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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO NULIDADE E ANULABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO JULYO CEZAR CONTE ITAJAÍ(SC), NOVEMBRO de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

NULIDADE E ANULABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO

JULYO CEZAR CONTE

ITAJAÍ(SC), NOVEMBRO de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

NULIDADE E ANULABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO

JULYO CEZAR CONTE

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Natan Bem-Hur Braga

ITAJAÍ(SC), NOVEMBRO de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente agradeço a Deus pela Vida que me foi concedida.

Agradeço aos meus pais Alceu e Alice e a minha irmã Aracely pelo amor, apoio, carinho,

compreensão que me deram nestes 5 anos de graduação, sem os quais nunca teria chegado ao

fim desta jornada.

Agradeço aos meus familiares pela força que me deram e sempre se fizeram presentes quando

precisei.

Agradeço ao meu amigo e mestre, professor Natan pelo apoio no desenvolvimento desta

empreitada.

Agradeço em especial à minha namorada Mell, pela compreensão diante das horas de ausência,

pelo carinho com que sempre me tratou e pelo zelo e ajuda para elaboração deste trabalho

acadêmico.

A todos vocês meu Muito Obrigado!

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho aos grandes mestres da minha vida, Meu Pai e Minha Mãe, pessoas

maravilhosos que sempre me passaram valores ilibados e demonstraram uma conduta admirável. Por vocês, nutro meus mais sinceros sentimentos de admiração e tenho muito orgulho de dizer que

sou seu filho!

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

ITAJAÍ(SC), NOVEMBRO de 2009.

Julyo Cezar Conte Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Julyo Cezar Conte, sob o título

Nulidade e Anulabilidade do Ato Administrativo, foi submetida em 18 de novembro

de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

ITAJAÍ(SC), 18 de novembro de 2009.

Dr. Natan Bem -Hur Braga Orientador e Presidente da Banca

Dr. Diego Richard Ronconi Examinador

Msc. Antônio Augusto Lapa Coorde nação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo. CF Constituição da República Federativa do Brasil. Código Civil Código Civil de 2002. Ato Ato Administrativo.

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Atos nulos

“São os que violam as regras fundamentais atinente à manifestação da vontade,

ao motivo, à finalidade ou à forma, havidas como de obediência indispensável

pela sua natureza, pelo interesse público que as inspira ou por menção expressa

da lei.” 1

Atos anuláveis

“A anulabilidade é a invalidade menos grave; é o nulo eventual, em vez de nulo.

Anulabilidade é inidoneidade do ato para produzir efeitos jurídicos insuprimíveis.

Verifica-se a anulabilidade, quando o ato tem todos os elementos essenciais para

a existência; mas estes, todos ou parte, são viciados.”2

Estado

“Estado é a organização político jurídica de uma sociedade para realizar o bem

comum, com governo próprio e território determinado.”3

Interesse público

“Este princípio, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente

tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em

concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a

autoridade administrativa em toda a sua atuação. [...] serve de fundamento para

todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões:

os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais.”4

1 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. 5.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 2 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 322 3 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. 2. ed. ver. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 6. 4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 82-

83.

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Serviços Públicos

“Serviço público é toda atividade que as pessoas jurídicas públicas exercem,

direta ou indiretamente, para a satisfação do interesse público, mediante

procedimentos peculiares ao direito público.Ato administrativo.”5

5 CRETELLA JÚNIOR. José. Direito Administrativo Brasileiro . 2. ed. Forense. 2002. Rio de

Janeiro: p. 464.

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SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ................................................................................. 12

CAPÍTULO 1

DA SOCIEDADE CIVIL, POLÍTICA E DO ESTADO

1.1 DA SOCIEDADE CIVIL............................. ...................................................... 15 1.1.1 DO ADVENTO DA SOCIEDADE CIVIL ........................................................ 15 1.1.1.1 Do Estado de Natureza ..................... ................................................................. 16 1.1.1.2 Do Estado de guerra ....................... .................................................................. 17 1.1.1.3 Da propriedade ............................ ...................................................................... 19 1.1.1.4 Do advento da Moeda........................ ................................................................ 23 1.1.1.5 Do poder paterno .......................... ..................................................................... 25 1.2 DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL................. ......................................... 27 1.2.1 DO INÍCIO DA SOCIEDADE POLÍTICA .......................................... ............. 30 1.3 DO ESTADO ................................................................................................... 33 1.3.1 ORIGEM E FORMAÇÃO .......................................... .................................... 33 1.3.2 DAS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS ...................................... ....... 36 1.3.2.1 Soberania ................................. .......................................................................... 36 1.3.2.2 Território ................................ ............................................................................ 39 1.3.2.3 Povo ...................................... ............................................................................. 40 1.3.2.4 Finalidades e funções do Estado ........... .......................................................... 41 1.3.3 DO PODER DO ESTADO ............................................................................ 42 1.3.4 DO CONCEITO DE ESTADO ...................................................................... 44

CAPÍTULO 2

SERVIÇOS PÚBLICOS

2.1 CONCEITO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ................. ....................................... 47 2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO ............ ........................... 50 2.2.1 DA CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÀO ................................... 52 2.2.1.1 Concessão ................................. ........................................................................ 52 2.2.1.2 Permissão ................................. ......................................................................... 57 2.2.1.3 Autorização ............................... ......................................................................... 60

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2.3 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO ................... ........................................... 62 2.3.1 LEGALIDADE ........................................ ..................................................... 63 2.3.2 MORALIDADE ........................................ .................................................... 64 2.3.3 IMPESSOALIDADE OU FINALIDADE ........................................ ................ 65 2.3.4 RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE ................................. .......... 66 2.3.5 PUBLICIDADE ....................................... ..................................................... 67 2.3.6 EFICIÊNCIA ................................................................................................ 68 2.3.7 SEGURANÇA JURÍDICA .......................................... .................................. 69 2.3.8 MOTIVAÇÃO ......................................... ...................................................... 69 2.3.9 SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO ........................................... ..... 70

CAPÍTULO 3

NULIDADE E ANULABILIDADE DO ATO ADMINSITRATIVO

3.1 CONCEITO, REQUISITOS E ATRIBUTOS DO ATO ADMINSI TRATIVO ..... 73 3.1.1 CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO .................................... ................. 73 3.1.2 REQUISITOS DO ATO ADMINSITRATIVO .................................... ............. 75 3.1.2.1 COMPETÊNCIA .................................................................................................. 75 3.1.2.2 FINALIDADE ................................ ....................................................................... 76 3.1.2.3 FORMA ............................................................................................................... 77 3.1.2.4 MOTIVO .............................................................................................................. 79 3.1.2.3 OBJETO .................................... ......................................................................... 81 3.1.3 ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO .................................... ............. 82 3.1.3.1 PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE ................. .................................................... 82 3.1.3.2 TIPICIDADE ........................................................................................................ 83 3.1.3.3 IMPERATIVIDADE ............................ .................................................................. 84 3.1.2.4 AUTO-EXECUTORIEDADE ....................... ......................................................... 85 3.2 NULIDADES DO ATO ADMINSITRATIVO ............... ...................................... 87 3.2.1 DA PERFEIÇÃO E DA VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO ................ 87 3.2.2 ATO IRREGULAR, ATO INEXISTENTE, ATO NULO E ATO ANLÁVEL ..... 89 3.2.2.1 ATO IRREGULAR ............................. .................................................................. 89 3.2.2.2 ATO INEXISTENTE ............................................................................................ 90 3.2.2.2 ATO NULO................................... ....................................................................... 91 3.2.2.4 ATO ANULÁVEL .............................. .................................................................. 92 3.2.3 CONVALESCIMENTO DO ATO ADMININSTRATIVO ................................ 95 3.2.3.1 CONFIRMAÇÃO ............................... .................................................................. 97 3.2.3.2 RATIFICAÇÃO ............................... ..................................................................... 98 3.2.3.3 REFORMA .......................................................................................................... 99 3.2.3.4 CONVERSÃO ................................................................................................... 100 3.2.3.5 PRESCRIÇÃO .................................................................................................. 101 3.3 DA INAPLICABILIDADE DO SISTEMA DE NULIDADES DO CÓDIGO CIVIL AOS ATOS ADMININSTRATIVOS VICIOSOS ................ .................................. 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. .............................. 104

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ................... 106

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RESUMO

A presente monografia tem como objeto de estudo a teoria das nulidades no

âmbito do direito administrativo, com ênfase, na sua aplicabilidade voltada ao

interesse público de forma diversa de quando voltada ao interesse particular. O

trabalho científico é composto por três capítulos, sendo abordado no primeiro,

como embasamento para a realização do presente trabalho, a origem da

Sociedade Civil, Política e do Estado, descrevendo sua formação e seus

objetivos. No segundo capítulo é apresentado o conceito de Serviços Públicos

pelos quais o Estado presta serviços ao administrado e a possibilidade de a

execução do serviço ser transferida a terceiros. Após os alicerces apresentados

no primeiro e segundo capítulo, apresenta-se o terceiro com os conceitos de Ato

Administrativo, seus requisitos, atributos e os defeitos que ocorrem, de forma é

apresentada uma exposição das principais diferenças da teoria das nulidades

neste ramo do direito que objetiva o bem da sociedade. O tema é relevante

porquanto amplia a área do conhecimento sobre a possibilidade de um ato

administrativo ser considerado nulo ou anulável, fato o qual gera efeitos de

grande monta.

Palavras-chave: Nulidade. Anulabilidade. Ato Administrativo.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a aplicação

conceitos de nulidade e anulabilidade no Ato Administrativo.

O tema é relevante em razão de ampliar o conhecimento em

relação a aplicabilidade da teoria das nulidades no âmbito administrativo, pois a

doutrina manifesta-se de forma leviana sobre um assunto de grande repercussão.

O objetivo institucional é o de produzir a presente

Monografia para obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí.

O objetivo geral é pesquisar sobre o início da Sociedade e

Estado de forma a verificar seus objetivos e delimitar as formas utilizadas para

lhes atender. Demonstrando a incidência de um interesse superior ao do

particular, de modo a ser observado o bem comum da sociedade.

O objetivo específico é reconhecer as divergências aplicadas

aos institutos em espécie e suas peculiaridades, em razão de se tratar de

interesse público que afeta de forma diversa os atos praticados.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratar-se da

historicidade da Sociedade Civil, da Sociedade Política e do Estado, verificando-

se os nortes que regem o advento destas.

No Capítulo 2, tratar-se-á sobre as formas de funcionamento

do Estado para prestar os serviços públicos à sociedade, sobre os serviços

concedidos,permitidos e autorizados e sobre os princípios que regem à

Administração.

No Capítulo 3, abordar-se-á o conceito de Ato

Administrativo, seus requisitos, atributos, defeitos, convalidação e inaplicabilidade

dos conceitos da teoria clássica das nulidades ao direito administrativo.

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O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a nulidade e anulabilidade do ato administrativo.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Primeiro problema: Os conceitos de Nulidade de

Anulabilidade se aplicam aos atos administrativos?

Hipótese: Os conceitos consagrados pela teoria das

nulidades se aplicam, em parte, ao direito administrativo, pois diversamente do

Direito Cível, sua aplicabilidade é restrita em razão da incidência da supremacia

do interesse público.

Segundo problema: Como se aplica a Nulidade e

Anulabilidade em consonância com o princípio da supremacia do interesse

público?

Hipótese: Os conceitos de Nulidade e Anulabilidade são

aplicados de forma restrita quando se trata de Ato Administrativo, pois, o ato que

é considerado nulo pode ser mantido pela Administração, tendo em vista o

interesse do bem comum.

Terceiro problema: A incidência do princípio da supremacia

do interesse público está de acordo com o objetivo da Sociedade e do Estado?

Hipótese: A supremacia do interesse público, como princípio

aplicável ao problema em espécie, está em perfeita consonância com os objetivos

da Sociedade e do Estado, pois estes têm por objeto o bem comum, que é nada

mais que a própria incidência do princípio.

A área de concentração restringe-se ao “Direito Público”. A

linha de pesquisa é “Direito Administrativo”.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação6 foi utilizado o Método Indutivo7, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano8, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente9, da Categoria10, do Conceito Operacional11 e da Pesquisa

Bibliográfica12.

6 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

7 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104.

8 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

9 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62.

10 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31.

11 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45.

12 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 239.

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CAPÍTULO 1

DA SOCIEDADE CIVIL, POLÍTICA E DO ESTADO

1.1. DA SOCIEDADE CIVIL

1.1.1 Do advento da Sociedade Civil

Hodiernamente existem várias teorias que tentam explicar o

surgimento da Sociedade Civil, as quais se resumem em duas principais

correntes.

A primeira corrente, menos adotada, diz que a Sociedade

Civil é fruto somente da natureza humana. Esta corrente foi preconizada por

Aristóteles, em sua obra A Política, e posteriormente foi seguida por diversos

autores, como Cícero, São Thomas de Aquino, e, hodiernamente, pelo autor

italiano Oreste Ranelletti.

Segundo DALLARI13, para os citados autores a sociedade é

um fato natural, determinado pela necessidade que o homem tem da cooperação

de seus semelhantes para a consecução dos fins de sua existência.

A segunda corrente, mais utilizada, assevera que a

sociedade é fruto da escolha humana. Seu preconizador foi HOBBES14, na Obra

“Leviatã”. Segundo o autor, o homem vivia em um permanente estado de guerra

contra todos, o que levou a elaboração do contrato social.

Na referente obra, o autor afirma que em razão do contrato

social celebrado entre os homens se estabeleceu a vida em sociedade, tendo sua

continuidade sido condicionada inexoravelmente a existência de um poder

13 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 11. 14 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado ecle siástico e civil.

Tradução: Rosina D´Angina. São Paulo: Nova Cultural, 2000. parte I, Cap. XVIII.

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coercitivo, o qual foi chamado de Estado. A figura do Estado preconizada por

Hobbes, portanto, deveria ter poder ilimitado para atingir os objetivos do pacto

social.

Em reação a idéia absolutista de Estado elaborada por

Thomas Hobbes, Jhon Lock, na obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil,

quebrou a concepção de que os homens se agrupariam apenas em razão do

constante estado de guerra. Apesar de Locke não ser um contratualista puro em

decorrência de sua formação religiosa15, para ele os homens se reuniram por

impulsos naturais, pela possibilidade de existência do estado de guerra e também

para defesa da propriedade, sendo o autor adotado neste trabalho para a

descrição do surgimento da Sociedade Civil.

1.1.1.1 Do estado de natureza

A Sociedade Civil, para Jhon Lock, teve seu início com o

chamado estado de natureza. Neste estado todos os homens eram iguais e

absolutamente livres para decidirem suas ações como melhor aprouvesse, sem

necessidade de obedecer a quaisquer regras ou, ainda, solicitar autorização para

a prática de atos.

LOCK16 assim retratara o estado de natureza:

Para compreender corretamente o poder político e traçar o curso de sua primeira instituição, é preciso que examinemos a condição natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir a autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade.

O estado de natureza é regido pela chamada lei de

natureza, segundo a qual todos os homens são livres e iguais e devem viver

segundo a razão. Trata-se de uma lei inerente ao ser humano que obriga os

15 Na sua obra Segundo tratado sobre o governo civil o autor afirma que a origem seria em razão

de Deus ter feito o homem um ser social. 16 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. 4. ed. Petrópolis: Universitária São Francisco, 2006. p. 83

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homens de maneira absoluta. É um direito natural e comum a todos, motivo pelo

qual, por si só, não pode ser exercido plenamente.

O exercício da Lei Natural é limitado pela sua própria

essência, pois como se trata de direito comum, o gozo de uma faculdade pode

cercear a de outro homem, conforme retratado por LOCK17 na citada obra:

O “estado de Natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens, todos os homens são obra de um único Criador todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e ao seu serviço.

Quando excedidos os limites que regem a lei da natureza, o

transgressor legitima uma resposta equivalente, pois renuncia à razão e deixa de

seguir a lei da natureza, declarando que vive numa lei diversa.

1.1.1.2 Do estado de guerra

A situação em que o indivíduo deixa de obedecer as leis de

natureza é chamada de estado de guerra. Neste estado, o ofendido tem o direito

de se defender, por conta própria, na medida do agravo.

Sobre o estado de guerra, LOCK18 disserta:

O estado de guerra é um estado de inimizade e de destruição; por isso, se alguém, explicitamente ou por seu modo de agir, declara fomentar contra a vida de outro homem projetos, não apaixonados e prematuros, mas calmos e firmes, isto o coloca em um estado de guerra diante daquele a quem ele declarou tal intenção, e assim expõe sua vida ao poder do outro, que pode ele mesmo retira-la.

17 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 84. 18 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 91.

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A defesa por conta própria do estado de guerra, entretanto,

é temerária, pois a auto-estima de cada homem implica em parcialidade, caso o

transgressor ou a vítima lhe sejam íntimos, ou inimigos capitais.

Desta forma, LOCK19 leciona que existe uma forma de

conter a parcialidade dos homens, que é o governo:

A esta estranha doutrina, ou seja, que no estado de natureza cada um tem o poder executivo da lei da natureza, espero que seja objetado o fato de que não é razoável que os homens sejam juízes em causa própria, pois a auto-estima os tornará parciais em relação a si e a seus amigos; por outro lado, que a sua má natureza, a paixão, a vingança os levem longe demais ao punir os outros; e nesse caso só advirá a confusão e a desordem; e certamente foi por isso que Deus instituiu o governo para conter parcialidade e a violência dos homens.

Apesar de o ser humano, por impulsos naturais, ser levado à

busca da vida em sociedade, esta não consegue subsistir somente pela razão dos

homens, conforme retratado por LOCK20:

As “leis aqui mencionadas”, ou seja as leis da natureza, “obrigam os homens de maneira absoluta, porque eles são homens, ainda que na ausência de relações estabelecidas, ao acordo solene entre ele sobre o que farão ou não farão; mas como somos incapazes de por nós mesmo de buscar uma quantidade suficientes de objetos necessários ao gênero vida que nossa natureza deseja, uma vida à medida da dignidade do homem, e assim suprir os defeitos e as imperfeições que nos são inerentes quando vivemos sozinhos e solitários, somos naturalmente induzidos a buscar a comunhão com outros e sua companhia; esta foi a causa dos homens terem se unido em sociedades políticas

Como ressaltado, a transgressão da lei da natureza gera o

estado de guerra. Quando ocorre esta situação, na lei da natureza inexiste

autoridade superior para defender as liberdades e se deve fazer a justiça por si

próprio, sendo este um dos principais motivos, pelo qual os homens evoluíram do

estado de natureza para a Sociedade Civil.

19 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 88. 20 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 89-90.

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A sociedade gerada pelo pacto social foi a forma encontrada

de os homens garantirem suas liberdades fundamentais, obtendo garantias de

respeito aos direitos e até reparação por suas transgressões.

Sobre o Estado de Guerra, LOCK21 expõe:

Evitar o estado de guerra (que exclui todo apelo, exceto ao céu, e onde até a menor diferença corre o risco de chegar, por não haver autoridade para decidir entre os contendores) é uma das razões principais porque os homens abandonaram o estado de natureza e se reuniram em sociedade. Pois onde há uma autoridade, um poder sobre a terra, onde se pode obter reparação através de recurso, está excluída a continuidade do estado de guerra e a controvérsia é decidida por aquele poder.

Conforme destacado, o estado de natureza é o momento em

que a sociedade vive somente por sua razão. Ocorre sua existência é impossível

em razão dos defeitos inerentes ao próprio ser humano, o qual entra em estado

de guerra com outro quando invade as liberdades de outrem. Para coibir esta

invasão criou-se a Sociedade Civil, onde seus membros regiam sobre normas as

quais deveriam ser respeitadas.

1.1.1.3 Da propriedade

A condição igualitária de todos os homens em suas

liberdades no estado de natureza leva à conclusão que a terra, tudo que ela

contém e produz naturalmente, é propriedade comum de todos os homens.

Sobre o tema, HOBBES22 dá o seguinte posicionamento:

Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo.

Discorrendo sobre a questão, HOBBES23 reitera sua idéia de

propriedade coletiva onde inexiste poder coercitivo afirmando que onde não foi

21 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 93-94. 22 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado ecle siástico e civil. p.

47.

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estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade,

pois todos os homens têm direito a todas as coisas.

Desta feita, quando alguém coloca ou agrega seu trabalho

com algum fruto natural ou com a própria terra, pode-se dizer que adquire a

propriedade. Assim, a propriedade privada, é fruto do trabalho do homem.

LOCK24 em seus ensinamentos descreve a propriedade no

estado de natureza:

Deus deu o mundo aos homens em comum, deu-lhes também a razão, para que se servissem dele para o maior benefício de sua vida e de suas conveniências. A terra e tudo o que ela contém foi dada aos homens para o sustento e conforto de sua existência. Todas as frutas que ela naturalmente produz, assim como os animais selvagens que alimenta, pertencem à humanidade em comum pois são produção espontânea da natureza; e ninguém possui originalmente o domínio privado de uma parte qualquer, excluindo o resto da humanidade, quando estes bens se apresentam em seu estado natural.

Assim, o estado inicial de todas as coisas é a propriedade

coletiva, pois inexistia propriedade privada posto que esta é uma decorrência de

um conjunto de regras que a própria sociedade impôs.

Quando o homem retira um produto da natureza e coloca

seu trabalho nele, o objeto deixa seu estado comum inicial e passa a ser

propriedade daquele que o aperfeiçoou.

Sobre o tema, LOCK25 assevera:

Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito sobre ela, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e o

23 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado ecle siástico e civil. p.

52. 24 LOCK LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 97-98. 25 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 98.

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deixou, mistura nisso seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens.

Delimitando a extensão que a propriedade pode atingir,

LOCK26 afirma que o homem só pode usar aquilo que conseguir tirar vantagem

para sua existência, sem desperdício, sendo o excesso é propriedade dos outros

homens:

Tudo que um homem pode utilizar de maneira a retirar uma vantagem qualquer para a sua existência sem desperdício, eis o que seu trabalho pode ficar como sua propriedade. Tudo o que excede a este limite é mais que a sua parte e pertence aos outros.[...] É preciso admitir que a propriedade adquirida dessa maneira corria pouco risco, naquela época de suscitar querelar ou discórdias.

Desse modo, tudo que for agregado trabalho pelo homem e

que ele possa utilizar seus produtos será sua propriedade, pois com por meio do

seu trabalho, ele a limita e a separa do bem comum.27. Deste pensamento,

verifica-se a idéia de aquisição da propriedade, por meio do trabalho.

No sistema de definição da propriedade pelo trabalho,

naquela época, não gerava conflitos, pois a sociedade era pouco povoada e o

espaço desconhecido muito grande. Caso alguém quisesse maiores extensões

era necessário somente deslocar-se para outro país, no qual haviam muitas terras

não cultivadas. Assim inexistia lesão no acúmulo de terras.28

Valendo-se deste sistema, a propriedade privada surge pelo

trabalho que o homem deposita no bem.

26 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 100. 27 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 100. 28 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 101.

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Sobre o tema LOCK29 ensina:

O trabalho constituía a propriedade; não se podia privá-los dela, uma vez que fixassem este trabalho em algum lugar. Assim sendo, percebemos que existe um elo entre o fato de subjugar e cultivar a terra e adquirir o domínio sobre ela.

Destarte, a regra de que cada homem poderia ter somente o

que lhe fosse utilizado sem desperdício foi fulminada pelo advento da moeda.

Vale mencionar que conforme LOCK30 leciona o sistema

estaria vigente e plenamente efetivo caso não surgisse a moeda, com o corolário

acúmulo de capital:

[...] Ouso corajosamente afirmar que a mesma regra de propriedade, ou seja, de que cada homem deve ter tanto quanto pode utilizar, ainda permaneceria válida no mundo sem prejudicar ninguém, visto haver terra bastante para o dobro dos habitantes, se a invenção do dinheiro e o acordo tácito entre os homens para estabelecer um valor para ele não tivesse introduzido (por consentimento) posses maiores e um direito a elas.

Desta forma que o trabalho é que dá o real valor das coisas,

pois a melhoria que o homem nela produz, faz com que a terra, mesmo inculta,

passe a produzir.

LOCK31 discorre da seguinte forma sobre a diferença entre o

bem comum e o bem cultivado:

Pois na verdade é o trabalho que estabelece em tudo a diferença de valor; basta considerar a diferença entre um acre de terra plantada com fumo ou cana, semeada com trigo ou cevada, e um acre da mesma terra deixado ao bem comum, sem qualquer cultivo, e percebemos que a melhora realizada pelo trabalho é responsável por grandíssima parte do seu valor.

29 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 102. 30 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 103. 31 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 106.

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A valorização pelo aprimoramento, então, é a forma de

aquisição da propriedade.

Assim, se a propriedade é adquirida pelo trabalho, a arte de

governar a Sociedade Civil é a de aprimorar a produção, de modo a implementar

maiores riquezas para os integrantes da sociedade. 32

1.1.1.4 Do advento da moeda

Com a implementação de técnicas de melhor utilização da

terra com o conseqüente aumento da produção, começou a surgir o excedente de

produção.

LOCK33 explica que foi estabelecido que algo de longa

duração, que não se esvaísse no tempo, deveria representar o valor daquele

trabalho, de forma que pudesse ser posteriormente utilizado e o excedente não se

perdesse.

[...] são em geral coisas de duração efêmera, que, se não forem consumidas pelo uso, deterioram e perecem por si mesmas: o ouro, a prata e os diamantes são coisas às quais o capricho ou a convenção atribuem valore maior que a sua utilidade real e sua necessidade para o sustento da vida.

Desta forma, o excedente de produção não violaria a

propriedade de cada homem, o qual somente pode utilizar sem que nada seja

desperdiçado. Ao invés de trocas sua produção por bens perecíveis, o homem

poderia substituir por algo de longa duração, que poderia ser utilizado

posteriormente.

Exemplificando o assunto, LOCK34 afirma:

Se ele trocasse suas nozes por um pedaço de metal cuja cor lhe agradara, ou trocasse seus carneiros por conchas, ou a lã por

32 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 107. 33 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 109. 34 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 110.

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uma pedra brilhante ou por um diamante, e os guardasse com ele durante toda a sua vida, não estaria violando os direitos dos outros; podia guardar com ele a quantidade que quisesse desses bens duráveis, pois o excesso dos limites de sua justa propriedade não estava na dimensão de suas posses, mas na destruição inútil de qualquer coisa entre elas.

O objeto utilizado para representar o excedente foi chamado

de dinheiro, este o qual, segundo consentimento mútuo, possui valor para a

sociedade em que é estabelecido. 35

A instituição da moeda além de estimular a produção e

aprimorar suas técnicas beneficiou a humanidade, pois impulsionou os homens

buscar novas formas de aprimorar a vida em sociedade.

Sobre o tema, LOCK afirma:

No lugar onde não existe nada durável e raro, que tenha bastante valor para ser guardado, nada incita os homens a estender suas posses sobre terras mais vastas, mesmo que estas sejam férteis e estejam disponíveis para ele.36

Consoante ressaltado, caso inexistisse a possibilidade do

acúmulo de trabalho (representado pelo dinheiro) os homens não se

preocupariam em aprimorar as técnicas de aumento da produção e

conseqüentemente de melhora na vida social, sem possuir mais terra do que

poderia se alimentar.

Sobre este ímpeto do homem, LOCK37 preleciona:

[...] eles descobriram e concordaram em uma maneira pela qual um homem pode honestamente possuir mais terra do que ele próprio pode utilizar seu produto, recebendo ouro e prata em troca do excesso, que podem ser guardados sem causar dano a ninguém; estes metais não se deterioram nem perecem nas mãos de seu proprietário.

35 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 110. 36 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 111. 37 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 111.

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Desta feita, a implementação e melhora na produção da

terra gerou o excesso de produção. Para que este excesso não fosse perecido, os

homens instituíram a moeda como forma de acumular o valor de seu trabalho.

Com o acúmulo de capital, os homens utilizaram destes valores para melhora na

sua vida, impulsionando o desenvolvimento social.

1.1.1.5 Do poder paterno

Para LOCK38 a liberdade do homem somente é alcançada

através da razão. Em princípio todos os homens nascem livres, entretanto os

incapazes não possuem, ainda, o discernimento de aceitar as convenções

estabelecidas para o convívio social.

A justificativa para limitação existe no fato de que a Lei

somente é promulgada para aqueles que já conseguem viver segundo a razão,

portanto ninguém é sujeito a uma lei que não lhe foi direcionada.

Sobre a incidência da Lei, LOCK39 assim se manifesta:

Pois ninguém pode estar sujeito a uma lei que não é promulgada para ele; e como apenas a razão promulga e faz conhecer a lei, não de pode admitir que ela se aplique a quem Não chegou à idade da razão.

Em razão da impossibilidade dos menores viverem em

sociedade segundo a razão, até porque a lei não foi por eles promulgada, cabe ao

progenitor o dever de passar os ensinamentos inerentes ao caráter como membro

de uma sociedade, que permitirá o menor atingir a razão.

Desta forma, o direito do pai sobre um filho não é um poder

ilimitado daquele sobre este e sim um dever imposto pela própria lei da natureza,

pois tem dever de zelo por sua prole. Conforme LOCK40 preleciona o pai não

38 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 114. 39 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 115. 40 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 119.

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detém este poder em virtude de um direito natural particular, mas somente por ser

guardião de seus filhos, e quando ele abandona este cuidado, perde seu poder

sobre eles.

Atingida a maioridade o filho tem a mesma liberdade

inerente ao pai, ou seja, pode desfrutar dos bens de seus ancenstrais, mas

deverá obedecer as regras da sociedade em que convive.

Sobre as liberdades, LOCK41 ensina:

A natureza dá aos filhos de todo homem a mesma liberdade que proporciona a ele próprio,ou a qualquer de seus ancestrais, e, enquanto permanecerem neste estado de liberdade, podem escolher a que sociedade vão se juntar, a que comunidade civil vão se submeter. Mas se eles quiserem desfrutar da herança de seus ancestrais, devem ficar sujeitos às mesmas cláusulas e termos a que eles se submeteram e satisfazer a todas as condições vinculadas a tal posse.

O fruto do trabalho do integrante da sociedade é

resguardado pela sociedade em que este participa, de modo que os bens serão

resguardados pelo corpo social e transmissíveis aos herdeiros que naquela

sociedade consintam em viver.

Quanto a possibilidade de usufruto e resguardo da herança,

LOCK42 explica:

Pois seu filho, ao atingir a maioridade, é tão livre quanto seu pai, e nenhum ato do pai pode tirar a liberdade do filho, o mesmo valendo para qualquer outra pessoa. Ele pode vincular à terra, que ele desfruta como súdito de uma comunidade civil, condições que obriguem seu filho a se juntar à mesma comunidade se quiser desfrutar daquelas posses que eram de seu pai, pois como aquele bem é propriedade de seu pai, ele pode dispor dele ou doá-lo como bem entender.

Destarte, o poder paterno então, é configurado por um dever

imposto aos progenitores de resguardar sua prole e guiá-los até a idade em que

41 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 125. 42 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 152.

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tenham possibilidade de viver segundo a razão, oportunidade em que lhes será

garantido os bens de seus progenitores, caso consintam com a vida naquela

sociedade.

1.2 DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL

A Sociedade Civil tem sua origem no seio social, ou seja, na

própria família, pois a primeira sociedade (entendida como a união de pessoas

sob um mesmo corpo político) é a união entre o homem e a mulher.

LOCK43 descreve que a primeira sociedade existiu entre

marido e mulher, e serviu de ponto de partida para aquela entre pais e filhos; à

qual, com o tempo, foi acrescentada aquela entre patrão e servidor.

Assim a sociedade entre homem e mulher foi a primeira

sociedade que existiu, pois se trata de um pacto voluntário existente entre ambos

e, em sua decorrência, surgiu as sociedades entre pai e filho e entre servo e

patrão, na qual o servo vende seu trabalho.

Sobre o tema, LOCK44 descreve:

A sociedade conjugal resulta de um pacto voluntário entre o homem e a mulher, e embora consista principalmente em uma comunhão dos corpos, fundamentada sobre um direito recíproco, como o exige seu objetivo principal, a procriação, esta sociedade se acompanha de uma ajuda e de uma assistência mútuas e, além disso, também de uma comunhão de interesses, necessária não somente para unir seu cuidado e sua afeição, mas também a sua descendência comum, que tem o direito de ser alimentada e mantida por eles até ser capaz de prover suas próprias necessidades.

A sociedade existente entre homem e mulher surge com a

necessidade de que a prole de ambos se auto-sustentar e, até mesmo, conviver

naquela sociedade que seus ancestrais fazem parte.

43 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 128. 44 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 128.

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Isso ocorre em razão da própria natureza que obriga o ser

humano a necessitar de um longo tempo de cuidado por seus ancestrais.

Fazendo-se um comparativo entre as espécies, LOCK45 afirma que homem é o

ser que possui mais tempo a necessidade de cuidar de sua prole para que esta

atinja a auto-suficiência, daí porque a necessidade -natural- da união entre

homem e mulher ser estável, e duradoura.

A terceira sociedade que surgiu foi aquela entre o senhor e o

servo, na qual um homem livre vende seu trabalho para outro que em troca lhe dá

um salário, de modo que o senhor possui um certo poder, limitado pelo contrato

estabelecido com o servo.

Sobre o tema, LOCK46 explana:

Senhor e servo são nomes tão antigos quanto a história, mas dados a indivíduos de condições bem diferentes; um homem livre torna-se servidor de outro quando lhe vende um certo tempo de serviço que realiza em troca de um salário que deve receber; e embora isso em geral o coloque dentro da família de seu senhor e recaia sob o jugo da disciplina geral que a comanda, isso proporciona ao senhor um poder temporário sobre ele, mas não maior que aquele contido no contrato entre eles.

Entretanto, estas sociedades não são configuradas como

políticas, pois somente se considera quando os membros desta renunciarem ao

estado de natureza, onde puniam as ofensas pela auto tutela, e dão a sociedade

como um todo o poder de punir as transgressores das normas de convivência.

Quanto a caracterização da Sociedade Política, LOCK47

expõe:

Mas como nenhuma sociedade política pode existir ou subsistir sem ter em si o poder de preservar a propriedade, e, para isso, punir as ofensas de todos os membros daquela sociedade, só existe uma sociedade política onde cada um dos membros

45 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 129. 46 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 131. 47 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 132-133.

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renunciou ao seu poder natural e o depositou nas mãos da comunidade em todos os casos que os excluem de apelar por proteção à lei por ela estabelecida.

Desta forma, a configuração da Sociedade Política se dá

pela existência da prerrogativa de punir os transgressores das normas

estabelecidas dentro dela.

O poder de resolver as controvérsias é caracterizado por um

sistema jurídico e um judiciário apto para julgar as causas, pois quando os

homens abdicaram do estado de natureza, criaram um corpo social o qual é

responsável por elaborar as normas de convivência e preservação tanto da vida

quanto da propriedade.

Sobre o tema, LOCK48 leciona:

E assim a comunidade social adquire o poder de estabelecer a punição merecida em correspondência a cada infração cometida entre os membros daquela sociedade, que é o poder de fazer leis, assim como também o poder de punir qualquer dano praticado a um de seus membros por qualquer um que a ela não pertença, que é o poder de guerra e de paz; ela o exerce para preservar, na medida do possível, os bens de todos aqueles que fazem parte daquela sociedade. Cada vez que um homem entra na sociedade civil e se torna membro de uma comunidade civil, renuncia a seu poder de punir ofensas contra a lei da natureza na realização de seu próprio julgamento particular, mas tendo delegado ao legislativo o julgamento de todas as ofensas que podem apelar ao magistrado, delegou também à comunidade civil o direito de requerer sua força pessoal, sempre que quiser, para a execução dos julgamentos da comunidade civil; que, na verdade, são seus próprios julgamentos, pois são feitos por ele ou por seu representante. Descobrimos aqui a origem dos poderes legislativo e executivo da sociedade civil, que é julgar, através de leis estabelecidas.

Desta forma, os integrantes da Sociedade Civil, abdicam da

liberdade existente de punir o ofensor no estado de guerra e transferem esta

faculdade a um corpo comunitário que deverá, segundo normas estabelecidas

pelo próprio corpo social, defendê-lo.

48 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 133-134.

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1.2.1. Do início da sociedade política

A sociedade política nasce pela necessidade do ser humano

se defender do seu semelhante, ou seja, da necessidade agrupar-se em um corpo

político onde poderia recorrer em caso de violação das liberdades fundamentais.

A sociedade, visando proteger as liberdades fundamentais

forma um corpo político o qual usa do poder político – força – para regular os

conflitos sociais e decidir por todos. Os integrantes escolhem os representantes e

a forma de governo.

Sobre o tema, LOCK49 explica:

A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da sociedade civil é através de acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortável, segura e pacífica uns com os outros, desfrutando com segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade. Esses homens podem agir desta forma porque isso não prejudica a liberdade dos outros, que permanecem como antes, na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens decide constituir uma comunidade ou um governo, isto os associa e eles formam um corpo político em que a maioria tem o direito de agir e decidir pelo restante.

Desta forma, na defesa contra invasores é necessária a

representação de uma figura única e forte para decidir sobre como a sociedade

deve agir perante o agressor. Em caso de guerra, o poder é concentrado nas

mãos de um único general que por suas virtudes era incumbido de organizar a

defesa.

Demonstrada a existência necessária em determinada

situações da figura despótica, LOCK50 descreve que sua existência é

condicionada ao bem-estar da sociedade:

49 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 139. 50 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 148.

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Seja por qual dessas duas razões for que inicialmente o poder foi confiado a uma só pessoa, o certo é que isso só ocorreu tendo em vista o bem-estar e a segurança públicos; e aqueles que detinham o poder no início das comunidades civis serviam habitualmente a este propósito. Se eles não tivessem agido assim, as jovens sociedades não teriam subsistido.

Descumprido o seu objetivo de bem-estar da sociedade a

figura despótica perde os pilares que a sustentam, devendo o poder retornar ao

corpo político, pois este constitui um governo que lhe represente.

O consentimento pra integrar a sociedade pode se dar de

duas maneiras; expressa – aqueles que formaram o pacto social – e tácita - com

o simples uso ou gozo de qualquer domínio do governo-.

Neste diapasão, LOCK51 explana:

[..] qualquer homem que tenha qualquer posse ou desfrute de qualquer parte dos domínios de qualquer governo, manifesta assim seu consentimento tácito e, enquanto permanecer nesta situação, é obrigado a obedecer as leis daquele governo como todos os outros que lhe estão submetidos.

Desta forma, o consentimento tácito se dá de forma mais

comum, tendo em vista que para desfrutar da propriedade de seus pais, por

exemplo, um filho deverá integrar-se a sociedade em que este pertencia, pois é a

sociedade quem defende os direitos adquiridos por seu progenitor.

O surgimento da sociedade ponderado por LOCK foi

posteriormente tratado por Jean Jaques Rousseau, que na mesma linha definiu

que os homens se agruparam em sociedade pela sua vontade. Para aludido

autor, os homens buscavam instrumentos comuns de conservação da pessoa e

dos bens de cada integrante.

ROUSSEAU52 assim preleciona sobre o surgimento da

Sociedade Civil:

51 LOCK. Jhon. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escr itos: ensaio sobre a

origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. p. 153. 52 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. Tradução Lourdes Santos Machado. São

Paulo: Ed. Nova cultura, 1999. Livro I, Cap. VI.

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Suponho os homens terem chegado a um ponto em que os obstáculos que atentam à sua conservação no estado natural excedem, pela sua resistência, as forças que cada indivíduo pode empregar para manter-se nesse estado. Então este estado primitivo não pode subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse de modo de ser.

A defesa dos indivíduos e dos bens de seus integrantes de forças estranhas é a função do contrato social que foi elaborado para constituir a sociedade:

Dessa forma, instituído o pacto social, os integrantes criaram

uma figura representativa para sua defesa, ou seja, o Estado, que nada mais é

que é o mero executor das decisões da sociedade que o erigiu.

Para DALLARI53:

O pacto fundamental procede a uma correção, suprindo as deficiências resultantes de desigualdade física e fazendo com que os homens, podendo ser desiguais em força ou engenho, se tomem iguais por convenção e de direito. Por isso tudo ele próprio formula a conclusão de que, se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser o fim de toda legislação, encontraremos dois objetos principais: liberdade e igualdade.

Desta feita, conclui-se que a sociedade é fruto da

necessidade natural do homem agregada a sua razão, pois foi construída devido

a necessidade natural do homem viver em comunhão, aliada a razão de agregar-

se para evitar o estado de guerra, garantir a propriedade e proteger a sociedade.

Sobre o tema AZAMBUJA54 leciona que chegou um

momento em que os homens sentiram o desejo, vago e indeterminado, de um

bem que ultrapassa o seu bem particular e imediato e que ao mesmo tempo fosse

capaz de garanti-lo e promovê-lo.

Assim, o Estado nada mais é que a personificação do corpo

social que tinha por objetivo o bem comum.

53 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 42. 54 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005. p. 3

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Sobre o tema, DALLARI55 rejeita a idéia de WEBER e

ensina:

Rejeitando a colocação feita por MAX WEBER, diz BURDEAU que o poder não é uma força providencial surgida no meio do grupo, mas é uma encarnação do próprio grupo, pois resume suas aspirações. A coletividade deve reconhecer seus liames com o poder, manifestando o seu consentimento.

Desta forma, como a Sociedade Política representa o

interesse da coletividade é impossível não ter dentro dela colisão de interesses de

seus integrantes, de modo que para atingir a consonância, advém a necessidade

de um poder superior, para dirimir os conflitos, mas que tenha por objeto o bem

comum.

Quanto a configuração da Sociedade Política, DALLARI56

leciona:

Assim, pois, são sociedades políticas todas aquelas que, visando a criar condições para a consecução dos fins particulares de seus membros, ocupam-se da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum.

Destarte, a sociedade política é quem regula o seio social de

forma a harmonizar os interesses de seus membros em consonância com o bem

comum. Para tanto, surge a figura do Estado como personificação do corpo social

que tem por fim prover o bem de seus membros.

1.3 DO ESTADO

1.3.1. Origem e formação

O termo Estado, como significado de convivência, ligado a

sociedade política teve seu primeiro uso, segundo Dallari, na obra “O Príncipe” de

Maquiavel. Após, o termo foi utilizado se referindo as cidades independentes na

Itália. Na Espanha sua utilização determinava grandes extensões de terra, cujo

55 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 44. 56 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 48.

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proprietário tinha poder jurisdicional.57 Entretanto, certo é que o termo somente é

aplicado à sociedades políticas com características bem definidas.

Para MARX e ENGELS58 o Estado teve sua origem por

motivos econômicos, pois o Estado é um produto da sociedade e não nasce

juntamente com ela.

A origem do Estado pode dar-se de duas formas. A primeira

delas, chamada forma originária consiste no agrupamento seres humanos não

integrados em qualquer Estado. A segunda forma, chamada derivada, consiste na

origem de novos Estados a partir de outro preexistentes.59

O processo mais comum na atualidade é a formação de

Estados de forma derivada, ou seja, a partir de estados pré-existentes. Segundo

Dallari, há dois processos que podem ocorrer, sendo o fracionamento e a união,

que o autor define como:

Tem-se o fracionamento quando uma parte do território de um Estado se desmembra e passa a constituir um novo Estado. Foi este o processo seguido para que os territórios coloniais, ainda existentes neste século, na maioria localizados na África, passassem à condição de unidades independentes e adquirissem o estatuto de Estados.60

O outro processo típico de constituição de novos Estados por formação derivada é a união de Estados, quando esta implica a adoção de uma Constituição comum, desaparecendo os Estados preexistentes que aderiram à União. Neste caso, dois ou mais Estados resolvem unir-se, para compor um novo Estado, perdendo sua condição de Estados a partir do momento em que se completar a união e integrando-se, a partir daí, no Estado resultante.61

57 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 51-52. 58 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 55. 59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 53. 60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 56. 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 57.

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Estas duas formas de criação do Estado têm por base o

agrupamento de indivíduos de outros estados pré-existentes, os quais se unem

para compor um novo Estado.

Existe, ainda, uma terceira forma de criação dos Estados

que é considerada atípica. Esta figura do Estado surge quando uma força externa

exerce seu poder sobre determinado grupo de pessoas com objetivo de

enfraquecê-las, cingindo, desta forma, o estado em que vivem.

DALLARI62 assim explica a forma atípica:

Assim, por exemplo, depois de grandes guerras as potências vencedoras, visando a assegurar o enfraquecimento permanente dos países vencidos, ou procurando ampliar o seu próprio território, procedem a uma alteração dos quadros políticos, não raro promovendo a criação de novos Estados, em partes de território de um ou mais dos vencidos. Quanto ao momento em que se considera criado um novo Estado, não há uma regra uniforme. Evidentemente, a maneira mais definida de se afirmar a criação é o reconhecimento pelos demais Estados. Todavia, o reconhecimento não é indispensável, sendo mais importante que o novo Estado, apresentando todas as características que são comuns aos Estados, tenha viabilidade, conseguindo agir com independência e manter, internamente, uma ordem jurídica eficaz.63

Delimitada as formas de criação do novo Estado, o momento

de sua criação ocorre quando o novo Estado apresente todas as características

comuns aos estados, seja viável e capaz de ser independente e possua ordem

jurídica eficaz.

Segundo MENEZES64, é inviável traçar uma linha uniforme

sobre os tipos de Estado, não havendo como dispor de modo cronológico os

exemplos de Estado que tenham realmente existido uns após os outros.

Apesar desta dificuldade, é possível apontar algumas

características fundamentais, as quais configuram uma possível ordem

62 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 58. 63 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 59. 64 In DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 60.

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cronológica e delimitação de alguns tipos de Estado, sendo eles: Estado Antigo65,

Estado Grego66, Estado Romano67, Estado Medieval68 e Estado Moderno69.

A análise dos pormenores da evolução de cada forma de

Estado é despecienda para o presente trabalho, entretanto, o seu estudo aponta

que todas as formas de Estados existentes possuem quatro características

fundamentais, a soberania, o território, o povo e a finalidade, por meio dos quais é

possível definir a um conceito de Estado.

1.3.2. Das características fundamentais

1.3.2.1 Soberania

O conceito de soberania, uma das características

fundamentais do Estado, sempre esteve intimamente ligado a concepção de

poder. Segundo Dallari, a soberania é concebida de duas formas distintas quais

sejam; como sinônimo de independência ou expressão de poder jurídico.70

Sua utilização, como sinônimo de independência, é invocada

pelos representantes estatais quando se insurgem contra forças estrangeiras. Por

sua vez, como expressão de poder jurídico é feita para justificar a eficácia das

normas jurídicas, dentro dos seus limites de jurisdição.

No Estado Antigo não existia qualquer conceito semelhante

ao de soberania. Em A Política de Aristóteles, o autor descreve as cidades são

65 Sua característica marcante é a unidade geral que inadmite qualquer espécie de divisão, seja

de território ou até mesmo de função a religiosidade presente, pois neste estado as vontades individuais ou até do governo era fortemente influenciada pela vontade de um poder de origem divina.

66 Possui como características marcantes a existência de uma classe política chamada elite, com intensa participação nas decisões do Estado, a respeito dos assuntos de caráter público. Entretanto, nas relações de caráter privado a autonomia da vontade individual é bastante restrita.

67 Possui como características preponderantes o desaparecimento da base da sociedade familiar e a ascendência de uma nobreza tradicional.

68 Possui como característica notórias o feudalismo, inexistência de uma ordem jurídica única e valorização da terra.

69 Possui como características elementares a unidade de poder e a delimitação do território. 70 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 84.

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superiores por serem dotadas de autarquia. O conceito de autarquia, entretanto,

significava tão somente que as cidades eram auto-suficientes, em nada se

referindo ao poder do Estado.

No Estado Romano, os termos “majestas”, “imperium” e

“potestas” eram utilizados para exteriorizar a força do povo romano, ou, ainda,

para diferenciar os poderios civis e militares, tem nada se referindo ao poder

supremo do Estado.

Segundo DALLARI71:

Em Roma também não se chega a qualquer noção que se possa considerar semelhante ou análoga à de soberania. Com efeito, os termos majestas, imperium e potestas, usados em diferentes circunstâncias como expressões de poder, ou indicam poderio civil ou militar, ou revelam o grau de autoridade de um magistrado, ou ainda podem externar a potência e a força do povo romano.

É no final da idade Média, com o Estado Medieval que o

conceito de soberania amadurece e tem tratamento teórico e sistemático. Isso

ocorre pois, segundo Dallari, a tentativa de se afirmar e centralizar o poder surgiu

dos Reis que precisavam declarar sua superioridade dos senhores feudais e

afirmar sua independência com a Igreja.72

Desta forma, no final da Idade Média os monarcas

conquistam supremacia. Ninguém lhes disputa o poder, sua vontade não sofre

qualquer limitação. Jean Bodin define que para aquela época o conceito de

soberana então era o poder absoluto e perpétuo de uma República (Estado),

figurado na pessoa do governante.73

A reação a idéia absolutista de soberania vem em 1762 com

a obra O Contrato Social de Jean Jaques Rousseau. Para o autor o pacto social

firmado entre os homens é que dá ao poder político um status de soberano.

71 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 75. 72 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 76. 73 In DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 77.

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Entretanto o poder sempre será aquele que segue a vontade da sociedade, pois

ela que é titular do poder, sendo para tanto regulada por meio de leis.

DALLARI74 ponderando sobre as conclusões de Rousseau

sobre os limites do poder descreve que o pacto social dá ao corpo político um

poder absoluto sobre todos os seus membros, e este poder é aquele que, dirigido

pela vontade geral, leva o nome de soberania.

O conceito de soberania elaborado por Rousseau naquela

época foi empregado na construção de uma teoria atual sobre o tema, de modo

que REALE75 definiu a soberania como o poder que tem uma Nação de organizar-

se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas

decisões para a realização do bem comum.

Este moderno conceito de soberania possui características

bem definidas, sendo sua unidade, indivisibilidade, inaliebilidade e

imprescritibilidade. A unidade é definida em razão que dentro de um mesmo

Estado não pode existir dois poderes soberanos. Sua indivisibilidade é em razão

da universalidade de sua abrangência dentro do Estado. A inaliebilidade decorre

em razão que não pode ser transferida a terceiro pois caso assim fosse perderia

sua essência. E imprescritível pois não perde sua eficácia pelo decurso do tempo.

Alguns autores acrescem ainda outras características, como

a originariedade, exclusividade, incondicionabilidade e coatividade, como prevê

ZANZUCCHI76:

A essas características acrescenta ainda ZANZUCCHI que a soberania é um poder: originário, porque nasce no próprio momento em que nasce o Estado e como um atributo inseparável deste; exclusivo, porque só o Estado o possui; incondicionado, uma vez que só encontra os limites postos pelo próprio Estado; coativo, uma vez que, no seu desempenho, o Estado não só ordena, mas dispõe de meios para fazer cumprir suas ordens coativamente.

74 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 78. 75 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 140. 76 In DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 81.

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Juntando-se todas essas características, pode-se afirmar

que o poder soberano conceituado como o que dentro dos limites do Estado, é

superior aos demais, tanto de outros indivíduos como de grupos sociais possui

grane relevância pois quando definida como direito é uma forte barreira ao uso

arbitrário da força, como lembra DALLARI77:

Essa afirmação do poder soberano como poder jurídico é de evidente utilidade prática, constituindo mais um importante obstáculo ao uso arbitrário da força. Como é natural, e os fatos o comprovam constantemente, é absurdo pretender que a soberania tenha perdido seu caráter político, como expressão de força, subordinando-se totalmente a regras jurídicas. Entretanto, sua caracterização como um direito já tem sido útil, quando menos para ressaltar o caráter antijurídico e injusto da utilização da força incondicionada, para a solução de conflitos de interesses dentro de uma ordem estatal ou entre Estados, contribuindo para a formação de uma nova consciência, que repudia o uso arbitrário da força.

A definição de soberania como um direito também possui

cunho social, pois evita a excitação da ordem como forma a reprimir aspirações

sociais em razão de fatores de cunho econômico.

LEFEBVRE78, é um dos autores que critica este tipo de

crescimento exacerbadamente voltado ao econômico, citando:

o homem contemporâneo, estimulado por uma série de circunstâncias, deu grande relevo às necessidades e aos interesses de natureza econômica, obtendo-se um extraordinário crescimento nessa área, praticamente em todo o mundo. Entretanto, para a obtenção desse resultado, vêm sendo deixados bem para trás setores inteiros da sociedade, constatando-se, então, que o crescimento, que é apenas o aumento das quantidades, não é acompanhado por um desenvolvimento, que exige melhoria qualitativa.

Desta forma a soberania é definida como poder máximo que,

dentro dos limites do seu território, deve ser exercido em favor do povo, atento

aos seus interesses econômicos e principalmente sociais.

1.3.2.2 Território

77 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 84 78 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado . p. 32

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O território é a extensão do Estado. Não existe um Estado

sem que haja território, pois este define os limites geográficos de incidência do

poder soberano.

Segundo DALLARI79, quando criado um Estado, o território

passa a ser condição indissociável, sob pena de não se ter mais Estado:

No momento mesmo de sua constituição o Estado integra num conjunto indissociável, entre outros elementos, um território, de que não pode ser privado sob pena de não ser mais Estado. A perda temporária do território, entretanto, não desnatura o Estado, que continua a existir enquanto não se tornar definitiva a impossibilidade de se reintegrar o território com os demais elementos. O mesmo se dá com as perdas parciais de território, não havendo qualquer regra quanto ao mínimo de extensão territorial.

AZAMBUJA, por sua vez, divide o conceito de território em

duas espécies, político e comercial:

Político é o em que se exerce a soberania do Estado em toda a plenitude; comercial, aquele em que o Estado exerce apenas algumas faculdades limitadas. O território é a base mais importante da vida do Estado.

Desta forma, a extensão do território não é somente seus

limites aparentes, mas todo aquele em que o Estado exerce quaisquer de suas

faculdades mesmo que limitadas.

1.3.2.3 Povo

O conceito de povo é recente, entretanto sua

imprescindibilidade é latente para a existência de um Estado, pois é para ele que

o Estado surge.

Para JELLINEK80 o povo é elemento essencial do Estado

pois além de condição formadora, mesmo após a constituição do Estado de

exteriorizar sua vontade:

79 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 89-90.

80 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 99-100.

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Em primeiro lugar, verifica-se que o povo, elemento essencial do Estado, continua a ser componente ativo mesmo depois que o Estado foi constituído. O povo é o elemento que dá condições ao Estado para formar e externar uma vontade.

O povo, portanto, reflete a Sociedade Civil que formulou o

pacto social, sendo o conjunto dos indivíduos que se uniram para formar o

Estado, de forma de caráter permanente, e delegando-lhe o exercício do poder

soberano.

1.3.2.4 Finalidades e funções do Estado

Há uma estreita relação entre os fins do Estado e as funções

que desempenha. Para tanto, existem duas correntes que definem a finalidade do

Estado, uma objetiva e outra subjetiva.

A corrente objetiva preocupa-se com o papel que o Estado

possui no desenvolvimento da humanidade. Essa corrente inicialmente versou

que os homens se agrupariam em razão da sucessão de fatos humanos que

constituiu a Sociedade Civil. Na idade média essa idéia foi utilizada pela Igreja de

forma a alegar que o agrupamento se deu em razão de Deus ter feito o homem

um ser “naturalmente civilizado”.

DALLARI81, assim descreve a evolução do homem:

A questão dos fins objetivos prende-se à indagação sobre o papel representado pelo Estado no desenvolvimento da história da Humanidade. Relativamente a esse problema, há duas ordens de respostas. Para uns, existem fins universais objetivos, ou seja, fins comuns a todos os Estados de todos os tempos. E a posição de PLATÃO, de ARISTÓTELES e, pode-se dizer, da maioria dos autores. Essa doutrina ganhou grande impulso com o cristianismo, que, apesar de buscar na teologia os fins do Estado, teve o mérito de conceber os fenômenos da História como o desenvolvimento de uma atividade que se propõe alcançar um objetivo, não como ordem resultante da sucessão espontânea de fatos humanos. Essa possibilidade de identificação de uma finalidade foi negada com veemência, no século XIX, pelas várias correntes evolucionistas. Entre estas pode ser incluída a teoria organicista, que, entendendo o Estado como um fim em si mesmo, negava a existência de finalidade objetiva.

81 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 105

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A corrente subjetiva entende que a finalidade do Estado é

alcançar os fins particulares de cada integrante da sociedade. Assim é uma

conjuntura entre a relação entre os Estados e os fins individuais.

Sobre o tema, DALLARI82 define:

Para os que se atêm aos fins subjetivos o que importa é o encontro da relação entre os Estados e os fins individuais. O Estado é sempre uma unidade de fim, ou seja, é uma unidade conseguida pelo desejo de realização de inúmeros fins particulares, sendo importante localizar os fins que conduzem à unificação.

Agrupando-se os fins de ambas as teorias o que se percebe

é que a finalidade geral do Estado é ser um meio para os indivíduos atingirem

seus fins particulares, ou seja, o bem comum, entendido este como o conceituou

o Papa JOÃO XXIII83, o conjunto de todas as condições de vida social que

consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.

1.3.3 Do poder do Estado

Na definição de poder de Estado, surgem duas correntes

que tentam definir suas características. A primeira corrente defende que o Poder

é eminentemente político, como afirma BURDEAU que chega a firmar que o

Estado é a institucionalização do poder.

Sobre o tema, DALLARI84 preleciona:

O problema do poder, para muitos autores, é o tema central da Teoria Geral do Estado, havendo mesmo quem sustente que o Estado não só tem um poder mas é um poder. Esta é precisamente a teoria de BURDEAU, que conceitua o Estado como a institucionalização do poder.

Entretanto, os defensores desta corrente, em que pese

definirem que o Estado é uma forma de poder, acabam o reconhecendo como

coisa diversa do Estado, referindo-se na realidade as suas características.

82 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 105. 83 In DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 108. 84 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 110.

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Desta forma, o poder é uma característica essencial do

Estado [em razão da soberania], pois o pacto social é que deu poder para o

Estado, de forma originária e irresistível.

DALLARI85 assim define a originariedade e irresistibilidade:

Caracteriza-se como um poder originário porque o Estado Moderno se afirma a si mesmo como o princípio originário dos submetidos. [...] O poder do Estado é também irresistível, por ser um poder dominante.

A segunda corrente, defendida por JELLINEK86, atenua o

poder do Estado, definindo que o poder dominante deve ser regido por normas,

pois o sentido verdadeiro do poder é os homens se submeterem as normas feitas

no pacto social e não a vontade arbitraria de outros homens.

Nesta mesma esteira, KELSEN também defende que o

poder do Estado é limitado, afirmando que sua irresistibilidade se dá somente no

âmbito jurídico.

Sobre o tema, DALLARI87 assim dispõe:

Por tal motivo, encontrando-se na base de toda a vida social uma ordem jurídica, o verdadeiro sentido de poder ou dominação estatal não é o de que uns homens estão submetidos a outros, mas sim o de que todos os homens estão submetidos às normas.

Desta forma, levando em consideração ambas as teorias e

as características fundamentais do Estado é possível se verificar que poder o

Estado é nem eminentemente político nem jurídico, mas sim um entrelaçamento

de ambos.

Destarte, como lembra AZAMBUJA88 o objetivo do poder do

Estado é manter a ordem, assegurar a defesa e promover o bem-estar da

sociedade: é realizar enfim o bem público.

85 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 111. 86 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 112. 87 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 113.

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Desta forma, a dominação estatal tem por base a Sociedade

Civil e por objetivo o bem-estar dela, não podendo infringir o poder que lhe foi

outorgado por relação de direito.

A relação entre o poder e o direito, é demostrada por

REALE89 ao afirmar que assim como o poder não existe sem o Direito, o Direito

não se positiva sem o poder, um implicando o outro, segundo o princípio de

complementariedade, de tanto alcance nas ciências naturais e humanas.

AZAMBUJA90 da mesma forma descreve que as normas que

organizam o Estado e determinam as condições sociais necessárias para realizar

o bem público, constituem o direito, que ao Estado incumbe cumprir e fazer

cumprir.

Desta forma, o poder do Estado sempre será um poder

político, pois é soberano e independente, mas somente pode ser usado de acordo

com sua natureza jurídica, pois sua legitimidade se dá pelo pacto social e outras

normas que assim o definem.

1.3.4. Do conceito de Estado

O conceito de Estado varia muito, tendo alguns autores

afirmado a impossibilidade de se construir uma teoria una. Entretanto, diversos

deles enfrentaram o desafio, sendo que um dos mais conhecidos conceitos,

segundo DALLARI91 é o de que o Estado é a nação politicamente organizada.

Este conceito, entretanto é considerado obsoleto, em razão

do termo nação, segundo a sociologia designar uma espécie de comunidade,

enquanto o Estado é uma sociedade e politicamente organizada.92

88 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. p. 95. 89 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 118. 90 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. p. 6. 91 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 44. 92 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 117.

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Para AZAMBUJA93 a nação, pois, não é apenas o presente,

mas também as gerações passadas e vindouras, a herança de umas e o porvir de

outras, uma corrente ininterrupta de sentimentos que une os destinos cumpridos

aos destinos a cumprir.

Além disso todos os conceitos que se refiram a politicamente

organizado não deixam de lado o fato da necessidade de juridicidade do poder,

como exemplo de DUGUIT94, que conceitua o Estado como uma força material

irresistível, acrescentando que essa força, atualmente, é limitada e regulada pelo

direito.

Como se percebe, o conceito de Estado tem um aspecto

social, pois é uma junção de diversos elementos, como a força, o povo, o território

e o governo, incidindo ainda as normas, que o criam e delimitam sua própria

existência e atuação

RANELLETI95, tentando definir o Estado afirma que um povo

fixado num território e organizado sob um poder supremo originário de império,

para atuar com ação unitária os seus próprios fins coletivos.

A noção jurídica de Estado então é aquela organização

soberana que atue de forma única para atender aos fins da sociedade.

DALLARI96, por sua vez, seguindo a idéia de JELLINEK, faz

uma fusão das teorias, pois entende necessário a presença de fatores jurídicos e

não jurídicos para se delimitar o conceito de Estado, chegando a conclusão que

se poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o

bem comum de um povo situado em determinado território.

93 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. p. 23. 94 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 117. 95 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 118. 96 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. p. 119.

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Neste mesmo sentido, AZAMBUJA descreveu Estado é a

organização político jurídica de uma sociedade para realizar o bem comum, com

governo próprio e território determinado.97

Conforme verificado, o conceito de Estado possui diversas

formas de ser visto e delimitado, dependendo de sua época e de se enfoque,

sendo atualmente definido como um poder político soberano delimitado por suas

normas jurídicas de funcionamento, para atender o bem comum de seus

integrantes.

Para atingir este objetivo o Estado se utilizará dos chamados

Serviços Públicos, que são o objeto de Estudo no Segundo Capítulo.

97 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. p. 6.

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CAPÍTULO 2

SERVIÇOS PÚBLICOS

2.1. CONCEITO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

A primeira noção de serviços públicos teve sua origem na

França. Em razão de sua grande importância, o vocábulo sempre gerou

complexidade de interpretação. Segundo ARAJÚJO98, o direito francês do Século

XIX, ora o identificava como o próprio Direito Administrativo, ora como noção que

não poderia definir o Direito Administrativo, ora como um regime jurídico.

Esta divergência de conceituação também teve e ainda tem

repercussão no direito brasileiro, no qual o conceito de Serviços Públicos

depende das circunstâncias de tempo, lugar, condições políticas, culturais e

econômicas.

Um conceito que se amolda ao direito brasileiro hodierno é

dado por MEIRELLES99, que dispõe que:

Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado.

O conceito definido por MEIRELLES também é utilizado por

FIGUEIREDO100 que faz uso da chamada conjugação de critérios101 e define

serviço público como:

98 ARAÚJO. Edemir Netto de. Curso de Direito administrativo . 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.p.

96. 99 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro . 32 ed. Malheiros. São Paulo. p.

329.

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Serviço Público é toda atividade material fornecida pelo Estado, ou por quem esteja a agir no exercício da função administrativa se houver permissão constitucional e legal para isso, com o fim de implementação de deveres consagrados constitucionalmente relacionados à atividade pública, que deve ser concretizada, sob regime prevalente do Direito Público.

Da mesma forma, CRETELLA JÚNIOR102 explica sobre a

concepção material e formal do conceito, chegando à conclusão de que serviço

público é toda atividade que as pessoas jurídicas públicas exercem, direta ou

indiretamente, para a satisfação do interesse público, mediante procedimentos

peculiares ao direito público.

A atividade material desenvolvida pelo Estado, quer ele

próprio, ou que terceiro presta em seu nome, possui diversas classificações

atendendo-se a essencialidade, adequação, finalidade e dos destinatários,

classificando MEIRELLES103 em públicos e de utilidade pública; próprios e

impróprios do Estado; administrativos e industriais; uti universi e uti singuli.

Os serviços públicos, também denominados pró-

comunidade, são aqueles que em razão de sua essencialidade e necessidade

para o próprio convívio social, o Estado exclusivamente presta à comunidade.

Os serviços de utilidade pública, também denominados pró-

cidadão, são aqueles que por sua conveniência [ou seja, aqueles que facilitam a

vida] o Estado presta diretamente os serviços, ou transmite sua execução à

terceiros, para que o façam em seu nome, não obstante continuar sob seu

controle.

100 FIGUEIREDO. Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo . 7 ed. Malheiros 2004. São

Paulo. p. 80-81. 101 Segundo a autora, para que se possa definir um conceito de Serviço público, deve-se

interpretá-lo através de quem esteja no exercício da função (critério orgânico), através da atividade intitulada administrativa (critério material) e pelo regime jurídico que atua (concessão, permissão, etc.)

102 CRETELLA JÚNIOR. José. Direito Administrativo Brasileiro . 2. ed. Forense. 2002. Rio de Janeiro: p. 464.

103 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 330.

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Os serviços próprios são aqueles que somente devem ser

prestados por órgãos ou entidades públicas por estarem relacionados com as

próprias atribuições do Poder Público [polícia, higiene, saúde pública], os quais

por serem essenciais, são gratuitos ou e baixa remuneração para que fiquem ao

alcance de toda sociedade.

Serviços impróprios do Estado são aqueles que satisfazem o

interesse dos seus membros, mas não implicam, essencialmente, nas

necessidades da comunidade. Assim, o Estado os presta, mediante

remuneração, por meio de seus órgãos ou entidades descentralizadas, mantendo

sempre o poder e controle e regulamentação.

Os serviços administrativos são aqueles que o Estado faz

para atender as suas próprias necessidades, seja para planejar outros serviços,

ou, até mesmo, para atender suas próprias determinações [como exemplo as

publicações oficiais]

Os serviços industriais são impróprios do Estado, pois visam

atividade econômica, a qual somente poderá ser explorada diretamente pelo

Estado por relevante interesse público ou necessária a segurança nacional. Eles

são remunerados por quem os utiliza, remuneração chamada de tarifa ou preço

público, a qual é sempre fixada pelo Poder Público.

Serviços uti universi, também chamados de gerais, são

aqueles prestados pelo Estado sem que se tenha destinatários específicos, ou

seja, são aqueles destinados à coletividade. São serviços indivisíveis,

imensuráveis, sendo mantidos através de impostos [tributo não-vinculado].

Serviços uti singuli, também chamados de específicos, são

aqueles prestados pelo Estado cuja utilização se tem destinatário específico,

divisível e que se pode medir a utilização. São de utilização facultativa e

remunerados por taxa [tributo] ou tarifa [preço público].

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2.2. DESCENTRALIZAÇÃO E DECONCENTRAÇÃO

Os serviços públicos prestados pelo Estado, conforme visto

anteriormente podem ou não ser passíveis de serem transferidos a terceiros para

que, em nome do Estado, o prestem.

Na desconcentração existe a transferência de atribuições ou

competências, dentro da mesma pessoa, ou seja, o Estado continuará a prestar

os serviços, somente sendo repassado o serviço para outro órgão dentro da

mesma administração.

DI PIETRO104 afirma que isso é feito para descongestionar,

desconcentrar tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu

mais adequado e racional desempenho.

MEIRELLES105 assim define o vocábulo:

Diversa da descentralização é da desconcentração administrativa, que significa repartição de funções entre os vários órgãos (despersonalizados) de uma mesma Administração, sem quebra de hierarquia.

Desta forma na desconcentração são transmitidas

atribuições ou competências, a outros órgãos, mas sempre dentro do mesmo

centro.

Na descentralização ocorrerá quando for possível atribuir a

outrem os poderes da Administração. Assim, o serviço será prestado por outorga

de serviço ou delegação, mas sempre o agente agindo em nome próprio.

Segundo MEIRELLES106:

A descentralização administrativa pressupõe, portanto, a existência de uma pessoa, distinta da do Estado, a qual, investida dos necessários poderes de administração, exercita atividade

104 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.

403. 105 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 742. 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 742.

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pública ou de utilidade pública. é inviável a transferência da execução para terceiro, de modo que o próprio Estado continua exercendo a atividade.

DI PIETRO107, à seu turno, define descentralização como a

distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica.

ARAÚJO108, por sua vez dispõe:

Considera-se descentralização como transferência de parte da titularidade (competência genérica) de serviços públicos, que algum ente político detém para outra entidade dele diversa, mas por ele criada ou controlada, para prestação de serviços determinados (competência específica), ou, então, no sentido amplo, delegação da execução de certos serviços públicos que possam ser delegados contratualmente (concessão, permissão), mantendo o delegante a titularidade original dos mesmos [...].

Assim, o Estado cria pessoas jurídicas, sob sua

responsabilidade, que atuem na situação, sendo as chamadas autarquias,

fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, como também

poderá repassar a execução para entes particulares.

A importância da descentralização se dá em razão de ela ser

responsável pela chamada Administração indireta, a qual se divide em

desconcentração administrativa, delegação de serviço e execução indireta.

A desconcentração administrativa, segundo MEIRELLES109

opera desde logo pela distinção entre os níveis de direção e execução.

Assim, no nível de direção estão os serviços que são a

estrutura central da direção, a qual compete a supervisão, planejamento e

controle, enquanto na execução realizam tarefas de mera rotina, formalizando

atos administrativos e decidindo em casos individuais.

A delegação da prestação de serviço público ou de utilidade

pública, são aqueles passiveis de serem delegados para qualquer particular, por

107 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 403. 108 ARAÚJO. Edemir Netto De. P. 152/153. 109 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 742.

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meio de licitação ou até mesmo para pessoa administrativa, por meio de

convênios.

Por fim, a execução indireta, que pode se dar em obras ou

serviços, é feita mediante contrato com particulares, na qual a Administração,

para evitar o crescimento da máquina administrativa e garantir a melhor

realização de sua função primordial [planejamento, coordenação e controle],

mediante licitação, repassa a execução das obras e serviços pare terceiros.

2.2.1 Da concessão, permissão e autorização

A concessão e a permissão de serviço público estão

previstas na Constituição Federal, nos artigos 21, incisos XI e XII (letras “a” a “f”),

175 e 223, sendo a concessão uma forma descentralizada do Estado prestar

serviços públicos.

2.2.1.1 Concessão

MEIRELLES110, utilizando a definição de MASAGÃO, a

concessão é a delegação contratual da execução de serviço, na forma autorizada

e regulamentada pelo poder Executivo.

CRETELA JUNIOR111, citando RANELLETTI traz o conceito

de concessão como:

Concessão é a transferência, temporária ou resolúvel, por pessoa coletiva de direito público, de poderes que lhe competem, para outra pessoa, singular ou coletiva pública ou privada, a fim de que esta execute serviços por sua conte e risco, mas no interesse geral.

A definição, entretanto, mais completa do vocábulo é a dada

por DI PIETRO112, que define concessão [em sentido amplo] como:

O contrato administrativo pelo qual a administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra

110 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 385. 111 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro . p. 388. 112 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 294.

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pública ou lhe concede o uso de bem público para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais.

Ocorre que o vocábulo concessão em sentido amplo,

conforme se infere do conceito dado pela autora, pode ser utilizado para designar

diferentes espécies de transmissão de titularidade, sendo a concessão de serviço

público, concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão de obra

pública e a concessão de uso de bem público.

Segundo DI PIETRO113 a concessão de serviço público foi a

primeira forma que o Poder Público utilizou para transferir a terceiros a execução

de serviço público. Isso se deu em razão do Estado assumir encargos no campo

social e econômico, de forma que a concessão traz a especialização de um

agente para a prática do serviço, de modo a obter melhores resultados.

Conceituando o vocábulo, FIGUEIREDO114 dispõe:

Concessão de serviço público é espécie de contrato administrativo por meio do qual o Poder Público concedente, sempre precedido de licitação, salvo as exceções legais, transfere o exercício de determinados serviço ao concessionário, pessoa jurídico provada, para que os execute e, seu nome e por sua conta e risco.

Destarte, conforme se verifica, o objetivo da administração

quando concede um serviço público é satisfazer o interesse da sociedade da

melhor forma possível.

Para tanto, o concessionário tem a obrigação desempenhar

o serviço que lhe foi concedido, dentro das regras delimitadas no contrato

celebrado com a administração.

Entretanto, não é todo serviço passível de ser concedido a

execução para particulares. Conforme alerta CRETELLA JUNIOR115 apenas os

serviços cuja remuneração fique a cargo do usuário e não necessitem do

emprego de força contra o particular para serem levados a termo.

113 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 295. 114 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 93. 115 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro . 401.

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Isso se deve ao fato de que quando a sociedade surgiu e

criou o Estado, foi delimitado que o uso da força é de monopólio único do Estado,

de modo que um serviço, como o de polícia é inviável sua delegação para

terceiros.

De contrapartida à prestação do serviço, é lícito ao

concessionário cobrar pela sua utilização.

A cobrança será feita por tarifa116, a qual pode ser

proporcional, diferencial, gradual e única.

A tarifa proporcional é a que possui variação direta de

acordo com a utilização do serviço (ex. telefonia, linhas de ônibus). A tarifa

diferencial é aquela que não varia diretamente de acordo com a utilização, ou

seja, aquela em que o preço decresce com o aumento de cada unidade de

serviço requerida (ex. após utilização de determinado tempo, os créditos

adicionais decrescem seu valor). Tarifa gradual é aquela em que o valor varia de

acordo com o grupo de unidades (ex. pacote de minutos de serviço telefônico). E

por fim, a tarifa única é aquela em que o valor para qualquer utilização é o mesmo

(ex. viagens de trens).

Desta feita, a tarifa será regulada seu patamar máximo por

Lei. Entretanto não constitui tributo, mas preço público, o qual, em caso de

inadimplência deve ser cobrado pelas vias judiciais comuns.

Nestes termos, MEIRELLES117 define a concessão de

serviço público como:

Serviços concedidos são todos aqueles que o particular executa em seu nome, por sua conta e risco, remunerados por tarifa, na forma regulamentar, mediante delegação contratual ou legal do Poder Público concedente. Serviço concedido é serviço do Poder Público, apenas executado por particular em razão da concessão.

116 Segundo Cretela Jr. Tarifa é a determinação do quantum a ser pago pelo usuário, fixação esta

feita pelo poder público depois, como o quantum, em dinheiro, que o usuário é obrigado a pagar à empresa concessionária, quando se utiliza, em concreto, do serviço concedido. In CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 406.

117 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 385.

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Consoante o exposto, é possível se verificar que além do

serviço ser executado mediante tarifa, o serviço é executado por conta e risco do

particular em nome da administração, de modo que somente é concedida a

execução do serviço.

Estas peculiaridades são também conhecidas como

características da concessão, conforme ARAÚJO118 dispõe:

Melhor esclarecendo, as características da concessão, na prática podem resumir-se à existência de uma relação administrativa entre a Administração concedente e o concessionário, para a incumbência específica da gestão de um serviço público, feita por prazo determinado, sendo o serviço exercido pelo concessionário em seu próprio nome, cabendo-lhe pos os riscos/ e sabendo que a Administração delega aos concessionários não poderes públicos, mas o exercício de determinados poderes; que o concessionário, em vez de receber do Estado, em principio, recebe tarifas do usuário do serviço público concedido.

Isso quer dizer que o poder concedente somente transfere

ao concessionário a execução, continuando titular do mesmo, o que lhe permite

dispor de acordo com o interesse público, titularidade a qual lhe permite alterar as

cláusulas regulamentares ou até mesmo rescindir o contrato.

Sobre o tema, DI PIETRO119 dispõe:

O concessionário executa o serviço em seu próprio nome e corre os riscos normais do empreendimento; ele faz jus a recebimento da remuneração, ao equilíbrio econômico da concessão, e à inalterabilidade do objeto; vale dizer que o poder público pode introduzir alterações unilaterais no contrato, mas tem que respeitar seu objeto e assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, aumentando a tarifa ou compensando pecuniariamente o concessionário.

O concessionário também tem o dever de prestar os

serviços essenciais, não podendo negá-los a sociedade, mas somente exigir a

contra partida pelas vias legais.

118 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 256/157 119 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 299.

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A responsabilidade pela prestação do serviço é igual a do

Estado, ou seja, objetiva, de modo que independe de dolo e culpa, somente

precisando do nexo causal e dano entre a conduta do concessionário e o

resultado ilícito, conforme expõe DI PIETRO120:

A responsabilidade do concessionário por prejuízo causados a terceiros, em decorrência da execução de serviços público, é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6˚, da Constituição vigente, que estendeu essa norma às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos; o poder concedente responde subsidiariamente em caso de insuficiência de bens da concessionária; mas essa responsabilidade subsidiária somente se aplica em relação aos prejuízos decorrentes da execução do serviço público; eventualmente, pode haver responsabilidade solidária, por má escolha da concessionária ou omissão quanto ao dever de fiscalização.

FIGUEIREDO121 da mesma forma preleciona:

Entendemos que, embora o concessionário execute o serviço, cuja transferência de exercício foi a ele transpassada, por sua conta e risco, não de pose furtar o Estado de assumir a responsabilidade, pelo menos subsidiária, caso seja acionado, porque exauridas as forças do concessionário.

Assim, tendo em vista que o concessionário nada mais faz

do que executar um serviço público, o Estado continua sendo seu titular, motivo

pelo qual, subsidiariamente responde pelos atos praticados.

Vale mencionar que a concessão pode ser rescindida de

forma unilateral122, o que, segundo DI PIETRO123 equivale à retomada da

execução do serviço público pelo poder concedente, quando a concessão se

revelar contrário ao interesse público.

Discorrendo sobre o tema, ARAÚJO124 assim se manifesta:

120 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 300. 121 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo . p.97. 122 Também conhecida como encapação. 123 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 300. 124 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 157.

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A retomada unilateral dos serviços concedidos, por motivo que, a juízo do Poder concedente, seja de interesse público, é uma modalidade de rescisão que, no direito das concessões, denomina-se encapação ou resgate. Nesse caso, ocorre a avocação imediata do serviço público, por razões de interesse público, e o concessionário a ela não pode se opor, limitando-se seu direito à indenização, prescrita legalmente ou apurada judicialmente.

Destarte, se o serviço for retomado ocorrerá o fenômeno da

encapação, ao qual é assegurada a indenização ao concessionário.

2.2.1.2. Permissão

A permissão, por sua vez, é outra forma de delegação de

serviço público para que um particular o preste. A diferença existente entre os

institutos é que a permissão é de caráter precário, constituindo-se verdadeiro ato

unilateral.

DI PIETRO125 assim define o instituto da permissão:

A permissão de serviço público é, tradicionalmente, considerada ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário.

Desta forma, a diferença primordial entre os institutos é a

forma de constituição porquanto a permissão é um ato precário e unilateral,

enquanto a concessão decorre de um acordo de vontades.

A permissão é indicada para serviços em que o

permissionário não precisa despender grandes capitais para o exercício do

serviço público.

MELLO126, assim dispões sobre sua utilização:

A permissão, pelo seu caráter precário, seria utilizada normalmente, quando o permissionário não necessitasse alocar

125 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 303. 126 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 702.

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grandes captais para o desempenho do serviço ou quando pode mobilizar, para diversa destina;cão e sem maiores transtornos, o equipamento utilizado, ou, ainda, quando o serviço não envolvesse implantação física de aparelhamento que adere ao solo ou, finalmente, quando os riscos da precariedade a serem assumidos pelo permissionário fossem compatíveis seja pela rentabilidade do serviço, seja pelo curto prazo em que se realizaria a satisfação econômica almejada.

Desta forma, são exemplos de serviços precário o serviço de

transporte coletivo e abastecimento da população.

A permissão possui características peculiares, como o seu

contrato de adesão, precário e revogável pelo poder concedente, prescinde de

licitação, tem por objeto a execução de um serviço público, continuando a

titularidade do Poder Público, o serviço é executado em nome do permissionário,

por sua conta e risco, sujeitando-se o permissionário as condições estabelecidas

pela Administração.

A existência permissões com prazo é uma situação

excepcional que a doutrina tem diversos entendimentos sobre sua ocorrência.

DI PIETRO127, traz a baila o tema e discorre:

Segundo entendemos, a fixação de prazo aproxima de tal forma a permissão da concessão que quase desaparecem as diferenças entre os dois institutos. Em muitos casos, nota-se que a Administração celebra verdadeiros contratos de concessão sob o nome de permissão. Isto ocorre porque a precariedade inerente à permissão, com possibilidade de revogação a qualquer momento, sem indenização, plenamente admissível quando se trata de permissão de uso de bem público, é inteiramente inadequada quando se cuida de prestação de serviço público.

Discorrendo sobre o tema, a autora ainda dispõe que há

autores como MEIRELLES que entendem que a existência de prazo desnatura o

instituto, ou outros como BARBOSA que entendem pela inutilidade da permissão,

de modo que ela deva ser extinta.

127 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 304.

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MELLO128 por sua vez, defende a existência do instituto no

mundo jurídico:

Assim, em face disto, sobreposse nas permissões deferidas a prazo certo – mormente quando a própria lei autoriza outorga em tais termos -, mas também naqueloutros em que, mesmo sem quaisquer destas garantias, o permissionário já efetuara dispêndios de vulto, tornou-se impossível desconhecer a relevância jurídica destes fatos e o conseqüente direito do permissionário, seja – correlatamente – ao direito de ser indenizado nos casos em que a extinção unilateral da permissão se efetuava sem que o permissionário houvesse incorrido em falta que a justificasse.

Esta mesma idéia da possibilidade de ser feita permissão

por prazo determinado é adotada por MEIRELLES129:

A permissão é, em princípio, discricionária e precária, mas admite condições e prazos para exploração do serviço, a fim de garantir rentabilidade e assegurar a recuperação do investimento do permissionário visando a atrair a iniciativa privada. O que se afirma é que a unilateralidade, a discricionariedade e a precariedade são atributos da permissão, embora possam ser excepcionado sem certos casos, diante do interesse administrativo ocorrente.

Desta forma, caso elaborado contrato de permissão por

prazo determinado, caso revogado em data anterior a sua resolução , o

permissionário poderá requerer indenização, consoante dispõe FIGUIREDO130 ao

afirmar que se por prazo indeterminado a permissão, se revogada, de qualquer

forma haveria indenização.

Além de poder ser estipulado um prazo determinado, a

permissão também admite a existência de certas condições para sua

execução131. Deste modo, o permissionário deve respeitar as condições de

exeqüibilidade do serviço imposta pelo Estado, sob pena de perda de cassação

da permissão.

128 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. p. 416. 129 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 403-404. 130 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 110. 131 Conhecida como permissão condicionada.

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A responsabilidade pelo atos praticados é exclusiva do

permissionário, que pratica a atividade por sua conta e risco, embora possa a

administração responder subsequentemente poderá ser responsabilizada por

culpa na escolha do permissionário ou na fiscalização do executor do serviço.

Os serviços públicos passíveis de permissão também não

são todos, mas somente os serviços de utilidade pública, consoante

MEIRELLES132 leciona:

Observa-se, finalmente, que serviço permitido é serviço de utilidade pública e, como tal, sempre sujeito às normas de Direito Público. Não se pode, assim, realizar a permissão ou traspassar a prestação de serviço permitido em forma de avença privada, em que predomina o interesse particular.

Por fim, a forma genérica como foi disciplinada a permissão

possibilita que seja feita por diversos meios de licitação sem que seja obrigatório

a concorrência, o que consoante adverte DI PIETRO133 pode tornar bastante

problemática a utilização do instituto ou, pelo menos, possibilitar abusos, por

ensejar o uso de outro meio de licitação [...].

2.2.1.3. Autorização

A autorização de serviço público é um serviço prestado

sempre no interesse do beneficiário, em que não há viabilidade de competição,

motivo pelo qual não prescinde de licitação. Assim, o poder público delega para

que o particular a exerça. Exemplo desta modalidade de delegação de serviço

púbico é na Energia Elétrica.

Sobre o tema, DI PIETRO134 se manifesta:

O serviço é executado em nome do autorizatário, por sua conta e risco sujeitando-se à fiscalização pelo poder público. Sendo ato precário, pode ser revogado a qualquer momento, por motivo de interesse público sem dar direito a indenização.

132 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 405. 133 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 304. 134 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 305.

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Destarte consoante exposto o instituto se assemelha a

permissão, em razão de sua unilateralidade, precariedade e discricionariedade, e

assim como aquela, podem existir autorizações com prazo determinado.

Ocorre que esta visão clássica do instituto foi ampliada para

abranger também os serviços públicos caracterizados por interesses coletivos

instáveis ou de emergência, com natureza transitória, que podem ser modificado

ou suprimido a qualquer tempo.

Desta forma, MEIRELLES135 define serviços autorizados

como:

Serviços autorizados são aqueles que o poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis ou emergência transitória.

FIGUEIREDO136 também conceitua a autorização como ato

administrativo, unilateral, precário, que se presta para serviços públicos

emergenciais, não constantes.

Isso se deve ao fato de que para os autores que adotam a

nova interpretação sobre o cabimento da autorização de que a autorização fora

das situações de emergência ou instabilidade é uma afronta ao princípio

constitucional da isonomia137, pois deverá ser feita a delegação da execução dos

serviços por concessão ou permissão.

A remuneração dos serviços restados é tarifada pela

administração e a execução do serviço é pessoa e intransferível, sem

necessidade de licitação para escolha do prestador, não gozando este das

prerrogativas da atividade pública, saldo se o ato de autorização expressamente

assim o definir, não sendo considerados seus executores como agentes públicos.

135 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 406. 136 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 112. 137 O qual implica na obrigatoriedade da licitação

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MEIRELLES138 assim dispõe:

A modalidade de serviços autorizados é adequada para todos aqueles que não exigem execução pela própria Administração, nem pedem especialização na sua prestação ao público, como ocorre com os serviços de táxi, de despachantes de pavimentação de ruas por conta dos moradores, de guarda particular de estabelecimento ou residências, os quais, embora não sendo uma atividade pública típica convém que o Poder Público conheça e credencie seus executores e sobre eles exerça o necessário controle no seu relacionamento com o público e com os órgãos administrativos a que se vinculam para o trabalho.

Desta forma, a contratação desses serviços é regida pelo

Direito Privado sendo que qualquer irregularidade deve ser comunicada à

Administração, que somente poderá conhecer a falta do autorizado e lhe aplicar a

sanção cabível.

2.3. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO

Os serviços prestados pelo Estado, por seus

concessionários ou permissionários, e a própria Administração, seguem princípios

em razão do interesse da sociedade. Segundo CRETELLA JUNIOR139, o

vocábulo “princípio tem o sentido de “aquilo que vem antes de outro”, “origem,

começo”, “momento em que se faz uma coisa pela primeira vez”.

No direito administrativo brasileiro140 os princípios básicos

que o regem são: legalidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade,

eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica, motivação e

supremacia do interesse público. Estes princípios vem enxertos no art. 37, caput,

da CF/88 e na Lei 9.784/99.

Sobre o tema, MEIRELLES141 adverte:

Por estes padrões é que deverão de pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação

138 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 406. 139 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro . p. 43. 140 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 87. 141 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 87.

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administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública, Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.

Consoante exposto, a atividade administrativa deve ser

guiada pelos princípios básicos elencados na CF, sob pena de ilegalidade do ato.

2.3.1. Legalidade

O princípio da Legalidade nasce com o chamado Estado de

Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais,

porquanto estabelece os limites da atuação administrativa.

DI PIETRO142, sobre o tema, leciona que em decorrência

desse princípio a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo,

conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos

administrados, para tanto ela depende de Lei.

BANDEIRA DE MELLO143 tem o mesmo posicionamento

sobre o tema:

A expressão legalidade deve, pois, ser entendida como ‘conformidade à lei e, sucessivamente às subseqüentes normas que, com base nela, a Administração expressa para regular mais estritamente sua própria discrição’, adquirindo então um sentindo mais extenso.

MEIRELLES144, por sua vez, leciona:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Mais adiante, o autor prossegue discorrendo sobre a

legalidade: 142 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 82. 143 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. p.67. 144 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 87.

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Na Administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública s’é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.145

Entretanto, FIGUEIREDO146 adverte que o princípio não se

limita a praticar somente o disposto na lei:

Ora, assim como o princípio da legalidade é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois aquele, necessariamente, deve estar submetido ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios. Constitucionais, assim também há de se procurar solver a hipótese de a norma ser omissiva ou, eventualmente, faltante.

Desta forma, consoante lição de MEIRELLES147 cumprir

simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atende-la na sua

letra e no seu espírito. Assim, para atingir o espírito da Lei, deve ser da

moralidade administrativa.

2.3.2. Moralidade

É pacífico que o ato administrativo deve obedecer não

somente à lei jurídica mas também a lei ética da instituição, pois a moralidade,

juntamente com sua legalidade e finalidade, alem dos demais princípios,

constituem pressupostos de validade sem os quais a atividade pública é ilegítima.

Sobre o tema, DI PIETRO148 afirma:

No entanto, antiga é a distinção entre moral e direito, ambos representados por círculos concêntricos, sendo o maior correspondente à moral e, o menor ao direito. Licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo que é legal é honesto).

Falando sobre o tema, DI PIETRO149 leciona:

145 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 88. 146 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 42 147 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 88. 148 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 92.

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Além disso, o princípio deve ser observado não apenas pelo administrador, mas também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública. São freqüentes, em matéria de licitação, os conluios entre licitantes, a caracterizar ofensa a referido princípio.

O mesmo posicionamento é de FIGUEIREDO150, citando

BRANDÃO, quanto ao princípio da moralidade:

Quanto a moralidade administrativa, sua existência provém de tudo que possui uma conduta prática, forçosamente da distinção do bem e do mal. Como a Administração tem uma conduta, ela pratica esta distinção ao mesmo tempo que aquela do justo e do injusto, do lícito e do ilícito, do honorável e do desonorável, do conveniente e do inconveniente.

Desta forma, as condutas praticadas pela administração

deve obedecer a distinção entre licito e ilícito, mas além disso se a conduta

praticada é justa, conveniente e honorável.

2.3.3. Impessoalidade ou finalidade

O princípio da impessoalidade ou finalidade impõe ao

administrador público que pratique seus atos com o fim que a norma indica.

Sobre o Tema, MEIRELLES leciona:

A finalidade terá sempre um objeto certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objeto sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, que a nossa lei da ação popular conceituou como o “fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência” do agente.

Assim, é vedada a prática de atos administrativos sem o

interesse público da Administração, que visem satisfazer interesses provados,

pois configura o desvio de finalidade.

DI PIETRO151 assim se manifesta:

149 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 93. 150 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 56. 151 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 85.

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Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que este atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio se relaciona com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.

FIGUEIREDO152, seguindo a mesmo diapasão dispõe:

A impessoalidade caracteriza-se, pois, na atividade administrativa, pela valoração objetiva dos interesses públicos e privados envolvidos na relação jurídica a se formar, independentemente de qualquer interesse político.

Destarte, este princípio impõe toda atividade da

administração é praticada por ela e em nome dela e não por seus

administradores153, assim como seus atos devem ser direcionados à Sociedade

como um todo e não a indivíduos certos e determinados escolhidos por razões

diversas do interesse público.

2.3.4. Razoabilidade e proporcionalidade

MEIRELLES154, citando FERREIRA NETO e discorrendo

sobre seu pensamento afirma que a razoabilidade atua como critério,

finalisticamente vinculado, quando se trata de valoração dos motivos e da escolha

do objeto para a pratica do ato discricionário.

FIGUEIREDO também segue o mesmo norte, explanando

que É por meio da razoabilidade das decisões tomadas que se poderá constrastar

atos administrativos e verificar se estão dentro da moldura comportada pelo

direito.

Neste sentido a razoabilidade deve ser aferida segundo os

“valores do homem médio”, e como afirma FIGUEIREDO155 resume-se o principio

152 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 63. 153 Evitando-se promoção pessoal. 154 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 93. 155 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 51.

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da proporcionalidade na direita adequação das medidas tomadas pelas

Administração as necessidades administrativos.

Assim o centro dos princípios da proporcionalidade e da

razoabilidade é a exata medida entre os atos e do interesse público, cabendo ao

administrador, por força de Lei, ponderar se aquele ato atende ao interesse

público.

2.3.5. Publicidade

A publicidade é a divulgação do ato administrativo para que

surta seus efeitos, ou seja, para que os administrados tenham ciência do ato que

é praticado pela administração.

MEIRELLES156 sobre o tema adverte:

A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige.

A publicidade, como princípio da Administração Pública,

abrange tanto o aspecto de divulgação dos atos praticados como do

conhecimento da conduta interna de seus agentes, entretanto não podendo ser

usada como instrumento promoção pessoal dos agentes, conforme

MEIRELLES157 adverte:

Como já mencionado, sob pena de lesar s princípios da impessoalidade, finalidade e moralidade, a publicidade não poderá caracterizar promoção pessoal do agente público. Daí, a Lei 9.784/99 dizer que o administrador público deve adotar o critério da “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades” – vale dizer, do servidor público.

FIGUEIREDO158 aduz que a publicidade e a ação popular e

outros meio de controle da administração pública possibilita as formas de controle

156 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 94. 157 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 96. 158 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 62.

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administrativas constitucionalmente, tanto internas quanto externas, das quais já

falamos, ainda que brevemente.

Vale lembrar que a publicidade dos atos não é absoluta,

entretanto somente poderá ser restringida quando a defesa da intimidade ou o

interesse social o exigirem.

2.3.6. Eficiência

O princípio da eficiência exige que a atividade da

administração seja feita com presteza, perfeição e rendimento.

Segundo DI PIETRO159:

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados. E em relação ao modo de organizar, estruturar disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

FIGUEIREDO160 ainda afirma que deve ser olhado tanto a

legalidade, como a economicidade para se ter a eficiência:

Deveras, tal controle deverá ser exercido não apenas sobre a legalidade, mas também sobre a legitimidade e economicidade; portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao núcleo, dos atos praticados pela Administração Pública, para verificação se foram úteis ou suficientes ao fim a que se preordenavam.

Assim, pelo princípio da eficiência, a administração deve ser

ágil, rápida e principalmente eficiente, agindo de modo econômico, de modo que

preste sua função com qualidade.

159 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 98. 160 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 64-65.

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2.3.7. Segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica, segundo MEIRELLES161,

é uma das vigas mestras da ordem jurídica, a ele esta ligada a exigência de maior

estabilidade nas relações jurídicas, mesmo daquelas que na sua origem tenham

vícios de ilegalidade.

Assim, pelo principio da segurança não constitui uma

anomalia um ato nulo admitir o convalescimento, quando sua alteração causar

maior dano do que se preservada a situação.

Entretanto, DI PIETRO162 adverte que o princípio tem que

ser aplicado com cautela, para não levar ao absurdo de impedir a Administração

de anular atos praticados com inobservância da lei.

Explanando o tema MEIRELLES163 afirma:

A moralidade aqui examinada é semelhante à “boa-fé subjetiva” do Direito Privado, denotando um “estado de consciência ou convencimento individual de obrar em conformidade ao Direito” ou “a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável, acerca da existência de uma situação regular”.

Assim, pelo princípio da segurança jurídica os atos

praticados geram segurança jurídica e muitas vezes para evitar instabilidade,

mesmo atos praticados sem as devidas formalidade, são aceitos como válidos.

2.3.8. Motivação

A administração é obrigada, pelo princípio da motivação, a

indicar os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Trata-se de

formalidade necessária e inafastável, que possibilita o controle da legalidade dos

atos administrativos.

161 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro . p. 98. 162 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 100. 163 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 99.

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MEIRELLES164 citando BIELSA e JÈZE afirma:

Por princípio, as decisões administrativas devem ser motivadas formalmente, vale dizer que a parte dispositiva deve vir precedida de uma explicação ou exposição dos fundamentos de fato (motivos-pressupostos) e de direito (motivos-determinantes da lei).

[...] para se ter certeza de que os agentes públicos exercem a sua função movidos apenas por motivos de interesse público da esfera de sua competência, leis e regulamentos recentes multiplicam os casos em que funcionários, ao executarem um ato jurídico, devem expor expressamente os motivos que o determinaram. É a obrigação de motivar.

Assim, os atos praticados pela administração devem ser

fundamentados, pois a motivação é imprescindível na atividade administrativa já

que, segundo FIGUEIREDO165, não se concebe possa a Administração permitir a

alguns que nega a outros sem qualquer motivação. Tal proceder não é abrigado

pelo ordenamento jurídico. Muito pelo contrário: é rejeitado.

2.3.9. Interesse público ou Supremacia do Interesse Público

A existência do Estado é o fundamento do princípio da

Supremacia do interesse público. Isso porque a atuação estatal é a busca pelo

interesse da sociedade.

Sobre o tema, MEIRELLES166 afirma:

O princípio do interesse público esta intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inércia, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços forem delegados aos particulares.

Este princípio basilar do Estado, apesar de controvérsias

doutrinarias, não vem enxerto em dispositivo legal algum, entretanto da análise

164 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 100. 165 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 52. 166 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 103.

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sistemática de todo conjunto constitucional é que se faz presente. Conforme

MELLO167 ensina:

[...] o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não de radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V, VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.

O Estado, por sua vez, na sua forma atuação possui

prerrogativas as quais não pode renunciar, pois o que lhe fornece legitimidade

para atuar é a Lei168 e somente ela poderá autorizar que disponibilize ou renuncie

os poderes que lhe são conferidos.

Neste diapasão, MEIRELLES169 expõe:

Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.

Esta preferência pelo interesse público gera no Estado

diversas conseqüências, pois o Estado atua como agente na defesa do coletivo e

consoante DI PIETRO170 ensina, até o conceito de serviço público foi

desenvolvido:

Em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a conseqüente ampliação do próprio conceito de serviço público.

167 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. p. 85. 168 Entendida como a sociedade atuando por seus representantes ou diretamente, nos casos

previstos na CF. 169 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 103. 170 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 83.

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Assim, o cerne deste princípio é que tanto na elaboração da

Lei171 quanto a sua execução, a finalidade pública, ou seja, o interesse público

deve estar presente, pois ele é que confere legalidade ao ato praticado.

Sobre o tema, DI PIETRO172 leciona:

Apesar de algumas criticas a esse critério distintivo, que realmente não é absoluto, algumas verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. [...] princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais.

Assim, o primado de interesse público é o alicerce do direito

público e mais, de toda a Administração Pública, pois sempre em seus atos deve

ser observado o interesse da sociedade geral, vedando-se à prática de atos que

não exteriorizem essa vontade.

171 Que é a expressão de vontade do povo. 172 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p.. 83.

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CAPÍTULO 3

NULIDADE E ANULABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO

3.1 CONCEITO, REQUISITOS E ATRIBUTOS DO ATO ADMINSI TRATIVO

A Administração Pública realiza sua função através de atos

jurídicos que recebem a denominação de Atos Administrativos. Estes Atos são

praticados em regra pelos órgãos do executivo, conforme MEIRELLES173 ensina:

A prática de atos administrativos cabe, em princípio e

normalmente, aos órgãos executivos, mas as autoridades judiciárias e as mesas

legislativas também os praticam restritamente, quando ordenam seus próprios

serviços, dispõe sobre seus servidores ou expedem instruções de matéria de sua

privativa competência.

Desta forma, existem atos praticados pelo Legislativo (leis) e

pelo Judiciário (decisões judiciais), os quais se diferenciam pela função específica

de legislar e jurisdicionar. Entretanto, consoante exposto, estes órgãos também

praticam atos administrativos, quando se manifestam em relação a

regulamentação e funcionamento da própria atividade.

3.1.1 Conceito de Ato administrativo

O que diferencia sempre o Ato Administrativo das outras

espécies de atos, tais como os judiciais e legislativos é a presença imprescindível

da finalidade pública.

Segundo DI PIETRO174, Ato Administrativo é a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.

173 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 149. 174 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 206.

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ARAÚJO175, por sua vez, define Ato Administrativo como:

[..] declaração de vontade do Estado, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse público, com ela objetivados, determinados ou admitidos pelo ordenamento jurídico, em matéria administrativa.

Assim, o Ato Administrativo é a manifestação de vontade do

Estado legalmente constituída, que tem por objetivo o interesse público, ou seja,

da coletividade.

MEIRELLES176, por sua vez, dá a conceituação do que

considera Ato Administrativo puro, dispondo:

[...] toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

O conceito dado por Meireles é chamado de Ato

Administrativo unilateral, ou típico, pois é aquele que se forma com a vontade

única da administração, em observância ao princípio da supremacia do interesse

público.

Sobre o tema, MEIRELLES177 ensina:

Por aí se vê que o ato administrativo típico é sempre manifestação de vontade volitiva da Administração, no desempenho de suas funções de Poder Público, visando a produzir algum efeito jurídico, o que o distingue do fato administrativo, que, em si, é a atividade pública material, desprovida de conteúdo de direito.

Desta forma, deve ser observada a distinção existente entre

o fato da Administração, que é toda manifestação material da Administração para

175 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 445/446. 176 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 149. 177 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 150.

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cumprir alguma decisão administrativa, do conceito do próprio Ato Administrativo,

que é a expressão da vontade do Estado.

3.1.2 Requisitos do Ato Administrativo 178

Para a formação do ato administrativo são necessários cinco

requisitos, a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto, os quais, nas

palavras de Meirelles179 constituem a infra-estrutura do ato administrativo, seja ele

vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão.

3.1.2.1 Competência

A primeira condição para validade do Ato Administrativo é a

competência, pois nenhum ato nenhum Ato pode ser realizado validamente sem

que o agente tenha poderes legais para tanto.

Sobre as regras de competência DI PIETRO180 dispõe:

1. decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições; 2. é inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse público; 3. pode ser objeto de delegação ou de avocação, desde que não se trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei.

Assim, a competência sempre será dada e limitada pela Lei,

que é a manifestação legítima do interesse público. Sobre o tema, MEIRELLES181

explica que a ausência de competência leva a invalidade do Ato:

Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática é inválido, por lhe faltar elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração.

178 Também conhecido como elementos do Ato Administrativo. 179 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151. 180 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 214-215. 181 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151.

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Sendo a competência um poder atribuído ao agente da

Administração, ela é intransferível e improrrogável, trata-se de requisito de ordem

pública, admitindo, entretanto, sua delegação, sempre quando a Lei lhe permitir.

FAGUNDES182, fazendo análise aprofundada sobre as

condições de validade da atividade estatal, define a competência como meio de

garantia contra excessos do Estado:

A competência vem rigorosamente determinada no Direito Positivo como condição de ordem para o desenvolvimento das atividades estatais e, também, como meio de garantia para o indivíduo que tem na sua discriminação o amparo contra o excessos de qualquer agente do Estado.

Desta forma, conclui-se que a competência é condição de

validade primordial do Ato Administrativo, vez que é atribuída pela Lei e somente

por ela pode ser exercida ou delimitada.

3.1.2.2 Finalidade

A finalidade também constitui requisito essencial do Ato

Administrativo porquanto este deve ter por fim o interesse público, de forma que

inexiste Ato Administrativo sem finalidade.

Consoante ensina DI PIETRO183 a finalidade é o resultado

que a Administração quer alcançar com a prática do ato. Este conceito dado pela

autora traz de forma prática a definição do requisito. Entretanto, não deve olvidar-

se de que o objetivo da Administração é sempre o interesse público, consoante

Meirelles184 ensina:

A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo – discricionário ou regrado – porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específicas. Desde que a Administração Pública só se justifica como fator de realização do interesse coletivo, seus atos hão de se dirigir sempre e sempre

182 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. 5.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 52. 183 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p 219. 184 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151/152.

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para um fim público, sendo nulos quando satisfazem pretensões descoincidentes do interesse coletivo.

Desta forma, os Atos Administrativos tem de observar o

interesse da sociedade, de forma que quando ausente sua finalidade são

considerados inválidos.

O conceito de finalidade, em uma análise perfunctória, pode

parecer semelhante ao motivo que leva a prática do Ato. Entretanto, consoante DI

PIETRO185 explana, eles não se confundem:

Distingue-se do motivo, porque antecede a prática do ato, correspondendo aos fatos, as circunstâncias, que levam a Administração a praticar o ato. Já a finalidade sucede à prática do ato, porque corresponde a algo que a Administração quer alcançar com a sua edição.

Destarte a finalidade do ato administrativo será sempre a

que a Lei dispõe186 não cabendo ao administrador dar ao Ato outra finalidade, por

motivos estranhos aos interesse público, sob pena de incorrer em desvio de

poder.

3.1.2.3 Forma

Assim como os requisitos anteriormente expostos, para a

perfeição do ato administrativo, é requisito imprescindível sua forma.

Sobre este requisito, MEIRELLES187 afirma:

Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Daí podemos firmar que, se, no Direito Privado, a liberdade da forma do ato jurídico é regra, no Direito Público é exceção.

Isso ocorre em razão do princípio da legalidade, ao passo

que conforme afirma MEIRELLES188 a inexistência de forma induz a inexistência

185 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 219. 186 Quer seja implícita ou explicitamente. 187 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 152.

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do ato administrativo. Assim a regra é que os Atos Administrativos sejam escritos

em forma legal, sob pena de invalidade.

O mesmo entendimento é dado por DI PIETRO189, quando a

autora afirma que a forma é uma garantia jurídica para os Administrados e para a

Administração.:

No direito administrativo, o aspecto formal do ato é de muito maior relevância do que no direito privado, já que a obediência à forma (no sentido estrito) e ao procedimento constitui garantia jurídica para o administrado e para a própria Administração; é pelo respeito à forma que se possibilita o controle do ato administrativo, quer pelos seus destinatários, quer pela própria Administração, quer pelos demais Poderes do Estado.

Assim, a inobservância da forma pode viciar o Ato

Administrativo, tornando-o passível de invalidação, toda vez que esta for

imprescindível para sua perfeição e eficácia.

Assim como a forma é requisito para validade na

constituição do Ato, sua revogação ou modificação deve seguir a mesma forma

da elaboração, porquanto se trata de elemento formal indispensável tanto para a

constituição quando para seu desfazimento ou alteração.

Ademais, apesar da forma ser requisito essencial, existem

exceções a sua aplicabilidade, pois, consoante PIETRO190 afirma admitem-se

ordem verbais, gestos apitos, sinais luminosos [...] hipóteses do superior dando

ordens ao seu subordinado ou do policial dirigindo o trânsito.

Desta forma existem Atos que não obedecem esta forma,

são casos de urgência, transitoriedade ou até mesmo irrelevância do assunto que

autorizam a prática do Ato de outra forma.

188 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 152. 189 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 218. 190 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 218.

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3.1.2.4 Motivo

O motivo como requisito para o Ato Administrativo é a razão

que leva a Administração à prática do Ato. Ele pode ser expresso, quando a

própria Lei o expõe191 ou implícito, quando deixado a cargo do administrador, que

deverá observar praticar o Ato em razão de conveniência e oportunidade192, mas

sempre respeitado o interesse público.

Sobre a conceituação de motivo, MEIRELLES193 explana:

O motivo ou causa é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato, pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador.

Semelhante posição é dada por PIETRO194, que discorre

sobre o requisito como sendo pressuposto de fato e de direito :

motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato. Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato.

FIGUEIREDO195, por sua vez, o conceitua como [..]

pressuposto fático, ou acontecimento no mundo fenomênico, que postula, exige

ou possibilita a prática do ato. Difere do motivo penal, que é pressuposto descrito

na norma.

191 Conhecido como atos vinculados. 192 Conhecido como atos discricionário. 193 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 153. 194 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 220. 195 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. p. 189.

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Entretanto, não se pode afirmar que o motivo é

simplesmente o pressuposto fático que gera o Ato, mas sim também todo o

complexo de normas jurídica que a ele são aplicadas, pois para a atividade

Administrativa deve ser observado o interesse da sociedade.

Essa idéia é dada por CINTRA196, que dispõe sobre os

motivos do Ato Administrativo :

Entendemos, portanto, como motivos do ato administrativo, o conjunto de elementos objetivos de fato e de direito que lhe constitui o fundamento. Isto significa que, para nós, os motivos do ato administrativo compreendem, de um lado, a situação de fato, que lhe é anterior, e sobre a qual recai a providência adotada, e, de outro lado, o complexo de normas jurídicas por ele aplicada àquela situação de fato.

Desta forma, o conceito dado pelo autores é resumido por

ARAÚJO197, que ensina que motivo é o que provoca o impulso volitivo que

condicionará a formação do ato, sua execução e sua eficácia, porque a

Administração só pode agir de acordo com o interesse público, conforme a lei

determina ou permite.

O motivo, seja ele intrínseco ou extrínseco, é requisito

obrigatório do Ato Administrativo, sua ausência ou falsidade invalidam o Ato

praticado.

Essa idéia é retratada por Pietro198, quando leciona sobre a

necessidade de motivação em todos os Atos, quer sejam discricionários ou

vinculados:

Entendemos que a motivação, em regra, é necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais poderes do Estado.

196 CINTRA. Antonio Carlos de Araújo. Motivo e motivação do Ato Administrativo . São Paulo,

RT, 1979, p. 97. 197 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 448. 198 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 221.

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Desta feita, vale mencionar que quando o Ato praticado for

revestido de motivação falsa, o Ato é inválido, porquanto a motivação é

decorrência lógica do princípio da legalidade, o qual não pode ser afastado da

atividade administrativa, sob pena de nulidade.

Ademais, caso um Ato seja praticado por motivação falsa,

aplica-se a teoria dos motivos determinantes, que nada mais é que a máxima de

que quando a Administração motiva o Ato, ele só é válido caso estes sejam

verdadeiros.

3.1.2.5 Objeto

O objeto como último requisito essencial do ato

administrativo, deve observar a conformidade com Lei.

MEIRELLES199 afirma que o objeto identifica-se com o

próprio conteúdo do Ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e

sua vontade, ou atesta situações preexistentes.

Todavia, a definição dada pelo autor é vaga, sendo que DI

PIETRO200 traz alguns requisitos para o objeto:

Como no direito privado, o objeto deve ser lícito (conforme à lei), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito) certo (definido quando ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar), e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos éticos).

Fazendo-se um apanhado de ambos os conceitos expostos,

percebe-se nitidamente a ausência do requisito mais essencial do objeto que o

invalida em sua essência, o interesse público.

Neste diapasão, colaciona-se o ensinamento de ARAÚJO201

sobre o objeto ao dispor que além de lícito e possível, deve resultar em um

199 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 154. 200 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 217. 201 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 448-449.

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interesse público, mas não um qualquer, e sim aquele interesse público que

constitui o motivo que impulsionou a manifestação de vontade do agente.

Assim, o objeto deve necessariamente conter um interesse

público, sob pena de invalidade dos Atos Administrativos praticados, por vício de

desvio de finalidade.

3.1.3. Atributos do ato administrativo

Os atos administrativos possuem características próprias e

condições que lhes são peculiares por serem emanação do poder público. São

decorrência lógicas do princípio da supremacia do interesse público, aos quais

denominam-se atributos do ato administrativo.

Os atributos do ato administrativo, são representados pela

presunção de legitimidade, tipicidade, imperatividade e auto-executoriedade.

3.1.3.1 Presunção de legitimidade

A presunção de legitimidade é decorrência direta do

princípio da legalidade [art. 37, da CF]. Isso porque para dar celeridade e

segurança na atividade administrativa, seus Atos não podem ficar dependentes

de decisões que confirmem legitimidade para a prática do Ato.

Assim, todos os atos praticados pela administração são tidos

como legítimos, até que se prove o contrário.

Segundo MEIRELLES202 a presunção de legitimidade

autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo

que argüidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade.

Desta forma, enquanto não sobrevier pronunciamento de

nulidade do Ato impugnado ele é tido como válido e operante, somente cabendo a

autoridade judicial, por liminar, sustar os efeitos até o pronunciamento final, em

caso de impugnação judicial.

202 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 158.

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DI PIETRO203 faz alusão a diferença entre presunção de

legitimidade e de veracidade dos Atos, dispondo:

A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência deste tributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei.

De veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência deste atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com relação às ertidões, aestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública.

Em razão da presunção de legitimidade do ato

administrativo, o ônus da prova é transferido para que o impugna e, na argüição

de nulidade por vício formal ou de motivo, até ser anulado o Ato possui eficácia204.

Sobre o ônus da prova, DI PIETRO205 afirma:

A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse efeito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade argüida pela parte.

Neste diapasão, enquanto não decretada à invalidade do Ato

pela própria Administração ou pelo Judiciário, ele produzirá efeitos da mesma

forma que o Ato válido, devendo ser cumprido.

3.1.3.2 Tipicidade

O atributo da tipicidade delimita que todo ato administrativo

praticado deve ter sua previsão expressa legalmente. Assim, para atingir as

finalidades da Administração, os atos administrativos já vêm previstos na

legislação, que é a expressão da vontade da sociedade.

203 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 208. 204 Para Meirelles eficácia é a idoneidade que se reconhece ao ato administrativo para produzir

seus efeitos específicos, pressupondo a realização de todas as fazer e operações necessárias à formação do ato final.

205DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 209.

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DI PIETRO206 conceitua Tipicidade como:

Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei.

O atributo da tipicidade é uma garantia legal para que não

sejam os administrados surpreendidos pela atuação discricionária e, conforme

leciona DI ÍETRO207 é decorrência do princípio da legalidade , obstando a prática

de atos inominados pela administração, os quais dotados de imperatividade e

executoriedade vinculariam os atos do particular, sem previsão legal.

3.1.3.3. Imperatividade

A imperatividade é atributo que está presente em

praticamente todos os atos administrativos208 e impõe a coercibilidade no

cumprimento ou execução do Ato.

Isso porque, os Atos praticados pelo Estado, que dêem um

provimento ou uma ordem administrativa nascem sempre com esse atributo, vez

que o Estado, como detentor exclusivo da força, para regular a sociedade dele

pode dispor.

DI PIETRO209 dispõe que imperatividade é o atributo pelo

qual os atos administrativos se impõe a terceiros, independente de sua

concordância. Isto ocorre em razão da Atividade Administrativa ser vinculada a

vontade legal210, de forma que seus atos já são dotados de legitimidade de toda

sociedade.

Discorrendo sobre o tema, ARAÚJO211 ensina:

206 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 211. 207 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 212. 208 Exceto enunciativos e negociais. 209 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 210. 210 Que nada mais é do que a expressão da vontade do povo. 211 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 447-448

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Imperatividade: os comandos administrativos são obrigatórios a todos os que na hipótese se enquadrem, porque tais atos presumem-se legítimos e verdadeiros até prova definitiva em contrário, uma vez que o Estado só pode Agir conforme a lei, o interesse público (presunção de legitimidade). Fundamentando-se nesses dois atributos, o ato administrativo, ao contrário dos atos jurídicos privados é, em princípio auto-executável (ato-executoriedade), de imediato, pela Administração, até mesmo coercitivamente, uma vez que a realização do interesse público sobrepuja os interesses privados, muitas vezes não pode e não deve sujeitar-se à participação dos destinatários ou de outros Poderes para concretizar-se, invertendo o ônus da prova e mesmo da provocação judiciária a quem alega a invalidade (ainda a presunção de legitimidade): a Administração executa imediatamente, independentemente de declaração de declaração de validade ou aquiescência, as atividades necessárias, e o particular que se sentir prejudicado é que deve acionar o judiciário, se assim o desejar.

Aliado a presunção de legitimidade do Ato, a imperatividade

não depende de declaração quanto a sua validade ou invalidade, devendo o Ato

ser cumprido enquanto tenha efeitos no mundo jurídico, tendo em vista que

representa o interesse público.

3.1.3.4 Auto-executoriedade

O atributo da auto-executoriedade significa que alguns atos

administrativos podem ser executados diretamente pela Administração,

independente de ordem judicial.

DI PIETRO212 define auto-executoriedade como atributo pelo

qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração

Pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Isso acontece porque não seria possível a Administração

desenvolver suas atividades caso sempre necessitasse recorrer ao judiciário, para

efetivar sua atuação.

Sobre o tema, MEIRELLES213 ensina:

212 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 210. 213 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 162.

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Realmente não poderia a Administração bem desempenhar sua missão de autodefesa dos interesses sociais se, a todo momento, encontrando natural resistência do particular, tivesse que recorrer ao judiciário para remover a oposição individual à pública.

Além de possibilitar a atividade administrativa, a

dependência da Administração ao Judiciário implicaria a desarmonia entre os

poderes pois sujeitaria toda e qualquer atividade do executivo ao crivo prévio do

judiciário.

Esta prerrogativa é dividida por vários autores em

executoriedade e auto-executoriedade, consistindo a primeira [sempre prevista

em Lei] na utilização de meios coercitivos de forma indireta [multa e penalidades

administrativas], enquanto na auto-executoriedade é caracterizada pelo uso de

meios diretos de coerção [uso da força] não tendo previsão legal, mas sempre

para atender situações que ponham em risco o interesse da coletividade.

Destarte, em que pese o Ato ser auto-executório, quando

lesado o particular pela administração, é resguardado a este cabe pedir a tutela

jurisdicional que vise impedir à administração da prática do Ato.

Sobre a possibilidade de intervenção judicial, DI PIETRO214

leciona:

Embora se diga que a decisão executória dispensa a Administração de ir preliminarmente a juízo, essa circunstância não afasta o controle judicial a posteriori, que pode ser provocado pela pessoa que se sentir lesada pelo ato administrativo, hipótese que poderá incidir a regra da responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes (art. 37, § 6, da CF).

Desta forma, todos os Atos Administrativos se sujeitam ao

controle do poder judiciário, o qual possui legitimidade para análise da legalidade

na prática do Ato, de forma a coibir excessos praticados com desvirtuamento da

função administrativa.

Assim, percebe-se que como a auto-executoriedade, todos

os atributos dos atos administrativos constituem-se em verdadeiras prerrogativas

214 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 211.

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do poder público, pois lhe concedem possibilidade de atuar com eficácia no

interesse da sociedade.

3.2 NULIDADES DO ATO ADMINISTRATIVO

3.2.1 Da perfeição e da validade do Ato Administrat ivo

Consoante exposto, para que o Ato Administrativo tenha

validade e eficácia, deve obedecer aos seus requisitos e estar revestido de seus

atributos.

Sobre o tema, ARAÚJO215 dispõe que para o

aperfeiçoamento do ato jurídico como produtor de efeitos jurídicos é necessário

para o mesmo, além de existir, seja válido e eficaz.

Ao ato que preenche todos estes requisitos é chamado de

Ato perfeito. Consoante MEIRELLES216 conceitua ato perfeito é aquele que reúne

todos os elementos necessários à sua exeqüibilidade ou operatividade,

apresentando-se apto e disponível para produzir seus regulares efeitos.

DI PIETRO217, entretanto, entende que se presente os

requisitos e revestido de seus atributos, o Ato Administrativo é considerado

perfeito, mas pode não ser válido. Isso porque, conforme explana a autora:

Não se confundem perfeição e validade; a primeira diz respeito às etapas de formação do ato, exigidas por lei para que ele produza efeitos. Por exemplo, um ato que seja motivado, reduzido a escrito, assinado, publicado está perfeito em sua formação, se a lei não contiver qualquer outra exigência. A validade diz respeito à conformidade com a lei: a motivação deve referir-se a motivos reais, a autoridade que assina deve ser a competente, a publicação de vê ser a forma exigida para divulgar o ato.

Assim, para esta autora é possível que o Ato seja revestido

de suas formalidades para sua confecção, mas seja inválido por não corresponder

a motivos reais ou pelo fato de a autoridade não ser competente. 215 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 444. 216 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 174. 217 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 234.

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Semelhante posição é dada por CRETELLA JÚNIOR, que

apesar de reconhecer que são institutos semelhantes, dispõe que não são a

mesma coisa:

A invalidade difere da ineficácia e da imperfeição, se bem que com esta última se apresente certa analogia com aquela. [...] Perfeição é a fase atingida pelo ato administrativo que completou o ciclo de sua formação,, contendo, pois, todos os elementos de procedimento e forma exigidos por lei [...] Não coincide a perfeição com a validade. Existem atos completos, perfeitos, mas inválidos.

Assim, em que pese os requisitos para a validade elencados

nada mais serem do que os próprios requisitos para a perfeição do Ato, quando

este preencher as formalidades legais, mas deixar de atender a algum dos

requisitos como autoridade competente ou motivo real, será considerado perfeito

mas não valido.

Aos Atos Administrativos que deixem de atender aos

requisitos são denominado Atos Imperfeitos.

Sobre o tema, CRETELLA JÚNIOR218 explana:

O ato administrativo pode ser perfeito ao imperfeito. Imperfeito é o ato viciado ou defeituoso. O vício que produz conseqüência jurídicas maiores ou menores pelo que é necessário retirar da circulação oo ato administrativo ou tratá-lo, aproveitando-o.

A discussão quanto a possibilidade do ato perfeito ser

inválido tornar-se-ia despicienda caso esta situação não implicasse na própria

inexistência do Ato Administrativo.

3.2.2 Ato irregular, Ato inexistente, Ato nulo e At o anulável

A existência e perfeição do Ato Administrativo presume-se

inerentes, pois à Administração deve seguir sempre os princípios que lhes são

próprios.

218 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 317.

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Entretanto, como nem sempre são observados os requisitos,

ocorrem vícios no Ato Administrativo, o que o torna irregular, inexistente, nulo ou

anulável.

3.2.2.1. Ato irregular

O Ato irregular é aquele que possui defeitos irrisórios, os

quais não afetam sua essência ou manifestação de vontade, sendo considerados

ínfimos.

FAGUNDES219, assim conceitua o Ato irregular:

Atos irregulares, que, apresentando defeitos irrelevantes (quase sempre de forma), não afetam ponderavelmente o interesse público, dada a natureza leve da infringência das normais legais. Os seus efeitos perduram e continuam, posto que contatado o vício.

Consoante se verifica, o interesse público no Ato irregular

não é afetado pelo defeito contido, pois este não tem condão de macular o ato

administrativo.

Sobre o tema, FAGUNDES220 exemplifica citando:

Assim, se proibida uma reunião de propósitos subversivos, mediante ato e não portaria, expressa esta lei como própria,a medida, apesar disso, subsiste. O mesmo acontecerá se autorizada a funcionar uma farmácia, ao invés de licenciada, embora aluda a lei à licença.

Desta forma, caso o defeito seja tão irrisório, como o caso

de ser autorizado o funcionamento de uma farmácia ao invés de ser procedida a

licença, não será possível impugnar o ato administrativo, em razão do princípio da

economia de atos.

219 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

58. 220 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

58.

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3.2.2.2 Ato Inexistente

O Ato inexistente é aquele que não percorreu todas as fases

do procedimento exigido pela norma de direito para sua formação, de modo que

lhe falta elemento considerado essencial.

MEIRELLES221 define o ato inexistente como o ato que tem

apenas aparência de manifestação regular da Administração, mas não chega a se

aperfeiçoar como ato administrativo.

Assim, o ato praticado por agente particular222, ou um Ato

que prescinda, em absoluto, de forma legal são considerados inexistentes, pois

não surtem qualquer efeito.

CRETELLA JUNIOR223, sobre o tema, têm a mesma

posição:

Ato inexistente é aquele que não produz efeitos, porque, faltando algum de seus elementos essenciais, nunca teve existência real; não tem nenhuma eficácia, não pode jamais ser sanado, diferentemente do que acontece com o ato nulo que, em certos casos excepcionais, pode vir a ser sanado.

MELLO224, por sua vez, ensina que os Atos inexistentes

situam-se no campo do impossível jurídico de modo que:

a) são imprescritíveis; b) jamais podem ser convalidados, ao contrário dos atos anuláveis, e jamais podem ser objeto de "conversão", ao contrário dos atos nulos, pois estes últimos, em algumas hipóteses, podem ser "convertidos" em outros atos; c) é cabível direito de resistência, inclusive manu militari, contra eles, diferentemente do que ocorre com os atos nulos e anuláveis; d) uma vez proclamado o vício em que incorreram, em nenhuma hipótese são ressalvados efeitos pretéritos que hajam produzido

221 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 174. 222 Entende-se: não esteja investido na função pública. 223 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro . p. 319. 224 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo . 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 476.

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Desta forma, em que pese os Atos Administrativos

Inexistentes não possuírem respaldo legal, trata-se de uma construção doutrinária

que vem ganhando respaldo na hodierna sociedade225.

Desta forma, o Ato Inexistente é caracterizado por ser um

Ato que não se aperfeiçoou, o qual não está sendo apto a produzir quaisquer

efeitos, de forma que não é passível de qualquer espécie de convalidação.

3.2.2.3 Ato nulo 226

Enquanto, no ato jurídico de direito privado, é respeitado,

dentro da ordem jurídica, o livre querer do declarante, há, no ato administrativo, o

agente público a manifestar, não a livre vontade individual, mas a decisão social

que, por definição e natureza deve dirigir-se à finalidade do bem público.227

Sobre a nulidade absoluta FAGUNDES228 afirma:

São os que violam as regras fundamentais atinente à manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma, havidas como de obediência indispensável pela sua natureza, pelo interesse público que as inspira ou por menção expressa da lei.

Assim, o Ato nulo é aquele que viola a essência do próprio

Ato, seja pela vontade, motivo, finalidade ou forma, quando impreterível.

Deste modo, a decretação da nulidade desconstitui o Ato

jurídico existente, mas de forma diversa do direito privado, consoante CRETELLA

JUNIOR229 ensina:

Segue-se que, enquanto no direito privado, os vícios do declarante – dolo, erro, fraude, coação, simulação – ficam sanados pelo decurso do prazo se não forem alegados, ou pela

225 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 320. 226 Também conhecida como invalidade absoluta do ato. 227 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 320. 228 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

54. 229 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 320-321.

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confirmação, as decisões administrativa com tais defeitos são geralmente insanáveis.

Diz-se nulo o ato jurídico que, por vício essencial, não produz os efeitos de direito correspondente. Deve-se manter, no direito administrativo brasileiro, a dicotomia dos atos viciados em nulos e anuláveis. A nulidade é imediata. Se faltar ao ato requisito necessário à sua existência, se há ofensa a princípios básico da ordem jurídica, o ato é nulo.230

Sobre a decretação da nulidade, ARAÚJO231 leciona que a

nulidade absolta impede também o ato administrativo de produzir efeitos

regulares, excesso efeitos (não aos objetivados) em relação aos terceiros de boa-

fé, pela presunção de legitimidade dos atos.

Desta forma, via regra geral, o ato administrativo nulo é

insanável, ou seja, não é passível de ser convalidado ou corrigido ou confirmado.

Sobre o tema, Araújo explana:

Ato nulo, portanto, é aquele ato jurídico que, por vício essencial, não produz o efeito jurídico correspondente e, por isso, é insanável, não pode ser corrigido: deve-se praticar novo ato se permanece o interesse público original, e desse novo ato é que decorrem efeitos.232

Declarada a nulidade do Ato administrativo, seus efeitos

serão os mesmos da teoria geral das nulidades, ou seja, a decretação da nulidade

retroage a data da prática do Ato, sendo resguardado direitos de terceiros.

3.2.2.4 Ato anulável 233

A anulabilidade é a não-validade, que dependente de

decretação, enquanto não prescrita a respectiva ação de anulação, que retira a

eficácia do Ato.

230 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 321. 231 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 480. 232 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 489. 233 Também conhecida como invalidade relativa do ato.

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Sobre o tema, FAGUNDES234 afirma que como os

anteriores, infringem regras atinentes aos cinco elementos do ato administrativo,

mas, em face de razões concretamente consideradas, se tem como melhor

atendido o interesse público pela sua parcial validez.

Desta forma, a anulabilidade também resulta de vício nos

requisitos do Ato Administrativo, mas possui como fundo o maior interesse púbico

na mantença do Ato do que na sua anulação.

CRETELLA JUNIOR235 dá o conceito de anulabilidade no

direito brasileiro.:

A anulabilidade é a invalidade menos grave; é o nulo eventual, em vez de nulo. Anulabilidade é inidoneidade do ato para produzir efeitos jurídicos insuprimíveis. Verifica-se a anulabilidade, quando o ato tem todos os elementos essenciais para a existência; mas estes, todos ou parte, são viciados.

Sobre o tema ARAÚJO236 ensina que os Ato Administrativos

anuláveis vem prescritos em Lei, ou aqueles que podem ser praticados

novamente sem vício:

Por outro lado, são anuláveis os atos que a lei assim os declare e os que podem ser praticados novamente, mas sem vício, como os expedidos por agente incompetente, os editados com vício de vontade e os produzidos com defeito de formalidade não legalmente essencial.

Consoante se verifica, se a Lei declarar o Ato ou ele puder

ser novamente produzido, sem qualquer defeito, ele é considerado anulável.

Ocorre que esta análise não pode se dar de forma tão

perfunctória, pois em realidade o que ocorre é o conflito de interesse da

Administração com a validade do Ato.

Segundo FAGUNDES237:

234 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

55. 235 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 322. 236 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 481.

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Tratando-se de ato relativamente inválido, se estabelece uma hierarquia entre dois interesses públicos: o abstratamente considerado, em virtude do qual certas normas devem ser obedecidas, e o ocorrente na espécie, que se apresenta, eventualmente, por motivos de ordem prática, de justiça e de equidade em condições de superar aquele.

Consoante verificado, a anulabilidade pode ser extinta pelo

decurso de tempo ou ser convalidada e os efeitos do Ato anulável, podendo ter

seus efeitos suspensos até que se resolva sobre a validade do Ato, sob pena de

se aperfeiçoarem e perder-se o objeto da impugnação.

Vale mencionar que a diferença entre o Ato nulo e o anulável

reside na possibilidade de serem os Atos remediados por outros que lhe confiram

perfeição e validade.

Sobre o Tema, CRETELLA JUNIOR238 dispõe:

O ato administrativo nulo é insanável; pode, entretanto, sanar-se ato administrativo anulável. Se faltar apenas um requisito necessário à eficácia normal do ato, se os preceitos violados se destinam ais de perto à proteção de direitos individuais, o ato será anulável, isto é, tem eficácia enquanto o interessado, com quem o defeito se relaciona, não lhe promover, dentro do prazo certo, a anulação.

FAGUNDES239, a seu turno, entende que a natureza do Ato

e o interesse público é que determinam sua invalidade:

[...] o que domina para afetar o ato administrativo, mais ou menos intensamente nas suas conseqüências, deve-se insistir é a sua natureza e o vulto do interesse público atingido, ao passo que em se tratando de ato jurídico civil, interferem o interesse público e privado, ora em equilíbrio, ora prevalecendo um sobre o outro, conforme se afigure mais propício à composição de conveniência em jogo.

Destarte, o Ato anulável produz seus naturais efeitos em

razão de que seus vícios não lhe atingem a eficácia, ou seja, o vício não lhe altera 237 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

55. 238 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 323. 239 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

56.

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sua essência, de forma que até ser impugnado é tido como legítimo, válido e

perfeito.

A existência da anulabilidade no direto brasileiro é muito

discutida entre os autores, consoante CRETELLA JUNIOR240 adverte, existindo

diversas correntes que se dividem entre sua ocorrência como inexistência do Ato

ou nulidade do Ato.

Sobe o tema, ARAÚJO241 dá como exemplo a nulidade por

incapacidade do agente, discorrendo sobre sua proximidade com a inexistência

do Ato:

Acrescentaríamos apenas, entre as nulidades absoltas, a incapacidade absoluta do agente que, dada as características do provimento dos cargo e funções públicos, aproximaria a nulidade da caracterização da inexistência do ato, pela invalidade da manifestação da vontade.

Consoante se percebe, a proximidade entre os institutos da

anulabilidade, nulidade e inexistência gera constantes divergência entre os

autores, sendo comumente confundidos ou até mesmo suprimidos242.

Entretanto, suas peculiaridades são de primordial

importância, pois definem a possibilidade ou não de serem os Atos convalidados.

3.2.3 Convalescimento do Ato Administrativo

O Convalescimento do Ato Administrativo é uma decorrência

do princípio da economia dos valores jurídicos, pelo qual a Administração tenta

eximir-se de editar novo Ato, quando é possível reaproveitar o Ato existente, por

meios legítimos.

DI PIETRO243 conceitua convalidação como o ato

administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos

retroativos à data em que este foi praticado.

240 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 323. 241 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 481. 242 Caso da inexistência, a qual sequer possui previsão legal.

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MELLO244, por sua vez, conceitua convalidação como o

suprimento da invalidade de um ato, com efeitos retroativos.

Consoante se verifica, a convalidação se trata de um

simples Ato Administrativo pelo qual se supre a invalidade de Ato anterior, o qual

estava eivado de vícios, mas que não lhe retiravam sua essência.

Sobre o tema, CRETELLA JUNIOR245 assim define as

possibilidades de convalescimento, discorrendo:

Ao passo que o ato inexistente, comparado pitorescamente pelos doutrinadores italianos a mero fantoche, não tema menor possibilidade de aproveitamento, sendo, pois, insanável, irreparável, pela simples razão de que inexiste – é um não-ato -, os demais aos administrativos, desde que reúnam certos elementos ou requisitos aproveitáveis, podem e devem, depois de tratamento legal adequado, entrar par ao mundo administrativo com possibilidade eficiente atuação, recuperando-se, na parte imprestável, readquirindo eficácia no conjunto, metamorfoseando-se ou transformando-se, em determinado setor.

Desta forma, não é todo Ato que pode ser convalescido246,

pois alguns possuem um defeito tão grande que eiva a própria natureza,

aniquilando a possibilidade de aproveitamento, pois contrário ao interesse público.

Vale lembrar, consoante ARAÚJO247 ensina que a finalidade

de interesse público, simétrica ao motivo, que preside a atividade de anular o ato

inválido, não é, de forma alguma, ‘invalidar ato porque atenta contra a legalidade’

mas ‘restaurar a ordem jurídica’ agredida.

Assim, a convalidação não se reveste exclusivamente de

obediência dos Atos à legalidade estrita, mas principalmente ao resguardo da

ordem jurídica da sociedade, pois os Atos Administrativos são em sua essência

243 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 252. 244 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. p. 405. 245 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 334. 246 Ter seu vício suprido. 247 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 478

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manifestações do corpo social, o qual tem como primórdio a defesa do bem

comum.

DI PIETRO,248 ensina que a convalidação se trata de uma

faculdade da Administração e explica sobre sua possibilidade:

Vale dizer que a convalidação aparece como uma faculdade da Administração, portanto, como ato discricionário, somente possível quando os atos inválidos não acarretam lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros; caso contrário, tem-se que entender que a Administração esta obrigada a anular o ato, ao invés de convalidá-lo.

Semelhante posição é dada por ARAÚJO249 ao discorrer

sobre o interesse público:

Parece bastante claro que o interesse público de que se trata é a manutenção ou restauração da ordem jurídica, a impulsionar a vontade o agente, que procurará atender a tal interesse da melhor forma, podendo escolher o meio ou constatar que não há outra alternativa senão declarar a nulidade do ato.

Destarte, o aproveitamento ou regeneração dos Atos

Administrativos se dá de 5 formas, quais sejam; confirmação, ratificação, reforma,

conversão e prescrição:

3.2.3.1 Confirmação

A confirmação é uma forma de manter o Ato viciado

praticado, sem corrigi-lo.

Sobre a confirmação, DI PIETRO250 explana:

A confirmação difere da convalidação, porque ela não corrige o vício do ato; ela o mantém tal como foi praticado. Somente é possível quando não causar prejuízo a terceiros, uma vez que estes, desde que prejudicados pela decisão, poderão impugná-la pela via administrativa ou judicial.

248 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 253-254. 249 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 491. 250 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 255.

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Assim a confirmação se da de modo que um Ato posterior

somente vem afirmar de modo absoluto a validade, eficácia e perfeição do Ato

anterior, quando não causar prejuízos a terceiros, aos quais é resguardada a

apreciação judicial.

3.2.3.2 Ratificação

A ratificação é uma forma de se aproveitar o Ato

Administrativo já praticado, editando-se novos Atos que sejam válidos e perfeitos

de forma a confirmarem o anterior.

CRETELLA JUNOR251 expõe que a ratificação é o ato

administrativo pelo qual a autoridade competente supre requisito ausente ou sana

vicio existente do ato anterior, considerando-o íntegro desde a origem.

Por se tratar de convalidação, a ratificação trará no seu bojo

o efeito retroativo, de modo a dar legitimidade aos Atos anteriores praticados e

sanar as irregularidades existentes.

Sobre a ratificação, CRETELLA JUNIOR252 explana:

Mediante emprego de processo instrumentais depurativos, a Administração procura salvar o ato administrativo, já existente, ma com alguma anomalia que o afeta, ora apodando-lhe o vício anterior para considera-lo sanado desde a origem, suprimindo a ilegalidade cometida – ratificação - ,ora selecionando, de um ato, a parte incólume, não afetada de ilegalidade, para prestigia-la, conservando-a – reforma -, ora, ainda afinal, reagrupando as peças válidas de ato ilegal para com elas estruturar novo ato, mas legal – conversão.

Neste mesmo diapasão, ARAÚJO253 leciona:

No direito público ratificação é convalidação de ato viciado, relacionada à competência, para confirmar, mediante declaração expressa do próprio autor do ato, se competente for, ou da autoridade competente, a legitimidade e a validade ou ainda considerando-o íntegro desde a origem, neste último caso sem anda acrescenta ou excluir.

251 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 335. 252 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 335. 253 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 494.

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Exemplificando, DI PIETRO254 aduz que quanto ao sujeito,

se o ato for praticado com vício de incompetência, admite-se a convalidação, que

nesse caso recebe o nome de ratificação, desde que não se trate de competência

dada com exclusividade [...].

Desta forma, quando o vício existente no Ato for de menor

monta, poderá a Administração o sanar por meio da ratificação, de modo que o

novo Ato praticado deverá obedecer aos requisitos e no seu texto validar o

anterior.

3.2.3.3 Reforma

A reforma é o meio de convalidação pelo qual um novo Ato

Administrativo é editado com o escopo de suprimir a parte ilegal do Ato anterior,

de forma a manter sua eficácia.

CRETELLA JUNIOR255 descreve reforma como o ato

administrativo pelo qual se rejeita parte ilegal do ato e se conserva a parte não

afetada pela ilegalidade.

DI PIETRO256, a seu turno, esclarece sobre os efeitos

futuros do Ato, diverso do que ocorre na reforma:

Não se confunde conversão com reforma, pois aquela atinge o ato ilegal e esta afeta o ato válido e se faz por razões de oportunidade e conveniência; a primeira retroage e a segunda produz efeitos para o futuro.

Sobre o tema, ARAÚJO257 dispõe que dá-se reforma

quando, através de ato idôneo, se suprime de certo ato administrativo sua parte

viciada, ilegal, mantendo-o a eficácia da parte não comprometida pela ilegalidade.

254 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 254. 255 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 336. 256 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 255. 257 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 495.

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Desta forma, a reforma é uma forma de convalidar o Ato

administrativo, que se dará por meio da supressão da parte ilegal do Ato, com

efeitos futuros.

3.2.3.4 Conversão

A conversão é o modo de convalidação pelo qual os Atos

praticados são reaproveitados para a prática de um novo Ato perfeito. Assim os

componentes que não foram alcançados pelo vício são aproveitados na

elaboração do Ato Administrativo posterior.

Sobre o tema, ARAÚJO258 explica que conversão é o

procedimento mediante o qual se procura reaproveitar os elementos válidos de

um ato ilegal para, com eles, estruturar um novo ato, mas legal, reorganizando-o

sem convalidar os elementos inválidos do primeiro.

CRETELLA JUNIOR259, por sua vez, entende que o

vocábulo conversão não descreve somente o procedimento pelo qual se aproveita

dos Atos anteriores válidos, mas também o próprio novo Ato editado:

No campo do direito administrativo, conversão é termo técnico que designa não o procedimento mediante o qual se procura reaproveitar os elementos deficitários de um ato para, depois de tratados, com eles se compor noto ato, como também designa o novo ato editado, perfeito, legal, estruturado com elementos válidos do ato anterior deficiente.

Destarte, a conversão não transformará o Ato inválido em

válido, mas criará um novo Ato o qual aproveitará as partes perfeitas do anterior.

Destarte, vale mencionar a idéia de RANELETTI, citado por

CRETELLA JUNIOR260, que descreve a necessidade de Atos inválidos, nulos ou

anuláveis para conversão:

para que ocorra a figura da conversão é preciso, antes de tudo, que haja ato administrativo inválido, nulo ou anulável, ao qual

258 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 495 259 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 336. 260 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. p. 337.

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faltem elementos o se encontrem eivados de vício os elementos constitutivos essenciais exigidos pela lei que fundamentou a edição do ato.

Assim, os Atos nulos e anuláveis podem ser convertidos,

enquanto os inexistentes não são passíveis de conversão, posto nunca ter

existência real.

3.2.3.5. Prescrição

A prescrição é trazida como forma de convalescimento por

ARAÚJO261, que explana:

Quando o ator tempo impede o ajuizamento da respectiva ação para operacionalizar um direito ou interesse, na esfera do Poder Judiciário, temos a prescrição externa, ou judiciária, que é valida para obstar a revisão, de qualquer ato jurídico, em qualquer sede, inclusive a dos atos administrativos pelo Judiciário ou até pela própria Administração. Não havendo ação, a prescrição faz desaparecer a nulidade, mas assegura os efeitos doa atos eivados da nulidade, que se produziram ao logo do tempo.

Neste diapasão, quando o decurso de prazo para

impugnação do Ato Administrativo for ultrapassado, a prescrição implicará na

convalidação tácita do Ato, o qual não poderá ser mais impugnado.

Sobre o tema, ARAÚJO262 discorre:

A doutrina brasileira mais moderna orienta-se no sentido de que a prescrição, quer dos aos nulos, quer dos atos anuláveis, impedem a anulação (e, portanto também a convalidação, poder desnecessária) no âmbito administrativo e judicial, porque o interesses da estabilidades das relações jurídicas entre Administração e administrados ou seus servidores é de interesse público tão relevante quando os demais, impondo-se sua preservação quando superados os prazos impugnatórios, qualquer que seja a natureza do vício que contém.

No tocante ao prazo para a impugnação vale lembrar que,

conforme leciona Araújo263 a doutrina brasileira não é uniforme quanto aos prazos

261 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 496. 262 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 497. 263 ARAÚJO, Edemir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 407.

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de prescrição sendo por alguns autores entendida como o prazo para prescrição

interna da União264 e outros que as leis administrativas podem determinar o

prazo.

Destarte, vale mencionar que nem todo Ato poderá ser

objeto de convalidação posto que o objeto ou o conteúdo ilegal, ou até o motivo

falso não poderão ser convalidados.

3.3. DA INAPLICABILIDADE DO SISTEMA DE NULIDADES DO CÓDIGO CIVIL

AOS ATOS ADMINISTRATIVOS VICIOSOS:

A ausência de legislação específica que discipline o sistema

de nulidades no Direito Administrativo leva a disciplina a aplicar os conceitos do

Direito Civil aos casos concretos.

Entretanto, tendo em vista que no âmbito administrativo os

princípios que o regem são diversos do direito privado, os conceitos incorporados

desta matéria possuem aplicabilidade limitada.

Sobre o tema, FAGUNDES265 ensina que os atos da

Administração são abonados por uma presunção de legalidade, de modo que, só

muito excepcionalmente, poderão ser fulminados de ofício com a declaração de

nulidade.

Consoante advertido pelo citado autor, raramente os atos

praticados pela administração são invalidados, porque a teoria das nulidades

incorporada ao Direito Administrativo possui sua aplicabilidade limitada ao

interesse público.

Exemplificado a divergência de aplicação dos conceitos,

tomando como exemplo a competência, FAGUNDES266 afirma:

264 Cujo prazo é de 5 anos conforme Lei 9784/99. 265 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

49. 266 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

52.

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Por considerações de interesse público (estabilidade, certeza e confiança nas relações do indivíduo com a Administração) se têm como subsistentes os atos praticados pelo funcionário de fato; no entanto, em face do teto do Código, só se poderia tê-lo como absolutamente incapaz por falta ou irregularidade de investidura.

Neste mesmo norte, FAGUNDES267 explica sobre a

divergência que ocorre sobre os vícios de vontade:

O ato administrativo que emanasse de autoridade coata jamais poderia convalescer pela ratificação, que supõe a retroatividade à data do ato. Ainda que outro ato, com o mesmo conteúdo, fosse praticado ulteriormente, por agente não coagido, nem assim seria de admitir se pudesse beneficiar o administrado do procedimento antecedente contrario ao direito, tão grave se apresentaria a violação da lei sob os prismas da responsabilidade de Administração, do princípio da autoridade e do interesse púbico. A moralidade administrativa repeliria qualquer sobrevivência dos efeitos deste ato.

Destarte a aplicabilidade dos conceitos de direito civil

direitamente não pode ser efetuada, pois uma situação semelhante pode levar a

efeitos diveros, consoante FAGUNDES268 adverte:

A incapacidade absoluta do agente implica nulidade irremediável do ato jurídico privado. A incapacidade do funcionário público, pelo que pela fala de atribuição (incompetência), ora invalida absolutamente o ato administrativo por ele praticado (abuso de poder) ora lhe prejudica somente os efeitos posteriores à constatação (função de fato).

Desta forma, a aplicação in totum da teoria das nulidades do

direito civil implica em afronta ao princípio da supremacia do interesse público, de

forma que para configuração de cada instituto, deve-se verificar não somente as

causas, mas precipuamente onde reside o maior interesse da sociedade.

267 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

53. 268 FAGUNDES. Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judi ciário. p.

57.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve por objeto a análise da nulidade

dos atos administrativos, sob o enfoque de quais seriam as hipóteses em que

fosse cabível a aplicação da teoria.

Os vícios dos Atos Administrativos são algo presente no

cotidiano e geram efeitos benéficos para uns e maléficos para outros. Sob este

prisma a observância dos requisitos para a prática do Ato é primordial para que

não se pratique um ato, cuja finalidade não seja o bem comum.

A prática de atos que não tenham observado os requisitos

elencados mas sua existência é mais benéfica do que sua anulação, pode ensejar

a validade do ato, em que pese, poder se tratar de um vício a priori insanável.

Para a compreensão do tema, apresentou-se necessário

pesquisar sobre o histórico do objetivo da Sociedade e do Estado e a forma com

que este presta serviços a seus administrados.

No primeiro capítulo, foi apresentado o advento e a evolução

da Sociedade Civil, da Sociedade Política e do Estado, de modo a delimitar o

objetivo destes para com seus administrados.

No segundo capítulo foi explanado acerca da forma de

prestar estes serviços públicos, discorrendo-se sobre as hipóteses de ser

repassado a execução destes a terceiros, com o objetivo de melhor atender a

sociedade. Além disso, resultou apurado os princípios que regem a

Administração, pelo que foi possível se constatar correlação com os objetivos

apontados no primeiro capítulo.

No terceiro capítulo, pesquisou-se sobre o conceito do Ato

Administrativo, seus requisitos e atributos, discorrendo-se sobre a inaplicabilidade

de forma plena dos institutos da anulabilidade e nulidade. Com efeito foi

constatado a incidência do princípio da supremacia do interesse público na

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nulidade ou anulabilidade do ato, o que demonstrou a consonância com os

objetivos da sociedade.

Destarte, no tocante as hipóteses levantadas no início da

pesquisa e que serviram de base para o desenvolvimento deste trabalho restaram

confirmadas, consoante se verifica a seguir:

Hipótese 1: Os conceitos consagrados pela teoria das

nulidades se aplicam, em parte, ao direito administrativo, pois diversamente do

Direito Cível, sua aplicabilidade é restrita em razão da incidência da supremacia

do interesse público.

Hipótese 2: Os conceitos de Nulidade e Anulabilidade são

aplicados de forma restrita quando se trata de Ato Administrativo, pois, o ato que

é considerado nulo pode ser mantido pela Administração, tendo em vista o

interesse do bem comum.

Hipótese 3: A supremacia do interesse público, como

princípio aplicável ao problema em espécie, está em perfeita consonância com os

objetivos da Sociedade e do Estado, pois estes têm por objeto o bem comum, que

é nada mais que a própria incidência do princípio.

Desta forma, consoante resultou apurado, a incidência da

supremacia do interesse público é uma decorrência lógica da própria essência do

Estado, de forma que a inaplicabilidade da teoria geral das nulidades é o

resultado dessa hegemonia do público sobre o privado.

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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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