

– que a denúncia não seja recebida por

carimbo; que a denúncia não seja recebida

por um ato de não-reflexão do juiz. Parece

que isso é fundamental na construção do

modelo. Portanto, parece-me que não condiz

com qualquer paradigma do Estado de

direito.”

Ora, a denúncia, nesse caso, não só foi

recebida “por carimbo”, como não houve qualquer reflexão da juíza.

Este recebimento, viciado em sua origem, não

pode ser tolerado no nosso ordenamento jurídico.

Assim, tendo-se em vista (i) o grande volume

que foi submetido à apreciação desta seção judiciária quando do oferecimento

da denúncia, (ii) a celeridade desproporcional com que a inicial acusatória foi

recebida e (iii) o fato de o recebimento ter-se realizado, de acordo com os

registros judiciários, apenas em 19.12.2006, quando já havia cessado a

competência deste juízo, deve ser reconhecida a ilegalidade do recebimento

efetuado.

IV – O INOPORTUNO INTERROGATÓRIO

DO ACUSADO

O defendente foi inicialmente interrogado em

28 de maio de 2007, tendo este interrogatório sido posteriormente considerado

Page 25: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.25.

nulo pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, devido à ausência de intimação dos

corréus quanto à expedição da carta de ordem respectiva (fls. 1.950/1.955) –

determinando-se, assim, fosse o acusado novamente interrogado.

Quando da decisão de anulação, no entanto, já

estava em vigor a Lei nº 11.719/08, que trouxe algumas alterações processuais,

imediatamente aplicáveis, conforme art. 2º do CPP.

Entre as mudanças introduzidas, estava a

determinação de que o interrogatório deveria ser realizado apenas ao final da

instrução, de acordo com a nova redação do art. 400 do CPP:

“Na audiência de instrução e julgamento, a

ser realizada no prazo máximo de 60

(sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de

declarações do ofendido, à inquirição das

testemunhas arroladas pela acusação e pela

defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no

art. 222 deste Código, bem como aos

esclarecimentos dos peritos, às acareações e

ao reconhecimento de pessoas e coisas,

interrogando-se, em seguida, o acusado.”

Esta inovação é de grande relevância para o

exercício do direito de defesa, porque permite que o réu apresente sua versão

dos fatos depois de já produzida toda a prova – inclusive, e principalmente,

aquela requerida pela acusação.

Page 26: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.26.

Ocorre, no entanto, que o SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL não atentou para esta questão na ocasião, tendo o defendente sido

interrogado pela segunda vez em 29 de abril de 2009, estando, portanto, a nova

alteração processual em pleno vigor.

Em razão disso, o acusado argüiu, já em sua

defesa prévia (fls. 2.046/2.047), a irregularidade deste interrogatório, que

deixou de observar a nova redação do art. 400 do CPP, que é aplicável

inclusive quando se segue o rito da Lei nº 8.038/90.

Nesse sentido, a recente decisão do SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL:

“PROCESSUAL PENAL.

INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS

ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE

PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL

DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO

ART. 400 DO CPP. AGRAVO

REGIMENTAL A QUE SE NEGA

PROVIMENTO. I – O art. 400 do Código de

Processo Penal, com a redação dada pela

Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do

réu como ato derradeiro da instrução

penal. II – Sendo tal prática benéfica à

defesa, deve prevalecer nas ações penais

originárias perante o Supremo Tribunal

Federal, em detrimento do previsto no art.

Page 27: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.27.

7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção

apenas quanto às ações nas quais o

interrogatório já se ultimou. III –

Interpretação sistemática e teleológica do

direito. IV – Agravo regimental a que se nega

provimento.”9

A Corte Suprema, no entanto, equivocou-se

neste processo, tendo ela própria determinado fosse o ato realizado em

desobediência à nova regra.

Em março deste ano, contudo, os autos foram

novamente remetidos a esta seção judiciária em razão da não reeleição do

defendente como deputado federal.

Com isso, cessou o procedimento especial da

Lei nº 8.038/90, que poderia trazer dúvidas (já suprimidas definitivamente com

a decisão colacionada acima) quanto à aplicabilidade da nova redação do art.

400 do CPP.

Sem o rito especial, voltou-se ao

procedimento ordinário, tendo o nobre magistrado, então, dado seguimento à

instrução processual, abrindo inclusive prazo para requisição de diligências

complementares, conforme autoriza a nova lei.

O preclaro magistrado olvidou-se, no entanto,

de que, estando a instrução ainda em andamento quando da remessa dos autos

9 AP 528/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJ em 7.6.2011, grifamos.

Page 28: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.28.

a esta seção judiciária, os acusados deveriam ter sido interrogados como último

ato instrutório, sobretudo porque o novo interrogatório fora realizado já sob a

égide da nova legislação.

Não foi isso, porém, o que ocorreu, tendo-se

apenas aberto prazo para que as partes apresentassem sucessivamente suas

alegações finais, ignorando-se por completo a nova regra processual.

Nesse sentido, entretanto, a jurisprudência é

firme ao afirmar que a Lei nº 11.719/08 impõe ser o interrogatório o último ato

da instrução processual, alcançando inclusive os processos em curso:

“PROCESSUAL PENAL: HABEAS

CORPUS. INTERROGATÓRIO DO

ACUSADO. ARTIGO 400 DO CPP COM A

REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.719/08.

ÚLTIMO ATO DE INSTRUÇÃO.

EFETIVIDADE DA AMPLITUDE DA

DEFESA DO ACUSADO. NORMA

PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA.

VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS

SOB A VIGÊNCIA DA LEI ANTERIOR.

ARTIGO 2º DO CPP. A LEI NOVA

ALÇANÇA OS PROCESSOS EM CURSO. I

- Nos termos do artigo 400 do CPP, com a

redação dada pela Lei nº 11.719/08, o

interrogatório passou a ser o último da

instrução, de forma a garantir a efetividade da

Page 29: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.29.

amplitude da defesa do acusado. II - Cuida-se

de lei de natureza processual, portanto de

aplicação imediata, devendo ser aplicada sem

prejuízo da validade dos atos praticados sob a

vigência da lei anterior, consoante o disposto

no artigo 2º do CPP. III - A norma processual

penal deve ser aplicada desde o momento de

sua entrada em vigor, alcançando, inclusive,

os processos em curso. IV - Ordem

parcialmente concedida.”10

O novo interrogatório dos acusados era,

portanto, medida necessária naquela fase processual.

Logo, diante da ausência de reinterrogatório

dos acusados, além de não se observarem as regras processuais vigentes, houve

manifesto cerceamento de defesa por supressão de garantia que lhes era

assegurada, i.e., a de se pronunciarem após toda a produção de provas.

Isto posto, aguarda-se a conversão do

julgamento em diligência, a fim de que possa o réu ser novamente inquirido.

10

TRF 3ª Região, HC 200903000091961, Rel. Des. Cecilia Mello, 2ª Turma, DJ em 17.9.2009, grifamos.

Page 30: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.30.

NO MÉRITO

V – INEXISTÊNCIA DE FALSIDADE

IDEOLÓGICA

Ainda que as questões acima sejam superadas

– hipótese admitida apenas a título de argumentação – os autos estão a indicar

que o único deslinde possível para esta ação penal é a absolvição do acusado,

porque não ficou demonstrada falsidade ideológica alguma.

A conduta que genericamente se imputou ao

defendente na denúncia foi a de “inserção, nos contratos de empréstimo, de

declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a

verdade sobre fato juridicamente relevante” (fls. 28), tipificada no art. 299 do

Código Penal.

Também em sede de alegações finais, a

acusação, embora mais uma vez tenha deixado passar a oportunidade de

detalhar a participação do acusado nas condutas que entendeu puníveis, insiste

na tese de que os contratos de crédito “não eram, verdadeiramente, mútuos, eis

que nunca tiveram como objetivo serem adimplidos”, mas “simulações cujo

objetivo era acobertar a verdadeira natureza do desvio de recursos da

instituição financeira” (fls. 4.208).

Estas conclusões, no entanto, não

encontram qualquer respaldo nos autos.

Page 31: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.31.

Com efeito, o Ministério Público afirma que a

falsidade ideológica se consubstanciou na pretensa simulação dos empréstimos

que foram realizados entre o PARTIDO DOS TRABALHADORES e o BANCO BMG

– que, por sua vez, restaria demonstrada a partir de três premissas essenciais11

:

(i) ausência de registro contábil; (ii) “perdão” de valores na rolagem da dívida;

e (iii) falta de interesse em proceder à cobrança.

Os empréstimos não foram, contudo,

simulados – e as premissas de que parte a acusação não se aplicam nem

remotamente à hipótese do empréstimo no qual o defendente constou como

avalista.

De fato, a alegação de que não haveria

registro dos empréstimos na contabilidade do partido não procede.

O PARTIDO DOS TRABALHADORES não deixou,

em nenhum momento, de registrar as operações havidas em sua contabilidade,

que foram incluídas nas prestações de contas anuais ao TRIBUNAL SUPERIOR

11

O Ministério Público chega a mencionar outros supostos indícios de simulação nas suas alegações finais,

mas, como não tratou especificamente do empréstimo no qual o defendente constou como avalista, deixaremos

de analisá-los em detalhes, porque inaplicáveis à hipótese do acusado. Foram “indícios” para a acusação, nesse

sentido: (i) “a inexistência de registros de pagamentos de juros, encargos ou amortizações, como é de prática

em operações de empréstimo, tendo estes sido cobrados judicialmente apenas após a instauração da CPMI”

(fls. 4.174) – o que não se sustenta, como veremos abaixo, porque os encargos foram pagos e os

comprovantes, devidamente juntados, atestam que isso ocorreu antes da CPMI; (ii) “a inconsistência na

identificação de entrada e saída de recursos verificada em análise contábil relacionada às empresas de

MARCOS VALÉRIO, indicando fraude contábil” (fls. 4.174) – não se trata, por óbvio, do empréstimo com o

PT, por referência expressa do Ministério Público; (iii) “a má gestão dos Bancos BMG e Rural nas operações”

– a gestão destes bancos, em si, pouco tem que ver com o fato de os empréstimos serem simulados ou não, por

se tratar de coisas diversas (fls. 4.174); e (iv) “o fato dos contratos de prestação de serviços de publicidade

realizados pelas empresas DNA PROPAGANDA e SMP&B a órgãos da administração pública indireta terem

sido dados como garantia dos empréstimos feitos pelas empresas ligadas a Marcos Valério a pedido do PT,

embora apresentem vedação expressa quanto à possibilidade de serem incluídos como garantia de mútuos”

(fls. 4.174/4.175) – mais uma vez, isto diz respeito a outros contratos de empréstimo, que não contêm a

assinatura do defendente como avalista e cuja suposta falsidade ideológica não lhe foi imputada.

Page 32: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.32.

ELEITORAL desde quando isto se tornou possível, conforme explicou o

defendente em seu interrogatório:

“E essa contabilidade está, desde 2004 – o

empréstimo foi feito em 2003 -, registrada no

Tribunal Superior Eleitoral. E o próprio

BMG, em duas ocasiões, entrou com uma

ação judicial cobrando a dívida. E o partido –

eu não estava mais na Presidência -, o partido

assumiu essa dívida, porque está, é uma

dívida absolutamente legal.” (fls. 4.026)

É exatamente nesse sentido, também, o

depoimento do então secretário de assuntos institucionais do PARTIDO DOS

TRABALHADORES, Sr. PAULO ADALBERTO ALVES FERREIRA:

“O SENHOR PAULO ADALBERTO

ALVES FERREIRA – Esse empréstimo de

2003, ele está registrado na contabilidade

do PT desde a sua efetivação e consta de

todas as prestações de contas anuais que

são entregues em abril, todos os „abril‟ dos

anos, ao Tribunal Superior Eleitoral.

Sempre constou desde 2003. Portanto,

todos os anos, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008,

2009. E nós ainda temos compromissos a

honrar em razão desse empréstimo.” (fls.

4.015/4.016, grifamos)

Page 33: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.33.

Ainda a documentação enviada pelo Diretório

Nacional do PT a pedido do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (fls. 4.068/4.135)

comprova o quanto alegado, constando da respectiva petição de juntada,

inclusive,

“que esses mesmos valores foram objeto de

acordo judicial homologado perante a Justiça

do Estado de Minas Gerais, sendo que as

parcelas estão sendo devidamente quitadas

pelo peticionário e constam da escrituração

contábil do Partido, cujos balanços

financeiros anuais apresentados ao Tribunal

Superior Eleitoral foram submetidos à

apreciação da instância nacional de direção e

regularmente aprovados, conforme cópias das

atas e dos pareceres da Comissão Executiva

Nacional que seguem anexos”. (fls. 4.069,

grifamos)

Não houve, portanto, qualquer

irregularidade quanto ao registro do empréstimo, que foi devidamente

levado ao conhecimento do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.

Tampouco possui qualquer fundamento o

suposto “perdão” de valores quando da rolagem da dívida, vez que os valores

pactuados foram, quando não pagos a tempo, legalmente renegociados.

Page 34: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.34.

De fato, foram juntados aos autos, já com a

denúncia, os seguintes documentos relativos ao empréstimo contraído entre o

PT e o BANCO BMG:

(i) “Contrato de Mútuo – Financiamento de Capital de Giro”, no

valor de R$ 2.400.000,00, firmado em 17.2.2003, com o aval do

defendente e dos corréus DELÚBIO SOARES e MARCOS VALÉRIO,

além de nota promissória emitida pelo próprio partido na mesma

data, no valor de R$ 3.120.000,00 (fls. 222/225);

(ii) “Instrumento Particular de Confissão de Dívida e Outras

Avenças”, firmado em 26.5.2003, no qual se reconheceu a dívida

corrigida de R$ 2.559.146,04 e pagou-se a quantia de R$

159.146,04 a título de encargos devidos, comprometendo-se o

partido a desembolsar o restante do valor em 24.11.2003 (fls.

228/229 e 230);

(iii) “Aditamento e Re-ratificação ao Instrumento Particular de

Confissão de Dívida e Outras Avenças Firmado em 26.5.2003”,

assinado em 20.1.2004, por meio do qual se convencionou o

pagamento, naquela data, da importância de R$ 555.107,64, e, em

1º.7.2004, do valor principal, corrigido, de R$ 2.546.981,87 (fls.

232/233 e 234);

(iv) “2º Aditamento e Re-ratificação ao Instrumento Particular de

Confissão de Dívida e Outras Avenças firmado em 26/05/03”,

celebrado em 14.7.2004, ocasião em que o partido pagou o valor

de R$ 349.927,53, a título de juros, e comprometeu-se a pagar o

restante, no valor de R$ 2.591.011,44, em 9.2.2005 (fls. 236/238 e

239); e

Page 35: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.35.

(v) “Aditamento ao Contrato de Mútuo – Financiamento de Capital de

Giro nº 13.03.00102, firmado no dia 17/02/2003”, firmado em

21.2.2005, reconhecendo-se a dívida de R$ 2.901.168,00, além

dos encargos de R$ 199.080,76, que deveriam ser pagos até

22.8.2005 (fls. 240/241).

Nota-se, a partir destes documentos, que não

houve nenhum “perdão de dívida”, porque os valores apenas foram

renegociados, o que não é incomum na praxe bancária, aliás, muito ao

contrário, é prática corriqueira.

Além disso, ao serem renegociados, os

valores não mantiveram aquele patamar fixo de R$ 2.400.000,00 que a

acusação faz supor na tabela de fls. 9 (denúncia) e 4.184 (alegações finais),

tendo-se alterado a cada renovação, conforme critérios ajustados desde a

contratação12

.

Também os encargos foram sempre

imediatamente pagos, com exceção apenas da última renovação, em que se

convencionou que seriam saldados junto com o valor principal, em 22.8.2005 –

mas não “perdoados”. Os comprovantes juntados às fls. 230, 234 e 239, no

próprio procedimento do Banco Central, são bastante explicativos quanto a

isso.

12

A cláusula 2ª do contrato de mútuo, citada nas renovações da dívida, determinava, nesse sentido, que “Sobre

o valor da dívida, no caso de encargos pós-fixados, incidirá, exponencialmente, acréscimo idêntico ao da

variação do índice/base de remuneração previsto no preâmbulo, verificada no período compreendido entre a

data de assinatura do presente instrumento e a data de vencimento da(s) parcela(s) de amortização ou de

liquidação deste, incidindo sobre o valor apurado os juros previstos no Quadro III do preâmbulo” (fls. 223), ou

seja, a taxa CDI, mais 12,68% a.a..

Page 36: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.36.

Não houve, portanto, “perdão” de valores na

rolagem da dívida, mas mera renegociação, apenas se postergando o

pagamento de montantes que nunca deixaram de ser devidos.

Por fim, também a alegação de que não

haveria interesse em cobrar a dívida não merece prosperar – e basta que se

atente para a data de vencimento final do contrato para chegar a esta

conclusão.

De fato, a última renovação contratual

estipulou que o empréstimo deveria ser definitivamente quitado em 22.8.2005,

sendo dado ao partido desembolsar voluntariamente os valores até esta data.

Ora, se o partido ainda estava dentro do prazo

para adimplir a obrigação, não faria qualquer sentido que o BANCO BMG

tentasse receber judicialmente os valores antes da data fatal – ainda que,

conforme a inicial acusatória alega, tivessem estourado as “denúncias” do

chamado “mensalão”.

O máximo que poderia ser feito para

demonstrar o interesse em receber os valores, até lá, seria renegociar

formalmente a obrigação – e isso foi feito pelo banco.

Chegada a data estipulada e ainda não quitado

o empréstimo, o BANCO BMG poderia, então, recorrer à via judicial para

reaver os valores – e foi isso o que ocorreu.

Page 37: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.37.

Com efeito, os documentos juntados às fls.

3.759/3.789 descrevem com detalhes o processo de execução ajuizado pelo

BANCO BMG – o que ocorreu, aliás, no exato dia seguinte ao do vencimento do

prazo final para pagamento pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES, i.e., em

23.8.2005, conforme atesta a petição de execução por título extrajudicial de fls.

3.759/3.762.

O depoimento de PAULO ADALBERTO ALVES

FERREIRA, mais uma vez, também é bastante esclarecedor nesse sentido:

“Esse empréstimo, ele tinha um valor original

de dois milhões e quatrocentos mil reais. Foi

feita agora, em fevereiro de 2009, uma

repactuação de toda dívida. De 2003 a 2009,

nós tivemos pagamentos irregulares, certo?,

devidamente contabilizados e apresentado ao

Tribunal Superior Eleitoral. Nosso descritivo

está todo nessa apresentação. E, a partir de

2009 de fevereiro, nós repactuamos um valor

aproximado de cinco milhões de reais. E,

desde lá, nós pagamos cento e cinqüenta mil

reais/mês ao Banco BMG.” (fls. 4.016)

Ora, se não houvesse “interesse” em receber

os valores emprestados, não só as renovações realizadas (anteriores a eclosão

dos fatos) seriam desnecessárias como também o próprio ajuizamento da

execução o seria.

Page 38: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.38.

É evidente, portanto, que a intenção do

BANCO BMG de receber o valor emprestado, corrigido e acrescido de juros,

nunca deixou de estar presente e se manifestou a cada renovação contratual,

além de ser fundamental na fase executória.

Mas não é só.

Ainda que dispensássemos as explicações

acima, que desconstroem os argumentos utilizados para a acusação para fazer

parecer que as operações foram simuladas, a imputação não merece, por si

própria, ser acolhida.

Vejamos.

A falsidade ideológica, conforme já tivemos a

oportunidade de destacar aqui, pode ocorrer de três diferentes formas, todas

relacionadas à alteração da veracidade, da fé pública, de um documento – ou

seja, ainda que a forma seja preservada, o conteúdo deste documento, de algum

modo, não deve corresponder à verdade dos fatos.

Quando a acusação explica que o defendente

inseriu “declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de

alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” (fls. 28) – entendendo

que isto estaria demonstrado a partir da suposta simulação dos empréstimos,

porque eles não seriam, “verdadeiramente, mútuos, eis que nunca tiveram

como objetivo serem adimplidos” (fls. 4.208) – incorre, pois, em

impropriedade indesculpável.

Page 39: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.39.

De fato, o que o Ministério Público afirma,

em outras palavras, é que aqueles contratos celebrados entre o PARTIDO DOS

TRABALHADORES e o BANCO BMG não poderiam ser qualificados como

“mútuos”, porque não haveria intenção por parte do mutuário de devolver

os valores emprestados.

Isto, no entanto, não faz qualquer sentido se

considerarmos o que se entende por mútuo no Direito brasileiro, porque esta

“intenção” de devolver os valores, embora desejável, está longe de ser

requisito para que o contrato se performe.

Com efeito, assim dispõe o Código Civil

sobre este tipo de contrato:

“Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas

fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao

mutuante o que dele recebeu em coisa do

mesmo gênero, qualidade e quantidade.”

A doutrina, por sua vez, explica que, além de

se tratar de contrato de empréstimo de coisa fungível, “trata-se de contrato

real, isto é, o contrato só se aperfeiçoa pela entrega pelo mutuante da coisa

emprestada ao mutuário. Sem tal entrega, não há que se falar na existência de

contrato de mútuo”13

(requisito performativo).

Logo, pode-se dizer que haverá contrato de

mútuo sempre que as partes, de comum acordo, convencionarem o empréstimo

13

SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2005, p.180.

Page 40: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.40.

de coisa fungível e o mutuante entregar a coisa ao mutuário – ainda que este

não tenha a intenção de devolvê-la, porque esse elemento não faz parte da

definição de mútuo no ordenamento jurídico brasileiro.

Ora, na hipótese dos autos, as partes não só

acordaram o empréstimo de R$ 2.400.000,00 (fls. 222/224), coisa fungível por

natureza, como o valor foi efetivamente transferido pelo mutuante ao mutuário,

conforme comprovante de fls. 226.

Se foram atendidos os requisitos, não só

meramente formais, para que se possa falar em mútuo, evidente que o

contrato se realizou e não foi, portanto, simulado, independentemente da

suposta intenção do mutuário – que, por sinal, em nenhum momento

pareceu pretender não devolver os valores, conforme atestam as quatro

renegociações da dívida e a própria execução.

Vale a pena destacar ainda, por fim, que,

mesmo que houvesse simulação do contrato (o que não houve), não poderia

haver falsidade ideológica.

Isto porque estamos diante de um contrato de

empréstimo entre instituição financeira e particular, sendo o documento,

portanto, de natureza particular. Nessa hipótese, a ocorrência de simulação

não teria o condão de configurar falsidade ideológica, por completa

impossibilidade de as partes serem por ela enganadas – vez que ambas,

pretensamente, participariam da conduta.

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.41.

Assim, se as partes estivessem cientes de que

o documento particular que estavam a produzir descrevesse uma mentira, não

poderiam elas se dizerem enganadas por uma falsidade ideológica, que inexiste

pela sua própria incapacidade de alterar qualquer verdade.

Nesse sentido, com apoio na jurisprudência,

assinala JULIO FABBRINI MIRABETE14

:

“Simulação entre as partes: crime não

caracterizado – TJSP: „Não se configura o

delito de falsidade ideológica se o efetivo ou

potencial prejudicado participou da alteração

da verdade e, pois, não podia ser enganado

por ela‟ (RT 442/350).”

Logo, mesmo que as operações fossem

simuladas, não estaríamos diante do delito tipificado no art. 299 do Código

Penal, por completa impossibilidade de o potencial prejudicado ser enganado.

Não há, portanto, que se falar em falsidade

ideológica na hipótese dos autos, seja porque não houve mesmo qualquer

simulação, seja porque, ainda que houvesse, ela não seria suficiente para

ensejar a prática do crime em questão.

Por estas razões, deve o defendente, se

superadas as preliminares trazidas nos itens anteriores, ser absolvido por esse

juízo.

14

Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 1.938, grifos do original.

Page 42: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.42.

EMINENTE MAGISTRADO

O defendente é um homem íntegro, sério, que

sempre se destacou na luta política por um Brasil mais justo e igualitário.

Nasceu em Quixeramobim, no Ceará, onde

começou a militar como líder estudantil. Integrou a direção da União Nacional

dos Estudantes (UNE) e filiou-se ao PCdoB em 1968. Preso em abril de 1972,

na guerrilha do Araguaia, e após cinco anos de cadeia e tortura, retomou a vida

em São Paulo, trabalhando como professor de história no colégio Equipe.

Anistiado em 1979, JOSÉ GENOINO NETO

ajudou a fundar o PARTIDO DOS TRABALHADORES, elegendo-se, desde 1982,

deputado federal por cinco vezes consecutivas. Exerce, hoje, no governo

DILMA, a honrosa função de Assessor Especial do MINISTÉRIO DA DEFESA.

Em dezembro de 2002, assumiu a missão

política de presidir o PARTIDO DOS TRABALHADORES, jamais se imiscuindo em

questões administrativas e financeiras do partido, que estavam a cargo de

outros dirigentes eleitos para tanto, conforme já havia ele dito em seu

interrogatório:

“Eu apenas sou avalista. A administração das

finanças do partido, as negociações pelo

partido é feita pelo estatuto do partido, pelo

secretário de finanças e planejamento, que era

Page 43: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.43.

o tesoureiro do partido. Não participei de

nenhuma tratativa com o Banco, nem para

fazer o empréstimo, nem para os aditamentos,

nenhuma tratativa com o Banco.” (fls.

4.027/4.028)

É isto também o que se extrai do acervo

probatório produzido nos autos:

“que a depoente conhece o denunciado José

Genoíno; que, durante um de seus mandatos

da direção do PT/MG, o deputado Genoíno

exercia a função de Presidente Nacional do

PT; que, nesse período, se reunia com

Genoíno, normalmente, para discutir as

questões políticas do partido; que as questões

financeiras eram resolvidas entre os

tesoureiros, isto é, o tesoureiro nacional

reunia-se com os tesoureiros estaduais

enquanto os presidentes reuniam-se entre si”

(Depoimento da Sra. MARIA DO CARMO LARA

PERPÉTUO, fls. 3.341/3.342, grifamos)

“A SENHORA MARINA CHAVEZ ALVES

(ADVOGADA DE DEFESA DO SENHOR

JOSÉ GENOÍNO) – E quais são as funções

do Presidente do Partido dos Trabalhadores?

Page 44: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.44.

O SENHOR PAULO ADALBERTO ALVES

FERREIRA – O estatuto prevê a

representação política das decisões do

diretório nacional e das decisões da executiva.

Esse é o papel previsto no estatuto para a

figura do presidente.

A SENHORA MARINA CHAVEZ ALVES

(ADVOGADA DE DEFESA DO SENHOR

JOSÉ GENOÍNO) – E o deputado José

Genoíno, na condição de presidente do

Partido dos Trabalhadores, tratava das

questões financeiras do partido?

O SENHOR PAULO ADALBERTO ALVES

FERREIRA – Quem conhece o Genoíno sabe

do comportamento dele. O Genoíno trabalha

muito com o critério de delegação. O Genoíno

é isso, sempre foi isso. O Genoíno não é uma

liderança que se detém nos aspectos

administrativos. O Genoíno, ele representou,

até o momento da sua saída, o partido nas

posições políticas, na relação com os partidos,

na relação com parlamento e na relação com o

governo.

A SENHORA MARINA CHAVEZ ALVES

(ADVOGADA DE DEFESA DO SENHOR

JOSÉ GENOÍNO) – E não exercia a gerência

financeira do partido?

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.45.

O SENHOR PAULO ADALBERTO ALVES

FERREIRA – O Genoíno não se ocupava da

administração do PT.” (Depoimento do Sr.

PAULO ADALBERTO ALVES PEREIRA, fls.

4.012/4.023, grifamos)

O defendente sequer se ocupava, Excelência,

da gerência do partido, porque não era essa a sua atribuição enquanto

presidente.

Se constava dos contratos de empréstimo a

sua assinatura como avalista, é evidente que isso só ocorreu por exigência

estatutária, sem que tivesse ele elaborado qualquer aspecto da operação.

O seu perfil histórico demonstra que suas

atividades estavam centradas nas relações do partido com suas bases, com os

movimentos sociais e com suas bancadas no Congresso Nacional, sempre com

o propósito de defender o seu partido e o governo Lula.

Todos os elementos presentes nos autos

comprovam a inocência do acusado, que sempre teve uma atuação política

pautada pela retidão e seriedade.

Por todo o exposto, pede a defesa que, se

não for reconhecida a nulidade do processo em decorrência (i) da inépcia

da inicial acusatória, (ii) da ilegalidade no seu recebimento e (iii) da

ausência de interrogatório do acusado ao término da instrução processual,

seja o defendente absolvido das imputações que lhe foram injustamente

Page 46: José Genoino (caso MG) - Ação Penal nº 2006.38.00.039573-6

.46.

lançadas, por ser medida de expressão máxima do JUSTO e do

JURÍDICO, por ser medida de realização da profundamente

almejada JUSTIÇA!

São Paulo, 28 de outubro de 2011.

Luiz Fernando Pacheco

OAB/SP – 146.449

Natasha do Lago

OAB/SP – 184.825-E