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Josias Neubert Savóis MÉTODO PARA RESOLVER EQUAÇÕES DIOFANTINAS COM COEFICIENTES NO CONJUNTO DOS NÚMEROS RACIONAIS Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil Abril, 2014

Josias Neubert Savóis - profmat.furg.bre de congruências módulo , aprendemos que o é calculado utilizando o conjunto dos números inteiros e na maioria (se não todos) dos livros

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Josias Neubert Savis

MTODO PARA RESOLVER EQUAESDIOFANTINAS COM COEFICIENTES NOCONJUNTO DOS NMEROS RACIONAIS

Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

Abril, 2014

Josias Neubert Savis

MTODO PARA RESOLVER EQUAESDIOFANTINAS COM COEFICIENTES NO CONJUNTO

DOS NMEROS RACIONAIS

Dissertao submetida por Josias NeubertSavis como requisito parcial para obten-o do grau de Mestre em Matemtica, peloCurso de Mestrado Profissional em Matem-tica em Rede Nacional - PROFMAT junto aoInstituto de Matemtica, Estatstica e Fsicada Universidade Federal do Rio Grande.

Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Instituto de Matemtica, Estatstica e Fsica - IMEF

Curso de Mestrado Profissional em Matemtica em Rede Nacional - PROFMAT

Orientador: Dra. Daiane Silva de Freitas

Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

Abril, 2014

Colaboradores

Universidade Federal do Rio Grande

http://www.furg.br

Instituto de Matemtica, Estatstica e Fsica

http://www.imef.furg.br

Mestrado Profissional em Matemtica em Rede Nacional

http://www.profmat-sbm.org.br

Sociedade Brasileira de Matemtica

http://www.sbm.org.br

Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

http://www.capes.gov.br

http://www.furg.brhttp://www.imef.furg.brhttp://www.profmat-sbm.org.brhttp://www.sbm.org.brhttp://www.capes.gov.br

S267m____Savis, Josias Neubert.____________Mtodo para resolver equaes diofantinas com _________coeficientes no conjunto dos nmeros racionais / Josias _________Neubert Savis. 2014.____________95 f.

____________Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do _________Rio Grande Mestrado Profissional em Matemtica em _________Rede Nacional.

____________Orientadora: Dr. Daiane Silva de Freitas.

____________1. Matemtica. 2. Equaes diofantinas. 3.Nmeros _________racionais. 4. Problemas prticos. 5. Contedos _________relacionados. I. Freitas, Daiane Silva de. II. Ttulo.

CDU 51

Catalogao na fonte: Bibliotecrio Clriston Ribeiro Ramos CRB10/1889

Agradecimentos

Agradeo a todos que me ajudaram e possibilitaram a concluso deste curso de

mestrado em matemtica.

Em especial agradeo minha esposa Marlia, pela compreenso, pelas palavras

de apoio e pelo auxlio, principalmente na hora das dvidas em lngua portuguesa.

Agradeo tambm com carinho minha professora e orientadora Daiane Freitas,

pela sabedoria dos seus conselhos que me guiaram para a concluso deste trabalho e pela

dedicao e disposio em me orientar sempre que necessitei de seus esclarecimentos.

Gostaria de agradecer tambm, mas neste caso de modo mais informal, aos meus

amigos e colegas de curso Thiago e Ezequiel, pela parceria, persistncia, horas de estudos

e de viagem juntos. Considero este agradecimento informal por causa da afinidade que

construmos durante estes dois anos de curso, pois passamos mais tempo viajando juntos

do que estudando no curso, e sem eles a misso de completar estes estudos seria pratica-

mente impossvel de ser realizada.

Tenho tambm, uma dvida eterna de gratido com todos os professores de mate-

mtica que tive desde o ensino fundamental at hoje. No citarei nomes para no cometer

a injustia de deixar algum de fora, mas claro que mesmo neste grupo tenho os meus

favoritos. Me lembro de todos os professores que tive desde que entrei na escola na 1a srie

do ensino fundamental e respeito todos, mas me apaixonei por esta rea, sou esta pessoa

que gosta de estudar, e vejo o mundo da maneira que vejo hoje, graas aos professores de

matemtica que tive e acho que muitos eu nunca esquecerei.

Por ltimo agradeo ao meu colega e tambm professor de matemtica, Jaison,

pois foi com ele que o sonho de fazer um mestrado em matemtica comeou. Iniciei este

curso por iniciativa dele, um curso que eu nem almejava alcanar na poca, e talvez eu

no estivesse aqui concluindo este trabalho se no fosse o empurro inicial. A inrcia

difcil de ser superada.

A todas estas pessoas citadas, de maneira racional, mas sem esconder a emoo

do momento, obrigado, sinceramente, muito obrigado.

E agradeo de modo mpar instituio Capes pelo incentivo financeiro atravs

da concesso de bolsa de estudos, que auxiliaram todo o processo dos estudos, principal-

mente nas despesas de viagem. Obrigado.

O que sabemos uma gota, o que ignoramos um oceano.

Isaac Newton

Resumo

Desenvolver um conhecimento slido sobre as equaes diofantinas linearesem duas variveis possibilita a resoluo de muitos problemas do cotidiano e, tam-bm, o real entendimento de alguns conceitos matemticos ensinados na escola, masque parecem sem utilidade e sem aplicao prtica. Alm disso, as relaes que es-tas equaes estabelecem com outros contedos que j esto inseridos na educaobsica justificam o seu ensino e a tornam uma importante ferramenta de contextua-lizao e interdisciplinaridade. Neste trabalho tambm mostraremos, a importnciado ensino dos nmeros racionais e neste contexto fazer uma anlise sobre um novoconceito de mximo divisor comum, chamado mximo divisor comum generalizado,com isto poderemos usar os racionais como conjunto numrico dos coeficientes dasequaes diofantinas, expandindo a abrangncia de problemas solucionados por es-tas equaes. A criao de vrios problemas prticos de aplicao da teoria estudadaserve para nos convencermos da importncia deste trabalho e para incentivar a suaaplicao e a criao de novos problemas levando em considerao a realidade decada escola e de seus alunos.

Palavras-chaves: Equaes diofantinas - nmeros racionais - problemas prticos- contedos relacionados.

Abstract

Develop a solid understanding of linear Diophantine equations in two vari-ables facilitates the resolution of many problems of daily life and also the real un-derstanding of some mathematical concepts taught in school but they seem uselessand without practical application. Moreover, the relationships that these equationsare established with other content that are already inserted into the basic educa-tion justify their education and become an important tool for contextualizing andinterdisciplinarity. This work also aims to show the importance of teaching of rati-onal numbers and in this context do analysis on a new concept of greatest commondivisor,called generalized maximum common divisor, and thus we can use the num-berpad as rational coefficients of Diophantine equations, expanding the breadth ofproblems solved by these equations. The creation of various practical problems ofimplementation of the theory studied serves to convince us of the importance of thiswork and to encourage their implementation and creating new problems taking intoaccount the reality of each school and its students..

Diophantine Equations - rational numbers - practical problems - related contents.

Lista de ilustraes

Figura 1 Multiplicao de Fraes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Figura 2 Diviso de Fraes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

Figura 3 Soluo da equao diofantina 3 + 2 = 7 . . . . . . . . . . . . . . . . 83

Figura 4 Grfico da funo afim 3 + 2 = 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

Figura 5 Grficos das equaes cartesianas 5 4 = , com = 3, 7, 15 respec-

tivamente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

Figura 6 Grfico de 0, 25 + 0, 10 = 25 com escala de 1:5 entre os eixos e 86

Figura 7 Construo do grfico usando o comando Lista = Sequncia [(i, f(i)),

i, K, L,P] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

Figura 8 Grfico da P.A = 1 + 3 e soluo da equao 3 + = 1 . . . . . 90

Figura 9 Grfico da P.A (9,15,21,...) e soluo da equao 6 + = 3 com

escala entre os eixos de 1:5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Figura 10 Grfico da P.A (8, 4, 0, -4,...) e soluo da equao 4 + = 12 com

escala entre os eixos de 1:5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

Sumrio

Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Justificativa e Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1 Um pouco de histria da matemtica grega . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2 Divisibilidade e Mximo Divisor Comum (MDC) . . . . . . . . . . . . . . . 26

2.1 Definies e resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3 Nmeros Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.1 Ensino dos Nmeros Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4 Conceito de MDC generalizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

4.1 Definies e resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

5 Equaes diofantinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

5.1 Equaes diofantinas lineares em duas variveis . . . . . . . . . . . . . . . 42

5.2 Problemas prticos envolvendo Equaes diofantinas em duas variveis . . 46

5.3 Resoluo de equaes do tipo diofantinas com coeficientes racionais . . . . 52

6 Relao entre equaes diofantinas e contedos da educao bsica . . . . 81

6.1 Relao entre equaes diofantinas e funo afim . . . . . . . . . . . . . . . 81

6.2 Relao entre equaes diofantinas e progresso aritmtica (P.A.) . . . . . 88

Consideraes Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

12

Introduo

Ao longo dos anos de estudos da modalidade educao bsica, desde as sries ini-

ciais at o 3o ano do ensino mdio, os alunos so preparados atravs do contato com

vrias reas de conhecimento, para que possam entender o mundo e as relaes sociais de

uma sociedade e tambm, para poder prosseguir seus estudos com xito na rea em que

apresentem maior afinidade e automaticamente maior rendimento. Isto serve para que

posteriormente possam desenvolver um trabalho de qualidade junto sociedade tendo a

possibilidade de escolher um emprego de melhor retorno financeiro e melhor qualidade de

vida. Uma dessas principais reas com certeza a matemtica, pois sem os conhecimentos

desta cincia, principalmente aritmticos e geomtricos, praticamente impossvel viver

tranquilamente na nossa sociedade atual. Desse modo, podemos dizer que a matemtica

contribui significativamente para a evoluo da sociedade de maneira geral.

A matemtica uma cincia desenvolvida e aprimorada ao longo dos tempos.

Todo este desenvolvimento possibilitou a sua ramificao em vrias reas de estudo, como

aritmtica, teoria dos nmeros, geometria, lgebra entre outras. Existem tantos conheci-

mentos matemticos hoje, que impossvel estudar e ensinar de forma completa a mate-

mtica. Os conhecimentos de matemtica ensinados na educao bsica so selecionados

de maneira a proporcionar uma abrangncia quase total dos problemas do cotidiano que

possam ser resolvidos atravs dos contedos de matemtica inseridos na grade curricular

de toda a educao bsica. Porm, devido a grande variabilidade de contedos e conceitos

matemticos, alguns contedos acabam ficando de lado, no sendo includos na base da

educao matemtica embora suas aplicaes em problemas prticos sejam notveis e de

fcil compreenso.

Um exemplo disso a equao diofantina linear em duas variveis, um tipo de

equao que, alm de apresentar conceitos especiais na sua resoluo, como por exem-

plo a viso de soluo geral da equao que determinada atravs da insero de um

Introduo 13

parmetro (conceito este usado no estudo das equaes paramtricas, em geometria ana-

ltica), ajudam a resolver vrios problemas curiosos e interessantes e tambm desenvolver

o raciocnio dos alunos atravs da unio da resoluo de clculos com a interpretao de

problemas. E este tipo de equao que ser o foco do desenvolvimento deste trabalho.

Para que seja possvel ensinar estas equaes, outros conceitos devem ser abordados como

pr-requisitos, como por exemplo a diviso euclidiana, o algoritmo de Euclides e o mximo

divisor comum () entre dois ou mais nmeros inteiros1.

Fato curioso sobre as equaes diofantinas lineares em duas variveis, as quais

podem ser escritas da forma + = , o de que os coeficientes desta equao devem

pertencer ao conjunto dos nmeros inteiros (Z), ou seja , , , Z. Este fato, que parece

ser um detalhe insignificante frente aos conceitos e aplicaes das equaes diofantinas 2,

que motivou o desenvolvimento deste trabalho. muito difcil olhar para estas equaes e

em algum momento no pensar "ser que se os coeficientes pertencessem a outro conjunto

numrico teramos condies de encontrar sua soluo geral?"ou mesmo difcil analisar

um problema aplicado resolvido atravs das equaes diofantinas e no passar na mente

o devaneio de tentar criar um problema envolvendo dinheiro e decimais de igual resoluo

atravs dos mesmos conceitos e do mesmo formato de equao.

Seguindo esta linha de raciocnio, vamos analisar a seguinte situao: ao se estu-

dar em teoria dos nmeros as noes de divisibilidade, de mximo divisor comum ()

e de congruncias mdulo , aprendemos que o calculado utilizando o conjunto

dos nmeros inteiros e na maioria (se no todos) dos livros didticos do 6o ano o

apresentado aos alunos como sendo de utilizao exclusiva no conjunto dos nmeros

naturais (N). Podemos considerar este fato ou como uma pequena falha no sistema de

ensino de matemtica ou como sendo uma situao corriqueira que acontece em muitos

ramos da matemtica da educao bsica, em que os contedos so simplificados ou ex-

cludos por vrios fatores, entre eles a falta de tempo para uma listagem de contedos

extensa. Isto ocorre pelo fato do e o do conjunto dos inteiros Z serem ensinados no1 Em vrias passagens do texto ser utilizado a sigla mdc sempre com o significado de mximo divisor

comum.2 Ao longo deste trabalho, quando falarmos em equao diofantina, estamos nos referindo s equaes

diofantinas lineares em duas variveis.

Introduo 14

6o e 7o anos, respectivamente, o que dificulta o ensino do no conjunto dos nmeros

inteiros na educao bsica, j que geralmente no retomado o conceito de no 7o

ano, por se tratar de um assunto da srie anterior e porque poder atrasar o andamento

dos contedos do ano letivo do 7o ano.

Mas o que podemos aproveitar desta situao o seu aspecto comum quando se

fala em contedos de matemtica. Muitos contedos so trabalhados com base na viso

de um autor, ou com base no rendimento da turma e seu nvel de amadurecimento para

interpretar os estudos como algo necessrio e que exige dedicao. E, claro, que cada

autor tem uma temtica diferente e cada turma tem um ritmo diferente tambm. Ento,

neste sentido que o nosso trabalho ganha fora, pois mesmo que as equaes diofanti-

nas no estejam definidas como contedo da educao bsica, segundo a pesquisa feita

por (??), possvel improvisar e inserir este contedo no contexto escolar, de prefern-

cia relacionando-o com outros contedos j trabalhados normalmente, pois como vimos o

fato que ocorre com o dos inteiros/naturais, os contedos de matemtica tm uma

flexibilidade que permite adaptar o ensino de acordo com a necessidade e realidade de

cada turma, escola ou regio.

Alm do estudo das equaes diofantinas e suas aplicaes, teremos uma pequena

seo que ir tratar dos nmeros racionais e sua importncia na evoluo do entendi-

mento dos alunos, visto que a maioria dos problemas ensinados no fundamental e mdio,

e tambm problemas do cotidiano, trabalham com sua resoluo no conjunto dos nmeros

racionais. Algumas abordagens que consideramos obrigatrias no ensino das fraes, a

principal delas sendo a representao geomtrica das operaes com fraes, so mos-

tradas atravs de exemplos prticos que devem servir de incentivo para os professores

aprimorarem suas abordagens sobre este contedo riqussimo e com uma variedade de

utilizao impressionante. Mas, engana-se quem pensa que nmeros racionais aparecem

neste trabalho de maneira despretensiosa e fora de contexto. Mais adiante ser estabele-

cido uma relao interessante e inovadora entre nmeros racionais e equaes diofantinas,

possibilitando a resoluo de uma infinidade de problemas didticos e do cotidiano.

Esta proposta de trabalho que tem como pblico alvo os professores de matem-

Introduo 15

tica da educao bsica, pretende explicar os conceitos envolvidos no estudo das equaes

diofantinas, desde as noes de divisibilidade e at as relaes destas equaes com

contedos que j esto inseridos na grade curricular de vrias etapas da educao bsica.

E, para ensinar estas relaes entre contedos de matemtica, necessrio que o professor

esteja bem preparado e tenha um conhecimento amplo dos vrios campos da matemtica,

para desenvolver um bom trabalho diante de qualquer turma do ensino fundamental e,

principalmente, do ensino mdio, visto que os alunos do ensino mdio apresentam maior

discernimento para o debate sobre as aplicaes dos contedos estudados e, muitos, j

esto se preparando para cursar o ensino superior ou atuar em uma rea de trabalho em

que se tenha necessidade de alguns conhecimentos alm dos estipulados como meta para

cada ano letivo.

Assim, uma das metas deste trabalho encarar o desafio de ajudar o professor a se

preparar para desenvolver um trabalho melhor, e isto ser feito ao longo do texto com uma

fundamentao terica consistente, mas ao mesmo tempo explicada de maneira simples e

informal, sem "burocracia"e sem um rigor matemtico exagerado, e tambm atravs dos

exemplos de exerccios que podem ser ensinados na turma em que for aplicada a proposta

de trabalho. Os exemplos propostos apresentam aumento gradativo no grau de dificul-

dade em sua resoluo e foram criados com o principal interesse de mostrar problemas

reais do cotidiano que podem ser resolvidos atravs das equaes diofantinas. Existem

problemas sobre diversas reas de trabalho como biologia, engenharia civil, agropecu-

ria e industrial, mas devemos lembrar que cada professor deve adaptar os exerccios de

acordo com a realidade de sua regio e de seu pblico-alvo, seus interesses e necessidades

de estudo e outros fatores que influenciam no resultado final do ensino.

No nos preocupamos com os valores elevados que surgem na resoluo de alguns

problemas, mas sim com o fato de tornar o problema o mais prximo da realidade poss-

vel. s vezes muitos professores criam ou selecionam exerccios dos livros 3 pensando em

facilitar os clculos para os seus alunos, mas acabam se esquecendo que no cotidiano o

aluno no vai poder escolher s problemas com nmeros pequenos para resolver, mas vai3 Para esta afirmao nos baseamos na anlise das colees de livros (??) de 6o ao 9o ano que geralmente

apresentam uma srie de exerccios resolvidos mecanicamente com valores pequenos e deixam paramostrar valores mais ligados realidade em alguns poucos problemas do final da seo ou do captulo.

Introduo 16

ter que calcular o problema que vier pela frente independente do tamanho e da natureza

do clculo.

Um dos temas que consideramos mais interessante e que pode ser tambm o mais

marcante, est inserido na parte do trabalho que se destina a mostrar uma variao do

formato das equaes diofantinas, estendendo os conceitos at ento adotados somente no

conjunto dos nmeros inteiros aos nmeros racionais (Q), e reais comensurveis, tais como

o conceito de mximo divisor comum que nos racionais chamaremos de mximo divisor

comum generalizado () e os coeficientes de uma equao do tipo diofantina 4 que

podero pertencer ao conjunto dos nmeros racionais (Q). Intrigante e ao mesmo tempo

extraordinrio, o conceito de , que foi retirado de um artigo publicado em 2006 (??)

na revista Matemtica Universitria e escrito pelos professores Alveri Santanna, Cydara

Ripoll e Jaime Ripoll, conceituados professores da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (UFRGS), tem a funo de mostrar pra quem gosta de matemtica e de ensinar

matemtica, que a matemtica no est pronta e que sempre tem campos que podemos

desenvolver mais e, deste modo, nos maravilharmos com as descobertas e novas possibili-

dades de trabalho que outrora eram invisveis e que como um passe de mgica se tornam

claras como gua.

Ao longo do texto, e principalmente na ltima seo, fica claro uma das intenes

da proposta de desenvolvimento das equaes diofantinas no contexto escolar, que a de

relacionar este contedo com outros j estabelecidos como meta de trabalho, como por

exemplo as equaes afins que auxiliam o entendimento destas equaes pela sua seme-

lhana na hora da representao grfica e que servem de intermedirias para mostrar a

estreita relao entre as equaes diofantinas e as progresses aritmticas. Um dos exem-

plos estabelece a relao entre estas equaes e as equaes cartesianas de uma funo

afim, que so estudadas em geometria analtica e permitem a construo de vrias retas

paralelas que devem obedecer ao teorema de Bzout para terem soluo quando forem

trabalhadas como diofantinas.

4 Sempre que utilizarmos esta nomenclatura significa que estamos nos referindo a equaes com coefi-cientes racionais mas que podem ser resolvidas com os mesmos mtodos de resoluo de uma equaodiofantina.

17

Justificativa e Objetivos

Nos tempos atuais, dois temas que so frequentemente foco de debate nos meios

educacionais so a interdisciplinaridade e a contextualizao dos contedos trabalhados

em sala de aula. Uma das disciplinas que apresenta a dualidade de ter ao mesmo tempo

as caractersticas de resistncia ao trabalho interdisciplinar e contextualizao de conte-

dos em, praticamente, todas as disciplinas pertencentes grade escolar, a matemtica.

s vezes, a matemtica e os professores de matemtica apresentam uma barreira quase

intransponvel em relao s outras disciplinas da educao bsica 5 , e isto se reflete na

viso que os alunos acabam construindo sobre matemtica, considerando a matemtica

uma disciplina mpar, diferente das outras devido dificuldade de entendimento e nvel

de exigncia elevado se comparado s demais disciplinas. Mas, esta viso pejorativa que,

em alguns momentos, tomada sobre a matemtica pode ser melhorada e at mesmo ex-

cluda. Para isto, sempre que possvel, devemos mostrar a contextualizao do contedo

ensinado e alm de mostrar a matemtica que existe no cotidiano e que pode ser estudada

em sala de aula, devemos mostrar os problemas de outras disciplinas que necessitam de

um conhecimento matemtico para a sua resoluo.

Adotando estas relaes de interdisciplinaridade e contextualizao como meta,

podemos usar o ensino das equaes diofantinas lineares em duas variveis como uma

ferramenta potente para atingir este objetivo, visto a quantidade de problemas do co-

tidiano que estas equaes podem ajudar a solucionar, problemas estes que tm origem

em diversas reas do conhecimento, principalmente nas cincias da natureza. Outro fator

que justifica a abordagem deste tipo de equaes na educao bsica a relao que as

mesmas tm com outros contedos de matemtica que j so ensinados normalmente,

como por exemplo mltiplos e divisores, sistemas de equaes com duas variveis, funo

polinomial do primeiro grau, progresso aritmtica (P.A.), geometria analtica e at com-5 Sempre que nos referirmos educao bsica, deve-se considerar somente as sries finais do ensino

fundamental e o ensino mdio

Justificativa e Objetivos 18

binaes lineares ensinadas atravs de matrizes. Neste sentido, estas equaes cumprem

completamente o que prope as Orientaes Educacionais Complementares aos Parme-

tros Curriculares Nacionais (PCN+)(??), pg 117, no que diz respeito ao desenvolvimento

da competncia de estabelecer relaes entre conhecimentos disciplinares, interdisciplina-

res e interreas.

Vrios fatores podem ser destacados para justificar o ensino das equaes diofanti-

nas na educao bsica, mas citaremos dois que consideramos pertinentes neste momento:

primeiro, estas equaes tm o potencial de permitir o real entendimento da diviso com

resto, que tambm pode em algum momento ser bem explorada se tivermos a oportuni-

dade de trabalhar mudana de base numrica com os alunos, mesmo que seja abordada

somente como curiosidade, e o segundo fator de destaque a aplicabilidade que estas equa-

es fornecem ao ensino do mximo divisor comum, ou seja, pode ser atravs das equaes

diofantinas que o sentido do de dois nmeros inteiros aflore frente ao alunos, possibi-

litando a utilizao de um conceito que, muitas vezes, apresentado sem funo prtica

e, assim, acaba ficando de lado e parecendo insignificante. Desse modo, acreditamos que

o ensino destas equaes podem abrir caminho para o ensino mais aprofundado do e

de suas propriedades.

Somente a quantidade de problemas matemticos prticos do dia a dia ou de

situaes-problema, j seria um motivo suficiente para se desenvolver um trabalho sobre

estas equaes. Analisando um exame de acesso da Fundao Liberato Salzano, uma con-

ceituada escola tcnica de Novo Hamburgo-RS, exame este aplicado a alunos de 9o ano

que tm interesse em fazer um curso de ensino mdio tcnico, encontramos um problema

que em resumo pedia para calcular qual o nmero de carrinhos e de motos de brinquedo

de uma criana conhecendo-se o nmero total de rodinhas e de brinquedos. O problema

podia ser resolvido atravs de um sistema de equaes lineares com duas variveis, que

um contedo geralmente trabalhado entre 7o e 8o ano. Mas, o problema levantou uma

srie de questionamentos pertinentes a sua forma de resoluo.

O problema em questo tambm poderia ser resolvido atravs de uma equao di-

ofantina, desconsiderando uma das informaes ou usando esta informao para restringir

Justificativa e Objetivos 19

as possibilidades de soluo. Comparando as duas resolues deste problema especfico,

conclumos que o sistema com duas equaes fornece a resposta exata de maneira mais

direta e com clculos mais simples, j a resoluo atravs do uso de uma equao dio-

fantina linear em duas variveis chega na soluo desejada neste caso aps testar duas

possibilidades de soluo geral e usando uma das informaes adicionais para delimitar

o campo das solues, mas em contrapartida, permite encontrar todas as possibilidades

de soluo no conjunto dos inteiros, fato este que serve para mostrar aos alunos que

existem mtodos matemticos eficazes para serem aplicados na resoluo de problemas

em vez de calcular a resposta atravs de tentativas sucessivas, embora a maioria dos alu-

nos tenham a impresso de que alguns problemas s podem ser solucionados por tentativa.

Outras perguntas surgiram em torno do problema citado. Por exemplo, como re-

solveramos o problema se no tivssemos a informao do nmero total de brinquedos?

Como resolver problemas semelhantes, mas com um enunciado sem tantas informaes?

Em que momento seria interessante descobrir mais de uma soluo ou todas as solues

para o problema? As respostas para estas perguntas passam pelo conhecimento e uti-

lizao das equaes diofantinas, motivando um trabalho sobre este tipo de equaes e

fazendo as relaes entre contedos possveis e necessrios para interligar os vrios cam-

pos de conhecimento da matemtica. Nestas relaes entre contedos de matemtica,

fato importante pois s relacionando a matemtica entre si que poderemos, realmente,

realizar a interdisciplinaridade desta com as demais disciplinas do ambiente escolar. No

pretendemos desenvolver uma viso utpica de exaltao das equaes diofantinas frente

aos outros contedos que podem ser relacionados com as equaes, mas devemos aceitar

a limitao de cada contedo, como por exemplo a resoluo de sistemas de equaes que

como o prprio nome diz, necessita de duas ou mais equaes para a sua utilizao e caso

tenhamos somente uma equao a abordagem poder ser feita atravs de uma equao

diofantina.

Um dos principais objetivos deste trabalho mostrar a importncia do ensino

das equaes diofantinas lineares em duas variveis na educao bsica, principalmente,

quando este pode ser relacionado com outros assuntos j inseridos na grade curricular.

Ao longo do texto, estamos falando de ensinar estas equaes na educao bsica por

Justificativa e Objetivos 20

considerarmos que desnecessrio delimitar uma srie para que o mesmo seja trabalhado,

j que deste modo estaramos restringindo uma coisa que j est restrita 6. Como os

contedos que so pr-requisito para o ensino destas equaes so, geralmente, ensinados

no 6o ano do ensino fundamental, pode-se ento, a partir da trabalhar tranquilamente

este contedo mas, claro que com enfoque diferente para cada turma, fazendo uma di-

ferenciao de abordagem principalmente entre o ensino fundamental e o ensino mdio,

onde neste ltimo as equaes podem ser exploradas com maior intensidade.

Problemas envolvendo o mximo divisor comum podem ser ensinados sem dificul-

dades a partir do 6o ano do ensino fundamental. Um exemplo muito utilizado : calcular

o menor nmero de grupos de alunos que se pode formar, com todos os grupos contendo

a mesma quantidade de alunos, em uma turma de 28 e outra de 35 alunos sem sobrar

nem faltar alunos. Neste exemplo, com a ajuda do conhecimento sobre mximo divisor

comum (mdc) temos que os grupos devem conter um nmero mximo de alunos, e como

(28, 35) = 7 ento devemos ter 7 alunos por grupo, formando 4 grupos em uma turma

e 5 em outra, totalizando 9 grupos de 7 alunos. Com problemas deste tipo o estudo do

( e tambm do - mnimo mltiplo comum ) ganha sentido e aplicabilidade em

diversos problemas do cotidiano.

Motivar os alunos a criar e resolver problemas em que as noes de divisores e de

mltiplos so utilizadas possibilitam um desenvolvimento lgico necessrio para o enten-

dimento dos conceitos matemticos que sero abordados em sries posteriores. Mas, o

problema que no dia a dia convivemos com inmeras situaes de comparao de valores,

noo de mltiplos e de divisores, s que geralmente nestas situaes aparecem valores

fracionrios, seja em sua representao decimal ou seja na forma de frao. Um exemplo

disso pode ser dado com o seguinte problema: em uma construo, uma das salas constru-

das mede 3,2 metros de comprimento por 4 metros de largura. Qual o nmero mnimo de

lajotas quadradas que devem ser utilizadas para revestir completamente o piso desta sala?

Para a resoluo deste problema o conceito de mximo divisor comum se faz ne-6 Restrita no sentido do assunto geralmente no ser ensinado em nenhuma srie, e a inteno que

ao menos seja mostrado como curiosidade, como assunto extra, independente da srie e do nvel deaprofundamento.

Justificativa e Objetivos 21

cessrio, mas um dos valores utilizados um nmero decimal. Usando uma converso de

metros em centmetros ou atravs do raciocnio lgico podemos concluir facilmente que

a maior lajota utilizada deve ter lado medindo 0,8 metros, perfazendo um total de 20

lajotas. Mas este problema poderia ser resolvido de maneira sistemtica, utilizando um

novo conceito de . E para resolver estes tipos de problemas que mostraremos como

calcular o de nmeros racionais e como este conceito pode ampliar o conjunto de pro-

blemas resolvidos atravs das equaes diofantinas. Desse modo, tambm cumpriremos

a proposta de conceder o devido valor ao conjunto dos nmeros racionais, que aparecem

frequentemente no nosso dia a dia.

A motivao para relacionar nmeros racionais com equaes diofantinas surgiram

devido ao fato de que o conjunto dos nmeros inteiros no consegue cobrir as necessida-

des dos problemas que surgem diariamente, principalmente quando lidamos com dinheiro,

pois o uso de duas casas decimais em compra, venda e transaes financeiras frequente

e necessrio. Ento, a resoluo destas equaes com coeficientes racionais solucionam

muitos problemas, mas para isso tnhamos sempre que achar uma equao equivalente

original, mas com coeficientes inteiros. Mas se possvel, por que no resolver a equao

no seu formato original? Esta pergunta pode ser considerada uma das nossas justificati-

vas, mas tambm um dos nossos objetivos da apresentao desta proposta.

Mostrar um conjunto maior de possibilidades de equaes diofantinas um ob-

jetivo que a princpio parece incoerente, pois toda a teoria dos nmeros baseada no

aprimoramento do conhecimento sobre os nmeros inteiros, mas que tomando as defini-

es certas para lhe dar sustentao e credibilidade acabam convencendo at mesmo os

mais cticos. Abordar estas equaes possibilitando o mesmo mtodo de resoluo quando

os seus coeficientes pertencem aos racionais Q um avano considervel, pois sabemos a

utilidade que o conjunto Q tem no cotidiano das pessoas.

Como explicamos antes, no queremos restringir o alvo de aplicao destes conhe-

cimentos matemticos. Mas, como uma simples sugesto, podemos dizer que achamos

interessante ensinar as equaes diofantinas nas turmas de 9o ano do ensino fundamental,

e ensinar este tipo de equaes explorando os coeficientes racionais nas turmas de 1o ano

Justificativa e Objetivos 22

do ensino mdio, pois neste caso a complexidade um pouco maior.

23

1 Um pouco de histria da matemtica grega

Ao longo dos sculos, a matemtica vem se desenvolvendo em um ritmo cada vez

mais acelerado. Neste contexto evolutivo do conhecimento matemtico adquirido, desen-

volvido e aprimorado, alguns matemticos se sobressaram em relao aos demais devido

ao pioneirismo de seus trabalhos e importncia dos mesmos para a evoluo da sociedade

em geral. Em todo o mundo, vrias civilizaes se empenharam em busca do domnio de

conhecimentos matemticos que pudessem facilitar as relaes entre pessoas e a vida de

toda a comunidade. Uma das principais civilizaes que contriburam para a evoluo do

conhecimento matemtico foram os gregos, segundo (??), pois estes conseguiram escrever

textos completos sobre os conhecimentos da poca, organizaram o pensamento de ma-

neira a sistematizar e solucionar problemas semelhantes, e embora se tenha conhecimento

hoje de que muitas das teorias desenvolvidas pelos gregos j eram conhecidas por outras

civilizaes, com egpcios e babilnios, os gregos foram os primeiros a escrever de ma-

neira completa sobre determinado assunto, utilizando o raciocnio dedutivo e afirmaes

pr-determinadas para demonstrar novos teoremas e novos mtodos de resoluo de pro-

blemas. Com base nisso, podemos citar alguns matemticos gregos de grande importncia

e que tem relao direta com o assunto que ser desenvolvido neste trabalho.

O primeiro matemtico do qual o seu trabalho nosso interesse de estudo Pitgo-

ras de Samos, que teria vivido por volta de 570 a 497 a.C. e que teria fundado a escola

pitagrica em Crotona, onde seus discpulos contribuam com descobertas e as creditavam

ao seu mestre. Alm do famoso teorema que leva o seu nome, atribuem aos pitagricos o

incio do desenvolvimento da aritmtica ou teoria dos nmeros, com descobertas interes-

santes sobre os nmeros, como a descoberta dos nmeros amigveis, nmeros perfeitos e

nmeros deficientes e abundantes. Portanto, pode-se afirmar que a noo de divisores era

bem difundida entre os pitagricos. Outro ponto importante do trabalho dos pitagricos

o conhecimento das razes e propores e o uso dos nmeros racionais, expresso da forma

, onde e eram inteiros e = 0. Uma das aplicaes dos nmeros racionais usadas

Captulo 1. Um pouco de histria da matemtica grega 24

pelos pitagricos foi no estudo de escalas musicais, considerado o primeiro trabalho de

fsica-matemtica que se tem registro, onde as fraes eram usadas para representar a

razo entre dois segmentos de uma mesma corda do instrumento musical.

Outro matemtico grego de destaque, seno o maior deles, Euclides de Alexandria.

Acredita-se que Euclides tenha sido professor na escola de matemtica de Alexandria e

que viveu por volta de 330-270 a.C., tendo publicado sua grande obra por volta de 300

a.C. Os Elementos considerado a maior e mais importante obra de matemtica de todos

os tempos, tendo atingido mais de mil edies impressas desde sua apario em 1482. Este

livro contm, em sua maior parte, trabalhos sobre geometria, com proposies e teoremas

apresentados de maneira organizada e com demonstraes que so utilizadas ainda hoje

em aulas de geometria. Mas, alguns livros de Os Elementos tratam da aritmtica ou

teoria dos nmeros, trazendo um avano considervel para esta rea. Alguns exemplos

que podemos citar de grande importncia nestas reas so: o algoritmo de Euclides, que

usado para encontrar o mximo divisor comum entre dois ou mais nmeros e que serve

para verificar se dois inteiros so primos entre si; o teorema fundamental da aritmtica

que afirma que todo natural maior que 1 primo ou pode ser escrito de forma nica como

o produto de dois ou mais primos; demonstrao por reduo ao absurdo (a primeira

demonstrao deste tipo que se tem notcia); da existncia de uma quantidade infinita de

nmeros primos; a notvel frmula para encontrar um nmero perfeito, que foi aprimorada

posteriormente pelo grande matemtico suo Leonhard Euler; demonstraes sobre os

nmeros irracionais e aprofundamento das medidas incomensurveis.

Por ltimo, mas no menos importante, devemos citar o matemtico grego Diofanto.

Pouco se sabe da vida e obra de Diofanto. Alguns historiadores acreditam que Diofanto

nasceu por volta do ano 250 a.C, outros acreditam que Diofanto contemporneo de

Pappus de Alexandria que viveu no final do sculo III da nossa era. O que se sabe ao

certo que ele foi um matemtico de trabalhos extremamente originais para sua poca.

Consta que na lpide de seu tmulo tinha a seguinte inscrio:

Caminhante! Aqui jazem os restos de Diofanto. Os nmeros podem mostrar, oh mara-

vilha, a durao da sua vida, cuja sexta parte constou da encantadora infncia. Tinha

passado mais uma duodcima parte da sua vida quando lhe apareceu a barba. A partir

da, a stima parte da sua existncia passou-a num matrimnio sem filhos. Passou um

Captulo 1. Um pouco de histria da matemtica grega 25

quinqunio mais quando o fez feliz o nascimento do seu primognito. Este entregou o seu

corpo e a sua encantadora existncia terra, tendo vivido metade do que seu pai viveu.

Quanto a Diofanto desceu sepultura com profunda mgoa, tendo sobrevivido apenas

mais quatro anos aps a morte de seu filho. Diz-me, caminhante, quantos anos viveu

Diofanto at que a morte lhe chegou. Segundo esse enigma, considerando os anos vividos

por Diofanto como , temos:

6 +

12 +

7 + 5 +

2 + 4 = .

Resolvendo a equao acima, conclui-se que Diofanto viveu 84 anos. Este fascinante

problema serve de inspirao para se pensar no uso e na importncia das equaes do

primeiro grau com coeficientes fracionrios.

A principal obra de Diofanto, chamada Arithmetica, consta ter sido escrita em 13

livros, dos quais apenas os seis primeiros chegaram at ns. Alguns consideram Diofanto

o pai da lgebra, uma vez que ele introduziu em seu trabalho a ideia de equao al-

gbrica expressa por smbolos. Na soluo de equaes, Diofanto manipulava um nico

smbolo para representar as incgnitas e chegava s respostas, comumente, pelo mtodo

da tentativa, que consiste em assumir para alguma das incgnitas um valor preliminar que

satisfaa algumas condies. Estes valores preliminares conduziam a expresses erradas,

mas que geralmente sugeriam alguma estratgia pelo qual valores podiam ser obtidos de

forma a atender todas as condies do problema. Diofanto aceitava valores racionais como

soluo das equaes. Na coleo de 130 problemas que compem sua obra, fica claro

que o tratamento dado por Diofanto no o da axiomatizao e, raramente, ele apresenta

generalizaes. No h uma distino clara no tratado de Diofanto entre equaes de-

terminadas e indeterminadas e, quando ele se ocupava desse segundo grupo, geralmente

contentava-se em encontrar uma soluo, e no todo o conjunto de solues. A lgebra

trabalhada por Diofanto chamada de lgebra sincopada, que um meio termo entre a

lgebra retrica (que era trabalhada pelos gregos da sua poca e seus antecessores) e a

lgebra simblica ou lgebra moderna, ou seja, muito da importncia da obra de Diofanto

se deve ao pioneirismo na maneira de escrita.

26

2 Divisibilidade e Mximo Divisor Comum

(MDC)

2.1 Definies e resultados

A fim de prosseguir com os estudos e abordar um mtodo para que seja possvel

resolver as equaes diofantinas, que ser abordado mais frente, necessrio fazer uso

de alguns conceitos bsicos sobre divisibilidade, algoritmo de Euclides e mximo divisor

comum, conceitos estes que, com certeza, j so trabalhados nas sries finais do ensino

fundamental, talvez no com o rigor, aprofundamento e abrangncia que possibilite o

desenvolvimento direto deste trabalho em uma turma de 1o do ensino mdio, mas que,

com uma reviso e uma nova abordagem dos conceitos envolvidos, poder facilitar o

entendimento da proposta em questo sem maiores dificuldades.

Por isso, ser feita uma abordagem simples e da maneira mais direta possvel, so-

mente das definies que realmente serviro de fundamento para a abordagem da proposta

em questo, para mais detalhes veja (??).

Definio 2.1.1. Dados , Z, com = 0, dizemos que divide , ou que um

divisor de , ou ainda que mltiplo de , e escrevemos |, se existir Z tal que

= . Caso no divida , escrevemos - .

Fica explcito pela definio acima que 1|, | e |0 . Algumas propriedades da

relao de divisibilidade esto definidas na proposio a seguir.

Proposio 2.1.1. Sejam , , Z* e , inteiros quaisquer. Tem- se que:

(a) Se | e | , ento = .

(b) Se | e | , ento |.

(c) Se | e |, ento |( + ).

Captulo 2. Divisibilidade e Mximo Divisor Comum (MDC) 27

(d) Se | , ento || ||.

(e) Se |, ento |.

(f) Se | , ento |.

Demonstrao:

(a) Se e so inteiros tais que = e = , ento = = () = () e da,

= 1. Logo, = 1, donde segue que = .

(b) Se = e = , com , Z , ento = = () = (), com Z .

Logo |.

(c) Sejam = e = , com , Z. Ento + = + = ( + ),

com + Z. Logo |( + ) .

(d) Como = 0 e |, temos que = , com Z e = 0. Assim || 1 o que

implica que || = || = |||| || .

(e) Se = , com Z, ento = () = (), com Z. Logo |.

(f) Se = , com Z, ento = () = () e, da, |.

Teorema 2.1.1 (Diviso Euclidiana). Para quaisquer , Z, com = 0, existem nicos

, Z , tais que = + , onde 0 < ||.

Demonstrao:

Prova da existncia: Suponha primeiro > 0, e seja o maior inteiro tal que 6 .

Ento 6 < ( + 1), de modo que 0 6 < e basta definir = . Se < 0,

ento > 0, donde existem , Z, tais que = () + , com 0 6 < . Ento

= () + , com 0 < = ||.

Prova da unicidade: Suponhamos que existam inteiros 1, 2, 1, 2, que satisfaam a igual-

dade = 1 + 1 = 2 + 2, com 0 6 1, 2 < ||. Ento temos que || > |1 2| e

(2 1) = 1 2. Se 2 = 1, ento |2 1| > 1, de modo que || 6 |||2 1| =

|1 2| < ||, o que uma contradio. Portanto, 2 = 1 e, da, 1 = 2.

Captulo 2. Divisibilidade e Mximo Divisor Comum (MDC) 28

Definio 2.1.2. O Mximo Divisor Comum de dois inteiros e (com ou diferente

de zero), denotado por (, ) ou simplesmente por (, ), o maior inteiro que divide

e , ou seja, o maior inteiro que pertence ao conjunto dos divisores de e .

As propriedades mais bsicas do so as seguintes:

(i) (, ) = > 0

(ii) Se (, ) = ento tem-se que | e |

(iii) Se | e | ento |(, )

(iv) (, ) = (, )

(v) (, 1) = 1

(vi) Se e so primos tais que = , temos que (, ) = 1

Lema 2.1.1. Sejam e dois inteiros positivos e = + , com 0 < e Z.

Ento (, ) = (, ).

Demonstrao:

Com efeito, se = + , ento = , com Z . Seja Z um divisor comum

de e de , ento | e |. Assim, | = , ou seja, um divisor comum de e de

. Reciprocamente, como = + , vem imediatamente que todo divisor comum de

e de divisor comum de e de . Assim, o conjunto dos divisores comuns de e de

igual ao conjunto dos divisores comuns de e de . Logo, (, ) = (, ).

Assim, pelo lema anterior, dados , inteiros positivos com > , o problema de

encontrar o (, ), reduz-se a encontrar o (, ), onde tal que = + , com

0 6 < . Demonstrado esse resultado, podemos mostrar o algoritmo de Euclides. Este

algoritmo apresenta duas funes muito importantes: primeiro, o algoritmo de Euclides

fornece o (, ) de maneira rpida e sistemtica; segundo, atravs deste algoritmo

possvel escrever o (, ) como combinao linear de e , fato este que ser indis-

pensvel para a resoluo das equaes diofantinas lineares com duas variveis, que sero

abordadas mais adiante.

Captulo 2. Divisibilidade e Mximo Divisor Comum (MDC) 29

Vamos ao mtodo chamado de algoritmo de Euclides. Sejam e inteiros positivos,

com . Naturalmente, repetindo o algoritmo da diviso euclidiana,temos:

= 1 + 1, com 0 1 <

= 12 + 2, com 0 2 < 1

1 = 23 + 3, com 0 3 < 2...

2 = 1 + , com 0 < 1

1 = +1 + +1, com +1 = 0.

Como o resto diminui a cada passo, o processo no pode continuar indefinidamente, e

alguma das divises deve ser exata. Suponhamos ento que +1 seja o primeiro resto

nulo. Utilizando o resultado do lema anterior, temos que:

(, ) = (, 1) = (1, 2) = ...... = (1, )

Finalmente, como | 1 fcil ver que (1, ) = , logo, (, ) = .

Deste modo, fica demonstrado por este processo que o mximo divisor comum de

e o ltimo resto diferente de zero das divises sucessivas a partir da diviso euclidiana

de por .

Podemos usar o algoritmo de Euclides de maneira mais simplificada e eficiente atra-

vs do dispositivo prtico abaixo, que torna os clculos mais mecnicos e mais prticos de

serem realizados. Este dispositivo prtico que sintetiza o algoritmo de Euclides, alm de

calcular o (, ), serve para escrever o mesmo como combinao linear dos coeficientes

e de uma equao diofantina linear com duas variveis, fato este que ser abordado

mais adiante.

1 2 3 ... 1 +1 1 2 ... 2 1 = (, )

1 2 3 4 ...

30

3 Nmeros Racionais

3.1 Ensino dos Nmeros Racionais

O conjunto dos nmeros racionais Q um dos conjuntos numricos mais trabalhados

nas sries finais do ensino fundamental. Junto com o conjunto dos nmeros inteiros Z

o conjunto de nmeros que serve de base e de uso indispensvel na maioria dos con-

tedos e problemas abordados durante o ensino fundamental. Embora no ensino mdio

seja dado nfase ao conjunto dos nmeros reais R, a maioria dos problemas resolvidos em

sala de aula, em provas, em concursos e no Enem1 usam os conhecimentos sobre nmeros

decimais finitos ou infinitos e peridicos, que podem ser escritos na forma de frao

,

com , Z e = 0, ou seja, o conjunto dos nmeros racionais.

E no s no contexto escolar que o conhecimento sobre os nmeros racionais

importante. No cotidiano de qualquer pessoa aparecem situaes envolvendo uma frao

ou um decimal finito. Basta perceber que todas as pessoas precisam utilizar dinheiro

para viver em qualquer sociedade atualmente, e para isto deve-se ter a noo de dcimos

e centsimos. Alm disso, fazer um bolo ou comer uma pizza com os amigos necessita de

um conhecimento bsico sobre fraes. Um argumento infalvel para destacar a impor-

tncia do conhecimento sobre os nmeros racionais que a matemtica existe tambm

para medir as grandezas existentes no mundo, argumento este embasado no trabalho de

Pitgoras e dos pitagricos, onde as medidas comensurveis podiam ser representadas

atravs de uma razo, e estas podiam traduzir o mundo e fazer valer a famosa frase de

Pitgoras "tudo nmero".

Ao se fazer uma anlise de alguns livros didticos do ensino fundamental, chega-se1 Exame Nacional do Ensino Mdio. O Enem a principal porta de acesso s universidades para os

alunos do ensino mdio que apresentam baixa renda e por isso necessitam de bolsas de estudos paraprosseguir na vida acadmica.

Captulo 3. Nmeros Racionais 31

a concluso de que o conjunto dos nmeros racionais abordado de maneira bem ampla

em trs sries: 6o, 7o e 8o anos, com nfase no 6o ano na abordagem da forma fracionria

dos racionais. difcil encontrar uma coleo que aborde de maneira completa todas

as possibilidades que o conhecimento real dos nmeros racionais pode oferecer ao estu-

dante, mas se o professor utilizar duas ou trs colees e mesclar abordagens de uma e de

outra, ter um material vasto para fazer o aprofundamento necessrio para um bom desen-

volvimento da vida acadmica do estudante e para a sua evoluo e insero na sociedade.

Cabe apenas uma ressalva sobre a abordagem dos racionais no ensino fundamen-

tal, em dois pontos interessantes. Primeiro, o professor deve prestar ateno no uso das

multiplicaes e divises de fraes (ou decimais) como sendo operaes que, tambm,

representam quantidades e que s vezes so esquecidas por causa de formulaes que "fa-

cilitam"a memorizao e a resoluo de problemas por parte dos alunos. Exemplo desta

memorizao pode ser dado pela regra da diviso de fraes "na diviso de frao, copia-se

a primeira frao e multiplica-se pelo inverso da segunda frao", que trabalhada por

muitos professores somente como um mtodo, uma receita, desvinculando assim o sentido

de "repartir"que uma diviso tem. Desse modo, as multiplicaes e divises de fraes se

tornam abstraes desprendidas de sentido, sem utilizao em situaes reais encontra-

dos no cotidiano, como por exemplo, calcular a quantidade de cada ingrediente que ser

necessrio para fazer um bolo que rende 6 pores, sabendo que a quantidade de cada

ingrediente da receita original rende 15 pores.

Quando se fala em dar sentido ao contedo, no quer dizer que o mesmo deve

ser trabalhado sempre de maneira aplicada, com jogos, material concreto, metodologias

inovadoras ou situaes-problema, at porque sabemos que algumas atividades prticas

no apresentam os resultados esperados. Tambm no queremos criticar os mtodos

atuais usados pelos professores. Primeiro porque a culpa das falhas no sistema educacional

vigente no so determinadas nica e exclusivamente pelos docentes, mas sim pelo sistema

como um todo. Segundo, porque este no o interesse deste trabalho. Como afirma o

PCN (??), pg 105,

no sempre que podemos usar a representao geomtrica para mos-trar uma diviso de frao e chegar no resultado desejado, e nestes casos

Captulo 3. Nmeros Racionais 32

a ideia de que "dividir significa multiplicar pelo inverso"se torna indis-pensvel para resolvermos o problema.

Um exemplo simples do fato de dar sentido s operaes com fraes, e que con-

sideramos uma abordagem obrigatria ao se ensinar multiplicao de fraes, mostrar

ao aluno a representao geomtrica da multiplicao (e tambm da diviso) de fraes,

de forma semelhante explorada em (??), para que o aluno tenha noo de que quando

se faz o clculo de 13 x34 , est sendo procurado uma quantidade, uma poro concreta

de alguma coisa, seja esta uma pizza, uma garrafa de refrigerante ou uma rea de um

terreno, que pode ser representado geometricamente do seguinte modo:

Figura 1 Multiplicao de Fraes

Este simples exemplo que de fcil compreenso para todos, mostra a verdadeira

situao envolvida em uma multiplicao de fraes que basicamente construir uma

frao de um objeto inteiro, depois construir a outra frao do mesmo objeto inteiro e

por ltimo considerar somente a parte que interseco das duas figuras como sendo

o numerador e o total de pedaos repartidos como sendo o denominador da frao que

ser a resposta da multiplicao entre as duas fraes. A representao geomtrica acima

foi feita passo a passo, mas uma maneira de exposio aos alunos que achamos mais

interessante a de desenhar o objeto inteiro e desenhar as duas fraes desejadas (que

Captulo 3. Nmeros Racionais 33

esto se multiplicando) no mesmo objeto, pois desta maneira fica melhor representado a

noo de "tirar um pedao"de algo que j um "pedao", ou seja, tomar uma frao de

uma frao de um objeto.

Do mesmo modo que a multiplicao de frao, a diviso de fraes tambm pode

ser representada geometricamente, usando o sentido de repartir que a diviso tem para

facilitar o entendimento por parte dos alunos. Vamos mostrar um exemplo de diviso de

fraes representando-a geometricamente e passo a passo. Lembramos que cada professor

pode usar as variaes que desejar e que julgar necessria, com o intuito de aprimorar

as explicaes e com isso o aprendizado dos alunos, como por exemplo mostrando aps o

desenho de uma diviso de frao como ficaria a figura aps aplicar a regra da diviso,

ou seja, transformando-a em uma multiplicao "pelo inverso da segunda frao", repre-

sentando este fato geometricamente tambm. Queremos efetuar o clculo da expresso23

14 de modo geomtrico, ou seja, queremos repartir um produto que ocupa

23 de um

determinado recipiente em "potes"que tm 14 da capacidade deste recipiente. Ento, para

descobrir a quantidade de potes que iremos usar, procedemos da seguinte maneira:

Figura 2 Diviso de Fraes

O outro ponto que deve ser abordado com muita ateno a relao frao-decimal-

porcentagem, que exige por parte do aluno um domnio sobre as equivalncias entre fraes

e tambm multiplicao, diviso e simplificao de fraes. Alertar os alunos e faz-los

Captulo 3. Nmeros Racionais 34

compreender o fato de que

615 =

25 = 0, 4 =

410 =

40100 = 40%

de fundamental importncia para o desenvolvimento de vrios clculos em vrias situa-

es e vrios contedos de matemtica, como por exemplo na resoluo de regras de trs,

clculo de juros, equaes, funes, geometria e trigonometria. O exemplo acima serve

para mostrar que problemas que envolvem nmeros decimais ou porcentagem podem ser

transformados em problemas com nmeros fracionrios e que podem ser resolvidos de

maneira simples, sem que seja necessrio o uso de calculadoras, estimulando assim os

alunos a pensar sobre o uso de artifcios matemticos que facilitam os clculos. Deste

modo se um aluno se depara com o anncio de uma loja dizendo que um tnis de R$

180,00 est com 15% de desconto vista , basta ele se lembrar que 15% = 15100 =320 e

que 320 .180 = 27, ento de maneira simples ela concluir que ir pagar R$153,00 por este

par de tnis.

A partir do momento em que os alunos apresentarem um domnio significativo das

operaes e resolues de problemas no campo das fraes, o ensino da matemtica ir

atingir outro patamar, podendo ser desenvolvida uma gama maior de contedos e de

aplicaes, facilitando de certo modo o trabalho do professor de matemtica do ensino

mdio e deixando-o a vontade para mostrar aos alunos que quanto mais se aprende e se

desenvolve na matemtica, mais prazerosa e apaixonante ela fica.

35

4 Conceito de MDC generalizado

4.1 Definies e resultados

A seguir sero expostas algumas definies que nos permitem generalizar o conceito

de mximo divisor comum (e tambm mnimo mltiplo comum se for do interesse do

leitor) para o conjunto dos nmeros racionais e para os nmeros reais comensurveis. A

princpio estes conceitos causam desconfiana e so tomados como sendo sem sentido,

principalmente para aqueles que estudam e ensinam matemtica, mas depois de algumas

verificaes da funcionalidade destes conceitos em situaes reais, percebe-se que o as-

sunto simples e pode ser abordado at mesmo no ensino fundamental como curiosidade

ou como mtodo de resoluo de vrios tipos de problemas. Vale ressaltar que para a

elaborao de tais conceitos, foi tomado como texto base e como referncia (??), artigo

publicado em 2006 e que apresenta alm dos teoremas que citaremos, outras formulaes

interessantes que ficam a disposio para os leitores mais curiosos e que desejam uma

compreenso maior sobre este tema.

Definio 4.1.1. Dizemos que dois segmentos da reta so comensurveis quando am-

bos podem ser obtidos atravs de um nmero inteiro de emendas no sobrepostas de um

mesmo segmento de reta.

Definio 4.1.2. Dois nmeros reais e so comensurveis se existem inteiros no

nulos , tais que = .

Exemplos:

1. Dois racionais so sempre comensurveis.

2. Dois irracionais podem ser comensurveis: por exemplo,

2 e 2

2.

3. Dois reais quaisquer nem sempre so comensurveis: basta tomar um racional e um

Captulo 4. Conceito de MDC generalizado 36

irracional, mas tambm a maioria de pares de irracionais, como, por exemplo,

2 e

3.

Definio 4.1.3. Dizemos que um nmero real um mltiplo inteiro de um nmero

real , ou que um divisor inteiro de , se existe um inteiro tal que = .

Devemos observar que a definio acima esclarece o significado de mltiplo inteiro

e divisor inteiro de nmeros reais, que ao longo do texto podem confundir o leitor, pois

nos referimos ao mltiplo inteiro comum como sendo um nmero real que mltiplo um

nmero inteiro de vezes de outro nmero real e ao divisor inteiro comum, ao nmero real

que divide outro nmero real uma quantidade inteira de vezes.

Proposio 4.1.1. Sejam e dois nmeros reais no nulos. As seguintes afirmaes

so equivalentes:

a) e so comensurveis;

b) o quociente

um nmero racional;

c) existe um real que mltiplo inteiro comum de e de ;

d) existe um real que divisor inteiro comum de e de .

Demonstrao:

() () Se e so comensurveis ento existem , Z* tais que = .

Consequentemente,

=

Q.

() () Suponhamos que

Q, digamos,

=

. Ento, multiplicando a igualdade

acima por obtemos que = = um mltiplo inteiro comum de e de , com

R.

() () Seja R um mltiplo inteiro comum de e de , digamos, = = , com

, Z*. Ento, o nmero =

=

um divisor inteiro comum de e de .

() () Seja um divisor comum de e de , digamos = e = , com , Z*.

Ento, temos que = concluindo a demonstrao.

Definio 4.1.4. Sejam e dois nmeros reais comensurveis no nulos. Dizemos que

o mximo divisor comum generalizado () entre e , e escrevemos = (, ),

Captulo 4. Conceito de MDC generalizado 37

se

a) um divisor inteiro comum de e .

b) se divisor inteiro comum de e de ento .

De posse das definies acima, podemos enunciar o teorema que nos fornece uma

frmula para o entre dois reais comensurveis quaisquer.

Teorema 4.1.1. Sejam e dois reais comensurveis no nulos. Ento

(, ) =

=

,

onde

a forma irredutvel do racional

.

Demonstrao:

Consideraremos aqui apenas o caso e positivos. Observamos inicialmente que se

, , , so inteiros tais que = e = ento

=

,

e este nmero nada mais do que o nmero

. Assim, os menores naturais , que

satisfazem = so claramente obtidos quando tomamos o numerador e o denominador

da frao irredutvel que representa o racional

. Da, pela definio de , se

tal

frao irredutvel, ento

(, ) =

=

,

o que completa a prova do teorema.

No caso de e serem nmeros racionais, a frmula dada no teorema acima pode

ser reescrita em termos das representaes destes racionais em fraes irredutveis:

Teorema 4.1.2. Sejam , racionais no nulos e sejam , , , inteiros tais que

e

so as representaes para r e s, respectivamente, na forma de frao irredutvel. Ento

(, ) = (, )(, ) .

Captulo 4. Conceito de MDC generalizado 38

Demonstrao:

Novamente aqui provamos apenas para o caso e positivos.

Como (, ) = 1 = (, ), temos

=

=

=

,

onde

= (, ) ,

= (, ) ,

= (, ) ,

= (, ) .

claro, que a frao

irredutvel, e portanto, pelo Teorema 4.1.1 , temos

(, ) =

=

.(, )

.(, )

= (, ).(, )

= (, )

(, )

mas como

(, ) = (, )

ento substituindo esta expresso temos que

(, ) = (, )(, ) ,

o que completa a prova.

Corolrio 4.1.1. Se r e s so dois nmeros racionais que podem ser representados por

uma frao decimal, digamos = 10 e =

10 e se e , ento

(, ) = (10, 10)

10 .

Demonstrao: Imediata.

Captulo 4. Conceito de MDC generalizado 39

Este conceito de generalizado ser utilizado mais adiante para possibilitar a re-

soluo de equaes do tipo diofantinas com coeficientes racionais e deste modo estender o

emprego dos mtodos de resoluo destas equaes para problemas que at o momento so

solucionados atravs de outros artifcios matemticos. Mas, vale lembrar que a Definio

4.1.4 s tem sentido quando adotada como referncia nica e exclusivamente a Definio

4.1.3. Se pensarmos na divisibilidade em um anel (conjunto munido de duas operaes

que satisfazem algumas propriedades pr-determinadas), conforme proposto por (??), em

que dado um anel , com , , ento podemos dizer que mltiplo de ou que

divisor de se = para qualquer , teramos neste caso o diferencial de que um

mltiplo no significa um nmero inteiro de vezes o nmero , como abordamos at o

momento.

Portanto, o conceito de mltiplos e divisores no faz sentido quando estamos traba-

lhando em um corpo algbrico (anel com a propriedade adicional de que todo elemento

no nulo possui um inverso multiplicativo), pois conforme a definio de mltiplo em um

anel, se , , no nulos pertencem a um corpo, podemos dizer que qualquer um destes

nmeros mltiplo comum e tambm divisor comum dos outros dois nmeros, devido

propriedade do corpo de cada elemento possuir um elemento inverso multiplicativo. Para

ilustrar isto, podemos escrever

= (1) = (1) , = (1) = (1) e = (1) = (1).

E ainda sobre as operaes realizadas em um corpo, como citado em (??), pg.

70, a relao de soma entre fraes continua vlida, mesmo que os denominadores sejam

reais incomensurveis, mas incorreto dizer que o novo denominador, que geralmente,

o produto entre os denominadores das fraes a serem somadas, o mnimo mltiplo

comum dos denominadores. Ento, a igualdade

23

+ 52

= 2

2 + 5

36

tem fundamentao matemtica, mas no demostraremos aqui devido demonstrao

estar contida na referncia (??), s que dizer que

6 o dos denominadores

3 e

2 incorreto, at mesmo com o uso do conceito de , pois os denominadores so

incomensurveis. Se os denominadores forem comensurveis, consideramos que a nomen-

Captulo 4. Conceito de MDC generalizado 40

clatura de continua invlida para no causar equvocos no ensino destas fatoraes

em um corpo, principalmente quando utilizado o conjunto dos nmeros reais.

Com esta ressalva queremos mostrar que o conceito de mximo divisor comum ge-

neralizado (e mnimo mltiplo comum) obedece definies claras que devem ser seguidas

e que so fundamentadas com o rigor matemtico necessrio. Fica claro, ento, que a

palavra generalizado usada no muito conveniente, pois o conceito de que

adotamos para o nosso trabalho realmente uma generalizao do dos nmeros in-

teiros. Por ltimo, vale lembrar que o pode ser calculado nos racionais e nos reais

comensurveis, mas como um dos objetivos do trabalho apresentar a importncia do

ensino completo das fraes, ento iremos mostrar exclusivamente problemas com clculos

de com nmeros racionais.

41

5 Equaes diofantinas

So chamadas equaes diofantinas todas as equaes polinomiais (no importando

o nmero de incgnitas) com coeficientes inteiros, sempre que for tomado como conjunto

soluo das variveis da equao o conjunto dos nmeros inteiros. Esta definio simples

abre um leque de possibilidades, desde as equaes mais simples com duas ou trs vari-

veis de grau 1 at equaes com duas ou mais variveis de grau 2 como por exemplo

o famoso teorema de Pitgoras que diz que "em um tringulo retngulo, o quadrado do

comprimento da hipotenusa igual soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos",1 e que pode ser escrito atravs da equao 2 + 2 = 2, e tambm o ltimo teorema de

Fermat ou teorema de Fermat-Wiles 2 que afirma que a equao + = no possui

soluo para , , , Z e > 2.

Devido complexidade da resoluo destas equaes com grau maior que 2, s

possvel abordar amplamente na educao bsica as equaes diofantinas com duas vari-

veis e grau 2 (teorema de Pitgoras e solues sendo as ternas pitagricas) e as equaes

diofantinas lineares em duas variveis. As equaes diofantinas lineares com 3 ou mais

variveis podem ser abordadas em algumas turmas do ensino mdio, at mesmo com o

mtodo de tentativas para encontrar as solues em vez de usar o rigor matemtico das

formulaes e solues gerais que se tornam extensas demais e sem utilidade prtica.

Para aqueles que tiverem interesse nestas equaes indicamos a leitura de (??) e (??),

que abordam o assunto de maneira simplificada e com a exposio de problemas aplicados

que podem ser trabalhados em sala de aula.

Visto a importncia, facilidade de resoluo e quantidade de problemas que se en-1 Vale lembrar que as triplas de nmeros inteiros que satisfazem o teorema de Pitgoras so chamados

de ternas pitagricas, mas que o teorema admite soluo no conjunto dos nmeros reais.2 O ltimo teorema de Fermat foi proposto em 1637 pelo matemtico francs Pierre de Fermat (1601-

1665) que afirmou ter encontrado uma demonstrao maravilhosa do teorema, mas que as margensdo livro que o inspirou (Aritmethica, de Diofanto) no eram suficientes para cont-la, mas que s foidemonstrado completamente em 1995 pelo matemtico britnico Andrew Wiles.

Captulo 5. Equaes diofantinas 42

quadram neste formato, tomaremos como foco do nosso estudo a compreenso e resoluo

das equaes diofantinas lineares com duas variveis.

5.1 Equaes diofantinas lineares em duas variveis

Uma equao diofantina linear em duas variveis uma expresso da forma + =

, na qual , , so inteiros, com e no simultaneamente nulos e cujas solues esto

restritas ao conjunto dos nmeros inteiros. Uma soluo dessa equao ento um par

de inteiros (0, 0) tal que 0 + 0 = .

Vale ressaltar que, apesar deste tipo de equaes que visa solues inteiras recebe-

rem o nome de diofantinas devido a Diofanto de Alexandria, o primeiro matemtico a

encontrar uma soluo geral de uma equao diofantina linear foi o hindu Brahmagupta

(598 670), cuja resoluo foi embasada no algoritmo de Euclides. Muitas dessas equa-

es podem ser resolvidas facilmente por tentativas, da mesma maneira que Diofanto as

resolvia, mas vale lembrar que ao encontrar as solues gerais de uma equao diofantina

linear possvel entender o problema e suas solues em sua totalidade.

Teorema 5.1.1 (Teorema de Bzout). Se = (, ), ento existem , Z, de modo

que + = .

Demonstrao:

Se = (, ), temos que | e |. Seja Z, onde | e |. Pela Proposio 2.1.1,

podemos afirmar que |( + ) com , Z. Ento + = , com Z.

Se = (, ) e | temos que = , logo, verificamos que + = = .

O Teorema de Bzout no mostra como efetivamente encontrar uma soluo em

e para a equao + = (, ). Para encontrar os inteiros e deve se usar o

algoritmo de Euclides ou algoritmo das divises sucessivas, isolando os restos e fazendo

Captulo 5. Equaes diofantinas 43

combinaes at encontrar o (, ) como combinao linear dos coeficientes e , ou

seja, uma equao da forma + = . Para facilitar a compreenso, veja o exemplo a

seguir:

Exemplo 5.1.1. Encontre uma soluo para a equao 34 + 14 = (34, 14), com

, Z.

Resoluo

Comeamos com o algoritmo de Euclides:

2 2 3

34 14 6 2

6 2

Analisando a tabela temos as seguintes expresses:

34 = 14.2 + 6

14 = 6.2 + 2

6 = 2.3 + 0

Logo o (34, 14) = 2. Agora isolamos os restos de cada diviso, desconsiderando

a ltima expresso, j que tem resto 0 e, portanto, no ser substituda em nenhuma

outra expresso.

6 = 34 14.2 (1) 2 = 14 6.2 (2)

Substituindo (1) em (2) tem-se a expresso procurada:

2 = 14 2.(34 14.2) = 34.(2) + 14.(5)

Portanto uma soluo da equao 34 + 14 = (34, 14) = 2 = 2 e = 5.

Mais adiante ser mostrado o mtodo para encontrar todas as solues inteiras deste tipo

de equao.

Captulo 5. Equaes diofantinas 44

Teorema 5.1.2. Sejam , , Z, com e no simultaneamente nulos. A equao

+ = admite soluo inteira em e se, e somente se, (, ) | . Nesse caso, se

= (, ) e = 0, = 0 uma soluo inteira qualquer da equao, ento as frmu-

las = 0+

e = 0

, para todo Z, fornecem todas as solues inteiras possveis.

Demonstrao: Se a equao admite soluo inteira, pela Proposio 2.1.1, (, )|+

, logo (, ) | . Reciprocamente, suponhamos que (, ) | , digamos =

(, ) com Z. Pelo teorema 5.1.1 existem inteiros 0 e 0, tais que 0 + 0 =

(, ). Multiplicando essa igualdade por obtemos que = 0 e = 0 so solues

da equao dada.

Para o que falta, suponha que (, )| e seja = 0 , = 0 uma soluo inteira

qualquer da equao. Se = 1 e = 1 for outra soluo inteira da mesma, ento

(1 0) = (0 1). Dividindo essa igualdade por = (, ), temos:

(1 0) =

(0 1). (5.1)

Assim,

|

(1 0) e, como (

,

)= 1, temos que

|(1 0). Logo Z

tal que 1 0 =

, ou seja, 1 = 0 +

. Substituindo (1 0) por

na equao

(5.1), obtemos de modo anlogo 1 = 0

, com Z. Reciprocamente, imediato

verificar que tais frmulas fornecem, de fato, para todo Z, solues inteiras para a

equao.

Uma observao importante deve ser feita no teorema acima: como |, temos que

= , com Z e =

. Escrevendo = + , com , Z, e multiplicando

a equao por =

obtm-se a equao =

+

, e a partir da conclui-se que

0 =

e 0 =

e que as solues gerais da equao diofantina + = podem ser

escritas da seguinte forma:

= +

e =

, para qualquer Z.

Exemplo de resoluo de uma equao diofantina.

Captulo 5. Equaes diofantinas 45

Exemplo 5.1.2. Vamos resolver a equao 5 + 12 = 81 com soluo pertencente a Z.

Resoluo

Vamos comear usando o algoritmo de Euclides.

2 2 2

12 5 2 1

2 1

Pelo Teorema , como o (5, 12) = 1 ento a equao tem soluo. Usando o

algoritmo acima e fazendo as substituies necessrias, encontramos a soluo particular

procurada. Segue que

1 = 5 2.2 2 = 12 5.2

o que implica

1 = 5.1 2(12.1 2.5)

1 = 5.5 + 12.(2)

Multiplicando a equao acima por 81, seque que

81 = 5.(405) + 12.(162)

Deste modo temos que a soluo geral da equao 5 + 12 = 81 no conjunto dos

inteiros :

= 405 + 12 e = 162 5 , com Z.

Exemplo 5.1.3. Resolva a equao 9 5 = 18 com soluo pertencente a Z.

Resoluo

Utilizando o algoritmo de Euclides temos que (9, 5) = 1, logo a equao tem

soluo e conseguimos escrever o mdc como combinao linear dos coeficientes da equao.

1 1 4

9 5 4 1

4 1

Captulo 5. Equaes diofantinas 46

Pelo dispositivo prtico temos 1 = 5 4.1 e 4 = 9 5.1 e ento,

1 = 9.(1) 5.(2) .(18)

18 = 9.(18) 5.(36)

Logo, a soluo da equao = 18 5, e = 36 9, com Z.

5.2 Problemas prticos envolvendo Equaes diofantinas em duas

variveis

As equaes diofantinas lineares com duas variveis so de fundamental importn-

cia para solucionar problemas que, geralmente, so apresentados no ensino fundamental

e resolvidos por tentativa ou resolvidos atravs de um sistema de equaes. Entretanto

para isso precisam de algumas informaes adicionais ou at mesmo duas equaes com

duas variveis, do mesmo modo que so resolvidos os sistemas lineares atravs do clculo

matricial. Como o conjunto soluo de uma equao diofantina infinito, indispensvel

a utilizao de um mtodo que encontre todas as possibilidades de soluo. Alm disso,

a quantidade de problemas prticos do cotidiano ou didticos na escola que podem ser

resolvidos atravs deste modelo de equao torna ainda mais significativo o aprendizado

deste contedo e a sua abordagem no contexto escolar independente da srie que o mesmo

seja trabalhado, mas sempre vinculando-o com outros contedos que so normalmente en-

sinados, como por exemplo as equaes do 7o ano, as funes polinomiais do 1o grau da

8a srie e do 1o ano do ensino mdio ou at mesmo a geometria analtica que abordada

normalmente nas sries finais do ensino mdio.

Podemos perceber tambm que as equaes diofantinas servem para mostrar a apli-

cao dos conhecimentos sobre mximo divisor comum, que as vezes passam despercebidos

pelos alunos, pois so ensinados de forma mecnica e sem o envolvimento de situaes

problemas que possam despertar o interesse dos discentes. claro que para uma aborda-

gem ampla dos conceitos de mximo divisor comum e mnimo mltiplo comum com suas

Captulo 5. Equaes diofantinas 47

respectivas aplicaes, necessrio um nvel de amadurecimento por parte dos alunos (e

at mesmo por parte dos professores) muito grande, visto que estes contedos tem seu

pice no 6o ano do ensino fundamental e nesta fase os alunos esto na faixa dos 10 aos 12

anos de idade.

Mostraremos alguns problemas prticos que podem servir de exemplo para a mo-

delagem de vrias outras situaes atravs das equaes diofantinas lineares com duas

variveis e que apresentam um grau de dificuldade baixo, possibilitando a sua abordagem

em vrios momentos do perodo escolar.

Exemplo 5.2.1. Uma loja est fazendo uma promoo de CD-s e DVD-s. Cada CD custa

R$ 8,00 e cada DVD custa R$ 12,00. Com R$ 80,00, quais as possveis quantidades de CD-

s e de DVD-s que posso comprar, sabendo que vou comprar no mnimo 2 CD-s e 3 DVD-s?

Resoluo: Resolver o problema significa resolver a equao 12 + 8 = 80, onde

representa o nmero de DVD-s e representa o nmero de CD-s comprados.

Iniciamos a resoluo utilizando o dispositivo prtico do algoritmo de Euclides

1 2

12 8 4

4

Logo,

4 = 12 8.1

Pelo algoritmo de Euclides, temos que o (12, 8) = 4, como 4 | 80 ento o pro-

blema tem soluo. Assim

Captulo 5. Equaes diofantinas 48

4 = 12.1 + 8.(1) .(20)

80 = 12.(20) + 8.(20)

E a soluo geral do problema dado por:

= 20 + 84 = = 20 + 2 , com Z e

= 20 124 = = 20 3 , com Z.

Usando as restries do problema para calcular os valores possveis de Z, temos

20 + 2 3 e 20 3 2

2 17 e 3 22

172 e 223

8 e 8

Portanto, o nico valor de t que satisfaz as duas equaes = 8. Dessa maneira,

se = 8, temos que

= 20 + 2.(8) = 4

= 20 3.(8) = 4

Deste modo, conclumos que devo comprar 4 CD-s e 4 DVD-s com R$ 80,00 que

tenho.

Exemplo 5.2.2. - Em um pedgio, cada carro paga R$ 7,00 e cada motocicleta paga R$

4,00. Sabendo que foi arrecadado em um certo perodo de tempo R$ 142,00, calcule o

maior nmero de carros e o maior nmero de motos possveis que tenham passado neste

pedgio.

Captulo 5. Equaes diofantinas 49

Resoluo

Vamos modelar o problema atravs de uma equao diofantina 7 + 4 = 142 ,

onde o nmero de carros e o nmero de motos.

Utilizando o algoritmo de Euclides temos que

1 1 3

7 4 3 1

3 1

Pelo algoritmo acima temos que 1 = 4 3.1 e 3 = 7 4.1, e substituindo a segunda

igualdade na primeira temos que 1 = 7.(1)+4.(2)o que implica 142 = 7.(142)+4.(284)

, de onde conclumos que as solues gerais do problema so = 142+4 e = 2847,

com Z.

Como o nmero de carros e motos maior do que zero, podemos definir os limites

para a varivel .

142 + 4 > 0 284 7 > 0

4 > 142 7 < 284

>1424 36 6 40

Deste modo o valor da varivel fica delimitado assim: 36 6 6 40.

Analisando as sentenas gerais que determinam o nmero de carros e de motoci-

cletas, podemos perceber que quanto maior o valor de maior ser o nmero de carros

e menor o de motos, e quanto menor o valor de o nmero de motos ser mximo e o

nmero de carros ser mnimo, ou seja, quando = 40 ento = 18 e = 4 e quando

= 36 ento = 2 e = 32. Desta forma conclumos que passou no mximo 18 carros

ou no mximo 32 motos neste pedgio.

Captulo 5. Equaes diofantinas 50

Exemplo 5.2.3. Para entrar em uma festa cada homem paga R$ 18,00 e cada mulher

paga R$ 12,00. Sabendo que foram arrecadados R$ 2652,00. Calcule a quantidade de

homens e mulheres, sabendo que teve mais homens do que mulheres.

Resoluo

Modelamos o problema atravs da equao diofantina 18 + 12 = 2652 , onde

representa o nmero de homens e representa o nmero de mulheres. Iniciaremos a

resoluo atravs do dispositivo prtico para calcular o (18, 12).

1 2

18 12 6

6 1

Utilizando o algoritmo de Euclides com os coeficientes da equao, encontramos

(18, 12) = 6 e tambm a combinao linear dos coeficientes que descreve o dos

coeficientes:

6 = 18 12.1

6 = 18.(1) + 12.(1)

2652 = 18.(442) + 12.(442)

Usando a soluo particular a acima, podemos determinar a soluo geral da equao

que representada por:

= 442 + 126 = 442 + 2 , com Z e

= 442 186 = 442 3 , com Z

Considerando que na festa estavam presentes mais homens do que mulheres, pode-

Captulo 5. Equaes diofantinas 51

mos limitar o valor da varivel do seguinte modo:

442 + 2 > 442 3

5 > 442 442

5 > 884

>884

5 176

Como o menor valor de que satisfaz as condies do problema = 176, temos

que, se = 176, ento:

= 442 + 2.(176) = 442 352 = 90

= 442 3.(176) = 442 + 528 = 86

Ento, estavam presentes 90 homens e 86 mulheres nesta festa.

Captulo 5. Equaes diofantinas 52

5.3 Resoluo de equaes do tipo diofantinas com coeficientes

racionais

Exemplo 5.3.1. Guardo em um cofre s moedas de R$ 0,25 e R$ 0,10. Quantas moedas

so necessrias, no mnimo, tendo ao menos 6 moedas de cada valor, para que eu tenha

R$ 25,00?

Esta equao ser resolvida, primeiramente, de maneira convencional, tornando os

coeficientes da equao pertencente ao conjunto dos nmeros inteiros. Note que para

tornar os coeficientes inteiros basta dividir toda a equao pelo generalizado dos

coeficientes, que ser o mtodo usado na segunda maneira de resoluo deste problema.

Resoluo: 1o Maneira

O problema pode ser modelado atravs de uma equao com coeficientes racionais

que sero transformados em nmeros inteiros, assim obtendo uma equao diofantina

0, 25 + 0, 10 = 25 .(20)

5 + 2 = 500

Utilizando o algoritmo de Euclides temos

2 2

5 2 1

1

de onde segue, por clculos j vistos, que

1 = 5 2.2 (x 500)

500 = 5.(500) + 2.(1000)

Assim, a soluo geral da equao dada por

Captulo 5. Equaes diofantinas 53

= 500 + 2, com Z

= 1000 5, com Z

Calcula-se agora os limites do valor de possveis de acordo com as exigncias do

problema.

500 + 2 6 1000 5 6

2 494 5 1006

247 10065 201, 20

202

Analisando o problema percebe-se que o nmero mnimo de moedas ocorre quando

= 202. Dessa maneira,

= 500 + 2.(202) = 96 moedas

= 1000 5.(202) = 10 moedas

Substituindo os valores encontrados na equao original, comprovamos a veracidade

da resposta.

(0, 25).(96) + (0, 10).(10) = 24 + 1 = 25

Resposta: 96 moedas de 25 centavos e 10 moedas de 10 centavos.

Agora o problema ser resolvido com os coeficientes pertencente ao conjunto dos

nmeros racionais e usando o conceito de generalizado. Lembramos que dados dois

nmeros racionais, estes so comensurveis.

Resoluo: 2o Maneira

Pelo Teorema 4.1.2, temos que

Captulo 5. Equaes diofantinas 54

(0, 25; 0, 10) = (1

4 ,110

)=

(1, 1)(4, 10) =

120 = 0, 05

Assim, utilizando o algoritmo de Euclides para encontrar o como combinao

linear dos coeficientes, temos a equao

0, 05 = 0, 25 + 0, 10.(2)

que multiplicada por 500 resulta

25 = 0, 25.(500) + 0, 10.(1000)

Se pensarmos em uma resoluo anloga ao Teorema 5.1 para os coeficientes racionais,

teremos

= 500 + 0, 10, 05

= 1000 0, 250, 05

Ento a "soluo geral"da equao com coeficientes racionais dada por

= 500 + 2 ,com Z

= 1000 5 ,com Z

Podemos perceber que as solues gerais encontradas so iguais as encontradas na

primeira maneira de resoluo. Portanto, sabendo que quanto maior a quantidade de

moedas de R$ 0,25 e menor a quantidade de moedas de R$ 0,10, menor ser o nmero de

moedas totais, ou seja, usando a condio 6 temos que o nmero mnimo de moedas

ocorre quando = 202 . Logo

Captulo 5. Equaes diofantinas 55

= 500 + 2.(202) = 96 moedas e

= 1000 5.(202) = 10 moedas.

O nmero mnimo de moedas deve ser 96 moedas de R$ 0,25 e 10 moedas de R$ 0,10.

Obs: o (0, 25; 0, 10) = 0, 05 tambm poderia ter sido calculado atravs do dis-

positivo prtico do algoritmo de Euclides, apenas tomando o cuidado para usar sempre

valores inteiros para os quocientes. Neste caso o algoritmo foi usado apenas para encon-

trar o como combinao linear dos coeficientes da equao.

Exemplo 5.3.2. Quero distribuir igualmente mas e laranjas para 15 pessoas que co-

nheo. Cada ma custa R$ 0,50 e cada laranja custa R$ 0,75 . Sabendo que disponho

de R$ 40,00 e vou comprar no mnimo 10 frutas de cada tipo, calcule o nmero mximo

de frutas que cada pessoa ir receber.

Resoluo: 1o Maneira

Para resolver o problema deve-se achar uma equao diofantina equivalente a original

, mas com coeficientes inteiros. Neste caso uma multiplicao de toda equao por 4

resolver a situao. Atente ao fato de que este artifcio usado equivale a dividir toda

equao pelo generalizado dos coeficientes racionais (isto ser feito na 2a maneira de

resoluo). Considerando o nmero de mas e o nmero de laranjas, temos

0, 5 + 0, 75 = 40 .(4)

2 + 3 = 160

Comeamos a resoluo com o dispositivo prtico do algoritmo de Euclides. Temos

que,

1 2

3 2 1

1

Captulo 5. Equaes diofantinas 56

Assim, o (2, 3) = 1, e o modo de escrev-lo como combinao linear dos coefici-

entes e a soluo geral da equao so dados por

1 = 2.(1) + 3.(1) .(160)

160 = 2.(160) + 3.(160)

= 160 + 3

= 160 2, Z.

Agora sero utilizadas as informaes adicionais do problema para encontrar os

valores da varivel Z que limitam o conjunto de solues.

160 + 3 10 160 2 10

3 170 2 150

1703 1502

57 75

Analisando os valores de percebe-se facilmente que o maior nmero de frutas se

d quando = 75.

= 160 + 225 = 65

= 160 150 = 10

Portanto tem-se como resposta ao problema os valores de 65 laranjas e 10 mas,

perfazendo assim um total de 75 frutas, que dividindo para 15 pessoas resulta em 5 frutas

para cada pessoa.

Resoluo: 2o Maneira

O mesmo problema ser resolvido utilizando os coeficientes racionais e o conceito de

generalizado (), mas desta vez vamos encontr-lo atravs do dispositivo prtico

do algoritmo de Euclides.

Captulo 5. Equaes diofantinas 57

1 2

0,75 0,50 0,25

0,25

Procedendo de modo anlogo a resoluo de uma equao diofantina (com coefici-

entes inteiros), encontramos a soluo geral da equao com coeficientes racionais.

0, 25 = 0, 75 + 0, 5.(1) .(160)

40 = 0, 5.(160) + 0, 75.(160)

= 160 + 0, 750, 25

= 160 + 3 , Z

= 160 0, 50, 25

= 160 2 , Z

Assim, encontramos a mesma soluo geral que foi encontrada com o primeiro m-

todo de resoluo, mas vamos calcular novamente os valores de Z que delimitam o

conjunto soluo.

160 + 3 10 160 2 10

3 170 2 150

1703 75

57

Utilizando = 75 encontra-se o resultado procurado:

= 65 mas

= 10 laranjas

Portanto o total ser de 75 frutas que divididos por 5 pessoas resulta em 15 frutas

para cada pessoa.

Obs:Observe que o valor = 57 substitudo na soluo geral fornece o valor mnimo

possvel de frutas.

Captulo 5. Equaes diofantinas 58

= 57 = 11 e = 46

Exemplo 5.3.3. O contedo de um barril de vinho de 600 litros ser distribudo em

garrafas de 0, 9 e de 1, 5. Determine qual o maior e o menor nmero de garrafas que sero

utilizadas, sabendo que devem ser usadas no mnimo 100 garrafas de cada quantidade.

Resoluo

A equao do tipo diofantina que podemos extrair do problema 0, 9+1, 5 = 600.

O problema ser resolvido de maneira convencional, utilizando o conjunto dos n-

meros inteiros como coeficientes. Para isso, basta multiplicar a equao acima por 10 e

dividir por 3 (ou multiplicar por 103 ) para que (, ) seja igual a 1, para facilitar os

clculos. Considerando como sendo o nmero de garrafas de 0, 9 e como sendo o

nmero de garrafas de 1, 5, podemos escrever a seguinte equao diofantina:

0, 9 + 1, 5 = 600 .(10)

9 + 15 = 6000 (3)

3 + 5 = 2000

Utilizando o algoritmo de Euclides encontra-se as solues gerais do problema.

1 1 2

5 3 2 1

2 1

1 = 3 2.1 (5.2)

2 = 5 3.1 (5.3)

Substituindo (5.3) em (5.2) temos:

1 = 3 1.(5 3.1) = 5.(1) + 3.2

1 = 3.2 + 5.(1) .(2000)

2000 = 3.(4000) + 5.(2000)

Captulo 5. Equaes diofantinas 59

E a soluo geral = 4000 + 5 e = 2000 3 ,com Z.

Como o nmero mnimo de cada garrafa deve ser 100 unidades, preciso restringir

os valores de t.

4000 + 5 100 2000 3 100

5 3900 3 2100

780 21003

700

O clculo acima mostra que os valores de que satisfazem as condies do problema

so 780 700 .

Quanto maior o valor de , maior ser o valor de garrafas de 0, 9 e menor o valor

de garrafas de 1, 5, ou seja, quando = 700. Substituindo este valor na soluo geral

temos:

= 4000 + 5.(700) = 500

= 2000 3.(700) = 100

E quanto menor o valor de , maior ser o valor de garrafas de 1, 5 e menor ser o

valor de garrafas de 0, 9, ou seja, quando = 780. Assim,

= 4000 + 5.(