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Universidade de Aveiro Ano 2009
Departamento de Biologia
José Manuel Neto Santos
Utilização de invertebrados bentónicos em ecotoxicologia sedimentar
Universidade de Aveiro Ano 2008/ 2009
Departamento Biologia
José Manuel Neto Santos
Utilização de invertebrados bentónicos em ecotoxicologia sedimentar
Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Toxicologia e Ecotoxicologia, realizada sob a orientação científica do Doutor Victor Quintino, Professor Auxiliar do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e da Doutora Rosa Freitas, Investigadora Auxiliar do Laboratório Associado CESAM da Universidade de Aveiro.
Dedico este trabalho à minha mulher e ao meu filho, pelo tempo que de mim renunciaram.
O júri
Presidente Professor Doutor António José Arsenia Nogueira Universidade de Aveiro
Vogal- Arguente Principal Doutora Susana Patrícia Mendes Loureiro Universidade de Aveiro
Vogal- Orientador Professor Doutor Victor Manuel dos Santos Quintino Universidade de Aveiro
Vogal- Co- Orientador Doutora Rosa de Fátima Lopes de Freitas Universidade de Aveiro
Agradecimentos
Quero deixar por escrito, o reconhecimento e o agradecimento sincero aos meus Orientadores, Professor Doutor Victor Quintino e Doutora Rosa Freitas.
palavras-chave
Anfípodes, Corophium, toxicidade sedimentar, ensaio agudo,
ensaio crónico
resumo
Os ensaios de ecotoxicologia sedimentar são uma ferramenta
importante para a avaliação dos ecossistemas marinhos e
estuarinos. A fauna bentónica será das que primeiro se recente
com os excessos de poluição, devido ao seu habitat natural se
localizar no meio sedimentar, local ecologicamente bastante
frágil e que ao ser afectado, trará implicações importantes a
todos os diferentes estratos que constituem o ecossistema.
Neste trabalho, é realizada uma revisão bibliográfica sobre
ensaios de ecotoxicologia sedimentar procurando dar ênfase a
um dos seus principais intervenientes: os anfípodes, em
particular do género Corophium. Por outro lado, tentamos
traçar uma panorâmica geral sobre a forma como esta questão
está a ser lidada por diferentes países, com apresentação de
alguns casos de estudo de Portugal.
keywords
Amphipods, Corophium , sediment toxicity, acute bioassay, cronic bioassay
abstract
Sediment ecotoxicological tests are an important bioassessment tool for
marine and estuarine ecosystems. The benthic fauna is often the first to
be affected by excesses pollution, the sedimentary habitat is ecologically
fragile and when affected, will bring important implications for all other
ecosystem strata. This work presents a literature review on the subject of
sediment ecotoxicological tests, with emphasis in one of its key players,
the amphipods, namely of the genus Corophium. The work gives an
overview on how this issue is being handled in different countries, and
presents case studies group relative to Portugal.
- 8 -
Índice Pag.
1.Introdução____________________________________________________________9
2. Avaliação ecotoxicológica dos sedimentos__________________________________11
2.1 A importância da avaliação da qualidade dos sedimentos______________________11
2.2 Ensaios de toxicidade: organismos-teste___________________________________13
2.3 Ensaio agudo vs ensaio crónico _________________________________________17
2.4 Conceitos a ter na utilização de ensaios de toxicidade________________________18
2.5 Uso simultâneo de multiplos descritores da Qualidade Sedimentar)_____________21
3. Utilização de anfípodes em ensaios de toxicidade nas últimas duas décadas________25
4. Conclusão____________________________________________________________51
Bibliografia_____________________________________________________________53
- 9 -
1. Introdução
Nos últimos anos, a qualidade dos ambientes marinhos, estuarinos e de águas
doces, tornou-se foco de atenção, havendo hoje em todo o mundo interesse na sua
conservação e na recuperação dos locais sujeitos a pressões antropogénicas. Esta recente
preocupação coincidiu com o facto de os sedimentos marinhos serem reconhecidos como
um dos maiores reservatórios de substâncias tóxicas (entre outros, Chapman, 1995;
Chapman, 2004; Adams, 2005), o que levou ao desenvolvimento de diversos métodos de
avaliação da sua qualidade. Pela bibliografia consultada podemos perceber que estes
métodos têm-se revelado extremamente úteis na avaliação dos níveis de contaminação e do
seu significado ecológico nos diferentes ambientes aquáticos, funcionando como
instrumentos importantes para a protecção e conservação dos ecossistemas e também da
saúde pública (Chapman, 1995; Silva et al., 2004; Castro et al., 2006; Ré et al., 2007). A
detecção de efeitos tóxicos a um nível de organização biológica abaixo do organismo pode
servir como um sinal de alerta precoce para os potenciais efeitos nos níveis superiores. A
bioacumulação num elo inferior da cadeia alimentar, pode levar à sua captação e a
possíveis efeitos tóxicos que se podem manifestar em qualquer elo da cadeia até ao
consumidor final. Se se poder estabelecer uma relação entre um efeito ao nível da
população e a bioamplificação de contaminantes, então será de implementar uma acção
preventiva (Hellou et al., 2008).
Nos ecossistemas aquáticos a macrofauna bentónica desempenha um importante
papel. Como principais consumidores secundários, estes organismos representam um
importante elo de ligação entre os produtores primários e os níveis tróficos mais elevados
(Allaby, 1999). Constituem também uma importante fonte de alimento para peixes e
crustáceos (Allaby, 1999) e podem melhorar a qualidade da água uma vez que grande parte
dos organismos pertencentes à macrofauna bentónica se alimenta por filtração das
partículas em suspensão (Holand, 1990). As populações bentónicas estão representadas em
diversos grupos taxonómicos que, de uma forma geral, se relacionam com todos os
aspectos do habitat aquático, nomeadamente ao nível das diferentes estratégias de
alimentação, dos modos reprodutivos, das suas características específicas de vida e da
tolerância fisiológica às condições ambientais. A maioria dos organismos bentónicos têm
mobilidade limitada não podendo desta forma evitar a pressão ambiental a que poderão
- 10 -
estar sujeitos. Como resultado, as respostas de algumas espécies servem como indicadores,
privilegiados, de mudanças na qualidade dos ambientes aquáticos e, mais concretamente,
das alterações introduzidas nos sedimentos onde residem (EPA, 1992).
Pelos motivos atrás referidos, vários investigadores (Chapman et al., 1987; Defew
et al., 2002; Borja et al., 2003; Belan, 2003; Silva et al., 2004; Reiss e Kröncks, 2005;
Bigot et al., 2006; Castro et al., 2006; Scarlett et al., 2007; Picone et al., 2008, entre outros)
têm utilizado invertebrados bentónicos em estudos cujo objectivo se centra na avaliação da
qualidade dos sedimentos nomeadamente no que diz respeito aos efeitos biológicos e
ecológicos associados ao seu grau de contaminação.
Pela bibliografia consultada, é fácil perceber que os testes de toxidade sedimentar
efectuados em laboratório constituem uma ferramenta importante que juntamente com
outras, como por exemplo a análise química dos sedimentos ou a avaliação da estrutura da
comunidade bentónica autóctone, contribuem para uma avaliação mais abrangente dos
problemas relacionados com o meio ambiente. Deste modo é possível através das amostra
sedimentares recolhidas, averiguar se houve alterações e se essas alterações se devem ou
não, à presença de tóxicos nos sedimentos (Chapman, 2007).
É objectivo do presente trabalho, fazer uma análise sumária sobre a situação do
emprego da fauna bentónica, nomeadamente o uso de anfípodes, nos testes de avaliação do
estado do ambiente sedimentar.
- 11 -
2. Avaliação ecotoxicológica dos sedimentos
2.1 A importância da avaliação da qualidade dos sedimentos A contaminação dos ecossistemas marinhos é devida principalmente a actividades
antropogénicas e é particularmente significativa em ambientes costeiros (Power e
Chapman, 1992). Estes últimos são afectados por inúmeras fontes de perturbação, tais
como descargas de efluentes urbanos e industriais, contaminantes transportados por rios e
estuários e enxurradas sobre terrenos agrícolas. Deste modo a avaliação da qualidade dos
sedimentos é uma componente importante na avaliação da qualidade dos ambientes
aquáticos, uma vez que os sedimentos, geralmente, funcionam como um grande
reservatório de contaminantes (Power et al., 1991; Lamberson et al., 1992; Chapman,
1995; Chapman, 2004; Adams, 2005), com concentrações muito superiores às existentes
na coluna de água (Chapman, 1986). O acumular de compostos tóxicos, bem como um
aumento da matéria orgânica nos sedimentos é, frequentemente, traduzido em alterações da
estrutura das comunidades da fauna bentónica (Pearson e Rosenberg, 1978; Quintino et al.,
1989; Silva et al., 2004; Castro et al., 2006).
Portugal, quer por legislação interna, quer por legislação comunitária, está obrigado
ao cumprimento de leis que visam a protecção e salvaguarda dos ambientes aquáticos,
como é exemplo o Decreto-Lei nº 236/98 que “Estabelece normas, critérios e objectivos de
qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas
em função dos seus principais usos.”
Relativamente à avaliação da qualidade dos sedimentos convém esclarecer
algumas definições comummente utilizadas, mas muitas vezes usadas de forma incorrecta.
Assim, definições atribuídas a sedimentos de referência e a valores iniciais dos sedimentos,
variam entre os programas de investigação e mesmo entre investigadores. Para evitar esta
confusão, a definição destes dois sedimentos precisa de ser claramente indicada para cada
estudo. Alguns investigadores utilizam estas definições indiferentemente, enquanto outros
definem sedimentos de referência como o modelo ou os melhores valores para se proceder
à comparação com outros sedimentos, enquanto que os valores iniciais dos sedimentos são
definidos como um sedimento histórico existente na área e que se encontra isento de
influências antropogénicas. Apesar de estas duas definições não representarem o mesmo,
elas não se excluem mutuamente, um sedimento de referência pode representar valores
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iniciais do sedimento e estes, por sua vez, também podem ser usados como um sedimento
de referência (Chapman et al., 2002).
Em avaliações típicas de sedimentos, nos testes de toxicidade é feita a comparação
com o sedimento de referência, ou com uma condição tida por referência. Do ponto de
vista técnico, um sedimento de referência seria aquele no qual estariam ausentes todos os
produtos químicos que poderiam causar problemas (ou seja, um sedimento não
contaminado, mas por outro lado, idêntico ao que se quer testar). Isto permitiria uma
avaliação em relação ao ou aos produtos químicos presente(s) no sedimento que
representavam um perigo efectivo. No entanto, tal situação ideal raramente existe em
condições naturais (Chapman et al., 2002). Avaliações efectuadas com recurso ao
sedimento de referência são, por definição, apenas estimativas do perigo, calculadas
tomando como base comparações de dados estatísticos. Quando essas comparações são
feitas, elas deverão ser adequadas à avaliação que se pretende realizar. Por exemplo, um
porto não deve ser comparado com uma área protegida, a menos que se tenha tomado a
decisão de eliminar esse porto e tornar a área protegida (Chapman et al., 2002).
Contudo, a extrapolação dos resultados dos testes para o ambiente e ao mesmo
tempo, a medição do sucesso ou o fracasso de decisões de gestão, pode exigir a utilização
de diferentes parâmetros de avaliação, uma vez que o que está para ser protegido e o que é
avaliado, muitas vezes é diferente, devido essencialmente, a considerações de carácter
prático. Esses parâmetros de avaliação são seleccionados numa fase inicial do problema
relativo a uma avaliação do risco ecológico (EPA, 1992) e reflectem uma componente
ecológica (por exemplo, espécies) ou uma função a ser protegida e, quando adequado, são
expressos ao nível da população (Chapman et al., 2002).
Seria desejável a existência de um mecanismo que permitisse testar hipóteses de
risco que relacionassem, de forma clara, a ligação existente entre o agente agressor e o
impacto negativo. Isto na maioria dos casos não é fácil de fazer, mas uma das formas de se
obter sucesso neste tipo de abordagem, é considerar como componente fundamental à
formulação das hipóteses, a identificação dos agentes agressores que representem risco
potencial (Chapman et al., 2002).
É ainda importante referir que, se por um lado os dados fornecidos pela
comunidade bentónica residente juntamente com os dados sobre toxicidade de sedimentos
são essenciais para analisar dois critérios de causalidade fundamentais: (1) consistência da
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associação entre factor de impacto e efeito(s), e (2) gradiente (no tempo ou no espaço) da
relação entre a dose e a concentração (Chapman, 2007), por outro lado, a avaliação do
risco ecológico (ERA), necessita de dar resposta a duas questões igualmente importantes,
em relação aos sedimentos:
- Quais são os agentes agressores presentes nos sedimentos que motivam preocupação, e se
eles representam situação de perigo para os receptores ecológicos avaliados?
- Qual é a probabilidade de estes agentes agressores afectarem negativamente esses
receptores ecológicos?
Refira-se ainda que a bioacumulação de contaminantes nos tecidos dos organismos
em contacto com o sedimento também é motivo de preocupação, tanto sob o ponto de vista
da saúde humana como da componente ecológica (Power e Chapman, 1992).
Posto isto, podemos afirmar que os parâmetros do ensaio de toxicidade devem ser
ligados às hipóteses de risco específico que relacionam os factores de impacto a possíveis
perigos, e os resultados desses testes deverão ser interpretados no contexto da população
ou da comunidade que estamos a tentar analisar e proteger.
Embora a significância estatística possa ter um papel de algum relevo, na avaliação
do risco de contaminantes existentes nos sedimentos, ela não deve servir de suporte directo
à quantificação do risco ecológico. Daí que em matéria de avaliação dos sedimentos, as
decisões devam ser tomadas com base na magnitude e extensão dos impactos adversos
estabelecidos, previamente, nos parâmetros de avaliação, e não apenas, na simples
observação dos resultados obtidos em testes de toxicidade (Chapman et al., 2002).
2.2 Ensaios de toxicidade: organismos-teste Os organismos bentónicos pertencentes à endofauna vivem nos sedimentos que
podem variar da vasa à areia e cascalhos, podendo habitar tanto em estuários como noutros
ambientes marinhos ou em água doce (King et al., 2006). A maioria destes habitats alberga
um grande número de organismos bentónicos, incluindo anelídeos, moluscos e crustáceos.
Todos estes organismos possuem mecanismos que lhes permitem enterrar-se nos
sedimentos (Allaby, 1999). A U. S. Environmental Preotection Agency (U. S. EPA) tem
mostrado que o maior potencial de impacto ambiental ocorre sobre o ambiente bentónico,
dado que os organismos bentónicos vivem enterrados no sedimento e por causa disso,
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estão expostos aos contaminantes (associados ao sedimento) durante longos períodos de
tempo.
Devido ao facto de as comunidades bentónicas poderem ser afectadas estrutural e
funcionalmente pela qualidade do sedimento, geralmente de forma previsível, a avaliação
da estrutura da comunidade bentónica, constitui um instrumento valioso para aferir da
qualidade dos sedimentos e dos seus efeitos sobre uma grande quantidade de componentes
biológicos do ambiente marinho, estuarino e dos ecossistemas de água doce.
A utilização da fauna bentónica de forma sistemática e coerente, com objectivo de
controlo, monitorização e avaliação da qualidade dos sedimentos, tem já mais de 30 anos.
De facto diversos estudos têm demonstrado que os macroinvertebrados bentónicos, como
grupo, são muitas vezes o melhor instrumento de avaliação da qualidade dos sedimentos.
Historicamente, as comunidades bentónicas têm sido utilizadas como indicadores sensíveis
e eficazes dos impactos da poluição sobre os ecossistemas marinhos e estuarinos. Além
disso, estas comunidades têm-se revelado extremamente úteis em estudos relativos à
eficácia da gestão de ambientes aquáticos. Adicionalmente, informações sobre as
alterações na população bentónica e nos parâmetros da comunidade devidas às
características dos sedimentos, podem ser usadas para distinguir variações naturais de
mudanças devidas à actividade humana (Holand, 1990). Existe uma base de dados
substancial sobre o tipo de respostas destes animais em relação a xenobióticos, nutrientes e
outras perturbações físico-químicas (Burton, 1992). No entanto, e apesar do que atrás se
disse, há investigadores, tal como Moiseenko (Moiseenko et al., 2008), que entendem,
sobretudo quando se trata de poluição existente na água, que os peixes em comparação
com os invertebrados são mais sensíveis a um maior número de tóxicos e constituem um
bom teste prático na avaliação do estado dos ecossistemas.
Nestes estudos de toxicidade sedimentar, é dada preferência a determinado tipo de
animais como por exemplo, os bivalves, os poliquetas e os anfípodes:
Os bivalves são um grupo extremamente bem sucedido e diversificado. São
animais exclusivamente aquáticos que, tal como os anfípodes, podem ocorrer em
ambientes de salinidade diversa como água salgada, doce ou salobra. A maioria das
espécies é bentónica sendo que existem bivalves sésseis que se fixam ao substrato através
do bisso, uma segregação fibrosa, enquanto que outras espécies vivem enterradas nos
fundos arenosos. As espécies que vivem soltas, podem deslocar-se através de propulsão
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conseguida por expulsão de água sob pressão (Allaby, 1999). Alguns investigadores
utilizam-nos em ecotoxicologia sedimentar, entre outros, Ruiz et al. (1994) e Quintino et
al. (2008).
Os poliquetas incluem cerca de 8.000 espécies aquáticas. A grande maioria das
espécies é típica de ambiente marinho, mas algumas formas ocupam ambientes de água
salobra. Os poliquetas distribuem-se desde a zona intertidal até profundidades que
ultrapassam os 5000 metros. A classe Polychaeta é geralmente dividida em dois grupos:
Errantia e Sedentaria. Como o próprio nome indica, os poliquetas errantes têm vida livre
seja nadando na coluna de água ou como organismos bentónicos móveis. A maioria das
espécies deste grupo é predadora de pequenos invertebrados ou detritívora. Os poliquetas
sedentários estão adaptados para viver permanentemente em tubos escavados no substrato
ou fixos a rochas. São na maioria dos casos organismos detritívoros ou filtradores (Allaby,
1999). São também usados pelos investigadores de ecotoxicologia sedimentar como é o
caso, entre outros, de Belan (2003) e Quintino et al. (2008).
Os anfípodes possuem uma relevância ecológica bastante grande uma vez que se
trata de um dos principais componentes da biomassa e da diversidade, em ambientes
caracterizados por um leque de salinidades muito variadas (Ré, 1996). Eles são uma fonte
primária de alimento para peixes e outros animais que se alimentam também de vegetais e
de detritos (Allaby, 1999). Por outro lado, existe uma base de dados substancial sobre o
tipo de respostas destes animais em relação a diversas perturbações físico-químicas
(ASTM, 2003).
De uma forma geral, as melhores espécies para avaliar a toxicidade dos sedimentos
devem fornecer uma indicação adequada dos perigos ligados aos agressores químicos
existentes no sedimento. Os anfípodes são reconhecidos como a escolha mais acertada para
a avaliação de toxicidade de muitos sedimentos, e os resultados obtidos nos testes podem
ser correlacionados positivamente com alterações nas comunidades bentónicas (Swartz et
al., 1994; Long et al., 2001; Ré et al., in press).
Poucos grupos taxonómicos cumprem todos os critérios necessários para a
realização de bioensaios com sedimentos (ver secção 2.4), no entanto, os anfípodes
revelaram-se extremamente úteis no alcançar dos objectivos propostos para os diferentes
ensaios, sendo por isso, comummente utilizados em testes de toxicidade nos sedimentos
(Costa et al., 1996; Ré, 1996; Peters e Ahlf, 2005; King et al., 2006; Heuvel-Greve et al.,
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2007; Melo e Nipper, 2007; Prato et al., 2008). São organismos abundantes, componentes
importantes das comunidades bentónicas estuarinas e marinhas, estão amplamente
distribuídos, vivem em contacto directo com os sedimentos, são tolerantes a uma vasta
gama de diferentes variáveis ambientais e são adequados para o manuseamento e cultura
em laboratório (Casado-Martinez et al., 2007). No entanto, deve referir-se que a
sensibilidade de cada espécie aos sedimentos contaminados, dependerá do tipo de
comportamento que possui (escavador, tipo de alimentação e taxas de filtração), do tipo de
exposição ao tóxico (dissolvido na água vs no sedimento vs no alimento), fisiologia
orgânica (assimilação e efeitos tóxicos) e a fase da vida (juvenis vs adultos) (King et al.,
2006).
Os trabalhos de Prato e seus colaboradores (2008) realizados com anfipodes,
alertam para o facto de uma boa espécie a ser utilizada em ensaios de toxicidade, além de
satisfazer os critérios necessários à investigação experimental, como ter um curto ciclo de
vida e ser sensível aos contaminantes existentes nos sedimentos, deve também ser tolerante
em relação às variáveis ambientais abióticas, como por exemplo a temperatura.
Dentro dos anfípodes, o género Corophium é dos mais utilizados em ensaios de
toxicidade sedimentar. É um animal relativamente pequeno, podendo alcançar
comprimentos máximos na ordem dos 12 mm (com exclusão das antenas), atingindo a
maturidade sexual com comprimentos da ordem dos 5 mm (Percy, 1999). Por outro lado,
sabe-se através de estudos experimentais com Corophium, que a temperatura, a salinidade
e o tipo de sedimento afectam a sobrevivência, a maturação sexual e o número de recém-
nascidos (Ré, 1996; Prato et al., 2008). Os estudos efectuados com este organismo
mostram que não só é extremamente abundante e prolífico em numerosos tipos de meio
aquáticos, como parece ser também uma das estruturas fundamentais para o funcionamento
sustentado de todo o ecossistema em que se insere (Percy, 1999). Corophium volutator
pertence a este género e é um exemplo duma espécie utilizada em ensaios de toxicidade
para avaliação do sedimento, estando o seu uso generalizado e regulamentado, caso dos
EUA e Canada, mas também na Europa (SETAC Europe, 1993 e ISO 16712, 2005).
Em relação à utilização de anfipodes em testes de toxicidade sedimentar, é ainda
importante referir que alguns autores salientam que o facto de se utilizarem animais
selvagens, colhidos directamente do leito sedimentar, pode estar ligado a vários
inconvenientes importantes: os animais estão sujeitos à flutuação e variabilidade sazonal
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da população (entre outros, Ré, 1996); devido à contaminação existente no local de
amostragem pode ocorrer que o organismo-teste seja tolerante a determinado tipo de
contaminantes (Traunspurger e Drews, 1996). Daí Peters e Ahlf (2005), entenderem que
para a execução deste tipo de bioensaio se torna importante o cultivo destes organismos
sob condições padronizadas de laboratório, mostrando ser possível a cultura em laboratório
de C. volutator. Note-se, no entanto, que já em 1996, Ré, no seu estudo sobre a cultura
laboratorial de C. multisetosum, defendia o mesmo.
2.3 Ensaio agudo vs ensaio crónico Embora os ensaios de toxicidade não sejam considerados como indicadores
precisos dos efeitos ambientais são, em todo caso, considerados como o melhor método
disponível para integrar os vários efeitos dos contaminantes (Long et al., 2001). Em termos
de duração do teste relativamente ao ciclo de vida das espécies em estudo, os ensaios
agudos são aqueles que abrangem um período de tempo relativamente mais curto, quando
comparados com os ensaios crónicos ou de ciclo de vida completo, pois são estes onde a
exposição ocorre durante a maior parte do ciclo de vida dos organismos, permitindo
mesmo que este se complete durante o tempo do ensaio.
A falta de protocolos para a exposição crónica e de ciclo de vida completo
(crescimento e reprodução) foi reconhecida durante os anos 90 (Lamberson et al., 1992),
em particular para o sistema estuarino (Chapman e Wang, 2001). É por esta razão que não
surpreende que a maioria das avaliações da toxicidade de sedimentos ou as primeiras
abordagens de avaliação de risco ecológico nos sedimentos contaminados, ainda usem
respostas alicerçadas essencialmente em testes de toxicidade aguda (Ingersoll et al., 1997;
Long et al., 2001).
Estudos recentes indicam que na abordagem de avaliação biológica dos sedimentos,
onde se inclua uma fase inicial de análise ecotoxicológica exaustiva, não devemos confiar
exclusivamente no tipo de resposta aguda, embora esta seja obtida a partir de testes
laboratoriais com procedimentos mais simples e rápidos (Castro et al., 2006). De igual
forma, Scarlett et al. (2007), alertam para a necessidade de ter presente que o emprego
exclusivo de testes agudos, embora muito úteis para a identificação de produtos químicos
altamente tóxicos, não servem para testar eventos vitais tais como a reprodução e a muda,
durante os quais a sensibilidade aos tóxicos pode estar aumentada. Além disso, os
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sedimentos marinhos e estuarinos são mais susceptíveis de conter contaminantes tóxicos
em quantidades moderadas, que podem não causar uma mortalidade aguda significativa,
mas influenciarem de forma muito substancial, por exemplo, o crescimento e a reprodução.
De facto, embora os ensaios agudos sejam uma ferramenta válida e normalizada
(ISO, 2005), os ensaios crónicos são considerados mais sensíveis ás perturbações induzidas
no sedimento e podem, assim, proporcionar um maior grau de protecção ambiental. Efeitos
subletais, como a reprodução ocorrida com baixas concentrações do contaminante, podem
também ser utilizados para prever efeitos mais subtis ao nível da população. Este facto
torna os ensaios crónicos ecologicamente mais relevantes sendo, ao mesmo tempo, uma
ferramenta útil para a avaliação do risco em cenários realistas de exposição ambiental
(Heuvel-Greve et al., 2007). Heuvel-Greve et al. (2007) por exemplo, demonstram que
com os parâmetros crescimento e reprodução, o ensaio crónico que levaram a cabo,
incrementou 7 a 18 vezes a sensibilidade à amónia e aos nitritos quando comparado com o
ensaio agudo padronizado (10-dias, mortalidade).
Actualmente, começam a surgir testes onde a fronteira entre teste agudo e teste
crónico se encontra mais esbatida, podendo um teste agudo possuir características típicas
de um teste crónico e vice-versa.
2.4 Conceitos a ter em conta na utilização de ensaios de toxicidade
Vários são os conceitos que deverão ser tidos em consideração na preparação e
execução do ensaio de toxicidade. Entre os mais relevantes estão os que dizem respeito à
amostragem e armazenamento. Manter a integridade de uma amostra de sedimentos
durante a sua remoção, transporte, armazenamento e testes em laboratório é extremamente
difícil. Qualquer ruptura desse ambiente complica as interpretações dos efeitos do
tratamento, factores causais e comparações in situ (ASTM, 1990).
Trabalhos realizados por Melo e Nipper (2007), colocam em destaque a questão
relativa ao acondicionamento e utilização das amostras de sedimento, pois diversos
factores, como por exemplo, a actividade bacteriana e a degradação de compostos
orgânicos podem alterar, substancialmente as condições originais da amostra,
influenciando assim, os resultados obtidos no estudo.
A manipulação de amostras, preservação e técnicas de armazenamento, têm de ser
concebidas de forma a minimizar eventuais alterações na composição da amostra, evitando
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ou retardando os processos químicos e/ou actividade biológica e evitando a sua
contaminação. Deve ser recolhido suficiente volume de amostra para se poder fazer as
análises necessárias, criando o respectivo “stock” de amostras para eventual análise
posterior (por exemplo, para a repetição de ensaios).
As amostras deverão preencher completamente o recipiente de armazenamento, não
permitindo a entrada de ar. Se a amostra for congelada, deve ser tida em consideração a
respectiva expansão. O sistema de marcação dos recipientes onde são colocadas as
amostras, deve ser testado antes de ser utilizado no campo, cuidando para que possa resistir
à imersão, secagem e congelação sem se soltar ou tornar ilegível (USEPA / USACE,
1991).
A escolha dos recipientes de amostra deve considerar o tipo de sedimento, tempo
de armazenamento, degradação química e de composição da amostra.
Dado que as primeiras horas são as mais críticas quanto a possíveis alterações na
amostra, as etapas de preservação devem ser iniciadas rapidamente, após a colheita dos
sedimentos. A preservação, seja por meio de refrigeração, de congelação, ou adição de
produtos químicos, deve ser realizada no campo, assim que possível. Se as técnicas de
preservação não poderem ser executadas no campo, as amostras devem ser conservadas de
forma a manterem a sua integridade (ASTM, 1990). Verificou-se que os sedimentos
podem ser armazenados a 4º C, sem alterações significativas na toxicidade. A conclusão
dos testes deverá ocorrer idealmente dentro de um período de armazenamento
correspondente a duas semanas, mas o tempo de armazenamento vai depender das
características tanto dos sedimentos como dos contaminantes (ASTM, 1990).
O sedimento para as amostras de testes biológicos deve ser crivado numa malha de
1mm, para remover todos os organismos vivos do sedimento antes do ensaio. Outros
elementos retidos, no crivo, juntamente com os organismos, tais como fragmentos de
conchas, cascalho, e detritos, deverão ser registados e descartados evitando “ a presença de
organismos indígenas no sedimento teste. A abundância de organismos teste ou
taxonomicamente semelhantes no sedimento a testar tornam a avaliação dos efeitos difícil
de interpretar. Além disso a presença de organismos pode afectar negativamente a
sobrevivência dos organismos teste (ASTM, 1990).
As amostras de sedimentos para uso em ensaios devem ser bem homogeneizadas
antes de as utilizar. A heterogeneidade dos sedimentos pode tornar por vezes difícil a
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interpretação dos resultados laboratoriais, por grande variabilidade de respostas intra
sedimentos, ( Ré, 1996).
Ré (1996), refere ainda que é de primordial interesse o conhecimento da
sensibilidade de adultos e jovens a variáveis naturais como a temperatura, salinidade e teor
em finos do sedimento para que possam ser determinados os limites de tolerância da
espécie para estes factores. Desta forma poder-se-ão determinar as condições mais
apropriadas para a preparação e realização dos ensaios de toxicidade.
Relativamente aos ensaios crónicos, Ré (1996) chama atenção para o facto de ser
importante salientar que, em ensaios de rotina de ciclo de vida completo, a experiência do
operador, quer na manutenção de culturas quer na manutenção e finalização do ensaio, é de
primordial importância, pois pode reflectir-se nos resultados obtidos. Assim, enquanto que
a experiência do operador pouco determinará os resultados de toxicidade sedimentar
aguda, considera-se que os ensaios de ciclo de vida completo requerem experiência prévia,
antes de se obterem resultados reprodutíveis e coerentes.
Esta autora refere ainda preocupações relativas ao ensaio crónico, nomeadamente:
- os anfipodes recém-nascidos devem ser manipulados com muita atenção de maneira a
que sejam afectados o menos possível;
- só devem ser inoculados os anfipodes que nadam com vigor e não apresentam qualquer
sinal de perturbação;
- antes de serem inoculados devem ser recontados para evitar erros de contagem;
- ao renovar a água esta deve estar á mesma temperatura que a do ensaio para evitar
choques térmicos;
- o alimento seco não deve acumular-se sobre o sedimento nem a camada de água deve
estar com cor verde ou turva;
- a renovação de água não deve fazer perturbações no sedimento.
Tal como foi brevemente mencionado (secção 2.2), ao desenvolver um protocolo
para o bioensaio de sedimentos marinhos e estuarinos, é bastante importante a escolha da
espécie-teste a utilizar. Para tal é desejável que a espécie que se vai utilizar possua uma
série de propriedades, nomeadamente (ASTM, 2003; King et al., 2006):
(a) ampla tolerância a diferentes graus de salinidade;
(b) alta sensibilidade ao comum dos contaminantes existentes nos sedimentos;
(c) alta taxa de sobrevivência sob as condições de controlo;
- 21 -
(d) ocupação dos micro habitats no ou preferencialmente, abaixo do interface sedimentos-
água, para assegurar a máxima exposição aos contaminantes existentes nos sedimentos;
(e) baixa sensibilidade para os sedimentos naturais variáveis, tais como a dimensão das
partículas orgânicas e conteúdos, para permitir testar uma ampla variedade de tipos de
sedimento;
(f) ampla distribuição geográfica para aumentar a amplitude de sua aplicação como um
teste que utiliza espécies animais;
(g) facilidade de recolha, tratamento e manutenção em laboratório;
(h) importância ecológica nos sistemas estuarinos;
(i) capacidade de ser cultivada ou em alternativa que esteja disponível no campo durante
todo o ano.
Não obstante as limitações e cuidados a ter na utilização da macrofauna bentónica
em estudos de toxicologia sedimentar, as vantagens da utilização de comunidades
bentónicas para determinar a qualidade sedimentar, estão directamente relacionadas com a
sua capacidade de fornecer uma base ecológica para a avaliação da qualidade dos
sedimentos – trata-se efectivamente, de uma avaliação fundamentada na experimentação
(Quintino et al., 1989; Costa et al., 1996; Castro et al., 2006).
2.5 Uso simultâneo de múltiplos descritores de qualidade sedimentar A avaliação do estado ecológico dos sedimentos tende a ser muito específica para
cada caso ou situação, exigindo contudo, a necessidade de serem criados procedimentos
genéricos (Chapman et al., 2002), que possibilitem a uniformização de critérios,
nomeadamente quanto ao uso e escolha da fauna bentónica que é utilizada nessa
investigação.
O conceito de Tríada da Qualidade Sedimentar (TQS), conforme originalmente
desenvolvido há cerca de 20 anos por Chapman, envolve três componentes independentes:
química dos sedimentos (para determinar a contaminação química), toxicidade dos
sedimentos (bioensaios sedimentares para determinar a toxicidade), e estrutura da
comunidade bentónica (para determinar o estado da fauna residente presumivelmente mais
exposta aos contaminantes existentes no sedimento). As duas primeiras componentes
foram consistentemente incluídas em todos os exemplos conduzidas até à data, no entanto
- 22 -
a última componente foi modificada para "alteração das comunidades residentes" e, em
alguns casos, foi mesmo substituída ou excluída. Noutros casos, componentes
suplementares foram adicionadas à Tríada da Qualidade Sedimentar (Chapman e Hollert,
2006).
Combinando informações sobre a caracterização física e química dos sedimentos,
da estrutura da comunidade bentónica e dos testes de toxicidade nos sedimentos, a TQS
fornece uma abordagem abrangente e holística para avaliar a magnitude de uma resposta
biológica. Em particular, a introdução de testes de toxicidade nos sedimentos, fornece mais
evidências directas e conclusivas sobre os efeitos biológicos dos contaminantes presentes
nos sedimentos e isto complementa e reforça as informações provenientes das
comunidades residentes e da contaminação existente nos sedimentos (Chapman, 1990;
1996).
Normalmente, a aplicação da TQS para avaliação dos efeitos associados á presença
de contaminantes no sedimento, procura fazer a integração das 3 componentes já citadas e
do melhor juízo profissional dado por especialistas.
Actualmente, não existe nenhum método universalmente aceite para o tratamento e
interpretação dos dados referentes à tríada, nem existe uma classificação que tenha por
base uma abordagem com o o uso simultâneo de múltiplos descritores de qualidade
sedimentar (Chapman et al., 2002; Long e Sloane, 2005; Wenning et al., 2005). Cada
estudo ou monitorização usa uma abordagem desenvolvida através da própria experiência
de cada investigador.
A mais valia da TQS reside na abordagem peso-das-evidências que utiliza, e na
sua capacidade de discernir os efeitos toxicológicos directos, das variações naturais das
características do habitat (Chapman, 1996). Através desta abordagem, é possível deduzir
uma relação causal entre a contaminação química e as perturbações ocorridas nas
comunidades locais. Assim, a TQS fornece um bom exemplo de um instrumento de
avaliação integrada que inclui os dados obtidos no campo. No entanto, para melhorar o
método, as medidas de bioacumulação têm de ser levadas em consideração (Chapman e
Wang, 2000). Quer isto dizer, que a avaliação toxicológica dos sedimentos deverá ser
encarada numa perspectiva muito mais abrangente do que a inicialmente prevista por
Chapman aquando da criação da TQS. Idealmente, as abordagens ao problema e a
avaliação dos resultados, terão de ser efectuadas tendo por base que o estudo do ambiente
- 23 -
sedimentar, dará um contributo que terá de ser integrado num estudo mais alargado do
ecossistema.
A título de exemplo sobre a forma como actua uma avaliação do tipo TQS, refira-
se o trabalho Silva et al. (2004) onde mostram, acerca de um dado local á saída do Estuário
do Tejo, que o local foi consistentemente contaminado pelo elevado teor de HPA
(Hidrocarbonetos policiclicos aromáticos), que pode ser a causa do empobrecimento da sua
comunidade bentónica e dos efeitos na sobrevivência e desenvolvimento das larvas do
ouriço-do-mar, bem como sobre a sobrevivência e reprodução do teste com anfípodes. São
aqui evidenciados os principais agentes de perturbação que afectam este local: a existência
de altas quantidades de HPA que provocam alterações físico-químicas no ambiente (1ª
alteração da TQS); maus resultados nos testes de toxidade sedimentar traduzidos em maus
resultados nos parâmetros sobrevivência e desenvolvimento e reprodução dos animais
utilizados nos testes (2ª alteração da TQS); empobrecimento na quantidade e qualidade da
fauna bentónica existente na zona (3ª alteração da TQS) (Silva et al., 2004).
Embora existam normas gerais para interpretação e integração dos dados da tríada,
muitas vezes os especialistas divergem sobre a importância dessas normas. A maior fonte
de incerteza está relacionada com o potencial de alteração da composição da comunidade
da endofauna poder ser afectado por factores físicos e de habitat e a incapacidade de
distinguir essas alterações dos efeitos provocados por contaminantes (Bay et al., 2007).
Vários passos são recomendados para reduzir o grau de incerteza associado á
integração e interpretação dos dados da TQS. Em primeiro lugar, elementos-chave da
estratégia de avaliação, tais como o peso relativo de cada componente, a forma como
múltiplas componentes são combinadas (por exemplo através de classificações ou de
enquadramentos lógicos), e os critérios para determinar a avaliação final, deverão ser
estabelecidos durante a concepção do estudo. Em segundo lugar, a comparabilidade entre
os estudos pode ser melhorada fornecendo orientação sobre os métodos específicos de
medição da química dos sedimentos (por exemplo, lista de analitos, limites de detecção,
como são usadas as directrizes de qualidade dos sedimentos), da toxicidade dos sedimentos
(por exemplo, métodos de ensaio, limites de classificação da toxicidade), e estado da
comunidade bentónica (por exemplo, quais as métricas ou índices a utilizar, os critérios
para determinar os efeitos). Por fim, a incerteza na avaliação da qualidade dos sedimentos
- 24 -
pode ser reduzida através da melhoria da formação dos indivíduos na interpretação dos
dados (Bay et al., 2007).
Recentemente, a bioamplificação (aumento da concentração de alguns
contaminantes orgânicos através da cadeia alimentar), foi formalmente inserida como uma
componente primária adicional à TQS, resultando efectivamente, numa Tétrada da
Qualidade dos Sedimentos (Grapentine et al., 2002; Chapman e Anderson, 2005). No
entanto, embora outros autores tenham sugerido que a TQS deva ser expandida para incluir
outros componentes, não houve qualquer análise formal de como e por que razão, tal
expansão deverá ocorrer (Chapman e Hollert, 2006).
Estes autores questionam-se sobre a possibilidade de esta se tornar numa Tétrada,
numa Pentada ou mesmo numa Héxada: “No conceito da TQS, nunca houve a intenção de
a limitar a apenas três componentes específicos”. Pouco tempo após o seu
desenvolvimento, Chapman (1986) realizou um estudo TQS no qual substituiu a análise
histopatológica executada em peixes do fundo, pela avaliação da composição da
comunidade da endofauna bentónica. Para Chapman (1989), a TQS, na sua essência, é uma
ferramenta que correlaciona componentes, não sendo, por si só, um instrumento de
sentença definitiva (Chapman e Hollert, 2006).
Uma componente adicional que não foi, tanto quanto sabemos, aplicada ou
proposta para a TQS, é a determinação da diversidade genética e de quaisquer alterações
que possam ser relacionadas com os contaminantes existentes nos sedimentos. Chapman e
Hollert (2006), defendem que a diversidade genética pode ser uma importante componente
relativa à futura viabilidade das populações.
Os dados referentes à comunidade bentónica têm muitas limitações, mas,
devidamente analisados, mantêm-se como a componente de avaliação ecologicamente
mais relevante sobre possíveis impactos na fauna. De facto, a mais convincente prova
relativa à degradação induzida pela poluição, continua a ser fornecida pela inclusão da
análise da fauna bentónica na TQS (McPherson et al., 2008).
- 25 -
3. Utilização de anfípodes em ensaios de toxicidade nas últimas
duas décadas
Na América do Norte, a equipa formada por Chapman e Long (1983), conclui nos
seus trabalhos, que os testes de toxicidade sedimentar são parte integrante dos estudos de
monitorização de poluição marinha e devem ser usados simultaneamente com estudos
químicos e ecológicos como parte de um estudo mais completo. Percebendo que os
métodos isolados apresentam certas limitações, os testes de toxicidade sedimentar têm sido
utilizados dentro de avaliações integradas, das quais se destaca a Tríada da Qualidade de
Sedimento (TQS) (Chapman e Hollert, 2006) que consiste no uso sinóptico de análises
químicas, testes de toxicidade e estudo da comunidade bentónica. Este método integrado
tem sido usado com sucesso tendo obtido resultados muito consistentes (Quintino et al.,
2001; Silva et al., 2004; King et al., 2007; Melo e Nipper, 2007).
Com a difusão do uso dos testes de toxicidade sedimentar e da sua comprovada
utilidade, novos métodos foram adaptados para diversas espécies. Hoje, os testes de
toxicidade de sedimento têm sido amplamente utilizados (entre outros, Bat e Raffaelli,
1998; Chapman et al., 2002; Peters e Ahlf, 2005; Castro et al., 2006; Heuvel-Greve et al.,
2007; King et al., 2007; Ré et al., 2007; Scarlett et al., 2007).
Bat, (2005) num artigo de revisão, dá particular atenção à utilização de anfípodes
em bioensaios padronizados com o objectivo de avaliar a toxicidade existente em
sedimentos marinhos e estuarinos. Estes testes constituem uma forma conveniente de
avaliar não só a sensibilidade da comunidade bentónica, como também reflectem a
biodisponibilidade de um contaminante, o que por vezes difere bastante da sua quantidade
total determinada através de métodos de análise química. Para este autor, o emprego de
anfípodes revela-se particularmente útil nas contaminações por metais pesados, pois
possuem características próprias, como por exemplo: distribuição geográfica alargada e
facilidade de cultivo em laboratório, que constituem mais valias importantes quando se
pretende elaborar protocolos de bioensaios sedimentares.
A nível mundial, organizações como o American Society for Testing and Materials
(ASTM) e a International Organization for Standardization (ISO), fizeram o
reconhecimento do extraordinário potencial dos anfípodes como organismos-teste, ao
- 26 -
recomendarem a sua inclusão nos diferentes protocolos elaborados para bioensaios com
sedimentos marinhos e estuarinos (Bat, 2005; ISO, 2005; ASTM, 2008).
Neste capítulo e com o objectivo de destacar o emprego de anfípodes na
toxicologia sedimentar, utilizamos uma amostra constituída por 33 trabalhos científicos
que em comum têm o facto de utilizarem anfípodes durante a realização das suas
experiências. Por outro lado, parece-nos igualmente importante e não esquecendo a
limitada dimensão da nossa amostra, estabelecer uma perspectiva de carácter globalizante
(nomeadamente, referenciando o contributo dado por investigadores de diferentes países),
sobre o que se tem feito em matéria de toxicidade sedimentar durante as duas ultimas
décadas. A Tabela 1 surge com o objectivo de, relacionando vários aspectos ligados à
toxicologia sedimentar, se constituir como um elemento comparativo de acesso rápido a
dados relevantes presentes nestes estudos.
Daquilo que se tem feito ao longo das duas últimas décadas podemos começar por
destacar a situação na América do Norte (nomeadamente Canadá e EUA), onde é notória a
importância dos trabalhos realizados pelo canadiano P. Chapman que foi um dos principais
responsáveis pelo desenvolvimento dos métodos e análises envolvidos nos estudos de
toxicidade sedimentar. Dele temos estudos que mostram, por exemplo, o uso da SQT na
avaliação dos impactos provocados pela poluição (Chapman, 1990); critérios para a
qualidade ambiental (Chapman, 1991), onde o autor aponta para a implementação de
medidas e de possíveis soluções tendentes a aumentarem a qualidade ambiental; o papel da
ecotoxicologia na avaliação do impacto ambiental (Chapman, 1993), a importância dos
estudos de qualidade ambiental no dia-a-dia das sociedades (Chapman, 2006); estudos
específicos sobre a abordagem “Peso das Evidências” para sedimentos e efluentes
(Chapman, 2006), onde o autor alerta para a necessidade do emprego de testes que avaliem
os impactos ao nível das comunidades animais residentes, como forma de mais
eficazmente avaliar qual o real efeito provocado nos locais atingidos; introdução a novas
perspectivas no campo da ecotoxicologia do comportamento das espécies aquáticas
(Chapman, 2007), onde nos é fornecida uma visão dos caminhos futuros que a
ecotoxicologia poderá traçar.
Para a América do Norte, estão ainda referenciados na Tabela 1, os estudos de
Hellou et al. (2008), no Canadá, que utilizando C. volutator, estudaram a utilização de um
método químico não letal na avaliação de sedimentos (baseado no estudo do
- 27 -
Tabela 1. Descritores ecotoxicológicos e características dos ensaios sedim
entares consultados
L
egenda: Sed- Sedimento; H
D- H
oras dia; HN
- Horas noite; A
- ensaio agudo; C- ensaio crónico; (D
escritores: I- Imobilização; M
- Mortalidade;
C- crescim
ento; R- reprodução; E- em
ergir do sedimento; C
e- capacidade de se enterrar; B- bioacum
ulação; Cto- com
portamento)
Espécie Tipo teste
Duração teste
Temp. ºC
Sed./
água S
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Foto periodo
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água Q
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C
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sed 15‰
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D
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8.1
10 cm
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3 20
M;C
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2007 H
euvel- G
reve et al.
C. orientale
A 96h-LC
50
16 ±2 água
36‰ ±1
24HD
500ml
2
20 M
2008
Lera et al.
C. volutator
A 10-dias LC
50 15±0.1
sed 33‰
12H
D
12HN
1.5L 8 cm
5
30 M
2008
Mayor
et al.
C. orientale
A
96h-LC
50 -
10-dias
16±2 água
+ sed
35‰
24HD
8.0± 0.1
500ml
200ml
3 - 4 20 - 25
M
2008 P
icone et al.
C. volutator
A
MFB-48h
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automáti-
co
15±1
Bio-
ban +
água+
sed
12H
D
12HN
8
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2006 K
irkpatrick
et al.
C. volutator
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10-dias 28-dias
15±2 sed
7.5a 8.5
200ml
M;C
2007
Allen
et al.
- 28 -
C. volutator
A C
10-dias 28-dias
15±2 sed
25±3 psu
12HD
12H
N
7.09.0
1.0L 160m
l9
30 M
;C;R
2007
Scarlett et al.
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A
10-dias 15
sed 35‰
24H
D
800m
l 150m
l2
20 M
2001
Grant e
Briggs
Gam
marus aequi-
cauda -
Microdeutopus gryllotalpa
A
48h 20
sed
16HD
8H
N
400m
l
4 10
M
2004C
esar et al.
Gam
marus locusta
A
96h-LC
50 -
10-dias
15±1 água
- sed
33‰
12HD
12H
N
1cm
3 - 5 20
M
1996C
osta et al.
C. m
ultisetosum
A C
10-dias -
21-dias 22
18 s/u
1 - 5 20
M;C
;R
2006C
astro et al.
C. volutator
15
12H
D
12HN
800ml
1-2cm
100 B
2008
Hellou et al.
C. volutator
A
10-dias 11±1
sed 32‰
16H
D
8HN
2cm
4
20 M
;E;C
e 1998
Bat e R
affaelli
- 29 -
Am
pelisca brevicor-nis
A
10-dias 18±1
sed 35 s/u
luz natural
1.0L
3cm
3 20
M
2007 C
asado-M
artinez et al.
C. insidiosum
A
10-dias -
96h-LC
10; 15; 20; 25
água-
sed 36‰
12H
D
12HN
7.8± 0.3
800ml
2cm
4 - 5 20 - 25
M
2008P
rato et al.
C. insidiosum
A
10-dias
15 sed
30‰
24HD
800ml
200ml
20
M
2007G
uerra et al.
C. m
ultisetosum
A 96h
- 10-dias
20 -
15 -
22
água-
sed
18-20 s/u -
9 s/u
14HD
10H
N
800m
l 200m
l 3
5 - 25 M
2007
Ré
et al.
Tiburonella viscana A
48hLC50
- 10-dias
25±2 água
- sed
34±2 ppt
24HD
7.9a 8.5
750ml
2cm
3 15 - 20
M;E
2007
Melo e
Nipper
C. m
ultisetosum
A C
10-dias -
21-dias
15 -
22 sed
20 M
;C;R
2004
Silva et al.
Tiburonella viscana A
48h-LC
50 25±2
água
24HD
350ml
3 - 5
10 M
2003
Abessa e S
ousa,
- 30 -
Tiburonella viscana A
10-dias
25±2 sed
24H
D
750m
l 2cm
4
10 M
2006
Cesar et al.
Hyalella azteca
A
10-dias
250ml
100ml
10
M
1996P
oretti et al.
Rhepoxynius abronius
- C
. volutator -
Bathyporeia sarsi
A
10-dias
15±1 -
14±1 -
10±1
2cm
6
10 - 20 M
;E;I
1992 van den
Hurk et al.
Grandidierella japonica
A
96h-LC50
20
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3
30 M
2005
Lee et al.
Mandibulophoxus
mai -
Haustorioides indivisus
- H
austorioides koreanus
- M
onocorophium
acherusicum
A
10-dias 20
30psu
3 20
M;E
2005
Lee et al.
Hyalella azteca
A
10-dias 20±2
sed
16HD
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N
160m
l 70gr
3 10
M
2000R
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- 31 -
Am
pelisca brevicor-nis
A
10-dias 19±1
sed
12HD
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N
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l 200gr
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M
2008 M
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aselles et al.
Gam
marus aequi-
cauda A C
10-dias -
28-dias -
96h LC50
15 -
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20
água-
sed
0 - 3 - 15 -
25 -
36‰
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2cm
3 - 4 - 5
10 -
20 -
40
M;C
2005
Prato e
Biandolino
Monocorophium
insidiosum
A C
10-dias -
28-dias -
96h LC50
10 -
15 -
18 -
20
água-
sed
0 - 3 - 15 -
25 -
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8.3
800ml
2cm
3 -5
10 -
20 -
40
M
2006 P
rato e B
iandolino
Gam
marus aequi-
cauda -
C. insidiosum
A 96h LC
50 -
10-dias 16 ±2
água-
sed 36‰
500m
l +
750ml
2cm
3 20
M
2006 P
rato et al.
C. m
ultisetosum
A
96h 15 ±1
sed
36 -
72 -
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14HD
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N
190m
l 10m
l 3
5 M
2008
Quintino et
al.
- 32 -
Monoporeia affinis
A
24h 4.5±0.2
sed 6s/u
luz natural
70ml
10 70
M
2008W
iklund et al.
C. m
ultisetosum
- M
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A
10-dias 20
água-
sed 35
18HD
6H
N
600m
l 200m
l
10 M
2009
Sanz-Lázaro e M
arín
- 35 -
comportamento evidenciado pelos animais quando sujeitos a ambientes controlados,
constituídos por sedimentos de referência aos quais se juntam, de forma calculada,
sedimentos da amostra a testar, proporcionando assim, a existência de ambientes com
graus diferenciados de concentração aos quais os animais reagem também de forma
diversa) e de Riddick e Dunn (2000), nos USA, que utilizaram a Hyalella azteca, na
avaliação de sedimentos de zonas húmidas ribeirinhas.
Relativamente à Europa e para Portugal a tabela 1 destaca alguns trabalhos
desenvolvidos no início da década de 90 na Universidade de Aveiro com C. multisetosum,
para fazer a avaliação ecotoxicológica de sedimentos marinhos e estuarinos (Ré, 1996).
Estes trabalhos são mais tarde desenvolvidos com novos estudos da mesma equipa, onde se
mostra o elevado potencial do C. multisetosum para a utilização em testes de toxicidade
aguda e crónica em meio estuarino (Quintino et al.; 2001; Silva et al., 2004; Castro et al.
2006; Ré et al., 2007; in press). Ainda para Portugal, referência na Tabela 1 a Costa et al.
(1996) que usando Gammarus locusta avaliou o potencial de um novo teste para uso em
toxicologia.
No âmbito dos trabalhos efectuados em Espanha, na tabela 1 destacam-se os
trabalhos desenvolvidos por César et al. (2004) com a utilização dos anfípodes Gammarus
aequicauda e Microdeutopus gryllotalpa, na avaliação da toxicidade dos sedimentos na
zona costeira mediterrânea; por Casado-Martinez et al. (2007) na avaliação da
sensibilidade de anfípodes a dragados usando Ampelisca brevicornis; Morales-Caselles et
al. (2008), que usando a mesma espécie, fizeram a avaliação de sedimentos marinhos após
um importante derrame de petróleo; por fim é referenciado o trabalho de Sanz-Lázaro e
Marín (2009), onde são testadas, utilizando C. multisetosum e Microdeutopus gryllotalpa,
duas áreas estuarinas europeias em relação à contaminação com crude.
Os estudos realizados em Itália indicam preponderância para duas espécies de
anfípodes, C. orientale e C. insidiosum. O primeiro foi utilizado por Lera et al. (2008),
para verificar as variações de sensibilidade ao tóxico de referência CdCl2 e SDS, e por
Picone et al. (2008) que o utilizou para avaliar a sua sensibilidade a substâncias puras. A
segunda espécie aparece nos estudos de Guerra et al. (2007) com o objectivo de verificar o
impacto das dragagens em zonas costeiras lagunares, e também nos de Prato et al. (2008),
que avaliam o efeito da temperatura nos testes agudos de toxicidade. Desta investigadora e
da sua colaboração com outros investigadores, encontramos ainda referenciados os
- 36 -
trabalhos com Gammarus aequicauda (Prato e Biandolino, 2005), com o objectivo de
avaliar o potencial da espécie para utilização em testes de biotoxicidade; com
Monocorophium insidiosum (Prato e Biandolino , 2006), cujo objectivo foi o mesmo do
trabalho anterior; com Gammarus aequicauda e Corophium insidiosum (Prato et al., 2006)
cujo objectivo foi o de avaliar o potencial das duas espécies para testes de avaliação de
sedimentos.
Este conjunto de trabalhos mostra que nos países do sul da Europa, as opções em
relação a espécies-teste têm sido diversificadas, enquanto que nos países do norte da
Europa, a escolha foi mais uniforme. Esta informação é resumida na Tabela 2 (pag. 35), a
qual fornece a relação entre as espécies de anfípode com os países descritos ao longo da
nossa amostra. Esta situação poderá ser explicada pelas indicações fornecidas na norma
ISO 16712 (2005), que no seu anexo B, sugere critérios de escolha quanto ao tipo de
anfípode a utilizar em estudos de toxicidade aguda.
Países como a Holanda, a Alemanha, a Inglaterra ou a Escócia, fazem uma escolha
clara no tipo de anfípode a utilizar: C. volutator (consta da lista do anexo B da norma ISO
16712, 2005). Neste panorama, a excepção acontece mais a norte com a Suécia, onde
Wiklund et al. (2008), utiliza o Monoporeia affinis com objectivo de fazer avaliação
comportamental em relação a uma espécie invasiva. Na Alemanha, Kirkpatrick, et al.
(2006), testavam a capacidade de C. volutator como biomonitor; na Holanda, Heuvel-
Greve et al. (2007), avaliam a eficácia da espécie num teste crónico; no Reino Unido, Hurk
et al. (1992), fazem uma comparação entre três espécies de anfípodes em testes de
toxicidade, utilizando para além de C. volutator, Rhepoxynius abronius e Bathyporeia
sarsi; Grant e Briggs (2001), procuraram avaliar as respostas da espécie a metais e
hidrocarbonetos; Scarlett et al. (2007), estudaram um método para avaliar com a espécie a
toxicidade crónica de sedimentos marinhos e estuarinos; Allen et al. (2007), propõem-se
testar a toxicidade de um composto químico, o Ivermectin; Mayor et al. (2008), fazem uma
avaliação toxicológica aos tratamentos no aquacultura e Bat e Raffaelli (1998), fazem uma
avaliação da toxicidade de sedimentos através de bioensaio com a mesma espécie.
Para outras zonas do globo terrestre, é referenciado na tabela 1, a América do Sul,
através do Brasil e a Ásia, através da Coreia Sul.
- 37 -
Tabela 2: Utilização das espécies de anfípodes pelos países da amostra
País
---------------- Espécie
Hol
anda
Itália
UK
Ale
man
ha
Esp
anha
Por
tuga
l
Can
ada
Escó
cia
Bra
sil
Cor
eia
US
A
Sué
cia
C.volutator
C.orientale
C.multisetosum
C. insidiosum
Gammarus aequicauda
Gammarus locusta
Microdeutopus gryllotalpa
Ampelisca brevicornis
Tiburonella viscana
Hyalella azteca
Rhepoxynius abronius
Bathyporeia sarsi
Grandidierella japonica
Mandibulophoxus mai
Haustorioides indivisus
Haustorioides koreanus
Monocorophium acherusicum
Monocorophium insidiosum
Monoporeia affinis
Echinogammarus meridionalis
- 38 -
18%
82%
Agudos
Cronicos
Figura 1 – Dados sobre a percentagem de utilização de Ensaios Agudos e Crónicos.
No Brasil, as primeiras pesquisas a respeito de toxicidade de sedimentos marinhos
foram realizadas por Nipper et al. (1990). Tal como na Europa do norte, também aqui
parece haver preferência por determinado tipo de anfípode: Tiburonella viscana. A
comprová-lo temos trabalhos de Abessa e Sousa (2003), que avaliaram a sensibilidade do
anfípode ao dicromato de potássio, de César et al. (2006), que fizeram a avaliação dos
sedimentos provenientes dos estuários de Santos e S. Vicente de Melo e Nipper (2007),
que analisam a praticabilidade do uso da espécie em testes de toxicidade sedimentar.
Na Coreia do Sul, os trabalhos referenciados na Tabela 1, indicam Lee et al.
(2005), onde os investigadores estudam a espécie Grandidierella japonica em testes de
toxicidade aguda com metais pesados; Lee et al. (2005), realizam no mesmo ano um outro
trabalho para eleger, de entre 4 espécies de anfipodes- Mandibulophoxus mai,
Haustorioides indivisus, Haustorioides koreanus e Monocorophium acherusicum, os mais
indicados para serem utilizados em testes de toxicidade.
Apesar de vários investigadores considerarem que o ensaio agudo é menos sensível
do que o ensaio crónico e como tal, menos susceptível de promover a protecção do
ambiente (Castro et al., 2006; Heuvel-greve et al., 2007), a maioria dos trabalhos
referenciados na tabela 1 usaram ensaios agudos tal como o ilustrado na Figura 1.
- 39 -
A Tabela 1, mostra também algumas variáveis abióticas, como a temperatura; a
salinidade, o fotoperíodo, o pH, consideradas nos vários ensaios. A propósito de algumas
destas variáveis, como por exemplo a temperatura e a salinidade, Ré et al. (in press)
mostram ser primordial o seu conhecimento e a determinação dos limites de tolerância da
espécie para estes factores, de forma a determinar as condições apropriadas em que os
ensaios de toxicidade devem ser realizados. Prato et al. (2008), mostram também a
importância de um leque de temperaturas (10, 15, 20 e 25º C) na realização dos ensaios
com C. insidiosum. Segundo os autores a temperatura é um importante factor no controlo
do metabolismo dos anfípodes e pode também, interagir com a toxicidade provocada por
metais pesados, concluindo que o objectivo do trabalho da sua equipa, seria o de melhorar
a metodologia do ensaio, estabelecendo um possível intervalo de temperatura óptima para
ser utilizado nos testes de toxicidade com esta espécie. Relativamente à salinidade
pretende-se que as espécies-teste a utilizar nos ensaios de toxicidade de sedimentos,
possuam uma tolerância alargada em relação a esta variável, podendo desta forma, ser
utilizadas em experiências com graus de salinidade bastante diferentes.
O número de indivíduos utilizado por réplica e a quantidade destas, foi também
incluído na Tabela 1 para podermos inferir um procedimento padrão em relação a estas
variáveis. Pelos estudos consultados, podemos observar que a média do número de réplicas
aproxima-se das 5 por ensaio e a média do número de indivíduos utilizado, rondou os 20
por réplica.
Os descritores ecotoxicológicos utilizados nos trabalhos incluídos na nossa análise,
foram os que se seguem: mortalidade; crescimento; reprodução; imobilização; emergir do
sedimento; capacidade de escavador; bioacumulação; comportamento.
Com os três descritores ecotoxicológicos “clássicos” dos testes de toxicidade
sedimentar, mortalidade, crescimento e reprodução, podemos fazer logo a distinção entre
teste agudo e teste crónico, pois no teste agudo apenas se procede á avaliação do parâmetro
da mortalidade (daí a ideia de que se trata de um teste demasiado redutor em relação à
obtenção de resultados), ficando os dois restantes parâmetros, crescimento e reprodução,
apenas acessíveis nos testes crónicos. O ensaio crónico é assim considerado por muitos
autores, como mais completo do que o ensaio agudo (Lamberson et al., 1992; Ré, 1996;
Chapman e Wang, 2001; Castro et al., 2006; Scarlett et al., 2007; Heuvel-Greve et al.,
2007).
- 40 -
A imobilização, o emergir do sedimento e a capacidade de escavador, são
parâmetros avaliados por observação directa do tipo de comportamento que os animais
manifestam perante determinadas situações que ocorreram durante o teste a que foram
sujeitos (Hurk et al., 1992; Bat e Raffaelli, 1998; Lee et al., 2005). Os hábitos
comportamentais observados nestes animais, não se esgotam com os parâmetros que
acabamos de referir, existindo outros que podem ser utilizados em testes de toxicidade,
como por exemplo, os referidos por Kirkpatrick et al. (2006), a propósito de um ensaio que
pretendia testar o comportamento de C. volutator em relação ao pesticida Bioban,
chegando a equipa deste autor, à conclusão que a espécie em causa parece ser apropriada
para este tipo de experiências de avaliação comportamental em testes de toxicidade
sedimentar.
Finalmente, resta-nos referir a Bioacumulação, outro dos descritores
ecotoxicológicos utilizados que está relacionado com a medida da massa corporal, tal
como se encontra descrito no trabalho de Hellou et al. (2008).
Numa análise mais detalhada sobre a Tabela 1, começando pela escolha da espécie
que foi considerada nos diferentes estudos, pretendem os respectivos autores que esta seja
representativa da macrofauna bentónica uma vez que esta desempenha um importante
papel nos ecossistemas de águas doces, estuarinas e marinhas, nomeadamente ao nível
trófico, nas interacções com outros animais presentes no ecossistema, mas também, no que
se relaciona com a qualidade da água, (Allaby, 1999). Por outro lado, o facto da
macrofauna possuir mobilidade limitada, faz com que sejam indicadores privilegiados das
mudanças ocorridas no ambiente (entre outros EPA, 1992).
A opção pela ordem dos anfípodes, acontece não só pela sua relevância ecológica,
mas também porque existe uma base de dados substancial sobre o tipo de respostas destes
animais em relação a xenobióticos, nutrientes e outras perturbações físico-químicas que
podem ocorrer nos sistemas aquáticos (Burton, 1992).
O destaque dado ao género Corophium, surge porque para além de satisfazer os
critérios necessários à investigação experimental em toxicologia sedimentar, alia muitas
das propriedades consideras desejáveis, por exemplo: curto ciclo de vida; sensibilidade aos
contaminantes existentes nos sedimentos e tolerância em relação às variáveis ambientais
- 41 -
77%
23%
Corophium
Outros anfipodes
Figura 2 – Dados comparativos sobre a utilização do Corophium e de outros anfípodes, em ensaios de toxicidade sedimentar.
abióticas, como por exemplo a temperatura e a salinidade (Burton, 1992). A preferência
pelo género Corophium é ilustrada na Figura 2.
Na Figura 3 está representada a percentagem de utilização de determinado
anfípode, na nossa amostra constituída por 33 trabalhos. Desta Figura facilmente
concluímos que a espécie mais utilizada é C. volutator seguido de C. multisetosum. Uma
- 42 -
Figura 3 – Dados comparativos sobre a utilização de diferentes
espécies de anfípodes, em ensaios de toxicidade sedimentar.
C. volutator
29%
C.orientale
6%
C. multisetosum17% C. insidiosum
9%
Gammarus aequicauda9%
Microdeutopus gryllotalpa6%
Ampelisca brevicornis 6%
Tiburonella viscana9%
Hyalella azteca6%
Outros3%
palavra para referir o parâmetro “Outros”, que é constituído pelos anfípodes que apenas
foram referidos uma única vez ao longo da nossa amostra, a saber: Rhepoxynius abronius;
Gammarus locusta; Bathyporeia sarsi; Grandidierella japonica; Mandibulophoxus mai;
Haustorioides indivisus; Haustorioides koreanus; Monocorophium acherusicum;
Monocorophium insidiosum; Monoporeia affinis; Echinogammarus meridionalis.
- 43 -
Figura 4 – Dados comparativos sobre a utilização das diferentes espécies de Corophium, em ensaios de toxicidade sedimentar.
C. volutator47%
C. i nsidiosum16%
C. multisetosum26%
C. orientale11%
Quanto às diferentes espécies de Corophium utilizadas, a Figura 4 dá-nos uma
imagem da sua distribuição percentual pelo nº de trabalhos consultados.
A título de exemplo apresentamos alguns trabalhos que nos dão uma ideia mais
concreta sobre o estado actual do uso de C. multisetosum em testes de toxicidade
sedimentar em Portugal.
- 44 -
Gammarus chevreuxi - LC50 = 14.91% effluent [14.136; 15.723]
Effluent Concentration(%)
0
20
40
60
80
100
0 5 10 15 20 25 30
Surv
ival
(%
)
Corophium multisetosum - LC50 = 15.74% effluent [14.327; 17.292]
Daphnia magna - LC50 = 11.93% effluent [11.126; 12.789]
O desenvolvimento de ensaios ecotoxicológicos em Portugal com o anfípode C.
multisetosum é ilustrado nomeadamente, por trabalhos de Quintino et al. (2001) e Ré et al.
(2007) que abordam o uso de C. multisetosum em ensaios de toxicidade aguda, avaliando a
sua sensibilidade a efluentes resultantes da indústria da cortiça e lixiviados de limalha de
ferro. A resposta da espécie é analisada num ensaio agudo só com água, e com sedimento
estuarino. Dada a grande tolerância da espécie ao tipo de sedimento, nomeadamente ao teor
em finos, bem como à salinidade da água, foi também utilizado para avaliar a toxicidade
aguda de sedimentos recolhidos num canal da Ria de Aveiro.
Nos testes com efluentes, a sensibilidade de C. multisetosum foi afectada pelo
aumento da concentração de ambos os efluentes em teste, traduzindo-se num aumento da
mortalidade. O anfípode foi mais sensível aos lixiviados de limalha de ferro, como se pode
verificar pelo LC50 muito inferior ao obtido com o efluente da indústria da cortiça (Figuras
5 e 6).
Sobr
eviv
ênci
a (%
)
Concentração do efluente (%)
Figura 5 - Redução de sobrevivência de C. multisetosum, G. chevreuxi e D. magna quando expostas a concentrações crescentes de efluente da industria da cortiça . LC50 valores com limite de confiança de 95%. Adaptado de Ré et al. (2007)
- 45 -
0
20
40
60
80
100
0 2 4 6 8 10 12 14Effluent Concentration(%)
Surv
ival
(%)
Sabellaria alveolata - LC50 = 2.27% effluent [1.261; 4.093]Corophium multisetosum - LC50 = 1.56% effluent [0.940; 2.600]Daphnia magna - LC50 = 0.75% effluent [0.691; 0.806]
Concentração do efluente (%)
Sobr
eviv
ênci
a (%
) So
brev
ivên
cia
(%)
Quanto à sobrevivência de C. multisetosum quando exposto aos sedimentos teste,
obtidos na Ria de Aveiro, os ensaios decorreram a 15 e a 22º C. A sobrevivência foi menor
nos locais 5, 7 e 8, a 22º C e no local 7 a 15º C. Estes locais são constituídos por vasa com
reduzido teor de oxigénio e alto conteúdo orgânico (Ré et al., 2007) e coincidem
nomeadamente, com os locais nos quais a comunidade de macrofauna residente apresentou
os mais baixos valores de riqueza em espécies. Foi também nestes locais (5, 7 e 8) que um
ensaio de desenvolvimento larvar com Paracentrotus lividus apresentou a mortalidade
mais elevada e desenvolvimento anormal também mais elevado (Figura 7).
Figura 6 - Redução de sobrevivência de C. multisetosum, S. alveolata e D. magna quando expostas a concentrações crescentes de lixiviados de limalha de ferro. LC50 valores com limite de confiança de 95%. Adaptado de Ré et al. (2007)
- 46 -
Surv
ival
(%)
Corophium multisetosum
0
20
40
60
80
100
CS S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10
Sediments 15ºC 22ºC
* Survival 90%
Sedimentos
Sobrevivência 90%
Sobr
eviv
ênci
a (%
)
Acima de tudo, os autores deste trabalho, defendem que C. multisetosum apresenta
vantagens relativamente aos outros organismos-teste por exemplo ao nível da maior
capacidade de adaptação a diferentes salinidades, (Ré et al., in press) quando utilizado em
teste de toxicidade aguda, demonstrou um alto potencial para identificar em meio
estuarino, tanto a contaminação da água como a contaminação do sedimento. Este estudo
mostrou assim, grande consistência entre o resultado do ensaio com C. multisetosum e os
outros descritores do estado de afectação dos sedimentos superficiais (Ré et al., 2007)
A apresentação mais detalhada das condições de realização dos ensaios de
toxicidade aguda, bem como a sensibilidade de C. multisetosum a variáveis naturais
(granulometria do sedimento, salinidade) são mencionadas em Ré et al. (in press). O
estudo apresenta ainda questões relacionadas com a manutenção das culturas do anfípode,
bem como a resposta a um tóxico de referência (Cloreto de Cádmio). Com a metodologia,
Figura 7 - C. multisetosum: sobrevivência média (± desvio padrão) nas dez amostras de sedimentos teste e no controlo de qualidade (CS), a 15 º C e 22 º C (n = 3, para cada um dos sedimentos). * Significância estatística quando comparado ao controle (p <0,05). Adaptado de Ré et al. (2007)
- 47 -
Tabela 3. Cloreto de cádmio valores de LC50 (mgCd2 + / l) para C. multisetosum em ensaio de 96 h em água. Adaptado de Ré et al. (in press). LC50 Bioassay conditions
(mgCd2+/L) Temperature; Salinity
0.71 15 ± 1ºC; 18 1 0.47, 0.58 15 ± 1ºC; 2 1 0.23, 0.25 18 ± 1ºC; 2 1 0.27, 0.33 22 ± 1ºC; 2 1 0.34 22 ± 1ºC; 2 2 0.31 22 ± 1ºC; 2 3
1- Ensaios realizados com anfípodes cultivados em laboratório; 2- Ensaio realizado com anfípodes oriundos
de uma cultura laboratorial com dois anos ininterruptos; 3- Ensaio realizado em simultâneo com o 2, com anfípodes colhidos no campo.
mencionada, o trabalho apresenta ainda os resultados de uma exposição de C. multisetosum
a uma bateria de sedimentos recolhidos entre 1997 e 2006 à saída do estuário Tejo.
Em relação ao comportamento do anfípode com o tóxico de referência podemos
afirmar que os resultados revelam uma tendência generalizada, para valores mais baixos de
LC50 à medida que aumenta a temperatura, o que talvez signifique um relacionamento
directo entre aumento de metabolismo e a elevação da temperatura, como pode ser
observado na Tabela 3.
Quanto ás variáveis naturais, o estudo salienta a elevada tolerância da espécie em
relação à salinidade, com uma amplitude de valores que o privilegiam na sua utilização em
testes de toxicidade em meio estuarino. Ainda assim, os autores não aconselham a
realização de testes em situações extremas de reduzida salinidade e temperatura elevada,
como pode ser comprovado pelos baixos valores de sobrevivência evidenciados na Tabela
4 (Ré et al., in press)
Já no tocante ao teor em finos na constituição do sedimento e apesar de C.
multisetosum apresentar também aí uma grande tolerância, o incremento da sensibilidade
na população adulta em relação ao aumento da temperatura, recomenda baixas
Condições bioensaio Temperatura; Salinidade
- 48 -
Mean amphipod survival (% ± sd) 15ºC 18ºC 22ºC
Seawater concentration (%) Negative control 95.0 ± 4.33 97.8 ± 3.63 94.4 ±5.83 0.0 81.1 ± 18.33 78.9 ± 31.90 18.9 ± 27.25 0.2 83.9 ±11.67 86.1 ± 13.87 75.0 ± 31.92 0.4 92.2 ± 4.41 87.8 ± 8.33 62.2 ± 41.01 0.8 88.3 ± 12.75 81.7 ± 16.58 90.0 ± 6.12 1.6 88.3 ± 9.01 78.3 ± 16.20 85.6 ±12.36 3.2 86.7 ± 14.58 87.2 ± 10.64 86.1 ± 7.82 6.25 92.2 ± 6.67 92.2 ± 6.67 98.3 ± 3.54 12.5 97.8 ± 3.63 90.0 ± 7.50 91.7 ± 6.12 25.0 94.4 ± 5.27 92.2 ± 7.55 95.0 ± 6.61 50.0 90.6 ± 5.83 89.5 ± 8.08 92.8 ± 4.41 100.0 78.9 ± 9.28 82.8 ± 11.49 83.9 ±10.83 -------------------------------------------------------------------------------------------------------- Sediment fines content (%) Control Sediment 93.3 ± 4.08 94.2 ± 4.92 91.7 ± 5.16 2.1 94.2 ± 5.85 95.0 ± 4.47 95.8 ± 4.92 3.8 89.2 ± 9.70 92.5 ± 2.74 92.5 ± 5.24 7.5 89.2 ± 4.92 86.7 ± 9.83 94.2 ± 2.04 14.5 95.8 ± 5.85 90.8 ± 5.85 85.8 ± 8.61 27.3 91.7 ± 5.16 90.8 ± 5.85 83.3 ± 8.76 56.5 81.7 ± 10.33 88.3 ± 5.16 67.5 ±12.14 77.8 85.8 ± 8.01 91.7 ± 2.58 86.7 ± 4.08 97.0 85.8 ±8.01 83.3 ± 2.58 83.3 ± 11.25
Tabela 4. Percentagem de sobrevivência média (± desvio padrão) do C. multisetosum em exposição aguda a uma gama de salinidades e de temperaturas em água intersticial pobre em oxigénio (n = 9, para todos os tratamentos) e a sedimentos preparados com diferentes conteúdos em partículas finas a diferentes temperaturas (n = 6 para todos os tratamentos). O controlo negativo corresponde a uma concentração 50% da água do mar. O controle dos sedimentos representa 1,8% de conteúdo em partículas finas, expresso como uma % do total de sedimentos, peso seco. Adaptado de Ré et al. (in press)
temperaturas para os testes realizados com sedimentos de elevado teor em finos Tabela 4
(Ré et al., in press).
Ré et al. (in press) apresentam ainda os resultados de uma exposição aguda a
sedimentos naturais, do estuário do Tejo. Os autores chamam a atenção para o facto de, no
período do estudo, haver diferenças significativas de valores de descritores ambientais e
biológicos nos intervalos: 1997 a 2000 e 2001 a 2006. Estes dois intervalos de tempo são
separados pelo Inverno de 2000-2001, particularmente rigoroso em matéria de cheias e
tempestades costeiras, que teriam originado alterações importantes no sedimento
superficial, sobretudo ao nível do tamanho das partículas e da concentração de
Concentração água do mar (%) Controlo negativo
Conteúdo em finos do sedimento (%) Controlo sedimento
Sobrevivência média anfípode (% ± sd)
- 49 -
Tabela 5. Índices de macrofauna bentónica, sedimentos de compostos orgânicos e descritores de toxicidade aguda estudados no local 19, no período 1997-2006. Valores médios com desvio padrão para os períodos antes e depois da cheia. Adaptado de Ré et al. (in press) Descriptor Before (1997-2000) After (2001-2006) Mean s.d. Mean s.d. S (0.1 m2) 17.1 3.94 25.2 4.39 PAH compounds (ng.g-1) 1175.75 664.752 34.20 187.966 PCB congeners (ng.g-1) 7.62 3.664 5.58 1.521 Acute mortality (%) 17.0 4.32 7.5 3.04
Depois Média
Antes Média
Mortalidade aguda (%)
Descritor
componentes orgânicos, o que pode ser constatado na Tabela 5, onde é evidente a
diminuição de PAH´s e de PCB´s, o aumento da riqueza em espécies (S), bem como a
diminuição da mortalidade de C. multisetosum nos testes de toxicidade aguda.
Os resultados obtidos por Ré et al. (in press), mostram a viabilidade do C.
multisetosum como organismo-teste em estudos de toxicidade sedimentar. Segundo os
autores, os sedimentos estuarinos podem variar consideravelmente em relação a factores
como salinidade, teor em finos e temperatura. A forma mais razoável de proceder para
determinar a toxicidade e a biodisponibilidade dos contaminantes dos sedimentos
estuarinos, será testar os sedimentos tal e qual se encontram, utilizando nos testes, animais
com grande capacidade de tolerância ás mais variadas condições proporcionadas pelos
estuários, sobretudo no que se relaciona com a salinidade e o teor em finos. Com um teste
especificamente concebido para as condições existentes nos estuários, o C. multisetosum
constitui inquestionavelmente, uma boa opção para a bioavaliação dos sedimentos que aí
se encontram.
Uma nota final para justificar a opção por exemplos de ensaio do tipo agudo
realizados na Universidade de Aveiro. Tal tem apenas que ver com o facto de termos
ficado um pouco mais familiarizados com este procedimento durante o período em que
decorreu este mestrado. No entanto, pelo que ficou escrito ao longo deste trabalho, parece-
nos essencial referir o papel importante dos ensaios crónicos, fundamentais a todo processo
de investigação em ecotoxicologia sedimentar, e que são também realizados por
- 50 -
investigadores desta Universidade, como é ocaso dos levados a cabo pela equipa do
Professor Quintino (Quintino et al., 2001; Silva et al., 2004; Castro et al., 2006, entre
outros).
- 51 -
4. Conclusão
Vários estudos têm mostrado que a utilização de invertebrados bentónicos em
ecotoxicologia sedimentar é hoje aceite como uma das formas mais eficazes na avaliação
ecotoxicológica de sedimentos marinhos, estuarinos e fluviais (Ré et al., in press).
Nos ensaios tanto agudos como crónicos, os crustáceos anfípodes, têm recebido a
preferência de muitos investigadores já que reúnem boas qualidades para a execução
desses ensaios. Qualidades como a tolerância a diferentes graus de salinidade, a
sensibilidade a contaminantes existentes nos sedimentos, a ocupação de micro habitats
ideais, a ampla distribuição geográfica, entre outros, fazem deste animais uma das opções
mais utilizadas por investigadores de todo o mundo (Chapman, 2007; Prato e Biandolino,
2005; Sanz-Lázaro e Marín, 2009, entre outros). No seio dos crustáceos anfípodes,
espécies do género Corophium, surgem muito referenciadas quer na América do Norte
quer na Europa do Norte e do Sul, incluindo o Mediterrâneo (amostragem da Tabela 1).
A avaliação ecotoxicológica dos sedimentos, será melhor realizada por abordagens
do tipo “peso-das-evidências”, combinando descritores ambientais múltiplos, físico-
químicos, ecotoxicológicos, características próprias do local e das comunidades residentes,
incluindo parâmetros do habitat e ciclos de vida das espécies relevantes (Schmitt-Jansen et
al., 2007). No entanto, devemos ter consciência de que dificilmente haverá avaliações
técnicas de elevada qualidade, da maioria dos milhares de substâncias e da maioria dos
tipos de ecossistemas e espécies existentes no mundo, mas os modelos de estudo
combinando múltiplos descritores, podem ajudar a uma compreensão geral dos efeitos
tóxicos e dos processos relevantes que podem ocorrer, permitindo assim, fazer uma melhor
previsão. É necessária uma abordagem integrada baseada em protocolos de ensaios
laboratoriais, experimentação e acompanhamento no terreno, incluindo sistemas de alerta
precoce e modelos de simulação em computador (Chapman, 2007; Schmitt-Jansen et al.,
2007).
Num futuro próximo, um maior conhecimento sobre os indicadores subletais
(biomarcadores) e da relação entre os efeitos agudos e crónicos, deverão permitir a
existência de testes com exposições temporais relativamente mais curtas, para a detecção
dos agentes stressores, por exemplo, horas ou alguns dias, podendo ser utilizados com
fiabilidade na previsão de efeitos crónicos. Actualmente, as exposições crónicas (que são
- 52 -
bastante mais demoradas no tempo) representam uma componente chave na avaliação da
saúde dos ecossistemas (Burton, 1992).
Por outro lado, e reavaliando o que ficou escrito neste trabalho, parece-nos
preocupante a crise económica e financeira que levou ao eclodir de uma recessão mundial,
pois esta tenderá a agravar, num futuro próximo, o esforço necessário para a prossecução
dos projectos de investigação no campo da ecotoxicologia sedimentar, o que a acontecer,
comprometerá irremediavelmente, uma boa parte das medidas necessárias à
sustentabilidade dos recursos hídricos. Convenhamos pois, e em última análise, que esta
ideia da sustentabilidade dos recursos hídricos (elevada á categoria de maior desafio da
humanidade para este século), constituiu o fio condutor, subliminar, presente à elaboração
deste trabalho.
Por último, gostaríamos que esta monografia pudesse ser entendida como mais um
contributo para o conhecimento e divulgação de uma área tão delicada e complexa, mas ao
mesmo tempo cada vez mais essencial, como é o da avaliação ecotoxicológica.
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Bibliografia
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