21
Juliette Benzoni Na Cama das Rainhas Os Amantes Tradução Nuno Daun e Lorena na cama das rainhas***.indd 5 13/Mai/2014 14:55

Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

Juliette Benzoni

Na Cama das RainhasOs Amantes

TraduçãoNuno Daun e Lorena

na cama das rainhas***.indd 5 13/Mai/2014 14:55

Page 2: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

Para Henri SpadePor intermédio de quem os sonhos se realizam…

Afectuosamente

na cama das rainhas***.indd 7 13/Mai/2014 14:55

Page 3: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

na cama das rainhas***.indd 8 13/Mai/2014 14:55

Page 4: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

í n d i c e

      

Eu encontrei o amor de uma rainhaE eu guardei ‑o… 11

 Messalina:

La dolce vita em Suburra… 15Isabel, rainha de Inglaterra:

Um curioso dossel… 27Margarida, Branca e Joana de Borgonha, rainhas de França:

A torre maldita das rainhas malditas… 37Isabel, rainha de Inglaterra:

Chamavam ‑lhe Loba… 51Isabel, rainha de França:

Sacos ao sabor da corrente… 61Margarida, rainha de Inglaterra:

A Margarida e a Rosa escarlate… 73Catarina, rainha de Inglaterra:

O dormitório das grandes… 85Margarida, rainha de Navarra:

À dúzia é mais barato… 97As mulheres de Pedro, o Grande:

Eudóxia, a filha do boiardo… 115Katinka, a criada do pastor de Riga… 127

Sofia Doroteia, rainha de Inglaterra:O último encontro de Koenigsmark… 133

Carolina Matilde, rainha da Dinamarca:Os encantos da medicina… 149

Maria Antonieta, rainha de França:«Tudo me leva a ti…»… 161

na cama das rainhas***.indd 9 13/Mai/2014 14:55

Page 5: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 10 ›

Josefina e o seu hussardo:O irresistível Hippolyte Charles… 183

Hortênsia, rainha da Holanda:O amante das rainhas: Charles de Flahaut… 193

Os cavaleiros de Paulina Borghèse,princesa de Guastalla… 207

Maria Luísa e o seu general zarolho:O conde de Neipperg… 219

na cama das rainhas***.indd 10 13/Mai/2014 14:55

Page 6: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 11 ›

Eu encontrei o amor de uma rainha E eu guardei ‑o…

Desde sempre e bem antes de Brassens, que não tinha nada de realista, que o amor de uma rainha faz sonhar os homens, como acontece com tudo o que é raro e precioso, mas sobretudo inacessível. Aparecendo apenas aos seus súbditos cheia de jóias e sumptuosamente vestida – o que convinha quando o físico não era grande coisa –, a rainha estava a meio caminho entre a divindade e a mulher.

Sob a auréola incomparável da cintilante coroa de ouro e pedrarias, a rainha parecia feita de uma outra essência à multidão que se amontoava logo atrás da dupla fila de guardas. Bela? Sem dúvida, porque até a mais feia entre as feias tinha um certo brilho. Aliás, criada a maior parte das vezes numa redoma, preparada desde cedo para o papel de ídolo vivo, isenta dos rudes trabalhos domésticos ou campestres aos quais estava sujeita a maioria das mulheres, a rainha possuía vantagens, nem que fosse apenas uma pele mais branca e fina, uma mão mais doce, um pé mais bem ‑feito, um colo mais bem explorado, tudo coisas que a pompa real exaltava.

O encanto permanece no nosso século xx. As multidões, de preferência republicanas, amontoam ‑se à passagem de Sua Majestade Isabel II, da rai‑nha Margarida da Dinamarca, de lady Windsor ‑Mountbatten ou de madame de Montpezat, ao mesmo tempo que os media exageram – uma soberana deve ser graciosa, por vezes encantadora, amável ou imponente quando atinge uma certa idade – ou abusam de adjectivos aduladores quando se trata de soberanas de grande beleza como a rainha da Suécia, a Shabanou Farah, Sirikit da Tailândia ou a ex ‑imperatriz Soraya. O seu brilho chega a eclipsar o das rainhas do cinema, coroadas pelas sunlights do nosso século.

na cama das rainhas***.indd 11 13/Mai/2014 14:55

Page 7: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 12 ›

E é o diadema que lhes concede essa supremacia, porque, à excepção, tal‑vez, de Jacqueline Kennedy, nenhuma mulher de chefe de Estado republi‑cano desencadeou jamais tamanho interesse.

Perante isto, podemos imaginar a curiosidade e a admiração dos nossos antepassados por essas mulheres colocadas em verdadeiros pedestais, úni‑cas a aparecer nas luzes da ribalta. Nunca nenhuma deixou os seus súb‑ditos indiferentes. Amadas, odiadas, invejadas ou choradas quando possuíam beleza ou encanto, situação típica das criaturas privilegiadas, desencadeavam paixões cujas ondas de choque ainda perturbam ou fazem sonhar os espí‑ritos do nosso tempo. Quantos apaixonados têm ainda hoje Maria Stuart, Maria Antonieta, Josefina de Beauharnais e, sobretudo, Isabel de Áustria, a famosa Sissi? Talvez porque a beleza de cada uma delas está associada a um destino trágico. Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis faz dis‑parar a imaginação.

Entre tantos homens cujos sentimentos diversos acompanhavam o caminho de uma rainha, um único era susceptível de escapar à sua magia: o marido, o seu semelhante, o seu igual, mas, com mais frequência, o seu senhor. Para este, que na noite de núpcias podia confrontar a sua realidade física com a de uma jovem desconhecida que a política acabava de lhe meter na cama, a rainha era uma criatura como as outras, muitas vezes pouco atraente segundo os seus critérios pessoais, mas a quem era preciso fazer filhos. De facto, o dever conjugal, no que tem de mais desagradável, foi inven‑tado pelos reis.

Para eles a escapatória estava ao alcance da mão: aventura discreta ou favorita declarada, só tinham o embaraço da escolha, já que o elemento femi‑nino, na corte ou no seio do povo, era sempre o mais numeroso. A mulher que se abandonava encontrava sempre, se não a satisfação física, pelo menos a fortuna e muitas vezes a honra, ao passo que, para o monarca, tais prazeres não tinham consequências. O homem não é naturalmente polígamo? Um rei, portanto, podia muito bem aviltar ‑se se a coisa lhe agradasse, fazendo apenas franzir alguns sobrolhos mais severos.

O mesmo não podia fazer a rainha, garante, símbolo e fonte da dinastia, alfa e ómega do reino. Quem se atrevesse, por amor ou ambição, a levan‑tar os olhos para ela ou, por quaisquer outras razões mais fortes, a tocar‑‑lhe, arriscava a vida e sabia que a antecâmara de uma alcova real podia

na cama das rainhas***.indd 12 13/Mai/2014 14:55

Page 8: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 13 ›

› na cama das ra inhas ‹

também ser a do cadafalso, já que a sua intervenção punha em jogo a pureza de uma linhagem, pelo menos durante a Idade Média, durante a qual qual‑quer atentado contra a honra conjugal de um rei era considerado crime de lesa ‑majestade. Por vezes o castigo atingia também, com a mesma cruel‑dade, a esposa adúltera.

No entanto, tais amores proibidos, reprovados pela lei, pela sociedade, pelas comadres e pelos intriguistas, desencadeiam a admiração, são emo‑cionantes e demasiado belos a despeito da moral burguesa, tornam ‑se len‑dários, recusam a razão, deixando na História um rasto tão quente que as suas cinzas ainda não arrefeceram, como os daquelas rainhas, por exem‑plo, para quem o amor era o que interessava apesar do amante, o amor ao sabor do capricho ou da sensualidade…

Os amores terríveis que acabavam no cadafalso, na tortura e no horror são, felizmente, apanágio de tempos longínquos, durante os quais o preço das coisas era um pouco mais elevado… mas havia também os desen‑freados, os engraçados, os por vezes comoventes amores militares das princesas imperiais…

Este livro, longe disso, não reúne todos os amores de todas as mulhe‑res coroadas. Houve outras rainhas, que não aquelas cujas histórias vamos seguir, que procuraram braços e corações mais ternos ou mais ardentes do que os dos legítimos maridos, mas decidi escolher os romances que me pareceram mais atraentes e mais diferentes na vasta história dos amo‑res reais.

E agora, antes de entreabrir a porta secreta por onde entrava o amante, antes de erguer mais uma vez os brocados dourados dos dosséis reais, quero levantar a dúvida que talvez tenha pairado sobre a minha primeira intru‑são nos baldaquinos coroados. «As mulheres, diz Balzac, encontram ‑se numa posição equívoca, como se estivessem numa encruzilhada que vai dar ao mesmo tempo ao respeito, à indiferença, ao espanto ou à paixão.» O escritor podia ter acrescentado à curiosidade. No entanto, na minha busca pelos amores reais não entra a curiosidade doentia ou a ambigui‑dade, apenas a paixão pela História que as fez brilhar para sofrer, por vezes, e uma certa ternura por certas mulheres cujos pés calçados de cetim pesa‑ram demasiado na terra onde regressaram e onde não passam de sombras ligeiras, porque foram mulheres, porque os seus corações batiam como os

na cama das rainhas***.indd 13 13/Mai/2014 14:55

Page 9: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 14 ›

nossos e porque nas subtilezas de uma outra dessas histórias qualquer con‑temporânea nossa pode encontrar o espelho em que elas se reconheciam…

E porque são uma legião as raparigas que, como eu, se olharam a um espe‑lho com uma velha cortina à guisa de manto da corte, um espanador a fazer de ceptro e na cabeça a coroa de cartão dourado do último dia de Reis…

na cama das rainhas***.indd 14 13/Mai/2014 14:55

Page 10: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 15 ›

MessalinaLa dolce vita em Suburra

 Numa noite de Verão do ano 43, os pretorianos de guarda às portas do Palatino vêem passar duas mulheres sem lhes prestar muita atenção. Trata ‑se, sem dúvida, de criadas que regressam a casa terminado o dia de trabalho, e, habituados a vê ‑las, os soldados limitam ‑se a lançar ‑lhes algu‑mas piadas grosseiras à guisa de cumprimento, após o que regressam às suas rondas contentes consigo próprios, nada preocupados por não terem recebido resposta.

Se lhes dissessem que aquelas mulheres modestamente vestidas não eram senão a toda ‑poderosa imperatriz Messalina, quarta mulher do imperador Cláudio, e a sua dama de companhia preferida, Mirtala, os guardas teriam ficado espantados e o seu estupor não teria limites se soubessem onde elas iam. A imperatriz em Suburra? Nenhum soldado, mesmo cheio de vinho, imaginaria tal coisa, apesar da pouca imaginação que aflige de um modo geral os militares…

No entanto, é para aquele bairro, o mais baixo e o mais duvidoso de Roma, que se dirigem as duas mulheres com uma pressa que o encanto do local não justifica…

Vizinho do Tibre e do porto, o bairro, que confina com a via Suburrana, é tão perigoso quanto malcheiroso por ser o local de eleição da ralé. A pode‑rosa confraria dos mendigos, os ladrões, as prostitutas, os assassinos, os gla‑diadores e os barqueiros sentem ‑se nele em casa, procuram nele o vinho e as raparigas, suas únicas distracções. As tabernas abundam e constituem outros tantos prostíbulos. Algumas também servem de quartel ‑general de bandos organizados que não parecem preocupar ‑se com uma vizinhança

na cama das rainhas***.indd 15 13/Mai/2014 14:55

Page 11: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 16 ›

que devia fazê ‑los pensar. De facto, é em Suburra que vivem os carrascos de Roma e não é raro ver chicotes ainda ensanguentados a secar em frente das suas portas.

Assim que entram em Suburra, as duas mulheres caem em cima do tumulto provocado por uma querela que anima a entrada de uma taberna: um brutamontes de rosto brilhante de suor – sem dúvida o patrão do esta‑belecimento – e uma rapariga de rosto pintado discutem com o ardor e a exuberância de injúrias habituais nas gentes da Península. Apesar dos gri‑tos, Messalina consegue deslindar a causa do litígio: a rapariga, pensionista da casa e indiferente aos clientes que a esperam, prepara ‑se para abando‑nar um patrão brutal pela simples razão de que conseguiu juntar o dinheiro necessário para comprar a sua liberdade, que pretende, doravante, adminis‑trar sozinha. O patrão, porém, não está de acordo e avisa a sua pensionista de que, se não termina a noite, vai ter de se haver com ele. De facto, a rapa‑riga, com cinco ou seis clientes à sua espera, é a mais desejável do prostí‑bulo, e, se não os satisfizer, eles deitam a casa abaixo.

A disputa podia degenerar em pancadaria, porque já se tinha chegado às ameaças, se Messalina não interviesse.

– Deixa ‑a ir! – disse ela ao homem. – Eu substituo ‑a, se quiseres!Imagine ‑se o soluço de horror de Mirtala perante semelhante proposta:

a imperatriz num bordel! Se a coisa se soubesse, Messalina teria alguns aborrecimentos, mas ela, Mirtala, testemunha inerte de um tal escândalo, desapareceria discretamente no estômago de um leão esfomeado…

Entretanto o taberneiro examina a pretendente.– Não te conheço! Quem és?– Chamam ‑me Lycisca e venho da Grécia…Satisfeito com o exame superficial, o homem conclui depressa o negó‑

cio e Messalina é convidada a entrar. Quanto a Mirtala, apresentada como irmã de Lycisca, é também convidada a entrar e é instalada a um canto da sala na companhia de uma taça de vinho ordinário, enquanto Messalina desaparece no interior de uma pequena cela fechada por uma cortina de tela grossa franjada, levantada uns momentos depois por um gladiador com o corpo cheio de cicatrizes…

Seguem ‑se outros no decurso de uma noite interminável para a dama de companhia e quando, por fim, ao raiar do dia, as duas mulheres retomam

na cama das rainhas***.indd 16 13/Mai/2014 14:55

Page 12: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 17 ›

› na cama das ra inhas ‹

o caminho do seu «domicílio», é Messalina, uma Messalina mais em forma do que nunca, que tem de amparar a sua companheira a caminho do Pala‑tino. Mirtala sente ‑se tão mal que a imperatriz, descontente, declara que na «próxima vez» irá sozinha… E quando a outra, assustada, pergunta quando será a tal próxima vez, Messalina limita ‑se a responder com desenvoltura que passou uma noite «espantosa», o que diz tudo: a jovem imperatriz faz tenção de recomeçar. No fundo, para quem conhece bem a jovem e bela mulher de dezoito primaveras a resposta não tem nada de espantoso: nin‑fomaníaca e perversa, Messalina está destinada a tornar ‑se o protótipo da mais insolente das debochadas.

Há três anos que Valéria Messalina é a mulher do mui nobre Cláudio, tio de Calígula, o imperador então reinante. O casamento é de conve‑niência. Cláudio, para além de um apetite prodigioso pelo amor, não tem nada que chame a atenção ou que seduza uma adolescente. Se bem que o seu rosto não seja repugnante, é disforme, coxo, gago, epiléptico e passa por ser idiota.

Ora, um ano após o casamento, Cláudio, contra a sua vontade, torna‑‑se imperador. Após o assassinato de Calígula pelos pretorianos, estes vão buscar Cláudio, escondido atrás de uma coluna, embrulham ‑no na sua pró‑pria toga e arrastam ‑no quase à força até ao trono na intenção evidente de conseguirem, assim, o poder.

Apanham uma desilusão. Cláudio é muito menos estúpido do que dá a entender e só se finge de idiota para preservar a vida, o que lhe permite ser o único sobrevivente de uma família sucessivamente dizimada desde os tempos de Augusto, seu avô, pela intensa actividade da sua avó Lívia e dos sucessores de Augusto, Tibério e Calígula. Escondido por debaixo da reputação de imbecilidade, Cláudio entrega ‑se aos estudos que tão caros lhe são, tornando ‑se assim um político fino e erudito, e teria dado um exce‑lente imperador se, perdidamente apaixonado, não se tivesse casado em quartas núpcias com a encantadora Messalina.

Os primeiros anos de casamento são felizes. Cláudio é infatigável na cama e Messalina tem prazer em partilhar o leito com o marido, talvez por curiosidade pela sua disformidade, mas depressa se cansa, e depois de dar à luz dois filhos, Britânico e Octávia, acha ‑se no direito de enfrentar a vida como muito bem entende, ou seja, de se oferecer a todos os homens

na cama das rainhas***.indd 17 13/Mai/2014 14:55

Page 13: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 18 ›

que lhe agradem, continuando, no entanto, a vigiar Cláudio e a alimentar uma paixão que lhe garante uma grande segurança.

Numerosos são os temerários que partilham, durante uma noite ou uma hora, o leito com a imperatriz. Digo temerários porque em breve se per‑cebe que a empresa tem os seus perigos. Como a discrição é, de facto, o garante da sua tranquilidade, Messalina, consciente de que só os mortos não falam, inicia o capítulo das mortes rápidas e misteriosas. Nunca em Roma se viram tantas indigestões mortais nem tantos passeios imprudentes nas margens do Tibre, quando se sabe que no rio os maremotos são raros. De vez em quando morre também alguém esfaqueado, mas não é segredo para ninguém que as ruas de Roma são mal frequentadas, sobretudo à noite.

As más ‑línguas também começam a desatar ‑se. Entre o pessoal mas‑culino do Palatino, os belos pretorianos bem musculados e os patrícios con‑sumíveis, começa a correr o boato de que Messalina é tão perigosa como uma serpente cascavel.

Os que pensam detectar nas verdes pupilas imperiais o menor lampejo de luxúria, fazem os possíveis por se esquivar: um não se sente bem, outro tem de ir a Campânia, onde a sua vivenda é ameaçada pelos gafanhotos, um outro ainda recebeu uma ordem do imperador, um quarto está de par‑tida para o campo, algures nas margens do Reno, e no Verão as epidemias de malária tomam proporções inesperadas. Só os homens de idade e as mulheres se arriscam a aproximar ‑se de Messalina.

Cansada de agitar um lenço que não chega a deixar cair, esta perde a maior parte da sua alegria de viver até ao dia em que, vendo Mirtala pegar ao ser‑viço com uma cara muito alegre, vem a saber que a jovem grega acaba de passar umas horas extraordinárias com um jovem barqueiro do Tibre, o que lhe abre novos horizontes e lhe dá a ideia de visitar a taberna de Suburra…

A imperatriz regressa várias vezes à alcova da cortina franjada, mas sem‑pre só; o local miserável onde encontra tantos homens diferentes funciona como uma verdadeira droga, e quando Cláudio sai de Roma à cabeça das suas legiões para ir conquistar a Inglaterra, a sua mulher sai todas as noi‑tes do palácio para se ir juntar, por debaixo de uma peruca loura, aos bar‑queiros, aos gladiadores e aos bandidos de Suburra. Aterrorizada, Mirtala pensa que a sua senhora enlouqueceu e faz sacrifícios a todos os deuses do Olimpo para que ninguém descubra o terrível segredo…

na cama das rainhas***.indd 18 13/Mai/2014 14:55

Page 14: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 19 ›

› na cama das ra inhas ‹

A jovem podia ter economizado um bom punhado de sestércios por‑que já há quem saiba, em Roma, onde Messalina passa as noites. Quem? Narciso, um homem extremamente perigoso porque é um dos dois favo‑ritos de Cláudio, sendo Polibo o outro.

Secretário do imperador, Narciso é um homem corrupto, mas muito inte‑ligente e, por vezes, um bom conselheiro, como no caso da obra arquitec‑tónica de Cláudio, por exemplo. Sabendo onde empregar o ouro, Narciso possui a sua própria polícia, sem dúvida a mais bem informada do império.

Ora, Narciso ouviu falar dos encantos e sobretudo do temperamento de uma tal Lycisca, uma cortesã recém ‑chegada a Suburra, e pensando que a mulher lhe pode ser útil, envia ‑lhe, disfarçado, um dos seus sectá‑rios. O homem fica aturdido porque a peruca loura não o enganou: Lycisca não é outra senão Messalina…

A notícia é terrível, mas preciosa. Para ter a certeza de que é o único depo‑sitário, Narciso não hesita em mandar matar o seu informador. De momento as suas relações com a imperatriz são excelentes e ele não deseja que mudem, mas caso Messalina deixe de se mostrar amigável… E o favorito do impera‑dor guarda a informação nos seus arquivos mais secretos. Aliás, de repente Lycisca deixa de aparecer com frequência na taberna da via Suburra porque o cônsul Caius Silius acaba de chegar da Germânia, chamado por Cláudio.

Caius Silius foi o único homem que Messalina amou. A jovem ainda não tinha catorze anos quando o viu pela primeira vez em casa dos pais, Bar‑batus Messala e Domitia Leída, mas apaixonou ‑se loucamente e só pen‑sava em entregar ‑se ‑lhe. O belo Caius não foi, decerto, o seu iniciador, mas ter ‑lhe ‑á revelado que, quando o coração e os sentidos estão de acordo, o amor é a coisa mais divina do mundo.

O cônsul, a bem do império, teve de ir para a Germânia e apesar das cartas de Messalina a pedir ‑lhe que regresse, abstém ‑se: só recebe ordens do imperador. E é o que Cláudio faz, manipulado pela mulher.

Caius Silius não regressa só porque se casou e diz ‑se que Junie, a sua mulher, é muito bela… Porém, assim que chega, o cônsul é convocado a título oficial por Cláudio e a título oficioso por Messalina, que o recebe em privado e no seu leito, onde ele se vê sem ter tempo, sequer, de perce‑ber o que lhe está a acontecer. Porém, o homem não se queixa porque é com o maior dos prazeres que renova os laços de outros tempos com uma

na cama das rainhas***.indd 19 13/Mai/2014 14:55

Page 15: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 20 ›

jovem que se revela uma amante deslumbrante, cuja paixão inesperada, mas visível, começa a acordar nele uma ambição singular. Que se pode espe‑rar de um homem que é amante da imperatriz? No fim de contas Cláudio não é novo, e caso venha a desaparecer…

Entretanto, para receber Messalina ao abrigo de olhares indiscretos, Silius começa por comprar uma casa encantadora, a dos cavaleiros Petra, dois irmãos que acabam de ser executados: umas poucas de divisões numa con‑fusão de plantas e flores, discretas, bem escondidas. Lá, Messalina e Silius vão amar ‑se todos os dias com paixão.

Porém, Messalina começa a detestar a discrição que a situação lhe impõe. O germe da loucura que lhe vive no sangue leva ‑a a cometer excessos. A jovem quer mostrar os seus amores a toda a gente. Roma tem de saber que ela ama Caius Silius…

E a imperatriz começa por encher o amante de presentes faustosos, não hesitando em esvaziar mais ou menos o Palatino para lhe dar os objectos e os móveis mais preciosos. A casa do cônsul, no Quirinal, torna ‑se um ver‑dadeiro museu.

Museu que tem uma guardiã: Junie, a mulher legítima de Silius. E quando evoca a silhueta esbelta e graciosa da jovem, a imperatriz sente crescer as garras porque só tem direito, ela, a algumas horas do dia com o amante, ao passo que Junie tem as noites todas com o marido, coisa que uma Messalina não tolera. Felizmente todos os problemas têm solução.

E a solução chama ‑se Locuste, uma mulher de grande saber mas com poucos escrúpulos, versada numa farmacopeia que mais tarde viria a fazer a fortuna dos Bórgia. A amável criatura mora num isolamento soberbo, nas margens de um pântano à saída da porta de Capena. Na melhor tradi‑ção do boulevard du Crime, a mulher vive com um escravo negro que, para além de assustador, é surdo ‑mudo. A encantadora família possui também um ninho de serpentes, fornecedoras privilegiadas de uma matéria ‑prima insubstituível.

Os venenos confeccionados por Locuste podem matar de maneira terrível ou com uma doçura tão grande que a morte parece natural. E é assim que num dia em que Silius parte para Óstia na companhia de Cláudio – o impe‑rador deseja construir um farol naquela cidade – a sua mulher recebe em casa uma bela cesta de fruta proveniente do Palatino.

na cama das rainhas***.indd 20 13/Mai/2014 14:55

Page 16: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 21 ›

› na cama das ra inhas ‹

Os presentes imperiais são quotidianos e Junie, habituada, não vê qual‑quer inconveniente em saborear algumas peças, tanto mais que o seu marido, ausente, se arrisca a encontrá ‑las demasiado maduras, senão mesmo podres. A jovem regala ‑se… Resultado: quinze dias mais tarde Caius Silius, ves‑tido com uma toga negra que lhe cai bem, acende no jardim da sua casa a pira fúnebre da sua mulher.

Fá ‑lo ele com a alma serena, isenta de qualquer suspeita? Certamente que não. Até à chegada da maldita cesta, Junie gozava de boa saúde. Aliás, a jovem não é a primeira a ir desta para melhor, in casa Siliana, graças à famosa cesta. Caius conhece Messalina e sabe que ela é capaz de tudo para viver com ele. Porém, o viúvo consola ‑se depressa, já que se tratava de um obstáculo a menos no caminho do trono, sendo o principal o ocupante do dito, o próprio Cláudio…

À primeira vista o problema parece simples: um bom prato de cogume‑los parecidos com os que Lívia deu ao seu marido Augusto ou uma boa tisana com a assinatura de Locuste e Cláudio parte, feito em fumo, para o Olimpo, onde o seu lugar de ex ‑deus mortal já está reservado. Só que Messalina não está certa de lhe sobreviver durante muito tempo e muito menos de cingir a coroa porque tem demasiados inimigos!…

Primeiro que tudo as mulheres, todas elas, à excepção de Mirtala e de Locusta, e uma boa parte dos homens, os que não tiveram as suas carícias, os que conheceram Lycisca e os que a condenam por chafurdar na luxúria. E por fim o povo, que a acusa de mandar assassinar os amantes. No fundo, é muita gente.

Mas Messalina, que não é mulher que se deixe desencorajar por tais ninharias, encontra um meio genial que não lhe parece perigoso: envene‑nar Cláudio e casar com o amante. Como seu marido, Caius só teria de subir os degraus do trono.

A primeira reacção deste é das mais saudáveis. Messalina enlouqueceu por completo! Porém, depois de reflectir e em virtude do adágio que diz que os deuses tornam cegos e surdos aqueles que querem ver mortos, Caius Silius diz: «No fim de contas, por que não?…» A ideia de Messalina, que depende toda ela de um único detalhe, pode resultar se bem encenada.

Cláudio tem o hábito de passear todas as noites nos jardins do Pala‑tino, jardins bem guardados de mais para que um assassino ouse arriscar ‑se.

na cama das rainhas***.indd 21 13/Mai/2014 14:55

Page 17: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 22 ›

E é assim que numa noite de bruma, quando se aproxima de um pequeno templo de Apolo quase todo rodeado por um pequeno bosque de teixos, o imperador avista um ancião pálido e esfarrapado a abrir um buraco. Espantado por ver um jardineiro tão mal vestido a trabalhar àquela hora – em geral os seus escravos andam mais bem vestidos –, Cláudio aproxima‑‑se e pergunta ao homem o que faz ali. O ancião parece tão velho, tão frá‑gil e tão pálido, para além de estar numa idade em que o nevoeiro não lhe deve fazer bem nenhum ao reumatismo!… O velho responde ‑lhe com voz cavernosa: está a cavar uma sepultura, a sepultura do marido de Messalina, que deve morrer dentro de três vezes três dias…

Pode ser ‑se um espírito esclarecido, um homem de ciência, e não gos‑tar muito de tal género de profecia. Reencontrando uma gaguez que consegue controlar nas grandes ocasiões, Cláudio diz ao velho que o marido de Messalina é o imperador, mas o outro não desiste: seja quem for, o que lhe importa é que tem ordens para abrir a sepultura do marido da imperatriz…

O pobre Cláudio teria fugido a sete pés se não fosse coxo e não estivesse paralisado de medo, mas mesmo assim arranja coragem para pedir ao velho que lhe diga o nome e este concede ‑lhe o desejo: o seu nome é Alecton… E ali mesmo, achando, sem dúvida, que a conversa se arrisca a eternizar‑‑se, o ancião dissipa ‑se no nevoeiro e no bosque de teixos, deixando que Cláudio fuja, enfim, tão depressa quanto lhe permitem as pernas desiguais…

Já em casa e ainda ofegante, o imperador manda chamar Narciso e pede‑‑lhe que se informe se existe no pessoal do palácio um jardineiro chamado Alecton e, em caso afirmativo, que o mande desta para melhor! O que não será difícil, já que o homenzinho só por milagre se tem de pé.

Ora, quando regressa, Narciso diz coisas desagradáveis: o jardineiro cha‑mado Alecton morreu há dois meses!…

Após uma noite passada com a almofada sobre a cabeça a contar quan‑tas horas são três vezes três dias, Cláudio resolve descarregar a sua angús‑tia no seio generoso da sua querida Messalina, que o aconselha com toda a hipocrisia a pedir conselho ao supremo pontífice de Roma. A coisa é demasiado grave!…

Assim que o alto personagem chega, submetem ‑lhe o problema: é pre‑ciso que ele resolva qualquer coisa porque o imperador estima que ainda

na cama das rainhas***.indd 22 13/Mai/2014 14:55

Page 18: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 23 ›

› na cama das ra inhas ‹

há muito a fazer neste mundo, mesmo que nem toda a gente seja da mesma opinião. Ora, o pontífice não resolve nada, claro! As manifestações do Além são coisas demasiado respeitáveis para que um humano, mesmo Pontifex Maximus, ouse envolver ‑se nelas.

Messalina, que vê com satisfação o marido a murchar a olhos vistos, avança com timidez, com as hesitações de quem cogita lentamente, uma ideia extravagante: para que possa escapar à profecia, Cláudio tem de deixar de ser seu marido, pelo menos até à data fixada… E a imperatriz explica o seu plano: Cláudio sai de Roma durante alguns dias, até passar o período fatídico… Entretanto Messalina, com uma rara devoção, permanecerá no seu posto e fará face à adversidade contratando um falso matrimónio com um velho amigo… Caius Silius, por exemplo, corajoso o suficiente e dedi‑cado para aceitar esse perigoso papel de marido de Messalina no dia fatal… Dessa maneira será ele, um homem de bem, o sacrificado…

O pontífice fica surpreendido e prepara ‑se para protestar, mas Cláudio, esse, ressuscita. A ideia de encontrar um substituto momentâneo não lhe parece má de todo, para além de que não lhe passa pela cabeça que a sua querida Messalina possa não ser a esposa terna e carinhosa que sempre pretendeu ser. O imperador afasta ‑se batendo palmas, deixando que a sua mulher explique tudo ao pontífice.

Este, claro, agita um argumento maciço: Messalina pensa que os deuses são estúpidos? Messalina vai cometer um sacrilégio que não salvará o impe‑rador. A espertalhona, porém, tem a resposta na ponta da língua: o sacri‑légio aconteceu, isso sim, no dia do seu casamento com Cláudio porque enquanto dava a mão ao futuro imperador, era em Caius Silius que pen‑sava, e foi com a sua imagem diante dos olhos que pronunciou a famosa fórmula: Ubi tu Gaius, ego Gaïa…

O pontífice não fica convencido, claro, mas depressa percebe que se se atreve a opor ‑se ao projecto, arrisca ‑se a não beneficiar muito mais tempo das alegrias da vida de Roma…

Transposto o obstáculo, Cláudio anuncia a sua partida para Óstia, onde tenciona vigiar a construção do seu farol. Mal o imperador parte, Messa‑lina prepara de imediato a soberba festa que vai ser o seu casamento com Caius Silius, sem imaginar por um só instante que uma certa pessoa acha tudo muito bizarro…

na cama das rainhas***.indd 23 13/Mai/2014 14:55

Page 19: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

› jul iette benzoni ‹

‹ 24 ›

A imperatriz não contou com Narciso, que pensa ser ‑lhe fiel. Há muito tempo que este, informado pela sua soberana, se interessa por outra mulher ainda mais bela, Agripina, a Nova sobrinha de Cláudio, mãe de um miúdo impossível chamado Nero e que não veria nenhum inconveniente em tornar‑‑se tia de si própria ao casar ‑se com o próprio tio. E Narciso começa a acariciar a ideia de uma imperatriz a dever ‑lhe tudo quando, de repente, vê desenrolar ‑se diante dos seus olhos uma cerimónia aberrante: Messa‑lina, na ausência de Cláudio, vai casar ‑se com outro homem, um homem que toda a Roma sabe ser seu amante. Mais grave ainda, Caius Silius está em vias de conseguir um punhado de partidários destinados a instalá ‑lo no trono assim que Cláudio desaparecer…

Sem hesitar, Narciso vasculha os arquivos à procura dos relatórios rela‑cionados com as actividades de Lycisca, monta a cavalo e parte a toda a brida para Óstia, onde chega poucas horas depois, esbaforido.

A princípio o imperador não o entende, mas depois sorri perante os medos do seu favorito; é claro que está ao corrente, o casamento não passa de uma comédia destinada a preservar ‑lhe a própria vida… Como? A sua vida está por um fio se não regressar de imediato a Roma; se esperar nem que seja umas horas, ver ‑se ‑á destituído e o seu imperador será o bom Caius Silius, tão dedicado. Para dar mais crédito às suas declarações, Nar‑ciso, agitando as provas que tem nas mãos, recita em voz alta ao seu senhor a vida secreta da sua mulher.

Cláudio, fulo de medo e de cólera, ordena a partida para Roma, juntando no caminho todas as tropas que encontra. Narciso, porém, parte antes dele para anunciar o regresso do seu senhor, já que um cavalo é mais rápido do que um exército a pé.

A notícia de tal regresso atinge Roma no momento em que Cláudio só está a meio caminho, mas cai sobre o Palatino no meio da festa nupcial, no momento em que, no mesmo leito, Messalina e Caius começam a dar provas do seu grande amor. A entrada em cena de Narciso tem o efeito de uma bomba e enquanto os pratos arrefecem, é o salve ‑se quem puder comandado por Caius Silius, que tenta salvar o que ainda pode ser salvo: a sua própria cabeça.

Mas não conseguirá. Narciso tem pressa. Quando Silius chega a sua casa, os pretorianos estão nos seus calcanhares, mortos por pilharem a mais bela casa de Roma. Um bom golpe de gládio e está tudo acabado.

na cama das rainhas***.indd 24 13/Mai/2014 14:55

Page 20: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

‹ 25 ›

› na cama das ra inhas ‹

Quanto a Messalina, foge, também ela, mas não para morrer com o seu amado, antes para casa da sua mãe, com quem está de candeias às avessas há muito tempo, onde procura refúgio enquanto espera pela chegada de Cláudio, decidida a reconquistá ‑lo…

Narciso sabe que o imperador não resistirá às lágrimas da sua jovem mulher e envia soldados para casa de Domitia. Esta tenta convencer a filha, diz ‑lhe que está perdida, que só lhe resta a hipótese de morrer como uma romana, pelas suas próprias mãos, mas perde o seu tempo. Messalina agarra‑‑se à vida que tanto ama com unhas e dentes… E é nos braços da sua mãe que o gládio de um centurião a golpeia…

Cláudio não ordenara a sua morte e começa por chorá ‑la com toda a sin‑ceridade. Então Narciso envia ‑lhe Agripina, que saberá enxugar as lágri‑mas do velho apaixonado, enquanto espera pela oportunidade de acordar nele instintos menos nobres, mas também naturais.

E Agripina sucede a Messalina, mas não para bem do pobre Cláudio. Locuste encontrará nela a sua melhor e mais generosa cliente…

na cama das rainhas***.indd 25 13/Mai/2014 14:55

Page 21: Juliette Benzoni - planeta.pt · A Margarida e a Rosa escarlate… 73 Catarina, rainha de Inglaterra: O dormitório das grandes… 85 ... Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis

na cama das rainhas***.indd 26 13/Mai/2014 14:55