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1 JOVEM ENSINA JOVEM: UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA Fabiana Mongeli Peneireiro – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / FE-UnB Fernando P. dos Santos – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / CDS-UnB Helena Maria Maltez – Mutirão Agroflorestal Paulo Henrique Carvalhedo Nenevê Renata Z. de Pinho – Mutirão Agroflorestal Sérgio Pamplona – Mutirão Agroflorestal 1. Organização da vivência pedagógica 1.1. Descrição Resumo O Festival Agroflorestal, vivência aqui relatada, foi um dia de Oficinas sobre práticas agroecológicas, em que educandas do ensino fundamental ensinaram outras, a partir das experiências vivenciadas por elas durante o semestre. Nesse dia foram desenvolvidas atividades teórico-práticas protagonizadas pelas educandas. A metodologia de jovem en- sinar jovem foi um sucesso, na medida em que se pode constatar que ocorreram processos de ensino-aprendizagem de mão dupla, grande motivação, descobertas, aprendizagem significativa (conhecimento pertinente), compreensão. Ao mergulharem na complexida- de da vivência, os saberes destacados por MORIN (2000) foram mobilizados e desenvol- vidos. A racionalidade e as emoções/afetividade mostraram-se indissociadas. Contexto O Festival Agroflorestal foi uma atividade pedagógica realizada dentro do Curso de Introdução à Jardinagem Agroflorestal, desenvolvido na Escola “Vila das Crianças”, em Santa Maria – DF. O Curso aconteceu durante o primeiro semestre de 2010, em Oficinas semanais com 80 (oitenta) educandas da 8ª. série. Nessa atividade de vivência coletiva, de um dia, denominada Festival Agroflorestal, para a conclusão do semestre, as jovens planejaram e realizaram o Festival junto a 263 educandas da 6ª. série e 256 educandas da 7ª. série. Cronograma O Festival Agroflorestal aconteceu no dia 26 de junho de 2010 e foi planejado com as educandas nas manhãs dos dois sábados anteriores ao do evento, sob a coordenação da equipe docente.

JOVEM ENSINA JOVEM: UMA EXPERIÊNCIA DE … · gado de significados pela leitura da realidade, começando pela atividade audiovisual, e depois aprofundando nas conversas durante a

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JOVEM ENSINA JOVEM:UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA

Fabiana Mongeli Peneireiro – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / FE-UnBFernando P. dos Santos – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / CDS-UnB

Helena Maria Maltez – Mutirão AgroflorestalPaulo Henrique Carvalhedo Nenevê

Renata Z. de Pinho – Mutirão AgroflorestalSérgio Pamplona – Mutirão Agroflorestal

1. Organização da vivência pedagógica1.1. Descrição

ResumoO Festival Agroflorestal, vivência aqui relatada, foi um dia de Oficinas sobre práticas

agroecológicas, em que educandas do ensino fundamental ensinaram outras, a partir das experiências vivenciadas por elas durante o semestre. Nesse dia foram desenvolvidas atividades teórico-práticas protagonizadas pelas educandas. A metodologia de jovem en-sinar jovem foi um sucesso, na medida em que se pode constatar que ocorreram processos de ensino-aprendizagem de mão dupla, grande motivação, descobertas, aprendizagem significativa (conhecimento pertinente), compreensão. Ao mergulharem na complexida-de da vivência, os saberes destacados por MORIN (2000) foram mobilizados e desenvol-vidos. A racionalidade e as emoções/afetividade mostraram-se indissociadas.

ContextoO Festival Agroflorestal foi uma atividade pedagógica realizada dentro do Curso de

Introdução à Jardinagem Agroflorestal, desenvolvido na Escola “Vila das Crianças”, em Santa Maria – DF. O Curso aconteceu durante o primeiro semestre de 2010, em Oficinas semanais com 80 (oitenta) educandas da 8ª. série. Nessa atividade de vivência coletiva, de um dia, denominada Festival Agroflorestal, para a conclusão do semestre, as jovens planejaram e realizaram o Festival junto a 263 educandas da 6ª. série e 256 educandas da 7ª. série.

CronogramaO Festival Agroflorestal aconteceu no dia 26 de junho de 2010 e foi planejado com

as educandas nas manhãs dos dois sábados anteriores ao do evento, sob a coordenação da equipe docente.

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Sete saberesTodos os saberes destacados por MORIN (2000) se manifestaram durante a vivência.

Enfrentar as incertezas foi uma tônica, pois as educandas se depararam com o desafio de ensinar as outras meninas, algo que nunca haviam feito antes. Para os docentes também foi uma aventura. Embora o planejamento tenha sido exaustivo, a proposta era abrir opor-tunidades de interação para que a complexidade emergisse do processo. Os princípios do conhecimento pertinente foram abordados na complexidade das atividades, bem como reflexões sobre a condição humana associada à identidade terrena e à ética do gênero humano. Além disso, as educandas se colocaram no papel tanto de quem ensina quanto de quem aprende, exercitando a compreensão.

1.2. DetalhamentoBreve histórico da instituição

A “Vila das Crianças”, do Instituto Social das Irmãs de Maria de Banneux, em Santa Maria – DF, é uma instituição filantrópica para meninas de baixa renda (a maioria prove-niente das regiões norte e nordeste), que cursam o ensino fundamental (de sexta a oitava séries) e ensino médio profissionalizante. As educandas (somente mulheres) permane-cem na escola em regime de internato.

Objetivos geraisDesenvolver nas jovens uma cultura para a sustentabilidade, despertando-as para

atuar como agentes de mudança, utilizando práticas agroecológicas.

Objetivos específicos1) Sensibilizar jovens para a sustentabilidade;2) Desenvolver a liderança/protagonismo a partir do envolvimento, criatividade e

atividades ativas de ensino-aprendizagem;3) Promover um espaço de aprendizagem significativa, a partir de uma vivência que

permita que saberes associados a uma cultura de paz e de sustentabilidade sejam traba-lhados ao se lançar o desafio de jovens ensinarem jovens.

Descrição dos processos e da intencionalidade da vivênciaNo quadro abaixo se apresenta, resumidamente, o relato da vivência em suas etapas:

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Etapas da vivência (atividades) Breve descrição das atividades Recursos utilizados Duração

Fase preliminar:Planejamento

Chuva de idéias (o que se pretendia com o Festival, que assuntos queriam tratar, que atividades preten-diam realizar...). Ensaio prévio.

Conversas em círculos pequenos. As idéias foram anotadas em cartazes

8 h

Execução(vivência): Acolhimento:dança circular

As meninas da 6ª. e 7ª. série entraram em um grande salão, em silêncio, ao som de uma música suave, em fila, conduzida por uma pessoa., em espiral, com passos ritmados.

som 20 min

Boas vindase apresentação da programação

Uma menina da 8ª. série deu as boas vindase apresentou oralmente a programação do Festival.

Apresentação oral 5 min

Dinâmica:Fazer chover

Atividade corporal, de concentração e atenção.Fazer som no ritmo da chuva.

Utiliza-se o próprio corpo 10 min

Introduçãoconceitual(áudio-visual)

Projeção de fotos sobre impactos socioambientais, aspectos positivos e negativos da relação humana com a natureza e entre pessoas. Ao final, uma das meninas da 8ª. série relacionou a apresentação com o Curso de Jardinagem Agroflorestal.

Data showárea demonstrativa

30 min

Divisão dos sub-grupos paraoficinas temáticas

Cada oficina foi anunciada à frente para queas meninas pudessem se dividir em funçãode seus interesses

Cartazes com o nome das oficinas

10 min

Visita guiadaà área de plantiodas meninas

Cada grupo temático se dividiu em sub-grupose foram visitar as áreas de plantio,com a orientação das meninas da 8ª. série

Caminhada pela área, observação e diálogo

50 min

Realizaçãodas Oficinas:

i) compostagem e minhocário: reflexão sobre os plantios, teatro, prática de compostagem e minhocá-rio, avaliação; ii) biofertilizante: explicou-se o que é, teatro, prática, avaliação; iii) plantios (3 grupos): observação da área, identificação das sementes, pre-paro da terra, plantio, conceitos envolvidos, avalia-ção; iv) solo vivo: importância da matéria orgâni-ca, aproveitamento dos recursos locais, prática de cobertura do solo, avaliação; v) estaleiro ou girau: prática de preparar estrutura para tutorar o pé de maracujá utilizando recursos acessíveis, avaliação; vi) produção de mudas: importância das sementes, suas características, preparar substrato e confeccio-nar mudas, avaliação; vii) educomunicação: jornal e rádio: registro das Oficinas para socializar as ativi-dades, produzir jornal mural e programa de rádio.

Cada oficina mobilizou recursos específicos como: ferramentas, sementes, resíduos orgânicos locais, varas de bambu, esterco, gravador, máquina fotográfica, etc.

1h 30 min

Avaliação As meninas da 8ª. série escreveram um texto individual sobre o Festival

Papel e caneta Durantea semanaseguinte

ao Festival

Abaixo seguem algumas reflexões sobre a vivência, dialogando com os Sete Saberes (MORIN, 2000) e exemplificados com depoimentos das meninas.

A vivência como lugar natural da aprendizagemTodos os saberes se interconectaram numa trama complexa. Na complexidade da aventura dessa

vivência pudemos observar o desenvolvimento de alguns saberes relacionados ao desenvolvimento de uma cultura de paz e da educação para a sustentabilidade.

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As cegueiras do conhecimentoAo observarem a área de plantio, numa leitura crítica, as meninas puderam observar

o que estava funcionando e o que não. Assim, também aprenderam com os erros. Por exemplo, um paradigma muito presente era o relacionado à estética e à organização, que reflete em manter a terra limpa, varrida, o principal motivo da terra da escola estar degra-dada e infértil. Cobrir o solo com matéria orgânica é fundamental para promover a vida da terra e mantê-la fértil. Desconstruir esse padrão de estética foi um desafio. Observar os resultados dos plantios nessas condições facilitou a desconstrução dessa concepção. Na interação com as outras meninas, puderam aprender ainda mais:

“Aprendi muito, coisas que eu nunca havia percebido as meninas me mostraram”.

Os princípios do conhecimento pertinenteEsse saber esteve presente ao se abordar o assunto de forma contextualizada, carre-

gado de significados pela leitura da realidade, começando pela atividade audiovisual, e depois aprofundando nas conversas durante a visita e nas oficinas, as meninas mostra-ram-se motivadas e incorporaram novos conhecimentos.

“Nessa aula eu me senti como uma profissional e tive muito orgulho de mim, pois gostei de explicar as coisas principalmente quando faz parte do que eu trabalho”.

Enfrentar as incertezasAo lidar com o desafio, com o novo, emergiram preconceitos, insegurança, mas que

com o decorrer da vivência foram se esvaindo.“Pensamos que seria difícil trabalhar com muitas meninas”“No começo eu pensava que eu não iria conseguir explicar...”

Ensinar a compreensãoDurante a vivência elas exercitaram a paciência, tolerância, a solidariedade, a com-

paixão (ao se colocar no lugar do outro – professor ou educanda). “Fiquei muito feliz em dar aula, mostrar meus conhecimentos, fiquei mais feliz em

saber que elas aprenderam”.

A vivência como lugar natural do lúdicoEm todas as oficinas apareceu a brincadeira, de forma espontânea ou programada no

roteiro, como estratégia de transmitir conceitos, ou mesmo como momento de celebra-ção ao final das Oficinas, reforçando o sentido de união no grupo. É mais natural que as crianças incorporem os aspectos lúdicos nos processos pedagógicos quando são agentes desse processo, pois não estão preocupadas com formalidades externas.

“Algumas no início acharam ruim porque pensavam que nós iríamos ficar só con-versando é nada de prática”.

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“... só falar ia ficar chato pra caramba”.“No dia 26 de junho foi muito divertido. Fizemos várias coisas da importância que

era fazer a nossa terra ficar fértil e cuidar do nosso planeta”.“...fizemos algumas brincadeiras, apresentamos um teatro improvisado... com o pas-

sar do tempo elas foram gostando...”.

A vivência como lugar natural do engajamento pela reforma do pensamentoNa vivência, ao exercitar a práxis, possibilita a reforma do pensamento. Muitas con-

cepções a priori são repensadas e muitas vezes refutadas.“Eu gostei muito da experiência, pois nunca imaginei que transmitir o que conhe-

cemos fosse tão bom. Antes de ter realizado, imaginei que fosse ser ruim, mas percebi que não foi o que imaginei antes: às vezes as coisas não são difíceis, somos nós que as colocamos através de uma barreira que não nos deixa prosseguir”.

“As meninas do meu grupo não gostavam muito assim de colocar a mão na terra, po-rém, no final, elas já não queriam mais tirar a mão da terra, e eu fiquei tão feliz em saber que tinha conseguido mudar o que elas pensavam, e com isso, aprendi que posso fazer várias outras coisas que imaginei que não fosse fazer nunca, e mais, quem disse que o impossível não pode virar possível?”.

A vivência como lugar natural da ética da solidariedadeAo se relacionar (explicar, praticar) com as outras educandas, puderam exercitar a

solidariedade, aspecto que emerge no coletivo.“Aprendi que só a gente cuidando através daquilo que fazemos é muito bom, mas nós

e outras pessoas é melhor ainda, na conscientização”.“Eu aprendi a ter paciência e que devemos passar o nosso conhecimento para as ou-

tras e não ficar só para a gente e sim compartilhar”.

Avaliação da vivênciaA avaliação foi feita ao final de cada sub-grupo nas oficinas temáticas. As educan-

das da 8ª. série escreveram textos sobre suas experiências, sinalizando que os objetivos foram atingidos. Pudemos observar nos depoimentos das meninas, que expressaram sua emoção, o prazer de terem superado o desafio, se mostraram orgulhosas pelo sucesso alcançado, se sentiram capazes, motivadas, desenvolveram habilidades de comunicação, síntese, fizeram juntas na prática, responderam perguntas, aprenderam com a experiência das outras, perceberam que todo mundo tem algo a ensinar e a aprender, se colocaram no papel de professora e de aluna, sedimentaram conceitos. Ficou clara a importância de tratar a educanda como capaz, de dar oportunidade para desabrochar o potencial humano de construir o conhecimento a partir da curiosidade, da prática, das relações.

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1.3. BibliografiaMORIN, E. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasí-lia, DF: UNESCO, 2000. 118p.

Todos os sete saberes se manifestaram durante a vivên-cia. Enfrentar as incertezas foi uma tônica, pois as educandas se depararam com o desafio de ensinar as outras meninas, algo que nunca haviam feito antes. Para os docentes também foi uma aventura. Os princípios do conhecimento pertinente foram abordados na complexidade das atividades, bem como reflexões sobre a condição humana associada à identidade terrena e à ética do gênero huma-no. Além disso, as educandas se colocaram no papel tanto de quem ensina quanto de quem aprende, exercitando a compreensão.

Resumo:O Festival Agroflorestal, vivência aqui relatada, foi um dia de Oficinas sobre prá-

ticas agroecológicas, em que educandas do ensino fundamental ensinaram outras, a partir das experiências vivenciadas por elas durante o semestre. Nesse dia foram desenvolvidas atividades teórico-práticas protagonizadas pelas educandas. A metodo-logia de jovem ensinar jovem foi um sucesso, na medida em que se pode constatar que ocorreram processos de ensino-aprendizagem de mão dupla, grande motivação, descobertas, aprendizagem significativa, compreensão. Ao mergulharem na complexi-dade da vivência, os saberes destacados por Edgar Morin foram mobilizados e desen-volvidos. A racionalidade e as emoções/afetividade mostraram-se indissociadas.

Desenvolver nas jovens uma cultura para a sustentabilidade, despertando-as para atuar como agentes de mudança, utilizando práticas agroecológicas;

Promover a liderança e o protago-nismo a partir do envolvimento, cria-tividade e atividades ativas de ensino-aprendizagem;

Promover um espaço de aprendi-zagem significativa, a partir de uma vivência que permita que os saberes se-jam trabalhados ao se lançar o desafio de jovens ensinarem jovens.

Sensibilizar jovens paraa sustentabilidade

Jovem ensina jovem: Uma experiência de aprendizagem transformadora

Palavras-chaves:educação para a sustentabilidade, jovem educador, agroecologia

Fabiana Mongeli Peneireiro – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / FE-UnBFernando Passos dos Santos – Mutirão Agroflorestal / Lab. da Complexidade / CDS-UnB

Helena Maria Maltez – Mutirão AgroflorestalPaulo Henrique Carvalhedo Nenevê

Renata Z. de Pinho – Mutirão AgroflorestalSérgio Pamplona – Mutirão Agroflorestal

Em todas as oficinas apareceu a brin-cadeira, de forma espontânea ou pro-gramada no roteiro, como estratégia de transmitir conceitos.

Pudemos observar nos depoimentos das meninas, que expressaram sua emo-ção, o prazer de terem superado o desa-fio, se mostraram orgulhosas pelo sucesso alcançado, se sentiram capazes, motiva-das, desenvolveram habilidades de comu-nicação, síntese, fizeram junto na prática, responderam perguntas, apren-deram com a experiência das outras, perceberam que todo mundo tem algo a ensinar e a aprender