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Joycianas
João da Mata Costa
Há vinte e seis anos é comemorado o Bloomsday em Natal.
Participo das comemorações desde a prima volta como
ouvinte, conferencista, curador e, sobretudo, como entusiasta
desse grande-dia em homenagem a James Joyce. Para
comemorar o Bloomsday 2012, reuni alguns textos escritos
durante esse tempo. Onde misturo a Irlanda com Natal e vivo
um John`s day em Natal. Finalizo esse ensaio homenageando
Molly Bloom e o seu famoso monólogo lido por Marilyn
Monroe (foto) e traduzido por muitos escritores. Esse
monólogo foi traduzido ente outros por Borges e Haroldo de
Campos ( texto em anexo). Selecionei também algumas cartas
de Joyce á sua esposa Nora Barnacle, musa do Bloomsday.
Em um dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus estabeleceu os dias e agonias,
até esse outro em que o onipresente rio
do tempo terreno retorne à sua fonte,
que é o Eterno, e que se apague no presente,
o futuro, o ontem, o que agora é meu.
Entre a aurora e a noite está a história
universal. Da noite vejo
a meus pés os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dai-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia.
( J. L. Borges em Elogio da Sombra, 1968)
O Ulisses de Joyce é um romance caleidoscópico que dá
margem a muitas interpretações. A revolução trazida por
Joyce resgatou dois dos mais importantes legados dos gregos.
Homero (Ulisses) e o Movimento Circular ( Finnegans Wake).
Sua literatura é tão revolucionária quanto a física de Einstein.
Concordo com Auden que se a civilização grega não tivesse
existido ... nunca nos teríamos tornados plenamente
conscientes, o que significa que, para o melhor e para o pior,
nunca nos teríamos tornado humanos.
Joyce dessacraliza a literatura fundindo gêneros e épocas.
Misturando o erudito com o popular. È dos restos que sua
literatura é feita. Sua personagem principal um homem
comum com nós vivendo uma vida besta pode soltar um pum,
ao mesmo tempo que estuda a Grécia antiga. Para Joyce nada
é perdido. No Ulisses ouvimos muitos sons, sentimos cheiros ...
O cheiro de sebo derretido desprendeu-se dos pavios da vela
do deão, e se fundiu na consciência de Stephen, com o tinido
daquelas palavras: balde e lâmpada, lâmpada e balde. Molly
adora o barulho da bandeja quando Bloom traz o café da
manhã para ela. Associa palavras com vozes que escuta.
Utiliza o monólogo interior, que mistura com a voz dentro
dele, com as pessoas, os bichos, as línguas, os barulhos, etc.
Joyce fala com sons que sugerem sentidos a partir da carne da
palavra. Ouçamos o Ulisses. A verdadeira poesia nos alcança
antes de ter sido entendida, escreveu Eliot. O Ulisses é um
livro para poetas falou o meu amigo Chico Ivan, idealizador
do Bloomsday em Natal. Joyce é um escritor para quem tem
insônia. Para Lacan a palavra é um dejeto, e Joyce é um
escritor que fuça a carniça da linguagem.
A estética joyciana é a de Thomas de Aquino. Beleza é
verdade. Para atingir a beleza precisamos da integridade,
simetria e esplendor. A epifania é a harmonização dessas
coisas numa manifestação do criador. “ sou um cristo
desviado”.
I - O blue book das eclésias
O Ulisses de James Joyce – o “blue book das eclésias”- é também
um livro sobre o amor. Leopold Bloom, o protagonista do
romance que revolucionou a literatura universal, passa o dia
perambulando por uma Irlanda (terra da ira) decadente, e tem
consciência da traição de Molly Bloom. São dezesseis horas e o
relógio de cuco toca … e nessa hora vesperal Molly recebe o
amante em casa. “Eles são loucos para entrar de onde eles
saíram”, diz Molly. Oito de setembro é o aniversário de sua
amada e 16 de junho foi quando Joyce se apaixonou perdidamente
por ela. As datas são muito importantes para o aquariano Joyce
nascido no dia 02 de fevereiro. O tema do ciúme também está
presente na sua única peça “Exílio” e no último conto de
Dublinenses “The Dead”. Um dos maiores contos do século XX
foi levado às telas por John Huston com o título “Os Vivos e os
Mortos” (EUA 1987). No Ulisses, Joyce fala muito através dos
sons. O leitor sente prazer e dor ao ouvir o som da trombeta, o
suspiros das folhas, o ruído do mar e o som da água escoando no
ralo da pia em espiral. A polissemia das palavras valise, da
palavra montagem, da palavra ideograma encadeando novos
sentidos. Joyce é um alquimista da palavra e a linguagem é o
personagem principal desse imenso cipoal cheio de ruídos e
labirintos que é esse enciclopédico romance Ulisses. “Deus é um
barulho na rua”. “Todos esses ruídos convergiram numa única
sensação vital para mim: imaginava conduzir meu cálice
incólume, através de uma multidão de inimigos”. Durante o dia16
de junho Bloom chega a um estado mental que é mais abnegação
do que ciúme. Joyce evoluiu no tratamento desse tema desde suas
primeiras criações literárias. É com uma grande pulsão verbal
com que Joyce fala do amor numa feerie carnal pulsipulso.
“Ele beijou os fornudos ricudos amareludos cheirudos melões do
seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga
amarelêga rêga, com obscura prolongada provocante
melonicheirosa osculação”. Ao fim do episódio de Nausícaa
(cap.13), o “relógio de cuco” informa a Bloom que ele é agora um
corno. Cuco, cuco, cuco… cukoo-cloc; relógio de cuco e
cuckoldcorno.
No final, Ulisses “retorna” para casa (Ítaca) e encontra Penélope
(cama). A mulhervaginabismo onde o homem se perde e jamais
retorna. O romance encerra com um pungente monólogo de Molly
Bloom. “yes, I said yes I will Yes oui jái dit oui je veux bien. SIM
EU QUERO SIMS.
Vagueando por Natal tenho o meu Johnsday. No restaurante da
universidade converso sobre Flaubert. Um grande escritor
admirado por Joyce. Alguém que buscou a impessoalidade na sua
literatura. Em Joyce, impossível separar a vida do opus. No
cemitério do Alecrim entro no reino de Hades e rezo um
cantochão na igreja do Galo. Lanço as cartas do Tarot e tiro a
carta 15. Blake e “A Canção dos Loureiros” do Édouard Dujardin.
Sigo o fluxo de consciência. Caminho por suas ruas e vielas
esburacadas très bian aussi. Lembro-me da escola de pé no chão
nas Rocas e da fábrica de pregos das Quintas onde fui menino.
Depois olhar o Potengi e namorar na pedra do Rosário.
Em Ponta Negra bato uma brahma. Na Padre Pinto, saindo do bar
do coelho, olho o rio que parece o Liffey. Molly Bllom nessa hora
deve estar me traindo. Capitu also e Otelo coitado. São quatro
horas e nessa hora alguém está sendo chifrado. Tudo que é
proibido é bom. Clô telefona para falar de Shakespeare e de
Hamlet, a Monalisa da literatura : Words, words, words….cama
camisola ave Maria cheia de graxa. Lê em voz muito alta o
Finnegans Wake. Literatura de notívagos e bruxos. Fim again
Fim. Nunquam satis discitur. O eterno ciclo viquiano do
movimento circular divino. Só com compaixão, humor e lirismo
vamos conseguir sangrar os mares desse Potengi desmamado e
poluído numa das esquinas do mundo onde meu amigo “foi feliz e
se deu bem”. Parafraseando Stephen Dedalus no Retrato do
Artista quando Jovem, de James Joyce, referindo-se á Irlanda, eu
diria de Natal (eu que já sou meã: “Natal é uma porca velha que
devora suas crias”.
II - Joycircunvuluçõesbabélicas
O diacronismo cambiante da navelouca de Bloom–mente—fluxo
-feérie-carnal-verbal. Rio (Nossa Senhora) Corrente. Sinfonia de
signos. Da cappo. Fim-agains-Fim. Finneganswake. Novamente.
No meio da morte estamos com vida. Corrida sem vencedor.
Livro-cidade-mulher. Molly Bloom: eles são loucos para me
comer. Aíiiiiiiiiiiiii. Vai, segue, mete que a vida é só um dia
mares. Telemacus vagueia thalasses.
Introibo ad altere dei. Abre verunque as pernas. Porra de
des(esperta-dor). Cuco. Cukooo. Cucckolddddd. Sim, eu sei sou
corno. E daí!.Ela gostou. Que barulho é esse é Deus ninguém
entende. Como uma onda no mar que flui num jorro orgásmico.
Amo-te tântalo. Aligozou. Anna Lívia mais que bela Plurabelle.
Pausa. Depois glissando um chocolate quente. O amor corre
consciência. Ela me beijou com seus lábios carnudos.
Divagadamente as moscas copulam. Solidão. Livro-
surubalingüística.
Verdeargenteoceanico. Ulisses volta para Ítaca. Ela dorme e ronca
desafinadamente em staccato. Do pesadelo tento lentamente
despertar. É a história. Um dia todos os dias. Dimensão multi-
fractal. A cabeça junto aos pés: Dorme. Sim Thomas de Aquino.
Santo Agostinho e todos os filósofos da igreja pecadora. Imagens,
urdiduras, palavras nada além que palavras inventadas. O hades
esqueço, lotófagos seduzem, proteus bondemeuvelho Liffey. Não
sou quem navegabundo.
Joyceglosas Cila e Caribdes. Os caminhos do criador
Shakespearou. Flaneur Dublin. Puns popular e erudito. O todo em
um romance enigma. O caminho mais difícil são as curvas das
estradas sinuantes do corpo. Sinos tocam. É a hora do ângelus
Molly. Epifania. Eu sou o alfa-omega- alfa. O caminho e o fim do
romance cíclico dessacralizado. Chance?. Nenhuma... “a intuição
do amor é apanágio das mulheres”. RomanceAmor. Fraulein
Molly. Ema Flaubert Bovary c´est moi aussi don Quijote. I am a
yhwk Deus.
III- Uma Natal Joyciana
Natal como te amo: leviana? Nem tanto. Escrota? Menos. Muitos
disseram assim das suas cidades e mulheres. Natal banhada por
rio e mar também tem suas graças …. um certo charme na sua
decadência. Precisa de um grande escritor para traçar suas ruas e
becos. Reavivar sua memória esquecida. Salvador teve Jorge
Amado. Alexandria teve um Ptolomeu. A Irlanda entrou no mapa
do mundo com a escritura de James Joyce. A decadência de Natal
tem o rosto da modernidade. Natal sofre com as atuais
administrações e com as oligarquias. E são dos resíduos com que
se faz a grande literatura. Outros disseram de uma terra desolada.
O que Joyce escreveu sobre a Irlanda eu poderia transportar para
Natal. Mas, eu não sou Leopold Bloom e mesmo assim
comemoro o bloomsday. A Irlanda também é bebum e ruidosa.
“Terra de uma raça esquecida por Deus e oprimida pelos padres
… a raça mais atrasada da Europa”. Eu também poderia dizer isso
de Natal, mas eu não sou Joyce. Prefiro andar por suas vielas e
bares. Freqüentar o bar de Zé Reeira e tomar uma cerveja com
Zizinho, Ronnie Von e Celina Muniz. Adentrar na garçonnièri de
Abimael e conversar sobre o próximo lançamento. Tomar cerveja
em Maria Boa e lembrar de todos os porcos boêmios.
Aquela amiga que nunca gozou senão em Mary Good. Sim, eu
digo sim. No restaurante tenho pavor daquela mulher que fala
comendo. Com os amigos tenho uma grande discussão sobre
Flaubert. Um grande escritor admirado por Joyce. Alguém que
buscou a impessoalidade da literatura. Em Joyce, impossível
separar a vida do opus. No cemitério do Alecrim entro no reino de
Lete e rezo um cantochão na igreja do Galo. Lanço as cartas do
tarot e leio Blake e “ A Canção dos Loureiros” do Édouard
Duajardin. Sigo o fluxo de consciência. Caminho por suas ruas e
vielas esburacadas três bian aussi. Lembro da escola de pé no
chão nas Rocas e da fábrica de pregos das Quintas onde fui
menino.
Depois olhar o Potengi e namorar na pedra do Rosário. Em Ponta
Negra bato uma brahma. Da boulevard Padre Pinto olho o rio que
parece o Liffey. Molly Bllom nessa hora deve estar me traindo.
Capitu also e Otelo coitado. São quatro horas e nessa hora alguém
está sendo chifrado. Tudo que é proibido é bom. Clô telefona para
falar de Shakespeare e de Hamlet, a Monalisa da literatura :
Words, words, words....cama camisola ave Maria cheia de graxa.
Lembro do Finnegans Wake que deve ser lido em voz alta e por
notívagos. Fim again Fim . Nunquam satis discitur. O eterno ciclo
viquiano do movimento circular divino. Só com compaixão,
humor e lirismo vamos conseguir sangrar os mares desse Potengi
amado e poluído.
IV - O Opus Fin - Finnicius Revém do James Joyce
“ sangro á margem do negro riacho de meu ramo partido” JJ
FW, Finnicius Revém na feliz tradução de Haroldo de Campos
mantida pelo tradutor brasileiro Donaldo Schuler, que a traduziu
integralmente e foi editada numa edição primorosa pela editora
Ateliê em cinco volumes. Romance riocorrente concluído em
1939 por Joyce após dezessete anos de gestação e experimentação
quando foi utilizado mais de sessenta idiomas. Feito de longas
palavras “soundsenses” que devem ser lidas em voz alta e
calembours (trocadilhos). Enquanto o Ulisses é um livro diurno, o
Finnegans Wake é um romance da noite e dos sonhos. Nesse
romance Joyce utiliza a técnica labiríntica do celebre Livro de
Kells (em inglês : Book of Kells; em irlandês: Leabhar
Cheanannais), também conhecido como Grande Evangeliário de
São Columba, de Sir Edwward O´Sullivan. Um manuscrito
Ilustrado com belas iluminuras feito por monges celtas em torno
do 800 da nossa era.
O FW é um livro de difícil acesso e poucos conseguem vencer
esse imenso cipoal de signos, sons, palavras-valises, trocadilhos,
paródia, citações e muita erudição. Joyce é um grande leitor de
Giordano Bruno e seus mundos infinitos, do Vico e sua história
cíclica, do Alcorão, do Livro dos Mortos, da Cabala, do Livro de
Kells, etc, etc. É um livro que pretende traduzir o mundo e conter
todos os ensinamentos. Para o seu biógrafo S. L. Goldberg o livro
é um malogro literário artístico e não foram poucos críticos que o
execraram. Para penetrar nesse imenso labirinto é preciso ler a sua
exegese. Um dos livros que se encaixam nessa categoria é o
Skeleton Key to Finnegans Wake (NY 1944, Londres 1947 )
escrito por Joseph Campbell e Henry Morton Robinson. Escreve
Campbell e Robinson, na tradução e citação de Dirce Waltrick:
Além de ser um sonho confessional, Finnegans Wake é também
uma Fonte de Mito. Mitos, como sonhos, são um produto da
mente inconsciente (...). Finnegans Wake é o primeiro exemplo
literário da utilização do muito numa escala universal. Outros
escritores – Dante, Bunyan, Goethe – empregaram simbolismo
mitológico, mas suas imagens eram traçadas a partir do
receptáculo do Ocidente. Finnegans Wake penetrou no oceano
universal.
Um capítulo que resume o opus joyciano, um dos mais célebres e
divulgados do FW é o “Anna Lívia Plurabelle, ALP” ( Capítulo
VIII ). Uma tradução desse capítulo acompanhado de uma
introdução e estudo pode ser lido no livro da professora Diece
Waltrick do Amarante; para ler Finnegans Wake de James Joyce”
( Iluminuras 2009). Esse capítulo também foi traduzido pelos
irmão Campos e reproduzido na tradução brasileira do Castelo de
Axel de Edmundo Wilson. Enquanto o Ulisses é um livro diurno e
narra a peregrinação do Sr Flores durante 18h do dia 16 de junho,
o Finnegans Wake é um livro da noite, dos sonhos e
subconsciente que narra a morte e ressurreição do herói. A
história do morto que ressuscita é recorrente na literatura e pode
ser encontrada em Apuleio, Joyce, Jorge Amado e Ariano
Suassuna.
Finnegans é um pedreiro que morre e ressuscita reencarnado na
pele de um taberneiro, após ter sido borrifado por uma poção
mágica de uísque. Humphrey Chimpden Earwicker mais
conhecido pelas iniciais H. C. E., que ás vezes é traduzida como
Here Comes Everybody é o herói Mr. Todos Nós, ou Sr.
TodosNós de Finnicius Revém e percorre o ciclo viquiano do Fim
Again Fim ( wake, acordar depois do Fin, Fim ). Fragmentos do
FW foram traduzidos pioneiramente no Brasil pelos irmãos
Campos em “Panaroma do Finnegans Wake” (1962). Uma
tradução elogiada pela crítica especializada que proporcionou pela
prima volta o contato com essa obra inclassificável.
Ana Lívia Plurabelle é a esposa de um homem culpado e
caluniado, Sr Todos Nós HCE. Anna Lívia decide lavar a roupa
suja do marido para que ele ressuscite de consciência limpa. Mas
ALP transforma-se no rio que absorverá nossas máculas e que
depois desaguará no mar. Para alguns críticos Anna é uma
alegoria da história. Duas lavadeiras, sentadas em margens
opostas, conversam entre si, enquanto lavam a roupa suja. Falam
exatamente de ALP e do Sr. Todos Nós, o H. C. E. A medida que
o rio flui a história da humanidade deságua no mar e tudo
recomeça num ciclo de Vico ( ref. Giambattista Vico in “A
Ciência Nova”)
Conversa das lavadeiras:
Olha a camisa dele ! Olha que suja ela está ! Ele deixou em mim
toda a minh ´agua escura ... Sei de cor os lugares que ele gosta de
manchar, sujeito suujo (tradução de Dirce em obra citada).
À medida que o rio Liffey flui (rio Heraclitiano como metáfora da
mulher) as margens se afastam e as lavadeiras não mais podem se
ouvir. Por isso gritam uma à outra palavra em qualquer língua, em
todas as línguas. É o ruído branco da ciência moderna e da física
não linear, a junção de todos os ruídos e cores transformadas na
cor branca ou no arcoirissonico joyciano. As lavadeiras já foram
associadas como as bruxas de Macbeth, ou com os coveiros de
Hamlet. Joyce é um amante da literatura de Shakespeare e toda a
sua obra é permeada pelo bardo inglês.
As lavadeiras são mumificadas em Shaun (Pedra) e Shem
(árvore). Elas representam a dualidade de todo o ser humano, ou a
dualidade indissociável da onda-partícula. As árvores e a pedras
são recorrentes no Finnegans Wake e carregadas de simbolismo,
podendo significar entre outras coisas a vida e a morte. Joyce
gostaria de ter criado uma língua que fosse a junção de todas as
línguas e que todos pudessem decifrar... um dialeto da
humanidade. Sua última obra é repleta de enigmas instigantes que
dialogam com a literatura universal e continua a desafiar a nossa
compreensão. Ele não nos enganou quando disse que escreveu
uma obra para ser discutida nos próximos trezentos anos.
Dez anos antes de ser publicado o Finnegans Wake (1939)
nasceu o físico americano Murray Gell-Mann, ganhador do
premio Nobel de Física pela descoberta do quark, partícula
fundamental do átomo. O termo quark foi emprestado do FW e a
física assim como toda ciência e filosofia podem dialogar com as
artes como pensou o demiurgo e revolucionário James Joyce.
Cartas de Joyce A Nora Barnacle
- Eu odeio as mulheres que não sabem nada. Joyce
- Por que você nãos escreve livros que as pessoas possam ler -
Nora
No dia 10 de junho de 1904 Joyce conhece Nora Barnacle e se
apaixona loucamente. No dia 16 de junho Joyce passeia com
Nora e experimenta momentos de beleza e transcendência, suas
célebres epifanias. Por esse motivo o escritor escolheu esse dia
como o dia de Bloom, o Bloomsday. Dia em que transcorre toda
a ação do Ulisses. As famosas cartas de Joyce a Nora foram
publicadas pela Massao Ohno, com tradução da Mary Pedrosa.
Cartas muitas vezes picantes e que revelam um outro lado do
escritor genial que iria revolucionar a literatura com seu Ulisses,
em 1922. Um livro de amor. Um livro que também é uma
homenagem a Nora.
Selecionamos quatro dessas cartas ( trechos) para comemorar o
Bloomsday2010.
15 de agosto de 1904
Minha cara Nora. Neste instante soou uma hora. Cheguei em
casa às onze e meia. Desde então estou sentado numa poltrona
como um cretino. Não posso fazer nada. Não ouço nada a não
ser a tua voz. Estou como um cretino a ouvir-te chamar-me
querido. Ofendi duas pessoas hoje ao deixá-las com frieza.
Queria ouvir a tua voz, não a dos outros. Quando estou contigo
deixo de lado o meu temperamento desconfiado e desdenhoso.
Quisera estar sentindo agora tua cabeça sobre o meu ombro.
Penso que vou deitar-me.
Levei meia hora escrevendo isto. Vais escrever qualquer coisa
para mim? Espero que o faças. Como assinar esta carta? Não vou
assinar nada, porque não sei que nome usar.
7 de Setembro de 1909
Minha Norazinha silenciosa. Dias e dias se passaram sem carta
tua, mas creio que pensaste que eu já teria embarcado. Partimos
hoje à noite. Lá para o fim da semana ou no domingo havemos
de estar juntos, espero.
Agora, minha Nora querida, quero que releias e tornes a reler
tudo que te escrevi. Há uma parte feia, obscena e bestial, e há
uma parte santa e espiritual: tudo junto sou eu. E Penso que
agora compreendes o que sinto por ti. Não vais mais brigar
comigo, vais, querida? Estou cansado hoje, caríssima, e gostaria
de dormir em teus braços, não fazer nada, mas somente dormir,
dormir em teus braços.
…
Como vai ser longa a viagem de volta, mas que glória vai ser
nosso primeiro beijo. Não chores, querida, quando me vires.
Quero ver-te de olhos brilhantes e lindos. Qual será a primeira
coisa que me dirás, imagino?
La nostra bella Trieste!*
Tu me amas, não é verdade? Agora vais acalentar-me no teu
peito e abrigar-me e talvez ter pena de mim por meus pecados e
loucuras e guiar-me como a uma criança.
Naquele peito amigo estar eu queria.
(que é tão amigo e belo de verdade!)
Onde ia ficar a salvo da ventania.
Devido à amarga austeridade
Naquele peito amigo estar eu queria.”
A Nora Barnacle Joyce
22 de dezembro de 1909
Rua Fontenoy, 44, Dublin.
Nora, minha querida
Remeto pelo correio (expresso e registrado, com valor
declarado) um presente de Natal*. É a melhor coisa (mas afinal
muito modesta) que posso oferecer em retribuição ao teu amor
fiel, verdadeiro e sincero. Pensei em todos os detalhes nas noites
de insônia, ou nos carros em disparada ao redor de Dublin. Acho
que o presente acabou ficando bonito. Entretanto, mesmo que
vá causar somente breve rubor de prazer em teu rosto no
primeiro momento em que o vires, ou se fizer teu coração
amoroso, terno e leal dar um súbito salto de alegria, eu me
sentirei muito, muito bem recompensado de todos os meus
cuidados.
Talvez este livro, que agora te envio, sobreviva a nós ambos, a
mim e a ti. Talvez os dedos de algum rapaz ou moça (filhos de
nossos filhos) virem reverentes estas folhas de pergaminho,
quando os dois amantes cujas iniciais estão entrelaçadas na capa
tenham há muito desaparecido da terra. Nada há de restar,
então, minha querida, de nossos pobres corpos humanos
movidos pela paixão; e quem poderá dizer onde vão estar as
almas que em seus olhos contemplavam uma a outra. Eu pediria
que minha alma fosse espalhada no vento, se Deus me deixasse
apenas soprar suavemente, para sempre, em redor de uma flor
azul escuro, estranha e solitária, numa sebe agreste de Aughrim
ou Oranmore.
Jim.
16 de Dezembro de 1909
Minha doce queridinha. Até que enfim tu me escreves!. Deves
ter à tua bucetinha Levado uma esfregação feroz para me
escrever uma carta tão desconexa. Quanto a mim, querida, estou
tão esgotado que tu terias que levar uma hora a lamber -me para
que eu ficasse com o pau duro para meter nas bordas de tua
boceta, quanto mais para uma foda completa…
* O presente que ele Joyce enviou a Nora era manuscrito
encadernado do livro “Música de Câmara”
Em Trieste ( sua segunda pátria) -- norte da Itália - onde vive uma
quadra importante de sua tumultuosa vida. Nessa cidade nasce a
sua filha Lúcia e é em Trieste que Joyce começa a escrever O
Retrato do Artista quando Jovem. Na bela Triste ele leciona
Inglês e conhece o escritor de Senilidade, Ítalo Svevo.
MONÓLOGO DE MOLLY BLOOM (trecho Final)
Ulisses de James Joyce; trad. Haroldo de Campos.
o sol brilha para você ele me disse no dia em que estávamos
deitados entre os rododendros no cabo de Howth com seu terno
de tweed cinza e seu chapéu de palha no dia em que eu o levei a
se declarar sim primeiro eu lhe dei um pedacinho de doce de
amêndoa que tinha em minha boca e era ano bissexto como agora
sim há 16 anos meu Deus depois daquele longo beijo quase perdi
o fôlego sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim certo
somos flores todo o corpo da mulher sim foi a única coisa
verdadeira que ele me disse em sua vida e o sol está brilhando
para você hoje sim por isso ele me agradava vi que ele sabia ou
sentia o que era uma mulher e tive a certeza de que poderia
sempre fazer dele o que eu quisesse e dei-lhe todo prazer que
pude para levá-lo a me pedir o sim e eu não quis responder logo
só fiquei olhando para o mar e para o céu pensando em tantas
coisas que ele não sabia em Mulvey e no Sr. Stanhope e Hester e
papai e no velho capitão Groves e nos marinheiros que brincavam
de boca-de-forno de cabra-cega de mão-na-mula como eles
diziam no molhe e a sentinela defronte à casa do governador com
a coisa em redor de seu capacete branco pobre diabo meio assado
e as moças espanholas rindo com seus xales e seus pentes
enormes e os pregões na manhã os gregos judeus árabes e não sei
que diabo de gente ainda de todos os cantos da Europa e na rua
Duke e o mercado de aves cheio de cacarejos em frente a casa de
Lalaby Sharon e os pobres burricos tropicando meio adormecidos
e os vagabundos encapotados dormindo na sombra das escadas e
as enormes rodas dos carros de boi e o velho castelo velho de
milênios sim e aqueles belos mouros todos de branco e de
turbante como reis pedindo a você que se sente em suas
minúsculas barracas e Ronda janelas velhas de pousadas olhos
espiando por detrás de rótulas para que seu amante beije as grades
de ferro e as tabernas semicerradas à noite e as castanholas e a
noite que perdemos o barco em Algeciras o vigia rondando sereno
com sua lanterna e Oh aquela terrível torrente profundofluente Oh
e o mar carmim às vezes como fogo e os poentes gloriosos e as
figueiras nos jardins da Alameda sim todas as estranhas vielas e
casas rosa e azul e laranja e os rosais e os jasmins e os gerânios e
os cáctus e Gibraltar quando eu era jovem uma Flor da montanha
sim quando eu pus a rosa em meus cabelos como as moças
andaluzas ou de certo uma vermelha sim e como ele me beijou
sob o muro mourisco e eu pensei bem tanto faz ele como outro e
então convidei-o com os olhos a perguntar-me de novo sim ele
perguntou-me se eu queria sim dizer sim minha flor da montanha
e primeiro enlacei-o com meus braços sim e puxei-o para mim
para que pudesse sentir meus seios só perfume sim e seu coração
disparando como louco e sim eu disse sim eu quero Sim.