13
1 Colônia Pirianito: trajetórias de imigrantes japoneses no norte do estado do Paraná JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) 1 Esta comunicação busca entender experiências de vida de imigrantes japoneses produzidas na Colônia Pirianito (hoje Uraí), fundada em 1936, no Norte do Paraná, pela Companhia Nambei Tochi Kabushiki Kaisha. A presença de colonos nipônicos em Pirianito insere-se no avanço das frentes pioneiras, nos espaços da colonização e da fronteira agrícola, vigentes no norte do estado no início do século XX. As balizas temporais compreendem o ano de fundação da Colônia Pirianito (1936) e o da venda dos remanescentes de suas terras à Companhia Brasileira de Rami, em 1956. Os objetivos da pesquisa são: entender Uraí como espaço de interrelações, priorizando o contato dos nipônicos com grupos de nacionais, a relação estabelecida entre os nipônicos e nipo-brasileiros com a produção do rami, compreender as produções da cultura material deixadas pelos japoneses e seus descentes no espaço de Uraí. A perspectiva metodológica da micro-história está presente nesta pesquisa, tendo em vista nosso objeto, a própria imigração nipônica para o Brasil, e a iniciativa do governo japonês em financiar o projeto de emigração. Ressaltamos a importância da memória dos imigrantes e de seus descendentes, nipo- brasileiros, para a realização desta pesquisa, além de documentos fotográficos que produzem explicações sobre a cultura material deixada pelo grupo nipônico em Uraí. A relevância e pertinência da pesquisa se justificam pela sua particularidade, pelas especificidades do objeto e dos referenciais de análise * doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Orientando do professor Dr. Sérgio Odilon Nadalin.

JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

1

Colônia Pirianito: trajetórias de imigrantes japoneses no norte do estado

do Paraná

JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR)1

Esta comunicação busca entender experiências de vida de imigrantes

japoneses produzidas na Colônia Pirianito (hoje Uraí), fundada em 1936, no

Norte do Paraná, pela Companhia Nambei Tochi Kabushiki Kaisha. A presença

de colonos nipônicos em Pirianito insere-se no avanço das frentes pioneiras,

nos espaços da colonização e da fronteira agrícola, vigentes no norte do

estado no início do século XX. As balizas temporais compreendem o ano de

fundação da Colônia Pirianito (1936) e o da venda dos remanescentes de suas

terras à Companhia Brasileira de Rami, em 1956. Os objetivos da pesquisa

são: entender Uraí como espaço de interrelações, priorizando o contato dos

nipônicos com grupos de nacionais, a relação estabelecida entre os nipônicos e

nipo-brasileiros com a produção do rami, compreender as produções da cultura

material deixadas pelos japoneses e seus descentes no espaço de Uraí. A

perspectiva metodológica da micro-história está presente nesta pesquisa, tendo

em vista nosso objeto, a própria imigração nipônica para o Brasil, e a iniciativa

do governo japonês em financiar o projeto de emigração. Ressaltamos a

importância da memória dos imigrantes e de seus descendentes, nipo-

brasileiros, para a realização desta pesquisa, além de documentos fotográficos

que produzem explicações sobre a cultura material deixada pelo grupo nipônico

em Uraí. A relevância e pertinência da pesquisa se justificam pela sua

particularidade, pelas especificidades do objeto e dos referenciais de análise

* doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Orientando do professor Dr. Sérgio Odilon Nadalin.

Page 2: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

2

que demarcam a historiografia no campo de estudos sobre imigração japonesa

no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço

de Uraí destacando como personagens principais o grupo nipônico e seus

descendentes.

Palavras-chave: Colônia Pirianito (Uraí); produção do rami; trajetórias de vida.

O objetivo deste artigo é o estudo da emergência e formação da Colônia

Pirianito, resultante do empreendimento imobiliário da Nambei Tochi Kabushiki

Kaisha em área do Norte do Paraná, futuramente denominada de Uraí. As

atividades da empresa se inserem, concomitantemente, em contextos

específicos da expansão da atividade industrial no Japão, da política imigratória

do estado brasileiro e da política agrária e de povoamento do estado do Paraná.

Portanto, a abordagem na perspectiva de escalas remete-nos às considerações

sobre o processo de ocupação do Norte do estado do Paraná, em seus

momentos distintos. Dos objetivos deste artigo consta, também, o propósito de

analisar a atuação desta empresa relacionada em dar suporte ao trabalho dos

primeiros colonos nas principais atividades econômicas de Pirianito e as

articulações comunitárias. De modo subsequente, nossa atenção irá reter-se

sobre os sujeitos históricos e suas relações cotidianas, a produção do rami, e as

lógicas sociais de colonos nipônicos e nipo-brasileiros investidos na tarefa de

edificação de Pirianito.

O desenvolvimento do núcleo habitacional foi relativamente rápido, com

ocupação dos lotes urbanos e rurais. A presença prévia de japoneses na região

norte do estado pode ser associada ao ritmo da ocupação de Pirianito. Os

japoneses estavam fixados na Fazenda Barboza Ferraz desde 1913, ocupados

no cultivo do café e atraídos pela fertilidade da terra. Em 1917, estavam

presentes em Cambará, na Vila Japonesa, e em 1927 na Fazenda Nomura, em

Bandeirantes. No ano seguinte, sua presença era registrada em Cornélio

Page 3: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

3

Procópio2. O empreendimento da “Paraná Plantation Ltda” na região do Norte

Novo de Londrina e a extensão dos trilhos da Ferrovia, atravessando o Rio

Tibagi, somam-se aos fatores favoráveis ao fortalecimento da corrente

migratória japonesa e ao desenvolvimento da Colônia Pirianito.

O início de desmatamento é dedicado ao corte e limpeza da vegetação

baixa sob as grandes árvores. Para a roçada, a foice era suficiente e o corte de

cipós e trepadeiras deveria ser feito pela raiz para não comprometer a direção

da queda das árvores. Na segunda etapa do trabalho, procede-se a derrubada

das grandes árvores com o machado. Nesta fase, o trabalho de derrubada é

conjugado. As árvores médias recebem fendas no lado da frente e de trás,

calculada a direção que deverão cair, pois serão derrubadas pelo tombamento

das árvores grandes. Riukiti Yamashiro, quando lavrador na Colônia Cedro,

derrubou e limpou uma área para plantar milho e diz “todos tiveram que

aprender a usar machado e foice, pois em Okinawa nunca haviam derrubado

mata natural” 3.

O processo de derrubada das grandes árvores exige procedimentos

diferentes. As de madeira de lei (peroba e cedro, por exemplo), cujos troncos

têm o mesmo diâmetro e atingem a altura de 5 metros ou mais, exigem apenas

o trabalho com o machado. Contudo, figueiras e pau-d´alho, cujos troncos são

de base larga e diâmetro grande, exigem a técnica de andaime, em geral, com

1,5 metros de altura. Sobre ele inicia-se outra fase que exige o trabalho de dois

homens no manejo do serrote – “trança” – com 2 metros de comprimento,

fazendo um corte horizontal no tronco. Em seguida, corta-se obliquamente a

parte superior com o machado. Repete-se o procedimento na parte oposta do

2 RESENDE, Tereza Hatue de. Ryu Mizuno. Saga japonesa em terras brasileiras. Curitiba: SEEC; Brasília: INL, 1991, p. 85. STADNIKY, Hilda Pivaro e BARROS PINTO, Meyre Eiras. Contribuição ao estudo da presença nipo-brasileira no Norte Novo de Maringá. In: DIAS, Reginaldo B. & GONÇALVES, José Henrique Rollo. Maringá e o Norte do Paraná. Estudos de História Regional. Maringá: EDUEM, 1999, p.239-254, p.241. 3 YAMASHIRO, José. Trajetória de duas vidas. Uma história de imigração e integração. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2001, p.50.

Page 4: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

4

tronco. As raízes também exigem cuidados e as partes salientes devem ser

cortadas com o machado. Após uns 3 meses, as árvores estarão secas para a

queimada, que deve ser feita após um período de 7 dias contínuos de seca.

Depois de terem desmatado a área, os trabalhadores começaram a

fazer as primeiras obras de infraestrutura e assegurar as comunicações com as

comunidades vizinhas, em direção a Cornélio Procópio. A área original da

Colônia incorporou 2 mil alqueires da Companhia Barbosa, acarretando uma

nova divisão das terras, cujos lotes tinham a dimensão de 2 alqueires.

Feita a limpeza do terreno, plantaram arroz, feijão e milho e passaram a

construir suas casas. Nesses primeiros tempos, a produção abundante do

arroz era saudada com alívio, pois garantia a sobrevivência. Depois disso, era

só esperar pelo café, que era considerado como “a árvore que dava o dinheiro”.

Depois de plantado, o cafezal demoraria 4 ou 5 anos para começar a produzir,

sendo necessário nesse período sobreviver com outras plantações4.

A construção das casas de imigrantes não exigiu qualquer esmero

arquitetônico e o maior cuidado era com as goteiras em épocas de chuvas. Os

troncos das palmeiras, abundantes na região, foram cortados em quatro partes

e aproveitados como paredes e o telhado, em geral, feito de sapé. Tal qual a

descrição de Yamato Kinjo, na Fazenda Floresta, em Itu. “As casas eram de

sapé, com paredes de pau-a-pique e chão de terra batida” 5, ou a de Riukiti

Yamashiro, que ao chegar à Fazenda Cedro “ergueu um barracão de 6 metros

por 3 no meio do mato, utilizando juçara partida ao meio em vez de tábua, cipó

substituindo cordas e, para a cobertura, sapé que havia em abundância” 6.

4 HANDA, Tomoo. O imigrante japonês. História de sua vida no Brasil. op. cit. 268. 5 ARAI, Jhony. Viajantes do sol nascente. História dos imigrantes japoneses. São Paulo: Editora Garçoni, 2003, p. 29-30. 6 YAMASHIRO, José. Trajetória de duas vidas. Uma história de imigração e integração. op. cit. p. 49.

Page 5: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

5

Em geral, quando se derruba a mata é feita a plantação do café. Porém,

em razão da sobrevivência, essas terras são aproveitadas para a produção do

arroz ou algodão. Em geral, são culturas intercalares com o café. Nos cafezais

onde os pés estão no primeiro ao segundo ano as culturas são semeadas,

comumente em três fileiras, que serão diminuídas para duas quando o café

estiver no terceiro ano. No quarto ano de desenvolvimento do cafeeiro, a

semeadura é reduzida para uma fileira ou não se efetuam mais as culturas

intercalares7. Cultivar a “árvore do arroz” era para os imigrantes japoneses uma

aspiração constante. Cultivar o arroz significava, no seu entender, retornar à

atividade de agricultor, na verdadeira acepção da palavra8. Desde a época em

que trabalharam nas fazendas de café, eles tinham na rizicultura a maior de

suas aspirações. Produzir este cereal para que pudessem fartar-se nas

refeições.

Muitos escolheram os brejões para o plantio de arroz. São áreas

freqüentemente existentes às margens dos rios, que na época das chuvas

ficam alagadas. Utilizava-se uma máquina de capina – ou carpideira – para

formar regos, sobre os quais jogavam as sementes com as mãos, e por último

a carpideira cobria as sementes. Para esse tipo de operação, apenas uma

mula era suficiente. Com a chegada das chuvas, o terreno alagava-se, exigindo

a capina. Se as precipitações fossem boas estava garantido o rápido

crescimento do arroz. Os agricultores se ocupavam de ceifar os grãos,

utilizando a foicinha japonesa e, depois, do esbagoamento, no qual as hastes

carregadas eram batidas contra o banco – um estrado confeccionado de finos

galhos, em geral estreito e longo, em forma de “U”. Um pano colocado em

torno dos bancos, em forma de cortinado, e outro debaixo deles, impediam que

os grãos soltos se espalhassem. A separação dos ciscos normalmente era

7 NISHIKAWA, Daijiro. Produção e circulação de produtos agrícolas. In: Assimilação e integração dos japoneses no Brasil. Petrópolis: Vozes; São Paulo: EDUSP, 1973, p.273-301, p. 278-9. 8 HANDA, Tomoo. O imigrante japonês. História de sua vida no Brasil. op. cit. p. 362.

Page 6: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

6

efetuada com a ajuda do vento e da tarara9. Os grãos eram passados na

peneira, e as espigas remanescentes eram esbagoadas com o karazao, uma

espécie de vara usada para essa finalidade pelos lavradores japoneses. Assim,

não havia como faltar o mochi10 nas comemorações do ano novo e aniversário

do Imperador.

Foto n 1: Pirianito. Rizicultura 1. (1947) Fonte: acervo pessoal de Jorge T. Takano.

Contudo, quando o nível da água começava a baixar apareciam os

mosquitos disseminadores da malária, revelando-se pouco rentável a rizicultura

de varjões, pois, além de tudo, neste tipo de produção o arroz torna-se

extremamente quebradiço após o beneficiamento, perdendo valor na

comercialização. Na Colônia de Cacatu, no litoral paranaense, onde também foi

cultivado arroz, Ryu Mizuno mostrou-se muito preocupado com a incidência da

maleita e a falta de assistência médica11. No final de 1939 a Colônia Pirianito

9 Ibidem. p. 372-374. 10 Bolinho feito de arroz, é uma iguaria oferecida aos deuses, especialmente no Ano Novo.

Segundo a crença, simboliza o sol e a lua ou o homem e a mulher. Colocado na sala principal

ou em uma mesinha no altar xintoísta da casa como uma oferenda aos deuses, o mochi

simboliza a expectativa de felicidade e prosperidade no ano que se inicia.

11 RESENDE, Tereza Hatue de. Ryu Mizuno. Saga japonesa em terras brasileiras. op. cit. p. 90.

Page 7: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

7

conheceu a epidemia de maleita, que assolou o local até 1942. Michiko

Sugahara, assim a relatou:

Em 1942, nós pegamos maleita, eu também peguei. Quando chegava assim meio dia assim pode ficar em qualquer lugar, mas dava calor e depois frio. E pode ficar debaixo de três, quatro acolchoados que não adianta. Dava tremor... ficava tremendo. Então, a gente já era acostumada, quando chegava meio dia a gente ia assim prá fora. Ficava em cima de um tronco no solão quente e a gente ficava lá... no sol quente. Não curava, mas a gente lá ficava. Depois quando passava o frio, aí vinha a febre. Aí a gente vinha para dentro de casa, aí entrava na cama. Mas daí, tomei quinino, tomei umas injeções paludam (sic), aí sarou, mas pelo tanto que tomei ficou mais de anos e anos assim, forte demais, adormecida a nádega. Ficou adormecida de tão forte que era o remédio12.

Na estação ferroviária de Congonhas, permanecia Hikoma Udihara,

revendedor de lotes da Paraná Plantation, recomendando aos passageiros

para que fechassem as janelas do vagão para se precaverem contra mosquitos

portadores do mal da maleita. As medidas tomadas no combate ao mal, soro

de quinino, e mais tarde, com a recomendação da Universidade de São Paulo,

recorreu-se a novos medicamentos, entre eles um injetável (americano), foram

suficientes para debelar o mal. Contudo, não conseguiu evitar um abalo nas

vendas das terras. Relatórios da Nambei indicam que em 1941 havia 509

famílias, das quais 221 eram japonesas. A população total compreendia 2.510

pessoas, das quais 46% eram nipônicas. Do total de áreas cultivadas (952

alqueires), 647 alqueires pertenciam aos japoneses.

Em decorrência, a partir de 1936, registra-se grande afluxo de capitais

japoneses no Brasil, particularmente nos setores de beneficiamento, fiação e

exportação de algodão. Por outro lado, agricultores japoneses foram

incentivados para a produção de algodão e, amparada em capitais japoneses,

12 Entrevista de Michiko Sugahara concedida a Evandir Codato, em 18 de abril de 1985, em sua residência em Urai, duração de 2:30 minutos.

Page 8: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

8

a cotonicultura desenvolveu-se rapidamente13. Assim, o algodão era comprado

e beneficiado por firmas nipônicas e por elas exportado em navios japoneses.

No Japão, é fundada a Nishi Haku Menka Kabushiki (Sociedade

Algodoeira Brasil-Japão Ltda), que aglutinava entre seus acionistas fiações

japonesas, importadoras de algodão e companhias de colonização e que se

destinava à importação de algodão brasileiro. No Brasil, esta sociedade operou

sob o nome de BRAZCOT, investindo na compra, beneficiamento e exportação

de algodão. Outra parceira, a Casa Bancária BRATAC, foi fundada

especificamente para fornecer crédito à colônia japonesa. Por problemas de

legislação relacionados à Carta de 1937, a Casa Bancária foi transformada em

Banco América do Sul, como banco da colônia japonesa14. Portanto, a

conjugação de interesses compreendia migração planejada, produção

orientada e investimentos japoneses.

A investida do Cartel das indústrias têxteis japonesas expressa seus

interesses pelo algodão, seda, juta, junco e rami. De um lado, a proeminência

do capital japonês no setor algodoeiro ao longo dos anos 1930 e, de outro, a

atuação das companhias colonizadoras e o patrocínio oficial do governo

japonês na migração planejada, encorajam-nos na reflexão da solidariedade

étnica e no fortalecimento dos valores simbólicos dos imigrantes aqui

estabelecidos.

No âmbito dos interesses pelas fibras, no final dos anos 1930, a

indústria japonesa incentivou experiências com o rami, relacionadas à

aclimatação e à qualidade. Em 1938, Seiki Murakami trouxe da estação

experimental da província de Miyazaki uma variedade e tentou divulgá-la no

13 Consultar: CODATO, Evandir. Colonização Agrícola: A Colônia Três Barras – 1932-1970.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, 1981. 14 VIEIRA, Francisca Isabel Schurig. O japonês na frente de expansão paulista: o processo de absorção do japonês em Marília. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1973, p. 54-5.

Page 9: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

9

Estado de São Paulo. O rami entra em Pirianito por intermédio Reikiti Matsui,

engenheiro da Nambei Tochi Kabushiki Kaisha que observa o ótimo

desenvolvimento que essa lavoura teve na Fazenda Anhumas, estado de São

Paulo. Posteriormente, imigrantes japoneses residentes em Anhumas

deslocaram-se para Pirianito. Assim como foi feito com a fibra no Estado de

São Paulo, os imigrantes plantaram o rami na gleba Pirianito. De uma maneira

surpreendente, o resultado da plantação foi superior ao das plantações de

Anhumas.

Com o resultado do primeiro cultivo, a produção começou a ser

expandida, tendo sido comercializada tanto no Brasil quanto no exterior. A

qualidade da produção possibilitou a plantação em escala comercial e a

importação, do Japão, de máquinas de desfibramento. O rami desenvolveu-se

muito bem em Pirianito, despertando o interesse da empresa de Fiação e

Tecelagem Tóquio de Rami S/A, que tinha o objetivo de montar uma filial de

fiação e tecelagem nesta Colônia. Em virtude dos bons resultados, em 1941, a

empresa de Fiação e Tecelagem Tóquio de Rami adquiriu 400 alqueires em

Pirianito, para a plantação de rami.

Contudo, devido à II Guerra Mundial, a indústria de fiação e tecelagem de

rami acabou por não se instalar no município, coincidindo com as medidas do

governo brasileiro para apreender todos os bens dos imigrantes japoneses. No

entanto, a produção ocorreu somente depois da Segunda Guerra. Em 1946,

ficaram prontas as instalações da Cibram. Em 1959, em Uraí, começaram a

funcionar as máquinas de industrialização pertencentes à Itimura, conhecido

como “Rei do Rami”.

Em decorrência dos bons resultados obtidos nesse setor a cidade de

Uraí contou, no auge do desenvolvimento do rami, com a Companhia Indústria

Paranaense de Rami (CIPRA), de propriedade da família Itimura, a Imperial

Fibras e a Uraí Rami S/A. A fibra do rami, pertencente à família das fibras

Page 10: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

10

longas, tem em média 150 a 200 milímetros de comprimento, a exemplo do

linho, juta, sisal e cânhamo. Apresenta alta resistência, considerada três vezes

superior à do cânhamo, quatro vezes à do linho e oito vezes à do algodão. A

lavoura de rami encontrou condições altamente favoráveis ao seu

desenvolvimento na Colônia Pirianito.

Em termos de processo produtivo, esta cultura apresenta baixo padrão

tecnológico, sendo bastante intensiva no uso da mão-de-obra, da qual exige

muito esforço físico. O corte do rami é uma atividade braçal extremamente

exaustiva, com processos altamente demandantes de esforço físico. Além

disso, a máquina periquito utilizada na sua descorticagem é perigosa e

ineficiente, redundando na alta incidência de acidentes de trabalho. A

defasagem tecnológica e as precárias condições de trabalho completam o

quadro de dificuldades para os trabalhadores do setor.

O processo de beneficiamento é constituído da descorticagem e da

desgoma. A primeira etapa é feita ainda no campo, através de máquinas

desfibradoras ou descorticadoras, sendo as mais utilizadas conhecidas como

periquitos, que separam as cascas das hastes. A desgomagem, por sua vez, é

feita nas indústrias via processos químicos.

Após o corte dos caules, o rami era carregado nos ombros até a máquina

periquito, que retorcia a planta, descascando seu caule. A fibra era retirada da

parte externa do caule, sendo as folhas descartadas. Sob o sol quente, a

máquina era operada e necessitava de várias pessoas para realizar diversas

operações.

Passava-se o caule do rami, no mínimo duas vezes pelo interior da

máquina, separando a fibra do restante da planta. Era um trabalho arriscado,

principalmente pelo último homem, aquele responsável em colocar o rami no

interior da máquina, por um orifício grande o bastante para passar as mãos

Page 11: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

11

juntas. A foto abaixo indica, não apenas a quantidade de trabalhadores para

operá-la, mas, também a proximidade física entre homem e máquina, como se

um fosse extensão do outro.

Foto n.2: Máquina Periquito, descorticagem do rami. Fonte: acervo pessoal de Jorge T. Takano.

Em Uraí, no auge do rami, vários acidentes envolvendo trabalhadores

foram notificados em jornais e revistas e denunciados aos sindicatos dos

trabalhadores devido à amputação dos dedos ou braços que eram puxados

juntamente com o caule para dentro do orifício da máquina. Uraí chegou a

receber o título de “cidades dos homens sem braços”, em finais da década de

1970.

Depois de separada do caule, a fibra era colocada em varais para secar.

As fibras de rami de Pirianito tinham uso em diversos estados brasileiros,

também eram exportadas para vários países, prioritariamente para o Japão.

Eram usadas na confecção de sacarias, barbantes e fios, em geral.

Page 12: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

12

De modo amplo, com o objetivo de entender as relações estabelecidas

pelos imigrantes japoneses e seus descendentes no espaço da Colônia

Pirianito. Serão analisadas, também, as estratégias relacionais desenvolvidas

pelos diferentes sujeitos que acompanham a passagem para outros lugares,

seus contextos de referência, as contradições das quais são portadores, a

construção do outro, considerando interações e respectivos processos de

inserção na sociedade receptora.

Referências:

RESENDE, Tereza Hatue de. Ryu Mizuno. Saga japonesa em terras brasileiras. Curitiba: SEEC; Brasília: INL, 1991, p. 85. STADNIKY, Hilda Pivaro e BARROS PINTO, Meyre Eiras. Contribuição ao estudo da presença nipo-brasileira no Norte Novo de Maringá. In: DIAS, Reginaldo B. & GONÇALVES, José Henrique Rollo. Maringá e o Norte do Paraná. Estudos de História Regional. Maringá: EDUEM, 1999.

YAMASHIRO, José. Trajetória de duas vidas. Uma história de imigração e integração. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2001. HANDA, Tomoo. O imigrante japonês. História de sua vida no Brasil. São Paulo: T.A.Queiroz; Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, 1987. ARAI, Jhony. Viajantes do sol nascente. História dos imigrantes japoneses. São Paulo: Editora Garçoni, 2003. NISHIKAWA, Daijiro. Produção e circulação de produtos agrícolas. In: Assimilação e integração dos japoneses no Brasil. Petrópolis: Vozes; São Paulo: EDUSP, 1973. CODATO, Evandir. Colonização Agrícola: A Colônia Três Barras – 1932-1970. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, 1981.

VIEIRA, Francisca Isabel Schurig. O japonês na frente de expansão paulista: o processo de absorção do japonês em Marília. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1973.

Page 13: JOSÉ JUNIO DA SILVA (UFPR) - encontro2016.pr.anpuh.org · no Paraná e no Brasil. O desafio da pesquisa busca a reflexão sobre o espaço ... ou em uma mesinha no altar xintoísta

13