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JOYCE PERIN SILVEIRA
REESTRUTURAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA: UM ESTUDO SOBRE A CONVERGÊNCIA DA
REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS E DEFESA DA CONCORRÊNCIA
IE / UFRJ 2000
ii
REESTRUTURAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA: UM ESTUDO SOBRE A CONVERGÊNCIA DA
REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS E DEFESA DA CONCORRÊNCIA
JOYCE PERIN SILVEIRA
Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ
Grau de Mestre em Economia Orientador: Helder Queiroz Pinto Junior D.Sc. Université Grenoble – 1993
Rio de Janeiro – RJ 2000
iii
REESTRUTURAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA: UM ESTUDO SOBRE A CONVERGÊNCIA DA
REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS E DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Joyce Perin Silveira
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
___________________________________ Prof. Helder Q. Pinto Jr. – Orientador
D.Sc. Université Grenoble, 1993
__________________________________ Prof. João Lizardo R.H. de Araújo
D.Sc. Université Toulose, 1968
__________________________________ Prof. Luiz Augusto Horta Nogueira
Doutor UNICAMP, 1987
____________________________ Profa. Maria Tereza Leopardi Mello
Doutora UNICAMP, 1995
Rio de Janeiro – RJ
2000
iv
Ficha Catalográfica
Silveira, Joyce Perin. Reestruturação das Indústrias de Infra-estrutura
Energética: Um Estudo sobre a Convergência da Regulação de Monopólios e Defesa da Concorrência/ Joyce Perin Silveira. Rio de Janeiro: UFRJ / IE, 2000.
xiii, p.165, fig.17, gráf.5, quad.11. Dissertação – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, IE. 1. Barreiras à Entrada. 2. Regulação Setorial e
Legislação Antitruste. 3. Gás Natural. 4.Dissertação (Mestrado – UFRJ / IE).
I. UFRJ. Instituto de Economia. II. Pinto Jr., Helder Queiroz, orientador.
vi
“... PARA SÊ GRANDE, SÊ INTEIRO. NADA TEU EXAGERA OU EXCLUI.
SÊ TODO EM CADA COISA. PÕE QUANTO ÉS NO MÍNIMO QUE FAZES...”
RICARDO REIS
viii
Ao meu orientador Helder, não só pelo grande apoio, amizade, incentivo e demonstração de
competência durante todas as fases desta dissertação, mas também pela oportunidade que me proporcionou
de trabalhar nesta área tão fascinante.
Aos professores e funcionários da Pós-Graduação do Instituto de Economia da UFRJ, pela
orientação acadêmica e apoio administrativo, respectivamente. Em especial ao Grupo de Energia, o qual tive
a chance de trabalhar por seis meses. Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
A todos os colegas de curso, especialmente aos meus companheiros Mariana, Marina, Luciano e
Mauro, pela acolhida tão calorosa que recebi, fazendo com que a minha adaptação a essa cidade ocorresse
instantaneamente. Agradeço à ajuda despendida nos momentos difíceis e às infinitas horas tão agradáveis que
jamais poderei me esquecer.
À Elaine, por ter dividido comigo, dois anos e meio, não somente a mesma casa, mas as alegrias e
angústias vividas neste período.
Não poderia deixar de agradecer aos colegas e amigos que estou tendo o prazer de compartilhar na
ANP. Ao Gilson, pelo estímulo e ajuda cotidiana, esclarecendo pacientemente minhas inúmeras dúvidas. À
Teresa, Eliana e Leonardo, pela colaboração na indicação de referências bibliográficas, muito úteis à
elaboração desse trabalho. À Gilda e Elena, por não terem medido esforços para atenderem aos meus
pedidos, que reconheço, não foram poucos. À minha equipe de trabalho, em particular Daniela, Luciana e
Manoel, pela ajuda e amizade.
Aos professores Gilson, Carmen e Cesário, por tão prontamente terem respondido ao meu
questionário. Ao Ruy Santacruz, por igualmente ter respondido às minhas questões.
À minha família, por ter me proporcionado, mediante muito esforço, as condições essenciais para
que eu pudesse conquistar mais esta etapa.
Ao Ricardo, que através de seu incentivo, confiança e compreensão, encorajou-me a iniciar esse
desafio.
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para o desenvolvimento desse
trabalho.
ix
RESUMO
O propósito principal dessa dissertação consiste na investigação
de como os instrumentos de regulação setorial e de defesa da
concorrência deverão ser combinados para a constituição de um novo
marco regulatório nas indústrias de infra-estrutura energética. A retirada
das barreiras técnicas e institucionais nesses setores tem gerado
profundas transformações na estrutura produtiva e acirramento da
concorrência em escala mundial. Isto viabiliza uma série de novas
configurações industriais, atraindo novos agentes e uma redefinição do
posicionamento estratégico das empresas já instaladas.
No que concerne ao Brasil, após a Lei de Criação da ANP (Agência
Nacional do Petróleo), a percepção de que os instrumentos de regulação
setorial não mais seriam suficientes, tem culminado na criação de um
novo arranjo institucional que privilegia o compartilhamento de
informações e competências para a resolução de eventuais conflitos. Isso
requer a aproximação do órgão de regulação setorial das instâncias
responsáveis pela defesa da concorrência. Este compartilhamento é
fundamental para viabilizar o objetivo central das reformas empreendidas:
melhoria da eficiência econômica setorial, através da promoção da
concorrência.
x
ABSTRACT
The main purpose of this dissertation is the investigation of the
instruments of sectorial regulation and the competition defense and how
they should be combined for the constitution of a new regulatory mark in
the energy infrastructure industry. The retreat of the technical and
institutional barriers in those segments has been generating deep
transformations in the productive structure and increasing competition
scale worldwide. It results in a series of new industrial configurations,
attraction of new agents and a redefinition of the strategic positioning of
the existing companies.
In Brazil, after the creation of the National Agency Petroleum Law,
the perception that the sectorial regulation instruments do not fit
anymore, creates a new institutional arrangement that is based on the
sharing of information and responsibility in the resolution of eventual
conflicts. This requires the involvement of the sectorial regulation with the
instances responsible for the defense of the competition. In doing so, it is
possible to achieve the main objective of the undertaken reforms:
improvement of the sectorial economical efficiency through the
competition promotion.
xi
SUMÁRIO
Página LISTA DE QUADROS xii LISTA DE GRÁFICOS E FIGURAS xiii INTRODUÇÃO 11 A NATUREZA E OS DETERMINANTES DAS BARREIRAS À ENTRADA 61.1. A Natureza das Barreiras à Entrada 71.2. Os Determinantes das Condições de Entrada nas Indústrias de Infra-Estrutura
Energética 16
2 A REDUÇÃO DAS BARREIRAS À ENTRADA E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES NAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA
20
2.1. A Evolução das Barreiras à Entrada 202.2. Evolução dos Modelos de Organização Industrial 242.3. Ampliação das Opções Estratégicas 323 REGULAÇÃO SETORIAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA 393.1. Justificativas da Regulação Setorial 403.1.1. Definição de Monopólio Natural 413.2. Objetivos da Regulação Setorial 453.3. Instrumentos da Regulação Setorial 483.3.1. Regulação de Preços 483.4. Regulação da Concorrência 573.4.1. A Legislação Antitruste 573.5. Principais Atos e Condutas Sujeitos à Legislação Antitruste 683.5.1. Poder de Mercado e Análise Antitruste 683.5.2. Condutas Anticompetitivas 723.6. Procedimentos de Análise 744 O PAPEL DA REGULAÇÃO NA REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA DO GÁS
NATURAL 76
4.1. A Indústria do Gás Natural 784.1.1 Características Técnico-Econômicas do Setor de Gás Natural 794.2. Redução das Barreiras Institucionais e Técnicas 834.3. Questões para Regulação 864.4. Competência da Regulação nas Diferentes Estruturas Organizacionais 945 A ORGANIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NO BRASIL E OS DESAFIOS
PARA A REGULAÇÃO 103
5.1. A Indústria de Gás no Brasil 1055.2. A Evolução da Estrutura Industrial do Setor: Queda das Barreiras Institucionais e de
Mercado 107
5.3. Tendência de um modelo para a Indústria do Gás Nacional 1135.3.1. A Oferta e Demanda de Gás 1165.4. Estratégias dos Agentes na Formação do Mercado de Gás 1175.5. Implicações para a Regulação Setorial e Defesa da Concorrência 121
xii
5.5.1. Escopo de Atuação da Regulação Setorial 1235.5.2. Escopo de Atuação da Regulação da Concorrência 1255.6. Necessidade de Cooperação Inter-Institucional e seu Arranjo Institucional 129 CONCLUSÃO 137 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 141 ANEXOS 148
LISTA DE QUADROS
Página 2.1. Nível de Barreiras por Segmento de Atividade 213.1. Políticas regulatórias apropriadas 473.2. Princípio de regulação tarifária nas indústrias de rede 563.3. Políticas de concorrência nas três escolas 674.1. Usos do gás natural 825.1. Evolução das reservas provadas, produção e consumo de gás natural 1065.2. Evolução institucional da indústria do gás natural 1085.3. Participação dos agentes na cadeia produtiva e atividades correlatas no Brasil 1185.4. Comportamentos estratégicos das empresas de infra-estrutura 1215.5. Evolução da legislação da defesa da concorrência no Brasil 1265.6. Critério para a resolução de possíveis conflitos em relação á competência regulatória 131
xiii
LISTA DE GRÁFICOS Página
1.1. Vantagens absolutas de custos 10 1.2. Economias de escala 12 3.1. Curva de custo médio mínimo para duas firmas 42 3.2. Sustentabilidade do monopólio natural acima de Q´ 44 3.3. Solução Second Best 52
LISTA DE FIGURAS Página
2.1. Monopólio verticalmente integrado (modelo1) 25 2.2. Integração vertical com produção aberta (modelo 2) 28 2.3. Abertura das redes de transporte (modelo 3) 29 2.4. O pool do transporte (modelo 4) 30 2.5. Distribuição mista (modelo 5) 31 3.1. O modelo E-C-D e política antitruste 64 4.1. A indústria do gás natural 79 4.2. Regulação, conduta e desempenho 91 4.3. Monopólio verticalmente integrado (modelo1) 96 4.4. Integração vertical com produção aberta (modelo 2) 97 4.5. Abertura das redes de transporte (modelo 3) 98 4.6. O pool do transporte (modelo 4) 99 4.7. Distribuição mista (modelo 5) 100 5.1. Modo de organização da indústrai de gás natural no Brasil 110 5.2. Modelo industrial para a indústria do gás – abertura do segmento de
transportes 115
5.3. Arranjo institucional ANP-SDE – Atos de concentração 133 5.4. Arranjo institucional ANP – SDE – Práticas restritivas 134
INTRODUÇÃO
O processo de desregulamentação das indústrias de infra-estrutura energética1,
iniciado nos anos 80, tem ocasionado profundas mudanças na estrutura organizacional das
empresas, bem como nas suas opções estratégicas. A modificação de fatores institucionais
direcionados à abertura desses setores à concorrência tem favorecido o surgimento de novas
oportunidades de negócios.
Aliado a essas mudanças institucionais, observa-se também o avanço do progresso
tecnológico que tem possibilitado, do ponto de vista técnico, a abertura das redes
constituídas de monopólios naturais verticalmente integrados dando lugar a estruturas
fragmentadas e passíveis de concorrência em alguns segmentos. Essa ruptura com os
modos tradicionalmente concebidos de organização industrial e o surgimento de novos
modelos (ainda não bem definidos) com a inserção de diferentes formas de pressões
concorrenciais, tem suscitado a revisão do comportamento dessas empresas em relação às
suas culturas empresariais e opções estratégicas.
Esse conjunto de transformações técnicas e institucionais traz questionamentos
quanto às funções da regulação: à medida em que estas estruturas passaram a comportar
segmentos com diferentes estruturas de mercado, cada vez mais pode ser observada uma
tendência de sobreposição das competências regulatórias2.
1 Essa denominação é atribuída às indústrias de rede de energia, como eletricidade e gás. Neste trabalho, o foco de análise estará voltado para a indústria do gás natural. 2 O termo competência aqui utilizado pode ser definido como a área e o poder de atuação de determinado órgão, seja ele de regulação setorial ou de defesa da concorrência. E por fronteira de competência entende-se o limite de atuação condizente a cada um dos órgãos.
15
Assim, o objetivo dessa dissertação consiste na investigação das funções da
regulação setorial e de defesa da concorrência ante as novas configurações industriais que
têm emergido. Além disso, independente de uma definição de competências, analisa-se
como que operacionalmente as instituições responsáveis pela regulação têm exercido suas
missões.
A principal questão a ser respondida nesta dissertação pode ser assim formulada: de
que forma o exercício da regulação deve compatibilizar os objetivos da regulação setorial,
associada à noção de serviço público, com a promoção da concorrência em alguns
segmentos?
No Brasil esse tema assume grande importância, uma vez que essas transformações
têm resultado tanto no aparecimento de novas instituições, no caso, a criação das agências
reguladoras setoriais, como na necessidade de compatibilização entre esses órgãos
nascentes e os já existentes, como CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)
e SDE (Secretaria de Direito Econômico).
Essa discussão será ilustrada com o estudo do gás natural no Brasil. A razão para
essa escolha deveu-se ao fato de que, dentre as indústrias de rede, esta indústria possui
particularidades que tornam ainda mais necessário o desenvolvimento de instrumentos que
compatibilizem ambas as formas de regulação. São elas: i) indústria em estado inicial de
desenvolvimento3 e dependente de um crescimento no mercado; ii) grande potencial de
crescimento, uma vez que as políticas têm sido voltadas para a sua utilização em larga
3 Em países europeus e norte-americanos, embora seja também recente, datando dos anos 60, sua infra-estrutura já possui um grau de maturidade bem mais avançado do que no Brasil. Neste, ainda boa parte da infra-estrutura tem que ser criada e, por sua vez, um mercado consumidor, para que a sua construção seja viável.
16
escala e; iii) a regulação das atividades está fragmentada em duas esferas administrativas, a
nível federal e estadual.
Isto posto, a dissertação está organizada da seguinte maneira. O primeiro capítulo
procura investigar a natureza e os determinantes das barreiras à entrada, com base nos
aportes teóricos, fundamentalmente, de Joe Bain (1956), o precursor nos estudos desse
tema. Quanto a seus determinantes, a análise centrou-se na abordagem elaborada por Chang
(1997), devido à sua argumentação quanto à evolução econômica, ressaltando os aspectos
institucionais e tecnológicos, desde os anos 40 até os dias atuais.
No capítulo 2 estuda-se o impacto da retirada das barreiras à entrada na
fragmentação de um sistema energético tradicionalmente concebido como verticalmente
integrado, através da implementação de uma dinâmica concorrencial por parte dos agentes
envolvidos no setor. Ao longo do capítulo será contemplada a evolução do nível das
barreiras à entrada por segmento de atividade, com base em entrevistas realizadas com
especialistas na área energética; as principais configurações industriais que têm se formado,
utilizando os modelos exibidos por Chevalier (1997) e; as novas opções estratégicas
empreendidas, a partir de autores como Chandler (1990), Chevalier (1995 e 1997), entre
outros4.
O objetivo do terceiro capítulo consiste na apresentação dos fundamentos teóricos
para a regulação de monopólios e para a regulação da concorrência, bem como os
instrumentos de que dispõem os órgãos reguladores para exercê-las. Em relação à regulação
4 Vale ressaltar que como o objetivo principal da dissertação centra-se na questão regulatória, o estudo das estratégias não teve um levantamento teórico exaustivo. Os autores utilizados foram, em grande parte, ligados aos setor energético.
17
setorial, seus principais objetivos e instrumentos são elencados. Quanto à defesa da
concorrência, apresenta-se os fundamentos da legislação antitruste e os novos princípios
para a regulação da concorrência, apontando os principais atos e condutas sujeitos à análise
antitruste. Os aspectos conceituais deste capítulo foram fundamentados, principalmente,
pelas abordagens de Viscusi et al. (1995), e Hovenkamp (1994), por se tratarem de
referências respeitadas na literatura sobre o tema em questão.
Nos dois capítulos finais, o foco de análise centra-se exclusivamente para a indústria
do gás natural. A primeira parte do quarto capítulo destina-se ao entendimento das
características técnicas e econômicas da indústria do gás, ressaltando seu modo de
organização tradicional e a introdução de pressões competitivas em alguns de seus
segmentos. Em seguida, a partir da observação de que as novas configurações estão
compostas tanto por segmentos passíveis de concorrência, como também por estruturas que
permanecerão caracterizadas por monopólios, levantam-se várias questões em relação às
funções da regulação, a partir dos argumentos referenciados por Joskow (1996).
Finalmente, retoma-se as configurações industriais apresentadas no capítulo 2, apontando
as principais competências a serem desempenhadas pela regulação setorial e regulação da
concorrência, bem como entre os órgãos reguladores setoriais.
18
O quinto capítulo concentra-se no processo de reestruturação da indústria do gás
natural no Brasil. Em primeiro lugar, caracteriza o processo de abertura do setor energético
no Brasil, ressaltando a retirada das barreiras quanto a seus determinantes institucionais5 ou
técnicos. Em um segundo momento, são examinadas as funções e o impacto da nova
estrutura para a regulação setorial e da concorrência. Por fim, trata-se do arranjo
institucional6 de cooperação técnica que tem sido desenvolvido entre os órgãos reguladores.
5 A queda das barreiras de ordem institucional refere-se a mudanças na regulamentação vigente. 6 De acordo com Dosi (1988) arranjos institucionais são formas institucionais específicas e variáveis no tempo nas quais permitem as interações sociais pelas quais os processos econômicos se desenvolvem. Essas formas proporcionam a interação entre firmas e o mercado, e consequentemente afetam o sistema produtivo como um todo. Na França, arranjo institucional é uma tradução para o termo inglês governance. No Brasil, este termo é, muitas vezes, utilizado como estruturas de governança.
19
CAPÍTULO 1
A NATUREZA E OS DETERMINANTES DAS BARREIRAS À ENTRADA
As indústrias de infra-estrutura energética estão passando por uma evolução na
escala mundial, no sentido de que o sistema, caracterizado por segmentos verticalmente
integrados e conduzido a mercados cativos, tem cedido lugar a uma gama de estruturas em
que coexistem segmentos abertos à concorrência e segmentos que permanecerão com
estruturas de monopólios.
Atribui-se a este processo de transformação a redução das barreiras à entrada, tanto
por circunstâncias institucionais, como tecnológicas. A possibilidade da entrada de novos
operadores tem gerado dois fenômenos que antecedem a concepção de um novo marco
regulatório: uma “deformação” progressiva dos modelos organizacionais que
predominavam até então e um movimento de adaptação da regulamentação vigente.
Isto posto, para que se possa compreender o papel da redução das barreiras à entrada
na reestruturação dessas empresas, deve-se investigar nos próximos dois capítulos a
seguinte questão: qual a influência da redução dessas barreiras sobre os novos modelos
organizacionais?
Neste trabalho adota-se o conceito de barreiras à entrada desenvolvido por Bain. Na
literatura econômica há também a definição elaborada por Stigler, na qual as barreiras à
entrada representam um custo de produção inerente à entrante, mas não à firma já
estabelecida (Stigler, 1968 apud Hovenkamp, 1994). A razão para essa escolha consiste no
fato de que a definição Bainiana é a comumente adotada pela análise antitruste.
20
Este capítulo examina os principais aspectos teóricos sobre as barreiras à entrada, de
forma a elaborar um instrumento analítico, necessário ao entendimento das novas estruturas
industriais vigentes.
1.1. A Natureza das Barreiras à Entrada
De acordo com Bain (1956) a condição de entrada é, antes de tudo, uma condição
estrutural e de longo prazo, que representa o percentual pelo qual as firmas estabelecidas
podem elevar seu preço persistentemente acima de determinado nível competitivo7 sem
atrair novos entrantes.
Nas hipóteses do autor, exclui-se do conceito de entrada: i) a compra de uma
empresa já atuante por outra; ii) expansão da capacidade de uma empresa já existente e; iii)
entrada de uma empresa já estabelecida em outra indústria.
Segundo Bain (1956), embora a condição de entrada, na maioria dos casos
empíricos, tenha um caráter estável e de longo prazo, essa condição não necessariamente
apresenta-se permanente e imutável. As características estruturais básicas de um mercado
podem mudar e a condição de entrada poderá então modificar-se tornando-se compatível
com a nova estrutura8. Além disso, o nível de barreiras à entrada pode representar um
indicador da factibilidade ou não da concorrência.
7 Bain (1956) definiu nível competitivo de preços como sendo o custo médio mínimo que pode ser conseguido na produção, distribuição e venda do bem em questão, incluindo a taxa de retorno normal do investimento da empresa. 8 Também será visto que mudanças estruturais podem ser em decorrência das estratégias empreendidas pelos agentes econômicos.
21
De acordo com Guimarães (1983) a presença de barreiras à entrada significa que,
embora as firmas incumbentes aufiram lucros extraordinários, estes são inacessíveis às
entrantes potenciais.
Formalmente, pode-se caracterizar a condição de entrada do seguinte modo
(Fagundes & Pondé, 1998):
E = (P1 – Pc)/Pc onde, (1)
E = condição de entrada;
P1 = preço limite: máximo que a firma pode cobrar sem que atraia novos
entrantes;
Pc = preço que seria cobrado em mercados competitivos.
Reescrevendo:
P1 = Pc (1 + E) (2)
Da equação (2) tem-se que quanto mais difícil a condição de entrada, maior será o
preço cobrado pela firma ou pelo oligopólio, sem que haja ameaça da entrante potencial.
Essas vantagens que os agentes estabelecidos têm sobre entrantes potenciais
constituem-se em barreiras à entrada. A natureza destas barreiras está associada à
diferenciação de produto, vantagens absolutas de custos, economias de escala e
investimentos iniciais elevados (Bain, 1956). Por sua vez, os determinantes da condição de
entrada estão relacionados a fatores institucionais9 e tecnológicos.
9 O fatores institucionais podem gerar barreiras à entrada como as consideradas por Bain, ou podem representar per se uma barreira à entrada. No decorrer do trabalho, denomina-se barreiras institucionais aquelas de caráter exclusivamente legal e por barreiras técnicas ou de mercado, entende-se as de natureza Bainiana.
22
Diferenciação de produto
Esta barreira está relacionada à preferência dos consumidores, dado alguns fatores,
em adquirir produtos de empresas já existentes vis-à-vis similares apresentados por novas
concorrentes. A firma que detém esta vantagem possui algum tipo de controle sobre a
tecnologia, seja através de patentes ou conhecimento tácito; gastos significativos com
propaganda e vendas; prestígio no mercado ou então, propriedade ou controle contratual
dos melhores pontos de distribuição pela firma estabelecida, fazendo com que novos
concorrentes tenham dificuldades para fornecê-los aos consumidores, como o caso de
contratos de exclusividade com revendedores.
Do ponto de vista econômico, esta barreira significa que, em condições de custos
iguais, a curva de demanda relativa ao entrante potencial, situa-se abaixo da curva de
demanda do produtor estabelecido. Isso representa que só haverá mercado para o primeiro,
caso este venda uma determinada quantidade de seu produto a um nível de preço inferior
em relação ao praticado pela empresa já estabelecida.
Esta preferência por parte dos consumidores pode representar uma efetiva barreira à
entrada, à medida em que uma condição de equilíbrio pode ser alcançada, na qual
produtores estabelecidos aufiram lucros extraordinários sem atrair novos entrantes.
Vantagens absolutas de custos
Esta barreira decorre do fato das entrantes potenciais apresentarem custos maiores
em relação às firmas já estabelecidas. Significa dizer que os custos unitários das entrantes,
23
em diferentes escalas de produção, são maiores do que os custos unitários dos produtores
estabelecidos. Desta forma, qualquer preço que este último cobrar no intervalo
compreendido entre o seu custo (Ci) e o custo da entrante (Ce) lhe gerará lucros
extraordinários a uma escala ótima e ao mesmo tempo, um bloqueio a novos competidores
(gráfico 1.1).
Gráfico 1.1. Vantagens absolutas de custos
Fonte: Guimarães, 1983
Este diferencial de custos pode ser explicado pelo fato das empresas já instaladas
possuírem exclusividade de acesso a determinados ativos ou recursos, devido a uma gama
de fatores: i) qualificação de recursos humanos; ii) tecnologias mais eficientes disponíveis,
ficando a entrante impossibilitada de utilizá-la (patentes) ou sujeita ao pagamento de
royalties; iii) algum tipo de controle sobre o insumo, por exemplo, oriundo de uma
integração vertical ou então, acesso a um preço inferior devido ao estabelecimento de
algum contrato de exclusividade com o fornecedor, ou mesmo pela compra de grandes
quantidades; iv) vantagens na obtenção de crédito e até mesmo a possibilidade de
24
autofinanciamento e; v) limitações na oferta de fatores produtivos nos mercados associados
à demanda de uma firma entrante, gerando, com a entrada, um aumento no preço do fator.
Economias de Escala
As barreiras de economias de escala podem ser decorrentes dos seguintes fatores: i)
a escala ótima mínima corresponde a uma parcela relevante do mercado e; ii) os custos
unitários associados a escalas sub-ótimas são bem mais elevados do que os mesmos em
escalas ótimas.
Esta barreira está descrita no gráfico 1.2. A firma estabelecida está cobrando um
preço acima de seu custo médio e mesmo assim não atrai novos entrantes. Como mostrado
no gráfico, o custo médio (CME) é decrescente até o nível de produção q1, depois torna-se
constante. Dessa forma, q1 representa a escala mínima eficiente de produção. Suponha uma
única firma produzindo q2 ao preço p. Se novas firmas decidissem entrar e produzissem na
escala mínima eficiente, a oferta total da indústria seria q1 + q2. Neste ponto, os preços
estariam abaixo do custo médio e portanto, a entrada não seria lucrativa. Por outro lado,
caso a entrante produzisse a uma menor taxa, como o custo médio é decrescente, ela teria
custos muitos elevados, o que a levaria incorrer novamente em perdas caso decidisse entrar
no mercado.
25
Gráfico 1.2. Economias de escala
Fonte: Viscusi et.al., 1995
Isto implica que a entrada sub-ótima torna-se inviável à medida em que os custos
das entrantes são superiores aos dos produtores já estabelecidos e, a entrada em escala
ótima também pode ficar comprometida, pois, como a entrada geraria um aumento
significativo na capacidade instalada da indústria, ocorreria um desequilíbrio potencial
entre oferta e demanda ocasionando por sua vez, um aumento na capacidade ociosa e/ou
uma queda nos preços vigentes anteriores à entrada10.
10 De acordo com Bain (1956), esta barreira pode ser caracterizada por três tipos: i) economias reais (em termos de quantidade de fatores utilizados por unidade produzida) de produção e distribuição em larga escala, fazendo com que uma firma ótima abasteça parcela significativa do mercado; ii) economias estritamente pecuniárias (obtenção de economias em termos monetários, como em função de pagamentos menores na aquisição dos insumos) de produção em larga escala e; iii) economias reais ou estritamente pecuniárias de propaganda ou promoção de vendas em larga escala.
26
Investimentos Iniciais Elevados
Esta última barreira está relacionada ao elevado montante de investimento inicial
necessário para a viabilização de uma nova firma no mercado. Segundo Fagundes & Pondé:
“ ... por envolver a criação de nova capacidade, qualquer investimento inicial
envolve a aplicação de recursos financeiros cujo montante depende, em grande parte, de
variáveis relacionadas às tecnologias em uso, principalmente da relação capital/produto”
(1998, p.9).
No entanto, embora constitua-se em uma efetiva barreira à entrada, ela se apresenta
de maneira distinta em relação às demais. A hipótese de que a entrada depende da
expectativa da obtenção de lucros extraordinários não se aplica neste caso.
Para um entrante que não possua alguma atividade já instalada ou apresenta-se
individualmente, ou seja, sem estar vinculado a algum consórcio, é difícil a obtenção de
recursos financeiros, à medida que: i) a remuneração do capital emprestado (taxa de juros)
tende a ser bem mais alta do que a normalmente cobrada e; ii) sem uma reputação
estabelecida, o mercado de capitais pode não estar acessível.
Quando os investimentos em ativos específicos11, além de elevados, são
irrecuperáveis, esta barreira torna-se ainda mais efetiva. A barreira criada em relação à
saída pode ser considerada equivalente à barreira de entrada.
11 Ativos específicos podem ser definidos como “ ativos especializados [que] não podem ser reempregados sem sacrifício do seu valor produtivo se contratos tiverem que ser interrompidos ou encerrados prematuramente” (Williamson, 1985 apud Pondé, 1994, p.16).
27
Importante salientar que, sob determinadas condições, essas quatro barreiras podem
ter o seu efeito amortecido ou mesmo anulado. Um primeiro exemplo dessa constatação
ocorre na presença de mercados contestáveis (ver box1). Nesse caso, a presença de
barreiras à escala não dificultaria a entrada. Na ausência de custos irrecuperáveis (sunk
costs), a entrante poderia entrar e sair rapidamente do mercado (estratégia hit and run) para
auferir, temporariamente, lucros extraordinários.
Em segundo lugar, sob o ponto de vista dinâmico, isto é, sem a hipótese de que a
entrada se faz em decorrência da expectativa imediata de lucros extraordinários, o ritmo de
crescimento da demanda aparece como uma variável crucial para o exame das condições de
entrada, pois, em situação de grande crescimento de demanda, todas as barreiras podem ser
anuladas (Guimarães, 1983). Em relação à escala, a capacidade ociosa pode ser extinta com
tal expansão. Portanto, quanto maior a taxa de crescimento da demanda, mais fácil é a
entrada de novos agentes na indústria. Ainda sob o ponto de vista dinâmico, os agentes
também podem, estrategicamente, criar barreiras à entrada para a garantia de seu mercado,
o que denomina-se barreiras comportamentais.
28
BOX1. A TEORIA DOS MERCADOS CONTESTÁVEIS
A motivação para a constituição da teoria dos mercados contestáveis centrou-se na
busca de uma explicação de como mercados concentrados podiam apresentar desempenho
semelhante a mercados competitivos. A razão principal encontrada foi a presença de
concorrência potencial, ou seja, a ameaça de entrada teria o poder de disciplinar o mercado.
Um mercado é dito perfeitamente contestável, de acordo com Baumol et al. (1982), quando ele
é acessível às entrantes potenciais e obedece a duas propriedades: i) as entrantes potenciais
usufruem da mesma demanda de mercado, tendo também o acesso às mesmas tecnologias
disponíveis para as firmas estabelecidas e; ii) as entrantes potenciais avaliam a sua
lucratividade antes de inserirem-se no mercado, através dos preços vigentes das firmas
estabelecidas.
Pode-se dizer que o mercado é perfeitamente contestável quando qualquer
configuração de equilíbrio é sustentável. Isso significa que, em equilíbrio, ao preço vigente
nenhuma entrante obtém lucro. Não existiria um preço para a entrante menor do que o preço
vigente que proporcionasse uma receita maior do que o seu custo.
Essa situação só é possível devido à livre entrada (e.g. inexistência de economias de escala) e
saída, que é suposta existir, pela ausência de sunk costs (as empresas não têm custos
irrecuperáveis e portanto, não há barreiras à saída e também, torna-se possível a entrada
reversível) e, dessa forma, possibilita a estratégia hit and run. Já que não há sunk costs e a
entrada é reversível, a entrante consegue entrar, usufruir de lucros e sair sem qualquer ônus,
pois não há tempo para retaliação.
A fraqueza das firmas já estabelecidas frente à possibilidade da estratégia hit and run
faz com que a concorrência potencial discipline o mercado. Dessa forma, Baumol (1982)
generalizou o conceito de mercado em competição perfeita para mercado perfeitamente
contestável, pois, dessa forma, o equilíbrio competitivo seria alcançado independentemente da
estrutura de mercado.
A crítica comumente feita a esta teoria diz respeito às hipóteses pouco realistas
empregadas, isto é, ausência de sunk costs, tecnologia como bem livre e inexistência de
retaliação.
29
1.2. Os Determinantes das Condições de Entrada na Indústria de Infra-Estrutura
Energética12
As barreiras à entrada, independentemente de sua natureza, podem ser geradas por
circunstâncias de caráter institucional ou tecnológico, que são capazes de criar vantagens,
como as apresentadas acima, para as firmas estabelecidas. Na infra-estrutura, os
determinantes institucionais criam, em sua maioria, barreiras per se à entrada, no sentido de
que as vantagens pertencentes à firma estabelecida sustentam-se apenas legalmente.
Para que se compreenda o papel da redução das barreiras à entrada que vem se
processando no setor de infra-estrutura e conseqüentemente o surgimento de diversas
configurações industriais, é imprescindível a análise de como esta evolução vem ocorrendo
a nível institucional e tecnológico.
Nos setores de infra-estrutura energética, os fatores institucionais e tecnológicos que
determinam as condições de entrada apresentam-se numa fase de constante transformação,
iniciada desde meados dos anos 70.
A alterações institucionais que permitiram a entrada de novos atores em vários
segmentos da indústria de infra-estrutura não podem ser descritas de maneira independente
das características técnico-econômicas, específicas a estas indústrias. Em vários casos, as
mudanças ocorreram em resposta às transformações estruturais e às inovações tecnológicas.
Por outro lado, a tendência política e ideológica foram fatores cruciais para esta evolução.
12 Esta seção vai abordar a evolução institucional e tecnológica para os setores de infra-estrutura de maneira generalizada. A partir do capítulo 4, os fatores responsáveis pela queda das barreiras à entrada, no setor de gás natural, serão elencados cuidadosamente.
30
A constatação desta interdependência entre os fatores institucionais e tecnológicos
torna impossível separar seus efeitos com precisão e, por isso, a razão para que suas
evoluções sejam tratadas conjuntamente.
Chang (1997) separou a evolução histórica desses fatores em três períodos:
i) era da regulação (1945-70);
ii) transição (1970-80) e;
iii) era da desregulamentação (1980 até os dias atuais)13.
Do período pós-guerra até o final dos anos 70, as indústrias de infra-estrutura
energética eram tradicionalmente consideradas como monopólios naturais14, com pesadas
barreiras à entrada e à saída que justificavam a presença ativa do Estado como regulador e
operador. As características técnico-econômicas dessas indústrias eram: i) necessidade de
elevados investimentos em redes físicas (indústrias de rede), em boa parte irrecuperáveis,
no caso de saída e com longos prazos de maturação e; ii) escala econômica elevada para os
mercados onde operavam. Além disso, essas indústrias possuíam um relevante interesse
social.
Dado o rápido crescimento e prosperidade econômica alcançada a nível mundial,
esta época ficou conhecida como Golden Age. A partir de então, com as duas crises do
petróleo e a crise de endividamento externo nos anos 80 e ainda, o fracasso do modelo de
industrialização dos países em desenvolvimento, o desempenho das indústrias de infra-
estrutura ficou comprometido. Elas passaram a apresentar perda de dinamismo e
13 Nesta seção, não se tem o interesse de analisar o papel desempenhado pela regulação, como faz o autor. O que estará sendo enfatizado é a abertura do setor para uma economia de mercado. 14 Estrutura de mercado caracterizada por economias de escala e escopo, em que os custos de produção, para um dado nível de produção, são menores do que se estivessem operando em uma estrutura de mercado competitiva. Este conceito vai ser formalmente discutido no capítulo 3.
31
deterioração da qualidade de serviço. Com isso, falhas no controle do Estado foram
apontadas, emergindo uma nova postura quanto à interferência do Estado na economia
(Chang, 1997).
Várias abordagens teóricas surgiram nessa época para explicar a ineficiência do
Estado. De acordo com Fiani (1998), dois conceitos foram incorporados à análise
econômica dos determinantes, restrições e efeitos do governo na economia: grupos de
interesse e rent-seeking.
O primeiro, entendido como associações que buscavam a promoção do interesse
próprio de seus membros e o segundo, tratado primeiramente por Anne Krueger (1990),
que, ao centrar-se sobre restrições governamentais15, percebeu que tais restrições podiam
aumentar a renda de variadas formas que não através do funcionamento do sistema de
preços.
Ainda em relação aos grupos de pressão, foi desenvolvida a teoria da captura
regulatória. Segundo De Araújo (1997), existe captura do regulador quando é identificada a
inclinação do mesmo em favor de grupos de pressão, representados diretamente ou por
intermédio do governo; por interesses governamentais ou em favor de firmas reguladas. A
captura implica no esvaziamento do órgão regulador, pois este ao perder a sua
credibilidade, torna-se ineficaz na execução da regulação.
Justamente neste contexto de insatisfação com o Estado na operação dos setores de
infra-estrutura, combinado à necessidade de novos investimentos e o questionamento
quanto à eficiência do monopólio, é que se iniciou o processo de desregulamentação. Esses
15 Importante notar que as restrições impostas pelo governo podem ser consideradas rent-seeking, desde que sua imposição seja feita para gerar renda a um grupo específico em detrimento a toda sociedade.
32
processo foi motivado fundamentalmente pela busca do aumento de eficiência dos setores e
ampliação das atividades, através de novos investimentos, sendo eles privado ou público.
Por sua vez, a tendência de substituição do controle do Estado para uma economia
voltada ao mercado, também encontrou respaldo nas mudanças tecnológicas aceleradas,
ocorridas na década de 80.
Este avanço tecnológico tem ocasionado transformações de caráter operacional,
econômico e de mercado, levando a uma nova conformação setorial e exploração dos
serviços, à medida em que reduz as barreiras à entrada, como por exemplo, mediante
alteração na estrutura de custos.
Em suma, pode-se perceber que, embora a condição de entrada seja uma variável
basicamente estrutural, a alteração de seus determinantes, sejam eles, institucionais
(desverticalização das empresas de infra-estrutura) ou técnicos (descoberta de novos
depósitos de recursos minerais ou então inovações que reduzam as vantagens de produção
em escala) faz com que as condições de entrada possam, de fato, serem transformadas.
Precisamente por ser um processo em andamento é que inúmeras configurações têm se
formado. Até que as condições de entrada voltem a se estabilizar, analisá-las como
determinante estrutural de longo prazo para o comportamento de mercado torna-se sem
sentido16. Nessa fase, as condutas dos agentes também podem ser efetivas na alteração da
estrutura organizacional.
16 Este aspecto é fundamental para entender os desafios que a regulação deverá enfrentar neste período de transição, até mesmo no sentido de definição da fronteira de competência entre órgãos reguladores.
33
CAPÍTULO 2
A REDUÇÃO DAS BARREIRAS À ENTRADA E AS NOVAS
CONFIGURAÇÕES NAS INDÚSTRIAS DE INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA
Os determinantes institucionais e tecnológicos foram se alterando ao longo dos anos
fazendo com que houvesse uma redução das barreiras à entrada a novos agentes nas
indústrias de infra-estrutura energética.
Ao mesmo tempo em que um ambiente legal para a reestruturação foi sendo
construído, as mudanças tecnológicas aceleradas, ocorridas na década de 80, permitiam
passar das críticas a propostas concretas para a desregulamentação e reestruturação das
indústrias de infra-estrutura energética.
O objetivo desse capítulo consiste na investigação dos fatores que foram
preponderantes para a retirada das barreiras à entrada nas indústrias de infra-estrutura
energética e na apresentação dos principais tipos de configurações industriais. Por último,
analisa-se o impacto desses fatores no aumento de opções estratégicas empreendidas pelo
agentes.
2.1. A Evolução das Barreiras à Entrada
Para a aplicação do conceito de barreiras à entrada, tratado no capítulo anterior, aos
vários segmentos da cadeia produtiva das indústrias de infra-estrutura energética, utilizou-
se dois períodos. Um primeiro, denominado inicial, correspondente ao momento anterior às
transformações pelas quais vêm passando essas indústrias e, o segundo, relacionado à fase
34
atual. Esse procedimento, de caráter dinâmico, foi empregado para que se pudesse
depreender como essas transformações, seja de caráter técnico, seja institucional, têm
refletido no nível das barreiras existentes nessas atividades.
A partir do quadro 2.1 depreende-se que os fatores institucionais foram
preponderantes na redução das barreiras à entrada nas indústrias de infra-estrutura
energética.
Quadro 2.1. Nível de barreiras por segmento de atividade
Vantagem
Absoluta de custos
Economias de
escala
Barreiras de
diferenciação
Investimentos
iniciais elevados
Barreiras
Institucionais
Inicial Atual Inicial Atual Inicial Atual Inicial Atual Inicial Atual
Exploração e
Produção
(hidrocarbonetos)
+ 0 + 0 + + + + + ⎟
Transporte de gás
natural
0 0 + + 0 0 + + + ⎟
Geração de
eletricidade
0 0 + ⎟ 0 0 + ⎟ + ⎟
Transmissão de
eletricidade
0 0 + + 0 0 + + + ⎟
Distribuição de gás 0 0 + + 0 0 + + + ⎟
Distribuição de
eletricidade
0 0 + + 0 0 + + + ⎟
Comercialização de
energia
+ ⎟ + ⎟ 0 + 0 0 + ⎟
Cogeração17 0 0 + ⎟ 0 0 0 0 + ⎟
Presente (+) Nula (0) ⎟ Em queda Fonte: Elaboração própria, baseada na percepção de profissionais ligados à energia.
17 O termo "cogeração" é um neologismo de origem americana, difundido a partir do final dos anos setenta e que indica uma tecnologia conhecida e praticada desde o século passado: a produção simultânea de potência mecânica ou elétrica e calor útil, a partir de uma única fonte de calor (Nogueira, 1994).
35
Nos segmentos relacionados à produção de hidrocarbonetos e geração de
eletricidade, tanto os fatores institucionais como tecnológicos exerceram um importante
papel. No primeiro, os fatores institucionais podem ter sido alterados em resposta à
modificação do fator tecnológico. À medida em que as vantagens absolutas de custos e de
escala reduziram-se, a flexibilização dos monopólios tornou-se viável. No segundo, a
redução das barreiras relativas a economias de escala e elevados investimentos, também
favoreceu a entrada de novos agentes. Em relação ao avanço tecnológico, o
desenvolvimento de turbinas a gás a ciclo combinado18 fez com que barreiras relacionadas
à escala e altos investimentos pudessem ser substancialmente reduzidas. Os fatores
institucionais também agiram como catalisadores desse processo, pois a liberalização da
produção aos demais agentes e a remoção do aparato legal aumentaram o número de
entrantes.
Em relação ao transporte (transmissão) e distribuição, tanto para gás como
eletricidade, os fatores institucionais predominaram para a retirada das barreiras à entrada.
Em relação ao fator tecnológico, as vantagens relacionadas à escala e investimentos
elevados permaneceram19. O avanço tecnológico para esses segmentos propiciou que os
18 Os sistemas de ciclo combinado, cuja tecnologia vem apresentando significativa expansão nos últimos anos, possuem elevada eficiência na conversão de calor em energia elétrica e são aplicáveis àqueles setores industriais com importantes consumos de energia elétrica, comparativamente à demanda térmica e, nos quais, pode-se também aproveitar o vapor de baixa pressão. Um sistema de cogeração com ciclo combinado compreende: i) turbina a gás com produção de energia mecânica /elétrica; ii) aproveitamentos dos gases de escape em caldeira de recuperação ou em caldeira convencional para geração de vapor de alta pressão; iii) uma turbina de vapor com uma produção complementar de energia mecânica/elétrica e; iv) aproveitamentos em processo do vapor de baixa pressão (Nogueira, 1994). 19 As barreiras ligadas a economias de escala no setor energético assumem importância relevante nestes segmentos (como assinalado anteriormente, o avanço tecnológico não se mostrou muito sensível nesse segmento).
36
mercados se tornassem mais concentrados, como no caso da interconexão entre mercados
mais distantes.
Nas atividades da cadeia produtiva voltadas basicamente para atender o consumidor
final, comercialização de energia e cogeração, tanto os fatores institucionais como
tecnológicos propiciaram a redução das barreiras à entrada. Pelo lado institucional, em
relação à comercialização, tem-se a separação da estrutura física, da venda propriamente
dita. Esta medida fez com que se reduzissem todas as barreiras técnicas, exceto
diferenciação que, de inexistente, passou a se configurar. No que se refere à cogeração, a
liberalização de outros combustíveis nesta atividade, também favoreceu o aparecimento de
novos entrantes.
Importante ainda ressaltar, que a literatura tem apontado para uma condição de
contestabilidade, como visto no Box 1, a partir da separação da atividade física de
distribuição de energia da sua comercialização. Nessa circunstância, os sunk costs
deixariam de existir e o não requerimento de ativos físicos para a inserção nesta atividade
poderia levar a uma passagem de monopólio a mercado oligopolista perfeitamente
contestável. Neste caso, a entrada potencial seria suficiente para disciplinar o mercado.
A emergência de um sistema descentralizado e multienergético tem aparecido como
uma contestação crescente aos sistemas verticalmente integrados e monoenergéticos.
Em relação à barreira de diferenciação de produto, esta não tem muita relevância
para as atividades do setor energético, apresentando-se nos segmentos de produção de
petróleo e gás e, recentemente, na comercialização de energia.
37
Em suma, para os setores de infra-estrutura energética, enquanto as características
técnicas apresentaram-se em grande parte estáveis, os fatores institucionais contribuíram de
maneira relevante para a redução das barreiras à entrada no setor. De acordo com o
mostrado no quadro 2.1., os determinantes de ordem institucional foram os impulsionadores
de todo o processo que vem ocorrendo nas empresas de rede, gerando novas formas de
organização e dinâmica concorrencial, que, embora conservando as especificidades de cada
país, têm como princípio básico o fim do monopólio vertical e a abertura do setor à
concorrência.
Dessa forma, na infra-estrutura energética, as transformações recentes operadas
revelam que a condição de entrada é, em grande parte, o resultado de uma decisão
institucional. Esse argumento se tornará mais fundamentado quando for visto que o
principal tipo de entrada no Brasil tem se dado através de aquisição ou fusões, o que já
invalida as condições de entrada descritas por Bain.
Esse aspecto traz conseqüências diretas para a estrutura de mercado e para os
modelos de organização industrial do setor energético.
2.2. Evolução dos Modelos de Organização Industrial
Esta seção será destinada à apresentação de algumas estruturas industriais em que as
indústrias de infra-estrutura energética podem estar configuradas20. Muitas delas estão
20 Estes modelos organizacionais foram adaptados de Chevalier (1995). Apesar de serem mais diretamente relacionados com a indústria elétrica, esses modelos, segundo o autor, serve igualmente como ilustração dos modelos organizacionais da indústria do gás.
38
sendo factíveis em decorrência da redução das barreiras à entrada examinadas na seção
anterior21.
Monopólio Verticalmente Integrado
Nesta estrutura, como mostrado na figura 2.1, observa-se monopólio nos três níveis
(produção, transmissão/transporte e distribuição) e verticalmente integrado, podendo ser ele
público ou privado.
Este foi o modelo tradicional empregado durante o pós-guerra até o início dos anos
80. A justificativa teórica para a integração vertical esteve centrada basicamente sobre dois
elementos explicativos: i) garantia do aprovisionamento dos insumos essenciais, gerando
redução dos custos de produção e; ii) redução dos custos de transação (Hovenkamp, 1994).
21 O objetivo da apresentação desses modelos é propiciar uma idéia das inúmeras configurações que têm sido criadas e então, seus reflexos para a regulação. Não pretende-se contudo, fazer uma análise exaustiva de cada um. No quinto capítulo será dado um tratamento mais detalhado para o modelo utilizado para representar a tendência observada no Brasil.
39
Em relação ao primeiro elemento, a garantia de suprimento minimizaria a incerteza
quanto ao fluxo de insumos, o que possibilitaria a redução dos custos de produção. Além
disso, economias tecnológicas22 também poderiam reduzi-los.
O segundo elemento explicativo para a integração vertical relaciona-se à economia
dos custos de transação23.
O surgimento de formas institucionais para a realização de transações econômicas e
por sua vez, a elaboração de contratos, vêm justamente da necessidade de uma coordenação
das relações econômicas (governance) devido à presença de racionalidade limitada,
representação oportunista e especificidade de ativos (Williamson, 1985).
O sistema produtivo como um todo não apenas abrange a transformação técnica da
matéria-prima em produto final, como também uma série de contratos entre os agentes
econômicos; desde fornecedores das matérias-primas até os produtores dos bens
manufaturados, bem como os compradores destes bens. Seguindo este raciocínio, tem-se
que o sistema produtivo compreende compromissos inter-temporais, através dos quais
espera-se o cumprimento dos contratos. Mas, dada a incerteza do ambiente em relação a
eventos futuros e conseqüentemente o comportamento dos agentes (racionalidade limitada e
oportunismo) e a especificidade de ativos, emerge a necessidade de gerir os contratos de
forma a minimizar os custos de transação24.
22 Hovenkamp (1994) cita como exemplo a produção do aço. Por envolver duas operações distintas, ambas capital intensiva, a produção conjunta acarretaria em uma economia de custos significativa. 23 O conceito de custos de transação foi tratado inicialmente por Coase, em 1937 e refinada mais tarde por Williamson. A apresentação feita consiste na abordagem de Williamson. 24 Definidos como os custos de negociar ou garantir o cumprimento de um contrato, ou ainda, os custos incorridos para ‘planejar, adaptar e monitorar o cumprimento de tarefas” (Williamson & Ouchi (1981), apud Pondé, 1994, p.13).
40
Williamson (1985) supôs que os agentes tomadores de decisões, apesar de serem
racionais, são limitados no sentido de não conhecerem todas as alternativas possíveis
(racionalidade limitada) então, agem de forma a alcançarem um desempenho máximo, seja
atingindo uma determinada taxa de lucro, seja mantendo as vendas num patamar específico
Agentes também são oportunistas, isto é, dada a incerteza do ambiente, eles tenderão a agir
de acordo com os seus próprios interesses, usando para isso meios ilegítimos25.
Quanto à especificidade de ativos, ela é necessária no sistema produtivo, pois é
quem vai propiciar vantagens ao longo do tempo, ou seja, vantagens competitivas. Porém,
esses ativos, desde que sejam especializados, não poderão ser reutilizados sem ônus, se
alguma cláusula do contrato for alterada. É a presença da especificidade de ativos que faz
com que as relações entre os agentes deixem de ser impessoais e tornem-se muito estreitas.
É nesse contexto que a integração vertical, ao dispensar a elaboração de contratos,
evita os custos de transação que, como pôde ser visto, são bastante elevados,
principalmente quando há especificidades de ativos.
Integração vertical com produção aberta
No modelo observado na figura 2.2, a produção é uma atividade aberta, comumente
aplicada ao gás natural e mais recentemente ao setor de eletricidade. A implementação da
concorrência na produção de eletricidade teve início nos Estados Unidos com o Ato de
1978 (PURPA), rompendo com a exclusividade de produção, obrigando as empresas a
25 Note que esses dois tipos de comportamentos estão ligados à incerteza frente aos acontecimentos futuros.
41
comprarem energia de cogeradores ou de produtores independentes, almejando o aumento
de eficiência e a proteção do meio ambiente.
Embora possa haver concorrência no segmento de produção, este modelo ainda
possui características de mercado cativo. Não é permitido o acesso à transmissão/transporte
para a realização de venda ao consumidor final. A purchasing agency tem o monopólio
sobre as redes de transmissão e sobre as vendas ao consumidor final.
Este tipo de organização pode ser explicado através da redução de barreiras ligadas
à escala e custos, como também a fatores institucionais.
Abertura das redes de transporte
Esse modelo tem por característica a possibilidade de haver uma ou várias empresas
verticalmente integradas como também empresas não integradas e com as redes de
transporte abertas a terceiros, segundo modalidades variadas (figura 2.3). As associações de
empresas de distribuição e os grandes consumidores podem negociar diretamente com os
42
produtores e organizar seu abastecimento. A introdução da concorrência é mais efetiva do
que nos casos anteriores e pode levar à criação de mercados spot no caso de eletricidade e à
formação de centros de comercialização (hubs) para a indústria do gás. Como a companhia
distribuidora pode escolher o seu ofertante, há competição tanto na geração como no
mercado de atacado.
Uma vez estabelecido o unbundling e a obrigatoriedade de acesso a terceiros, isto é,
fatores institucionais, as vantagens estabelecidas tanto a montante como a jusante
desaparecem.
Pool do transporte
Nesta estrutura, de acordo com a figura 2.4, ocorre a desverticalização completa da
indústria e a separação das três funções de produção, transporte e distribuição. A rede de
transporte é aberta e conduzida por uma única empresa que assegura o despacho dos fluxos
de energia. O abastecimento é assegurado por contratos, ou por intermédio do mercado
43
spot, sob um preço estabelecido a cada meia hora. Dessa forma, novas estruturas
contratuais emergem e demandam dos órgãos reguladores um exercício permanente de
arbitragem de conflitos.
As redes de distribuição são também abertas e em alguns países já se tornou
possível que cada consumidor negocie livremente com os fornecedores de sua escolha. Os
mercados cativos são substituídos pela concorrência que pode ser estendida a todos os
segmentos. Entretanto, em diversos países, como na Inglaterra (pioneira da
desverticalização), os distribuidores podem iniciar uma reintegração vertical construindo
suas próprias unidades de produção. Mais uma vez, os fatores institucionais são
preponderantes na garantia de livre acesso às redes, além dos condicionantes tecnológicos
acima citados.
44
Distribuição mista
Neste modelo, ocorre a separação horizontal entre os diferentes segmentos
energéticos. Ele combina, geralmente na escala local, diferentes recursos energéticos
disponíveis sob a concorrência inter e intra-energéticas, de maneira a fornecer ao
consumidor diversos serviços conjuntamente (figura 2.5).
Essa opção tende a favorecer as tecnologias pouco sensíveis a economias de escala -
cogeração com utilização de resíduos e pequenas turbinas a gás com ciclo combinado.
Neste último modelo, o fator tecnológico foi também preponderante para que
houvesse a redução das barreiras de escala e investimentos na produção de energia.
Desse modo, nos cinco principais modelos que vêm se configurando no setor de
infra-estrutura energética, depreende-se que, apesar da importância da inovação
45
tecnológica26, é indiscutível que os fatores institucionais foram os que comandaram as
modificações em todos os segmentos da cadeia produtiva.
Estas perspectivas de mudanças tendem a romper as barreiras existentes entre as
diferentes fontes de energia. Entre o upstream e downstream, diferentes atores procuram
oferecer seus serviços, seus equipamentos, sua tecnologia, a partir das oportunidades que
lhe são abertas.
Conclui-se, portanto, que esta liberalização do mercado energético, entendida como
a redução das barreiras à entrada, pode ser traduzida como uma maior transparência no
nível de preços e nas condições de abastecimento. O acirramento da concorrência fez com
que as grandes empresas passassem a rever sistematicamente todas as oportunidades de
queda nos custos e mais precisamente, sobre aqueles segmentos em que possuem vantagens
comparativas sobre as concorrentes. As perspectivas de abertura das redes faz com que
apareça meios alternativos às condições de abastecimento monopolista, surgindo vários
modelos factíveis de organização industrial (Chevalier, 1997 ).
2.3. Ampliação das Opções Estratégicas27
A presença marcante de mudanças institucionais e tecnológicas a partir dos anos 80
propiciou um maior nível de eficiência e competitividade tanto nas relações produtivas
como para o mercado financeiro.
26 Como no caso de produção de eletricidade e atividades de cogeração. 27 Nesta seção procura-se abordar os tipos de opções estratégicas que vêm surgindo com a redução das barreiras à entrada no setor de infra-estrutura energética. No quinto capítulo, ao tratar do processo de reforma para o setor de gás natural no Brasil, elas serão identificadas.
46
De acordo com Chevalier (1995), essas mudanças envolvem a internacionalização
da produção e dos modelos de consumo, o desenvolvimento do comércio mundial e dos
movimentos de capitais e o aumento das interdependências econômicas e financeiras. A
liberalização das trocas resultou na busca, por parte das empresas, da adoção de estratégias
de internacionalização para reforçar sua competitividade.
Como resultado, houve um acirramento da concorrência entre as empresas na escala
mundial e a necessidade de redefinição das estratégias das empresas, no sentido de se
encontrar novas oportunidades produtivas ou financeiras. Em outras palavras, a conquista
de novos mercados é crucial para que elas continuem competindo ativamente. O fato dos
consumidores terem se tornado mais exigentes foi também um importante fator na
implementação dessas novas estratégias.
Pode-se considerar, em parte, que a alteração dos fatores institucionais para a
redução das barreiras à entrada é uma resposta a tais pressões competitivas exercidas pelo
lado da demanda (tornaram-se mais exigentes) e pela oferta (produtores que desejavam
vender seus produtos diretamente aos grandes consumidores).
Esse argumento encontra respaldo na literatura recente que aponta a ocorrência
simultânea de três processos na globalização produtiva: a crescente internacionalização da
produção, o aumento da concorrência internacional e uma integração forte entre as
estruturas produtivas das economia nacionais (Gonçalves, 1998).
Segundo Chesnais (1996), outro aspecto de fundamental relevância nesse processo
de mundialização econômica está relacionado com a incerteza quanto a esse novo cenário.
As empresas vão buscar tanto formas de minimizarem seus riscos frente aos investimentos,
como também a diminuição da duração de seus retornos, resultando em novas formas de
47
investimentos como as fusões e aquisições internacionais, cooperação entre firmas e o
desenvolvimento de redes mundialmente conectadas28.
Para Chandler (1990), o crescimento das firmas através da construção de novas
unidades – unidades estas que realizam diferentes funções econômicas (multifuncional),
operando em diferentes regiões geográficas (multiregional) e em diferentes linhas de
produto (multiproduto) – obedece à seguinte dinâmica:
“... a adição de novas unidades as permite manter uma taxa de retorno de longo
prazo sobre o investimento por reduzir os custos globais de produção e distribuição, uma
vez que estes produtos satisfazem a demanda existente e por transferir instalações e
habilidades para mercados mais lucrativos quando os retornos são reduzidos pela
competição, mudança tecnológica ou alteração na demanda de mercado” (1990, p.15).
Além disso, há outras razões ligadas à segurança de acesso aos mercados ou mesmo
para impedir que competidores busquem tal acesso, ou seja, obter controle sobre os
competidores, eliminar competição em outros segmentos ou meramente reinvestir seus
ganhos retidos.
Embora as empresas continuem buscando os mesmos objetivos que anteriormente -
lucro, crescimento, competitividade29 e market share -, a maneira como obtê-los, isto é, as
opções estratégicas foram ampliadas para especialização e produção dos mercados,
28 Note que para essa estratégia, em nada tem a ver a condição de entrada de Bain, uma vez que nas suas hipóteses exclui-se do conceito de entrada a compra de uma empresa já atuante por outra. 29 O conceito de competitividade aqui utilizado é o mesmo empregado por Ferraz (1996, p.3), ou seja, “a capacidade da empresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhes permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”.
48
integração vertical, diversificação related/unrelated30 e transnacionalização ou
internacionalização.
Em relação ao setor energético, que é o objeto de estudo, tem-se que a ruptura com
os modos tradicionalmente concebidos de organização industrial e o surgimento de novas
estruturas, como resultado da retirada das barreiras à entrada31, pode também ser explicado
como reflexo da alteração do comportamento dessas empresas em relação a suas
estratégias.
A possibilidade de atuação em vários segmentos da cadeia produtiva faz com que
seja criada uma dinâmica concorrencial32, até então inexistente, resultando na adoção por
parte dos agentes envolvidos de estratégias tanto defensivas como ofensivas, tendo no
entanto, a competitividade como alvo de suas ações. As estratégias estão ligadas, entre
outras, à verticalização e horizontalização da indústria33.
As estratégias defensivas têm por objetivo manter seu mercado cativo frente ao
ataque dos concorrentes. Por sua vez, as estratégias ofensivas almejam aproveitar as
vantagens competitivas, numa busca sistemática de ganhos de produtividade em todos os
níveis, como nos casos de mercados que estejam passando por segmentação, diferenciação
dos produtos e diversificação das atividades (Pinto Jr. & Pires, 1999a). Em suma, é de
esperar que, neste novo contexto, essas tentem reconstruir as barreiras à entrada para o
30 Diversificação related consiste na atuação da empresa em outras atividades relacionadas ao seu core-business e, a diversificação unrelated refere-se à expansão para atividades não correlatas. 31 Considera-se essa relação de causalidade entre redução das barreiras à entrada e alteração do comportamento dos agentes, à medida em que os determinantes das barreiras, como visto na primeira seção são estruturais e portanto, sua remoção está inserida num processo de longo prazo. Portanto, pode-se perceber, de acordo com essas opções estratégicas, a alteração dessa causalidade. No capítulo 4, este aspecto será melhor abordado. 32 Oportunidades tanto na mesma cadeia produtiva, como inter ou intra energética. 33 Ambas relacionadas à busca do controle efetivo sobre o produto, preço e mercado.
49
setor, podendo gerar um processo de concentração industrial e a constituição de estruturas
de oligopólio.
Essas novas opções estratégicas nas indústrias de infra-estrutura energética também
assumem importante papel relacionado à possibilidade de crescimento da firma, dado o
saturamento de demanda nos países desenvolvidos. Assim, as empresas tentam assegurar
seu crescimento via as estratégias de diversificação ou transnacionalização. Por outro lado,
nos países em desenvolvimento34, em que há um grande mercado ainda para ser suprido,
estes se tornam grandes atrativos para o desenvolvimento dessas inúmeras opções
estratégicas (Pinto Jr., Losekan & Silveira, 1999).
Para as empresas do setor de infra-estrutura energética, a transnacionalização é uma
estratégia bastante nova, dado que desde a metade do século XX, elas possuíam mercados
cativos e portanto, suas ações eram voltadas apenas ao mercado interno. Como agora as
empresas vão incorrer em riscos até então inexistentes, o interesse em mercados com
elevadas taxas de crescimento na demanda pode ser explicada.
Segundo Chandler (1990), a expansão geográfica dentro de mercados distantes
providencia um caminho para que as companhias continuem a explorar vantagens
competitivas, principalmente em relação à capacidade organizacional, que foi
originalmente desenvolvida para a exploração de economias de escala.
A diversificação das atividades, ligadas ou não a seu core-business tem favorecido o
aparecimento de empresas denominadas multi-utilities35 (multiserviços públicos). Essas
34 Especialmente naqueles que apresentam um mercado doméstico grande e com elevadas taxas de crescimento como, por exemplo, o Brasil, México, China e Índia. 35 Segundo Pinto Jr. et al. (1999a), essas companhias multi-utilities combinam simultaneamente diversificação e expansão transnacional.
50
atuam diretamente como operadoras, ou por meio de participações acionárias em
consórcios e/ou alianças estratégicas, em vários serviços públicos. A condução da estratégia
de diversificação está fundamentada sobre dois aspectos básicos: financeiro e econômico. O
primeiro relaciona-se à valorização de seus ativos e, o segundo, como uma forma de
obtenção de economias de escopo (Pinto Jr. & Pires, 1999b).
O surgimento de um novo tipo de concorrência inter-energética, como a emergência
de mercados spot e a possibilidade de escolha entre gás e eletricidade, faz com que as
empresas necessitem de uma alteração no nível de cultura das empresas, tanto para que elas
possam se adaptar como também atuar neste novo mercado. Significa dizer que para as
empresas aproveitarem as inúmeras oportunidades de negócios, a redefinição estratégica da
empresa atua em três níveis distintos (Chevalier, 1995): i) gestão e organização das
empresas; ii) delimitação do ou dos negócios e; iii) determinação dos espaços de
intervenção.
Porém, como a competitividade está fortemente ligada ao padrão de concorrência
que vigora em cada mercado, as indústrias vão se ajustar a esse padrão de acordo com as
suas condições técnico-econômicas e portanto, de maneira diferenciada.
Note que as inúmeras oportunidades que estão surgindo, embora não
necessariamente novas, têm se intensificado diante da diminuição das barreiras existentes
em uma série de nichos estratégicos, situados em diferentes segmentos energéticos. Eles se
constituem em novos espaços de concorrência, como verificado nos setores de produção e
comercialização de energia, em razão da retirada das barreiras relacionadas à escala e
investimentos nos setores.
51
Como é possível perceber, tem havido a ocorrência simultânea de dois processos
distintos, porém interdependentes. De um lado, tem-se a constituição de um arcabouço
institucional que reúne esforços para que o mercado energético torne-se concorrencial. Por
outro, os fatores ligados ao progresso tecnológico que também reduzem as barreiras à
entrada, viabilizando a presença de concorrência na indústria de infra-estrutura energética.
Como demonstrado, a redução das barreiras à entrada representaram um importante
papel na modificação pela qual passou e vem passando a indústria energética. Desse modo,
ao compreender o nível atual das barreiras à entrada em cada segmento da indústria
energética, pode-se entender tanto as novas estruturas organizacionais que têm surgido,
como também a dinâmica que envolve o comportamento dos agentes ao tentarem absorver
as novas oportunidades de ampliação de suas atividades.
Contudo, centrar a análise apenas para as condições de entrada não é suficiente.
Com as novas opções estratégicas empreendidas pelos agentes, suas condutas também
passaram a ser um fator determinante para as novas condições estruturais, como no caso da
estratégia de verticalização.
Em suma, a possibilidade da existência de novos modelos de organização das
indústrias de infra-estrutura energética, além de confirmar as grandes transformações que
têm ocorrido na escala mundial, sugere uma intensificação da concorrência nos mercados
nacionais que têm implementado essas reformas estruturais. Com isso, há um estímulo para
que as empresas busquem a internacionalização do capital tanto produtivo como financeiro,
acordos de cooperação, fusões e aquisições como também da diversificação de suas
atividades. Entretanto, todas essas opções podem caminhar num sentido oposto à retirada
das barreiras à entrada, isto é, para uma nova concentração dos mercados.
52
CAPÍTULO 3
REGULAÇÃO SETORIAL E DEFESA DA CONCORRÊNCIA
A justificativa econômica para a regulação esteve tradicionalmente centrada nos
problemas das falhas de mercado, ou seja, ela deveria atuar nos segmentos em que o
mercado per se não fosse suficiente para garantir a competição36. Por um lado, tem-se a
regulação setorial sendo justificada para atuar sobre estruturas de mercado constituídas por
monopólios, em especial, os monopólios naturais. De outro lado, a regulação da
concorrência, tendo como objetivo a preservação das estruturas de mercados concorrenciais
suscetíveis a práticas anticompetitivas.
Os dispositivos de regulação seriam necessários para que os consumidores ficassem
protegidos de um eventual abuso de poder de mercado ocasionado pela posição de
monopólio ocupada ou então, pela tentativa de inibir a competição onde a mesma fosse
viável técnica e economicamente. No primeiro caso, denominado regulação ativa, a
intervenção não induz à concorrência, mas consiste na sua substituição por mecanismos e
metas regulatórias. No segundo, a regulação reativa, é aplicada em todos os mercados e
destinada à prevenção e repressão de práticas anticompetitivas (Possas et.al, 1998b).
Ambas as formas de regulação buscam dois objetivos básicos: i) incitar a eficiência
econômica nos mercados, entendida como geradora de custos e preços menores e; ii) evitar
condutas que possam prejudicar o consumidor.
36 A estrutura de mercado concorrencial é tida como a maximizadora do bem-estar social, o que significa dizer que é a estrutura ótima desejável.
53
Nesta fase em que determinantes institucionais e tecnológicos têm propiciado a
redução de barreiras à entrada e levado a um processo de reestruturação das indústrias de
infra-estrutura, ainda não se tem claro quais os tipos de estruturas de mercado que
resultarão desse processo37. Dessa forma, pretende-se responder, neste presente capítulo e
no seguinte, a seguinte questão: com a emergência destas novas estruturas organizacionais
das empresas de infra-estrutura energética, ainda será possível, como faz a literatura
tradicional, aplicar separadamente os instrumentos de regulação setorial, como substituta de
um mercado concorrencial e, de outro, os instrumentos da política de defesa da
concorrência para este novo mercado?
3.1. Justificativas da Regulação Setorial38
A principal falha de mercado, freqüentemente atribuída às indústrias de infra-
estrutura energética, é a de serem constituídas por estruturas de monopólio natural. A
justificativa econômica do monopólio natural é atestada quando os custos unitários
associados à instalação e operação de uma única unidade permitem significativas
economias de escala e/ou de escopo, reduzindo os custos médios de atendimento da
demanda.
37 Como visto no capítulo 2, uma infinidade de modelos está se configurando. Em sua maioria, mesclam ao longo de sua cadeia produtiva, estruturas de monopólio, oligopólio até a livre competição. 38 Denomina-se regulação setorial aquela destinada à regulação de monopólios, em especial, os naturais.
54
3.1.1. Definição de Monopólio Natural
A definição de monopólio natural está relacionada ao conceito de sub-aditividade de
custos. Uma função custos C (q) é sub-aditiva39 em relação ao vetor de produtos q = (q¹, q²,
q³, ..., qm), quando:
C (q) < C (q1) + C (q2) + C (q3) + ... + C (qn),
para toda partição q = q1 + q2 + q3 + ... + qn da produção q entre n empresas.
A sub-aditividade refere-se à viabilidade econômica de ter apenas uma firma no
mercado produzindo o total da produção industrial, ou se várias firmas apresentam um
custo total reduzido. No gráfico 3.1 abaixo, na curva de custo médio CMe até a quantidade
Q´ diz-se ocorrer economias de escala (dada a tecnologia, os custos médios declinam com o
aumento do volume produzido) e, a partir desta quantidade Q´, deseconomias de escala
(CMe crescente). Em um nível de produção Q’, obtém-se uma solução de mínimo custo
com uma única firma, tendo portanto uma situação de sub-aditividade de custos.
39 Da mesma forma que Viscusi et al. (1995), inicialmente será mostrada a definição para uma firma com um único produto, mesmo sabendo que no mundo real dificilmente isto ocorre. Esta simplificação é feita para que se possa representá-la graficamente.
55
Fonte: Viscusi et al. (1995)
Para que uma produção acima de Q´ possa ser analisada, introduz-se uma outra
curva de custo médio mínimo CMe240. A firma entrante deverá produzir na escala mínima
eficiente e, como admite-se a mesma função custo na indústria, essa quantidade
corresponde a Q´, resultando para o mercado no dobro da quantidade produzida
anteriormente. Tem-se portanto uma quantidade 2Q´ que corresponde à curva de custo
médio mínimo CMe2, no ponto M´.
A interseção das curvas CMe e CMe2 define a área de sub-aditividade. Para todas as
quantidades inferiores a Q*, uma única firma obtém a solução de mínimo custo, o que
significa dizer que à esquerda de Q* a função custo é sub-aditiva. Muito embora haja
40 A curva CMe2 é formada a partir da curva de Cme.
56
deseconomias de escala entre as quantidades Q´ e Q*, mesmo assim considera-se ótimo do
ponto de vista social a operação do mercado por uma única firma.
Nesta parte, cabe salientar que a literatura destaca dois casos básicos de monopólio:
permanente ou temporário (Viscusi et al., 1995). Quando os custos médios decrescem em
toda a dimensão do mercado, o monopólio é denominado permanente. O monopólio é dito
temporário quando, mesmo havendo deseconomias de escala, ainda assim é mais
econômico uma única firma atuar neste mercado, tal como foi ilustrado no exemplo
anterior.
Dessa forma, um deslocamento da curva de demanda pode viabilizar um mercado
competitivo. Assim, tem que se ter claro que a presença de economias de escala não
implica necessariamente em um monopólio natural para a firma com um único produto,
embora seja condição suficiente.
No caso de uma planta multi-produto, o raciocínio é o mesmo: existe monopólio
natural se a curva de custo for sub-aditiva. Para isso, a combinação de produtos a ser
produzida por uma única firma deve gerar um menor custo do que cada uma produzindo
isoladamente. No entanto, neste caso, economias de escala não são necessárias e nem
suficientes para a condição de sub-aditividade. A razão para tal fato é que, ao produzir
vários produtos, a interdependência entre eles assume importância significativa.
A mensuração destas interdependências é feita com base nas economias e
deseconomias de escopo. Economias de escopo41 ocorrem quando a produção de vários
41 Formalmente, a presença de economias de escopo significa que, com cada firma se especializando na fabricação de um único produto (m = n) tem-se: C (Q1, Q2, ..., Qm) < C (Q1, 0, ..., 0) + C (0, Q2, ..., 0 + ... + C (0,0,...,Qm), onde n = número de empresas e m = número de produtos.
57
produtos em uma única firma é realizada a custos inferiores do que se cada firma
produzisse um único produto. Dessa forma, mesmo havendo economias de escala, caso
ocorra deseconomias de escopo, a curva de custo jamais será sub-aditiva.
Um último aspecto que deve ser ressaltado antes do exame dos instrumentos de
regulação de monopólios, diz respeito à sua sustentabilidade (Viscusi et al., 1995). No
gráfico 3.2 abaixo, retoma-se a função custo de uma firma mono-produto apresentado no
gráfico 3.1. Novamente tem-se que para quantidades inferiores a Q*, há sub-aditividade de
custos.
Considere uma demanda de mercado DD interceptando o custo médio em algum
ponto situado entre Q´ e Q*, onde o custo médio é crescente. Se uma única firma está
ofertando todo o produto demandado a um nível de preços igual ao custo médio (Po e Qo
permite que a firma cubra todos os seus custos), esse monopólio natural é dito
insustentável. A razão para este fato é que a entrante potencial teria um incentivo a entrar
no mercado e produzir uma parte da produção total, muito embora isto acarretaria em
aumento no custo de produção total da indústria.
Fonte: Viscusi et. al, 1995.
58
As hipóteses levadas em consideração para a entrada potencial é que a entrante
espera que a firma incumbente mantenha os seus preços constantes por um período de
tempo após a sua entrada e que a incumbente oferte a demanda residual. Neste caso, a
entrante poderia obter lucros ao vender sua produção em Q´ a um preço acima de seu custo
médio mínimo (Ponto M) mas claramente menor do que Po, o qual é cobrado pela
incumbente.
Denomina-se insustentável pelo fato de que a firma entrante acabaria expulsando do
mercado a firma estabelecida, o que acarretaria em uma elevação dos preços (demanda
superior à oferta) e, por conseguinte, um aumento no nível de produção. Com isso, levaria
ao mesmo ponto de partida, ou seja, em que ocorre o incentivo à entrada de uma nova
firma.
Por sua vez, um monopólio é considerado sustentável onde a curva de demanda
intercepta a curva CMe à esquerda de Q´, pois a entrante não poderia ofertar a um preço
inferior do que a incumbente e portanto, não teria qualquer incentivo à entrada.
3.2. Objetivos da Regulação Setorial
A regulação setorial tem como objetivo fazer com que a firma monopolista atue de
maneira socialmente ótima. Isso implica que ao regulador cabe identificar qual o resultado
desejável para a sociedade e utilizar seus instrumentos de maneira a efetivar tal resultado.
Nos dois casos de monopólio natural, temporário ou permanente, vistos na seção anterior, o
mercado não é suficiente para alcançar os resultados socialmente desejáveis. Como o bem
ou serviço não sofre a competição de outro, o regulador deverá atuar de maneira a fazer
59
com que a única firma obtenha uma rentabilidade razoável para assegurar a continuidade
dos investimentos porém, coibindo que haja abuso do seu poder de mercado.
Nestas circunstâncias, o conceito de regulação representa uma forma de intervenção,
através de comissões e/ou agências reguladoras que têm o papel de definir regulamentos e
atos42, disciplinando o funcionamento dos mercados e, buscando assim seu objetivo maior:
a eficiência alocativa e produtiva do setor43. Esses instrumentos podem afetar o mercado
diretamente, através de mudanças institucionais, regulando preços, produção, qualidade etc;
ou indiretamente, por intermédio da imposição de restrições sobre as condutas dos agentes
operantes no mercado (Spulber, 1989 apud Mansell & Church, 1995).
Desde que a regulação substitui as pressões competitivas em um mercado
monopolista, seus objetivos devem visar a busca da eficiência, no sentido de impor
restrições às empresas reguladas em três registros principais, induzindo i) a produção em
um mínimo custo; ii) o fornecimento do produto a um nível eficiente e; iii) a distribuição
com qualidade dos serviços prestados. Além disso, deve estimular a adoção de tecnologias
que reduzam seus custos, mantendo sempre um grau adequado de qualidade.
Algumas considerações devem ser feitas quanto à aplicação das políticas
regulatórias em situações de monopólio permanente ou temporário (quadro 3.1). Em se
tratando de monopólio natural permanente, o equilíbrio com preços no nível do custo
42 Importante salientar que enquanto a regulação refere-se ao ato de limitar uma ação de determinado agente, a regulamentação representa um dos mecanismos de se efetuar tal restrição (Vinhaes, 1999). Este papel de regulamentar será um ponto chave a ser considerado na questão da fronteira de competência entre regulação setorial e defesa da concorrência. 43 Eficiência alocativa é alcançada a partir da equalização dos preços aos custos marginais de produção. A eficiência produtiva pode ser definida como estática, onde as empresas - seja por pressão competitiva ou esquemas de incentivo – são levadas a escolher o processo produtivo de menor custo disponível; e dinâmica, alcançada quando empresas, pelas mesmas razões descritas, são levadas à adoção de tecnologias mais avançadas e até mesmo à criação de um novo produto (Farina et al., 1997).
60
marginal (ótimo do ponto de vista tradicional) gera prejuízo à firma. Para o monopólio
temporário, este nível poder trazer lucro. Na presença de barreiras à entrada, em ambos, a
regulação se faz necessária para impedir que o monopolista oferte quantidades menores a
preços superiores ao obtido em um mercado competitivo (De Araújo, 1997).
Quadro 3.1. Políticas regulatórias apropriadas
Tipo de monopólio Barreiras à entrada Sem Barreiras à entrada
Monopólio Permanente (preços ao
custo marginal gerando déficit)
Impor P = Cmg e subsidiar a
firma; ou então desviar o preço do
Cmg e eliminar seu déficit
Impor P = Cmg e subsidiar a
firma, ou não regular e deixar
que a ameaça à entrada
discipline os preços
Monopólio Temporário (preços ao
custo marginal permite lucros não
negativos)
Impor P = Cmg e monitorar
possíveis problemas gerados em
decorrência de lucros excessivos
Impor P = Cmg e evitar a
entrada no mercado, tratando
os problemas de lucros
excessivos.
Fonte: Berg & Tschirhart, 1988
Porém, com a redução das barreiras à entrada, no monopólio permanente, a entrada
potencial pode disciplinar os preços. No caso do monopólio temporário, pode haver entrada
predatória fazendo com que a entrante atue no seu custo médio mínimo, sem a preocupação
de atender a toda demanda. Neste caso, a regulação ainda seria necessária, desde que uma
de suas metas consiste em assegurar o fornecimento do bem e serviço a todos os
consumidores. A questão da sustentabilidade é aqui sublinhada justamente devido à sua
61
utilização na tomada de decisão por parte das agências reguladoras em relação à permissão
de entrada em um mercado particular de monopólio natural em firma multiproduto.
3.3. Instrumentos da Regulação Setorial
Os instrumentos da regulação setorial estão centrados basicamente em três
aspectos44:
i) controle de preços (tarifas), visando evitar a prática de fixação de preços abusivos por
parte do monopolista;
ii) nas condições de entrada e saída no(s) mercado(s), através da criação de barreiras
institucionais visando assegurar o aproveitamento dos ganhos de eficiência ao longo de
toda a cadeia produtiva, permitindo, inclusive, a adoção de subsídios cruzados;
iii) controle da qualidade do serviço prestado.
3.3.1. Regulação de Preços
A regulação de preços é uma das tarefas principais do regulador, pois relaciona-se
diretamente com o excedente econômico e sua distribuição. As regras tarifárias são
formuladas de maneira a conciliar o interesse dos consumidores e da firma regulada (De
Araújo, 1997). As regras tarifárias mais antigas são a tarifação a custo de serviço e ao custo
44 No presente trabalho, apenas o primeiro aspecto será tratado de forma mais detalhada.
62
marginal. Tem-se também, a partir de uma literatura mais recente, a regulação dita por
incentivos45.
Tarifação a custo de serviço
A regulação a custo de serviço consiste em fixar uma taxa de remuneração do
capital investido, considerada “justa”, pelo regulador. As tarifas são calculadas baseadas
nesta taxa, a um nível de consumo previsto. A firma vai escolher seus insumos e executar
suas decisões quanto a outros custos e receitas à qual a sua taxa de retorno não exceda a
taxa estipulada. O preço do serviço é dado no ponto onde a curva de demanda corta a curva
de custo médio.
Sua fórmula geral é descrita como em De Araújo (1997):
Receita – Despesa – Depreciação = s x Base de Capital (1)46
Onde:
s é a taxa de retorno especificada em lei ou pelo órgão regulador;
Base de Capital = total de investimentos não depreciados
Podemos reescrever (1) da seguinte forma:
Q x P – C ≤ s (K – D), onde:
K = capital;
D = depreciação acumulada;
C = custos fixos e operacionais;
45 Segue uma apresentação sucinta sobre os principais mecanismos de regulação via preço, sem contudo esboçar qualquer juízo de valor em relação aos mesmos. 46 A título de simplificação não foram considerados os impostos.
63
Q = quantidade vendida
P = preço
E ainda:
Receita Total = Q x P
Receita operacional líquida Q x P – C;
Temos portanto que:
P ≤ s (K – D)/Q + C/Q , onde s ≥ r (taxa de juros de mercado)47
O preço estipulado pelo regulador não deverá exceder o valor dos custos mais a taxa
de retorno fixada por unidade produzida.
Este cálculo é bastante complexo, pois, a cada período, a partir dos resultados
contábeis, das regras contábeis de depreciação e da inflação do período, o regulador fixa as
tarifas. Quanto à base de capital, investimentos em expansão, a princípio, não seriam
considerados, porém, em casos em que é comprovada sua necessidade, alguns acertos
podem ser feitos adicionando-os às tarifas.
Tarifação ao Custo Marginal e Second Best
Esta regra consiste em igualar os preços a seus custos marginais. Em caso da
indústria apresentar-se como um monopólio sob controle público, esta política produziria
um efeito semelhante a um mercado competitivo, alcançando-se o ótimo social.
47 Condição necessária para a atração de investidores.
64
No entanto, em caso de um monopólio permanente, esta regra geraria um déficit à
empresa ou lucros excessivos, este último, em caso de monopólio temporário48. De acordo
com De Araújo (1997) haveria duas soluções para o financiamento de tal déficit: taxações e
transferências49, ou aplicação da regra denominada second best . Esta última consiste em
otimizar o excedente, igualando a receita total ao custo total (mais um lucro razoável e uma
provisão para incertezas). Esta alternativa também gera preço igual ao custo médio em
condições estáveis a longo prazo, sem incertezas. Note-se, porém, que o cálculo do custo e
do lucro não se relaciona a investimentos realizados historicamente, como na tarifação a
custo de serviço.
Tem-se portanto que a tarefa do regulador reside no ato de achar um requerimento
de receita para a firma, sujeito à restrição de break-even (lucros normais) e, ao mesmo
tempo, minimizar a perda no excedente total devido ao desvio frente ao Cmg. No gráfico
3.3, o resultado second best pode ser mostrado na combinação de preço e quantidade (Pr,
Qr).
No caso de uma firma ser multi-produto, a situação é um pouco mais complexa.
Uma solução second best é chamada preços Ramsey50, na qual, satisfeita a restrição
econômica-financeira da firma, os preços são desviados de seus custos marginais em razão
48 Conforme visto no gráfico 3.2, sub-seção 3.1.1., p. 44. 49 Esta alternativa não é muito simples de ser colocada em prática. Em primeiro lugar, um aumento geral de impostos, por razões políticas, não é uma tarefa simples de ser implementada. Em segundo, a realização da transferência de lucros excessivos advindos do monopolista, através de sua taxação, para o consumidor sempre pode trazer distorções. Finalmente, a cobertura do déficit poderia se dar via taxa de acesso aos consumidores do bem em questão, embora utilizado, não é neutro, à medida que recai apenas sobre usuários do bem ou serviço (De Araújo, 1997). 50 De acordo com Armstrong, Cowan & Vickers (1994) a solução de Ramsey é estabelecida com base na discriminação de preço. Assume-se que a firma pode distinguir entre diferentes produtos, ou vendendo o mesmo bem em diferentes mercados, ou vendendo diferentes bens no mesmo mercado, sendo cobrado um vetor de preços para estes produtos, P = (P1, P2, ...).
65
inversa à elasticidade da demanda, de maneira a minimizar o peso morto da perda de bem-
estar, isto é (De Araújo, 1997):
(Pi – Cmi)/Cmi = α/εii51, para i = 1, 2, ......., k
Supondo demandas independentes para os diversos bens e serviços:
k = número de bens e serviços produzidos;
pi = preço do bem ou serviço i;
Cmi = custo marginal;
α = constante de proporcionalidade, dependente do déficit e;
εii = elasticidade-preço da demanda.
Gráfico 3.3. Solução Second Best
Fonte: Church & Mansell, 1995
O resultado obtido é que, em se tratando de monopólio permanente, com déficit em
P = CMg, o aumento relativo no preço será inversamente proporcional à elasticidade da
demanda, isto é, em uma demanda inelástica os aumentos nos preços serão maiores e vice-
versa. O objetivo é revisar os preços de maneira a minimizar a necessidade de desvio em
51 Onde ε = (Pi/Qi)*(∂Qi/∂Pi)
66
relação ao custo marginal e produzir o aumento de receita requerido para a cobertura dos
custos fixos52.
Tanto na tarifação a custo de serviço como na tarifação ao custo marginal, a maior
dificuldade apontada para uma regulação eficiente reside no fato de que o regulador deverá
ter pleno conhecimento das funções custo e das demandas do mercado. Dito de outra forma,
ambas exigem uma quantidade grande de informações.
No caso da tarifação a custo de serviço, como a firma maximizadora de lucro possui
uma taxa de retorno fixa sobre o investimento, seus lucros são proporcionais à base de
capital. Dessa forma, a firma terá o incentivo a sobre-investir e a promover uma má
alocação de recursos, conhecido como efeito Averch-Johnson.
Em relação à tarifação ao custo marginal, os desafios encontram-se também na
identificação da função de demanda por parte do regulador. Outro problema é quanto à
escolha do Cmg. Intuitivamente, sugere-se o emprego do custo marginal de curto prazo.
Porém, este pode gerar flutuações e descontinuidades mediante variações de demanda.
Quanto à solução de Ramsey, embora ela seja um indicativo para a construção de
uma estrutura tarifária, algumas limitações em relação à complexidade de se implementar a
discriminação de preços e restrições informacionais, devem ser apontadas: i) a solução
pode acarretar em uma distribuição de renda injusta, à medida em que geralmente
demandas inelásticas são comuns a classes de menor renda (efeitos distributivos adversos);
ii) o preço de Ramsey não é totalmente livre de subsídios, podendo levar à entrada
ineficiente; iii) dificuldades não só na obtenção de informações em relação aos custos
52 O aumento de preços em produtos com demanda inelástica minimiza o aumento de preços necessários à cobertura de custos.
67
marginais, mas também para o cálculo das elasticidades, estas podendo ser rapidamente
alteradas no tempo; iv) complexidade no levantamento das características dos clientes para
que se realize a discriminação e; v) não incentiva o corte de custos nem o aumento de
produtividade por parte das firmas.
Price Cap: Um exemplo de Regulação com Incentivos53
A percepção de que essas regras geravam, entre outros, problemas derivados da
assimetria de informação, fez com que esquemas alternativos de regulação fossem criados.
Estes foram denominados de “regulação com incentivos”, criados na tentativa de minorar
as distorções observadas. Na regulação com incentivos, implementam-se regras que
induzam as firmas reguladas a atingir metas desejáveis, através da concessão de algum
direito.
Um exemplo desse tipo de regulação é o price cap. Os preços são reajustados para
baixo quando a taxa de retorno excede uma taxa limite, mas o ajuste é parcial para que a
firma fique com parte do lucro realizado.
Neste caso, o preço é fixado juntamente com uma fórmula para a execução de
reajustes. Na fórmula, consta a inflação medida no período, um termo referente ao ganho
de produtividade e um termo aleatório, que leva em conta a eventualidade de contingências
que venham a alterar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Tem-
se, assim, a seguinte fórmula para o reajuste das tarifas:
53 Além da regulação com incentivos via preço, pode-se mencionar a regulação por comparação (yardstick regulation). Nesta, o regulador acessa o Balanço Anual de todas as suas concessionárias e fixa o preço para o próximo ano, baseado nas empresas mais eficientes. Para isso, supõe-se que não haja acordos entre as firmas e que estruturas de custos sejam próximas (De Araújo, 1997).
68
∆P = IPC (índice de preços) - X (fator de produtividade) + Y (contingências)
Esse mecanismo diz que, em caso de qualquer diminuição real de custos em relação
à meta de produtividade estabelecida pelo regulador, esta poderá ser apropriada pela firma
regulada, durante um período estabelecido pelo órgão regulador. Com isso, a firma teria o
incentivo à redução de seus custos. No caso de uma firma multi-produto esta fórmula pode
ser aplicada separadamente ou para uma cesta de bens.
Do exposto, pode-se perceber que esse tipo de regulação surgiu com o objetivo de
melhorar o desempenho das empresas reguladas, através da incorporação de prêmios (ou
penalidades) além daquelas empregadas na regulação a custo de serviço.
A principal diferença para a regulação dita tradicional consiste na separação entre os
custos e preços. Significa dizer que, mesmo na presença de assimetrias de informação, a
firma regulada procurará reduzir seus custos, pois, uma vez que os preços não são
determinados pelos custos adicionais incorridos, a firma regulada poderá aumentar seu
lucro através do corte de custos sem que haja uma queda automática nos preços.
A regulação por incentivos, ilustrada neste trabalho com o exemplo do price cap,
embora requeira um menor nível de informações e também fomente a redução de custos,
pode gerar um impacto negativo quanto à qualidade54. Além disso, na presença incerteza,
como por exemplo, face a riscos regulatórios decorrentes da transição para um novo modo
de organização industrial, a fixação do parâmetro X é ainda mais complexa. Neste caso, a
54 Cabe salientar que um outro tipo de regulação com incentivos é a regulação por qualidade, criada justamente com o intuito de evitar que um aumento de produtividade induzido pela regulação com incentivos do tipo price cap ou yarsdstick, tenha como contrapartida a queda do padrão de qualidade do bem oferecido ao consumidor.
69
tendência pode ser a fixação de períodos longos de reajuste e um valor de X muito baixo.
No entanto, esse procedimento implica que a empresa, na prática, aproprie-se da quase
totalidade dos ganhos de produtividade, auferidos durante o período que antecede o
reajuste.
Em suma, todas essas regras, embora com o mesmo intuito, apresentam vantagens e
desvantagens em sua utilização (Quadro 3.2), tornando-se difícil julgar qual delas pode ser
considerada como a melhor. Em todas as formas tem-se limitações, no sentido da
necessidade de muitas informações.
Quadro 3.2. Princípio de regulação tarifária nas indústrias de rede
Tipo de Regulação Taxa de Retorno Price-cap
Objetivos/
Características
Assegurar o reajuste de preços que
permita o reembolso integral dos
custos.
Assegurar um preço teto, menos um
índice negociável X, fixado ex-ante
(indicador de produtividade (RPI-X).
Vantagens Assegurar a viabilidade econômica
da firma;
Incitar o investimento, aspecto
importante em fase de forte
expansão.
Proteção dos consumidores;
Incitar a redução de custos.
Desvantagens Tendência à má alocação de
recursos (efeito Averch-Johnson);
Multiplicação de reajustes;
Nenhuma incitação à redução de
custos.
Necessidade de definição de um padrão
mínimo de qualidade;
Critério para a revisão do parâmetro X
(assimetria de informação);
Se ambiente econômico incerto: cap é
alto, ou prazo para a revisão de X longo.
Fonte: Pinto Jr. & Silveira, 1999. Elaborado a partir de Davidovici, 1997
Quanto ao controle da quantidade ofertada, este pode ser implementado
independente da ocorrência ou não da regulação de preço. Um exemplo que ilustra esta
70
situação ocorreu entre os anos de 1930 e 1970. Havia em alguns estados americanos uma
restrição imposta pelo governo federal em relação à quantidade de petróleo produzida,
enquanto que o preço era determinado no mercado. Por outro lado, na regulação do gás
natural, o controle era imposto sobre o preço e as decisões referentes à quantidade
produzida eram desreguladas (Viscusi et al., 1995).
3.4. Regulação da Concorrência
A defesa da concorrência tem como objetivo a manutenção do ambiente
competitivo. Para tanto, visa o controle de qualquer conduta ou ato que possa gerar infração
à ordem econômica. Esta pode ser através do abuso de poder de mercado relevante, ou
através de atos de concentração, como por exemplo, fusões e aquisições. As regras de
defesa da concorrência são delimitadas pela lei antitruste estabelecida em cada país.
Nesta seção será apresentada a evolução que tem ocorrido na concepção da
legislação antitruste, bem como os instrumentos de que a política de defesa da concorrência
dispõe para sua operacionalidade.
71
3.4.1. A LEGISLAÇÃO ANTITRUSTE55
A origem da legislação antitruste nos EUA ocorreu juntamente com o processo de
concentração e centralização de capital nos países industrializados no último quarto do
século XIX. Historicamente, a formação da Standard Oil Trust em 1882 foi o marco inicial
para a consolidação desta estrutura em outras indústrias, como de açúcar, uísque, couro,
algodão e óleos comestíveis56 (Lampreaux, 1985 apud Salgado, 1997).
No ano de 189057, a legislação antitruste americana foi consolidada com a
aprovação do Sherman Act. A partir desta data, à medida em que surgiam dificuldades na
aplicação da Lei Sherman, alterações eram requeridas. Dessa forma, a evolução histórica da
legislação antitruste esteve basicamente situada sob quatro datas (Hovenkamp, 1994): i)
Sherman Act (1890); ii) Clayton Act e Federal Trade Commission (1914); iii) Robinson
Patman Act (1936) e; Cellar – Kefauver: emendas ao Clayton Act (1950).
O Sherman Act tornava ilegais os contratos e combinações monopolistas para o
controle do comércio interno e externo. Ele representou o primeiro comprometimento legal
do Estado com a economia do livre mercado (Departamento de Justiça – EUA, Antitrust
Enforcement Guideline, 1988).
55 A evolução da legislação antitruste apresentada será baseada na norte-americana, pois grande parte da literatura provém deste país. No entanto, nesta seção, não se pretende fazer uma análise exaustiva sobre a legislação antitruste americana, mesmo porquê, esta envolve uma grande polêmica sobre seus objetivos. A seção busca ressaltar a influência da abordagem de teoria econômica na análise antitruste, ou seja, quando e em que medida os modelos de organização industrial passaram à influenciá-la na tomada de decisões. 56 Segundo Salgado (1997), este período representou uma mudança radical na organização industrial destas empresas: mais de 1800 firmas desapareceram nas consolidações e muitas adquiriram parcela substancial dos mercados que operavam. 57 Em 1840, grupos liderados por agricultores já começavam a se formar contra o monopólio das ferrovias, contestando seus privilégios e subsídios.
72
Segundo Posner (1976) o Sherman Act significou a codificação do tratamento já
usual dado pelos tribunais nos EUA às práticas monopolistas ocorridas desde o final do
século XIX.
No período da elaboração deste estatuto ainda não havia sido desenvolvida a Teoria
do Bem-Estar (desenvolvida nos anos 30) e portanto, o conceito técnico para eficiência
econômica, mais precisamente, alocativa, no sentido de Pareto58, era inexistente. O objetivo
do ato centrava-se na proteção dos consumidores em relação aos altos preços e quantidades
reduzidas advindas do poder de monopólio. Segundo Hovenkamp (1994), até mesmo
quando os conceitos de eficiência alocativa e de custo social do monopólio passaram a ser
articulados pela literatura econômica, o Congresso Americano não os adotou e cada vez
mais esteve concentrado na proteção das pequenas empresas.
O período compreendido entre os anos de 1895 e 1905 foi caracterizado por uma
onda de fusões. Isso se deveu ao fato da generalidade dos termos da lei, fazendo com que
os empresários tomassem o Sherman Act como efetivo na formação de cartéis, porém
tolerante em relação ao estabelecimento de trustes, sejam eles em forma de aquisição de
ativos ou através de holdings.
Neste contexto é que, em 1914, as restrições foram ampliadas pelo Clayton Act,
incorporando o tratamento de condutas específicas, não abordadas pela lei anterior, como a
aquisição de competidores, discriminação de preços e venda casada. Protegia as pequenas
empresas de possíveis práticas discriminatórias e injustas por parte das grandes firmas e
58 A situação denominada Pareto-Eficiente, em referência ao economista e sociólogo Vilfredo Pareto, é obtida quando se torna impossível aumentar o bem-estar de um indivíduo sem piorar a situação de qualquer outro.
73
condenava a realização da expansão privada e fusões de maneira bem mais severa do que o
Sherman Act.
Concomitantemente, houve a criação do Federal Trade Commission (FTC), órgão
administrativo que poderia convocar uma perícia não acessível às cortes para averiguar
práticas anticompetitivas. Além disso, o FTC poderia punir práticas que julgasse
anticompetitivas mesmo que não estivesse violando outras leis antitruste. Visava a
agilização da aplicação da lei de 1890 com o apoio técnico de especialistas aos tribunais e
também a orientação da legalidade na tomada de decisões empreendidas por empresários.
Dessa forma, além de apoio aos julgamentos, possuía uma função educativa.
A aprovação Patman Act em 1936 resultou na proibição da discriminação de preços,
impedindo que as firmas cobrassem preços menores dos grandes consumidores em
detrimento dos pequenos.
Finalmente, em 1950, a emenda Cellar-Kefauver, que também foi aprovada para
que se aperfeiçoasse a legislação vigente. Nesta última, não havia qualquer restrição quanto
à aquisição de ativos da competidora, o que resultava numa saída para uma empresa que
estava proibida de comprar suas ações.
Importante salientar que, estes atos, não enfraqueciam a legislação antitruste como
um todo. Exemplo disso é que o Cellar-Kefauver seria utilizado apenas em casos de fusões.
Processos envolvendo cartéis e monopolização ainda seriam tratados de acordo com o
Sherman Act (Hovenkamp, 1994).
Em síntese, ao longo dos anos, a concepção do referencial antitruste foi sendo
alterada. Segundo Salgado:
74
“ De início, o que mobilizava seus idealizadores e os tribunais eram as atividades
flagrantemente anticompetitivas dos trustes. O dano causado por essas atividades era
evidente e causava grande agitação política. Não havia, de início qualquer recurso à teoria
econômica ... com o tempo, a legislação antitruste foi se transformando em um instrumento
de política econômica nos Estados Unidos, no suposto de que a manutenção da competição
seria a melhor proteção ao interesse público...” (1997, p.16).
A partir do pós-guerra é que se começa a ter um maior diálogo entre a abordagem
antitruste e a teoria econômica. Nessa época há o reconhecimento de que a existência de
grandes empresas e oligopólios era um fato concreto, tanto é que o alvo de análise volta-se
para o oligopólio concentrado. A teoria econômica passou a estudar as questões estruturais,
questionando as concentrações, barreiras à entrada e a ligação entre estrutura e oligopólio.
Ao mesmo tempo, as agências antitruste voltaram a sua atenção para práticas verticais, que
foram aumentando em conseqüência do aumento no nível das barreiras e colusões
(Hovenkamp, 1994).
Em 1960 esta prática culminou com a hostilização a qualquer inovação e
desenvolvimento em larga escala, protegendo mais uma vez o interesse das pequenas
firmas. Estes atos estavam relacionados fundamentalmente com a proteção das pequenas
empresas em relação aos grandes consumidores, até mesmo quando o resultado de tal
proteção resultasse em um menor nível de produto e maiores preços59.
59 É por isso que muitos teóricos afirmam que a legislação antitruste foi feita para satisfazer a grupos de interesse e não devido à sua crença de livre mercado.
75
Para Hovenkamp (1994) até 1960, a legislação antitruste foi restrita em relação à
doutrina econômica predominante da época60.
A primeira abordagem de organização industrial incorporada na análise antitruste
foi o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho61, concebida inicialmente por Mason (1939)
e Clark (1940). Em meados dos anos 50, com a aplicação empírica de Bain, em seu
trabalho sobre barreiras à entrada, é que essa abordagem tornou-se hegemônica para a
Organização Industrial62.
Como descrito na figura 3.1, esta baseava-se numa relação unívoca entre estrutura e
desempenho. Em primeiro lugar, as condições básicas de oferta e demanda afetariam a
estrutura do mercado. Por sua vez, a estrutura do mercado (número de produtores e
compradores, diferenciação do produto, barreiras à entrada, estruturas de custos, integração
vertical e diversificação) determinaria a sua conduta (políticas de preços, P&D, estratégias
e investimentos) e esta, o seu desempenho (alocação eficiente dos recursos, satisfação aos
consumidores, progresso técnico, equidade de renda etc).
Devido à influência dessa abordagem, a política antitruste passou a atuar de maneira
preventiva, evitando que estruturas concentradas fossem consolidadas, pois evitaria que
situações irreversíveis se instaurassem no futuro63.
Durante os anos 60 a preocupação básica da análise antitruste repousou sobre o
poder de mercado. A possível geração de eficiência alocativa, produtiva ou tecnológica em
60 “to be sure, antitrust policy makers sometimes applied economics ineptly, sometimes gravitated toward the fringes of economics theory rather than the center, and sometimes pushed good points too far” (Hovenkamp, 1994, p.59) 61 Permanece como um dos pilares principais da análise antitruste moderna. 62 Em 1959, o trabalho publicado por Carl Kaysen e Donald Turner efetivou a aplicação do conceito à análise antitruste. 63 Nesta época, toda a estrutura de monopólio per se era considerada nociva ao bem-estar do consumidor.
76
uma fusão não era levada em consideração. Nessa época, as opiniões convergiam para que
toda concentração levaria a um aumento na lucratividade e por sua vez, facilitaria a
colusão. Segundo Salgado (1997), em 1969, o governo americano publicou um relatório,
em que adotava uma política de desconcentração. As companhias que detivessem uma
participação no mercado maior do que 15% quando o índice de concentração (CR4)64
excedesse 70% deveriam ser desmembradas65.
Em relação às fusões verticais, o instrumental de análise da política antitruste
centrava-se no bloqueio de mercado (market foreclosure) – a competição estaria
comprometida toda vez que uma firma se verticalizasse a montante, pois estando integrada,
ela teria o incentivo a bloquear suas vendas às competidoras66 (Salgado, 1997).
No final dos anos 70, os tribunais deixaram de questionar as fusões verticais, desde
que não houvesse concentração horizontal e portanto, estas não gerariam elevação dos
custos de entrada.
Com isso, em 1982, a abordagem do bloqueio foi substituída pela colusão tácita e
condições de entrada. Do mesmo modo, haveria uma análise quanto à estrutura do mercado
a montante e a jusante. A análise também passou a incorporar os possíveis ganhos de
eficiência advindos das restrições67. Diz-se que da análise per se (restrição a qualquer ato e
64 Índice de concentração calculado a partir da soma do faturamento ou market share das quatro maiores empresas do setor dividido pelo faturamento total. Quanto mais alto seu valor, mais concentrado apresenta-se o setor. 65 Essa dissolução, na prática, nunca se efetivou. 66 A crítica geralmente feita à teoria do bloqueio é que a análise das fusões verticais não levava em consideração o grau de competição ao nível horizontal. 67 As franquias passaram a ser analisadas sob a ótica da eficiência, no sentido de reduzir o free-rider, estimular a competição inte-rmarcas e proteção à qualidade.
77
concentração), passou-se à regra da razoabilidade, em que um ato de concentração poderia
ser justificável, se o mesmo implicasse em ganhos de eficiência.
Figura 3.1. O modelo E-C-D e política antitruste
Condições Básicas Oferta Demanda Disponibilidade de matérias-primas Elasticidade-preço Tecnologia Presença de substitutos Aspectos institucionais Sistema financeiro Características do produto Distribuição de renda
Estrutura do Mercado Número de vendedores
Número de compradores Diferenciação do produto
Barreiras à entrada Estruturas de custo
Grau de verticalização Grau de diversificação
Política Antitruste
Conduta Métodos de fixação de preços Estratégia de produto e propaganda Gastos em P&D Investimento Relação com fornecedores, distribuidores e clientes Atitudes com relação aos rivais
Desempenho Eficiência alocativa e produtiva Lucros, emprego e crescimento Progresso e eqüidade
Fonte: Salgado, 1997
78
O aporte teórico para este novo tipo de análise centrou-se na escola de Chicago e na
teoria dos custos de transação de Williamson68. Os pontos básicos abordados pela Escola de
Chicado eram: i) a dominância do mercado como resultante de uma maior eficiência,
revertendo portanto, a relação estrutura –desempenho; ii) o poder de mercado da colusão
entre oligopolistas seria a única forma que mereceria atenção e; iii) firmas que buscam o
poder de mercado per se em contraposição à eficiência não auferem lucros de monopólio,
pois ficam dependentes de atividades rent seeking.
A teoria dos custos de transação contrapõe-se à escola de Chicago. Nesta, a questão
básica da organização econômica repousa na adaptação, através de mecanismos de
governance. A implicação direta sobre a análise antitruste seria a aceitação de muitos
arranjos institucionais que a teoria não poderia explicar através da recorrência à
concorrência perfeita.
A teoria dos mercados contestáveis também passou a ser incorporada (guia de
fusões em 1982), fazendo com que a análise da concentração de mercado só seria levada
em consideração, caso a concorrência potencial fosse inexistente ou insuficiente.
Segundo Mattos (1997, p.1), “os objetivos variados têm sido atribuídos às leis de
defesa da concorrência em diferentes períodos, nos mais diversos países. Esses objetivos
serão mais ou menos limitados, a depender de como os policy-makers de um determinado
país entendem a questão da concorrência no âmbito do seu projeto de desenvolvimento,
bem como do possível escopo da ação do Estado nesse sentido”.
68 A abordagem de Williamson para integração vertical já foi tratada no segundo capítulo.
79
Em suma, utilizando a metodologia adotada por Khemani & Dutz (1992) apud
Mattos (1997) para a definição dos principais objetivos de uma Lei de Defesa da
Concorrência, é possível estabelecer uma tipologia entre as três escolas de organização
industrial: a Escola Estruturalista, a Escola de Chicago e a Escola Estatista ou de Política
Industrial. O Quadro 3.3 faz um comparativo das três escolas no que tange à questão da
defesa da concorrência.
i) Estruturalista: valorização do ambiente concorrencial e de intervenção do Estado na
preservação da concorrência;
ii) Escola de Chicago: embora também pregue o ambiente concorrencial, não atribui ao
Estado a sua defesa e;
iii) Escola Estatista: não considera a concorrência o ponto chave para a conquista do
desenvolvimento do país e então, não vê o Estado como seu defensor.
A partir do quadro abaixo, pode-se perceber que nos EUA houve um hibridismo
entre a escola estruturalista e a de Chicago. Segundo Mattos (1997), o principal aspecto da
experiência americana relacionado à Escola Estruturalista centra-se no controle sobre os
atos de concentração, exercido atualmente, através da Federal Trade Commission - FTC e
do Departamento de Justiça - DOJ. Em relação à Escola de Chicago, os EUA apresentam
uma proximidade quanto aos objetivos maiores da política antitruste americana atual, a
geração de eficiência.
80
Quadro 3.3 - Políticas de concorrência nas três escolas
Características Escola Estruturalista Escola de Chicago Escola Estatista ou de
Política Industrial
Importância da
Concorrência
Alta Alta Baixa
Necessidade da Ação do
Estado em prol da
Concorrência.
Alta Baixa Nenhuma
Correlação – Estruturas
de Mercado e Condutas
Anticompetitivas.
Forte Fraca Não é um problema
relevante.
Barreiras à Entrada Geradas por estruturas
concentradas.
Geradas, principalmente,
por falhas de governo.
Não é um problema
relevante.
Abrangência da Política
de Concorrência.
Forte Intervenção na
Estrutura.
Minimalista, visando evitar
intervenções excessivas,
restringindo-se ao combate
à cartelização e eliminação
das barreiras criadas pelo
governo.
Minimalista, dado que tais
políticas atrapalhariam
competitividade das
empresas nacionais,
reduzindo as respectivas
escalas.
Objetivos Principais da
Ação do Estado
Desconcentração dos
mercados e melhoria da
distribuição de renda.
Eficiência
microeconômica.
Competitividade com
governo ativo e favorecendo
ganhos de escala.
Avaliação da Relação
Positiva entre
Concentração e Lucro
Indicativo de práticas
monopolísticas.
Performance superior das
empresas mais
concentradas.
Performance superior das
empresas mais
concentradas.
Intervenção em Preços Não é uma questão
relevante.
Nenhuma Forte
Fonte: Khemani & Dutz, 1992 apud Mattos, 1997
81
3.5. Principais Atos e Condutas Sujeitos à Regulação Antitruste
Como dito anteriormente a legislação antitruste é aplicada pelas autoridades
seguindo dois modelos básicos: regulação da estrutura e regulação da conduta.
A regulação da estrutura visa o controle da configuração dos mercados, através da
avaliação dos pedidos de fusões, aquisições e acordos entre empresas. As práticas podem
ser restringidas per se ou através de uma análise de seus reflexos sobre o bem-estar dos
consumidores. Para isso, requer-se um levantamento de dados, informações, análise dos
condicionantes, motivações e efeitos da conduta sobre o mercado. Embora estes atos
possam levar a um aumento do poder de mercado, este proibido por lei, eles também
podem gerar uma série de benefícios como redução de custos, ganhos de escala e escopo.
A regulação da conduta também supõe um conhecimento prévio sobre o
funcionamento normal do mercado, ou seja, sobre as regras de comportamento e de
transações aceitáveis no mercado (Salgado, 1997).
Do ponto de vista analítico, é comum ser operada a distinção entre mercado e
mercado relevante. Isso porquê, como esses atos/condutas supõem a detenção de poder de
mercado por parte das firmas, o primeiro procedimento a ser adotado na análise é a
delimitação de tais mercados.
3.5.1. Poder de Mercado e Análise Antitruste
Primeiramente, a definição de poder de mercado reside na capacidade de uma firma
aumentar seus lucros por restringir a produção, cobrando preços acima do nível competitivo
82
para seus produtos (Hovenkamp, 1994). No entanto, o próprio autor sugere que esta
definição pode levar a controvérsias na análise antitruste, uma vez que o poder de mercado
per se pode não resultar em uma prática de exclusão. O argumento utilizado é que o volume
de vendas a um nível de preços superior ao competitivo atrairia novos entrantes no
mercado. Portanto, exclusão de competidores não é poder de mercado, mas sim um
mecanismo pelas quais as firmas podem obter ou manter tal poder.
Dessa forma, uma definição mais apropriada para descrever poder de mercado seria:
“poder de mercado é o poder de aumentar os preços acima do nível competitivo sem que o
mesmo provoque uma redução significativa em suas vendas a ponto de tornar este aumento
não lucrativo” (Hovenkamp,1994, p.79).
Em geral, nos casos submetidos à legislação antitruste, o demandante deve provar
que o "acusado" detém poder de mercado. Porém, dependendo da infração que se está
julgando, é mister compreender a diferença entre mercado e poder de mercado, pois,
dependendo da situação, a propensão de criação de poder de mercado já resulta em
ilegalidade69.
Uma outra dificuldade em relação ao poder de mercado diz respeito à sua
mensuração. Em geral, para sua quantificação, utiliza-se o Índice de Lerner, relacionando o
poder de mercado ao custo marginal da firma. Pode ser definido como:
69 Embora em casos per se não haja o requerimento da constatação de poder de mercado (ex. fixação de preços), como o consumidor demandante está buscando a prova de que está sendo lesado por um preço abusivo, uma análise de mercado deve ser feita pois, ele só obterá tal resultado caso os membros do possível cartel detenham um certo grau de poder de mercado (Hovenkamp, 1994).
83
Índice de Lerner = (P – Cmg)/P70, onde:
P = preço no qual a firma maximiza o lucro,
Cmg = custo marginal
Quanto maior a proporção entre o preço que maximiza lucro da firma e seu custo
marginal, maior será o poder de mercado.
A partir daí, a dificuldade surge em estabelecer uma regra, no sentido de quão alto
deve ser o indicador para tornar, por exemplo, uma fusão ou então a tentativa de
monopolização ilegais. Além do mais, é muito difícil mensurar custo marginal ou
elasticidade de demanda da firma, o que comprometeria a argumentação dada pelo tribunal
no julgamento.
A solução encontrada para este dilema centrou-se na substituição da análise de
poder de mercado pelo conceito de market share. Para que esse recurso fosse válido
utilizou-se uma relação entre market share e poder de mercado. Quanto maior o market
share, mais tempo a firma consegue manter os preços elevados e portanto lhe é conferido
um poder de mercado.
A análise antitruste se concentra no processo pelo qual o poder de mercado é criado.
Este requerimento faz com que o tribunal considere se alguma prática é anticompetitiva.
Para tanto, condiciona-se à habilidade da firma dominar um mercado e não em aumentar o
seu preço acima do custo marginal, pois centra-se na habilidade de afastar os rivais das suas
fontes de suprimento, saídas de distribuição etc. Portanto, embora a preocupação da lei
70 Hovenkamp (1994) demonstra também que o Índice de Lerner pode ser medido através da elasticidade da demanda encarada pela firma: (P-Cmg)/P = 1/e.
84
antitruste esteja no aumento de poder de mercado, quando ocorre ameaça de algum tipo de
infração, considera-se os meios e não os fins.
No entanto, quando se exige a prova do poder de mercado, a análise se dá sobre um
mercado relevante, pois este é o requerimento legal para inferir a respeito de poder de
mercado. Em ordem, define-se i) o mercado relevante do produto; ii) o mercado relevante
geográfico e; iii) a participação da produção do "acusado" neste mercado relevante
definido.
A definição de mercado e mercado relevante, de acordo com o Merger Guidelines
do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, são as seguintes:
“Um mercado é definido como um produto ou grupo de produtos e uma área
geográfica na qual ele é produzido ou vendido tal que uma hipotética firma maximizadora
de lucro, isenta de regulação de preço, que seja o único produtor ou vendedor, no presente
ou futuro, daqueles produtos naquela área, capaz de impor pelo menos um pequeno mas
significativo e não transitório aumento de preço, supondo que as condições de venda de
todos os outros produtos apresentem-se constantes. Um mercado relevante é um grupo de
produtos e uma área geográfica que não excedem o necessário para satisfazer este teste”
(Horizontal Merger Guidelines, 1997).
De acordo com Hovenkamp (1994), um mercado relevante de um produto é o menor
mercado do produto para o qual a elasticidade da demanda e a elasticidade da oferta sejam
suficientemente baixas para que uma firma com 100% de mercado possa aumentar lucros
reduzindo a produção e aumentando o preço a qualquer nível acima do considerado
competitivo.
85
Embora a mensuração dessas elasticidades não possa ser precisa, possui um grau de
certeza bem mais elevado do que em relação ao custo marginal e elasticidade da firma.
Vale ressaltar, que há outros fatores que podem afetar a competição, em
conseqüência das fusões, sem que estejam relacionados à concentração e ao market share.
São elas: condições de entrada, poder e sofisticação das parcerias comerciais, suficiência de
materiais insubstituíveis, métodos de compra e venda, histórico de práticas anticompetitivas
da indústria e tendência para a concentração do mercado.
3.5.2. Condutas Anticompetitivas
As principais condutas anticompetitivas que as empresas podem adotar são71:
i) práticas restritivas horizontais e;
ii) práticas restritivas verticais ao longo da cadeia produtiva.
Práticas Restritivas Horizontais:
Consiste no estabelecimento de contratos de cooperação entre as empresas,
resultando em um empecilho à formação de uma estrutura de mercado competitiva. Elas
podem entrar em colusão de preços, cooperação entre as concorrentes e imposição de
barreiras à entrada, diminuindo ou mesmo extinguindo a rivalidade entre as mesmas.
Algumas delas são definidas como:
71 Extraído da Resolução nº12 (CADE) de 31/03/1998 – versão 16/04/99.
86
Cartéis: acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo
parte substancial do mercado relevante, em torno de preços, quotas de produção e
distribuição, divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para
níveis mais próximos dos de monopólio.
Outros acordos entre empresas: restrições horizontais que envolvam apenas parte do
mercado relevante e/ou esforços conjuntos temporários voltados à busca de maior
eficiência, especialmente produtiva ou tecnológica.
Preços predatórios: prática deliberada de preços abaixo do custo variável médio de forma a
eliminar concorrentes para concentrar o mercado e, em momento posterior, poder praticar
preços e lucros mais próximos do nível monopolista.
Práticas Restritivas Verticais ao Longo da Cadeia Produtiva
Essas ações podem ser realizadas por empresas detentoras monopolistas de
concessão ou ainda, possuidoras de posição dominante em algum segmento de mercado que
esteja sujeito à concessão pública. São práticas que impedem a entrada dos competidores ou
mesmo, dificultem a operação dos mesmos nos mercados. Exemplos dessas práticas são:
Fixação de preços de revenda: o produtor estabelece, mediante contrato, o preço (mínimo,
máximo ou rígido) a ser praticado pelos distribuidores/revendedores. Existe nesse caso
ameaça efetiva de sanções pelo descumprimento da norma de preços.
Restrições territoriais e de base de clientes: o produtor estabelece limitações quanto à área
de atuação dos distribuidores/revendedores, restringindo a concorrência e a entrada em
diferentes regiões.
87
Acordos de exclusividade: os compradores de determinado bem ou serviço se
comprometem a adquiri-lo com exclusividade de determinado vendedor (ou vice-versa),
ficando assim proibidos de comercializar os bens dos concorrentes.
Venda casada: o ofertante de determinado bem ou serviço impõe para a sua venda a
condição de que o comprador também adquira um outro bem ou serviço.
Discriminação de preços: o produtor utiliza seu poder de mercado para fixar preços
diferentes para o mesmo produto/serviço, discriminando entre compradores,
individualmente ou em grupos, de forma a se apropriar de parcela do excedente do
consumidor e assim elevar seus lucros em relação ao nível competitivo.
3.6. Procedimentos de Análise
De forma crescente, os procedimentos de análises têm privilegiado a ponderação
entre os efeitos anticompetitivos e a geração de eficiência resultantes da prática restritiva.
Quanto à intervenção de caráter estrutural72, esta pode se dar de maneira vertical ou
horizontal. Os atos verticais estão relacionados a fusões, aquisições ou joint-venture em
uma mesma cadeia produtiva e, os horizontais se estabelecem entre empresas concorrentes
em um mesmo mercado, também inibindo o surgimento de estruturas competitivas.
Os procedimentos de análise para os atos de concentração horizontal são: i)
estimativas das participações das empresas no mercado relevante, ii) observação do nível
72 Relacionada à questão preventiva da legislação antitruste, ou seja, contratos que venham a ser firmados e que possam comprometer a concorrência.
88
de barreiras à entrada existentes e, iii) análise das eficiências econômicas que podem surgir
em decorrência da operação.
Para o cálculo do grau de concentração, utiliza-se o índice CR4 -
faturamento/market share das quatro maiores empresas em relação ao faturamento/market
share total - ou o Herfindahl-Hirschman (HHI)73, calculado através dos markets shares
individuais das firmas participantes do mercado relevante. Vale ressaltar que, ao término do
cálculo, se o resultado for um mercado concentrado, não significa obrigatoriamente que os
preços cobrados estejam acima do nível competitivo, pois este pode ser também resultante
de um sucesso inovativo já ocorrido.
Um último aspecto a ser mencionado diz respeito à concorrência potencial, ou seja,
as condições de entrada no mercado. Esta análise é feita pelas autoridades antitruste sobre
os quatro tipos de barreiras à entrada tratados no primeiro capítulo, ou seja, diferenciação
de produto, vantagens absolutas de custos, economias de escala e requerimento de elevados
investimentos iniciais.
Em suma, o procedimento adotado em um processo de litígio consiste
(Hovenkamp, 1994): em primeiro lugar definir o mercado relevante, ou seja, o menor
mercado na qual os bens não possuem substitutos e para o qual a entrada, pelo lado da
oferta é, ou muito custosa, ou então demorada. Em seguida, tendo a definição deste
mercado, o maket share é calculado, para ver se há indícios para que se possa inferir sobre
o nível de poder de mercado. Após todos esses cálculos, ainda sim é necessário verificar,
entre outros, o nível de barreiras à entrada e se há uso de posição dominante.
73 É igual à soma dos quadrados dos market shares: RH = ∑ i=1αi
2 com αi = qi /Q, denotando os market shares das i´s firmas (onde i = 1,.......,n e ∑ i=1 αi = 1).
89
CAPÍTULO 4
O PAPEL DA REGULAÇÃO NA REESTRUTURAÇÃO
DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL
A redução das barreiras à entrada e por sua vez, a crescente participação de novos
agentes nos setores de infra-estrutura energética tem gerado uma série de modelos
nacionais e regionais de organização industrial. A estrutura verticalmente integrada, com a
clara definição da atuação do órgão regulador setorial, vem cedendo lugar a estruturas
variadas e em contínua modificação.
Em razão disso e dos objetivos de introdução de algum grau de competição, novas
missões têm surgido aos órgãos reguladores, tanto setorial como de defesa da concorrência.
Porém, o estabelecimento de uma fronteira de atuação entre os mesmos, se é que deverá
existir, ainda é uma questão bastante complexa.
Essa reconfiguração das estruturas e o desafio para a adequação de um novo marco
regulatório ainda são mais sensíveis na indústria de gás natural e, particularmente, no
Brasil. Apesar de seu desenvolvimento recente a nível mundial, datado dos anos 7074, a sua
demanda tem sido crescente, conquistando papel importante na produção de energia,
principalmente a elétrica.
Um outro fator que o diferencia dos demais setores é que para o desenvolvimento
das jazidas é crucial a existência de um prévio mercado. Isso se deve ao fato de que, em
contraposição a outras fontes de energia que podem ser estocáveis, a decisão de
74 Esta característica será abordada mais a frente, como um agravante do trade-off entre expansão dos investimentos e concentração do setor.
90
investimento para a construção das redes de transporte e distribuição está condicionada ao
estabelecimento de contratos de longo prazo para o suprimento de gás natural.
Dessa forma, essas características configuram um modo de organização particular
de indústrias, envolvendo dois aspectos interdependentes: por um lado, o fornecimento
depende do estabelecimento de redes de transporte e distribuição; por outro, a necessidade
permanente da coordenação dos fluxos, para que não haja risco de perda da confiabilidade
do sistema.
No Brasil, a incipiente infra-estrutura das redes de transporte e distribuição e a
ausência de um mercado plenamente definido, faz com que as tomadas de decisões pelos
agentes fiquem condicionadas ao desenvolvimento dessas estruturas. Com isso, a função do
órgão regulador consiste tanto em adequar seus instrumentos para a criação destes
mercados, sem contudo, prejudicar o desenvolvimento de um mercado voltado à
concorrência. Finalmente, a separação institucional dos segmentos da cadeia de gás natural
nas competências federal e estadual também constituem um agravante para a aplicação da
regulação econômica75.
Diante desses novos modelos e das variadas opções estratégicas empreendidas pelos
agentes, juntamente com a demanda crescente por uma reformulação na agenda regulatória,
a questão a ser investigada neste capítulo consiste em: qual o papel da regulação setorial e
de defesa da concorrência e o grau de integração entre estes órgãos, diante da incerteza
quanto às estruturas de mercado que se consolidarão para a indústria mundial do gás
natural?
75 Essas questões serão retomadas no capítulo 5.
91
Para tanto, este capítulo estará constituído em três seções. A primeira seção faz uma
apresentação das características técnico-econômicas da indústria do gás natural, como ela
esteve organizada antes do início do processo de reforma e as suas modificações em
decorrência da redução das barreiras à entrada. Em seguida, são elencadas as principais
questões que emergem para a regulação no processo liberalização do setor na escala
mundial, dada as especificidades mostradas e, por último, a inserção das funções da
regulação nos modelos apresentados no segundo capítulo76.
4.1. A Indústria do Gás Natural
O processo de reestruturação da indústria de gás natural, embora feita de maneira
diferenciada entre países, tem sido caracterizado fundamentalmente pelos seguintes
aspectos:
1) introdução da concorrência e de pressões competitivas em diferentes segmentos da
cadeia produtiva;
2) acesso a terceiros às redes de transporte e transmissão;
3) estabelecimento de novas formas contratuais;
4) em alguns países, redução da participação do Estado nas atividades;
5) surgimento de novos entrantes buscando explorar as oportunidades de negócio que
emergem em razão da desverticalização (separação contábil ou societária dos serviços);
6) reformulação do marco regulatório.
76 Ver cap.2, seção 2.2, p.24.
92
Em parte, esse processo é resultado da retirada das barreiras à entrada, antes,
consideráveis e que têm sido gradativamente removidas em alguns segmentos da cadeia do
gás natural. A redução destas barreiras suscita uma série de desdobramentos para a
regulação econômica.
É importante apresentar as características técnico-econômicas da indústria do gás
para que se possa compreender em que medida fatores técnicos e institucionais têm sido
responsáveis pelo surgimento de novos modelos.
4.1.1. Características Técnico-Econômicas do Setor de Gás Natural
A cadeia produtiva do gás natural77 está representada na figura (figura 4.1). É
composta por quatro fases: i) exploração e produção; ii) elaboração; iii) transporte e; iv)
beneficiamento/distribuição.
Figura 4.1. A indústria do gás natural
Fonte: Elaboração Própria
77 Na presente análise será contemplado essencialmente o gás canalizado e, sua utilização apenas para fins energéticos, isto é, distribuição de gás canalizado e geração de eletricidade.
Produção de Gás/Petróleo
Transporte de Gás
Distribuição de Gás Canalizado
Distribuição de Derivados
Distribuição de GLP
Refino: produção de GLP
93
A primeira fase compreende a extração do gás natural do subsolo, podendo estar
localizado em terra (onshore) ou mar (offshore) e ainda, encontrar-se associado ou não ao
petróleo em bacias sedimentares. Por esta razão, as atividades de exploração e produção do
gás estão fortemente ligadas ao petróleo. Para entrar neste segmento os investimentos são
elevados, possuindo um alto risco de prospecção. À exceção dos EUA, os direitos de
propriedade dos recursos naturais encontrados no subsolo pertencem ao país, podendo ser
transferidos ao capital privado através de concessões, mediante ao pagamento de royalties.
Como no setor petróleo esta é uma atividade potencialmente competitiva.
Na segunda fase, o gás extraído passa por um processo de separação das parcelas
mais pesadas do produto. Essas unidades de separação, principalmente no caso de reservas
offshore, localizam-se bem distantes dos poços.
O segmento de transporte compreende o deslocamento do gás aos locais de
consumo. Pode ser realizado através de uma rede de gasodutos, ou então mediante
transporte de gás natural liquefeito (GNL). No último caso, é imprescindível a construção
de usinas de liquefação dos terminais portuários e de plantas de regaseificação, além da
contratação de navios metaneiros. Segundo Martin (1992) a malha de transporte é a parte
mais onerosa da cadeia, representando 40% do custo técnico total. Além disso, as
economias de escala são significativas, isto é, quanto maior o volume transportado, menor o
custo unitário. Vale ressaltar que neste segmento, a atividade econômica da indústria do gás
distancia-se da indústria do petróleo, pois assume as características técnicas e econômicas
de uma indústria de rede, devido à necessidade de interconexão do sistema.
Na última etapa, o beneficiamento do gás consiste na sua conformidade às
especificações de qualidade requeridas, para então distribui-lo aos consumidores finais.
94
Para tanto, é indispensável a instalação de dutos com menor diâmetro em relação ao
utilizado no transporte. Para o atendimento a consumidores dos setores residencial, serviços
e industrial, o gás deve ainda, passar por um processo de redução do seu poder calorífero.
Feito isso, o produto é transferido dos gasodutos às redes de distribuição local nos city
gates (estações de recebimento e medição de gás).
No segmento final da cadeia produtiva, tem-se a possibilidade de concorrência inter-
energética. O gás natural possui algumas vantagens em relação à combustão e pureza
(aspectos técnicos) e quanto a aspectos ambientais. É ainda capaz de substituir os derivados
de petróleo e o carvão mineral78.
O consumidor final pode receber o gás de duas formas básicas: gás canalizado,
sendo transportado através de dutos (infra-estrutura fixa); ou por meio de botijão, envazado
em recipientes especiais para suportar a pressão (postos de revenda e entrega para os
clientes, com transporte feito por caminhões). A intensificação da concorrência inter-
energética tem resultado na escolha por parte do consumidor final em optar pelo tipo e
origem da energia recebida.
Como mostrado no quadro 4.1, o mercado do gás destina-se a usos energéticos,
sendo utilizado na forma de combustíveis e usos não energéticos, servindo como insumo
industrial.
78 O gás natural tem adquirido uma maior importância desde que uma política pela utilização de combustíveis com baixos impactos ambientais.
95
Quadro 4.1. Usos do gás natural
Usos Gases utilizados Setores
Usos energéticos
(combustíveis)
Gás natural, GLP, gás
manufaturado, gás residual de
refinaria, gás natural veicular
Residencial, comercial, industrial, de
transporte e energético (eletricidade)
Usos não-energéticos
(matéria-prima)
GLP propano especial e butano
especial
Indústrias petroquímicas como redutor
siderúrgico e de fertilizantes
Fonte: Elaboração própria
O fornecimento do gás está condicionado a especificidades inerentes às instalações
das redes de transporte e distribuição, denominada infra-estrutura de base e, a uma contínua
coordenação do sistema (logística), para a garantia do equilíbrio entre a oferta e demanda.
Esse tipo de organização industrial deve-se a elementos relacionados a suas
especificidades técnico-econômicas, que podem ser caracterizadas da seguinte forma
(Krause & Pinto Jr., 1998):
1) indivisibilidade dos equipamentos, longo tempo de construção e maturação dos
investimentos e custos fixos irrecuperáveis elevados;
2) funções de custos distintas para as etapas de exploração, produção, transporte e
distribuição;
3) funções de custos sub-aditiva e condições de monopólio natural;
4) obrigação jurídica ou política de fornecimento (universalidade) e relevante interesse
econômico e social, especialmente em função das externalidades positivas geradas para
outros setores.
96
Essas especificidades fizeram com que o setor de gás, como as demais indústrias de
rede, fosse erguido com fortes barreiras à entrada a novos agentes. O modelo do gás natural
estruturou-se sobre as seguintes bases: integração vertical e horizontal, monopólio público e
contratos bilaterais de longo prazo.
4.2. Redução das Barreiras Institucionais e Técnicas
Como visto no segundo capítulo, as barreiras à entrada e saída no setor energético
foram classificadas como sendo decorrentes de aspectos ligados a fatores técnicos e
institucionais. Em ambos, as firmas estabelecidas não enfrentam concorrência potencial e,
na ausência de um controle, podem elevar seus preços acima do custo médio mínimo de
produção.
Em relação ao setor de gás, embora as barreiras relacionadas a fatores técnicos
tenham se mantido elevadas79, os fatores institucionais propiciaram a entrada de novos
agentes ao setor. A partir dos anos 80, a abertura do setor à concorrência, principalmente
com a desverticalização das atividades e garantia de livre acesso, possibilitou esta entrada.
Recorrendo à experiência internacional, elencou-se as principais barreiras que foram sendo
gradativamente remidas do setor.
Nos EUA houve a separação contábil e societária das atividades de produção, do
transporte em gasodutos e da comercialização aos clientes finais ou traders. A
79 Exceto para a exploração e produção de gás natural.
97
comercialização do gás foi aberta a todos os agentes do setor, inclusive aos clientes finais,
que poderiam revender seu excedente. Nota-se que a supressão das barreiras esteve
condicionada preponderantemente à alteração de fatores institucionais. No novo mercado
americano, mesmo com a permanência de barreiras de mercado, legalmente, a entrada no
setor se flexibilizou à medida que: 1) a propriedade do gás pode agora ser livremente
transferida entre comprador e vendedor; 2) as operadoras dos gasodutos não podem mais
ser proprietárias ou comercializarem gás natural e; 3) a capacidade de transporte firme que
as proprietárias dos gasodutos vendiam para uso exclusivo de seus consumidores pode ser
usada ou revendida a terceiros.
No continente europeu, embora com características distintas do mercado americano,
principalmente pela indústria do gás ter sido constituída por um oligopólio com forte
presença das empresas públicas, o movimento de reforma seguiu na mesma direção, isto é,
o estabelecimento institucional do third party access nos gasodutos nacionais e
transparência de preços.
A relevância dos fatores institucionais para este setor, principalmente em relação ao
transporte, como fator propulsor da abertura, decorre do fato de que as barreiras
econômicas inerentes ao setor, ou seja, economias de escala e/ou elevados investimentos
iniciais dificilmente conseguiriam ser removidas. As inovações tecnológicas (alargamento
do diâmetro e aumento de compressores) caminharam no sentido contrário, proporcionando
uma concentração do setor. As firmas que atuavam localmente, com o avanço tecnológico,
puderam fazer conexão entre pontos mais distantes, favorecendo a otimização da
capacidade instalada e dos ganhos de escala.
98
Além disso, o fato da capacidade instalada do gasoduto ter uma vida útil longa gera
uma limitação tanto em relação ao progresso tecnológico como também ao incentivo à
realização de investimentos. Assim, os ativos empregados na sua construção não podem ser
reutilizados em outras atividades (sunk costs). Uma ressalva deve ser feita ao segmento de
exploração e produção de gás, o qual apresentou uma queda das barreiras relacionadas à
vantagem absoluta de custos e a economias de escala.
A separação entre a distribuição e comercialização do gás natural, medida de caráter
também institucional, propiciou a entrada de novos agentes, tornando possível a condição
de competição potencial. A figura do comercializador ou trader fez com que a atividade de
distribuição, caracterizada por um monopólio natural, pudesse ser considerada
contestável80. Como o trader não precisa dispor de ativos fixos para a venda do gás, a
natureza irrecuperável dos investimentos sunk costs é eliminada.
A liberalização de certos usos para o gás natural, como a produção de eletricidade,
igualmente representou a supressão de um limitador institucional à entrada. Em um
primeiro momento, seu uso era destinado preferencialmente como matéria prima (insumo
industrial) - química, fertilizantes - ou seja, usos nobres. Nos EUA esta mudança ocorreu
em 1978 e, na Europa, a partir do ano de 1989. Dessa forma, os agentes atuantes no setor,
como entrantes potenciais, passaram a vislumbrar novas oportunidades de negócios.
Concomitantemente, o uso do gás natural no setor elétrico viabilizou investimentos
com menores prazos de maturação, riscos financeiros reduzidos e, conseqüentemente,
menos sensíveis a ganhos de economias de escala. Com a utilização do gás na geração
80 Ver Box 1, cap.1, p.15.
99
elétrica tornou-se viável a construção de pequenas unidades, isto é, a grande volatilidade
frente ao preço dos combustíveis poderia ser compensada pelos baixos custos fixos e menor
prazo de maturação.
Ainda em relação ao uso do gás natural na geração de eletricidade, observa-se o
desenvolvimento tecnológico acelerado associado às turbinas a ciclo combinado das
termelétricas, que possibilitaram a padronização de projetos e o uso de equipamentos não
caracterizados como sunk costs e, portanto, com características de contestabilidade. Porém,
esta alteração institucional foi feita para adaptar o setor às mudanças tecnológicas.
4.3. Questões para a Regulação
De acordo com Joskow (1996) há, ao menos, três razões para que a questão da
regulação, seja ela setorial ou de defesa da concorrência, possua uma importância ímpar
nesse processo de reestruturação das indústria de infra-estrutura energética:
i) Rede Integrada e Desverticalização: alguns segmentos continuarão sendo monopólio
natural e sujeitos à regulação ativa81. Dessa forma, é imprescindível um acesso apropriado
aos serviços providenciados por esses segmentos para facilitar a competição em outros
níveis horizontais. No entanto, essa indústria, por possuir características de uma rede
integrada, há uma forte interdependência de decisões operacionais e de realização de
investimentos entre os agentes dos segmentos potencialmente competitivos com aqueles
pertencentes a estruturas de monopólio. Usualmente, a integração vertical foi adotada como
81 Ver capítulo 3, p.39.
100
uma norma nas operações, no sentido de que a presença de monopólio natural em
segmentos horizontais, como o transporte, levou a monopólio outros segmentos horizontais,
como a produção.
Dessa forma, a reestruturação para a promoção de competição em um ou mais
níveis horizontais envolve pelo menos uma separação vertical parcial dos segmentos
potencialmente competitivos dos de monopólio natural. Cabe ao regulador, um tratamento
cuidadoso na descentralização das relações verticais, como a separação de custos e a
manutenção da confiabilidade do sistema.
ii) Acesso à infra-estrutura e o grau de competição: como os termos e condições de acesso
aos segmentos de monopólio dessas indústrias afetam a conduta e desempenho dos
competidores nos segmentos passíveis de concorrência que dependam do primeiro, as
relações de controle e propriedade entre os agentes de ambos os segmentos têm efeitos
importantes sobre a intensidade da competição que irá vigorar. Uma firma que esteja
operando no segmento de monopólio regulado, mas que deseja inserir-se em um segmento
competitivo, o qual dependa do segmento de sua propriedade, pode restringir acesso ou agir
de maneira discriminatória contra os competidores do mercado em que passou a atuar.
A resolução desses problemas vai depender das regras de acesso que serão aplicadas
em serviços de monopólio regulado, da habilidade do regulador na separação de custos
associados a serviços de monopólio natural e associados a serviços competitivos. Daí, a
importância da neutralidade do transportador, com a obrigatoriedade do livre acesso e não
discriminação entre os usuários dos dutos.
Nesse caso, tanto a regulação ativa como reativa deverão estar presentes. À medida
que alguns segmentos continuam sujeitos à regulação e fornecem serviços essenciais para a
101
sustentação da competição nos setores competitivos, a natureza do meio regulatório é de
maior importância para o sistema como um todo. Ao regulador consiste a tarefa de impedir
o abuso do poder de mercado, derivado de uma posição dominante. Como visto, ele pode
possuir poder mercado, mas o que deverá ser combatido é o seu uso, por exemplo, práticas
restritivas verticais.
iii) Transição de um mercado regulado para um mercado livre: um dos objetivos das
reformas é reduzir o papel da regulação e expandir o papel dos mercados, estes, não
sujeitos nem ao controle de preço e nem de entrada. Segmentos competitivos seriam
eficientes quando restrições regulatórias fossem removidas. Porém, o comportamento
competitivo não é muito claro quando a incumbente no nível competitivo é monopólio ou
duopólio. Desse modo, a liberalização geral de preços e quantidade não seria
recomendável, uma vez que pudesse haver abuso desse poder de mercado. Com isso, a
compreensão das estratégias que serão adotadas pelas empresas será crucial para a
definição de um novo marco regulatório.
Vale ressaltar que como essas indústrias se constituíram de forma verticalmente
integradas, mesmo ocorrendo a supressão de barreiras institucionais, dificilmente a
competição estará garantida e a presença do regulador será imprescindível. Dois fatores
ilustram este argumento:
Primeiro, como essas empresas sempre foram constituídas por monopólios, torna-se
vital a criação de um novo tipo de cultura, ou seja, submetê-las a pressões concorrenciais.
A outra razão diz respeito a algumas características específicas desses setores, como
a presença de elevados sunk costs (custos irrecuperáveis) em alguns segmentos, que
102
impossibilitam a aplicação do conceito de contestabilidade de mercado, tornando-se difícil
a consolidação da competição imediata.
Finalmente, essas especificidades setoriais engendram questões contratuais de
grande importância para a regulação. Ao órgão regulador cabe a administração de todos os
novos contratos que foram se constituindo com a separação das atividades e entrada de
novos players. Neste sentido, alguns autores observam que a regulação pode ser vista como
um conjunto de regras para a negociação e resolução de conflitos contratuais visando a
redução dos custos de transação.
O regulador pode entrar como árbitro nos contratos de longo prazo, podendo reduzir
os custos de monitoramento, fiscalização e execução, os chamados custos de transação
presentes nos contratos; pode também ser um caminho eficaz na determinação de um
ajuste, definindo previamente rotinas de procedimento. Esse ponto denota a importância da
consistência inter-temporal no estabelecimento de contingências contratuais e de fórmulas
para a resolução de conflitos.
Relevante para a análise desenvolvida aqui está o fato de que a regulação setorial
pode também influenciar diretamente o modo de organização industrial das empresas, uma
vez que ela pode afetar o modelo Estrutura – Conduta – Desempenho, questionando assim,
a função da regulação da concorrência tradicionalmente concebida, isto é, ao impedir os
atos de concentração o desempenho já estaria garantido (E – D). De acordo com Quast
(1997) a interação entre as sucessivas mudanças de regulamentação e o comportamento dos
atores econômicos produz modificações organizacionais profundas na indústria do gás
natural.
103
Um ato de concentração pode se dar através de uma conduta empreendida por parte
de um agente, alterando por sua vez, a estrutura futura do mercado82. Dessa forma, é
possível ampliar o modelo E-C-D, incorporando os objetivos da regulação setorial. Além
disso, na indústria de infra-estrutura energética, o processo de reestruturação é fortemente
influenciado pela resultante das condições políticas e condições econômicas básicas (Figura
4.2). Essa resultante afeta diretamente os mecanismos de regulação setorial e a estrutura de
mercado. E ainda: de acordo com o arranjo institucional adotado para cada país, bem como
a sua implementação, propicia que as funções da regulação setorial e de defesa da
concorrência vão sendo delimitadas.
Como já foi observado, pelo fato das reformas das indústrias energéticas
preconizarem a redução das barreiras à entrada de novos operadores, sejam elas
determinadas por fatores institucionais ou tecnológicos, a estrutura de mercado vai sendo
progressivamente modificada a fim de permitir a introdução de pressões competitivas. Ora,
esse processo exige a compatibilização dos mecanismos de regulação setorial com os
instrumentos de defesa da concorrência e ainda, entre agências setoriais.
82 Exemplos disso são investimentos em P&D pois, os mesmos, podem levar a uma redução de custos e por sua vez, expulsão dos competidores do mercado e ainda, afetar as decisões das entrantes potenciais. Observa-se ainda que o escopo de atuação da regulação pode afetar indiretamente o mercado, mediante à imposição de restrições sobre a conduta dos agentes.
104
Figura 4.2. Regulação, conduta e desempenho:
Condições Políticas
Regulação
Política de Entrada
Price Caps
Regime de Incentivo
Planos de Investimento
Condições Econômicas
Básicas
Estrutura
Condições de Entrada
Conduta
Preços
Modernização
Desempenho
Lucros
Ganhos de Produtividade
(1) Performance = f (Regulação, Condições Econômicas, Estrutura, Comportamento) (2) Comportamento = g (Regulação, Condições Econômicas, Estrutura) (3) Regulação = h (Performance, Condições Econômicas, Condições Políticas)
Fonte: Pinto Jr. & Silveira,1999, elaborado a partir de Berg, 1996.
Política
Antitruste
Arranjos Institucionais
105
A identificação da presença de estruturas de monopólios regulados
permanentemente ou pelo menos no período de transição para a instauração da
concorrência faz com que instrumentos de regulação setorial, como a adequada separação
de custos pertencentes aos segmentos de monopólio natural dos segmentos potencialmente
competitivos, adoção de mecanismos de incentivos regulatórios e/ou restrições sobre
entrada em certas atividades, serão requeridos para que sejam evitadas distorções causadas
nesse período de reestruturação.
Por outro lado, com a presença de posições dominantes, tanto nos segmentos
monopolistas, como naqueles em que há pressões concorrenciais, corre-se o risco da
ocorrência de prática que se constituam em infração à ordem econômica, impedindo assim,
a constituição do ambiente competitivo almejado. Então, a defesa da concorrência deverá
estar presente, monitorando a conduta dos agentes, bem como atuando no sentido de evitá-
las, isto é, regulando suas estruturas se assim o for conveniente.
É precisamente por isto que os instrumentos tradicionais de regulação setorial
devem ser associados a mecanismos de defesa da concorrência83. No entanto, essa não é
uma tarefa simples por duas razões principais (Pinto Jr. & Silveira, 1999).
Primeiro, os arranjos institucionais, de um modo geral, separam os órgãos
reguladores setoriais e os órgãos de defesa da concorrência. Sendo assim, as fronteiras de
competência entre esses dois tipos de instituições são, por vezes, insuficientemente
delimitadas.
83 Tanto por estarem atuando simultaneamente em um mesmo setor, como pela necessidade de troca de informações de natureza técnica, como também tácita.
106
Segundo, a reestruturação dessas indústrias requer um período de transição durante
o qual a estrutura de mercado é submetida a mudanças progressivas. Assim, é indispensável
definir características centrais do novo modelo de organização industrial que resulta das
reformas institucionais.
Durante o período de transição, os instrumentos de regulação setorial e de defesa da
concorrência precisam ser "calibrados" a fim de permitir a adaptação dos ajustes
econômicos ao novo contexto.
De acordo com Mello (1999, p.1): “... a convivência entre normas de controle
destinadas a setores específicos aplicadas por uma agência reguladora e normas gerais de
defesa da concorrência carrega um potencial de conflitos, pela natural diversidade de
objetivos visados por uma e outra legislação bem como pelo fato de serem aplicados por
autoridades distintas: uma – a agência reguladora – encarregada de cuidar de vários
assuntos num só setor; outra – a agência antitruste – encarregada de um só assunto em
todos os setores. Tem-se, portanto, não só problemas de coerência entre diferentes sistemas
normativos aplicáveis à mesma situação, mas também possibilidade de soluções diferentes
aplicadas pelos órgãos da administração pública envolvidos...” .
Com isso, quanto maior o esforço de interação e compatibilização entre os
instrumentos de regulação setorial e antitruste, menores serão os riscos de choques de
competências em relação aos agentes do mercado. Mesmo a regulação setorial possuindo
inúmeras outras funções, que não a defesa do processo concorrencial, sua atuação deve se
dar sempre que possível respeitando os aspectos da lei antitruste.
Vale ressaltar ainda, que a reestruturação do setor não está ligada somente à
abertura a novos agentes. Para que esta seja obtida com êxito, uma nova regulamentação
107
tem que ser colocada em prática, levando-se em consideração as especificidades setoriais,
visando a viabilidade econômica e a continuidade dos investimentos.
Em suma, a regulamentação deve ter, entre outras, as seguintes funções: i) garantir
um ambiente estável e seguro para a inserção de novos competidores; ii) controlar a fusão
das empresas; iii) restringir o poder de monopólio e, iv) tentar impedir a verticalização da
indústria (Vinhaes, 1999).
Com esta ampla definição para a função da regulamentação, surge o questionamento
se a regulação setorial é suficientemente capaz de realizá-la com sucesso. Além disso,
enquanto órgão setorial e responsável pela entrada de novos agentes, pode ser que algumas
dessas funções não sejam compatíveis com o modelo adotado84.
4.4. Competência da Regulação nas Diferentes Estruturas Organizacionais
As reformas dos setores de infra-estrutura energética têm gerado uma grande
diversidade de modos de organização, tornando cada vez mais complexa a atividade de
regulação.
Assim, dependendo do tipo de estrutura de mercado, a importância dos mecanismos
de regulação e defesa da concorrência serão diferentes. Em diversos países observa-se uma
combinação de liberalização com a substituição das antigas regras por novas regras de
regulação, adaptadas ao novo modo de organização industrial.
Especificamente para a indústria do gás, dois mercados passam a demandar distintas
tarefas para a regulação (Krause & Pinto Jr., 1998):
108
1) com a desverticalização e o surgimento dos agentes de comercialização, tem-se um
mercado mais competitivo com a movimentação de maiores volumes e com a presença
direta de grandes consumidores, empresas de transporte, distribuição e as novas
companhias de comercialização.
A função da regulação neste caso estaria voltada para: i) acompanhamento do número
de operadoras; ii) monitoramento dos inúmeros contratos estabelecidos e; iii) criação e
sustentação de um ambiente concorrencial, com o devido controle sobre os atos que possam
levar a uma ampliação do poder de monopólio dos operadores e eventuais condutas
restritivas. Além disso, teria as suas funções tradicionais relacionadas à qualidade,
segurança e confiabilidade do sistema.
2) Permanência dos pequenos consumidores que continuarão com a característica de
mercado cativo frente às distribuidoras, estas com características de monopólio natural.
A função da regulação neste caso estaria voltada aos moldes tradicionais, isto é, de
monopólios, com o estabelecimento do preço, qualidade, continuidade dos serviços e
controle de modicidade das tarifas.
Retomando os modelos apresentados no segundo capítulo85 (figuras 4.3 a 4.7)
pode-se observar que em todos eles, pelo lado da estrutura de monopólio, a regulação
setorial tem que estar presente para garantir o acesso, desempenho, qualidade e ainda,
realizar a separação total ou contábil, se assim for requerida. Nos segmentos não mais
caracterizados como monopólios naturais, mas que mantêm especificidades setoriais, o
referencial antitruste pode contribuir com medidas preventivas quanto a condições
84 Esse ponto será retomado no capítulo 5. 85 Ver capítulo 2, seção 2.2., p.24.
109
estruturais e estratégicas, que possam resultar em condutas anticompetitivas. Quanto ao
caráter preventivo, o órgão regulador setorial também poderia atuar no sentido de evitar
uma concentração no setor, ao impor restrições quanto às participações desses agentes nas
concessões e, o que é ainda mais importante, estabelecer em todas as suas regulamentações
a cultura antitruste.
No entanto, ambas serão necessárias para controlar os diversos tipos de estratégias
que vêm surgindo, de maneira a ir delineando uma estrutura de mercado eficiente.
Figura 4.3. Monopólio verticalmente integrado (Modelo 1) Regulação setorial: contrato de concessão,
participações governamentais, licitações,
monitoramento dos programas propostos
Regulação setorial técnica: coordenação e
confiabilidade do sistema
Regulação setorial: preço e qualidade ao consumidor
final
P
T
D
MERCADO
110
Figura 4.4. Integração vertical com produção aberta (Modelo 2)
Regulação setorial:
adequação das barreiras
institucionais à entrada,
padrão de contrato; controle
da saída
Regulação da concorrência:
monitoramento de atos ou
práticas restritivas verticais
e horizontais advindas do
abuso de posição dominante
Regulação setorial:
regulamentação da atividade
de transporte, livre acesso,
estabelecimento do preço,
coordenação e confiabilidade
do sistema.
Regulação setorial: preço e
qualidade ao consumidor
final
P
D
T
P P
MERCADO
111
Figura 4.5. Abertura das redes de transporte (Modelo 3)
Regulação setorial:
adequação das
barreiras
institucionais à
entrada, padrão de
contrato
Regulação da
concorrência:
monitoramento de atos ou
práticas restritivas
verticais e horizontais
advindas do abuso de
posição dominante
Regulação setorial:
regulamentação da
atividade de
transporte, livre
acesso, estabeleci-
mento do preço
Regulação da
concorrência:
monitoramento de atos ou
práticas restritivas
verticais e horizontais
advindas do abuso de
posição dominante
T4
P3 P4
T1
P1 P2
MERCADO MERCADO
coordenação e confiabilidade do
sistema
acesso
D4 D2 D1 D3
comercialização
112
Figura 4.6. O pool do transporte (Modelo 4)
Regulação setorial:
adequação das
barreiras
institucionais à
entrada, padrão de
contrato
Regulação da concorrência:
monitoramento de atos ou
práticas restritivas verticais
e horizontais, cartel,
colusão, posição dominante
Regulação setorial:
regulamentação da
atividade de
transporte, livre
acesso, estabeleci-
mento do preço
Regulação da concorrência:
monitoramento de atos ou
práticas restritivas verticais
e horizontais, pelo uso de
posição dominante
P4
P5
P3 P2 P1
D1 D2 D3 D4
T
MERCADO
comercialização
113
Figura 4.7. Distribuição mista (Modelo 5)
Regulação setorial:
adequação das
barreiras
institucionais à
entrada, padrão de
contrato
Regulação da
concorrência:
monitoramento de
atos ou práticas
restritivas verticais e
horizontais, cartel,
colusão, posição
dominante
Regulação setorial:
regulamentação da
atividade de
transporte, livre
acesso, estabeleci-
mento do preço
Arbitragem de
conflitos: operação
conjunta das
agências setoriais
Produção de eletricidade Cogeração
Distribuição de eletricidade Distribuição de gás
Distribuição de calor
Regulação da
concorrência:
monitoramento de
atos ou práticas
restritivas verticais e
horizontais, cartel,
colusão, posição
dominante
TG
PG1 PG2
TE
PE2PE1
MERCADO
Regulação da concorrência
acesso
comercialização
114
Pode-se perceber que, seja qual for o modelo estabelecido, as duas formas de
regulação deverão ocorrer simultaneamente, mas o estabelecimento da fronteira de atuação
de cada uma delas (se é que deverá existir), é uma tarefa bastante difícil. A concorrência,
pela entrada de novos competidores em alguns segmentos de mercado, coexiste com a
necessidade de regulamentação e de regulação sobre segmentos ainda com característica de
monopólio.
A regulação setorial deverá recorrer à legislação antitruste à medida em que terá a
competência de criar um ambiente propício à competição através da regulamentação do
setor, como o limite permitido para as participações de empresas no mercado. Além disso,
pode ser que o órgão regulador recorra ao órgão de defesa da concorrência como poder
judicante na arbitragem de conflitos. Por sua vez, o órgão responsável pela defesa da
concorrência precisará, para sua análise, de informações contidas nas agências reguladoras
referentes às características do mercado específico, bem como dos regulamentos expedidos
pelo órgão setorial.
De acordo com Baumol & Sidar apud Vinhaes (1999), a promoção da competição
no mercados tem sido possível mediante uma relação de aprendizagem e integração entre a
regulação setorial e a política antitruste. Neste sentido, três aspectos merecem ser
destacados: 1) o estudo da microeconomia tem sido utilizada pela análise de antitruste e
esta tem enriquecido a análise de monopólios naturais; 2) com a redução das barreiras e
portanto, o enfraquecimento do monopólio, torna-se necessária a regulamentação do órgão
setorial e monitoramento do órgão da concorrência e; ainda, 3) como muitos dos problemas
para a avaliação da legislação antitruste envolve problemas regulatórios em relação à
115
entrada e aos preços dos bens intermediários vendidos entre os competidores, a regulação
setorial favoreceria a primeira.
Como a supressão das barreiras à entrada, originárias por fatores técnicos ou
institucionais, permite a abertura do setor a novos agentes, uma conclusão é que o estudo
das condições de entrada pode ser um sinalizador para a definição da fronteira de
competência entre os órgãos reguladores setoriais e da concorrência86. No entanto, mesmo
definido o escopo de atuação referente à regulação setorial e de defesa da concorrência, sua
operacionalidade deve contar com um compartilhamento entre os órgãos. Pelo lado setorial
obtêm-se as informações do setor e também as regulamentações implementadas; pelo lado
de defesa da concorrência, a rotina de procedimentos e instrução de processos, que envolve
um longo processo de aprendizado.
86 Caso seja detectada elevadas barreiras sem a possibilidade de remoção através da desregulamentação, ou seja, o poder de mercado será regulamentado por lei, a regulação da concorrência não terá muito para atuar, a não ser como dito acima, como poder judicante em caso de conflitos. Neste caso a regulação setorial atuaria via estabelecimento do controle tradicional e das condições de acesso ao setor.
116
CAPÍTULO 5
A ORGANIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NO BRASIL
E OS DESAFIOS PARA A REGULAÇÃO
No Brasil, a indústria do gás natural, como no restante do mundo, tem assumido
uma importância ímpar. Na década de 90, observa-se o aprofundamento do processo de
reestruturação desta indústria, fortemente marcado pela tentativa de introdução da
concorrência e de pressões competitivas, redução da participação do Estado nos novos
empreendimentos e pelo surgimento de novos entrantes.
Como já mencionado no capítulo anterior, enquanto nos países desenvolvidos esta
indústria já possui um certo grau de maturidade e o processo resume-se nos aspectos
mencionados, no Brasil, esta indústria apresenta-se bastante incipiente.
O processo de reestruturação no Brasil não consiste simplesmente na mudança do
papel do Estado e na abertura do setor à competição, o que já não seria uma tarefa simples.
O desafio principal está em construir uma infra-estrutura adequada para a configuração de
um mercado e paralelamente empreender reformas estruturais. Mas o que se tem visto é que
essas duas tarefas têm caminhado conjuntamente, o que pode, a princípio, estar
comprometendo a competição no setor.
Algumas razões para que o gás esteja se inserindo na economia podem ser
apontadas como: i) o aumento considerável nas reservas de gás e o desenvolvimento
tecnológico, fazendo com que haja uma maior confiabilidade na inserção em projetos de
longo prazo; ii) o uso de gás na cogeração e em plantas termelétricas a ciclo combinado
117
providenciando uma eficiência de custo na geração elétrica e; iii) o gás natural é menos
poluente em relação a combustíveis fósseis.
Pelo lado da oferta de gás, a Petrobras tem aumentado sua produção e novas áreas
têm sido licitadas, atraindo investidores privados e estrangeiros. A importação de gás tem
sido feita via gasoduto Bolívia-Brasil e há outros projetos para construção de novos
gasodutos.
Em relação à demanda, o uso energético do gás natural será potencialmente
destinado a cinco principais grupos de consumidores: industrial, residencial, comercial
plantas termelétricas e cogeração. Enquanto insumo industrial, é utilizado nas
petroquímicas.
A abertura das concessionárias estaduais a agentes privados também tem provocado
uma reconfiguração acionária, com a entrada do capital privado.
Toda essa reforma que tem sido empreendida traz como conseqüência uma nova
estrutura industrial, requerendo tarefas diferenciadas de regulação. Com a desverticalização
das atividades e a emergência dos agentes de comercialização é possível identificar um
mercado mais competitivo, que negocia grandes volumes de gás natural e que envolve os
grandes consumidores.
Nesse sentido, tornam-se mais complexas as tarefas de regulação ante o crescimento
de empresas operadoras, a multiplicação do número de contratos a serem analisados e a
necessidade de assegurar um ambiente concorrencial, fiscalizando as tentativas de adoção
de estratégias que possam eventualmente ampliar o poder de monopólio dos operadores.
O objetivo deste capítulo consiste em mapear a estrutura que tem sido moldada para
o setor de gás brasileiro, apontando os problemas que deverão ser tratados pela regulação
118
tanto setorial como da concorrência, destacando o papel dos arranjos institucionais que têm
sido montados87. Para tanto, adotou-se um dos modelos apresentados anteriormente88,
identificando todos os possíveis atores envolvidos neste processo de abertura do setor de
gás natural. Trabalha-se com a hipótese de que todos os projetos descritos serão realizados.
Porém, na prática, a viabilidade técnica, econômica e financeira desse programa de
expansão de longo prazo ainda é recheada de incerteza89.
5.1. A Indústria de Gás no Brasil
A descoberta do gás natural no Brasil ocorreu em 1940 na Bahia, porém, tornou-se
representativo com a descoberta na Bacia de Campos (RJ), quando foram destinados
pesados investimentos na prospecção de águas profundas e na construção de gasodutos
interligando os centros de consumo do Rio de Janeiro e São Paulo.
O gás natural no Brasil tem a sua origem associada ao petróleo (70% das reservas),
fazendo com que haja uma dependência em relação ao desenvolvimento e produção do
óleo. Tal fato faz com que, na ausência de um mercado, as jazidas não possam permanecer
fechadas e caso não haja viabilidade técnica-econômica para seu aproveitamento, ou seja,
87 Porém, como tem sido salientado desde o início, por se tratar de um período de transição, não há estabilidade em relação ao modelo escolhido, no sentido de que ele vigorará no país. Trata-se apenas de uma tendência observada. 88 Ver capítulo 2, seção 2.2., p.24 e cap.4, seção 4.4., p.94. 89 Principalmente em relação à ausência de regras claras, a expansão do mercado de gás torna-se muito incerta. A restrição de investimentos faz com que haja atraso na construção de gasodutos, exceto nos Estados onde há cláusulas take or pay. Observa-se um atraso na decisão dos consumidores industriais em converter seus equipamentos de óleo combustível para gás natural, pois eles não estão certos de que o gás natural será ofertado a um preço competitivo em relação a outras fontes de energia. Finalmente, os subsídios concedidos ao GLP tem impedido a entrada do gás naqueles nichos ocupados por tal produto.
119
caso o seu transporte do mar para o continente seja inviável economicamente, parte pode
ser reinjetada, porém o restante, é queimado nos flares. Atualmente, a produção de gás
nacional é de 30 milhões m³/dia. No entanto, o consumo doméstico é de 19 milhões
m³/dia90.
Outra característica do gás nacional é que suas reservas concentram-se
fundamentalmente em águas profundas (55%), isto é, off-shore. Acompanhando a
tendência mundial, no Brasil também tem sido relevante o crescimento das reservas e da
produção de gás natural, como mostrado no quadro 5.191. A taxa de crescimento anual
observada, entre os anos de 1985 e 1998, para as reservas e produção foi de 7% e 5,3%,
respectivamente.
Quadro 5.1. Evolução das reservas provadas, produção e consumo de gás natural (bilhões m³)
Ano 1985 1987 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Reservas Provadas
92,7 105,3 116,0 172,0 181,5 192,5 191,1 198,7 207,9 223,6 227,6 225,9
Produção 5,5 5,8 6,1 6,3 6,6 7,0 7,4 7,7 8,1 9,2 9,9 10,8 Consumo 3,0 3,9 4,1 4,1 4,2 4,5 4,8 5,1 5,3 6,0 6,2 6,7
Fonte: BEN, 1998 e Anuário Estatístico (ANP), 1999.
O seu consumo é basicamente voltado para a indústria (83,5%), dos quais 41%
destina-se à indústria química, 15% para o setor siderúrgico e 7,3% corresponde à
petroquímica. No setor residencial, comercial e transportes, a utilização do gás natural
ainda é mínima. O crescimento de sua utilização vem sendo puxado pelos setores
90 Deste total, 10 milhões m³/dia são destinados para os mercados distribuidores da região sudeste e para nordeste e, 9 milhões m³/dia destinam-se ao consumo próprio da Petrobras. 91 Descobertas recentes na Bacia de Campos (RJ) fizeram com que as reservas provadas saltassem de 44,4 bilhões de m³, em 1978 para 225,9 bilhões de m³ em 1998 (ANP: Anuário Estatístico, 1999).
120
industriais energo-intensivos - indústria química, petroquímica, cerâmica, siderúrgica,
metalúrgica e mineração (Alveal et al.,1999).
As estimativas para um aumento na necessidade de oferta de energia elétrica a curto
prazo também tem incorporado uma expectativa de incremento na geração elétrica via gás
natural.
5.2. A Evolução da Estrutura Industrial do Setor: Queda de Barreiras Institucionais e
de Mercado
A indústria nacional do gás, até o ano de 1988, esteve estruturada verticalmente,
com a Petrobras tendo o controle das atividades desde a exploração e produção até o
transporte (incluindo a importação). Sendo ela a única empresa no mercado, a utilização do
gás era balanceada de acordo com o excedente que geraria frente à oferta de outros
combustíveis concorrentes, como o óleo combustível, o qual a Petrobras possuía também o
monopólio. Essa integração vertical das empresas constituiu-se a mais importante barreira à
entrada de novos agentes na atividade.
Em relação à distribuição, até o ano de 1988 havia duas empresas operando: a CEG,
no Rio de Janeiro e a Comgás, em São Paulo. No restante dos Estados, a Petrobras também
apresentava-se verticalizada em toda cadeia, suprindo o setor industrial92.
A partir de 1988, a atividade de distribuição passou a ser concessão estadual. Com
isso, vários estados começaram a criar empresas estaduais de distribuição, objetivando a
92 Note que no Rio de Janeiro a Petrobras também atendia a grandes consumidores.
121
repartição de uma parcela da renda gerada na comercialização, como mostrado no quadro
5.2 (Pinto Jr., 1988).
No Brasil, o ponto de partida para o início das reformas no setor foi dado com a
Emenda Constitucional nº 5, de agosto de 1995, em que, embora a distribuição ainda fosse
considerada monopólio estatal, a exploração de seu serviço também poderia ser realizada
por empresas privadas. Além disso, a Emenda Constitucional nº 9, do mesmo ano,
flexibilizou o monopólio federal nas atividades de exploração, produção, transporte e
refino, o que viria a possibilitar a entrada de novos players ao setor, sejam eles nacionais ou
estrangeiros93. A regulamentação desta emenda foi promulgada em agosto de 1997, com a
Lei do Petróleo nº 9.478/97 (Figura 5.1). Com esta Lei, também houve a criação da
Agência Nacional do Petróleo, que passou a ser responsável pela regulamentação e
regulação do setor94 (também mostrado no quadro 5.2).
Quadro 5.2. Evolução institucional da indústria do gás natural
Atividade Competência Agente Constituição1988
Agente Lei 9.478/97
Exploração & Produção
Monopólio da União Petrobras Autorizados pela ANP
Importação Monopólio da União Petrobras Autorizados pela ANP Transporte Monopólio da União Petrobras Autorizados pela ANP Processamento Monopólio da União Petrobras Autorizados pela ANP Distribuição de Gás Canalizado
Concessão dos Estados Concessionárias Estaduais
Concessionárias (Estatais ou Privadas)
Fonte: Elaboração Própria
93 Mais uma vez, a alteração dos fatores institucionais propiciou a entrada de novos agentes no setor. 94 Como já mencionado, estes dois conceitos, embora freqüentemente tratados como sinônimos, possuem significados distintos. Além do órgão regular, isto é, controlar as ações dos agentes, ele também regulamenta, ou seja, estabelece os critérios de conduta.
122
De acordo com a Lei do Petróleo, a atividade de exploração e produção poderia,
mediante concessão, ser aberta ao capital privado. No artigo nº 58 da mesma lei (9.478/97),
ficaria permitido a qualquer interessado a utilização de dutos de transporte e dos terminais
marítimos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das
instalações.
Estas medidas tornam clara a retirada das barreiras do setor, advindas de fatores
institucionais, para a nova configuração industrial95.
95 Além destas leis, ainda podem ser citadas outras medidas que retiraram as barreiras existentes. No Estado de São Paulo, já foi aprovada e deverá entrar em vigor até o ano 2000, a substituição do ônibus a diesel por gás natural. O fim do subsídio do GLP e a desregulamentação do óleo combustível também são exemplos.
123
Figura 5.1. Modo de Organização da Indústria de Gás Natural no Brasil
ATÉ 1988 2ª METADE DA DÉCADA DE 90
PRODUÇÃO
PETROBRAS
TRANSPORTE
PETROBRAS
DISTRIBUIÇÃO
COMGÁS – SP CEG – RIO
CONSUMO
RESIDENCIAL
CONSUMO
INDUSTRIAL
PRODUÇÃO
PETROBRAS
IMPORTAÇÃO
CONSÓRCIOS
TRANSPORTE
PETROBRAS CONSÓRCIOS
MISTOS
DISTRIBUIÇÃO
COMPANHIAS ESTADUAIS
(COM %’s ACIONÁRIAS)
Consumo
Residencial e Comercial
Consumo Industrial
USO
PRÓPRIO
USO
PRÓPRIO
Fonte: A partir de Pinto Jr., 1998
Termelétricas
(Projetos)
Cogeração(Projetos)
COMERCIALIZADOR
FLUXO FÍSICO DE GÁS TRANSAÇÕES COMERCIAIS
Petroquímicas
124
Quanto às barreiras de mercado, em relação ao transporte e distribuição, o avanço
tecnológico não conseguiu reduzir as barreiras relacionadas a economias de
escala/investimentos; ao contrário, a construção de gasodutos com maior diâmetro e
extensão, fez com que estas barreiras se acentuassem. Porém, pelo lado da demanda,
avanços tecnológicos associados ao desenvolvimento de turbinas de combustão de
processos industriais e principalmente turbinas de geração elétrica a gás em ciclo
combinado, abriu uma gama de vantagens técnico-econômicas, como viabilização de
investimentos com menor prazo de maturação e sensível redução de riscos financeiros em
plantas de cogeração. A utilização do gás em plantas de termelétricas, além de reduzir
riscos ambientais, são menos capital-intensivas vis-à-vis uma planta hidro, o que reduz as
barreiras relacionadas a elevados investimentos.
Segundo Bicalho (1997), a implementação de turbinas a gás para melhorias do
desempenho técnico-econômico do setor industrial centrou-se no aumento da sua
adaptabilidade aos diversos usos. Dessa forma, o rendimento não pode estar relacionado à
escala, pois, reduziria a adaptabilidade do equipamento, o que significa queda de barreiras
relacionadas à escala. Este fato também explica a utilização tardia de turbinas a gás na
geração elétrica96. Até os anos 70, as turbinas convencionais desenvolveram-se
tecnologicamente para a exploração das economias de escala. Entretanto, como foi viso, a
turbina a gás tomou um caminho de desenvolvimento distinto, marcado pela maior
compactação e flexibilidade.
96 A primeira turbina elétrica comercializada foi no ano de 1939. Porém, até os anos 80 seu desenvolvimento foi para o atendimento de setores que não o de geração elétrica (Bicalho, 1997).
125
A possibilidade da construção de térmicas próximas ao mercado consumidor ainda
possibilita a minimização do custo de transmissão. Neste ponto, tem-se a efetiva redução
das barreiras mencionadas. Em função desses fatores, a geração térmica atrai um número
maior de agentes. Além disso, para um aumento de demanda inesperado, ela consegue
adaptar-se muito mais rápido do que uma hidrelétrica.
No entanto, os avanços tecnológicos envolvem um longo processo de aprendizado.
Exemplo disso pode ser a incorporação da turbina a gás na geração elétrica. Segundo Islas
Sampério (1995), o desenvolvimento dos ciclos combinados se constitui no espaço
privilegiado da concorrência e da complementaridade entre a turbina a gás e a vapor, com a
versão moderna desses ciclos surgindo como fruto das interações técnicas, que evoluem no
interior de um longo processo de aprendizado pelo usos, entre produtores e usuários
industriais e elétrico.
Por um lado, a geração elétrica a ciclo combinado, por ser mais compacta, implica
em custo de capital e tempo de construção menores reduzindo por sua vez, os custos de
manutenção e operação. Esses fatores sugerem uma redução das barreiras relacionadas a
custo e investimentos. Por outro lado, esses mesmos fatores não permitem que um novo
agente, sem um conhecimento prévio do setor, possa atuar. O conhecimento das
especificidades técnicas do setor (aprendizado desenvolvido pelas operadoras), bem como o
seu mercado, já se constituem per se barreiras à entrada.
Ao considerar a evolução do progresso técnico como fator redutor das barreiras
técnicas à entrada, tem-se também que considerar o aprendizado no setor como
fundamental para efetivá-lo.
126
5.3. Tendência de um Modelo para a Indústria do Gás Nacional
No Brasil, de acordo com a abertura institucional à entrada de novos atores na
indústria do gás e também com o avanço tecnológico, pode-se depreender que dentre as
várias possibilidades de configuração industrial tratadas nos capítulos precedentes, a que
mais se assemelha ao Brasil é o modelo 397, caracterizado pela abertura das redes de
transporte.
Como já mencionado, a supressão de barreiras institucionais à entrada é de
fundamental importância para esta configuração. Esse modelo tem por característica a
possibilidade de haver uma ou várias empresas verticalmente integradas como também
empresas não integradas e com as redes de transporte abertas a terceiros, segundo
modalidades variadas. As associações de distribuição e os grandes consumidores podem
negociar diretamente com os produtores e organizar seu abastecimento. Há concorrência na
distribuição, não no sentido físico, mas em termos de comercialização.
Em resultado das reformas já implementadas, os segmentos da cadeia de gás natural
tem se apresentado com as seguintes características (figura 5.2):
Produção: entrada de vários atores no Brasil, mediante outorga de concessões, ou através
de parcerias com a Petrobras. Fica liberada também a importação do gás natural, ou seja,
um mercado competitivo;
Transporte: continua como monopólio natural, porém não mais centralizado sobre o
domínio da Petrobras. Embora ela esteja em quase todos os consórcios para a construção de
97 Ver capítulo 2, seção 2.2., p. 24 e cap.4, seção 4.4., p.94.
127
gasodutos, não há mais esta obrigatoriedade. No caso do gasoduto Bolívia-Brasil, ocorreu
um unbundling apenas contábil.
Entre estes segmentos surge a figura do transportador e do carregador. Como
transportador define-se a empresa titular das instalações de transporte que presta o serviço
de transporte de gás. Como carregador ou shipper, define-se a empresa usuária do serviço
de transporte contratado junto ao transportador.
Embora constituído por monopólio, abre-se o direito a qualquer agente que queira se
utilizar do transporte, desde que haja capacidade disponível.
Distribuição: considera-se concessão estadual. Em São Paulo, haverá um período de
transição e depois a possibilidade de se instaurar a competição para o consumidor final,
com a garantia do livre acesso.
Consumidor final: há um mercado consumidor potencial bastante elevado para o setor
industrial, residencial/comercial/automotivo, termelétrica, cogeração, além de matéria-
prima para as petroquímicas.
128
Figura 5.2. Modelo Industrial para a Indústria do Gás – Abertura do Segmento de Transportes
EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE GÁS
TRANSPORTE
DISTRIBUIÇÃO
PETROBRAS
PETROBRAS E NOVOS
AGENTES
NOVOS PLAYERS: NACIONAL E
INTERNACIONAL
BOLÍVIA
ARGENTINA
CONSÓRCIOS PETROBRAS
CONSÓRCIO
OUTROS AGENTES
DISTRIBUIDORAS
ESTADUAIS PETROBRAS
DISTRIBUIDORAS
ESTADUAIS OUTROS AGENTES
DISTRIBUIDORAS
ESTADUAIS
DISTRIBUIDORAS
ESTADUAIS
INDUSTRIAL RESIDENCIAL E COMERCIAL
COGERAÇÃO TERMELÉTRICA
PETROBRAS
OFERTA
INFRA-
ESTRUTURA
DE BASE
PETROQUÍMICA
Fonte: Elaboração Própria
DEMANDA
129
5.3.1. A Oferta e Demanda de Gás
As reservas de gás da Petrobras estão localizadas nos vários Estados brasileiros,
porém, não há gasodutos existentes para ligá-las em sua totalidade (anexo1).
Com a abertura do setor a novos players, mediante rodadas de licitações,
juntamente com as parcerias estabelecidas entre a Petrobras e novas companhias,
provavelmente haja um incremento significativo na produção doméstica de gás
natural98.
Além das novas áreas licitadas, nas áreas pertencentes à Petrobras, novos
agentes têm emergido através do estabelecimento de parcerias (anexo 2). Este último
aspecto retrata a estratégia de minimização de riscos frente aos investimentos.
Além da produção interna, a Bolívia já começou a exportar gás para o Brasil.
Potenciais exportadores também são a Argentina e Peru, porém, a realização destas
importações estão condicionadas, fundamentalmente, à construção de gasodutos,
embora possa ser utilizado as instalações do Gasbol, em caso de existência de
capacidade disponível99.
Quanto ao segmento de distribuição, este ainda requer um montante de
investimentos considerável para a finalização de sua infra-estrutura de base,
principalmente pelo fato das companhias estaduais serem recentes. O processo de
privatização das empresas ainda está no início, com três companhias privatizadas até o
momento. Os preços arrecadados nas três vendas foram bem acima do preço mínimo.
98 No 1º bid round houve a licitação de 12 blocos, com uma entrada total de 11 empresas, incluindo a Petrobras. No quadro 1 do anexo estão os consórcios vencedores de cada bloco. Na participação em consórcios vencedores, destacam-se a Petrobras, que está presente em 5 consórcios, a Agip e a YPF, em 4 e a Texaco, presente em três consórcios vencedores. Sete companhias serão as operadoras nos blocos concedidos: Agip (3), Petrobras (3), Texaco (2), Unocal, BP, Amerada Hess e Esso (1 bloco cada). 99 A rede existente de transporte para o gás nacional e importado, bem como os projetos de construção e prolongamento, estão descritos no anexo 4.
130
As razões que têm levado a este interesse por parte do capital privado são (Alveal,
1999):
- representa um segmento com grande potencial de crescimento;
- posição estratégica;
- valorização das ações, considerando o gás como complemento para outras
atividades relacionadas ao setor energético e;
- apropriação das rendas de monopólio, pelo menos durante o tempo de transição
para a promoção do livre acesso (longo prazo).
A participação acionária nas distribuidoras segue, em sua maioria, o modelo
tripartite, que é formado pelo governo do Estado, Petrobras, através da BR Distribuidora
e, um investidor privado, geralmente a Enron, representada por sua subsidiária Gaspart
e Dutopar100.
Em quase todos os planos de expansão das distribuidoras de gás, como pode ser
observado no anexo 6, parte é para atender o consumo de energia elétrica demandado
por plantas termelétricas. Estima-se um crescimento de demanda de eletricidade de 19
MW até 2002. Ainda pode ser observado que nesses projetos a Petrobras têm grande
participação.
5.4. Estratégias dos Agentes na Formação do Mercado de Gás
A abertura do setor de gás natural no Brasil tem sido caracterizada por uma
entrada maciça de capital privado estrangeiro. Como salientado por Chevalier (1995) e
Chandler (1990), no Brasil, também pode-se observar as estratégias de
100 No anexo 5 são descritas as distribuidoras, com suas respectivas participações acionárias, bem como seus projetos de investimentos.
131
internacionalização, diversificação das atividades, verticalização e horizontalização,
buscadas pelas empresas. Ao mesmo tempo que a redução das barreiras técnicas e
institucionais visam a desverticalização e a abertura do setor à concorrência, o que se
percebe, em sua maioria, é uma tentativa de verticalização por parte das empresas. No
quadro 5.3 foram selecionadas as empresas que detêm participação em mais de um
segmento da cadeia produtiva do gás natural, como também em uma atividade correlata,
ou seja, na produção de eletricidade, através de um parque hidráulico.
Quadro 5.3. Participação dos agentes na cadeia produtiva e atividades correlatas
no Brasil
Empresa Exploração & Produção
Transporte de gás
Produção de eletricidade
Distribuição de gás
Distribuição de
eletricidade Gás Hidro Petrobras x x x x Enron x x x x x Shell x x x x YPF x x Agip x x Texaco x x Ipiranga x x Escelsa x x x Mobil x x British Gas x x x El Paso x x Iberdrola x x x Endesa x x x x BHP x x AES x x x Nova Gas x x Marubeni x x x Fonte: Elaboração própria
Ainda confirmando a tese de que os países em desenvolvimento são fortes
candidatos à absorção do investimento externo direto (Pinto Jr., Losekan & Silveira,
1999), no Brasil, isto também se confirma, dado o potencial de crescimento para o setor
energético.
132
Como ainda há uma forte incerteza quanto à estrutura de redes que deverá ser
construída para que o mercado brasileiro de gás possa se estabelecer, investimentos
vultosos são necessários, requerendo-se complexos esquemas contratuais para a
obtenção de financiamentos. Dessa forma, as empresas buscam sua entrada nas várias
etapas da cadeia para que possam auferir as rendas condizentes com cada uma e então,
reduzir seus riscos.
A horizontalização é percebida a partir das participações dos mesmos agentes na
maioria das distribuidoras (anexo 5). A motivação para a estratégia de integração
horizontal ocorre principalmente quando não há restrições para as participações
cruzadas. No futuro, a transferência de participações pode gerar-lhes uma maior
concentração de suas atividades.
A diversificação, tanto em áreas relacionadas ao core business ou não,
juntamente com a conquista de novos mercados regionais faz com que haja uma
valorização de seus ativos e portanto, uma maior facilidade de financiamento e também
minimização de seus riscos. Além disso, a diversificação propicia uma redução de
custos ao desenvolver as atividades conjuntamente, com a obtenção de economias de
escopo. Como dito no capítulo 2, pode-se perceber uma combinação entre
diversificação e internacionalização.
O aparecimento dos consórcios também é explicado por uma necessidade de
partilhar os riscos dos negócios, dada a incerteza quanto ao modelo de regulação a ser
implementado e da existência de um mercado efetivo. Soma-se a isso, o interesse em
associar-se à Petrobras, devido a seu amplo conhecimento do mercado consumidor, seu
desenvolvimento técnico e do aprendizado tecnológico requerido não só para
desenvolver novas tecnologias em parceria com seus fornecedores, como também para
133
tornar mais eficiente a gestão da rede. Por esta razão, ao se observar a participação
acionária da maioria das distribuidoras pode-se identificar o modelo denominado
tripartite, tratado acima.
Em relação à estratégia da Petrobras, esta empresa tem se adaptado ao novo
contexto. Este conjuga um processo de entrada de competidores e a necessidade de
pesados investimentos, tecnologia e financiamento. Com isso, a Petrobras vem tentando
se fazer presente em todas as atividades da cadeira produtiva. Esta empresa, além de
tentar se beneficiar do aumento no mercado de gás, também quer contrabalançar suas
perdas em relação à diminuição da utilização de outros combustíveis. Pelo lado das
distribuidoras estaduais, este tipo de aliança permitiu o aproveitamento de alguns
atributos específicos da Petrobras, como o domínio de competência técnica nas
atividades produtivas específicas (Pinto Jr., 1998).
Embora o mercado ainda seja incipiente, a privatização das empresas e a
possibilidade de um mercado cativo, à medida em que as regras de livre acesso não
foram estabelecidas, tem atraído empresas de grande porte para o setor de distribuição e
que planejam um investimento agressivo na sua expansão.
Em suma, esta nova organização industrial que tem, a princípio, se constituído,
apresenta uma dinâmica concorrencial para os setores voltados aos grandes
consumidores. Por outro lado, é visível a tentativa dos agentes de buscarem a
concentração, seja ela vertical ou horizontal. O quadro 5.4. abaixo pode sintetizar os
principais objetivos que impulsionam os agentes a buscarem novas posições
estratégicas.
134
Quadro 5.4. Comportamentos estratégicos das empresas de infra-estrutura101
Estratégias Internacionalização Diversificação Verticalização Consequências 1) Valorização do
capital; 2) Potencial crescimento dos mercados; 3) Formação de alianças estratégicas.
4) Redução de riscos; 5) Possibilidade de utilização de subsídios cruzados; 6) Economias de escopo;
7) Redução de custos de transação e assimetria de informações; 8) Economias de escala e escopo; 9) Possibilidade de maiores margens de comercialização; 10) Maior facilidade de controle (menor risco de interrupção e garantia de suprimento); 11) Grande poder de mercado.
Fonte: Pinto Jr. & Pires, 1999b
5.5. Implicações para a Regulação Setorial e Defesa da Concorrência
A natureza recente da indústria do gás torna a tarefa do regulador bem mais
complexa. Ao invés de conduzir as reformas, como na maioria dos outros países, no
Brasil, a questão pertinente refere-se à construção de um mercado para o gás natural. A
rigor, com as mudanças de organização industrial e a queda das barreiras à entrada, de
acordo com Pinto Jr. (1998), as missões de regulação devem ser:
Supervisionar o poder de mercado dos operadores e práticas anticompetitivas;
Organizar a entrada de novos operadores e promover a competição;
Zelar pela implementação de um novo modelo de Organização industrial;
Defender e interpretar regras, arbitrando eventuais conflitos entre atores;
Complementar o processo de regulamentação e;
Estimular a eficiência e a inovação, repartindo os ganhos de produtividade
registrado na indústria com os consumidores.
101 Originalmente esse quadro foi construído para descrever o comportamento das empresas no setor elétrico, porém, como visto acima, há grande semelhança com o verificado no setor de gás natural.
135
Há um trade-off visível neste processo. Ao mesmo tempo em que o regulador
deve assegurar que a concorrência seja instaurada, ele também deve ponderar as
demandas por retornos elevados, dado os investimentos que deverão ser implementados
pelas empresas.
O fato deste processo de abertura ser simultâneo à construção de infra-
estrutura/mercado e regulação, faz com que o motivo final da abertura - a introdução de
pressões competitivas – possa estar ameaçado. Ao se observar todos os agentes
envolvidos, percebe-se que os mesmos se repetem, não só no Brasil mas ao redor do
mundo, o que equivale dizer que de um monopólio estatal, está se passando a um grande
oligopólio privado a nível mundial. A percepção dessa característica estrutural que tem
se moldado é de extrema importância para a definição do novo marco regulatório, uma
vez que para a defesa da concorrência, oligopólio é o principal alvo de análise antitruste.
Dessa forma, tratar separadamente as tarefas da regulação setorial e de defesa da
concorrência é muito complexo, pois, principalmente neste período de transição, o papel
dos dois órgãos estarão praticamente superpostos. Há um grande desafio para as duas
competências regulatórias. À medida em que a concentração é inevitável, seja pelas
próprias características técnico-econômicas do setor, seja por questões estratégicas de
atração de investimentos, uma regulação austera deverá ser empreendida no
funcionamento deste setor.
Da maneira como tem sido reestruturada a indústria de gás, devido a suas
próprias características de indústria de rede, o órgão de regulação setorial, bem como de
defesa da concorrência, independente da clara definição de suas competências, deverão
atuar conjuntamente.
136
A Agência Nacional do Petróleo não tem, de acordo com a sua Lei de Criação,
competência para instruir processos administrativos e nem poder judicante para os casos
de restrições impostas por condutas ou estruturas que possam levar à infração da ordem
econômica.
Por outro lado, os órgãos responsáveis pela defesa da concorrência, CADE e
SDE, ao analisar atos ou condutas relacionados a um setor de infra-estrutura energética
ou qualquer outro que possua uma legislação específica, não poderão proceder como se
estivessem tratando de um setor industrial tradicional, pois, em alguns casos, a lei
específica deverá prevalecer.
5.5.1. Escopo de Atuação da Regulação Setorial
De acordo com a Lei de criação da Agência Nacional do Petróleo, suas
atribuições em relação à indústria do gás natural são (Lei 9.478/97):
1) Produção e Desenvolvimento: desenvolvimento de estudos para a delimitação de
blocos; regular a execução de serviços de geologia e geofísica; elaborar editais e
promover as licitações para a concessão de novas áreas, celebrando os contratos
delas decorrentes e fiscalizando a sua execução; controlar a qualidade do gás
produzida e fixar os preços de referência do gás natural produzido nos campos
objeto de concessão, para fins de cálculo das participações governamentais.
2) Importação e Exportação: autorizar a prática de importação e exportação,
estabelecendo critérios para sua execução;
3) Transporte: estabelecimento de critérios para as tarifas de transporte para uma
eventual arbitragem de conflitos ou, em caso de julgar o preço não condizente com o
137
mercado e; garantia de livre acesso a qualquer um que queira utilizar a infra-
estrutura, desde que haja capacidade disponível;
Ainda de acordo com a lei, o órgão tem como incumbência fiscalizar
diretamente ou mediante convênios com outros órgãos as atividades integrantes da
indústria do petróleo e gás, bem como a aplicação de sanções administrativas e
pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato.
A partir da distribuição, esta atividade passa à concessão estadual, ficando o
Estado, ou então, a agência reguladora estadual, encarregada de executar a elaboração
dos contratos de concessão, respeitando todas as obrigações do regulador referentes à
qualidade, segurança, abastecimento, preço etc. Em um primeiro momento, pelo menos
no Estado de São Paulo, as distribuidoras atuarão como monopólio, porém, passado um
período de transição, o livre acesso será implementado.
Além destas atribuições mencionadas, o órgão regulador ainda deverá articular-
se com outros órgãos reguladores do setor energético sobre matérias de interesse
comum, inclusive para efeito de apoio técnico ao CNPE e; quando, no exercício de suas
atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar
infração da ordem econômica, deverá comunicar ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE), para que este adote providências cabíveis, no âmbito da legislação
pertinente.
A execução dessas atribuições por parte do órgão regulador tem sido legitimada
através da elaboração de Portarias. Em um primeiro momento, o órgão elabora as regras,
através da regulamentação das atividades, para que então possa regular a indústria
adequadamente.102
102 Ver anexo nº7.
138
Para ilustrar a afirmativa feita acima, em relação ao livre acesso, há uma portaria
estabelecendo que o transportador não poderá alegar a inexistência de capacidade
disponível a um terceiro interessado se as instalações de transporte estiverem operando
abaixo da capacidade máxima definida no projeto aprovado pela ANP. Além disso, os
carregadores não poderão comercializar suas respectivas capacidades contratadas
ociosas.
Quanto à distribuição, enquanto concessão estadual, no Estado de São Paulo foi
criado o órgão denominado Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE),103
fundamentado no decreto nº43.888 de 10/03/99, em que foi delegado poderes para
exercer a função de poder concedente, com a autorização dos procedimentos para
outorga de concessão à Comgás, mediante a extinção da concessão atual. À CSPE
também cabe a determinação das tarifas de gás natural104.
5.5.2. Escopo de Atuação da Regulação da Concorrência
A evolução da legislação de defesa da concorrência também acompanhou as
mudanças ocorridas a partir da legislação de 1988. Da constituição de 1937 até a de
1988, a competência do órgão estava voltada à proteção da economia popular visando a
segurança nacional105, condizente com uma economia marcada pela intervenção direta
do Estado na atividade econômica.
103 Na maioria dos outros Estados, o controle está vinculado a secretarias estaduais de serviços públicos. 104 No modelo adotado para a Comgás, haverá um período de transição para o livre acesso à rede de distribuição referente a 12 anos. A partir deste ponto, a concorrência na distribuição, a nível de comercialização estaria aberta, cabendo ao órgão regulador a garantia de acesso a terceiros. 105 De acordo com o Decreto-lei nº 869/1938, os acordos, alianças ou fusões que impedissem ou dificultassem a concorrência, seriam considerados delitos. As infrações eram julgadas pelo Tribunal de Segurança Nacional (Salgado, 1997).
139
Segundo Salgado (1997), em 1942, com a aprovação do Decreto nº 4.407, criou-
se a Comissão de Defesa Econômica (CDE) com a função de fiscalizar, administrar e
apropriar bens e direitos.
No ano de 1945, foi criado o decreto-lei nº 7.666 (Lei Malaya, em substituição
ao anterior) para atuar na repressão de atos que infringissem a moral e a ordem
econômica. Concomitantemente, criou-se a Comissão Administrativa de Defesa
Econômica – CADE106.
A preocupação com a punição do abuso do poder dominante fez com que novos
artigos e projetos de lei fossem aprovados até que, em 1962, com a Lei nº 4.137,
houvesse a primeira legislação antitruste no Brasil, baseado no Sherman Act. Essa Lei
criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (quadro 5.5).
A mudança do marco constitucional em 1988 e o estabelecimento dos processos
de abertura e desregulamentação da economia, resultaram na elaboração da Lei 8.884
(16/11/1994). Com a estabilização dos preços a partir do Plano Real de 1994, houve um
deslocamento de ênfase da política da concorrência dos aspectos conjunturais para o
estruturais (CADE, Relatório Anual, 1997). O quadro 5.5 apresenta uma síntese dessa
evolução histórica ocorrida no órgão responsável pela defesa da concorrência.
Pode-se dizer que o Brasil transita de um modelo baseado na Escola Estatista
para um modelo híbrido das Escolas Estruturalista e de Chicago. Na lei 4.137, em que o
CADE foi criado, o controle não se aplicava às fusões, condizente com a Escola
Estatista, ou seja, as estruturas não eram questionadas (Mattos, 1997).
106 Com a saída de Getúlio Vargas, esse decreto foi revogado (Salgado, 1997).
140
A partir da Lei 8.158/91, inicia-se um controle sobre os atos de concentração. A
avaliação desses atos era realizada pela Secretaria Nacional de Direito Econômico (atual
SDE).
Finalmente, em 1994, com a Lei 8.884, o controle passou para o domínio do
CADE, que também é transformado em autarquia, voltando-se à análise das estruturas,
de acordo com a Escola Estruturalista. Porém, passam também a incorporar em suas
análises, o conceito de eficiência líquida, como acreditava a Escola de Chicago.
Quadro5.5. Evolução da legislação da defesa da concorrência no Brasil
Características/Lei 4.137 (1962) 8.158 (1991) 8.884 (1994) Órgãos CADE a) SNDE
b) CADE a) CADE b) SDE c) SEAE
Escopo Controle de Condutas Controle de Condutas a) Controle de condutas
b) Controle de estruturas pelo CADE
Autonomia - - CADE é transformado em autarquia; mandato fixo de dois anos para os membros
Dito isso, voltando à Lei 9.478/97, algumas questões podem ser levantadas para
o escopo de atuação do órgão responsável pela defesa da concorrência.
Fonte: CADE – Relatório Anual, 1997
141
Em relação à configuração de mercado, não há um limite para as participações
cruzadas dos agentes ingressantes neste setor, como consta na regulação da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)107.
Dessa forma, a configuração industrial que tem se formado, é caracterizada por
um grau elevado de concentração. Nos segmentos de monopólio natural, como
transporte e distribuição, os agentes já detêm posição dominante, mas estão sujeitos à
regulação setorial108. Ao combinarem estratégias, principalmente com a verticalização,
podem conquistar poder de mercado, da forma como descrita por Hovenkamp e então,
resultar em práticas e condutas restritivas verticais e horizontais. Neste sentido é que a
defesa da concorrência deverá se fazer presente.
Neste setor, tanto por questões técnicas (maturidade tecnológica e tamanho do
mercado) como estratégicas (atratividade de investimentos), sua atuação estará mais
centrada no controle de condutas. Nos demais setores da economia geralmente há um
maior controle sobre as estruturas. No entanto, as empresas têm que comunicar ao
CADE qualquer intenção de aquisição, quer horizontal, quer vertical, desde que essa
implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% de um
mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento
bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400 milhões (Lei nº 8.884/94, art.54).
107 Embora a Lei de Criação da ANEEL, dentre suas competências, não contemplasse questões relativas à defesa da concorrência, a partir da Medida Provisória 1.531 (aprovada como Lei nº 9.648 em 27/05/98) a agência passou a ter atribuições quanto à defesa da concorrência, zelando pelos aspectos ligados à estrutura como monitoramento e acompanhamento de práticas anticompetitivas. Um exemplo disso foi a Resolução 94/98, na qual foram estabelecidos limites à participação do mercado de empresas atuantes nos segmentos de geração e distribuição de energia elétrica: um agente de geração não pode deter participação superior a 20% da capacidade instalada nacional. Para a distribuição a regra permanece: um agente de distribuição não poderá deter participação superior a 20% do mercado de distribuição nacional. Um mesmo agente, atuando como agente de geração e distribuição não poderá deter a soma aritmética de sua participação na capacidade instalada nacional com a sua participação no mercado de distribuição nacional superior a 30%. Nas privatizações estes agentes poderão adquirir novas participações acionárias mesmo que ultrapasse os limites estabelecidos, desde que haja um comprometimento com o órgão concedente de se enquadrar nos limites no prazo máximo de 24 meses (Resolução 94/98 & Mello, 1999). 108 A nível federal, o regulador não dispõe do instrumento de regulação via controle de preços.
142
A Petrobras, na distribuição, também detém participação acionária na maioria
das distribuidoras do país. Pelo lado da demanda, participa em muitos projetos de
construção de plantas termelétricas e em cogeração. Além disso, está envolvida na
construção do complexo gás-químico localizado no Rio de Janeiro. Esta situação
predominante da Petrobras não representa uma surpresa, pois a mesma desde 1953
detém o controle das atividades e portanto era previsível a sua permanência, pois
durante todos estes anos acumulou conhecimento técnico do setor. Porém, como a
indústria caminha para a promoção da concorrência, sua permanência verticalizada pode
levar a práticas relacionadas a políticas de compra, preços e acesso discriminatórios.
Neste caso, tanto o consumidor será lesado como também o movimento de se eliminar
barreiras institucionais será anulado, dada a impossibilidade da entrada de concorrentes
potenciais109. Atribui-se a este fato, uma tentativa estratégica para liquidar com outros
carregadores que estiverem interessado em utilizá-lo.
Empresas como a Enron, Shell, Endesa, entre outras, que se apresentam com um
grande nível de concentração, podem também incorrer em inúmeras condutas
anticompetitivas.
Além das condutas que possam vir a ocorrer, tem-se o problema relacionado à
construção de infra-estrutura. Visto se tratar de um mercado ainda nascente, em muitas
regiões não haverá mercado para a construção de mais de um gasoduto. Neste caso, a
verticalização da empresa pode conduzir a um favorecimento em relação à escolha do
comprador.
109 Especula-se que o volume contratado entre a Ms Gás e a Petrobras do Gasbol, talvez tenha sido superestimado, até mesmo porquê não há ainda uma infra-estrutura na região. Prova disso é que no mês de setembro/99, houve uma interrupção no fornecimento do Gasbol, por ausência de demanda.
143
Quanto à concentração horizontal, esta também pode levar, por exemplo, à
realização de preços predatórios e cartéis. Essa mesma concentração, embora possa não
ser prejudicial ao processo competitivo; pelo lado da regulação setorial, pode
comprometer a utilização da regulação por comparação entre as distribuidoras. Esta
concentração também pode aumentar o poder de monopsônio das distribuidoras com
respeito a fornecedores de gás e transportadores.
Do exposto, torna-se clara a necessidade contínua de monitoramento por parte
do órgão responsável pela defesa da concorrência, uma vez que a lei específica do órgão
regulador setorial não reconheceu essa atribuição. No entanto, como a regulação setorial
é capaz de atuar sobre a conduta dos agentes e de certa forma, sobre a estrutura, o
caráter preventivo da lei antitruste poderia ser aplicado pelo órgão setorial, se assim
julgasse conveniente.
5.6. Necessidade de Cooperação Inter-Institucional e seu Arranjo Institucional
De acordo com a Lei do Petróleo 9.478/97 a ANP, ou qualquer outra agência
estadual a ser criada, não tem competência para atuar instruindo processo em possíveis
atos ou condutas que possam se constituir infração à ordem econômica, aos moldes do
que foi feito para a ANATEL.
Com relação aos órgãos responsáveis pela Defesa da Concorrência, CADE
(poder judicante) e SDE (responsável pela elaboração de pareceres e envio ao CADE),
têm como função a repressão (controle sobre as condutas) e prevenção (controle sobre
os atos de concentração) de práticas que possam comprometer a concorrência.
Dessa forma, a princípio o CADE e SDE poderiam atuar sem que houvesse a
participação do órgão regulador setorial. Porém, não é o que tem sido observado. A
144
ANEEL já firmou um convênio de cooperação técnica e a ANP, também está em
andamento com o convênio. Algumas razões para a necessidade de atuação conjunta
podem ser listadas como:
1) especificidades do setor inerente às indústrias de rede;
2) regulamentação em andamento e, portanto, alterações no segmento com uma alta
velocidade, sem que outros órgãos possam acompanhar;
3) rápida movimentação dos agentes no setor e inter-setores, provocando modificações
estruturais contínuas;
4) centralização de um grande número de informações necessárias ao parecer técnico;
5) promover a celeridade dos processos, visto a sobrecarga dos órgãos responsáveis
pela defesa da concorrência110 e;
6) o próprio CADE e SDE não se sentem a vontade de analisar o setor sem que haja o
apoio técnico da ANP.
Um outro aspecto, não menos importante, diz respeito ao fornecimento de
esclarecimentos à sociedade. A presença de um órgão regulador setorial faz com que
todas as cobranças recaiam sobre o mesmo, independentemente se a questão é de sua
competência111.
O estabelecimento da fronteira de competência é ainda mais complexo ao se
notar que a competência legal do órgão regulador setorial em muito se aproxima da
competência destinada ao órgão de defesa da concorrência – ao interferir em regras de
conduta e mesmo na estrutura do mercado112.
110 Dado o grande número de processos, alguns deles demoram mais de um ano para serem julgados. 111 A ameaça de cartelização por parte dos postos revendedores de combustíveis, embora seja de competência a priori, dos órgãos de defesa da concorrência, as denúncias e questionamentos quanto à resolução são, em grande maioria, enviados à Agência Nacional do Petróleo. 112 Além disso, como destaca o conselheiro do CADE, Ruy Santacruz , sendo a Lei do Petróleo posterior e específica, esta se sobreporia à Lei 8.884/97 nesses aspectos específicos.
145
Como destaca Mello (1999) a coexistência de regras específicas setoriais e
normas gerais de defesa da concorrência gera, inevitavelmente, conflitos de
competência. Em casos de eventuais conflitos entre o órgão de regulação setorial e de
defesa da concorrência, o principal critério utilizado no sistema jurídico brasileiro para
solucioná-los é o da especialidade, em que a norma específica deve prevalecer sobre o
mais geral (quadro 5.6).
Quadro 5.6. Critério para a resolução de possíveis conflitos em relação à
competência regulatória
Hipóteses de Conflitos
Órgão Competente
ANP proíbe CADE permite
ANP: razões outras que não exclusivamente a defesa da concorrência CADE: defesa da concorrência unicamente
ANP permite CADE proíbe
ANP: Em caso de permissão expressa, vale a lei da especialidade CADE: Condutas não reguladas setorialmente
ANP obriga
CADE proíbe
ANP: vale o critério da especialidade. Desde que a empresa esteja cumprindo uma regulamentação específica, a mesma não pode ser punida por infração à ordem econômica
ANP proíbe CADE obriga
ANP: critério da especialidade. Esse tipo de conflito pode ser evitado com algum grau de interação entre as agências.
Fonte: Adaptado a partir de Mello, 1999.
Visto isso, a saída que tem sido encontrada, independente da definição das
competências, caminha no sentido de editar normas conjuntas que estabeleçam a forma
de cooperação e integração da agência setorial com os órgãos de defesa da concorrência.
À medida que os órgãos passem a compartilhar informações, transferindo seus
conhecimentos específicos, esses conflitos tendem a ser gradativamente diluídos.
Principalmente nos dois últimos casos, em que há posições contrárias, a cooperação
inter-institucional os evitaria.
O arranjo inter-institucional entre a agência setorial e os órgãos de defesa da
concorrência iniciou-se com a portaria conjunta nº 01 (08/04/99) entre ANP-CADE, em
146
que criou a comissão encarregada de elaborar a proposta do plano de cooperação
institucional, determinando os procedimentos operacionais para a atuação do CADE e
da ANP na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Este plano de
cooperação, teve por objetivo iniciar a operacionalização entre os órgãos, obedecendo a
Lei do Petróleo.
Um segundo acordo de cooperação técnica e operacional foi firmado entre a
ANP, o CADE e a SDE, visando o estabelecimento de rotinas e procedimentos para o
mecanismo de cooperação institucional, de forma a atuar na prevenção e a repressão às
infrações contra a ordem econômica na indústria de petróleo e gás natural.
O acordo consiste no estabelecimento de comunicação efetiva e permanente
entre o CADE, a SDE e a ANP, possibilitando a divulgação de atos, a agilização das
questões relativas a áreas de interesse comum dos órgãos em referência e, em especial, a
atuação com vistas à prevenção e à repressão de infrações da ordem econômica. O
gerenciamento da execução do acordo de cooperação técnica foi separado em dois tipos
de processos: atos de concentração e denúncias de condutas anticompetitivas (figuras
5.3 e 5.4). O procedimento de tramitação e as atribuições, por seus representantes, são
descritos no anexo 8.
Esse tipo de arranjo formado vai permitir que o órgão responsável pela defesa da
concorrência leve em consideração o parecer elaborado pela agência setorial, o qual
incorporará os regulamentos específicos ao setor. Da mesma forma, que os
procedimentos a serem utilizados na investigação preliminar para a abertura ou não de
um processo administrativo será todo ele aos moldes da análise antitruste.
147
Figura 5.3. Arranjo Institucional ANP – SDE - Atos de Concentração
Documentação (4 vias)
Atos previstos no artigo 54
da Lei nº 8.884/94¹
SDE
ANP ²
SEAE
CADE
SDE
CADE
JULGAMENTO
Parecer ANP³, no prazo de 30 dias (enviará via ofício e e-mail)
¹ Incluindo empresas pertencentes ao bloco de controle do consórcio vencedor do leilão de privatização. ² Após recebimento do ofício, a ANP poderá solicitar reunião conjunta para discutir o assunto com a SDE e SEAE. ³ Encaminhado para a SDE junto com os documentos pertinentes. Fonte: Minuta de Proposta para Acordo de Cooperação Técnica ANP-CADE-SDE, julho, 1999.
148
Figura 5.4. Arranjo Institucional ANP – SDE – Práticas Restritivas
Denúncia ou conhecimento de práticas restritivas
previstas nos arts. 20/21 pela SDE/ANP
SDE realiza diligências
SDE oficia ANP
SDE conclui juízo de admissibilidade
SDE encaminha P.A. ao CADE
Recorre de ofício ao CADE
Diligências Adicionais
SDE realiza Diligências e finaliza
o P.A.
Encaminha-se cópia à ANP e à SEAE/MF
Instauração de Averiguação Preliminar
Instauração de Processo
Administrativo
Arquivado no âmbito da SDE
Prazo de 30 dias para ANP
Após apresentação da defesa prévia
Prazo de 30 dias
Número de Procedimento
Administrativo
Fonte: Minuta de Proposta para Acordo de Cooperação Técnica ANP-CADE-SDE, julho, 1999.
149
A constituição desse arranjo institucional entre os órgãos de regulação setorial e
de defesa da concorrência, na prática, esbarra em alguns problemas que só serão
solucionados mediante outros acordos inter-institucionais.
Quando se trata do setor de gás natural, este convênio, por ora, não está cobrindo
todos os segmentos. A razão para tal fato deve-se à concessão estadual para a
distribuição. E, como foi visto, dada a concentração que tem ocorrido, este segmento
será um potencial foco de denúncias. Para tanto, ou deve-se criar um acordo de
cooperação aos moldes do estabelecido para a ANP com os órgãos responsáveis nos
Estados, ou então, firmar um acordo entre agências Federal-Estadual, no sentido de
trocarem informações relevantes aos pareceres técnicos. Esta última alternativa talvez
dificulte, em termos de tempo, o andamento dos processos.
Além dessa questão operacional, tem-se o fato de que o órgão setorial não tem,
em seus principais objetivos, a proibição da concentração, dada à pressão para o
aumento da participação do gás natural na matriz energética.
Uma outra questão que parece estar sem a definição de uma competência, diz
respeito ao monitoramento das condutas dos agentes no setor de gás. Os agentes se
repetem e o número de participações cruzadas são relevantes, então, este mecanismo se
faz necessário pois, pode ser que nenhuma denúncia ocorra, porém, o consumidor
estaria ficando em piores condições.
A preocupação em relação ao tempo deve ser levada em consideração. Pela
observação dos julgamentos feitos pelo CADE, estes ocorrem anos após a denúncia.
Neste setor, como ele está ainda em formação, os atos devem ser julgados rapidamente e
acredita-se que o parecer técnico ficando a cargo da ANP é para que haja um aumento
na velocidade de atuação.
150
Como a intervenção antitruste tem que ser previsível para não trazer incerteza e
se constituir num óbice aos negócios, quanto mais rápido for firmado o
compartilhamento de competências e uma definição de regras claras, mais rápido o
processo de reforma poderá ser concluído.
151
CONC LUSÃO
As reformas empreendidas nas indústrias de infra-estrutura energética têm
gerado uma grande diversidade de modos de organização, tornando-se cada vez mais
intrincada a atividade de regulação.
A retirada das barreiras à entrada a novos agentes foi preponderante para o início
das reformas no setor, principalmente no que se refere a barreiras resultantes de
decisões institucionais. No entanto, com a reestruturação em curso, pode-se observar
um outro movimento, com um objetivo oposto: à medida em que os agentes têm
adquirido um maior grau de liberdade, eles têm buscado estratégias que resultam na
criação de novas barreiras à entrada, estas relacionadas a fatores técnicos, ou de
mercado.
Essas configurações industriais que têm surgido, além de serem relativamente
novas para as indústrias de infra-estrutura energética, estão em constante modificação,
pois parte dessas alterações estão sujeitas aos comportamentos empreendidos pelos
agentes.
Outro traço característico dessas novas estruturas nas indústrias de rede, é a
presença simultânea de segmentos constituídos por monopólios e, outros, abertos à
competição.
Particularmente em relação ao gás natural no Brasil, há dois outros aspectos que
dificultam a execução das missões regulatórias, no que se refere a suas competências de
atuação.
Em primeiro lugar, antes mesmo de aplicar a regulação, é necessário a
construção de uma infra-estrutura de base para o gás. Dessa forma, o desenvolvimento
dessa indústria está condicionado à necessidade de investimentos vultosos na construção
152
de instalações de transporte e distribuição, como também na conversão da capacidade
produtiva. Por sua vez, a viabilidade de novos investimentos está diretamente ligada à
existência de um mercado consumidor.
O segundo aspecto mencionado diz respeito à separação da cadeia produtiva,
para fins regulatórios. As atividades de exploração e produção, importação e transporte,
ficaram sujeitas à regulação federal e, a partir da distribuição, no âmbito estadual. No
entanto, o órgão federal também é responsável pela proteção dos interesses dos
consumidores quanto a preço, qualidade e oferta de produtos.
No intuito de fornecer elementos de resposta para a questão central formulada
nessa dissertação vale notar que a conjugação desses fatores gera uma maior
complexidade quanto aos instrumentos regulação que devem ser utilizados. Ademais,
torna-se igualmente mais complexa a forma de compatibilizá-los de maneira a evitar os
potenciais conflitos envolvidos na operação simultânea de regulação de monopólios e
defesa da concorrência.
Embora os instrumentos de regulação setorial não sejam mais suficientes para o
controle do setor, sua utilização permanece de suma importância. Por sua vez, os
instrumentos utilizados para a defesa da concorrência, centrados na legislação antitruste,
devem ser incorporados para a realização do monitoramento do setor. Prova de que os
instrumentos de regulação setorial e antitruste permanecerão, é a formação dos arranjos
de cooperação técnica que têm sido firmados entre os órgãos setoriais e os responsáveis
pela manutenção da concorrência.
Dessa forma, a definição de um novo arranjo institucional será crucial para a
instauração de mecanismos de coordenação sobre todos os segmentos do setor de infra-
estrutura energética e, assim, a constituição de regras e instrumentos que propiciem os
153
resultados desejados com a abertura do setor a novos agentes e por sua vez, promoção
de bem-estar aos consumidores. Importante ressaltar que o tipo e a qualidade do arranjo
institucional deverá ser diferente entre os países, dado suas especificidades. No entanto,
seja qual for, permeará todo o sistema produtivo, incluindo primordialmente as
condições políticas e econômicas.
Nessa fase de transição, cabe ao regulador preencher os espaços institucionais e
regulamentares. Do mesmo modo que ele vai estar criando um novo ambiente para a
indústria de infra-estrutura energética, ele tem que acompanhar o modelo de
organização formado, justamente devido à sua imprevisibilidade.
Apenas depois que a agência reguladora construir o ambiente na qual a indústria
do gás natural passará a vigorar, esta caminhará no sentido de supervisionar o mercado,
sempre zelando, a princípio, pela instauração da competição.
Em suma, neste período, será preferível que haja superposição de funções entre
as instituições os órgãos reguladores do que o aparecimento de “lacunas de regulação”.
Porém, no estabelecimento do acordo de cooperação técnica e institucional, uma
“lacuna” ainda não foi preenchida. Como a distribuição estadual não compete ao órgão
regulador federal, algum tipo de convênio também deverá ser constituído, seja com as
agências estaduais, seja com as secretarias responsáveis.
A gestão da transição envolve a construção de ambientes competitivos e
constitui-se em um processo de aprendizagem institucional, consolidando os
instrumentos a ser utilizados. No Brasil, com o arranjo institucional adotado, mesmo
após a consolidação de um modelo para essa indústria, caso haja essa possibilidade,
ainda assim a interação entre os órgãos deverá ser tão intensa que, no limite, a separação
das fronteiras de competência deverá ser imperceptível.
154
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162
ANEXO1
Reservas provadas e produção de gás natural – Brasil, 1998 (109m³)
Região Sistema Estado Provadas Possível e
Provável
Total Produção
(106m³/d)
Solimões Norte AM 60,0 36,8 96,8 1,64
Recôncavo Nordeste BA 24,8 19,1 43,9 5,08
CE/Potiguar Nordeste CE/RN 18,4 7,8 26,2 2,83
SE/Alagoas Nordeste SE/AL 14,2 5,5 19,7 3,89
Campos Sul/Sudeste RJ 94,4 111,4 205,9 12,0
Espírito Santo Sul/Sudeste ES 5,8 3,0 8,8 0,79
Sul Sul/Sudeste SP 8,3 0,4 8,7 2,30
Total 226,0 183,9 409,9 28,53
Fonte: ANP
163
ANEXO 2
Consórcios vencedores do 1º bid round
Bacia Bloco Consórcio Vencedor
BM – C – 3 Petrobras (40%), Agip (40%)
YPF (20%)
BM – C – 4 Agip (55%), YPF (45%)
BM – C – 5 Texaco (100%)
Campos
BM – C – 6 Texaco (100%)
BM – S – 2 Texaco Brasil (100%)
BM – S – 3 Amerada (45%)
Kerr-McGee (30%)
Petrobras (25%)
Santos
BM – S – 4 Agip (100%)
BM – ES – 1 Esso (100%) Espírito Santo
BM – ES - Unocal (40,5%)
Texaco Brasil (32%)
YPF (27,5%)
Camamu – Almada BM – CAL – 1 Petrobras (50%), YPF (50%)
Potiguar BM – POT – 1 Agip do Brasil (100%)
Foz do Amazonas BM – FZA – 1 BP (30%), Esso (25%)
Petrobras (20%), Shell (12,5%),
British Borneo (12,5%)
Fonte: ANP
164
ANEXO 3
Contratos de parcerias assinados com a Petrobras
Parceria Projeto Local PDVSA ,Petrobrás Exploração & produção Venezuela, Brasil YPF, Petrobrás E&P e distribuição Argentina, Uruguai
Brasil COASTAL*, Petrobrás E&P de petróleo e gás natural Bacia de Camamu (BA) Perez Companc KewMacGee Petrobrás E&P de petróleo e gás natural Bacia do Tucano (BA) Odebrecht, Mustang Engineering e Intec Prospecção e Produção Brasil, Angola
Petrobras, Texaco, Nissho Iwai e Inpex & Odebrecht
E&P de petróleo Bacia de Campos BC-4 e Campo do Frade - RJ
Vale do Rio Doce, Conoco e Petrobras E&P petróleo e gás natural Vitória (ES)
Petrobrás, Union Pacific & TDC Engineening Exploração e produção de petróleo
Bacia de Sergipe-Alagoas
Petrobras, Santa Fé & YPF E&P de petróleo Campo de Caraúna (CE) Petrobras & Cia. Petrolífera de Marlim Produção de Petróleo Campo de Marlim, Bacia de
Campos (RJ) Petrobras, Santa Fé, YPF & Sotep E&P de petróleo Caraúna (CE) e Bpot-2 (RN) Petrobras & Eni (italiana) Exploração e refino Brasil Petrobras, YPF, Santa Fé, Norbay, Sotep e Petroserv
E&P Espírito Santo BES-3
Petrobras, Coastal, Unocal e Ipiranga E&P Bahia BAS-97
Petrobras, Amerada Hess, British Borneo e Odebretch
E&P São Paulo, Rio de janeiro BS-2
Petrobras, Amerada Hess, British Borneo e Odebretch
E&P Rio de Janeiro BC-8
Petrobras , Sipetrol e Tecpetrol E&P Sergipe Alagoas Bseal-3
Petrobras e Pennzenergy E&P Sergipe Bseal-4 Petrobras, Tecpetrol e Sipetrol E&P Rio Grande do Norte BPTO3
Petrobras, Kerr-McGee e Esso E&P de petróleo BS-1 na Bacia de Santos/SP.
Petrobras, Exxon, Texaco, Shelle Japex Produção de petróleo. Albacora Leste na bacia de Campos/RJ.
Petrobras & Exxon (operadora). Exploração de petróleo. Bacias dos blocos BP -1 (Pelotas/RS) e BFZ – Foz do Amazonas/AP.
Petrobras, Shell, Esso, Mobil Exploração. Bacia de Campos/RJ, BC-10.
Petrobras, Mobil, Unocal Exploração. Bacia do Espírito Santo/ES,
BES-2.
Unocal (operadora), YPF, Japex & Marubeni
e Petrobras
E&P de petróleo BC-9 na Bacia deCampos/RJ
Petrobras, Elf (operadora), Enterprise e Shell E&P de petróleo BC-02, na Bacia de Campos/RJ
*Líder do consórcio composto pela UNOCAL e Ipiranga. * Empresa norueguesa que detém 40% do mercado mundial de análise sismológica ** O consórcio ainda está se formando Fonte: ANP
165
ANEXO 4
Sistema de Transporte para o Gás Natural Região Norte
De acordo com o projeto que a Petrobras e a Eletrobrás possuem para o
suprimento de gás na região, objetivando a substituição do óleo diesel e combustível
para a geração de energia, a rede de transporte para escoar esta produção depende
preponderantemente dos campos de Urucu e Juruá que estão em fase de
desenvolvimento e ainda requerem um grande montante de investimento. O
desenvolvimento desses campos devem fazer com que a produção salte de 1,6 milhões
de m³/dia para 6 milhões de m³/dia.
Região Nordeste
O sistema de gás natural no nordeste é disperso, iniciando-se na Bahia e
terminando no Estado do Ceará. Como vimos, a Petrobras tem investido pesadamente
sozinha ou através de joint-ventures na recuperação desses campos. O gasoduto,
denominando Nordestão, que deve integrar todo o sistema, está programado para operar
ainda este ano. Ainda há projetos para que a Petrobras construa um gasoduto ligando o
Espírito Santo (sistema isolado) à Bahia.
Região Sul/Sudeste
Essa região é que mais deve se beneficiar da oferta de gás natural, pois
concentra os principais centros consumidores, pode recebê-lo do Brasil, Bolívia,
Argentina e via importação de GNL e, sobretudo, possui as principais reservas do país.
A Petrobras tem se lançado em pesados investimentos para o desenvolvimento de bacias
nesta região. Espera-se que o aumento na produção de gás natural deva passar de 28,5
milhões m³/dia em 1998 para 52,3 milhões de m³/dia em 2001.
166
Quadro 4.1. Infra-estrutura existente na região sul/sudeste
Bacia Mercado
Campos Minas Gerais (Gasbel: Reduc – BH), Rio de
Janeiro e São Paulo (Gaspal – Volta Redonda –
São Paulo). Gasmig, CEG e Comgás
Santos São Paulo
Espírito Santo Espírito Santo a princípio. Com o gasoduto
Cabiúnas-Vitória, integração à região sul
Fonte: Elaboração própria
A região sul e sudeste são as que possuem uma melhor infra-estrutura de base
para o escoamento do gás natural. A região norte e nordeste, esta última em estágio
mais avançado, estão investindo na recuperação de seus campos e por conseguinte, na
construção de gasodutos. No anexo 3, há uma exposição mais detalhada em relação aos
projetos futuros e dutos já existentes.
No que concerne ao gás importado, o projeto de construção do Gasbol foi
fragmentado em duas companhias, tanto para o aporte de capital como também para
facilitar os trâmites legais em relação a um projeto com característica transnacional. A
participação acionária do gasoduto está apresentada no quadro 4.2. Na companhia
brasileira a Petrobras, através de sua subsidiária, é detentora majoritária do projeto
(51%). Outros potenciais exportadores para o Brasil serão a Argentina e o Peru.
Quadro 4.2. Estrutura Acionária do Gasoduto Bolívia-Brasil
Acionistas TBG – Companhia Brasileira GTB – Companhia Boliviana Gaspetro¹ 51,0% 9,0% Consórcio BTB² 29,0% 6,0% Consórcio Transredes³ 10,0% 42,5% Shell 5,0% 21,3% Enron 5,0% 21,3% Fundos de Pensão Bolivianos 0,0% 0,0% Total 100,0% 100,0% ¹ Subsidiária da Petrobras ² Brooken Hill Proprietary - BHP (australiana), El Paso Energy e British Gas³ 25% Shell, 25% Enron e 50% Fundos de Pensão Bolivianos Fonte: Elaboração própria
167
Transporte para o Gás Importado113
O primeiro gasoduto que já começou a operar no Brasil é o Bolívia-Brasil,
porém há expectativa de outros países ligarem-se ao Brasil (quadro 4.3). A primeira fase
do Gasbol, já terminada, ligou a Bolívia ao Estado de São Paulo. A segunda parte do
projeto, com término previsto para o final deste ano, deve ligar Campinas (SP) à
refinaria Alberto Pasqualini em Canoas (RS).
Quadro 4.3. Sistema de Gasoduto para o gás importado Gasoduto Consórcio Localização Mercado Bolívia-Brasil (Gasbol)
Mostrada no quadro 4.2 acima Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) a Porto Alegre (RS)
MS, SP, PR, SC e RS
Uruguaiana Transportadora Gás del Norte Aldeia Brasileira (Argentina) a Uruguaiana (RS)
Planta termelétrica que será operada pela AES
Cruz del Sur British Gas (40%), Pan Amercian (40%) e Ancap (20%)
Colônia de Sacramento (Argentina) a Porto Alegre
Buenos Aires a Montevidéo: consumo residencial/comercial, conversão de plantas termelétricas; Montevidéo Porto Alegre: plantas termelétricas do RS e SC
Mercosul Companhia Alberta (AEG), Ampolex (subsidiária da Mobil) e Marubeni*
Reservas do nordeste argentino ao Santa Catarina e Paraná
(ainda não foi definido)
* Petrobras e YPF estão estudando a possibilidade de inserção no projeto. Obs: Caso o consumo do meio oeste brasileiro supere a capacidade do Gasbol, pode ser construído um gasoduto de reversão Bolívia-Argentina. Fonte: Elaboração própria
Pelo lado boliviano, as companhias que fornecerão o gás para o Brasil possuem
a participação acionária descrita no quadro 4.4.
113 O gás natural pode ser importado sob a forma de GNL, mas não será abordado neste trabalho, uma vez que o estudo refere-se ao gás canalizado. Porém, o nordeste seria um potencial importador, pois a produção da Petrobras encontra-se em queda e além disso, esta região não será beneficiada pelo gasoduto Bolívia-Brasil. Dado o requerimento de investimento capital intensivo, ele só seria competitivo nos segmentos voltados a grandes consumidores: plantas termelétricas e grandes distribuidores do sul e sudeste.
168
Quadro 4.4. Reservas de Gás Natural e Players Bolivianos
Atividade Companhia Acionistas Reservas Provadas (bilhões m³)
Exploração e produção Petrolera Chaco
50% Amoco 50% Fundos de Pensão Bolivianos
40
Exploração e produção Petrolera Andina
50% YPF, Perez Companc e Pluspetrol 50% Fundos de Pensão Bolivianos
40
Refino, transporte e vendas
Transredes 50% Enron e Shell 50% Fundos de Pensão Bolivianos
NM
Fonte: Elaboração própria
Em relação à Argentina, este país detém as maiores reservas de gás natural da
América Latina, registrando um total de 680 bilhões m³ (Anuário Estatístico, 1999).
Este país já exporta seu gás para o Chile e Uruguai e tem em seus planos o início de
exportação para o Brasil.
Quanto ao gasoduto Uruguaiana, estuda-se a viabilidade de uma segunda fase do
projeto, que integraria Uruguaiana a Porto Alegre. O consórcio operador seria formado
pela Gaspetro, YPF, Francesa Total, Nova Gas International, Techint, Compañia
General de Combustibles e Petróleo Ipiranga. Espera-se que este projeto seja
concretizado no final do ano 2000.
Finalmente, o Peru também pode ser considerado um possível fornecedor de gás
para o Brasil. Porém, seria necessário um gasoduto muito extenso. Mesmo que fosse
viável, ele estaria condicionado ao desenvolvimento das reservas do país e, por
enquanto, a Shell e Mobil (concessionárias das bacias da região exportadora), estão
adiando a decisão de desenvolvimento das reservas no país, devido à ausência de
mercado no Peru.
* As informações contidas neste anexo foram coletadas até o mês de junho de 1999.
169
Distribuidoras Estaduais de Gás Natural (junho/1999)
Distribuidora Participação acionária Início de operação
Mercado atendido Fornecedor Plano de expansão
Algás (Al) Estado do Alagoas (51,0%), Gaspart¹ (24,5%), BR Distribuidora (24,5%)
1994
6 clientes de grande porte (0,47 milhões m³/dia)
Petrobras: Bacia do nordeste
Segmentos residencial/comercial e veicular; Joint-venture para a construção de uma planta termelétrica com a Ceal, Trikem e Petrobras; Projetos de cogeração em unidades de processamento de cana de açúcar.
Bahiagás BA) Estado da Bahia (51,0%) Gaspart¹ (24,5%) BR Distribuidora (24,5%)
1994 34 clientes (2 milhões m³/dia) industriais
Petrobras: Bacia do nordeste
Segmentos industrial, residencial e automotivo; Termelétrica: consórcio Petrobras, Asea Brown Boveri (ABB) e Colba. Parte atenderia a refinaria da Petrobras (RELAM) e o restante seria negociado com a Coelba.
CEG (RJ) GEC %’s (Enron) (25,38%), Gás Natural SDG S.A.(18,90%) Iberdrola Investimento (9,87%) Pluspetrol Energy (2,26%) Governo Federal (34,56%) Outros (9,03%)
Privatizada em 1997
Residencial (560.000 domicílios) 12 companhias; 19 postos de gás veicular, (2 milhões m³/dia).
Petrobras: Bacia de Campos; Futura: importação de GNL
Expansão para região de Niterói e São Gonçalo e na conversão de aproximadamente 1.500 Km de gasodutos de gás refinado para o transporte de gás natural. Complexo gás químico - companhias: Rio Eteno – Petrobras (30%) e Rio Polímeros (70%) e; Rio Polímeros – Suzano, Unipar e Petroquímica da Bahia (Mariani). Termelétrica na área de concessão da CEG, a partir de joint venture entre Light e a Enron; Cogeração com Petrobras na REDUC
Cegás (CE) Estado do Ceará (51,0%) Textilia² (24,5%) BR Distribuidora (24,5%)
1994 71 clientes (0,18 milhões m³/dia) – grandes indústrias
Petrobras Bacia de Campos Futuro: gasoduto nordestão, e importação de LGN pelo Porto de Pecém.
Composta por três fases: 1) interior do Estado; 2) região metropolitana de Fortaleza e; 3) expansão para a região de Aracati. Termelétrica no Porto de Pecém, sob a operação do consórcio formado pela Petrobras, Gaspetro, CSN e Texaco; Projeto de uma usina siderúrgica pela CSN.
Comgás (SP) British Gas (72,7%), Shell (23,2%), CPFL (3,9%), Outros (0,1%)
Privatizada 1999
300.000 clientes: residencial, comercial, automotivo e industrial. (3,3 milhões m³/dia)
Petribras: Bacia de Santos, Gasbol Futuro: Argentina
Mercado residencial, conversão de equipamentos industriais para o gás natural; Termelétricas: Piratininga: a EMAE já assinou contrato de fornecimento de gás natural com a Comgás. Paulínea: consórcio formado pela Petrobras, Cesp, OPP e Grupo Ultra. Cubatão: consórcio formado pela Petrobras e Marubeni, em fase de análise sobre a viabilidade econômica. Santa Branca (Jacareí): consórcio Light/Metropolitana, também em fase análise quanto à viabilidade econômica para o vale do Paraíba. Contratos de venda de gás natural para cogeração.
ANEXO 5
170
Distribuidora Participação acionária Início de operação
Mercado atendido Fornecedor Plano de expansão
Compagás (PR)
Copel (51,0%), Dutopar³ (24,5%), BR Distribuidora (24,5%)
1994 5 clientes (31 mil m³/dia)
Petrobras: Gasbol Futuro: Bacia de Campos e Argentina
Três fases: expansão para Campo Largo expansão da rede de transporte expansão para a região norte Termelétrica: consórcio formado pela El Paso, BHP, British Gas, BR Distribuidora e Copel assinaram uma joint venture para uma planta em Araucária (PR); Pitanga, consórcio formado pela Inepar, Petrobras, Pan American, Copel e Compagás. Este projeto está condicionado ao desenvolvimento do campo de gás natural de Pitanga; Londrina, a British Gas é a condutora do projeto. Sua viabilidade está condicionada ao desenvolvimento do gasoduto Argentina-Brasil.
Copergás (PE)
Estado do Pernambuco (51,0%) Gaspart¹ (24,5%) BR Distribuidora (24,5%)
1994 43 clientes Industrial (cerâmica), Duas estações de gás natural veicular. (0,56 milhões m³/dia).
Petrobras: Bacia do nordeste
Aumentar o setor de gás natural veicular; Joint venture formada pela Chesf, Petrobras e o governo do Estado para a construção de uma termelétrica em Suape. Na segunda fase de construção, a Celpe também participará. Projetos de cogeração.
Emsergás (SE)
Estado do Sergipe (51,0%) Gaspart¹ (24,5%) BR Distribuidora (24,5%)
1995 15 clientes (0,15 milhões m³/dia)
Petrobras: Bacia do nordeste
Residencial, comercial e veicular; Cogeração para atividades da Petrobras A Petrobras e a Energipe estudam a viabilidade de uma termelétrica
Espírito Santo
Não tem companhia distribuidora BR é responsável pela distribuição
Petrobras e Escelsa estudam construção de termelétrica (condicionado ao desenvolvimento dos campos de Peroá e Cangoa). Consórcio formado pela Petrobras e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) para a construção de outra termelétrica; CVRD pretende substituir o óleo combustível das plantas térmicas.
Gasmig (MG) Cemig (90,0%) MGI (8,0%) Belo Horizonte Mayor (2,0%)
1995 56 clientes (0,80 milhões m³/dia)
Petrobras: Gasbel que liga a refinaria de Duque de Caxias (REDUC) a Belo Horizonte
“Vale do Aço” Prolongamento para o norte do Estado; Geração elétrica há três projetos. Ampliação da capacidade da termelétrica de Iguarapé e sua conversão de óleo combustível para gás natural; A japonesa Marubeni estuda a possibilidade de construção de termelétrica em Juiz de Fora; FIAT e Petrobras pretendem construir uma termelétrica na região metropolitana de Belo Horizonte.
MS Gás (MS) Estado MS (51,0%), BR Distribuidora (49,0%)
Ainda não está em operação
Petrobras: contrato com o Gasbol
A companhia prevê a construção de um gasoduto inicial, que deve destinar o gás para uma termelétrica e consumidores industriais, escoando dessa forma, 0,95 milhões m³/dia.
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Distribuidora Participação acionária Início de operação
Mercado atendido Fornecedor Plano de expansão
PBGás (PB) Estado da Paraíba (51,0%), Gaspart¹ (24,5%), BR Distribuidora (24,5%)
1995 22 clientes 0,13 milhões m3/dia
Petrobras: Bacia do nordeste. Futuro: conclusão do gasoduto Pilar (AL) / Cabo (PE) – (nordestão).
Expansão da venda para seus clientes atuais; Análise econômica para a demanda residencial, comercial e veicular Estudos para cogeração Projeto de termelétrica. A energia seria vendida à Saelpa.
Poti Gás (RN)
Estado do Rio Grande do Norte (51,0%), BR Distribuidora (24,5%), Andrade Gutierrez (12,3%), E.I.T.4 (12,3%)
1995 20 clientes 0,10 milhões m3/dia
Petrobras: Bacia do nordeste
Estudo da viabilidade econômica para o consumo residencial e comercial (condicionado à expansão da rede de distribuição). A Petrobras, juntamente com a Coteminas (têxtil) e o complexo industrial Gás/Sal objetivam a construção de uma termelétrica em Macau. A demanda atenderá parte do complexo industrial, incluindo a Petrobras e o restante vendido para a Cosern. No início, o governo estadual subsidiaria, visando o desenvolvimento industrial da região e criação de empregos. Em adição, a Petrobras e Iberdrola ainda estudam a viabilidade econômica de uma planta termelétrica para o fornecimento de calor e eletricidade para atender às necessidades da Petrobras.
Riogás (RJ) Gas Natural (34,0%), Enron (25,0%), BR Distribuidora (25,0%), Iberdrola (13,0%), Pluspetrol (3,0%)
1997 Atende o restante do mercado não coberto pela CEG 1,8 milhões m3/dia
Petrobras: Bacia de Campos
A empresa deve conduzir a distribuição de gás natural para o mercado industrial (químicas e metalúrgicas), Plantas termelétricas (3 projetos de construção): Macaé: joint venture assinada com a BHP, British Gas, Furnas, Lightpar e Petrobras; Rio das Ostras: joint venture assinada entre a Cataguazes Leopoldina, Cerj, Eletrobras, Escelsa, Light e Petrobras; Cabiúnas: joint venture entre Cachoeira Dourada, Endesa e Petrobras. Em todas, o gás viria da Bacia de Campos, ofertado pela Petrobras.
SCGás (SC) Estado de SC (51,0%) Gaspart¹ (23,0%) BR Distribuidora (23,0%) Infragás5 (3,0%)
Prevista para entrar em operação em nov/1999
Gasbol Futuro: Bacia de Campos e Argentina
O projeto de expansão é composto por 5 fases: Norte do Estado;Grandes consumidores, indústria têxtil, cerâmica e alimentos;Termelétrica, projeto entre a Petrobras e a Celesc; Outros dois projetos estão na dependência da construção do gasoduto Cruz del Sur e o Mercosur.
Sulgás Estado do Rio Grande do Sul 51,0% BR Distribuidora 49,0%
1996 8 clientes (0,04 milhões m3/dia)
Atualmente: gás refi-nado da Petrobras, Futuro: Gasbol e Argentina
Expansão de sua rede de distribuição para atender a 70 companhias; Termelétrica: Uruguaiana - AES Além deste, a AES estuda a possibilidade de construção em Triunfo e a Sulgás, CEEE, Ipiranga, Techint, RGE, Petrobras e Gaspetro estudam a viabilidade de construção na região metropolitana de Porto Alegre.
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Distribuidora Participação acionária Início de operação
Mercado atendido Fornecedor Plano de expansão
Mato Grosso Sistema isolado Construção de um gasoduto a ser conectado no Gasbol, operado pelo consórcio operado pelo Gas Ocidente do Mato Grosso formado pela Enron (50%), Shell (37,5%) e Transredes (12,5%) Enron (75%) e Shell (25%): contrato de concessão para a construção de uma planta termelétrica em Cuiabá
Goiânia e Distrito Federal
Sistema isolado CEB e Eletrobrás estuda a viabilidade para construção de um gasoduto ligando o Gasbol em São Paulo para Brasília ou Goiânia. O gasoduto forneceria gás uma termelétrica ou duas, uma em cada Estado.
Região Norte Sistema isolado A capacidade de expansão para a distribuição de eletricidade está condicionada ao desenvolvimento dos campos na região Amazonas Projetos de termelétrica: Manaus: a El Paso construiu uma termelétrica para o atendimento residencial, comercial e industrial. Inicialmente ela está operando com duas turbinas a óleo combustível. Porto Velho: joint venture assinada entre a Ceron e Petrobras. O gás deve ser fornecido pela Bacia de Urucu. Macapá: entre 2001 e 2008, a região precisará de 170 MW adicional de energia e a termelétrica se parece a alternativa mais atrativa.
Fonte: Elaboração própria
¹ Enron subsidiária
² Grupo Vicunha
³ Enron subsidiária 4 Companhia de construção civil regional 5 Pool de companhias de Santa Catarina
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ANEXO 6 Demanda por gás natural em projetos de termelétricas 08/98
Projeto Capacidade (MW)
Início Esperado
Consumo estimado
(milhões m3 /d)
Consórcio inicialmente formado*
Região Sul Uruguaiana (RS) 600 1999 2,50 AES Porto Alegre (RS) 500 ND 1,76 Sulgás e outros Triunfo (RS) 750 ND 2,64 AES Joinvile (SC) 550 ND 1,80 Celesc e Petrobras Araucária (PR) 480 Jul/00 2,02 BTB, Copel e BR Dist. Oeste Paraná (PR) 500 ND 1,80 British Gas São Mateus (SC) 150 Jul/02 0,63 Escelsa e Petrobras Sudeste Juiz de Fora (MG) 800 ND 2,70 Marubeni Macaé (RJ) 480 2002 2,02 BTB, Furnas, Lightpar e Petrobras Rio das Ostras (RJ) 720 2000 3,02 Cataguazes Leopoldina, Cerj, Light Eletrobras,
Escelsa e Petrobras Cabiúnas (RJ) 120 1999 0,50 Cachoeira Dourada, Endesa e Petrobras Rio – CEG (RJ) 900 ND 3,17 Light e Enron Eletropaulo (SP) 450 2001 1,90 VBC, Energen e Shell Paulínea (SP) 630 2002 3,00 Ultra, OPP, Cesp e Petrobras Santa Branca (SP) 1000 ND 3,52 Eletropaulo e Light Centro-oeste Cuiabá (MT) 480 1999 2,20 Enron Campo Grande (MS) 300 ND 1,06 Enersul Corumbá (MS) 150 ND 0,53 Enersul/Gerasul Goiânia (GO) 500 ND 1,76 CEB e Outros Nordeste Pecém (CE) 480 2003 2,20 Petrobras, CSN e Texaco Termobahia (BA) 460 2002 2,20 Petrobras e ABB Macau (RN) 330 2002 1,40 Cosern, Coteminas e Petrobras Suape (PE) 480 DEZ/03 2,20 Shell e Petrobras Sergipe (SE) 190 2002 0,70 Petrobras, Sergipe e Energipe Total 12,000 47,23
* Importante salientar que estes consórcios podem ser alterados no decorrer do tempo.
Fonte: Elaboração própria
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ANEXO 7
Principais portarias, referentes ao gás natural, publicadas pela ANP
a) Portaria nº41 (15/04/1998): Aprova o Regulamento Técnico ANP 001/98 que
estabelece normas para especificação do gás natural, de origem interna ou externa, a ser
comercializado no País114.
b) Portaria nº42 (15/04/1998): Aprova o Regulamento Técnico ANP nº 002/98, que
estabelece normas para especificação do Gás Metano Veicular - GMV a ser
comercializado115 nos municípios existentes nas regiões metropolitanas de São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte, bem como nos municípios localizados no Vale do
Paraíba.
c) Portaria nº43 (15/04/1998): Estabelece que a importação de gás natural somente será
efetuada mediante prévia e expressa autorização da ANP, nos termos da legislação
aplicável e desta Portaria.
d) Portaria nº 44 (15/04/1988): Estabelece que depende de prévia autorização da ANP, nos
termos desta Portaria, o exercício das atividades de construção e de operação de
instalações de transporte de gás natural, por qualquer meio.
e) Portaria 169 (26/11/1998): Fica regulamentado, pela presente Portaria, o disposto no
art. 58 da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, que faculta o uso por terceiros, mediante
remuneração adequada ao titular das instalações de transporte, existentes ou a serem
114 Além disso, este regulamento técnico aplica-se, também, às fases de produção, transporte e de distribuição de gás natural. 115 O Regulamento referido neste artigo aplica-se também, às fases de produção, de distribuição e de revenda de GMV.
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construídas, destinadas ao transporte de gás natural. Para tal, tem que haver capacidade
disponível ou capacidade contratada ociosa116.
As portarias referentes à construção exigem uma qualificação técnica e econômica e
uma descrição detalhada das participações acionárias em outras empresas no segmento
industrial de gás natural. Porém, na Lei não há um limite de participação de uma empresa
em outra atividade de forma vertical ou horizontal117.
116 O Transportador informará à ANP e divulgará sua Capacidade Disponível, de forma resumida, em 3 (três) jornais nacionais de grande circulação e de forma detalhada através de meio eletrônico (INTERNET) ou disponibilizada em sua sede. A ANP publicará no Diário Oficial da União - D.O.U. - toda oferta de Capacidade Disponível informada pelo Transportador. 117 Apenas no caso do carregador deter participação acionária, direta ou indireta, acima de 25%(vinte e cinco por cento) no capital votante do Transportador ou vice-versa, os Carregadores enviarão à ANP os seus contratos de venda de Gás a concessionárias de distribuição e a consumidores finais, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data de assinatura dos respectivos contratos de transporte.
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ANEXO 8 Acordo de cooperação técnica CADE – SDE – ANP 118
Nos processos administrativos previstos no artigo 54 da Lei nº 8.884/94:
i) os atos a serem submetidos ao controle do CADE deverão ser apresentados à SDE,
acompanhados, previamente ou no prazo máximo de 15 dias úteis, da documentação
própria em 4 vias. Após receber a notificação e a documentação em referência, a
SDE destinará uma via à SEAE/MF, outra ao CADE e outra à ANP;
ii) A ANP, se entender necessário, poderá solicitar formalmente reunião conjunta
visando discutir com a SDE e SEAE as questões pertinentes à operação analisada,
devendo emitir parecer técnico no prazo que não deverá exceder 30 dias do
conhecimento da operação;
iii) A SDE, recebido o parecer da SEAE e da ANP, emitirá seu parecer, encaminhando
os autos ao CADE, em conformidade ao §6º do art.54 da referida Lei;
iv) A SDE elaborará seu parecer técnico de modo complementar aos dos demais
órgãos, aprofundando-se apenas nas questões de sua competência que entender
relevantes e necessárias para o melhor entendimento do CADE.
118 Extraído do acordo de cooperação técnica e operacional, firmando entre CADE – SDE – ANP, assinado no dia 22/03/2000.
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Nos procedimentos administrativos visando a apuração das infrações previstas nos artigos
20 e 21 da Lei nº 8.884/94:
i) A SDE, quando verificar a existência de indícios de práticas restritivas à livre
concorrência no setor de petróleo, seus derivados e gás natural, oficiará à ANP para
manifestar-se previamente em 30 dias, visando o compartilhamento das informações
técnicas relativas ao mercado sob investigação, independentemente da realização de
diligências (a SDE enviaria cópia das diligências realizadas à ANP) que julgar necessárias e
da promoção de averiguações preliminares, de acordo com o preceituado no art.30 da Lei nº
8.884/94.
ii) A ANP, quando verificar a existência de indícios de práticas restritivas à livre
concorrência no setor oficiará à SDE, dando conhecimento dos fatos, manifestando-se
previamente sobre a sua área de competência para fins do art.30 e seguintes da Lei
8.884/94, comunicando ao CADE sobre os fatos e procedimentos adotados.
iii) Instaurado o Processo Administrativo (PA) para a apuração da existência de infração à
ordem econômica, a SDE, após recebida (s) defesa (s) prévia (s) do (s) representado (s),
enviará cópia da representação e da (s) defesa (s) prévia (s) à ANP, que as receberá em
caráter sigiloso, para manifestação no prazo de 30 dias;
iv) Encerrando o prazo de que trata a subcláusula anterior, a ANP remeterá seu parecer, que
deverá ser acompanhado de todos os documentos e/ou informações relacionados com o
caso investigado e;
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v) Concluídas todas as fases processuais previstas na Lei nº 8.884/94, a SDE emitirá seu
relatório final com as conclusões das diligências realizadas e enviará o Processo
Administrativo ao CADE, nos moldes do art.39 da Lei 8.884/94.
Além do estabelecimento da tramitação do processo, o acordo ainda prevê que a
SDE deve comunicar a ANP todos os atos processuais publicados em Diário Oficial da
União referentes aos PAs e às Consultas encaminhadas à ANP, mesmo depois de concluído
e encaminhado o Parecer Técnico ANP.
O prazo de vigência deste acordo é de 24 meses, contados da data de sua
publicação, podendo ser prorrogado, através do termo de Aditamento, desde que haja
entendimento prévio entre as partes, com antecedência mínima de 30 dias.