40
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL Sílvio Martins RESUMO A jurisdição constitucional é um instrumento, e dos mais eficazes, na defesa da correta aplicação dos comandos constitucionais, além de estender sua proteção aos direitos fundamentais. Sua importância para a reelaboração do direito contemporâneo se reveste de atributo especial, quando se tem como certo que a história da constituição seria outra, sem a jurisdição constitucional. A concepção de uma lei fundamental, apontando para uma hierarquia normativa e para o vértice da função legiferante ordinária, se consolida na supremacia das normas constitucionais, que o poder constituinte de uma sociedade erigiu para si e, por isso, as elevou à categoria de normas supremas. Palavras-chave: jurisdição, constituição, supremacia, direito, controle, hierarquia, poder judiciário. ABSTRACT The constitutional jurisdiction is an instrument,and the more effective one, in the defense of the correct application of constitutional commands, besides extend its protection tofundamental rights. Its importence for the reworking of contemporary law is of special attribute,whwn it takes for granted that the history of constitution would be another without constitutional jurisdiction. The conception of a fundamental law, pointing to a normative hierarchy and to the vertex of ordinary legislating function, consolidates itself in the supremacy of constitutional norms, the constituend power of a society erected for himself and therefore elevated them to the category of supreme standards. Keywords: jurisdiction, constitution, supremacy, Law, control, hierarchy, judiciary power. INTRODUÇÃO A jurisdição constitucional busca identificar o nascimento, características, funções, evolução e efetividade desse instrumento constitucional e sua atuação em defesa da plena e correta aplicação dos comandos constitucionais e na proteção dos direitos fundamentais. O objetivo é trazer à compreensão a ideia da jurisdição constitucional, apontando seu significado dentro do constitucionalismo e sua importância para a reelaboração do direito contemporâneo. Tal projeção se reveste de atributo especial, quando se tem como certo que a história da Constituição seria bastante diferente, sem a jurisdição constitucional. Isto nos remete para as raízes do constitucionalismo, plantadas solidamente no século XVIII, com as primeiras constituições, a americana e a francesa. Ms. Ciências Jurídico-Filosóficas – Univ. de Coimbra. Ms. Ciências Jurídico-Políticas – Univ. de Lisboa

Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Sílvio Martins

RESUMO A jurisdição constitucional é um instrumento, e dos mais eficazes, na defesa da correta aplicação dos comandos constitucionais, além de estender sua proteção aos direitos fundamentais. Sua importância para a reelaboração do direito contemporâneo se reveste de atributo especial, quando se tem como certo que a história da constituição seria outra, sem a jurisdição constitucional. A concepção de uma lei fundamental, apontando para uma hierarquia normativa e para o vértice da função legiferante ordinária, se consolida na supremacia das normas constitucionais, que o poder constituinte de uma sociedade erigiu para si e, por isso, as elevou à categoria de normas supremas. Palavras-chave: jurisdição, constituição, supremacia, direito, controle, hierarquia, poder judiciário. ABSTRACT The constitutional jurisdiction is an instrument,and the more effective one, in the defense of the correct application of constitutional commands, besides extend its protection tofundamental rights. Its importence for the reworking of contemporary law is of special attribute,whwn it takes for granted that the history of constitution would be another without constitutional jurisdiction. The conception of a fundamental law, pointing to a normative hierarchy and to the vertex of ordinary legislating function, consolidates itself in the supremacy of constitutional norms, the constituend power of a society erected for himself and therefore elevated them to the category of supreme standards. Keywords: jurisdiction, constitution, supremacy, Law, control, hierarchy, judiciary power.

INTRODUÇÃO

A jurisdição constitucional busca identificar o nascimento, características, funções,

evolução e efetividade desse instrumento constitucional e sua atuação em defesa da plena e

correta aplicação dos comandos constitucionais e na proteção dos direitos fundamentais.

O objetivo é trazer à compreensão a ideia da jurisdição constitucional, apontando seu

significado dentro do constitucionalismo e sua importância para a reelaboração do direito

contemporâneo. Tal projeção se reveste de atributo especial, quando se tem como certo que a

história da Constituição seria bastante diferente, sem a jurisdição constitucional. Isto nos

remete para as raízes do constitucionalismo, plantadas solidamente no século XVIII, com as

primeiras constituições, a americana e a francesa. Ms. Ciências Jurídico-Filosóficas – Univ. de Coimbra. Ms. Ciências Jurídico-Políticas – Univ. de Lisboa

Page 2: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Contudo, a arqueologia jurídica abre seus aposentos de poeira e tempo e apresenta

conteúdos que ultrapassam os sistemas político-jurídicos positivados naquelas pioneiras e

emblemáticas Cartas. A ideia da lex fundamentalis aponta para uma hierarquia normativa e

para o vértice da função legiferante ordinária. A distinção das normas jurídicas na antiga

Grécia, em nómos e pséfismas, correspondendo aqueles as leis superiores e estes aos decretos.

Antes, contudo, com Péricles e a defesa da supremacia de determinadas leis que, na graphé

paranomóm encontrou o instrumento ideal para denunciar comandos em conflito com a

politeia e com o nómos.

Em Roma, no período da República, o Senado exercia a função de órgão jurisdicional,

confirmando ou derrogando decisões tomadas nas assembleias populares. Uma lei votada na

cimeira pública só produzia efeitos depois de aprovada pelo Senado e, em caso de reprovação,

era expelida do sistema jurídico. No final da República, o magnífico Cícero lapidou sua

concepção de direito natural e defendeu que acima do Senado e do povo existisse um

magistrado que fizesse executar a lei e o respeito ao direito de cada qual. Todavia, observou

Cícero, mais do que promover a execução da lei, deve o magistrado cumpri-la.

A patrística com Santo Agostinho e a escolástica com São Tomás de Aquino, não

resistiram às imposições dos novos tempos e as demandas políticas e jurídicas, que

apontavam para novas direções. O debate jurídico voltou seu dínamo para fora das fronteiras

eclesiásticas e a ideia dos direitos inatos do homem riscou no mosaico jurídico a linha mestra

que determinava o comportamento do homem diante de outro e do poder público em face do

mesmo. A ideia imponente e vigorosa de um direito natural acima do direito positivo foi a

base de sustentação jurídica dos Estados nacionais em formação, embora faltassem

instrumentos e órgãos capazes de assegurar esses direitos.

Entretanto, a função de declarar o direto aplicável aos fatos, bem como causa final do

Poder Judiciário, iniciou sua construção na Inglaterra, onde a subordinação da lei ao common

law é fruto de várias decisões judiciais e jurisprudenciais.

Porém, uma única e essencial ideia perpassa a concepção da jurisdição constitucional,

fazendo com que as demais lhe sejam subjacentes e até mesmo dependentes: a supremacia das

normas constitucionais, que o poder constituinte de uma sociedade erigiu como fundamentais

para si e, por isso, as elevou à categoria de normas supremas.

Depois da instituição do judicial review norte-americano, que consagrou a Suprema

Corte e notabilizou Marshall, a Constituição austríaca de 1920, sob a inspiração de Kelsen,

criou a Corte Constitucional. A Constituição italiana de 1947, também criou a Corte

Constitucional, o mesmo ocorrendo na Alemanha, com a Lei Fundamental de Bonn, em

Page 3: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

1949, fazendo com que muitos países seguissem na mesma direção.

A ideia de controle partiu da compreensão de que as leis são os objetos de verificação,

em suas variadas formas e hierarquias. Embora diferentes, os controles têm por vértice e

confluência o bem comum e os valores éticos e superiores da sociedade, alçada à categoria de

direitos nas instâncias fiscalizadoras da legitimidade constitucional.

A juridicidade ou judicialidade na justiça constitucional, ínsita ao controle difuso,

muda de feição em se tratando de controle abstrato de lei, porquanto a proteção imediata que

ai se concede não é ao direito subjetivo, mas ao direito objetivo, à constitucionalidade mesma

da ordem estabelecida, de tal sorte que o controle toma, desde então, um sentido mais político

que propriamente jurídico.

O fato é que o controle exercido pelos Tribunais Constitucionais constitui um

necessário e imperativo sistema de complementaridade entre a democracia e o Estado de

Direito que, para manter-se em equilíbrio, deve trazer claras e precisas as regras sobre sua

composição, competências e poderes.

Os fundamentos do controle no estado de direito, pressupõem a separação dos poderes,

a declaração de direitos e o devido processo, bem como o respeito à supremacia da norma

constitucional e a existência de uma Constituição escrita. O controle de constitucionalidade

das leis e atos normativos do Poder Público é uma garantia para a plena eficácia do sistema

normativo constitucional.

O controle de constitucionalidade no Brasil é resultado da experiência histórica, que

propiciou o surgimento de um sistema peculiar, que combina os critérios do controle difuso e

do controle concentrado. Este último se apresenta mais adequado à defesa dos direitos

fundamentais, por via da ação direta de inconstitucionalidade perante o STF que, embora não

seja um tribunal constitucional, segundo o modelo europeu, passou a ter competência de

jurisdição constitucional, competindo-lhe, precipuamente, a guarda da Constituição.

Só isso, porém, não seria suficiente para a organização de um sistema eficaz de

proteção aos direitos humanos, pois tal competência já lhe cabia no regime das Constituições

anteriores e, não raro, suas decisões eram contaminadas pela sustentação do arbítrio do regime

militar.

De outra feita, anteriormente à Carta de 1988, a legitimidade para a propositura da

ação direta de inconstitucionalidade pertencia apenas ao Procurador Geral da República, que

era e continua sendo de livre nomeação e exoneração pelo Presidente da República, de sorte

que só promovia ações de interesse do regime. Com a Constituição de 1988, a legitimação

para propor tal ação compete a várias autoridades e instituições.

Page 4: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

1) Jurisdição constitucional

A jurisdição constitucional objetiva efetivar a ordem jurídica e impor, através do

Poder Judiciário, o cumprimento das normas que, por exigência do direito vigente, devem

regular as mais diversas situações jurídicas (MARQUES, 1966, p. 216).

Na qualidade de expressão da soberania do Estado, a jurisdição é a capacidade de

decidir imperativamente e de impor decisões, sendo o canal que dá efetividade ao Direito.

Através da manifestação do seu caráter soberano, o Estado conhece os conflitos de interesse,

ou não, e declara em seu nome e não em nome das partes, o direito aplicável ao caso, podendo

executar o decisum, se provocado (CHIOVENDA, 1964, p. 9 e 11).

A importância da jurisdição constitucional está no fato de firmar o Poder Judiciário no

cenário dos poderes de Estado, afastando a percepção vulgar de ser este Poder um mero

órgão de solução de conflitos de interesses. Ou seja, o Poder Judiciário não se resume a um

órgão de Estado, cuja função se esgote na prolação de sentenças. Nessa perspectiva, é

necessário reconhecer ao mesmo sua legítima participação no processo político e institucional

do País.

No exercício da função jurisdicional, o Estado se materializa juridicamente, sob os

mesmos fundamentos que o legitima a exercer, no quadro de uma ordem jurídica instituída, as

funções legislativa e executiva (GONÇALVES, 1992, p. 50).

A jurisdição constitucional, portanto, prende-se à “função de declarar o direito

aplicável aos fatos, bem como é causa final e específica da atividade do judiciário”

(BARACHO, 1984, p. 75). Nessa função, a jurisdição constitucional é a própria reinvenção da

Constituição, à medida que decifra e reprime os excessos do sistema político no código

jurídico, através de sanções (SAMPAIO, 2002, p. 888-889).

A jurisdição constitucional “consiste na atuação da lei mediante a substituição da

atividade de órgãos públicos à atividade de outros, seja no afirmar a existência de uma

vontade das leis, seja em torná-la posteriormente efetiva” (CHIOVENDA, 1964, p. 3).

A jurisdição deixou o clássico conceito de apenas dizer o Direito para o caso concreto,

pois o controle de constitucionalidade praticado pelos Tribunais Constitucionais desenvolveu-

se em abstrato, sem qualquer referência a um caso concreto, tratando-se, contudo, de uma

atividade jurisdicional.

Uma atividade dos poderes que no controle das leis, explica-se pelo sistema

Page 5: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

hierárquico de valores entre normas e pela constituição escrita ou flexível, cujos elementos

diferenciam a lei constitucional das leis ordinárias. A isto se soma a indispensável separação

dos poderes do Estado, de maneira que cada um tenha circunscrita a órbita intransponível de

sua competência e um órgão incumbido de assegurar a vigência do sistema hierárquico de

valor das leis, prescrito nos dispositivos constitucionais ou decorrentes da própria natureza de

determinado regime jurídico-político (JÚNIOR, 1989, p.125).

A jurisdição é uma manifestação típica da atividade judiciária, derivada do ato

jurisdicional e confirmadora da força do direito na solução de conflitos. Por seus órgãos, a

função judiciária constitui uma atividade criadora do direito. A decisão política convertida em

lei é, na visão interna do sistema jurídico, assimilada ou expelida pela decisão judicial,

embora as motivações da sentença estejam, explícitas ou não, sob a influência política que as

engendrou.

A jurisdição é uma proteção substitutiva, já que o órgão jurisdicional atua substituindo

as partes envolvidas no processo. Ela serve à tutela de direitos e interesses contra lesões ou

violações de direito, tendo como ponto de partida para o exame da jurisdição o próprio

Estado, cuja existência explica sua origem (MANDRIOLI, 1975, p. 10). Essa vinculação com

o Estado, em certa medida presente na doutrina medieval e fortemente tributária dos ideais

igualitários da Revolução francesa, decorre em substituição das jurisdições senhoriais.

Modernamente, porém, a jurisdição desenvolveu-se na direção do controle de

constitucionalidade dos atos normativos do Estado, diante da necessidade de que as leis

fossem fiscalizadas judicialmente.

Já Hamilton considerava que “a independência completa dos tribunais de justiça é

particularmente essencial em uma Constituição limitada. Por Constituição limitada entendo a

que contém certas proibições expressas aplicáveis à autoridade legislativa, como, por

exemplo, a de não ditar decretos que imponham penas e incapacidades sem prévio

julgamento, leis ipso facto e outras semelhantes. As limitações dessa índole só podem ser

mantidas na prática através dos tribunais de justiça cujo dever tem de ser o declarar nulos

todos os atos contrários ao sentido evidentes da Constituição. Sem isso, todas as reservas que

sejam feitas com respeito a determinados direitos ou privilégios serão letra morta

(HAMILTON, 1989, p.313).

Trata-se, pois, a função jurisdicional, de determinar o direito aplicável ao caso e, de

modo mais amplo, manter e atualizar as normas jurídicas, abarcando o controle abstrato de

constitucionalidade das leis, quando desenvolvido pelo Judiciário (GARCIA-PELAYO, 1991,

p. 103).

Page 6: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Neste aspecto, o controle judicial da constitucionalidade das leis, por meio da

legislatura, age sob uma autoridade delegada, limitada pela própria Constituição, habilitando

o Judiciário a declarar o que uma lei significa, fazendo decair toda lei inconstitucional

submetida à provação das cortes (COOLEY, 1982, p. 23).

A adoção do judicial control ou de processos equivalentes, nos Estados

democraticamente constituídos, é apenas o reconhecimento de que uma lei que reparte os

poderes dos órgãos estatais é logicamente superior às outras leis e, relativamente imutável

(PONTES DE MIRANDA, 1974, p. 113).

A jurisdição em sua integridade conceitual abarca todas as questões, não havendo

qualquer demanda que escape ao seu poder de atuação, por isso um processo contínuo de

expansão, crescendo à medida que o Estado tutela novos direitos e permite a criação de

instrumentos processuais para torná-los possíveis e eficazes (LASCANO, 1941, p. 36).

Entretanto, o vocábulo jurisdição é um conceito de direito público que não está preso,

exclusivamente, ao direito judiciário. Assim, tomar a jurisdição pelo órgão que a realiza é

fixar-se ao critério formal, que é um dos elementos para a sua noção, mas não o único. Ela

envolve ato jurisdicional, que implica em pretensão, e se apresenta como questão de direito,

colocado em termos contraditórios, que posteriormente assume a forma processual (CASTRO

NUNES, 1943, p. 3).

O processo, por ser meio de realização da jurisdição, é concebido como instrumento

da paz social, onde se busca a eliminação do conflito, devolvendo à sociedade a tranquilidade

desejada. Por isso a dimensão instrumental do processo se desenvolve aliado aos escopos da

jurisdição e da instrumentalidade, que revelam a função sócio-política da atividade

jurisdicional (DINAMARCO, 1994, p. 48).

À jurisdição compete, mediante processo, conferir eficácia forçada às relações

jurídicas espontaneamente ineficazes, impondo uma sanção jurídica em razão do dever

jurídico descumprido, como forma de atendimento ao direito que foi lesado ou ameaçado. Ao

juiz prolator da jurisdição exige-se um comportamento atuante e não mais uma posição inerte,

de mero aplicador da lei.

As teorias tradicionais do direito já exigiam uma completa adesão à realidade social.

Portanto, a dimensão axio-política do processo, aponta-o como paradigma da democracia,

porque aliado à jurisdição, age como instrumento de efetivação de direitos subjetivos

contemplados, mas ineficazes.

A Constituição Federal brasileira arrola os objetivos a serem alcançados pelo Estado,

cujo artigo 3º inclui a jurisdição como elemento teleológico do processo. Como é

Page 7: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

indispensável a figura da jurisdição para possibilitar a efetivação da sanção, a relação

processual é o único e necessário ambiente para a sua realização. Isto leva à conclusão de que

não se pode falar em dualismo jurídico, visto que o direito processual visa conferir eficácia

forçada ao direito subjetivo material, mediante realização do direito objetivo (direito material

forçadamente eficaz).

A jurisdição está fundamentada no ato jurisdicional, que se efetiva pela realização da

norma e sua aplicação no caso concreto. O ato jurisdicional se concretiza quando o Poder

Judiciário aplica normas jurídicas em casos contraditórios, substituindo a vontade dos órgãos

do Estado ou de terceiros e impõe ao litígio a conformidade da Constituição, atuando de

ofício ou a pedido dos mesmos.

Do ponto de vista material, o ato jurisdicional é uma constatação sobre a conformidade

ou não, de um ato, situação ou fato ao ordenamento jurídico. O ato jurisdicional é, enfim, uma

decisão cuja força jurídica faz coisa julgada e transforma-se em definitivo, através de

disposições obrigatórias (DINAMARCO, 1994, p. 48).

A jurisdição constitucional na sua função de dizer o direito aplicável está intimamente

ligada ao princípio da supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, além de

prestar-se à defesa dos direitos fundamentais e à própria rigidez constitucional.

Em obediência a estes princípios, uma norma infraconstitucional não pode afrontar

preceitos contidos na norma ápice, nem modificá-los ou suprimi-los. A jurisdição

constitucional exerce o controle de constitucionalidade, verificando a compatibilidade de uma

norma menor ou de um ato normativo com a constituição. Esta verificação se dá tanto no

plano dos requisitos formais quanto dos requisitos materiais. No plano formal, verifica-se se a

norma foi produzida conforme o processo legislativo disposto na Constituição. No plano dos

requisitos materiais, verifica-se a compatibilidade do objeto da lei ou ato normativo com a

matéria constitucional.

A jurisdição constitucional é tomada, pois, no sentido de atividade jurisdicional que

tem como objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior, leis e atos

normativos, com a Constituição, desde que violem as formas impostas pelo texto

constitucional ou estejam em contradição com o preceito da Constituição, pelo que os órgãos

competentes devem declarar sua inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade.

A faculdade de considerar uma lei inconstitucional quer deixando de aplicá-la porque

em conflito com a Constituição, quer declarando inconstitucional uma Constituição estadual,

porque em conflito com a Constituição federal, são atos tecnicamente jurisdicionais, porque

envolvem o julgamento da legalidade, mas que representam participação na área normativa

Page 8: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

constitucional ou legislativa.

Em relação ao processo constitucional, não há como dissociá-lo da jurisdição

constitucional, na medida em que processo significa o conjunto de atos, fatos ou operações

que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim, cujo objetivo principal é a

decisão de um conflito de interesses jurídicos. Nesse sentido, é dizer que a jurisdição

constitucional atua por meio do processo constitucional, através do qual se aplica todas as

normas de encaminhamento de matéria fundamental à estrutura política do Estado,

vinculando-a às limitações provenientes da defesa jurídica da liberdade.

A jurisdição constitucional, também, não pode ser identificada com o controle

jurisdicional de constitucionalidade das leis, posto que o controle representa senão um, dos

vários possíveis aspectos da assim chamada justiça constitucional, e não obstante, um dos

aspectos mais importantes.

A jurisdição ou justiça constitucional reveste-se de múltiplas formas de manifestação

ou de provocação, compreendendo, por sua vez, o controle judiciário de constitucionalidade

das leis e dos atos normativos, bem como a jurisdição constitucional das liberdades e dos

direitos fundamentais.

No Brasil a justiça constitucional se materializa com o uso dos remédios

constitucionais do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção,

ação popular e ação civil pública.

A jurisdição constitucional deve ser compreendida pelo que ela é, ou seja, a parte da

administração da justiça que tem como objeto específico matéria jurídico-constitucional. A

jurisdição constitucional é tomada, assim, no sentido de atividade jurisdicional, que tem como

objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior – leis e atos

administrativos – com a Constituição, desde que violem as formas impostas por ela ou estão

em contradição com os seus preceitos, pelo que os órgãos competentes devem declarar sua

inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade.

Entretanto, reduzir a jurisdição constitucional apenas ao controle de

constitucionalidade, é limitar o seu campo de abrangência. Outras manifestações incluem-se

na sua órbita e realçam a sua compreensão, que passa:

a) pela tutela dos direitos fundamentais frente a qualquer disposição dos poderes públicos;

b) pela resolução dos conflitos de atribuições entre os poderes de Estado;

c) pela fiscalização das atividades dos titulares de órgãos constitucionais;

d) pelo controle da legitimidade dos partidos políticos e pelas funções do contencioso

eleitoral;

Page 9: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

e) pela manutenção e garantia da democracia e pelo sistema de checks and balances;

f) pela passagem da soberania parlamentar, na maioria dos sistemas constitucionais

ocidentais, para a soberania da Constituição, reforço da legalidade no Estado democrático de

direito e legitimidade constitucional.

A jurisdição constitucional tutela a regularidade constitucional no exercício ou

atividade dos órgãos constitucionais. Ao mesmo tempo faz valer as situações jurídicas

subjetivas do cidadão, previamente consagradas no texto constitucional. Por isso a jurisdição

constitucional da liberdade é o instrumento para resguardar o cumprimento e a superioridade

de certos direitos fundamentais (CASTRO, 1975, p. 149-150).

Todavia, surgem dúvidas para precisar com rigor o que é matéria de natureza

constitucional. Para parte da doutrina, sua essência está na fiscalização da constitucionalidade,

embora considere, também, o julgamento dos ilícitos praticados por titulares de órgãos

constitucionais (DI RUFFIA, 1974, p. 543).

Conteúdo que se enriquece e se amplia com o entendimento do contencioso da

liberdade ou com o nascimento da jurisdição constitucional da liberdade, própria para a

proteção, em gênero, dos direitos fundamentais. Sob o rótulo de contencioso constitucional,

compreende-se todo o conjunto de litígios que podem nascer da atividade das instituições

constitucionais, assim como os processos que permitem resolvê-los.

Outra corrente se atém ao contorno formal-orgânico da jurisdição constitucional,

prestada por um órgão especializado, encarregado de resolver os conflitos constitucionais que

lhe são deferidos. Para esta o sentido estrito é tecnicamente mais acertado, pois compreende o

estudo da atividade de verdadeiros tribunais, formal e materialmente considerados, que

conheçam e resolvam as controvérsias de natureza constitucional de maneira específica (FIX-

ZAMUDIO, 1968, p. 15).

A conciliação entre os dois critérios (formal e material) pode ser conseguida “com a

identificação da jurisdição constitucional como uma garantia da Constituição, realizada por

meio de um órgão jurisdicional de nível superior, integrante ou não da estrutura do judiciário

comum, e de processos jurisdicionais, orientados à adequação da atuação dos poderes

públicos aos comandos constitucionais, de controle de atividade do poder do ponto de vista da

Constituição, com destaque para a proteção e realização dos direitos fundamentais”

(SAMPAIO, 2002, p. 23).

O certo, porém, é que a jurisdição constitucional em algumas das competências

deferidas, não passa de um órgão incumbido de uma atividade administrativa, de certificação

Page 10: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

de vacância, de controle de requisitos ou condições de elegibilidade ou incompatibilidade,

mas, na grande maioria das vezes, exerce uma atividade própria de jurisdictio, em todos os

seus aspectos, formais e materiais.

A análise histórica da jurisdição constitucional nos remete para o século XVIII,

quando surgiram as primeiras constituições escritas. Entretanto, a arqueologia jurídica

apresenta conteúdos que ultrapassam as fronteiras das constituições positivadas, identificando

instrumentos legais em outros sistemas jurídico-políticos mais antigos, cuja supremacia em

relação ao restante ordenamento jurídico sempre pareceu inconteste (CAPPELETTI, 1984, p.

599).

A ideia de lex fundamentalis, por si só pressupõe a existência de uma hierarquia

normativa que o legislador de então distinguiu com superioridade vertical, colocando-a no

ápice da arquitetura jurídica e no vértice da função legiferante ordinária. Embora tais leis não

expressassem ou sequer sugerissem o figurino ou a consciência de um hipotético e remoto

constitucionalismo, o certo é que havia um escalonamento de leis – ou de um corpo de leis –

em relação a outras normas jurídicas, conferindo àquelas uma precedência especial, através

das quais seria futuramente regulada a produção das normas jurídicas gerais (KELSEN, 1985,

p. 240-241).

Na antiga civilização ateniense, os helenos distinguiam as normas jurídicas em nómos

e pséfisma, significando que àquelas correspondiam as leis superiores e a estas os decretos, ou

mais moderna e aproximadamente a legislação infraconstitucional. Os nómoï ou leis

superiores tratavam da organização do Estado e só podiam ser modificados através de um

procedimento extraordinário, que demandava a eleição de corpos legislativos especialmente

sufragados para esse fim (BATAGLINI, 1957, p. 149).

Seu caráter jurídico e sua essência política consagrados à estruturação e à

manifestação do Estado como uma unidade organizada, e sobretudo destinados à sua feitura

de especial complexidade, permitem, sem nenhuma concessão, estabelecer correspondência

tanto com as chamadas leis constitucionais fundamentais, quanto com a contemporânea noção

procedimental de revisão constitucional.

Construída no pensamento sofista, a ideia de supremacia dos nómoï surgiu da fratura

que distinguiu nomos e physis (WELZEL, 1971, p. 6). Na filosofia de Platão a lei se destinava

a uma obrigação ética, moral e transcendental, reproduzindo no cenário da cidade-Estado uma

ordem imutável e divina e por isso mesmo alheia aos interesses e paixões mundanos

(PLATÃO, 1987, p. 477-484).

Em Aristóteles os ideais e valores da democracia ateniense refletem-se na defesa do

Page 11: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

primado da lei sobre a vontade e o governo dos homens, por isso as leis são necessárias, pois

“o controle público é plenamente efetuado pelas leis, e o bom controle depende de boas leis”

(ARISTÓTELES, 1987, p. 82 e 91-92). No Tratado da Política, Aristóteles não só exige uma

lei justa, fruto da razão humana, mas um elenco de leis fundamentais de organização do

Estado e, por isso mesmo, superiores às leis ordinárias (ARISTÓTELES, 1977, p. 79).

O pséfisma resultava da elaboração legislativa pela Assembleia Popular. Seu caráter

de produção normativa abstrata e geral guardava, porém, estreita e obrigatória conformidade

com os nómoï, condicionando sua aplicação pelos juízes à observância da legislação superior.

Na antiga Grécia tinha-se como princípio fundamental que a legislação inferior,

qualquer que fosse o seu conteúdo, devia ser legal não apenas na forma e na substância, mas

respeitar a hierarquia e a força que as leis constitucionais haviam adquirido no seu sistema

jurídico (CAPELLETTI, 1992, p. 48-50).

No sistema jurídico de Atenas, respondia penalmente através de uma ação pública de

ilegalidade, aquele que na Assembleia propunha uma lei em discordância ou em confronto

com a legislação superior e fundamental, sendo permitido a qualquer cidadão o ajuizamento e

a propositura de tal ação perante o tribunal popular da Heliaia. Ou seja, havia uma legislação

“infraconstitucional” submetida ao crivo e à supremacia dos nómoï vigentes que, se não

traziam, ainda, a noção clara de constitucionalismo, não afastava a ideia de hierarquia

jurídica, de escalonamento e de supremacia de algumas leis sobre outras ( DAVID, 1998, p.

1). Quando Aristóteles escreveu seu tratado “Política”, não o fez sem antes estudar cento

e cinquenta e três constituições que regiam as cidades gregas e os povos bárbaros, observando

que havia distinção no ordenamento jurídico entre as leis que regulamentavam as relações de

poder e as demais normas destinadas a regular o cotidiano da vida social.

Nas constituições compiladas por Aristóteles, das centenas de Politeíai, os órgãos

governamentais política e juridicamente delineados traziam normas para a estruturação do

poder, definindo o regime político da cidade. Da mesma maneira procedeu Drácon, para

estabelecer a severidade das leis de Atenas e posteriormente Sólon, para amenizá-las, assim

como os decênviros, quando conceberam as Leis das XII Tábuas.

Séculos antes, com Péricles, a defesa da hierarquia e da supremacia de algumas leis

encontrou no graphé paranomón o instrumento ideal para denunciar comandos contrários ou

em conflitos com a Politeía e com os nómos. Criado como ferramenta para combater os

arrebatamentos perniciosos e os excessos da demagogia política, o graphé paranomón visava

fundamentalmente preservar o regime democrático e as instituições políticas e jurídicas de

Page 12: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Atenas. Por isso usado por qualquer cidadão nacional, com efeito retroativo, para se opor à

onipotência da Ecclésia e contê-la nos seus exatos limites.

No século de Péricles, quando o Estado era administrado no interesse do povo e não de

uma ideia egoísta do poder pelo poder, havia um julgamento sensato de que as leis tudo

podem, menos derrogar ou contraporem-se à supremacia da Lei Fundamental (POLETTI,

1998, p. 10).

Na oração fúnebre de Péricles, feita no outono de 431, em homenagem aos soldados

mortos no primeiro ano da Guerra do Peloponeso e reproduzida pelo historiador Tucídides,

Péricles se debruça em defesa da democracia ateniense, cujas regras essenciais são a

igualdade e a liberdade (AMARAL, 2003, p. 61).

Estes valores, diz Péricles, não só impedem seus compatrícios de violar as leis

fundamentais da República, mas, sobretudo, asseguram proteção aos oprimidos e garantem ao

cidadão a defesa de seus direitos, quando ameaçados ou violados pela soberba da Ecclésia.

O instituto do graphé paranomón significou um grande passo na evolução jurídica de

Atenas, retirando do Areópago, tribunal judicial de caráter religioso, uma atribuição

eminentemente laica e portanto fora da sua competência explícita. Como aponta Aristóteles, o

Conselho de Areópago era o guardião das leis e o fiscal dos oficiais para que exercessem seus

cargos em conformidade com elas. Aos vitimados de qualquer natureza era permitido

representação ou denúncia junto ao Conselho, devendo indicar contra qual lei se cometera

injustiça (ARISTÓTELES, 1977, P.21).

Em Roma, no período da República, o Senado exerceu importante função no controle

de constitucionalidade das leis. Sua competência legislativa originária abarcava o poder de

confirmar ou derrogar as decisões tomadas nas assembleias populares, cujas deliberações só

tinham validade e produziam efeitos se recebessem sua aprovação. Caso tal deliberação lhes

fosse negada, a lei votada nas assembleias não tinha eficácia e era expelida do arcabouço

jurídico. Porém, o Senado só confirmava as leis depois de verificar se elas contrariavam ou

não os costumes e na hipótese disso ocorrer, decidia-se da conveniência da revogação dos

costumes ou das leis (POLETTI, 1998, p. 16).

No final da República, quando os estertores da política anunciavam seu ocaso e pouco

faltava para que o regime fosse substituído pela ditadura e pelo Império, Cícero escreveu suas

principais obras, os tratados De República e De Legibus (PONTES, col. 391-396).

No primeiro, Cícero lapidou magistralmente sua concepção de direito natural,

afirmando que existe uma lei verdadeira, presente em todos os homens, constante e sempre

eterna, que é a reta razão. Tal lei conduz os homens imperiosamente a fazer o que devem, ao

Page 13: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

mesmo tempo, que, proíbe e os afasta de praticar o mal. A essa lei suprema nenhuma

alteração era permitida e não era lícito revogá-la no todo ou em parte. Nem o Senado nem o

povo podiam dispensar qualquer cidadão de obedecer-lhe.

No tratado De Legibus Cícero advoga que além do Senado e do povo exista um

magistrado que exerça o poder, que faça executar a lei e o respeito aos direitos de cada qual.

Entretanto, mais do que promover a execução da lei, deve o magistrado cumpri-la, pois ele é a

lei que fala e a lei é o magistrado mudo. Ou seja, o magistrado situa-se abaixo das leis,

embora esteja acima dos governados (CICERO, 1984, p. 16).

No status civitatis dos romanos o jus naturale é a força legitimadora da noção

inconteste ao dever; da ideia de liberdade e igualdade entre os homens; da concepção de um

Estado e de uma cidadania universal governados por uma lei de origem divina.

Homem de transição, jurista notável de grande cultura teórica, advogado, sobretudo de

causas políticas, o magnífico Cícero emancipou no seu tempo os valores e os princípios que o

Cristianismo tomaria como seus e os popularizaria. Na pessoa de Cícero, Roma seria o elo de

ligação entre a filosofia grega e o Cristianismo.

A ideia de um direito natural anterior e hierarquicamente superior às suas normas

jurídicas, erigidas como parâmetros de validade, de justiça, de moralidade e de supremacia da

lei positiva, Cícero a tomou da genialidade filosófica dos helenos, conferindo-lhe, porém, uma

expressão concreta tão plena, que a concepção do direito natural ao longo dos séculos

seguintes foi uma leitura constante e formal do seu tratado Da Política (AMARAL, 2003, p.

135-149).

Com as ditaduras militares e as guerras civis desmoronaram-se as pujantes e velhas

instituições republicanas, abrindo caminho para o principado. Depois da batalha de Actium, o

governo unipessoal pareceu a melhor solução para a manutenção da paz, embora os direitos

públicos e individuais fragmentassem, possibilitando o desenvolvimento do jus privatum. O

instituto do graphé paranomón foi relegado ao ostracismo e até mesmo a religião foi

suprimida pela onipotência dos césares que passaram a personificar a divindade. O império

rompeu com as instituições jurídicas tradicionais e o imperador concentrou na sua autoridade

exclusiva a totalidade dos poderes, tornando-se a fonte única do direito, mas situado muito

acima do mesmo, como sentenciou o próprio Ulpiano ao declarar no De legibus: principis

legibus solutus est (MALUF, 1984, p.122).

O império romano foi o último dos grandes impérios da Antiguidade, a que as

invasões bárbaras levaram à derrocada, assinalando o fim de uma época e o início da Idade

Média. Embora os invasores espoliassem e massacrassem as populações vencidas, é inegável

Page 14: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

que implantaram o primado da lei e da razão, dando nova configuração ao Estado medieval.

O espólio jurídico e político do Império romano, foi pouco a pouco se esvaindo e uma

nova realidade política se impôs tenaz e paulatinamente, em meio a um sistema jurídico não

unificado, mas fragmentado em vários poderes independentes, sem que um órgão supremo os

coordenasse, o que produzia uma confusão intolerável (LE GOFF, 1995, p. 76). Só o

Cristianismo possuía uma ordem jurídica interna poderosa e coerente, consolidada na sua

majestosa organização hierárquica.

Diferentemente do direito comum, a ordem jurídica da Igreja estava protegida pela

documentação redigida, pelo uso da escrita e pelas escolas instaladas nos mosteiros, que se

tornaram grandes centros não só de espiritualidade, mas locais de produção e de preservação

da cultura, das decisões dos concílios e dos sínodos, dos cânones e das decretais do papa, a

que se juntaram as inumeráveis leis imperiais e as capitulares (WIACKER, 1997, p. 67).

A transição da Antiguidade para a Idade Média foi marcada por um forte teocentrismo.

Com Santo Agostinho e São Tomás, até Occam, Deus era a fonte matricial das concepções

jurídicas e políticas, projetando para a teoria do poder a exigência do bem comum como

norma de ação e decisão do Estado (GILSON e BOEHNER, 2000, p. 162).

Com São Tomás o fundamento da doutrina jurídica consolida-se na presença de três

categorias de leis, hierarquizadas de acordo com sua importância numa perfecta communitas:

a) a lex aeterna, que é a razão divina, a qual o homem só conhece parcialmente;

b) a lex naturalis, passível de conhecimento pela razão e pela participação do homem na lei

eterna;

c) a lex humana, significando o direito criado pelo homem, com fundamento na lei natural.

Portanto, devia a lei positiva submeter-se aos princípios da lei natural, que só existia

em função da própria racionalidade divina (RUSSEL, 1977, p. 155). Para São Tomás existia

uma única soberania, que era Deus e duas supremacias, a do Imperador e a do Papa. Ao

soberano não competia criar nenhuma lei, mas apenas descobri-las na ordem natural do

mundo e na vontade divina (GALÁN Y GUTIERREZ, 1945, p. 11).

O pensamento de São Tomás estava destinado a marcar definitivamente os próximos

séculos, cujo debate jurídico centrou-se na hierarquia entre a lei natural e a lei humana.

Renovadores da escolástica, os jesuítas espanhóis Soto, Molina, Bañez, Alfonso de

Castro, Mariana, Roberto Belarmino e os dominicanos Francisco de Vitória e Melchior del

Cano, além do grande pensador Suarez, buscaram na doutrina de São Tomás a fundamentação

Page 15: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

teórica para a função papal, apresentada como de natureza superior à dos soberanos.

Argumentavam aqueles teóricos religiosos, que somente o papa recebia o poder

diretamente de Deus, enquanto o soberano não recebia o poder nem de Deus e nem do papa,

“o que seria sempre uma derivação, embora indireta de Deus” (HINOJOSA, 1890, p. 6).

Entretanto, as ideias dos escolásticos e dos seus renovadores espanhóis foram em

muitos aspectos incorporadas pelo pensamento jurídico fora das fronteiras eclesiásticas por

Grotius, Pufendorf, Wolf e Kant. Impregnados do jusnaturalismo, estes notáveis filósofos

viram na ideia de direitos inatos do homem a linha mestra que determinava tanto o

comportamento social de cada homem perante outro homem, quanto em face do poder

público.

Mesmo quando o racionalismo se impôs, fazendo erguer a poeira dos séculos

carcomidos pela patrística e pela escolástica, a ideia imponente e vigorosa de um direito

natural acima do direito positivo seria a base de sustentação jurídica dos Estados nacionais em

formação, embora faltassem instrumentos e órgãos capazes de colocar em prática e de fazer

valer a propalada supremacia do direito natural.

Espinosa percebeu o vazio institucional e instrumental e não vendo limites para o

poder e o desejo humanos, propôs a existência de um conselho eleito e vitalício de síndicos,

dentre os homens acima de sessenta anos e que tivessem exercido a função de senador, que

disporiam de força armada e de remuneração generosa, para velar pelo cumprimento e pelo

respeito às leis fundamentais.

Espinosa considerava que nenhuma instituição podia ser mais útil ao bem estar de

todos do que um segundo conselho composto por um determinado número de cidadãos,

subordinados à assembleia suprema, cuja função consistia unicamente em cuidar para que as

leis fundamentais do Estado permanecessem invioláveis (ESPINOSA, 1987, p. 113).

Entretanto, a função de declarar o direito aplicável à realidade dos fatos, bem como

causa final específica do Poder Judiciário, inicia sua construção sólida na Inglaterra, onde a

subordinação da lei ao common law é fruto de várias decisões judiciais e jurisprudenciais. Os

atos do Parlamento, bem como aqueles praticados pelo soberano, não podem fugir ou afrontar

o imemorial direito consuetudinário e os velhos costumes incrustados nas tradições seculares,

sob pena de serem considerados nulos e, por isso mesmo, alijados do ordenamento jurídico.

Quando Espinosa propôs a instituição do Conselho dos Síndicos para unicamente

guardar e defender as leis fundamentais do Estado e com isso buscou criar um instrumento de

proteção constitucional, Harrington propôs à Inglaterra em 1656 a criação do “Colégio dos

Sábios”, – os Conservators of the charter e Conservators of the liberty –, para assegurar a

Page 16: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

permanência da república contra a restauração da monarquia.

Porém, poucas décadas antes de Harrington, Sir Edward Coke defendeu a prerrogativa

dos juízes para verificar da conformidade e da validade, ou não, da statutory law com a

common law, cuja supremacia sobre as normas escritas era inconteste. Neste mesmo período

os juízes dos Parlements franceses, elevados a tribunais superiores de justiça, arrogaram a si o

direito de examinar os editos e outras normas reais relacionadas com os direitos fundamentais

do reino. Algo então impensável e ousado por tratar-se de legis imperii, ou seja, de cláusulas

pétreas distintas das leis divinas e naturais e, por isso mesmo, insuscetíveis de serem alteradas

pelo próprio rei ou pelos estados gerais (SAMPAIO, 2002, p. 27). Outro momento de grande ebulição no controle de constitucionalidade foi posto em

prática pelo Privy Council do soberano em relação às colônias inglesas na América. Através

desse poderoso instrumento o rei declarava a legitimidade e a eficácia, ou não, dos

ordenamentos promulgados pelas plantations, de acordo com as leis do reino. Na verdade

tratava-se de um controle duplo, pois outro se impunha, que era o de compatibilizar as leis

aprovadas pelos colonos com a normatividade jurídica das Cartas Coloniais outorgadas pela

Coroa. O resultado desse rígido controle muito mais político do que jurídico, que entre 1696 e

1782 anulou mais de seiscentas leis coloniais, tanto pelo controle abstrato (legislative review),

quanto pelo controle concreto (judicial review), aguçou o desejo antecipado de liberdade e de

independência da Coroa britânica. Era a concretização do hipotético direito de resistência

pregado por Locke contra o poder despótico, que se erguia contrário aos direitos naturais e

fundamentais do indivíduo. As ideias que alimentaram o desejo de independência das colônias

inglesas na América saíram das premissas teóricas da filosofia jurídica e política, para se

transformarem em instrumentos de ação e de afirmação de um povo que há muito deixara de

ser colono e por isso mesmo declinava com desprezo o título de súdito, para arrogar a

qualidade de cidadão.

A ideia de supremacia da norma constitucional relaciona-se com a obrigação que se

impõe a todo ordenamento jurídico de conformar-se com os preceitos da constituição. Ou

seja, em um ordenamento jurídico as normas constitucionais enfeitam e ocupam uma posição

de supremacia porque não existem outras que lhes sejam superiores, salvo se a própria

constituição o disser. Portanto, o escalonamento e a hierarquização normativa é condição

necessária para a supremacia da constituição, que se coloca como fonte matricial de

elaboração legislativa e oferece seu conteúdo de características especiais (MORAES, 2000, p.

29).

Page 17: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Para além das condutas humanas que tem interesse e interferem na vida de outros

homens e por isso protegidas pelo Estado, nela também se encontram as normas que o poder

constituinte de uma sociedade política erigiu como fundamentais para si e por isso mesmo as

elevem à categoria de normas supremas.

Como parâmetro de validade das demais normas jurídicas, a constituição possui

elementos que se expressam através da forma, do procedimento de criação e da posição

hierárquica das suas normas. São estes elementos que permitem distingui-la de outros atos

com valor legislativo e constantes da norma jurídica.

Nas palavras de Canotilho, a superioridade hierárquico-normativa apresenta três

expressões:

a) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de

validade em si própria (autoprimazia normativa);

b) as normas da constituição são normas de normas (norma e normarum) afirmando-se como

fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos);

c) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade

de todos os atos dos poderes públicos com a constituição.

Além disso, nas constituições rígidas a superioridade do ordenamento constitucional é

condição sine gua mon em relação à restante produção do Poder Legislativo, no exercício de

sua função legiferante ordinária. Daqui se deduz o princípio e o fundamento de que nenhum

ato normativo, que necessária e logicamente dela decorre, pode contestá-la, modificá-la ou

suprimi-la (CANOTILHO, 1994, p.70).

Pela sua característica de lei maior, de norma magna, a lei constitucional não pode ser

revogada ou alterada da mesma forma como o são as leis ordinárias, devendo submeter-se,

para tanto, a um processo especial cujos requisitos são comumente mais complexos e mais

severos. Isto se deve à sua posição de primeiro plano no escalão do direito positivo. Kelsen

diz que “a constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer, com esta palavra

significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais é regulada a produção

das normas jurídicas gerais” (KELSEN, 1985, p. 240-241).

A concepção de uma constituição escrita, formal e rígida, com raízes no

jusnaturalismo e absorvendo da filosofia jurídica as concepções do jus positum e do jus

naturale, para construir uma unidade homogênea positiva, que seja a um só tempo um texto de

lei e um conjunto de disposições de conteúdo e valores orientados por determinados

princípios, produto da dogmática só “se realiza na emissão de uma norma por parte de forças

Page 18: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

político-constitucionais” (STERN, 1987, p. 194).

Entretanto, se a ideia de rigidez constitucional revela a supremacia das normas de uma

constituição, devendo o restante ordenamento jurídico com ela conformar-se, quer do ponto

de vista formal, quer do ponto de vista material, também é inerente à constituição flexível a

mesma ideia de supremacia das suas normas, embora aqui se trate de superioridade material,

já que a superioridade formal está intimamente relacionada com o caráter rígido das

constituições. Controlar a constitucionalidade das leis é, pois, “verificar a adequação de uma

lei ou de um ato normativo com a constituição, nos seus aspectos formais e materiais”

(CARVALHO, 2004, p. 239).

Investida da superioridade que a tradição consagrou através da lex fundamentalis, a

supremacia da norma constitucional encontrou em Lock a distinção entre lex legum e lex

inmutable e de maneira concreta na defesa dessa superioridade constitucional dos

revolucionários americanos e franceses.

Nos poucos meses que antecederam à Revolução, o abade Sieyès publicou o opúsculo

Que é o Terceiro Estado?, cuja repercussão nos meios revolucionários antecipou os

acontecimentos políticos. O resultado foi a decisão dos estados gerais se transformarem em

assembleia nacional, para dar à França uma constituição. É o momento decisivo em que se

opera a transferência da soberania da pessoa do rei para a Assembleia Constituinte, que

elabora uma carta de direitos, cuja “supreme autoritè” advinha do poder constituinte da nação

(SIEYÈS, 1978, p. 75).

Com Hamilton a supremacia da norma constitucional foi entendida como “supreme

law of land”, ou “fundamental law” (HAMILTON, 1987, p. 204). No sistema constitucional

americano, a característica mais acentuada é a absoluta supremacia da constituição, aliada ao

seu mecanismo de efetivação jurisdicional – o judicial review – que permite ao Poder

Judiciário e, especialmente à Suprema Corte, em casos concretos levados a julgamento,

interpretar a Constituição Federal, para com ela ajustar e adequar a legislação

infraconstitucional e os atos normativos editados pelos demais Poderes do Estado.

A compreensão da Constituição como Lei Fundamental pelos pais da pátria norte-

americana, não só implicou o reconhecimento da sua supremacia na ordem jurídica, mas,

igualmente, a existência de mecanismos para garantir juridicamente tal qualidade. A partir de

então, o Poder Judiciário travou lutas políticas históricas, mas, sobretudo humanas, para que a

Constituição americana fosse consagrada como a verdadeira e suprema lei do país. Essa

independência legislada pelo constituinte e consolidada pela separação do Poder Judiciário

dos demais ramos e órgãos de governo, foi o que permitiu e serviu de base para a

Page 19: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

independência dos tribunais anglo-americanos, dando um sentido prático à soberania da lei.

Mas se escavarmos os vários planos da história jurídica e política dos povos, lá

encontraremos não indícios, mas a existência concreta de normas que se puseram numa

posição hierárquica preferencial e suprema, servindo de parâmetro e de validade para normas

gerais e menores. Nas cidades-Estado da Antiguidade Clássica os nómos (leis superiores)

prevaleciam sobre os pséfismas (decretos), tratando aqueles da organização do Estado e estes

da matéria infraconstitucional. Além desta legislação hierarquizada, o edifício jurídico dos

helenos contava com o instituto do graphé paranomón, instrumento que possibilitava qualquer

cidadão nacional denunciar lei ou ato inconstitucional ou contrário ao interesse público.

Na escala da hierarquia das leis, São Tomás menciona a existência da lei eterna, da lei

natural e da lei humana, sustentando que a obediência à lei humana só era legítima caso não

contrariasse as duas primeiras. Mas é no fim da Idade Média, com as ideias jusnaturalistas

divulgadas na segunda metade do século XVI, que a ideia de uma constituição, como um

corpo de leis primogênitas, acima e distintas das leis ordinárias, ganha status de debate,

levando os juristas a distinguir duas espécies de leis: aquelas que eram emanadas da vontade

real e, portanto, susceptíveis às vicissitudes do tempo e do jogo político e as ordenanças do

reino, que como tais eram invioláveis (CARVALHO, 2004, p. 240-242).

Na Inglaterra, berço do constitucionalismo, até mesmo Hobbes, o arauto do

absolutismo monárquico, admitia a existência de uma lei fundamental identificada no contrato

social. Tal lei advertia Hobbes, era o ponto de equilíbrio e de convergência política que, se

extinta ou suprimida, extinguiria o Estado e o faria cair na anarquia. Embora Hobbes pensasse

o Estado e o soberano como uma mesma realidade jurídica, a quem tudo era permitido, não

descurou em observar que o soberano estava ligado indissoluvelmente às bases do contrato

que o investira no poder as quais não podia violar sob qualquer pretexto, assim como eram

intocáveis as normas de direito natural. Porém, como lembra Fischbach, em Hobbes existem

“limitações casuísticas e morais, mas não jurídicas” (FISCHBACH, 1934, p. 135).

Em Espinosa o pacto social não constituiu um Estado absoluto como em Hobbes. No

seu modelo os direitos inalienáveis do homem não eram transferidos para o Estado, posto que

ao homem não é permitido renunciar a si próprio, renunciando àqueles direitos supremos, que

“como magnitude política é juridicamente considerado e digno de existir” (SOLON, 1997, p.

35-37).

Com Locke, o Estado deixa de ser um mero poder discricionário para assumir a

garantia dos direitos fundamentais, individuais e coletivos, o que era da sua própria essência e

primazia. Mesmo considerando o Parlamento o poder supremo frente aos demais poderes,

Page 20: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Locke considerou salutar a existência de limites extraídos do direito natural à sua ação.

Entretanto, parece contraditório em Locke a omissão do Poder Judiciário como instrumento

para impor limites à ação do Estado. Isto se tornou mais paradoxal perante uma secular

tradição jurídica assentada na common law, onde o direito era secular e tradicionalmente

criado e desenvolvido pelos tribunais (GOYARD-FABRE, 1999, p. 100-101).

A supremacia da norma constitucional adquiriu tamanho significado e importância nos

estados democráticos de direito, não só por limitar a ação política e jurídica dos detentores do

poder, mas por representar um esforço fenomenal de estabelecer uma justificação espiritual,

moral e ética da autoridade.

No mundo dos valores que se pretendem perenes, a supremacia da constituição se

agasalha nas normas fundamentais de uma determinada comunidade política, que escolheu

para si estes e não aqueles valores, como dinâmica da sua vida política e jurídica e como ideal

da sua individualidade e da sociedade do seu tempo (CAPELLETTI, 1984, p. 599). Antes, porém, a constituição é um caminho, uma forma que disciplina as decisões do

Estado, apontando como deve ser o processo de criação das normas jurídicas, sem, no entanto,

imiscuir-se no seu conteúdo. Este sentido de neutralidade em relação às políticas perseguidas

protege a vontade popular e não assoberba os órgãos parlamentares e de governo, a quem

compete as decisões políticas do Estado, sem abrir mão da sua condição de ordem suprema,

de comando maior. Talvez por isso a Constituição norte-americana traga de maneira expressa

o princípio da supremacia no seu artigo VI, parágrafo 2º: “A Constituição e as leis que se

fizerem com base nela (...) serão a lei suprema do país; e os juízes dos diversos Estados

estarão vinculados a ela, não obstante qualquer disposição contrária inserta na Constituição e

nas leis do Estado”.

Nos termos da Primeira Emenda à Constituição, o Poder Legislativo foi limitado, ao

estabelecer que o Congresso não poderá fazer nenhuma lei que tenha por objeto estabelecer

uma religião ou proibir seu livre exercício, limitar a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o

direito de reunir-se pacificamente, ou de apresentar petições ao governo.

Enfim, a ideia de supremacia de Constituição decorre do princípio da unidade, que faz

com que as normas inferiores adequem-se às normas superiores, assim nomeadas pela vontade

do Poder Constituinte originário.

Pelo princípio da constitucionalidade as normas infraconstitucionais devem se

compatibilizar com as normas superiores; enquanto o princípio da razoabilidade impõe o

dever de as normas inferiores se constituírem em instrumentos ou meios adequados aos fins

estabelecidos na Constituição.

Page 21: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

O quarto princípio relaciona-se com a rigidez constitucional, cujo procedimento para

reformá-la não pode ser o mesmo da elaboração da norma comum. Também há que se fazer

distinção entre poder constituinte e poder constituído, ou seja, a competência funcional que

determina quem de direito pode criar os diversos níveis jurídicos.

Outro aspecto relevante está na graduação do ordenamento jurídico em diversos

níveis, desde a norma fundamental abstrata até a sua execução pelo órgão público; e o último

princípio, mas nem por isso menos importante, é a garantia do Estado de Direito, diante da

limitação em que os órgãos públicos se encontram por determinação do poder constituinte.

São muitas e variadas as correntes de interpretação da natureza jurídica dos Tribunais

Constitucionais ou das Supremas Cortes, no exercício da jurisdição constitucional

especialmente no aspecto do controle de constitucionalidade.

Para um grupo expressivo de doutrinadores, os Tribunais Constitucionais e as

Supremas Cortes, pela peculiaridade de suas decisões, pelo tipo de conflitos que julgam, pela

não realização de operações de subsenção de casos concretos à norma e, ainda por inovar a

ordem jurídica, são órgãos políticos, especialmente voltados para a legislatura, como se

fossem uma segunda câmara ou uma instância política superior às demais (SCHMITT, 1983,

p. 245).

Outra corrente, embora não negue a natureza jurisdicional dos Tribunais

Constitucionais e das Supremas Cortes, observa que estes tribunais decidem conflitos

políticos, pois todos os conflitos constitucionais são sempre conflitos políticos, porém,

“valendo-se de critérios e métodos eminentemente jurídicos na sua solução, embora sejam

critérios e métodos que gozam de certas especificidades em relação aos tribunais ordinários.

Isso se dá porque uma parte, a generalidade e a amplitude dos conceitos normativos

constitucionais, mais gerais ou concentrados normalmente do que o que é comum nas normas

ordinárias ou derivadas; em segundo lugar, a distinta funcionalidade normativa da

Constituição em relação às demais normas ordinárias; enfim, a transcendência mesma das

decisões (decisões de conflitos e, portanto, em certa medida, decisões políticas delas normas,

sem míngua de seu caráter jurisdicional)” (ENTERRIA, 1994, p. 178 e 286-287).

Para Kelsen, os tribunais constitucionais exercem uma verdadeira jurisdição. Na

“Teoria Geral do Direito e do Estado”, Kelsen afirma que “um tribunal que é competente para

abolir leis – de modo individual ou geral – funciona como legislador negativo” (KELSEN,

1990, p. 261).

Para o jurista austríaco, a função de tribunal constitucional não é nem jurisdicional

nem legislativa, nos seus sentidos clássicos. A função de tribunal constitucional, pela sua

Page 22: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

natureza jurídica, se propõe a aplicar o direito e é neste labor que o reinventa e o recria.

O modelo europeu de controle de constitucionalidade, mediante ação direta de

inconstitucionalidade de leis e atos normativos, inspirado em Kelsen, faz da questão da

constitucionalidade o telos principal da ação, sendo a causa patendi a sua própria razão de ser.

Há, portanto, uma ação própria para litigar sobre a constitucionalidade, dentro do sistema

concentrado, porque a competência para controlar se atribuir a um só tribunal – tribunal

constitucional, corte constitucional ou supremo tribunal federal.

No modelo de Kelsen, o tribunal não só declara a inconstitucionalidade, mas

desconstitui o ato por ela inquinado, seja retroativamente (ex tunc), seja prospectivamente (ex

nunc), com eficácia erga omnes, e que pode ser modulado no tempo: ex tunc, ex nunc ou pro

futuro. Kelsen esculpe um modelo cujo perfil é o de uma autêntica jurisdição, por mais que

sua atividade – a atividade do tribunal – venha a ser legislativa (TREMPS, 1985, p.7-8).

A natureza jurídica dos tribunais de jurisdição constitucional se materializa no

processo que é levado à sua apreciação, como um processo objetivo, “de garantia da

regularidade e harmonia do ordenamento jurídico enquanto tal, o que é verdade em relação ao

controle de constitucionalidade abstrato e, em parte, naquele de conflitos federativos ou de

atribuição” (SAMPAIO, 2002, p. 59).

Nesse sistema, porém, mesmo que implicitamente, existe um interesse privado ou

individual reflexo, cuja expectativa de ser atendido acaba se concretizando. Não importa se se

trata de situações individuais particulares, como, por exemplo, a restrição ao acesso ao Poder

Judiciário, ou de um interesse difuso, como a liberdade de expressão em face de certos órgãos

ou entidades do poder público. Seja, ainda, se simples interesse em ver solucionada uma crise

institucional, cujos reflexos poderiam atingir o interessado no futuro. Seja mais, como lembra

Tremps, de um interesse de “partes públicas” envolvidas em conflito federativo.

Todavia, a natureza jurídica dos tribunais constitucionais se expressa de forma ainda

mais cadente na chamada jurisdição constitucional da liberdade, quando a questão em jogo é a

garantia direta dos direitos fundamentais, dentro de um processo objetivo (SCHLAICH, 1984,

p. 181).

Porém, tão ou mais importantes que as ponderações objetivas de parte significativa da

doutrina, que consagra a natureza jurídica dos tribunais de jurisdição constitucional, é adotar

uma postura receptiva em relação à política e ao direito. Deve-se fugir das interpretações

preconceituosas que cavam uma fossa intransponível e incomunicável entre ambos.

A convivência e a ligação entre direito e política é condição essencial para a

conformação do Estado de Direito, e até impossível de separá-los em determinadas situações.

Page 23: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

O que não pode e não deve ser patrocinado é a redução do jurídico no político, ou de julgar

que todas as questões da política se resolverão no espaço do jurídico, nas formas do Direito,

sob pena de desgastar e vulgarizar o mais importante instrumento de integração e proteção

social (HABERMANS, 1996, p. 160 e 182). Contudo, a transcendência política das decisões

das cortes constitucionais não pode deixar aquele preconceito, assim como “não se pode

deixar seduzir pela forma política de indicação dos seus membros, pois importa mais a técnica

jurídica com que enfrentam os problemas levados à solução” (SAMPAIO, 2002, p. 60).O que

se busca é o distanciamento do juiz dos embates políticos, dos choques de opiniões, das

tendências e interesses das facções, para que tenham os atributos necessários à defesa

imparcial da Constituição. Essa era a posição de Madison e Hamilton.

Para Madison, era imperioso um estatuto que afastasse os juízes das paixões e

cultivasse um senso de responsabilidade e de virtude no exercício de defesa da norma

constitucional. Os juízes, afirma Madison, “pela forma como são nomeados, assim como pela

natureza e permanência nos cargos, estão muito distantes do povo para compartilhar as suas

simpatias” (MADISON, 1961, p. 315).

Para os “Pais da Pátria” era pouco recomendável confiar à minoria ou à maioria a

missão de definir os parâmetros da liberdade uma da outra, restando, portanto, o recurso à

Corte Constitucional, a quem caberia desenvolver uma teoria jurisdicional

constitucionalmente fundada, dado à sua natureza jurídica de tribunal jurisdicional

constitucional. Hamilton tinha clara a necessidade de independência judicial “para proteger a

Constituição e os direitos individuais dos maus humores que as artes do homem calculista ou

a influência de conjunturas especiais disseminam entre o povo...” (HAMILTON, 1987,

p.467).

A integridade e a moderação do Judiciário levam a uma defesa mais efetiva contra as

leis que violam ou ameaçam direitos, contra as leis injustas e parciais, que só a firmeza da

magistratura e a natureza jurídica da jurisdição constitucional podem proporcionar.

Pela natureza essencialmente jurídica de suas funções, pelo fato de as Cortes

Constitucionais não disporem de força policial própria para executar os seus comandos, as

Cortes são sempre o instrumento menos perigoso que possa ameaçar os direitos políticos

assegurados pela Constituição, mesmo porque sua natureza jurídica impõe o exercício do

controle de constitucionalidade dos excessos cometidos pelo Poder Público, na elaboração de

leis e atos normativos.

A interpretação das leis pelas Cortes Constitucionais, fundamentais na mais completa

juridicidade, mas também sem desconsiderar seus aspectos políticos explicita ou

Page 24: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

implicitamente revelados, “é competência própria e peculiar das Cortes. Uma Constituição é,

com efeito, e deve ser considerada pelos juízes, uma lei fundamental, pertencendo a eles,

porquanto, precisar o seu significado legislativo. Se acontecer de haver um desacordo

inconciliável entre eles, aquele que tiver validade e obrigação superior deve, por óbvia, ser

preferido; ou, em outras palavras, a Constituição deve ser preferida à lei, a intenção do povo à

intenção de seus agentes” (HAMILTON, 1987, p. 467).

Hamilton procurava afastar o argumento de que essa compreensão pressupunha a

superioridade do Poder Judiciário sobre o Legislativo. Para ele, acima disso, era o poder do

povo superior a ambos os Poderes, e os próprios juízes também deviam estar submetidos ao

governo da Constituição, regulando suas decisões pelas leis fundamentais do que por aquelas

ordinárias, pois isso apenas resultava da natureza e razão das coisas. Ademais, o Judiciário

como fonte indispensável de garantia da Constituição, permite que os conflitos de

competências dos outros poderes não se reproduzam e, quando verificados, sejam resolvidos

pacificamente.

Rui Barbosa, enfatizando o caráter de natureza jurídica da Corte Constitucional,

afirma que “o papel dessa autoridade é de suprema vantagem para a ordem constitucional,

impossível, nesse regimen, desde que um poder estranho aos interesses políticos e às suas

influências dissolventes não constitua o laço de mediação e harmonia jurídica entre as forças

que se defrontam no systema, amparando, ao mesmo tempo, com a sua soberania moral o

direito, no indivíduo, na União e nos Estados, em seus frequentes conflitos” (BARBOSA,

1933, p. 405-406).

Não se questiona que o caráter de natureza jurídica das cortes constitucionais no

exercício da jurisdição constitucional pressuponha uma cultura e um certo isolamento

necessário dos seus juízes, para perseguirem mais objetivamente o interesse público. Sem

deixarem de ser órgãos políticos que lançam mãos de instrumentos jurídicos na solução de

conflitos, as cortes devem ser o bastião da Justiça e do Direito, a voz da razão, cujo papel é

decisivo para a sociedade, pois cabe-lhes a tarefa indeclinável de concretizar a constituição,

expressa na “nacionalidade, na continuidade, na unidade e no objetivo comum” (BICKEL,

1986, p. 25-27 e 31).

Dworkin também reserva aos juízes o papel de pêndulos, que nenhuma gravidade

poderá arrastar do centro do oráculo de sua moralidade e coerência, principalmente se se tratar

de uma questão constitucional alçada à Corte Suprema. Seu juiz hercúleo com talentos super-

humanos e sem limitação de tempo lançará mão do princípio da integridade da legislação e do

princípio da integridade da adjudicação. O primeiro a exigir do legislador o respeito aos

Page 25: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

direitos básicos morais, políticos e de igualdade entre os cidadãos. O segundo requer do juiz

uma decisão rastreada na coerência, no sentido de justiça e na igual proteção da lei, que só um

juiz hercúleo poderá proporcionar. E a interpretação que Hércules der à Constituição, “quando

ele intervém no processo de governo para declarar alguma norma ou ato de governo

inconstitucional, ele o faz em um julgamento consciente sobre o que a democracia, realmente

significa” (DWORKIN, 1991, p. 166-167 e 219-221).

Mas tanto Dworkin quanto Bickel prestam um tributo demasiado ao pensamento

elitista que desde Platão, Locke e Burke, sempre menosprezou a capacidade do povo para

determinar seus próprios caminhos, para escolher seu destino. Platão pregou um governo de

sábios, como o único capaz de gerir a coletividade. Locke acreditava que as verdades

primeiras escapavam da percepção da maioria e para Burke, as classes populares viviam

dissociadas da razão por inteiro. Hamilton e Madison diziam que o povo era incapaz de

identificar os reais interesses da Nação.

Bickel assim como Dworkin revelam suas faces preconceituosas. A função mística

conferida aos juízes por Bickel e o juiz super-homem de Dworkin, fogem à função da

natureza essencialmente jurídica da jurisdição constitucional, pois é uma concepção

antidemocrática, que conduz ao açodamento do esforço de discricionariedade judicial,

permitindo não o controle jurisdicional salutar, mas a prevalência de valores elitistas de uma

classe social. John Hart Ely denuncia o caráter antidemocrático que existe por trás dessas

teorias, apontando que “nossa sociedade não tomou a decisão constitucional de um sufrágio

quase universal para (...) serem as decisões populares submetidas a valores dos juristas de

primeira classe” (ELY, 1980, p. 56-59).

Mais contundente Frank Michelman aponta que a teoria de Dworkin desconhece a

ideia de pluralismo e de diálogo: “Hércules, o mítico juiz de Dworkin, é um solitário. É

demasiado heroico. Suas narrações construtivas são monólogos. Ele não conversa com

ninguém, a não ser com seus livros. Não tem nenhum enfrentamento. Não se encontra com

ninguém. Nada o comove. Nenhum interlocutor viola o inevitável isolamento de sua

experiência e de sua visão. Hércules é um homem, apesar de tudo. Não é a totalidade da sua

comunidade. Nenhum homem ou mulher pode sê-lo” (MICHELMAN, 1986, p. 76).

A jurisdição constitucional caracteriza-se pela unidade e indivisibilidade, por ser uma

das manifestações da soberania do Estado. Contudo, são diversos os critérios de classificação

da justiça constitucional, assim como uma divisão orgânica da jurisdição, em jurisdição

comum, especial e constitucional. Portanto, existem, “tecnicamente, múltiplas manifestações

de uma só jurisdição, para atender à plenitude e à especialização decorrentes dos

Page 26: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

ordenamentos jurídicos” (BARACHO, 1989, p. 84).

Uma parte da doutrina adota a classificação de jurisdição comum ou ordinária,

jurisdição especial, jurisdição administrativa e jurisdição constitucional. A jurisdição comum

é exercida pelos órgãos que integram a magistratura ordinária e a jurisdição especial pelos

órgãos que integram o Poder Judicial. No Brasil não existe a jurisdição administrativa, a

exemplo da Itália e França, cuja função é corrigir os excessos e distorções da Administração

Pública.

A jurisdição constitucional se distingue das outras espécies por uma sucessão de

fatores e em razão da sua natureza original, do seu caráter político e até mesmo pela sua

prescindibilidade, já que se concebe uma ordem jurídica democrática sem tribunal

constitucional, como na Inglaterra (JAYME, 1999, p. 76).

Na jurisdição constitucional, as decisões são proferidas em única instância e o seu

alcance não se destina à tutela de direitos individuais, porquanto os provimentos são de

interesse de toda a coletividade. Outra característica da jurisdição constitucional diz respeito

ao controle de constitucionalidade das leis, que devem adequar-se à Constituição.

Os provimentos do Tribunal Constitucional, tanto no controle abstrato, quanto no

concreto, têm alcance geral. É essa agenda diferenciada que afirma o caráter especial do

Tribunal Constitucional, já que ele pode, por iniciativa de outrem, “opor-se às decisões do

governo e da legislação e sua sentença é vinculativa para os outros poderes” (HESSE, 1978,

p. 422). O Tribunal Constitucional tem, por conseguinte, participação expressiva na direção

superior do Estado.

De outra forma, os sistemas constitucionais podem ser divididos entre os que possuem

um controle de constitucionalidade mais ou menos desenvolvido, de outros, que não

reconhecem esse controle, em que o sistema britânico surge como paradigma da sua

prescindibilidade, ao mesmo tempo que consagra uma notável e sólida democracia. Dentro

dos sistemas que adotam o controle de constitucionalidade, podem ser apontados um sistema

político anti-judicial ou francês e um sistema jurisdicional ou norte-americano e austríaco.

No sistema político ou francês, cuja inspiração remete-se para a tradição jacobina e

para as formulações teóricas de Rousseau, ambas consagrando a supremacia do Parlamento,

por meio do controle político de constitucionalidade, nos moldes da Constituição suíça de

1848, com a Emenda de 1874, ou sob a influência das constituições francesas do ano VIII, de

1852, o controle de constitucionalidade é político, porque exercido por um órgão de

orientação política. De certa forma, a Constituição francesa de 1946, também corrobora a

tendência em qualificar o Conselho Constitucional como órgão político, tributária que é dessa

Page 27: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

linha de pensamento.

Para caracterizar um órgão como político, vários aspectos são tomados em

consideração, indo da escolha dos seus membros; o modo de atuação; o caráter necessário do

controle em relação a determinadas leis; a falta do contraditório e de partes em sentido

técnico; até o seu caráter preventivo, inserido no processo de formação das leis

(CAPELLETTI, 1992, p. 29).

No sistema jurisdicional, a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é

atribuída a qualquer juiz ou é reservada a um único órgão que, fazendo uso de instrumentos

jurídicos, de forma imparcial, decide com força de coisa julgada.

Entretanto, uma realidade se impõe, quando são apontadas as tentativas de distinguir

ou de afastar o atual modelo político francês do modelo jurisdicional. Em maior ou menor

grau, os elementos caracterizadores daquele modelo político se fazem presentes nos modelos

jurisdicionais. As formas de composição dos quadros de juízes, o modo de provocação dos

tribunais e sua atuação, invocam esta grande semelhança.

A pretensão doutrinária de que um controle preventivo dominante poderia servir de

base à distinção, tornando o Conselho uma terceira câmara política e, excepcionalmente, uma

jurisdição, não se sustenta. O fato é que o controle a priori se faz presente em outros sistemas,

ainda que de forma mais branda, mas de qualquer forma existente, não deixando dúvidas

sobre sua efetividade. Deve-se considerar relevante que mesmo no controle a posteriori de

constitucionalidade, a Corte se coloca na posição de outra câmara de revisão, seja julgando os

embates entre Governo e Parlamento, seja entre Governo central e Governo local, ou mesmo

entre as disputas parlamentares dos grupos da maioria e das minorias.

Para que a distinção entre o modelo político francês e o modelo constitucional faça

sentido, é necessário que um modelo de controle exercido por um órgão político em sentido

próprio, entre em cena. Esta forma de controle pode ser invocada no papel do Senado nas

Constituições do ano VIII e de 1852, da França, já que, para o efeito, não basta tomar como

parâmetro o papel do Conselho de Estado, que deve ser ouvido antes de o Governo submeter

qualquer projeto de lei ao Parlamento, ou mesmo o controle difuso previsto na Constituição

do ano III, com a atribuição a todos os cidadãos qualificados de protegerem a Constituição.

Nesse sentido, o modelo socialista deve ser lembrado, com sua técnica de deferir, em

alguns casos, competência ao Praesidium da Assembleia Legislativa a função de controle de

constitucionalidade dos projetos de Lei. São exemplos as Constituições da Romênia (1965);

da Hungria (1972); de Cuba (1976); da China (1978) e da então União Soviética, de 1977

(AZEVEDO, 2001, p. 13).

Page 28: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Com esse mesmo efeito, podem ser mencionados certos instrumentos de controle

recíprocos dos poderes funcionais do Estado, com efeito classificatório, como o veto do

Presidente da República a projetos de lei aprovados pelo Parlamento e considerados

inconstitucionais.

Um segundo critério para distinguir o modelo político do jurisdicional, está na

existência de um modelo norte-americano ou de Suprema Corte e um modelo austríaco ou

europeu de Tribunal Constitucional, ambos destinados essencialmente às operações

jurisdicionais.

No modelo norte-americano de Suprema Corte, de controle difuso, a jurisdição

constitucional se diferencia de outra qualquer pela supremacia da Constituição, que deve ser

garantida por qualquer juiz, em todas as instâncias do Poder Judiciário. A Suprema Corte se

põe não apenas como um terceiro grau de jurisdição federal, mas também como juízo de apelo

das decisões proferidas nos tribunais inferiores. Isto se dá por meio de certiorari, na hipótese

de estar em questão a validade constitucional de uma lei – seja originariamente, nos casos

constitucionalmente previstos. Por conseguinte, o controle de constitucionalidade é

descentralizado, incidental e a posteriori, atuando sobre um caso concreto levado ao tribunal.

Difundido à exaustão, o modelo de Suprema Corte espalhou-se pelo mundo, com

exemplos eloquentes na Argentina, Austrália, Guiana e Japão.

No modelo de Tribunal Constitucional austríaco, europeu ou concentrado, o

controle de constitucionalidade passa a ser principal, abstrato, cuja provocação compete

apenas a certas autoridades do Estado ou de representação da sociedade, com destaque da

função de garantia do respeito pelos valores constitucionais. A consequência dessa postura é

uma maior exigência da especialização jurisdicional, com a dotação de instrumentos e

técnicas processuais específicos e com a criação de um órgão único que centraliza todo o

controle.

Esse órgão se situa fora da hierarquia jurisdicional ou possui um destaque especial

nessa estrutura, detendo seja a especialização seja o monopólio do contencioso constitucional.

Adotam o modelo de Tribunal Constitucional, entre outros, a África do Sul, Alemanha,

Áustria, Bulgária, Chile, Espanha, Hungria, Itália, Luxemburgo, Polônia, Síria e Turquia.

Essa classificação, entretanto, se mostra insuficiente, pois se restringe exclusivamente

ao controle de constitucionalidade das leis, sem tocar nas demais competências dos tribunais

jurisdicionais. O fato é que existe um grupo de países que apresentam características dos dois

modelos. Como exemplo de Suprema Corte com controle abstrato, tem-se o Brasil, Canadá,

México, Namíbia e Nicarágua. De Tribunal Constitucional com controle concreto, a

Page 29: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Alemanha, Áustria, Espanha e Itália; ou com função de corte de apelação, Portugal e, em

geral, nos sistemas que possuem recursos ou ações individuais contra violação dos direitos

fundamentais, pois neste caso a Corte funciona como uma espécie de cassação universal

(SAMPAIO, 2002, p. 47).

O modelo de Suprema Corte pode assumir a feição de um controle preventivo de

constitucionalidade, como acontece em Belize, Canadá, Finlândia, Irlanda, Noruega,

Cingapura...; e até mesmo monopolizar ou controlar o contencioso, como nas Bahamas, Chile,

Granada, Nepal, Panamá e Uruguai; abrindo em outros casos, salas especializadas, a exemplo

da Costa Rica, El Salvador e Paraguai.

Por outro lado, existe Tribunal Constitucional que não detém monopólio da jurisdição

constitucional, ou o conserva de maneira atenuada, como em diversos países latino-

americanos. Na Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala e Peru, são exemplos de países em

que os juízes ordinários têm competência para conhecer de razões incidentais de

constitucionalidade.

Na Espanha e na Bulgária, este monopólio também é relativo e os tribunais ordinários

podem pronunciar-se sobre a constitucionalidade de regulamentos e disposições

administrativas sem valor de lei. Na Polônia, em caso de dúvida por parte do juiz, sobre a

constitucionalidade ou a legalidade de um regulamento, pode ele deixar de aplicá-lo, inter

partes, como pode formular consulta ao Tribunal Constitucional.

Na Espanha, também se pode deixar de fora da competência do Tribunal

Constitucional a fiscalização das leis anteriores à Constituição, o mesmo ocorrendo na

Bulgária, na Itália e na Romênia. Nestes países, o juiz ordinário pode simplesmente declarar

revogada a norma, embora lhe seja facultado enviar a questão ao Tribunal Constitucional para

declaração de inconstitucionalidade superveniente.

Em função do objeto controlado pelo Tribunal da jurisdição constitucional, pode-se

falar, ainda, dentro de um modelo preventivo ou francês e outro, americano e austríaco, de

uma especialização de modelos.

No modelo preventivo, francês ou de conselho constitucional, o sistema objetiva filtrar

as leis de possíveis vícios de inconstitucionalidade, antes de sua entrada em vigor. Na

perfeição da lei está a sua autoridade. Esse controle é obrigatório e sistemático, embora seja

previsto também de maneira facultativa. Adotado na França, foi copiado por outros países

como Argélia, Camboja, Congo, Marrocos, Mauritânia, Senegal e Tunísia.

No modelo sucessivo, americano-austríaco, de corte suprema ou constitucional, o

controle de constitucionalidade deve ser da lei, não do seu projeto. Tradicionalmente é dado

Page 30: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

ao juiz conhecer do ato normativo pronto, promulgado, sem que o Poder Judiciário entre no

debate legislativo. São exemplos os Estados Unidos, Alemanha, Argentina e Áustria.

Em razão dos fins perseguidos, outra decisão bipartida se impõe, entre um sistema

centrado nas leis e outro centrado na defesa dos direitos fundamentais (LLORENTE, 1998, p.

159).

No modelo centrado na lei, objetiva-se buscar harmonia e coerência à ordem jurídica, por

meio de instrumentos e mecanismos de aperfeiçoamento das leis e atos normativos que

atentem contra a Constituição. Em regra, instaura-se por meio de ação direta de

inconstitucionalidade, processos objetivos em que não aparecem as partes com interesses

particulares e concretos, mas detentores de poder constitucional para salvaguarda de

competências e organizações definidas na Constituição. Apenas indiretamente pode-se ter a

proteção dos direitos fundamentais ou constitucionais.

No modelo centrado na defesa de direitos, busca-se a imediata garantia dos direitos

constitucionalmente consagrados, podendo produzir, por via de consequência e apenas

incidentalmente, a consistência normativa do ordenamento. Sua expressão maior é o controle

difuso ou norte-americano, a que se deve acrescentar outros instrumentos processuais

concentrados de defesa dos direitos fundamentais, como o amparo e o recurso de direito

público, dentre outros.

Outra classificação fundada no tipo de processo e sobre a natureza e o objeto das

decisões dos órgãos encarregados de prestação da jurisdição constitucional, divide-se em

jurisdição concreta e jurisdição abstrata.

No modelo de jurisdição concreta, o processo se destina a resolver situações subjetivas

concretas de pessoas particulares.

No modelo de jurisdição abstrata, o objeto se contém num conflito de normas ou de

órgãos do Estado, visando principalmente regular uma questão relativa ao bom

funcionamento do mesmo, posta por uma pessoa com a missão de falar em nome de um

interesse geral.

Todavia, esta classificação não se constitui numa situação petrificada, pois aqui,

também, surgem figuras híbridas, abstrata e subjetiva, quando, por exemplo se interpõe um

recurso individual dirigido contra uma lei para proteção de direitos fundamentais específicos.

Como exemplo de modelo objetivo e concreto está o envio, por um juiz, a um tribunal, da

questão de inconstitucionalidade de uma lei aplicável para dirimir um caso concreto.

Se, porém, forem combinados os critérios orgânicos e processuais, mais uma

classificação se impõe. Na jurisdição concreta, entretanto, existem duas hipóteses distintas.

Page 31: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Na primeira a jurisdição concreta da Suprema Corte caracteriza-se por uma jurisdição

ordinária, submetida a uma hierarquia judiciária e à possibilidade de apelo ou

recurso último, extraordinário ou de cassação à Corte, sem, no entanto, excluir-se a

possibilidade de recursos individuais por violação de um direito constitucionalmente

garantido.

Na segunda hipótese, a jurisdição concreta da Corte Constitucional contempla recursos

individuais de defesa dos direitos fundamentais e o reenvio à Corte da questão de

inconstitucionalidade. Nos dois casos, todavia e a rigor, as Cortes funcionam como Supremas

Cortes ou Cortes de revisão; seja pela hierarquia no primeiro caso, seja pela ligação que se faz

necessária no segundo caso.

Quanto à jurisdição abstrata, os tribunais são agentes políticos, órgãos estatais ou

sociais que agem com vistas a assegurar o funcionamento do Estado nos termos estabelecidos

pela Constituição. Também se dividem em jurisdição abstrata de Corte Suprema e Jurisdição

abstrata de Corte Constitucional, abrangendo conflitos entre os poderes públicos federativos e

conflitos de normas (controle prévio ou posterior).

A realidade aponta que não existe um sistema puro, concreto ou abstrato; nem

totalmente concentrado ou difuso. O exemplo da Suprema Corte norte-americana é

emblemático, pois detém competência para conhecer de conflitos entre os Estados e, pela sua

posição institucional, tem a última palavra em matéria constitucional, não sendo rara a

hipótese de ação declaratória simulada. Com exceção da França, se limitada a observação

apenas ao Conselho Constitucional, não existe um sistema exclusivo de jurisdição abstrata e

objetiva.

Uma última classificação se coloca, considerando o âmbito da jurisdição e o rol de

competências. Assim, temos:

a) jurisdição constitucional de caráter interno, assentada no rol de competências

constitucionais atinentes a um contencioso de normas, ou seja, a jurisdição constitucional de

controle de constitucionalidade ou juiz de constitucionalidade; existe um contencioso penal

(jurisdição constitucional penal); um contencioso eleitoral; um contencioso de conflitos

constitucionais entre entes federativos e entre órgãos constitucionais; e um contencioso de

direitos fundamentais (jurisdição constitucional da liberdade);

b) jurisdição constitucional de caráter internacional e comunitário, semelhante ou moldada na

jurisdição constitucional de caráter interno, de quem assimilou técnicas e experiências. Na

verdade trata-se do alargamento desta, no cruzamento das duas ordens, voltada para a

Page 32: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

resolução de conflitos entre atos e disposições legislativas internas, com as normas e

princípios internacionais ou comunitários entre as normas externas e os preceitos

constitucionais internos.

c) controle de conformidade dos atos internos com as normas externas, que se apresenta sob

duas questões. A primeira trata da hierarquia existente entre os atos externos e internos e a

segunda sobre o órgão encarregado de exercer a fiscalização. No primeiro caso, existe uma

variada gama de enfoques. Na Itália, Alemanha e Portugal, as Constituições dão um

tratamento especial ao Direito Internacional. Em vários outros sistemas, os atos internacionais

possuem a mesma estatura das leis ordinárias, como no Brasil; em outras lhe são conferidas

hierarquia superior às leis internas.

Na Europa os juízes nacionais exercem o controle difuso, incidental e prejudicial dos atos

internos em face do direito comunitário, podendo deixar de aplicar as normas nacionais que

considerem contrárias aos tratados da Comunidade. Isso não inibe um controle concentrado

perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, que decide sobre recursos individuais

fundados na violação dos direitos fundamentais por atos do poder público de um Estado

signatário. No exercício dessa competência a Corte define qual interpretação deve ser dada às

disposições da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Enquanto os Tribunais Constitucionais visam a conciliação entre interesse público e

interesse privado, a Corte Europeia procede a uma reconciliação entre interesses estatais e

interesses individuais. Naqueles procede-se à invalidação da norma abstrata e impessoal,

enquanto na Corte visa-se uma situação ou decisão individual. Por isso o provimento do

recurso não gera nulidade ou anulação do ato impugnado, apenas decreta a responsabilidade

internacional do Estado e a reparação de danos ao recorrente. Ademais, fortalece a tese de

que, no quadro das medidas gerais que devem ser adotadas pelos Estados, há de se incluir a

obrigação positiva de edição de norma jurídica compatível com os termos da decisão. A ideia

é levar os Estados a ab-rogar as normas reputadas inconvencionais condenando, em linha de

princípio, o Estado que não adotar providência para alterar sua legislação, considerada

contrária à Convenção, em outro recurso envolvendo outro Estado.

d) controle dos atos externos em face das constituições nacionais, exercido de duas formas. A

primeira com base num procedimento preventivo, como na França, Portugal, Espanha e Costa

Rica, em que o Tribunal examina a conformidade entre os tratados subscritos pelo Executivo

antes de sua aprovação pelo Parlamento, abrindo-se três possibilidades em caso de

Page 33: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

incompatibilidade: reforma da Constituição; aprovação com reservas e renegociação pelo

Executivo para eliminar os dispositivos inconstitucionais, ou rejeição pura e simples.

Na segunda forma, o procedimento é sucessivo ou posterior, ao procedimento anterior

de fiscalização pelo Tribunal da jurisdição constitucional do tratado, depois de sua

incorporação na ordem jurídica interna. Em caso de inconstitucionalidade, impõe-se a não

aplicação ou nulidade, fazendo-se a denúncia do ato que, no entanto, permanecerá vinculante

do ponto de vista do Direito Internacional, até que a denúncia se concretize.

CONCLUSÃO

Uma norma jurídica para ter validade, precisa buscar seu fundamento numa norma

superior e, assim por diante, de tal forma que todas as normas, cuja validade pode ser

reconduzida a uma mesma norma fundamental, formem um sistema de normas, uma ordem

normativa.

Nesse sistema normativo, a Constituição é a norma suprema, fundamental, pois é nela

que se busca a validade das normas existentes. No corpo do texto constitucional devem estar

contidas as normas relativas às condutas que o poder constituinte de uma sociedade política

erigiu à categoria de fundamentais para si e as reputou importantes e supremas.

Em qualquer ordenamento jurídico, as normas constitucionais ocupam uma posição de

primazia, porque não encontram outras que lhes sejam superiores, salvo se elas mesmas assim

o determinar, como é o caso dos Estados que adotam o princípio da superioridade do direito

internacional sobre o nacional. A Constituição é sempre o parâmetro de validade das demais

normas, na medida em que para terem validade, estas normas devem conformar-se aos

ditames das normas constitucionais.

Pode-se afirmar em relação à supremacia constitucional que, no mundo dos valores, a

Constituição é suprema por conter as normas fundamentais de uma determinada sociedade

política. No plano jurídico, a Constituição é suprema porque suas normas são rígidas e

requerem u procedimento especial e qualificado para serem modificadas.

Tendo em vista a hierarquia das normas, a condição de supremacia constitucional

impõe-se como referencial para todo ordenamento jurídico, sendo que, ao menos em tese, a

garantia dos princípios nela contidos estaria preservada. Portanto, no ordenamento jurídico

Page 34: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

deve existir a compatibilidade vertical de normas, tornando-se a incompatibilidade uma

situação anômala, atacável por via do controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder

Público.

Acatando-se o axioma de que a Constituição tem como finalidade limitar e

racionalizar o poder estatal, distribuindo-lhe por diversos órgãos independentes e sujeitos a

controles, e que é dotada de rigidez e supremacia normativa, desemboca-se no fenômeno do

controle de constitucionalidade. A forma de garantir a supremacia da lei magna, indispensável

em todo Estado democrático de Direito, só se podendo falar em controle do poder nos Estados

democráticos, posto que nos Estados autoritários, o poder concentra-se, de maneira

monolítica, em detentores que o exercem sem fiscalização e limites.

Depreende-se, então, que o controle de constitucionalidade é o mecanismo disposto na

Constituição, que tem por objeto defender a supremacia das normas constitucionais,

competindo ao Poder Público, através de seus órgãos, demonstrar a desconformidade

existente entre uma lei e as normas constitucionais.

O sistema de controle de constitucionalidade varia de país para país. No Brasil são três

as espécies de controle de constitucionalidade: o controle político, o controle jurisdicional e o

controle difuso. \porém, considerando o momento de intervenção do órgão competente para

apreciação da inconstitucionalidade, encontramos sistemas que adotam o controle preventivo,

que ocorre numa fase anterior à publicação da lei, ou seja, antes da produção final do ato

legislativo. Nesse caso, ainda se está diante da formação do ato, do estudo e da discussão do

projeto de lei.

Esse controle se dá, efetivamente, quando o projeto de lei passa pelo crivo da

Comissão de Constituição e Justiça, ou quando o próprio chefe do Executivo veta o projeto. O

controle preventivo é exercido tanto pelo Poder Legislativo, através da Comissão de

Constituição e Justiça, quanto pelo Poder Executivo, através do veto.

Existe ainda o controle repressivo, que se dá após a publicação da lei ou ato

normativo. Também faz parte deste tipo de controle, o veto de competência do Congresso

Nacional, quando os atos do Poder Executivo exorbitem o poder regulamentar ou os limites

da delegação legislativa.

O princípio do controle de constitucionalidade liga-se à concepção moderna de Estado

democrático de direito, que traz ínsito a ideia de um sistema jurídico contrário a qualquer

forma de opressão do indivíduo. Tal modelo foi expressamente recepcionado pela

Constituição de 1988, fundada na legalidade e no controle judiciário. O princípio da

constitucionalidade expressa que o Estado brasileiro norteia-se na legitimidade de sua

Page 35: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

Constituição, emanada da vontade popular e dotada de soberania, vinculando todos os poderes

e atos deles provenientes, com a garantia de atuação livre de regras da jurisdição

constitucional. Foi a partir da necessidade de adequação vertical das normas

infraconstitucionais à lei fundamental, que surgiu o sistema de controle jurisdicional de

constitucionalidade de leis e atos normativos.

Quanto ao sujeito controlador, além dos magistrados, os demais operadores do direito

têm a obrigação de controlar a juridicidade dos atos jurídicos, agindo cada qual no âmbito de

sua atividade. O controle exercido pelos juízes é repressivo da inconstitucionalidade, sendo

posterior à existência da lei. A atividade de controlar a juridicidade converte-se em legítimo

poder-dever democrático. Ou seja, qualquer cidadão, praticante de um ato jurídico e que nele

colabore, ou não, deve controlar sua juridicidade.

Em relação ao Supremo Tribunal Federal e ao instituto da jurisdição constitucional,

esta legitimidade deve ser melhor encontrada mediante a sua reformulação ou a criação de

novos critérios de composição, competências e atuação. Quanto mais perto estiver do povo o

juiz constitucional, mais elevado há de ser o grau de sua legitimidade. Isto não significa que o

STF deva abdicar-se de suas competências originárias de guardião da Constituição e nem que,

a exemplo nosso, se encarregue de outras funções que não esta.

O STF, embora possua as típicas competências dos Tribunais Constitucionais

europeus, deles se distanciou por constituir-se, também, na última instância da jurisdição

ordinária. Esse distanciamento reflete-se na realidade processual, com o inusitado número de

processos que chegam àquela Casa. Todavia, para que o STF possa assumir plenamente seu

papel de órgão de direção do Estado, transformando-se exclusiva e definitivamente em Corte

de Constitucionalidade, não basta a simples alteração constitucional de suas competências,

sendo igualmente necessário alterações na sua composição e no procedimento de atuação,

Ao STF deve competir, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe

processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo federal ou estadual; a ação declaratória de constitucionalidade; pedido de medida

cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de

constitucionalidade; a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; a ação de

inconstitucionalidade interventiva e a arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Nosso sistema é um dos mais completos, pois adota, conjuntamente, os métodos

difuso e concentrado. Dessa forma, o atual modelo deve ser mantido, mas em se tratando do

controle judicial preventivo de constitucionalidade, que legitima todos os parlamentares a

ingressarem com mandado de segurança deve ser ampliado para possibilitar o controle

Page 36: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

jurisdicional em respeito aos direitos dos grupos parlamentares minoritários.

Conclui-se com a lembrança de que a jurisdição constitucional retira sua legitimidade

formalmente da própria Constituição e materialmente da necessidade de proteção ao Estado

de direito e aos direitos fundamentais, pois as decisões dos Tribunais Constitucionais

prevalecem sobre a dos representantes eleitos, porque se presume que assim desejou a maioria

na elaboração da Constituição, por meio do exercício do poder constituinte originário e

porque AS Cortes Constitucionais são órgãos de garantia da supremacia de seus princípios,

resguardando dessa forma o Estado de direito e preservando as ideias básicas da Constituição.

REFERÊNCIA

AMARAL, Diogo Freitas do. História das ideias políticas. Lisboa: Almedina, 2003; ARISTÓTELES. Tratado da Política. Lisboa: Europa-América, 1977; AZEVEDO, Luiz H. Cassilide. O controle legislativo de constitucionalidade. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2001; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1989; BATAGLINI, Mario. Contributi Allá storia del controllo de constituzionalità delle lege. Milano: Giuffrè, 1957; BICKEL, Alexander M. The mast danglous branch. The supreme court at the bar of politics. London: Yale University Press, 1996; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1998; CAPPELETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1992; CASTRO, José Luiz Cascajo. La jurisdición constitucional de la liberdad. Madrid: Revista de Estudios Políticos, n. 119, 1975; CASTRO NUNES, José de. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943; CHIOVENDA, Giuseppe. Institutos de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1968; CÍCERO, Marco Túlio. Das leis. São Paulo: Atlas, 1984;

Page 37: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

COOLEY, Thomas. Princípios gerais do direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1994; DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Diritto constituzionale> Instituzioni di diritto publico. Napoli, 1974; DWORKIN, Ronald. Law’s empire. London: Fontana Press, 1991; ELY, John Hart. Democracy and distrust. A theory of judicial review. Cambridge: Harward University Press, 1980; ESPINOSA, Baruch. Tratado político. São Paulo: Nova Cultural, 1987; ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994; FISCHBACH, Oskar George. Teoria general Del Estado. Barcelona: Labor, 1934; GALÁN y GUTIERREZ, Eustáquio. La filosofia política de Santo Tomas. Madrid: Tecnos, 1945; GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. Madrid: Alianza Editorial, 1991; GILSON, Etienne e BOEHNER, Philoteus. Dicionário de filosofia cristã. São Paulo: Hemus, 2000; GONÇALVES, Kildare Carvalho. Teoria do Estado e da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004; GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999; HABERMAS, Jürgen. Fatti e Norme. Contributi a uma teoria discorsiva de diritto e della democracia. Milano: Guerini e Associati, 1996; HAMILTON, Alexander. O federalista. São Paulo: Abril Cultural, 1987; HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1998; HINOJOSA Y NAVEROS, Eduardo de. Influencia que tuvieran em el derecho publico de su pátria y singularmente em el derecho penal, lós filósofos y teólogos anteriores a nuestro siglo. Madrid, s/Ed., 1890;

Page 38: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

JAYME, Fernando Gonzaga. Jurisdição constitucional: uma exigência democrática. Belo Horizonte: UFMG, 1999; JÚNIOR, J. Loureiro. Da constitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1989; LASCANO, David. Jurisdicción y competência. Buenos Aires: Depalma, 1941; KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985; LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medeieval, I e II. Lisboa: Estampa, 1995; LLORENTE, Francisco Rubbio. Tendencias actuales de la jurisdición constitucional en Europa. Madrid: McGrawHill, 1998; MADISON, James e JAY, John. The federalist papers. New York: Pequin Books, 1961; MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1984; MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto processuali civile. Torino: G. Giappichelli, 1975; MARQUES, José Frederico. Institutos de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1966; MICHELMAN, Frank. The supreme court. Forreword. Traces of self govermment. Haward: Haward Law Review n. 4, 1986; MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000; PLATÃO. República. Lisboa: Europa-América, 1987; POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1980; PONTES, J. M. da Cruz. Cícero (Marco Túlio). Enciclopédia Verbo, v. 5; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Os fundamentos atuais do direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974; RUSSEL, Bertrand. História da filosofia ocidental. Lisboa: Círculo do Livro. São Paulo: Atlas, 1994; SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002; SCHLAICH, Klaus. El tribunal constitucional federal alemán, in Tribunais constitucionais europeus y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984; SCHMITT, Carl. La defensa de la constitución. Estudios acerca de lãs diversas espécies y posibilidades de salvaguardia de la constitución. Madrid: Tecnos, 1983; SIEYÈS, Emanuel Joseph. Que é o terceiro estado? Belo Horizonte: UFMG, 1978;~

Page 39: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

SOLON, Ari Marcelo. Teoria da soberania como problema da norma jurídica e da decisão. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997; STERN, Klaus. Derecho del Estado de la República Federal Alemana. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales; 1987; TREMPS, Pablo Perez. Tribunal constitucional y poder judicial. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985; WELZEL, Hans. Introdución a la filosofia del derecho. Derecho natural y justicia material. Madrid: Aguilar, 1971; WIACKER, Franz. História do direito privado moderno. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian, 1997;

Page 40: Jurisdição Constitucional Resumo.pdf

40

40