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JOS WESLEY FERREIRA
Questo Social: um estudo acerca dos fundamentos tericos, estratgias metodolgicas e relao terico-prtica no ensino em Servio Social
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obteno do grau de doutor em Servio Social.
Orientadora: Dra. Ana Lcia Surez Maciel
Porto Alegre
2015
2
F383 Ferreira, Jos Wesley Questo Social: um estudo acerca dos fundamentos tericos estratgias metodolgicas e relao terico prtica no ensi- no em Servio Social / Jos Wesley Ferreira. Porto Alegre, 2015. 174p.
Tese(Doutorado em Servio Social): Faculdade de Servio
Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do
Sul - PUCRS.
Orientadora: Dra. Ana Lcia Surez Maciel
1.Servio Social 2.Educao 3.Metodologia
4.Questo Social 5.Formao Servio Social I. Ttulo
CDU:364:37
Ficha catalogrfica elaborada por Dayse Pestana CRB10/1100
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JOS WESLEY FERREIRA
Questo Social: um estudo acerca dos fundamentos tericos, estratgias metodolgicas e relao terico-prtica no ensino em Servio Social
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obteno do grau de doutor em Servio Social.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Ana Lcia Surez Maciel Orientadora
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS/FSS
Profa. Dra. Jane Cruz Prates
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS/FSS
Profa. Dra. Jussara Maria Rosa Mendes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS
Prof. Dr. Reinaldo Nobre Pontes
Universidade Federal do Par UFPA
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus pela vida
A minha me Milta pelo cuidado e dedicao
A minha irm Pmela que est sempre torcendo por mim
A Mabel, meu amor, pelo companheirismo na histria que estamos construindo
A professora Maria da Graa, por socializar seu saber, por instigar-me a pensar na relao terico-prtica e pelo incentivo aos estudos
A minha orientadora Ana Lcia Suarez Maciel, pelo apoio e pelos ensinamentos durante a elaborao da tese
Ao professor e as professoras componentes da banca examinadora, pelas sugestes para o aprimoramento da tese
Aos colegas e estudantes da UNIPAMPA que aceitaram participar deste estudo
E, ainda, a CAPES por viabilizar a realizao da pesquisa
5
RESUMO
Este estudo discute o ensino da Questo Social na formao em Servio Social, com objetivo de analisar como vem se dando o ensino da mesma, no que se refere aos fundamentos tericos, as estratgias metodolgicas e a articulao terico-prtica, com a finalidade de oferecer subsdios para o aprimoramento da formao na rea. Do ponto de vista metodolgico, a pesquisa qualitativa, tendo sido eleito o materialismo histrico e dialtico como mtodo que possui as seguintes categorias centrais: a totalidade, a historicidade e a contradio; bem como lanou-se mo do estudo de caso de um Curso de Servio Social, vinculado a uma universidade pblica do Rio Grande do Sul. Foram utilizadas, para a coleta dos dados, as tcnicas de entrevista semiestruturada, cujos sujeitos foram quatorze docentes e doze estudantes do referido curso e anlise documental do Projeto Poltico Pedaggico e a tcnica da anlise de contedo para o tratamento dos dados e anlise dos mesmos. Os resultados do estudo revelam que o ensino da Questo Social no Curso pesquisado fundamenta-se no materialismo histrico e dialtico. Entretanto a apreenso do paradigma se d de forma fragilizada, o que repercute na heterogeneidade de concepes e na reproduo mecnica do conceito. As estratgias de ensino da Questo Social variam desde abordagens ldicas, at aulas expositivas, precedidas de leituras. A articulao com as experincias cotidianas dos estudantes foi ressaltada como uma estratgia potente no ensino da Questo Social. J a articulao do ensino da Questo Social com a experincia como assistente social dos docentes foi apontada com uma estratgia eficaz para apreenso terico-prtica do objeto profissional. H dificuldades no entendimento da Questo Social como objeto de interveno profissional durante o estgio supervisionado. Essa dificuldade antecede o ingresso no estgio, visto que, a transversalidade do ensino da prtica no contemplada no ensino da Questo Social nesse curso. Porm, os estudantes demostram aproximaes no entendimento da articulao das competncias terico-metodolgicas e tcnico-operativas durante o estgio supervisionado. Os supervisores de campo e acadmicos apresentam divergncias quanto operacionalizao do trabalho, o que demanda maior articulao dessa trade para superar os desafios de articulao terico-prtica. As proposies deste estudo indicam que preciso aprofundar o entendimento do materialismo histrico e dialtico para superar a heterogeneidade de concepes sobre a Questo Social, h necessidade de articular o ensino da Questo Social com a experincia cotidiana dos estudantes e de mediar o ensino da relao terico-prtica com as experincias dos docentes como assistentes sociais, tanto em espaos sciocupacionais como em projetos de extenso. O aprimoramento do ensino da Questo Social a partir da relao terico-prtica tambm requer a elaborao de pesquisas que discutam s competncias tcnico-operativas, problematizem a Questo Social como objeto e resultem em produes tericas sobre essas temticas que, efetivamente, subsidiem a formao em Servio Social.
Palavras- Chave: Ensino em Servio Social; Questo Social; Formao em Servio Social; Relao Teoria-Prtica.
6
ABSTRACT
This study discusses the teaching of Social Issues in training in social work, in order to analyze how we are giving the teaching thereof, in relation to the theoretical foundations, methodological strategies and the theory-practice articulation, in order to offer subsidies for the improvement of education in the area. From a methodological point of view, the research is qualitative, elected dialectical and historical materialism as a method that has the following main categories: all, historicity and the contradiction. It employed the case study of a Course of Social Service, linked to a public university in Rio Grande do Sul. Were used for collecting the data, semi-structured interview techniques, whose subjects were fourteen teachers and twelve students that course and document analysis of Project Political. The content analysis technique was used for data processing and analysis. The study results show that the teaching of Social Issues in the Course researched is based on historical and dialectical materialism. However the arrest paradigm occurs in a weakened form, which affects the heterogeneity of concepts and mechanical reproduction of the concept. Teaching strategies of Social Issues range from game approaches, to lectures, preceded by readings. Coordination with the everyday experiences of students was highlighted as a powerful strategy in the teaching of Social Issues. Have the articulation of the social issue with teaching experience as a social worker of teachers was identified with an effective strategy for theoretical and practical grasp of object professional. There are difficulties in understanding of the social issue as the object of professional intervention during the supervised training. This difficulty predates the entry on stage, since the mainstreaming of practice teaching is not included in the teaching of Social Issues in this course. However, students demonstrate approaches in understanding the articulation of theoretical and methodological, technical and operational skills during the supervised training. The field supervisors and academic controversy exists as to the operation of the work, which requires greater coordination of this triad to overcome the challenges of theoretical and practical articulation. The propositions of this study highlight the need to deepen the understanding of the historical and dialectical materialism to overcome the heterogeneity of views on Social Issues, there is need to link the teaching of Social Issues with the everyday experience of students and to mediate the teaching of theoretical relationship -Practice from the experiences of teachers and social workers, both in socio-occupational spaces as extension projects. The improvement of the Social Issues teaching from the theory-practice relationship also requires the development of research to discuss the technical and operational skills, problematize the Social Issues as object and result in academic research on these issues which effectively subsidize training in Social Service. Key-words: Education in Social Work; Social Issues; Training in Social Work; Relationship Theory-Practice.
7
SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................9
2. O Ensino da Questo Social na formao em Servio Social.........................27
2.1. Questo Social, Trabalho e Formao em Servio Social..................................27
2.2. A particularidade do Ensino da Questo Social na formao do Assistente
Social..........................................................................................................................46
2.3. As contribuies do materialismo histrico e dialtico no ensino da Questo
Social..........................................................................................................................60
3. O Ensino da Questo Social na UNIPAMPA: Fundamentos Tericos em
Debate.......................................................................................................................68
3.1. A Universidade Federal do Pampa como lcus do estudo.................................68
3.2. Marxismo: fundamento para a apreenso e o ensino da questo social...........72
3.3. Heterogeneidade de concepes sobre as determinaes da questo social na
realidade concreta......................................................................................................78
3.4. A questo social como eixo articulador dos componentes curriculares: um
desafio para a formao em servio social................................................................89
4. O Ensino da Questo Social na UNIPAMPA: As estratgias metodolgicas no
ensino da questo social.......................................................................................102
4.1. Diversidade de instrumentos e estratgias de ensino da questo social.........102
4.2. Mediao com as vivncias dos estudantes: uma estratgia potente para o
ensino da questo social..........................................................................................109
4.3. Mediao com as experincias profissionais: uma estratgia potente para o
ensino da articulao terico-prtica na compreenso da questo social...............115
5. O ensino da questo social na UNIPAMPA: a articulao terico-prtica no
ensino da questo social.......................................................................................125
5.1. Interveno como sinnimo de encaminhamentos aos direitos sociais...........125
8
5.2. Os desafios para compreenso da articulao terico-prtica nas intervenes
realizadas durante o estagio supervisionado...........................................................131
5.3. A articulao da teoria com as vivncias dos estudantes no estgio e nos
projetos de extenso................................................................................................145
6 CONCLUSES.....................................................................................................152
REFERNCIAS........................................................................................................161
APNDICE A ROTEIRO NORTEADOR DA ENTREVISTA COM OS
ESTUDANTES.........................................................................................................167
APNDICE B ROTEIRO NORTEADOR DA ENTREVISTA COM OS
DOCENTES..............................................................................................................169
9
1 INTRODUO
A partir da graduao, a partir dos textos e debates de sala de aula, eu comecei a perceber, porque como te disse [...] eu abri os olhos, ao tirar a venda que me encobria [...] antes de entrar, a sociedade para mim estava boa, havia crimes? Havia. Havia pessoas pobres? Havia, mas isso no tinha me afetado ainda, porque no estava acontecendo prximo a mim, ento, tinha o pensamento de que as pessoas ficavam pobres porque no queriam trabalhar [...] eu pensava ele ladro porque quer, mas na verdade o nico jeito que ele encontrou de sustentar a famlia o que no pensamos muito porque para ns, ladro ladro, o velho pensamento preconceituoso, sem conhecer realmente a realidade o que s fui mudar atravs da insero no curso (Estudante A, 2 Semestre).
Optou-se em introduzir esta tese a partir desse depoimento para mostrar
como o ensino da Questo Social transforma a apreenso dos estudantes sobre a
realidade concreta. A formao em Servio Social insere os estudantes diante da
Questo Social atravs de leituras de textos, aulas expositivas, exerccios, teatros e
letras de msicas, dentre outros instrumentos de ensino, que permitem a
problematizao do objeto profissional na realidade concreta. Esse processo
contribui para os estudantes superar suas concepes, s vezes, fragmentadas
sobre a pobreza, a violncia, dentre outras demandas sociais que evidenciam os
impactos da contradio capital-trabalho. Identifica-se que ao apreender as
demandas sociais como expresses da Questo Social os estudantes vo
apreendendo a articulao das refraes do objeto profissional com a totalidade
concreta determinada pela estrutura econmica da sociedade.
Esta pesquisa buscou desvendar o modo como ocorre o ensino da Questo
Social no curso de Servio Social da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA,
problematizando os fundamentos tericos, as estratgias metodolgicas e as
mediaes terico-prticas no ensino da matria Questo Social. O estudo possui
trs categorias explicativas da realidade, definidas anteriormente pesquisa de
campo que so: a Questo Social, a formao em Servio Social e o ensino.
Para o entendimento da Questo Social, recorre-se a Lefebvre (1995). Ele diz
que a aparncia manifesta a essncia, a essncia em forma de existncia. As
expresses da Questo Social podem ser comparadas aparncia, necessitam ser
desvendadas em profundidade atravs do conhecimento de suas conexes com
10
outros fenmenos que, simultaneamente, se manifestam e se ocultam. Todos esses
fenmenos esto vulnerveis a legalidade social que nos termos de Pontes (1999),
so as tendncias universais que se impem a sociedade e so produtos da
explorao do trabalho, decorrente dos processos de alienao postos pelo modo de
produo capitalista que tem sua raiz na propriedade privada dos meios de
produo.
Nesse contexto uma parcela minoritria da sociedade (burguesia) adquire a
possibilidade de produzir riqueza atravs da explorao da maioria (trabalhadores).
Assim produzida a Questo Social como um resultado da explorao do trabalho
que gera concomitantemente riqueza para a burguesia e pobreza e rebeldia dos
trabalhadores que com o passar dos anos vo adquirindo conscincia de classe, se
organizando coletivamente e conquistando direitos materializados a partir da
insero de suas demandas na agenda pblica.
A compreenso dessa categoria terico-temtica de suma importncia
medida que o estudo visou compreender como a Questo Social vem sendo
ensinada na UNIPAMPA. Desse modo o conhecimento terico da categoria
Questo Social foi til na analise dos dados coletados a partir do estudo e para a
elaborao das categorias empricas que ofereceram os indicativos de resposta ao
problema de pesquisa.
A formao profissional tem a Questo Social como categoria central, pois ela
a base de fundao scio-histrica do Servio Social; o ponto articulador das
disciplinas que compem o processo formativo o eixo histria, teoria e mtodo.
Conforme Simionato (2004), a abordagem dessa lgica que no separa histria,
teoria e mtodo prpria da vertente terica marxista. Conforme a autora os
princpios mais importantes das Diretrizes Curriculares so a necessidade do
rigoroso trato histrico, terico e metodolgico para possibilitar a compreenso das
demandas postas ao trabalho profissional no universo da produo e reproduo
social e a adoo da teoria social crtica para apreenso da Questo Social a partir
da totalidade historicamente determinada em suas dimenses de universalidade,
particularidade e singularidade.
Portanto, neste estudo a compreenso da categoria terico-temtica
formao profissional em Servio Social est ancorada na proposta bsica
11
elaborada pela Associao Brasileira de Estudos e Pesquisas em Servio Social -
ABEPSS que indica o eixo histria, teoria e mtodo como ordenador do currculo e a
Questo Social como matria que perpassa os contedos das disciplinas dos
ncleos de fundamentao da formao que articulados oferecem subsdios terico-
metodolgicos, tcnico-operativos e tico-polticos para a operacionalizao do
trabalho profissional (ABEPSS, 1996).
O ensino consiste em direcionar o processo de aprendizagem e a didtica a
disciplina que estuda o processo de ensino, principal atividade docente, ela trata da
teoria geral do ensino, investiga os fundamentos, condies e formas de realizao
do processo de ensino (LIBNEO, 1994). O ensino corresponde a aes, meios e
condies para realizao da instruo; contm, pois, a instruo (LIBNEO, 1994,
pg. 23).
Portanto, nesse estudo a categoria terico-temtica ensino corresponde s
estratgias metodolgicas e aos fundamentos tericos utilizados pelos docentes do
curso de Servio Social da UNIPAMPA para inserir os estudantes diante de
situaes que possibilitam a aproximao com a matria Questo Social.
Para realizao do estudo foi realizado o planejamento da pesquisa.
Conforme Prates (2003b), planejar a pesquisa algo imprescindvel, pois o que
orienta a ao do pesquisador. Assim, o planejamento da pesquisa tem em vista
uma determinada finalidade e para alcan-la, preciso sistematizao de vrias
etapas do estudo.
[...] o planejamento da pesquisa deve estar permeado e fundamentado de
valores. Deve ter direo definida. A prpria escolha do tema, do mtodo,
das estratgias dependem de valores, interesses, apropriaes e
priorizaes, que, sem dvida, so histricas, contextualizadas e, em parte,
condicionadas por este contexto. Algumas vezes, os temas nos escolhem,
mas, se o contedo no tem significado para ns, dificilmente nos
mobilizam (PRATES, 2003b, p.125).
Portanto, alm da organizao das etapas de uma pesquisa, o planejamento
inclui escolhas, posicionamentos, crenas e motivaes do pesquisador. O tema
12
escolhido pelo mesmo deve instig-lo e fazer sentido para ele, j que preciso
envolver-se ao mximo com a temtica.
Esta pesquisa se caracterizou como um estudo de caso de cunho qualitativo
com lcus na unidade social - UNIPAMPA. O mtodo utilizado na elaborao deste
estudo foi o dialtico-crtico. Tal vetor terico encontra sua origem na corrente
filosfica materialista, que considera os fatores concretos da prtica, na produo de
conhecimento. A partir do mtodo dialtico-crtico, o entendimento construdo acerca
do homem e da sociedade considera a base material que os constituem
(LEFEBVRE, 1995). Esse mtodo trabalha com a ideia de monismo materialista:
A tese de monismo materialista sustenta que a estrutura econmica, entendida como o conjunto de relaes sociais (polticas, ideolgicas, culturais, educacionais) que os homens estabelecem na produo e reproduo material de sua existncia, que define, em ltima instncia, o complexo social em suas diferentes dimenses (FRIGOTTO, 1994, p. 84).
O enfoque dialtico-crtico entende que o conhecimento parte das condies
objetivas e que o pensamento capta as contradies referentes s relaes
concretas, colocando-se em movimento. Conforme Lefebvre (1995, p.12), o
pensamento se desloca incessantemente do plo lgico, racional, aquele da forma
pura, para o real, a natureza, o prtico sensvel, a prxis ou, numa palavra, o
contedo. Esse movimento impulsionado pela contradio observada na
realidade. So categorias centrais do mtodo dialtico-crtico a totalidade, a
historicidade e a contradio.
A totalidade, mais do que a reunio de todas as partes, significa um todo articulado, conectado, onde a relao entre as partes altera o sentido de cada parte e do todo. A totalidade concreta no um todo dado, mas em movimento de autocriao permanente, o que implica a historizao dos fenmenos que a compem (PRATES, 2003a, p. 87).
As partes esto articuladas dialeticamente, formando uma totalidade de
relaes que so sempre contraditrias. A contradio est includa na totalidade
concreta, e o seu acirramento conduz o pensamento ao movimento que busca
superar os impasses em um permanente movimento dialtico.
13
A compreenso dialtica da totalidade significa no s que as partes se encontram em relao de interna interao e conexo entre si e com o todo, mas tambm que o todo no pode ser petrificado na abstrao situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interao das partes (KOSIK, 1976, p. 34).
O conhecimento da totalidade ocorre a partir do aprofundamento do
entendimento das articulaes dialticas entre as partes e o todo. preciso partir do
todo para as partes, a fim de retornar para o todo de forma aprimorada.
Este movimento pressupe a historicidade dos fenmenos sociais, reconhece a processualidade, o movimento e transformao do homem, da realidade e dos fenmenos. Significa que os fenmenos no so estticos, esto em curso de desenvolvimento e, portanto, s podem ser apreendidos a partir do desvendamento deste movimento, por cortes histricos (PRATES, 2003, p. 95-96).
Esse movimento de pensamento e de ao embasado no materialismo
histrico e no materialismo dialtico. O primeiro considera a histria a partir de sua
materialidade, das leis objetivas, que existem independentemente da conscincia; o
segundo inclui a contradio na histria, e o motor do desenvolvimento da
conscincia passa a ser a contradio. Ento, as contradies, que encontram seus
fundamentos no plano objetivo, conduzem o pensamento a apreend-las e super-
las, em um movimento dialtico entre tese, anttese e sntese. No h produo sem
contradio, sem conflito, a comear pela relao do ser social (o homem) com a
natureza atravs do trabalho (LEFEBVRE, 1995).
Ao estudar um objeto singular, utilizando o mtodo dialtico-crtico, no se
pode analisar o mesmo fora do universo, das leis universais que permitem a
apreenso do todo como um processo, um devir, oriundo de um movimento
universal que fornece meios genricos para entender os aspectos singulares. A
articulao desses aspectos singulares forma o universal que se expressa nas
situaes concretas particulares (LEFEBVRE, 1995).
A categoria da contradio, segundo Cury (2000), a base de uma
metodologia dialtica e reflete o movimento mais originrio do real. A racionalidade
14
do real est no movimento contraditrio dos fenmenos, que so provisrios e
superveis. Portanto, a contradio remete ideia de movimento, tensionamento,
algo que capaz de criar e destruir, a luta dos contrrios na tentativa de superar
conflitos. A contradio permeia as relaes dos homens entre si e a dinmica da
sociedade.
O ponto de partida de uma pesquisa o levantamento de um problema, de
uma interrogao. A pesquisa busca responder s necessidades de conhecimento
de um problema ou fenmeno especfico (MARCONI; LAKATOS, 1999). A realizao
do estudo foi motivada pela seguinte indagao: Como vem se dando o ensino da
Questo Social no que se refere aos fundamentos tericos, estratgias
metodolgicas e articulao terico-prtica no curso de Servio Social da
Universidade Federal do Pampa?
O problema uma dificuldade terica ou prtica no conhecimento de algo
relevante, para a qual se busca uma soluo (MARCONI; LAKATOS, 1999).
Segundo Prates (2003b), elaborar o problema sintetizar o ncleo duro de uma
investigao, atravs de uma pergunta que ser desdobrada em questes
norteadoras, que so problematizaes auxiliares que compem a questo central e
auxiliam a respond-la.
Para responder ao problema de pesquisa, foram construdas as seguintes
questes norteadoras: Quais os fundamentos tericos adotados pelos docentes da
Universidade Federal do Pampa para ensinar a Questo Social? Quais as
estratgias metodolgicas adotadas pelos professores para ensinar a Questo
Social durante a formao em Servio Social? Como ocorre a articulao terico-
prtica no ensino da Questo Social durante o estgio supervisionado?
O objetivo geral deste estudo foi analisar como vem se dando o ensino da
Questo Social no que se refere aos fundamentos tericos, estratgias
metodolgicas e articulao terico-prtica, com a finalidade de oferecer subsdios
que contribuam com o aprimoramento da formao profissional em Servio Social.
Para atingir esse objetivo geral foram traados alguns objetivos especficos:
Identificar quais os fundamentos tericos adotados pelos docentes da Universidade
Federal do Pampa para ensinar a Questo Social; Verificar as estratgias
metodolgicas adotadas pelos professores para ensinar a Questo Social durante a
15
formao em Servio Social; Compreender como ocorre a articulao terico-prtica
no ensino da Questo Social durante o estgio supervisionado.
A prxima etapa na definio da metodologia utilizada o delineamento da
pesquisa. Nesse momento foram escolhidos os instrumentos de pesquisa, as
tcnicas utilizadas e ocorreu a delimitao da amostra. A tcnica de pesquisa
adotada foi o estudo de caso que se caracteriza por investigar em profundidade uma
unidade social. Neste estudo de caso a unidade social pesquisada a UNIPAMPA.
O estudo de caso orientado pelo mtodo dialtico-crtico deve antes da
sistematizao dos dados, preocupar-se com a compreenso do objeto de estudo no
contexto mais amplo, incluindo na sua problematizao fatores polticos,
econmicos, sociais e culturais que contribuem com o desvendamento do fenmeno
e possibilita sua insero em uma concepo mais geral de mundo (DINIZ, 1999).
Conforme Andrade (2008), o objetivo do estudo de caso a investigao de
uma unidade social em profundidade, caracteriza-se como uma pesquisa emprica
que busca apreender, descrever e interpretar os fenmenos em seus contextos.
Para o autor, o estudo de caso pede avaliao qualitativa, pois o foco a anlise
profunda de uma unidade social e a busca da compreenso contextual do
fenmeno. Portanto o presente estudo de cunho qualitativo. Esse tipo de
pesquisa se interessa mais em abstrair os aspectos qualitativos da realidade social
do que quantificar o objeto de estudo. Conforme Martinelli (1999), a pesquisa
qualitativa voltada aos significados, s interpretaes a respeito dos sujeitos
pesquisados e de suas histrias, j as informaes quantitativas so
complementares e fundamentam o conhecimento produzido pela outra.
A finalidade real da pesquisa qualitativa no contar opinies ou pessoas,
mas ao contrrio, extrapolar o espectro de opinies, as diferentes representaes
sobre o assunto em questo (BAUER; GASKELL, 2002, p. 68). Logo, o foco deste
estudo no foi quantificar, fazer mensuraes, e sim compreender em profundidade
como vem se dando o ensino da Questo Social no processo de formao em
Servio Social na UNIPAMPA.
A abordagem qualitativa, assim como o mtodo dialtico-crtico reconhece
que no h neutralidade no modo como o pesquisador investiga o seu objeto de
16
pesquisa. Por isso, as atribuies de valores e os significados construdos por ele
tambm compem o estudo realizado. Nesta pesquisa foram utilizadas as seguintes
tcnicas de coleta e tratamento de dados: anlise documental, entrevistas
semiestruturadas e a anlise de contedo.
A anlise documental caracterizada pela investigao de um ou vrios
documentos, no produzidos pelo pesquisador e pr-existentes ao estudo. Esses
documentos podem ser polticas, projetos, cartas, normativas, fotos, dentre outros
(PRATES, 2009). Neste estudo, foi realizada anlise documental do Projeto Poltico
Pedaggico - PPP. O universo dos documentos analisados abrange o PPP em sua
integralidade, perpassando a justificativa, os objetivos, o perfil, as competncias e
habilidades, o perfil docente, as estratgias pedaggicas, o ensino, a pesquisa, a
extenso, a avaliao, as normativas de estgio supervisionado e do trabalho de
concluso de curso, a base curricular, as ementas, os programas e as bibliografias,
portanto, o universo idntico a amostra. A amostra uma parcela
convenientemente selecionada do universo (populao, documentos); o
subconjunto do universo (MARCONI; LAKATOS, 1999, p. 32).
Nesta pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com um
roteiro1 que privilegiou o ponto de vista dos entrevistados acerca do objeto da
pesquisa. Optou-se pelo uso de perguntas abertas, pois elas viabilizam que os
pesquisados possam responder livremente, emitindo suas opinies, utilizando
linguagem prpria (MARCONI; LAKATOS, 1999). A entrevista semiestruturada
oferece mais liberdade ao entrevistador de acrescentar novas questes ao roteiro se
houver necessidade. Esse tipo de entrevista parte de certas interrogativas que
podem ser reformuladas com base nas respostas recebidas dos entrevistados
(TRIVIOS, 1987). Para realizao deste estudo foram realizadas trs entrevistas
como pr-teste. A etapa do pr-teste importante para que a investigao seja
realizada com xito. Conforme Marconi e Lakatos (1999), atravs desse
procedimento possvel identificar falhas como inconsistncia ou complexidade de
questes, ambigidade, ou linguagem inacessvel, perguntas suprfluas e verificar
se a ordem e a quantidade perguntas esto adequadas. As entrevistas utilizadas
como pr-teste foram realizadas no ms de setembro de 2014, com docentes e
1 Ver apndice B.
17
estudantes. Como no foram identificadas falhas nas entrevistas utilizadas como
pr-teste, elas foram utilizadas no estudo. Aps o pr-teste, realizou-se contato
telefnico com os docentes e estudantes, agendando as entrevistas
semiestruturadas que ocorreram preferencialmente fora do espao institucional.
Atualmente o curso de Servio Social conta com onze docentes da rea de
Servio Social que foram entrevistados em sua totalidade, ou seja, o universo dos
docentes corresponde amostragem j que todos eles foram sujeitos do estudo.
Tambm foram entrevistados quatro docentes de outras reas de conhecimento que
ministram componentes curriculares no curso de Servio Social.
O curso de Servio Social da UNIPAMPA tem atualmente 163 estudantes
matriculados que compem o universo dos estudantes pesquisados, sendo 44 do
oitavo semestre, 36 do sexto semestre, 33 do quarto e 50 do segundo. O critrio
utilizado para a composio da amostragem foi semestralidade dos estudantes,
foram escolhidos estudantes de diferentes semestres com fins de avaliar o nvel de
apreenso da Questo Social durante as etapas da formao. Os estudantes
sujeitos do estudo foram trs estudantes do segundo semestre, trs do quarto, trs
do sexto e trs do oitavo.
Portanto, o tipo de amostra a no probabilstica do tipo dirigida ou
intencional. Ao escolher esse tipo de amostra, que no possibilita fazer
generalizaes, o pesquisador est interessado em conhecer as opinies e
experincias vividas de uma parte da populao, nem sempre representativa da
mesma, sobre a temtica que se props a investigar (MARCONI; LAKATOS, 1999).
Segundo Gil (1994), a amostragem no probabilstica aplicada em
pesquisas exploratrias ou de carter qualitativo, que no tm a preocupao com o
rigor estatstico. Ento, optou-se por esse tipo de amostra, j que a mais adequada
a pesquisas qualitativas que no tm como objetivo generalizar, e sim aprofundar o
estudo do tema escolhido a partir dos dados aos quais o pesquisador tem alcance.
Na tentativa de desvendar as contradies do tema estudado, foram
realizadas entrevistas e a anlise documental com fins de captar elementos
empricos, analisados luz da teoria. A anlise dos dados foi realizada a partir da
18
tcnica de Anlise de Contedo. Essa tcnica compatvel com o mtodo dialtico
e contribui para
[...] o desvelar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais,
princpios, diretrizes, etc., que simples vista, no se apresentam com a
devida clareza. Por outro lado, o mtodo de anlise de contedo, em alguns
casos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior
profundidade e complexidade, como, por exemplo, o mtodo dialtico.
Neste caso, a anlise de contedo forma parte de uma viso mais ampla e
funde-se nas caractersticas do enfoque dialtico (TRIVIOS, 1987, p. 159-
160).
Essa tcnica permite a anlise das comunicaes dos sujeitos a partir do
contedo manifesto de suas mensagens. No presente estudo, a anlise de contedo
foi utilizada, atravs da leitura das transcries das entrevistas, da descrio e
interpretao dos relatos dos entrevistados, o que propiciou entender a construo
de significados elaborados pelos mesmos acerca do ensino da Questo Social na
Universidade Federal do Pampa.
Entende-se por fundamentos tericos as teorias vinculadas ao materialismo
histrico e dialtico que subsidiam os assistentes sociais em suas leituras de
realidade e contribuem com o direcionamento das aes profissionais tanto no
mbito da academia como nos campos de interveno. Essa pesquisa buscou
desvendar como esses fundamentos tericos so articulados com o ensino do objeto
de trabalho do Servio Social. A Questo Social hegemonicamente conceituada
nos espaos representativos da categoria como resultante da explorao do trabalho
pelo capital no modo de produo capitalista, por isso, a importncia em abordar a
relao da categoria trabalho com o conceito de Questo Social predominantemente
assumido pela categoria profissional. Constata-se que para desvendar a Questo
Social como fruto da desigualdade produzida no modo de produo capitalista
preciso entender primeiramente o trabalho como categoria ontolgica do ser social,
como atividade que possibilita aos homens se diferenciar dos outros seres vivos.
Compreender o trabalho como atividade atravs da qual o homem se liberta e se
pe em posio ativa diante da natureza fundamental para compreender os
processos de alienao decorrentes da propriedade privada dos meios de produo
que permite o controle do processo produtivo por uma classe social e a submisso
19
do trabalho a produo de mais valia atravs da explorao da fora de trabalho que
a gnese da Questo Social.
A proposta bsica da ABEPSS para a formao em Servio Social indica a
Questo Social como eixo articulador das disciplinas que compem os ncleos de
fundamentao da formao. No entanto, existem desafios e possibilidades no
ensino da Questo Social como eixo articulador dos currculos. Dentre os desafios
esto a precarizao do trabalho docente que condiciona a realizao de reunies
de trabalho com fins pedaggicos, a heterogeneidade na apreenso da Questo
Social entre os docentes e a dificuldade de ministrar o ensino da prtica de modo
transversal. J dentre as possibilidades destaca-se a organizao coletiva tanto em
nvel nacional como no interior das universidades com a finalidade de lutar por
melhores condies de trabalho e garantir a qualidade do ensino atravs da
conquista de tempo para reunies pedaggicas em que sejam avaliadas, por
exemplo, a carga de leitura que est sendo repassada para os estudantes, para
problematizar se o excessivo nmero de textos est gerando aprendizagem em
profundidade, ou alienao e sofrimento, processo que nos termos de Freire e Shor
(1986), so entraves para o processo de ensino e afastam os estudantes do
exerccio do protagonismo no processo de aprendizagem que quando ocorre dessa
forma reproduz a lgica na qual o estudante centra mais na nota e na busca do
diploma como um meio para insero no mercado de trabalho. A produo de
pesquisas, artigos e livros que abordem a articulao das competncias
profissionais durante o trabalho profissional tambm se constitui como uma
possibilidade para qualificar o ensino da Questo Social no que concerne a relao
terico-prtica.
relevante problematizar que o Servio Social, por ser uma profisso com
um direcionamento poltico claramente vinculado a um projeto societrio
contracorrente requer um processo de formao no qual o ensino fomente o esprito
crtico nos estudantes, eles precisam ser instigados a falar, a discordar, enfim os
estudantes precisam ser sujeitos do processo de ensino, pois isso um exerccio
que contribuir com o desenvolvimento de atitudes necessrias ao exerccio
profissional. muito comum aos assistentes sociais que atuam em convergncia
com o projeto tico poltico ter que se posicionar em seus campos de trabalho
buscando convencer seus colegas, por exemplo, de que os usurios podem
20
participar de reunies de planejamento do processo de trabalho da instituio, de
que isso no vai bagunar a reunio porque eles no sabem nada, mas sim
favorecer a parceria entre profissionais e usurios na luta pela ampliao dos
recursos disponibilizados para a poltica operacionalizada na instituio. O
desenvolvimento dessas atitudes deve perpassar o processo de ensino da Questo
Social e podem ser realizadas atravs de atividades simples como o planejamento
dos planos de ensino com a participao coletiva dos alunos e dos professores
otimizando leituras, articulando atividades conjuntas, afinando o entendimento em
relao a temas chaves para a categoria profissional como trabalho, Questo Social,
cidadania, dentre outros. No entanto, esse processo requer tempo e disposio dos
atores envolvidos o que geralmente dificultado pelo fato de muitos professores se
dedicarem a atividades burocrticas e de gesto e, tambm, porque os estudantes
vivem atribulados com atividades relacionadas a bolsas, disciplinas, dentre outras.
Portanto, a precarizao do trabalho expresso em mltiplas tarefas, s vezes,
desconectadas, um dos principais fatores que condicionam o desenvolvimento de
estratgias metodolgicas coordenadas de ensino da Questo Social.
Atualmente, a Questo Social como objeto de trabalho dos assistentes sociais
legitimada em todos os documentos que regem o exerccio profissional. A lei n
8662/93 de regulamentao da profisso, as diretrizes curriculares de 1996, assim
como o Cdigo de tica de 1993, apontam a Questo Social e suas manifestaes
como a matria sobre a qual incide a ao profissional. O processo que conduziu a
categoria profissional a legitimar a Questo Social e suas expresses como objeto
de trabalho ocorreu na esteira de movimentos mais amplos da sociedade brasileira,
no perodo da redemocratizao que culminou com a elaborao da Constituio
Federal Brasileira de 1988. Para os assistentes sociais, as discusses delinearam
uma redefinio na direo social da profisso que iniciou com a Reforma Curricular
de 1982, em que se consolidou a aliana do Servio Social com a classe
trabalhadora, tendncia que se confirmou no Cdigo de tica de 1996 e,
posteriormente, foi reafirmada no Cdigo de 1993 e na Reforma Curricular de 1996
(ABEPSS, 1996).
As diretrizes curriculares de 1996 tomam a Questo Social como elemento
estruturador da formao profissional em Servio Social. Os ncleos de
fundamentos terico-metodolgicos da vida social, fundamentos da formao scio-
21
histrica da sociedade brasileira e fundamentos do trabalho profissional, se articulam
com a finalidade de subsidiar os estudantes atravs das competncias terico-
metodolgica, tico-poltica e tcnico-operativa para apreenso das particularidades
da Questo Social durante a interveno profissional (ABEPSS, 1996).
No entanto, durante a pesquisa de mestrado2, foi constatado que os
assistentes sociais pesquisados faziam uso da dimenso terico-metodolgica de
modo frgil e inconsistente. Isso ficou evidente na heterogeneidade de concepes
acerca da Questo Social, na dificuldade de compreend-la a partir de sua gnese
comum (conflito capital-trabalho) e de sua dimenso contraditria (desigualdade-
resistncia) e no entendimento reducionista economicista da Questo Social, j que
esta foi reduzida pobreza, impossibilitando a apreenso do objeto profissional em
sua totalidade.
Atravs desse estudo, foi possvel verificar que os profissionais pesquisados
recorriam s tcnicas de interveno de modo fragmentado da teoria e se
apropriavam do objeto institucional como se ele fosse o prprio objeto profissional.
Alm disso, reduziam o instrumental de trabalho aos instrumentos utilizados em
suas intervenes.
Identificou-se que as fragilidades tericas na apreenso da Questo Social
repercutiam na qualidade dos processos interventivos e constatou-se que essas
fragilidades poderiam estar relacionadas aos referenciais tericos utilizados e ao
modo como as discusses tericas so estabelecidas no espao de formao
profissional. Quando os contedos abordados divergem da proposta bsica da
ABEPSS, gerado um descompasso entre a prtica docente e o projeto de
formao, que no fragmenta histria, teoria e mtodo.
Outro estudo realizado em 20063 identificou desafios no processo de
implantao das diretrizes curriculares propostas pela ABEPSS. Dentre os
obstculos, destaca-se a heterogeneidade no que se refere ao ensino da Questo
Social. Tal diversidade evidencia-se na diversidade posicionamentos dos docentes
2 FERREIRA, Jos Wesley. Questo Social: apreenso e interveno no trabalho dos assistentes
sociais. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Programa de Ps-Graduao em Servio Social, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2008. 3 Pesquisa realizada pela ABEPSS em 2006, sobre a implementao das diretrizes curriculares pelas
Unidades Formadoras de assistentes sociais, aps dez anos de sua elaborao pelo conjunto da categoria profissional em 1996.
22
quanto a matria Questo Social, na dificuldade em apreender a Questo Social
como decorrente da explorao do trabalho no modo de produo capitalista e na
utilizao de autores com posies divergentes da recomendada pela ABEPSS para
conceituar a Questo Social. Portanto, esse processo desencadeado na formao
favorece a fragilidade terica dos assistentes sociais para a compreenso da
Questo Social.
Em relao ao ensino da prtica, a pesquisa supracitada evidenciou que ele
est atrelado predominantemente a disciplina de estgio e as disciplinas que
compem o ncleo de fundamentao do trabalho profissional. Esse processo aliado
heterogeneidade no ensino da Questo Social favorece a dicotomizao das
competncias terico-metodolgicas e tcnico-operativas o que gera srias
divergncias entre a formao profissional e a concepo terica que, a priori, deve
subsidi-la que tem com uma de suas leis a unidade entre teoria e prtica.
Segundo Faermann (2014), as diretrizes para o curso de Servio Social no
inovaram nas propostas concernentes ao ensino da prtica, principalmente no que
se refere s tcnicas e instrumentos de trabalho, pois as diretrizes apenas indicam a
necessidade de subsidiar os estudantes em relao ao uso de tcnicas e
instrumentos para atender as demandas do mercado e dos usurios, mas no
explicitam detalhadamente como articular o ensino da competncia tcnico-operativa
com as competncias terico-metodolgica e tico-poltica.
Constata-se que a fragilidade terica na apreenso da Questo Social e a
escassez de produo sobre a operacionalizao de tcnicas e instrumentos de
trabalho com fins de intervir nas mltiplas determinaes da contradio capital-
trabalho esto intimamente articuladas. Esse nexo causal entre fragilidade terica e
as dificuldades no manejo de tcnicas e instrumentos fica evidente no fato de que o
ensino da prtica, por exemplo, mais problematizado no estgio. At o momento
do estgio predominam discusses que possibilitam a apreenso conceitual da
Questo Social sem oferecer muitas pistas que iluminam o entendimento de como
ela se constitui como objeto de interveno profissional. Isso demonstra que existe
uma lacuna entre a concepo terica da Questo Social e o seu entendimento
como objeto que ser transformado a partir da ao teleolgica mediada pelo uso de
23
instrumentos e tcnicas4. Portanto, durante a graduao preciso aprofundar a
compreenso terica do objeto profissional problematizando situaes em que
assistentes sociais se deparam com expresses da Questo Social e lanam mo
de instrumentos e tcnicas para intervir na realidade.
As diretrizes preconizam que o ensino da prtica seja transversal,
perpassando todas as disciplinas dos currculos. Em contrapartida essa
recomendao da ABEPSS encontra obstculos na prpria produo terica do
Servio Social que desde o movimento de reconceituao tem se centrado mais nas
competncias terico-metodolgicas e tico-polticas. Segundo Faermann (2014),
diversos autores5 reconhecem os avanos referentes produo terica calcada na
tradio marxista desde os anos 1980, mas advertem para a necessidade de
investimento em pesquisas e produes para subsidiar o entendimento das
competncias tcnico-operativas da profisso. importante ressaltar que essas
produes no devem tratar a competncia tcnico-operativa de modo dissociado da
teoria e da intencionalidade profissional, portanto, preciso aprofundar o
entendimento do manejo de instrumentos e tcnicas de modo articulado com os
fundamentos tericos que orientam a leitura de realidade e a direo social
assumida pela categoria.
O movimento de reconceituao foi pautado em discusses tericas que
explicavam como os fatores econmicos, polticos e culturais impactam na profisso.
Portanto, o movimento centrou-se nos aspectos exgenos ao Servio Social e nesse
processo as discusses privilegiaram as competncias terico-metodolgicas e tico
polticas em detrimento da problematizao de tcnicas e instrumentos de trabalho.
A carncia de problematizao das competncias tcnico-operativas desafia os
docentes no processo de ensino da Questo Social, pois no basta identificar a
Questo Social na realidade porque aos assistentes sociais demandada a
interveno.
O curso de Servio Social da Universidade Federal do Pampa tem como base
curricular a proposta de Diretrizes Curriculares proposta pela ABEPSS em razo
disso toma Questo Social como eixo central da formao profissional. Ele o
5 Guerra (2011-2012), Santos (2006, 2011, 2012), Sarmento (2010-2012), Mioto e Lima (2009),
Baptista (2009), Battini (2009), Silva (2009), Prates (2003-2009), e Vasconcelos (2012).
24
primeiro curso instalado em uma Instituio Federal de Ensino Superior Pblico no
Rio Grande do sul.
Da a relevncia social desse estudo que problematizou o ensino da Questo
Social no processo de formao em Servio Social na UNIPAMPA6. Identifica-se que
os resultados dessa pesquisa que analisou como vem se dando o ensino da
Questo Social na UNIPAMPA, subsidiaro aes potentes no sentido de
aprimoramento da formao profissional nesta e em outras Universidades,
fortalecendo sua materializao em convergncia com a proposta bsica da
ABEPSS. Ou seja, o estudo importante para a sociedade porque contribui com a
melhoria da formao dos assistentes sociais que atendem a populao nos mais
variados espaos sciocupacionais.
Para a categoria profissional o estudo importante medida que seus
resultados favorecem o alinhamento da formao profissional com os pressupostos
e princpios recomendados pela ABEPSS e consequentemente com a direo social
hegemnica do projeto profissional construdo pela categoria na dcada de 1990.
Durante a experincia profissional e docente do pesquisador7, foi possvel
observar que a maioria dos professores estava submetida a uma sobrecarga de
atividades acadmicas e que isso repercutia na dificuldade de articular os contedos
das disciplinas em consonncia com os ncleos de fundamentao da formao,
resultado em uma heterogeneidade de concepes tericas acerca da Questo
Social e em uma fragmentao dos contedos e disciplinas, o que no favorecia a
discusso e execuo do currculo numa perspectiva de totalidade, como preconiza
a proposta bsica para o projeto de formao em Servio Social da ABEPSS
Na experincia durante a residncia multiprofissional em sade da famlia e
comunidade ocorreram situaes desafiadoras quando a possibilidade de mediar a
teoria e a prtica. Foram vivenciadas algumas contradies postas ao exerccio
profissional dos assistentes sociais, que incluem desde a falta de clareza a respeito
6 Esta pesquisa foi realizada como projeto piloto. Posteriormente ela ser desenvolvida em outras
Universidades. 7 Trabalhou como docente na Faculdade do Sul da Bahia de Fevereiro a agosto de 2008, na
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul de maro de 2011 a janeiro de 2013 e na Universidade Federal do Pampa desde janeiro de 2013. Tambm foi residente em sade da famlia e comunidade no Programa de Residncia Multidisciplinar do Grupo Hospitalar Conceio de fevereiro de 2009 a janeiro de 2011.
25
do objeto de interveno do Servio Social at a dissociao entre os princpios do
projeto profissional e as demandas apresentadas a esses trabalhadores pelo
mercado de trabalho.
Constatou-se que o assistente social visto pela equipe como o profissional
que sabe encaminhar, ou seja, na maioria das situaes em que os outros
profissionais marcam atendimentos de usurios com o assistente social com o
intuito de que haja encaminhamento para acesso a medicao, para aposentadoria,
para atendimento de fisioterapia, dentre outros. Identifica-se que o encaminhamento
faz parte do trabalho do assistente social, mas a interveno no pode ficar restrita a
esse procedimento. Entre outras atribuies dadas ao assistente social destaca-se a
marcao de transporte social, a solicitao de camas hospitalares, a entrega de
fraldas e vales transporte. Nos atendimentos com a equipe multidisciplinar durante a
residncia, no foi raro situaes em que profissionais de outras reas sugeriram ao
assistente social que se responsabilizasse por conseguir creches a crianas ou pela
incluso de usurios no Programa Bolsa Famlia - PBF, reduzindo a interveno
profissional a esses procedimentos. Quando isso ocorria era quase intil explicar
que o trabalho do Servio Social no se resume a tais aes e que podemos fazer
outros tipos de intervenes, pois, predominantemente, os profissionais no
estavam interessados em saber e pensavam que as atribuies do assistente social
estavam dadas. Mesmo assim identificou-se que possvel mostrar atravs da ao
profissional que o Servio Social pode fazer mais, que temos conhecimento para
intervir em diversas situaes que expressam a Questo Social, no intuito de
fortalecer a autonomia dos usurios para que eles rompam com os processos de
alienao e assujeitamento em suas vidas. Ou seja, ao solicitar uma cama hospitalar
ou o transporte social os profissionais podem se vincular aos usurios e a partir
disso intervir em outras situaes que so resultados da Questo Social em suas
vidas. Por isso, durante a residncia reforou-se o entendimento de que preciso
re-elaborar a demanda, utilizando essas situaes para propiciarmos reflexes
crticas acerca da realidade social, a fim de que os usurios possam se tornar mais
autnomos na conduo de suas vidas.
. Atualmente, o proponente deste projeto docente do curso de Servio Social
da UNIPAMPA que est em processo de reformulao do Projeto Poltico
Pedaggico, mas as discusses esto ocorrendo lentamente, visto que apesar de
26
ser uma universidade pblica, os docentes acumulam uma srie de atividades, o que
dificulta a discusso em torno de aspectos pedaggicos da formao. Nas reunies
de equipe predominam discusses de cunho administrativo e logstico. Portanto, o
presente estudo tambm relevante para a instituio na qual ele foi realizado,
porque tanto seus resultados, como seu processo de construo contribuiram com
subsdios para a reformulao do atual Projeto Poltico Pedaggico.
O estudo justificou-se por ser relevante para a sociedade, para a categoria
profissional e para a instituio em que ser realizado. Para a sociedade
importante contar com um curso de graduao pblico e de qualidade; para a
categoria interessante que as Universidades problematizem e busquem
alternativas concretas de padronizar a formao que generalista, e, por isso,
independentemente das peculiaridades regionais e de posicionamentos tericos e
polticos de profissionais e universidades isoladas, devem ser graduados assistentes
sociais com posicionamentos polticos e concepes tericas convergentes com a
direo social assumida hegemonicamente pela categoria. J para a UNIPAMPA, o
estudo importante medida que sua elaborao e seus resultados favorecem a
melhoria do ensino da Questo Social e trazem subsdios para a reformulao do
Projeto Poltico Pedaggico.
Enfim, alguns pontos que at agora foram destacados so discutidos neste
estudo, que composto por seis captulos. O primeiro apresenta a contextualizao
do estudo e as questes introdutrias, o segundo trata da relao do trabalho com a
questo social, da centralidade da questo social na formao em servio social e
da educao a partir do materialismo histrico e dialtico. O terceiro aborda os
fundamentos tericos utilizados pelos docentes da UNIPAMPA para apreender e
ensinar a questo social, o quarto discorre sobre as estratgias e instrumentos
utilizados pelos docentes no processo de ensino do objeto profissional e o quinto
aborda o ensino da questo social a partir da relao terico-prtica. Para finalizar,
no sexto captulo, apresentada a tese e algumas proposies para superar os
desafios ao ensino da questo social na formao em servio social.
27
2 O ENSINO DA QUESTO SOCIAL NA FORMAO EM SERVIO SOCIAL
O presente captulo versa sobre a Questo Social, a formao em Servio
Social e aborda a educao na perspectiva marxista. A Questo Social decorrente
da alienao do trabalho no modo de produo capitalista que produz contradio
na relao capital-trabalho, desigualdades e resistncias. A formao em Servio
Social, conforme as diretrizes da ABEPSS tm a Questo Social como eixo
articulador central, por isso, sua problematizao deve perpassar todos os
componentes curriculares com fins de garantir uma formao generalista que
possibilite a apreenso do objeto profissional em suas dimenses universal, singular
e particular. O ensino da Questo Social deve ser orientado pelo materialismo
histrico e dialtico que subsidia a crtica aos processos sociais que contribuem para
que a educao seja utilizada como instrumento para reproduzir a ideologia
dominante. Tal concepo terica concebe que os processos educativos
revolucionrios so aqueles que favoream os processos de contra-internalizao
dessa ideologia, contribuindo com a transformao social.
2.1 Questo Social, trabalho e formao em Servio Social
O trabalho e a Questo Social so eixos articuladores que perpassam os
ncleos de fundamentao da formao profissional em Servio Social. Estes so
desdobrados em disciplinas que, articuladas, devem proporcionar o desenvolvimento
das competncias terico-metodolgicas, tico-polticas e tcnico-operativas,
indispensveis para um fazer profissional qualificado e comprometido com a direo
social assumida hegemonicamente pelo Servio Social (ABEPSS, 1996).
Nas diretrizes curriculares o trabalho compreendido a partir do vetor terico
marxiano que o concebe como atividade vital oriunda do dispndio de energia fsica
e mental, que visa produo de bens e servios, contribuindo para a reproduo
da vida humana e societal. um processo no qual participam o homem e o meio
fsico, em que o ser social controla e regula seu intercmbio com a natureza,
28
atuando sobre ela, transformando-a e modificando a si prprio (MARX; ENGELS,
1989).
O homem movimenta as foras naturais de seu corpo com o intuito de
apoderar-se dos recursos da natureza, criando produtos teis humanidade. Alm
de provocar transformaes sobre a natureza externa, o ser social modifica a sua
prpria natureza, descobrindo e desenvolvendo o seu potencial humano. Portanto, o
trabalho a relao dos homens com a natureza e entre si, na produo das
condies necessrias a sua existncia (MARX; ENGELS, 1989).
Sob a perspectiva marxiana, o homem objetiva-se atravs da produo e
reproduo da vida material e humana, algo que se efetiva pelo trabalho. atravs
dessa atividade que o indivduo se torna um ser social, diferenciando-se dos demais
seres no humanos. Portanto, o trabalho ontolgico por ser fundante do ser social.
Atravs do trabalho, o homem constri sua autodeterminao, dando origem
sociabilidade, conscincia, universalidade e liberdade dos seres humanos
em face aos outros seres da natureza. Dessa forma, o trabalho socializa o homem e
possibilita que este desenvolva outras habilidades como a linguagem, visto que essa
atividade no uma ao isolada, e sim social, produzida nas relaes humanas
(MARX; ENGELS, 1989).
No movimento relacional entre a natureza e o homem, este se humaniza e se
constri como ser genrico social. O trabalho permite ao homem o domnio sobre a
natureza, pois, alm de modific-la atravs da atividade direcionada a um fim, o
homem transforma os objetos nela existentes em outros produtos com utilidade
social (MARX; ENGELS, 1989). Atravs do trabalho, o homem no transforma
apenas os recursos naturais do meio fsico, mas as suas potencialidades, que fazem
parte de sua natureza humana, desenvolvendo a sua sociabilizao e a sua
humanizao, que, tambm, so de extrema utilidade social, j que permitem a vida
em sociedade.
Nesse processo, em que h transformao tanto dos homens como da
natureza, o trabalho considerado um elemento desencadeador de modificaes
objetivas e subjetivas. Ele determina a autoconscincia e a autodeterminao,
denota a capacidade racional libertadora do homem em tomar decises, superar
29
limites, concretizando suas escolhas nos produtos de seu trabalho (MARX;
ENGELS, 1989).
O trabalho produz objetos que no esto dados na natureza, mas so frutos
da ao humana que utiliza propriedades do meio fsico, como ocorreu no momento
histrico em que o homem descobriu o fogo atravs do intercmbio com
propriedades que estavam presentes na natureza. Ao modificar o meio fsico,
utilizando seus recursos para produzir fogo, o homem tambm se modificou, pois
pde cozinhar seus alimentos e concretizar uma srie de outras finalidades, por
exemplo, espantar animais predadores (BARROCO, 2001). Nessas transformaes,
so produzidos valores que no existem nos objetos em si, pois as propriedades da
natureza que possibilitaram a produo do fogo no tinham o mesmo valor antes de
transformadas em fogo atravs da atividade humana. O homem, alm de objetos,
produz relaes, se autoproduz e cria novas formas de sociabilidade.
Quando o homem cria um produto atravs do trabalho, ele se reconhece no
produto, pois este previamente imaginado em sua mente antes de ser
transformado. Por isso, o trabalho uma atividade direcionada, atravs da qual o
homem objetiva a sua intencionalidade e cria objetos com valores de uso para
satisfazer as suas necessidades e as dos demais:
[...] o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha que ele figura na mente sua construo antes de transform-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador. Ele no transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar a sua vontade (MARX; ENGELS, 1989, p. 202).
Dessa forma, a projeo antecipada o diferencial do trabalho humano, que
uma ao pela qual o homem se autoconstitui e se torna livre para colocar a
natureza sua disposio. Enfim, o trabalho que o ser humano produz teleolgico,
j que sua ao feita com conscincia e possui uma finalidade.
Todo trabalho , de um lado, dispndio de fora humana de trabalho, no
sentido fisiolgico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato,
30
cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, dispndio de
fora humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e,
nessa qualidade de trabalho til e concreto, produz valores de uso (MARX;
ENGELS, 1989, p. 54).
O trabalho possui duplo sentido, podendo ser concreto (work) e abstrato
(labour). Na dimenso concreta, o trabalho genrico-social, j que uma atividade
que produz valores de uso, capaz de satisfazer s necessidades humanas. A
dimenso abstrata do trabalho est voltada para a realizao das atividades
alienadas, esvaziadas de significado humano e social (MARX; ENGELS, 1989).
O trabalho produz coisas reconhecidamente teis e necessrias, transforma o
homem em ser social, proporcionando o seu autodesenvolvimento. Contudo, no
modo de produo capitalista, o trabalho humano reduzido produo de
mercadorias e valorizao do capital, adquirindo, portanto, um carter ambivalente
Na sociedade capitalista, a posse privada dos meios de produo
impossibilita que o trabalho se materialize como uma atividade emancipadora, e os
trabalhadores ficam alienados do objeto que eles mesmos criam, da relao, da
atividade consigo mesmo e com os outros. A partir do instante em que o trabalhador
afastado dos meios de produo e, conseqentemente, do planejamento e do
resultado de seu trabalho, essa ciso provoca uma relao de estranhamento que
no permite que a riqueza produzida socialmente seja apropriada pelos seus
produtores. O prprio indivduo transforma-se em objeto, e os objetos passam a
valer como coisas (MARX, 2004).
Segundo Marx (2004), so vrios os nveis de alienao que ocorrem durante
os processos de trabalho, a do trabalhador em relao a si mesmo, com o produto
do seu trabalho, assim como, em relao com os demais trabalhadores. A alienao
do trabalhador, em relao ao produto, ocorre quando ele no tem alcance ao que
ele mesmo produz e no se identifica no que faz. A alienao do trabalhador, em
relao ao processo de produo, acontece quando o trabalhador no determina o
que e como fazer; j a do trabalhador, em relao a si prprio, ocorre quando o
trabalho se torna algo penoso, no possibilitando a realizao pessoal; a alienao
do trabalhador com os demais trabalhadores ocorre quando os vnculos de
cooperao e solidariedade so substitudos pela competitividade.
31
Marx (2004) afirma que quanto mais o trabalhador produz, menos ele vale,
pois h uma supervalorizao do mundo das coisas e uma depreciao do mundo
dos homens, estabelecendo-se uma relao reificada/coisificada entre os seres
sociais, j que o vnculo social entre os homens se transforma em uma relao
social entre as coisas. O trabalho produz mercadorias e faz do trabalhador uma
mercadoria, o objeto que ele cria lhe aparece como um poder estranho, pois o
produto adquire vida autnoma do produtor. O autor, assim, define o processo de
alienao:
[...] o trabalhador se relaciona com o produto do seu trabalho como a um objeto estranho. Com base nesse pressuposto, claro que quanto mais o trabalhador se esgota a si mesmo, mais poderoso se torna o mundo dos objetos, que ele cria diante de si, mais pobre ele fica na sua vida interior, menos pertence a si prprio [...] A alienao do trabalhador no seu produto significa no s que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existncia externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autnomo em oposio a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma fora hostil e antagnica (MARX, 2004, p.112).
Desse modo, o produto do trabalho materializado no objeto, transformado
em uma coisa fsica que adquire independncia em relao ao trabalhador, processo
que denominado como a alienao do trabalho. Na sociedade capitalista, o
trabalho aparece como algo estranho ao trabalhador, pois o produto do seu trabalho
algo que no lhe pertence e apropriado pelos capitalistas que so os
proprietrios dos meios de produo e controlam o sistema produtivo.
O trabalho alienado possui vrias implicaes, aliena a natureza do homem e
aliena o homem de si mesmo, de sua posio ativa, de sua atividade vital, de seu
prprio corpo e de sua vida espiritual. Devido alienao do trabalho, o ser humano
aliena-se do seu produto de trabalho e de outros seres humanos. Ou seja, o homem
est alienado da sua vida genrica e de outros homens que tambm esto alienados
da vida humana, ocorrendo o predomnio da concorrncia sobre a cooperao, do
individual sobre o coletivo (MARX, 2004).
No capitalismo, a liberdade de escolha dos trabalhadores restrita, pois eles
ficam impossibilitados de pensar no seu processo de trabalho, assim como de
apropriar-se dos frutos do mesmo. O trabalho a condio de subsistncia dos
32
trabalhadores e, nessa tica, os mesmos trabalham para sobreviver e sobrevivem
para trabalhar. Esse processo ocorre porque o capitalista paga ao trabalhador um
salrio que equivale ao montante necessrio para sua subsistncia, isto , o
capitalista paga o necessrio para reproduzir a classe trabalhadora, o salrio um
custo necessrio para a manuteno da fora de trabalho. Ao receberem uma
remunerao que lhes confere somente o necessrio subsistncia, os
trabalhadores deixam de viver como seres humanos livres, vivendo somente para o
trabalho. As condies impostas pela sociedade capitalista classe trabalhadora
fazem com que a mesma se reproduza de gerao para gerao, mantendo as
condies para produo e reproduo da ordem social capitalista.
Nos dois sentidos, portanto, o trabalhador torna-se servo do objeto; em primeiro lugar, pelo fato de receber um objeto de trabalho, isto , de receber trabalho; em seguida, pelo fato de receber meios de subsistncia. Desse modo, o objeto capacita-o para existir, primeiramente como trabalhador, em seguida, como sujeito fsico. A culminao de tal servido que ele s pode manter-se enquanto sujeito fsico enquanto trabalhador e s trabalhador enquanto sujeito fsico. (MARX, 2004, p. 160).
Na sociedade capitalista, o trabalho no pertence ao trabalhador e sim ao
burgus, que se apropria dos frutos do trabalho. Nesse contexto, o trabalhador
reduzido a mais um elemento componente do processo produtivo. A criao de
riqueza se d pela explorao do trabalhador, o trabalho humano se torna uma
mercadoria, ocorrendo um movimento de alienao que tem origem na separao
entre os trabalhadores e os produtos por eles realizados, o que decorrente da
posse privada dos meios de produo pelos capitalistas.
A contradio posta no capitalismo ntida, quanto mais as tecnologias ficam
potentes, mais frgeis se tornam as condies de trabalho e de vida dos
trabalhadores. Quanto mais eles produzem, maior a sua pobreza e a sua
vulnerabilidade, pois no tm acesso abundncia produzida pelo seu trabalho. Por
outro lado, os donos dos meios de produo ficam cada vez mais poderosos, j que
no socializam a riqueza produzida socialmente pela classe trabalhadora.
Claro, o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz a privao para os trabalhadores. Produz palcios, mas casebres para o trabalhador.
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Produz beleza, mas deformidade para o trabalhador. Substitui o trabalho por mquinas, mas lana uma parte dos trabalhadores para um trabalho brbaro e transforma os outros em mquinas. Produz inteligncia, mas tambm produz estupidez e o cretinismo para os trabalhadores (MARX, 2004, p. 161).
Dessa forma, a explorao do trabalho pelo capital produz a desigualdade
social, o que origina a Questo Social. Esta se distingue de outras demandas sociais
precedentes ordem burguesa, justamente pelo fato de que na sociedade
capitalista, na mesma proporo em que se produz riqueza, se produz o pauperismo
da classe trabalhadora (NETTO, 2001). A presso dos trabalhadores faz o
contraponto as resistncias. A classe trabalhadora organizada, pressionando,
obriga o Estado a assumir as demandas dessa classe como expresses Questo
Social.
Portanto no se pode conceber a Questo Social de modo fragmentado do
trabalho, pois a explorao do trabalho no modo de produo capitalista um
fenmeno que antecede e determina o surgimento a Questo Social. Por isso,
trabalho e Questo Social so categorias transversais na formao em Servio
Social e perpassam os contedos da totalidade das disciplinas, pois a compreenso
da Questo Social exige o reconhecimento do trabalho em sua dimenso
contraditria, por isso, as categorias trabalho e Questo Social so centrais nas
novas diretrizes curriculares. Desse modo, contedos como trabalho do assistente
social e a pobreza no Brasil, por exemplo, devem ser ensinados de modo articulado
com os conceitos universais de Questo Social e de trabalho adotados pela
categoria profissional e expressos na proposta do novo currculo.
Os assistentes sociais defrontam-se, cotidianamente, com as mais variadas
manifestaes da Questo Social, como a violncia, a pobreza, o desemprego, a
falta de acesso sade, educao, ao trabalho, habitao, etc. A apreenso de
situaes singulares como expresses do conflito entre capital e trabalho demarca a
particularidade do Servio Social nos espaos scio-ocupacionais. Os assistentes
sociais buscam o conhecimento de como os processos decorrentes da estrutura
econmica da sociedade produzem a Questo Social e como se interpenetram e se
manifestam, por exemplo, na vida dos idosos com direitos violados, dos moradores
de ruas, das mulheres vtimas de violncia, e em outras situaes limites que se
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apresentam aos assistentes sociais, bem como as manifestaes dos sujeitos para
enfrent-las.
A Questo Social emergiu do pauperismo da classe trabalhadora na Europa
Ocidental, no perodo do surgimento da industrializao. As lutas dos trabalhadores
obrigaram o Estado a assumir a responsabilidade pela mediao do conflito de
classes (NETTO, 2001). A revolta dos trabalhadores deu visibilidade para as suas
condies de vida, que eram precrias, e contribuiu para que elas fossem
reconhecidas como expresses da Questo Social. Se a populao ficasse
resignada frente s situaes de excluso impostas pelo sistema, no ocorreria a
incorporao do pauperismo da classe trabalhadora na agenda pblica. Para
Iamamoto (2001), um problema social torna-se efetivamente Questo Social quando
e assumido politicamente; as presses da classe trabalhadora organizada foram a
sociedade a introduzir os dilemas dessa classe na pauta de atuao dos rgos
pblicos.
No entanto, essas incorporaes intervm nas expresses da Questo Social,
e no na Questo Social propriamente dita. Para intervir sobre a Questo Social, de
fato, seria necessrio modificar a estrutura econmica da sociedade, modificando a
ordem social capitalista. Cabe ressaltar, aqui, a importncia das pequenas vitrias
do trabalho sobre o capital, e dos momentos histricos em que ocorre o
reconhecimento das demandas da classe trabalhadora como demanda pblica, pois,
no movimento de avanos e recuos, a classe trabalhadora adquire conscincia de
classe. Para transformar a realidade, as pequenas conquistas no podem ser
ignoradas, pois e no processo de luta organizada que a classe trabalhadora
reformula suas estratgias de enfrentamento, fortalecendo sua resistncia diante da
sociedade do capital, amadurecendo politicamente como classe social homognea.
O texto a seguir e ilustrativo:
[...] as revolues proletrias como as do sculo dezenove, se criticam constantemente a si prprias, interrompem continuamente seu curso, voltam ao que parecia resolvido para recomea-lo outra vez, escarnecem com impiedosa conscincia as deficincias, fraquezas e misrias de seus primeiros esforos, parecem derrubar seu adversrio apenas para que este possa retirar da terra novas foras e erguer-se novamente, agigantando, diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus prprios objetivos at que se cria uma situao que torna impossvel
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qualquer retrocesso e na qual as prprias condies gritam (MARX, 1978, p. 21).
A conscincia de classe adquirida em um processo de lutas concretas em
que as manifestaes, inicialmente limitadas s situaes especificas, expandem-se
com base em uma identidade de interesses, at chegar a um patamar em que a
classe trabalhadora identifica a existncia de anseios comuns a todos os
trabalhadores (BOTTOMORE, 2001). Nesses movimentos progressivos e
regressivos, a classe trabalhadora rev suas estratgias de luta, adquire maturidade
politica at criar um instrumento adequado, sob a forma de partido poltico
(BOTTOMORE, 2001, p. 77). Nesse cenrio de confronto entre trabalhadores e
burgueses, a Questo Social inserida na agenda estatal como uma questo
pblica a ser resolvida, pois, caso contrrio, a classe hegemnica (burguesia), no
aceitaria ceder.
Contudo, a supresso da Questo Social s possvel com a extino da
sociedade capitalista (NETTO, 2001). Sendo assim, quando o Estado incorpora a
demanda da classe trabalhadora ocorre uma interveno no efeito, mas no na
origem do problema, pois a explorao do trabalho pelo capital a raiz da Questo
Social e, para transformar essa realidade, e preciso modificar o sistema que a
origina.
A Questo Social manifesta a relao dialtica entre a estrutura e a ao em
que os sujeitos se organizam politicamente, transformando as necessidades sociais
em questes, com vistas a incorpor-las na agenda pblica. necessrio
problematizar sobre as peculiaridades da Questo Social na contemporaneidade,
como a fragilizao da classe trabalhadora, em um contexto no qual a luta de
classes e ocultada pela classe dominante e, por isso, no esta em debate
(PEREIRA, 2001).
A classe trabalhadora encontra-se estratificada, dividida entre trabalhadores
qualificados, inseridos nas relaes de trabalho formal e os desqualificados que
realizam trabalhos precrios. Essa fragmentao da classe trabalhadora
(trabalhadores do setor formal-informal, qualificados-desqualificados, estveis-
precrios, etc.) impe dificuldades organizao coletiva. Nesse contexto em que o
poder de presso da classe trabalhadora esta vulnerabilizado, o Estado no
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incorpora a Questo Social na agenda pblica. Dessa forma, ocorre uma
despolitizao no trato da Questo Social, pois o pauperismo da populao
trabalhadora deixa de ser visualizado como uma expresso do conflito de classes
pela sociedade civil, e as instituies que atuam com o social tratam as expresses
da Questo Social desarticuladas de sua origem, ou seja, da relao capital-
trabalho.
No entanto, hegemonicamente a categoria profissional dos assistentes sociais
reconhece o pauperismo de seus usurios como um desdobramento da
desigualdade social oriunda da relao de explorao imposta pela estrutura
econmica da sociedade. Sendo assim, tais profissionais devem buscar a politizao
no enfrentamento das situaes que se apresentam durante o desenvolvimento do
seu trabalho, contribuindo ou estimulando os usurios, assim como seus colegas,
conscientizao8 quanto origem dos processos sociais que culminam na excluso
da populao que alvo dos servios institucionais.
As abordagens da mdia relacionadas s demandas sociais, como a fome, o
desemprego, o trabalho infantil e outras situaes que denotam as fraturas postas
no cotidiano da sociedade brasileira, jamais enfocam tais situaes limites como
sendo decorrentes da relao capital-trabalho. Nas instituies em que trabalham os
assistentes sociais essa compreenso fragmentada da Questo Social e
reproduzida, e, em decorrncia disso, as propostas organizacionais se propem a
atuar nos efeitos e no na relao geradora da demanda.
Portanto, como o Servio Social, tambm, atua nos espaos institucionais criados para atender de forma particularizada as expresses que emergem da Questo Social, estas expresses se tornam demandas que se constituem no objeto institucional que vo permear a configurao do objeto Questo Social no espao institucional a partir da relao entre a demanda institucional e a prpria Questo Social em si (TURCK, 2008, p. 09).
Na contemporaneidade, as instituies no atuam com a Questo Social, mas
sim com situaes que so expresses da mesma. As instituies no visualizam
8 A conscientizao entendida como um processo continuo de compreenso critica da realidade.
Isto , a partir da realidade existencial que se tem, passa-se a uma percepo ampliada dessa realidade; estabelecem-se relaes de causa e efeito e formulam-se juzos e criticas que direcionam a formulao de atitudes para seu enfrentamento (SOUZA, 2004, p.. 89-90).
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suas demandas como consequncia da relao capital-trabalho e no tm como
finalidade a mudana estrutural. Contrariamente, a categoria profissional dos
assistentes sociais objetiva modificao da ordem social estabelecida.
Algumas instituies intervm na vida de adolescentes, outras na vida dos
idosos com direitos violados, h instituies que trabalham com mulheres vtimas de
violncia. A proposta de interveno dos assistentes sociais supera os objetivos e a
atuao da instituio, pois tem a finalidade de causar impactos na relao capita-
trabalho, na Questo Social. Esta, como j foi dito, se constitui como o objeto de
trabalho da categoria profissional e se manifesta na vida dessa populao, que
alvo dos servios institucionais.
Sabemos que as sequelas da Questo Social permeiam a vida das classes subalternas destitudas de poder, trabalho, e informao. Sabemos tambm que em nossa pratica cotidiana a relao com o real e uma relao com a singularidade expressa nas diferentes situaes com que trabalhamos. E, ai se colocam nossos limites e nossas possibilidades. Limites de vrias ordens, mas, sobretudo limites de ordem estrutural (YAZBEK, 2001, p. 39).
Desse modo, os assistentes sociais colocam sua fora de trabalho em ao
com a inteno de contribuir para a transformao de diversas situaes singulares
que se expressam de formas distintas. No entanto, visualizam essas situaes
dentro de uma totalidade em que as relaes de produo determinam as relaes
sociais. A relao capital-trabalho manifestada nessas situaes singulares, que
so expresses da Questo Social. O objeto de trabalho dos assistentes sociais no
se resume a essas situaes fragmentadas, pois abrange a totalidade
historicamente determinada pelo modo de produo capitalista.
Os processos sociais que geram situaes singulares que manifestam a
Questo Social tem origem nas decises da burguesia, mas seus reflexos se
materializam nas condies de vida dos trabalhadores. Ou seja, quando um
capitalista decide investir em capital constante, reduzindo o nmero de
trabalhadores em sua indstria, essa deciso ocorre no centro da vida social, sendo
desencadeada pela classe que domina o modo de produo, mas seus reflexos so
visveis na periferia da vida social, no cotidiano da classe trabalhadora. Os
trabalhadores perdem seu nico meio de subsistncia, que a venda de sua fora
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de trabalho, pois no encontra lugar no mercado formal de trabalho. A classe
trabalhadora , majoritariamente, a populao alvo dos assistentes sociais, que
devem visualizar e direcionar a interveno aos processos desencadeados no centro
da vida social e no exclusivamente na periferia onde so manifestados os efeitos
da Questo Social, mas no so encontradas suas causas. Tanto o centro da vida
social como a periferia contm expresses da realidade em movimento. Por isso,
importante que os assistentes sociais faam mediaes no s na perspectiva da
gnese, onde a Questo Social produzida, mas tambm onde ela se expressa
como refrao.
O agravamento da Questo Social decorrente da reestruturao produtiva
tem gerado um expressivo aumento na procura dos servios sociais pblicos, que
esto sendo reduzidos pelas polticas neoliberais. Isso gera um cenrio de total
abandono da classe trabalhadora, que, alm de sofrer com a falta de emprego
formal, deixa de ter a proteo social por intermdio das polticas pblicas
universais, ocorrendo o exacerbamento da Questo Social e a ampliao de suas
expresses (IAMAMOTO, 2001).
Comparando ao incio do processo de desenvolvimento e consolidao do
capitalismo, a Questo Social adquire novas e mltiplas formas de expresso na
contemporaneidade. No entanto, a sua base produtora permanece sendo as
relaes estabelecidas entre os proprietrios e no proprietrios dos meios de
produo.
Mesmo existindo novas manifestaes da Questo Social, no pode ser
afirmado que h uma nova Questo Social. Para Pastorini (2004), falar de uma velha
em oposio a uma nova Questo Social no ajuda na compreenso da Questo
Social na atualidade. Embora esse fenmeno se expresse de varias formas, ele no
perdeu os traos essenciais e constitutivos de sua origem.
A Questo Social contempornea nas sociedades capitalistas mantm a caracterstica de ser uma expresso concreta das contradies e antagonismos presentes nas relaes entre as classes, e entre estas e o Estado. As relaes capital-trabalho, no entanto, no so invariveis, como tampouco o a forma de organizao do capital e do trabalho: por isso, concordamos com a ideia de que existem novidades nas manifestaes da Questo Social, o que muito diferente de afirmar que a Questo Social
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outra, j que isso pressuporia afirmar que a Questo Social anterior foi resolvida e/ou superada (PASTORINI, 2004, p. 14-15).
Logo, existem diferentes verses da Questo Social, ao longo da histria do
capitalismo, e diferentes formas de dar conta dela, como salienta Pastorini (2004). A
autora afirma que essas formas sempre contm os traos de manuteno da ordem
estabelecida que reproduzem os antagonismos e as contradies capitalistas.
A referida autora refora que a realidade precisa ser apreendida a partir de
uma perspectiva de totalidade, que est em movimento. Somente a partir de cortes
histricos, possvel entender esse movimento, mas no pensando linearmente no
passado e no futuro, no novo e no velho, mas apreender a histria a partir de uma
relao dialtica composta por continuidades e rupturas.
Pastorini (2004) critica a insistncia de alguns autores em afirmar a existncia
de uma nova Questo Social. Isso consiste em buscar o novo, deixando de lado as
caractersticas que acompanharam a sociedade capitalista desde o seu surgimento,
no explicando o porqu dessa permanncia. Concorda-se com a autora que a
Questo Social no algo novo e que a discusso sobre esse fenmeno e sobre
suas novas expresses de suma relevncia para compreenso das respostas
engendradas na realidade para fazer frente as suas manifestaes.
Em decorrncia da reestruturao capitalista ocorreram mudanas nas formas
de gesto do processo de trabalho e da Questo Social. Tais mudanas
repercutiram em uma maior complexificao da classe trabalhadora que se tornou
heterognea. Isso levou alguns tericos referir que a classe trabalhadora deixou de
existir. Essas teses negam a centralidade do trabalho e consequentemente o papel
de agente transformador do modo de produo capitalista da classe trabalhadora.
Logo, tais teses negam s possibilidades de resistncia inerentes as expresses da
Questo Social e alinham-se as perspectivas que defendem a existncia de uma
nova Questo Social. O Servio Social, hegemonicamente, no converge com
essas teses, pois para a categoria profissional dos assistentes sociais a contradio
representada pela tomada de posio pol