524
p. 1-524 Repositório autorizado de jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Registro nº 16, Portaria nº 12/90. Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do STJ. Repositório autorizado de jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a partir do dia 17.02.2000, conforme Inscrição nº 27/00, no Livro de Publicações Autorizadas daquela Corte. Jurisprudência Mineira Belo Horizonte a. 57 v. 176/177 janeiro/junho 2006 Jurisprudência Mineira Órgão Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Jurisprudência Mineira_ed.176-177

Embed Size (px)

Citation preview

  • p. 1-524

    Repositrio autorizado de jurisprudncia do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA, Registro n 16,Portaria n 12/90.

    Os acrdos selecionados para esta Revista correspondem, na ntegra, s cpias dos originais obtidasna Secretaria do STJ.

    Repositrio autorizado de jurisprudncia do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a partir do dia17.02.2000, conforme Inscrio n 27/00, no Livro de Publicaes Autorizadas daquela Corte.

    Jurisprudncia Mineira Belo Horizonte a. 57 v. 176/177 janeiro/junho 2006

    Jurisprudncia Mineirargo Oficial do Tribunal de Justia

    do Estado de Minas Gerais

  • Fotos da Capa:

    Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza - Sobrado em Ouro Preto onde funcionou o antigo Tribunal da Relao - Palcio da Justia Rodrigues Campos, sede do Tribunal de Justia de Minas Gerais

    Srgio Faria Daian - Montanhas de Minas GeraisRodrigo Albert - Corte Superior do Tribunal de Justia de Minas Gerais

    Projeto Grfico: ASCOM/COVICDiagramao: EJEF/GEDOC/COTEC - Marcos Aurlio Rodrigues e Thales Augusto BentoNormalizao Bibliogrfica: EJEF/GEDOC/COBIB

    SuperintendenteDes. Srgio Antnio de Resende (at 02.03.06)Des. Antnio Hlio Silva (a partir de 03.03.06)

    Superintendente AdjuntaDes. Jane Ribeiro Silva

    Diretora ExecutivaMaria Ceclia Belo

    Gerente de Documentao, Pesquisa eInformao EspecializadaPedro Jorge Fonseca

    Assessoria JurdicaMaria da Consolao SantosMaria Helena Duarte

    Coordenao de Comunicao TcnicaEliana Whately Moreira - Coordenadora

    urea SantiagoMaria Clia da SilveiraMarisa Martins FerreiraSvio Capanema Ferreira de MeloTadeu Rodrigo RibeiroVera Lcia Camilo Guimares

    Escola Judicial Des. Edsio Fernandes

    Escola Judicial Desembargador Edsio FernandesRua Guajajaras, 40 - 22 andar - Centro - Ed. Mirafiori - Telefone: (31) 3247-890030180-100 - Belo Horizonte/MG - Brasilwww.tjmg.gov.br/ejef - [email protected]

    *Nota: Os acrdos deste Tribunal so antecedidos por ttulos padronizados, produzidos pela redao da Revista.

    Enviamos em permuta - Enviamos en canje - Nous envoyons en change- Inviamo in cambio - We send in exchange - Wir senden in tausch

    Qualquer parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    ISSN 0447-1768

    JURISPRUDNCIA MINEIRA, Ano 1 n 1 1950-2005Belo Horizonte, Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais

    Trimestral.ISSQN 0447-1768

    1. Direito - Jurisprudncia. 2. Tribunal de Justia. Peridico. I.Minas Gerais. Tribunal de Justia.

    CDU 340.142 (815.1)

    Equipe da Unidade Francisco Sales

    Daysilane Alvarenga Ribeiro - Diretora de Jurisprudncia e Pesquisa

    Maria Beatriz da Conceio Mendona - Coordenadora da Diviso de RedaoJoo Dias de vilaJoo Oscar de Almeida FalcoLiliane Maria BorattoMaria Amlia Ribeiro Kasakoff

    Alexandre Silva Habib - Coordenador da Diviso de RevisoCeclia Maria Alves CostaLuiz Gustavo Villas Boas GivisiezMauro Teles CardosoMyriam Goulart de Oliveira

  • PresidenteDesembargador HUGO BENGTSSON JNIOR

    Primeiro Vice-PresidenteDesembargador ORLANDO ADO CARVALHO

    Segundo Vice-PresidenteDesembargador SRGIO ANTNIO DE RESENDE (at 02.03.06)Desembargador ANTNIO HLIO SILVA (a partir de 03.03.06)

    Terceiro Vice-PresidenteDesembargador MRIO LCIO CARREIRA MACHADO

    Corregedor-Geral de JustiaDesembargador RONEY OLIVEIRA

    Tribunal Pleno

    Desembargadores

    (por ordem de antiguidade em 30.06.2006)

    Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais

    Francisco de Assis FigueiredoGudesteu Biber SampaioEdelberto Lellis SantiagoMrcio Antnio Abreu Corra de MarinsHugo Bengtsson JniorOrlando Ado CarvalhoAntnio Hlio Silva

    Cludio Renato dos Santos CostaIsalino Romualdo da Silva LisbaSrgio Antnio de ResendeArmando Pinheiro LagoRoney Oliveira

    Nilo Schalcher VenturaReynaldo Ximenes Carneiro

    Joaquim Herculano RodriguesMrio Lcio Carreira MachadoJos Tarczio de Almeida MeloJos Antonino Baa Borges

    Jos Francisco Bueno

    Clio Csar Paduani

    Hyparco de Vasconcellos ImmesiKildare Gonalves CarvalhoMrcia Maria Milanez CarneiroNilson Reis

    Dorival Guimares Pereira

    Jarbas de Carvalho Ladeira FilhoJos Altivo Brando TeixeiraJos Domingues Ferreira Esteves

    Jane Ribeiro SilvaAntnio Marcos Alvim SoaresEduardo Guimares AndradeAntnio Carlos Cruvinel

    Fernando Brulio Ribeiro TerraEdivaldo George dos Santos

    Silas Rodrigues VieiraWander Paulo Marotta MoreiraSrgio Augusto Fortes BragaMaria Elza de Campos ZettelGeraldo Augusto de AlmeidaCaetano Levi Lopes

    Luiz Audebert Delage FilhoErnane Fidlis dos SantosJos Nepomuceno da SilvaCelso Maciel PereiraErony da Silva

    Manuel Bravo SaramagoBelizrio Antnio de LacerdaJos Edgard Penna Amorim Pereira

  • Jos Carlos Moreira DinizPaulo Czar Dias

    Vanessa Verdolim Hudson Andrade

    Edilson Olmpio FernandesGeraldo Jos Duarte de PaulaMaria Beatriz Madureira Pinheiro Costa CairesArmando Freire

    Delmival de Almeida Campos

    Alvimar de vila

    Drcio Lopardi Mendes

    Valdez Leite Machado

    Alexandre Victor de Carvalho

    Teresa Cristina da Cunha Peixoto

    Eduardo Marin da CunhaMaria Celeste Porto TeixeiraAlberto Vilas Boas Vieira de SousaEulina do Carmo Santos AlmeidaJos Affonso da Costa Crtes

    Antnio Armando dos Anjos

    Jos Geraldo Saldanha da FonsecaGeraldo Domingos CoelhoOsmando Almeida

    Roberto Borges de Oliveira

    Eli Lucas de Mendona

    Alberto Aluzio Pacheco de Andrade

    Francisco Kupidlowski

    Antoninho Vieira de BritoGuilherme Luciano Baeta Nunes

    Maurcio Barros

    Paulo Roberto Pereira da SilvaMauro Soares de Freitas

    Ediwal Jos de Morais

    Ddimo Inocncio de Paula

    Unias Silva

    Eduardo Brum Vieira ChavesWilliam Silvestrini

    Maria das Graas Silva Albergaria dos SantosCosta

    Jos de Dom Vioso RodriguesElias Camilo SobrinhoPedro Bernardes de OliveiraAntnio Srvulo dos SantosFrancisco Batista de AbreuHelosa Helena de Ruiz CombatJos Amancio de Sousa FilhoSebastio Pereira de Souza

    Selma Maria Marques de SouzaJos Flvio de Almeida

    Tarcsio Jos Martins CostaEvangelina Castilho Duarte

    Otvio de Abreu Portes

    Nilo Nivio LacerdaWalter Pinto da Rocha

    Irmar Ferreira Campos

    Luciano Pinto

    Mrcia De Paoli Balbino

    Hlcio Valentim de Andrade FilhoAntnio de Pdua OliveiraFernando Caldeira Brant

    Hilda Maria Prto de Paula Teixeira da CostaJos de Anchieta da Mota e SilvaJos Afrnio VilelaElpdio Donizetti NunesFbio Maia Viani

    Renato Martins Jacob

    Antnio Lucas PereiraJos Antnio Braga

    Jos Octavio de Brito CapanemaMaurlio Gabriel DinizWagner Wilson FerreiraPedro Carlos Bitencourt MarcondesPedro Coelho VergaraMarcelo Guimares RodriguesAdilson Lamounier

  • Composio de Cmaras e Grupos - Dias de Sesso

    Primeira Cmara CvelTeras-feiras

    Segunda Cmara CvelTeras-feiras

    Primeiro Grupo deCmaras Cveis

    1 quarta-feira do ms(Primeira e Segunda

    Cmaras, sob a Presidnciado Des. Francisco Figueiredo)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Mrcio Antnio Abreu Corra de Marins*Eduardo Guimares AndradeGeraldo Augusto de Almeida

    Vanessa Verdolim Hudson Andrade

    Armando Freire* Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Francisco de Assis Figueiredo*Nilson Reis

    Jarbas de Carvalho Ladeira FilhoJos Altivo Brando Teixeira

    Caetano Levi Lopes

    Terceira Cmara CvelQuintas-feiras

    Quarta Cmara CvelQuintas-feiras Segundo Grupo de

    Cmaras Cveis

    1 quarta-feira do ms(Terceira e Quarta Cmaras,sob a Presidncia do Des.Nilo Schalcher Ventura)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Nilo Schalcher Ventura*Kildare Gonalves Carvalho

    Celso Maciel PereiraManuel Bravo Saramago

    Maria das Graas Silva Albergaria dosSantos Costa * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Jos Tarczio de Almeida Melo*Clio Csar Paduani

    Luiz Audebert Delage FilhoJos Carlos Moreira DinizDrcio Lopardi Mendes

    Quinta Cmara CvelQuintas-feiras

    Sexta Cmara CvelTeras-feiras

    Terceiro Grupo deCmaras Cveis

    3 quarta-feira do ms(Quinta e Sexta Cmaras,sob a Presidncia do Des.

    Cludio Costa)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Cludio Renato dos Santos CostaJos Francisco Bueno

    Dorival Guimares Pereira*

    Maria Elza de Campos ZettelJos Nepomuceno da Silva * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Jos Domingues Ferreira Esteves*

    Ernane Fidlis dos SantosEdilson Olmpio Fernandes

    Maurcio Barros

    Antnio Srvulo dos Santos

    Stima Cmara CvelTeras-feiras

    Oitava Cmara CvelQuintas-feiras

    Quarto Grupo de CmarasCveis

    3 quarta-feira do ms(Stima e Oitava Cmaras,

    sob a Presidncia doDes. Isalino Lisba)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Armando Pinheiro Lago*Antnio Marcos Alvim SoaresEdivaldo George dos Santos

    Wander Paulo Marotta MoreiraBelizrio Antnio de Lacerda * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Isalino Romualdo da Silva Lisba*Fernando Brulio Ribeiro Terra

    Silas Rodrigues VieiraJos Edgard Penna Amorim PereiraTeresa Cristina da Cunha Peixoto

  • Nona Cmara CvelTeras-feiras

    Dcima Cmara CvelTeras-feiras Quinto Grupo de CmarasCveis

    2 tera-feira do ms(Nona e Dcima Cmaras,

    sob a Presidncia doDes. Alberto Vilas Boas)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Osmando Almeida*

    Pedro Bernardes de OliveiraTarcsio Jos Martins CostaAntnio de Pdua Oliveira

    Jos Antnio Braga * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Alberto Vilas Boas Vieira de Sousa*Roberto Borges de Oliveira

    Alberto Aluzio Pacheco de Andrade

    Paulo Roberto Pereira da SilvaEvangelina Castilho Duarte

    Dcima Primeira Cmara CvelQuartas-feiras

    Dcima Segunda Cmara CvelQuartas-feiras

    Sexto Grupo de CmarasCveis

    3 quarta-feira do ms(Dcima Primeira e DcimaSegunda Cmaras, sob a

    Presidncia do Des. Alvimarde vila)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Geraldo Jos Duarte de PaulaSelma Maria Marques de Souza*

    Fernando Caldeira Brant

    Jos Afrnio VilelaMarcelo Guimares Rodrigues

    * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Alvimar de vila

    Jos Geraldo Saldanha da FonsecaGeraldo Domingos Coelho*

    Jos Flvio de Almeida

    Nilo Nvio Lacerda

    Dcima Terceira Cmara CvelQuintas-feiras

    Dcima Quarta Cmara CvelQuintas-feiras Stimo Grupo de Cmaras

    Cveis

    2 quinta-feira do ms(Dcima Terceira e Dcima

    Quarta Cmaras, sob aPresidncia do Des. Valdez

    Leite Machado)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Eulina do Carmo Santos Almeida*Francisco Kupidlowski

    Hilda Maria Prto de Paula Teixeira da CostaFbio Maia Viani

    Adilson Lamounier* Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Valdez Leite Machado*

    Ddimo Inocncio de Paula

    Elias Camilo SobrinhoHelosa Helena de Ruiz Combat

    Renato Martins Jacob

    Dcima Quinta Cmara CvelQuintas-feiras

    Dcima Sexta Cmara CvelQuartas-feiras

    Oitavo Grupo de CmarasCveis

    3 Sexta-feira do ms(Dcima Quinta e Dcima

    Sexta Cmaras, sob aPresidncia do Des. JosAffonso da Costa Crtes)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Jos Affonso da Costa Crtes*

    Jos de Anchieta da Mota e SilvaMaurlio Gabriel Diniz

    Wagner Wilson FerreiraPedro Carlos Bitencourt Marcondes

    * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Mauro Soares de Freitas*

    Francisco Batista de AbreuJos Amancio de Sousa FilhoSebastio Pereira de Souza

    Otvio de Abreu Portes

  • Desembargadores

    Eduardo Marin da Cunha*Irmar Ferreira Campos

    Luciano Pinto

    Mrcia De Paoli Balbino

    Antnio Lucas Pereira

    Dcima Stima Cmara CvelQuintas-feiras

    Primeira Cmara CriminalTeras-feiras

    Segunda Cmara CriminalQuintas-feiras

    Terceira Cmara CriminalTeras-feiras

    Desembargadores

    Gudesteu Biber Sampaio

    Edelberto Lellis Santiago

    Mrcia Maria Milanez Carneiro*

    Srgio Augusto Fortes Braga

    Eduardo Brum Vieira Chaves

    Desembargadores

    Reynaldo Ximenes Carneiro*

    Joaquim Herculano Rodrigues

    Jos Antonino Baa Borges

    Hyparco de Vasconcellos Immesi

    Maria Beatriz Madureira PinheiroCosta Caires

    Desembargadores

    Srgio Antnio de Resende

    Jane Ribeiro Silva*

    Antnio Carlos Cruvinel

    Paulo Czar Dias

    Antnio Armando dos Anjos

    * Presidente da Cmara

    Primeiro Grupo de Cmaras Criminais (2 segunda-feira do ms) - Horrio: 13 horasPrimeira, Segunda e Terceira Cmaras, sob a Presidncia do Des. Edelberto Santiago

    Segundo Grupo de Cmaras Criminais (2 tera-feira do ms) - Horrio: 13 horasQuarta e Quinta Cmaras, sob a Presidncia do Des. Delmival de Almeida Campos

    * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Delmival de Almeida Campos

    Eli Lucas de Mendona*

    Ediwal Jos de Morais

    William Silvestrini

    Walter Pinto da Rocha

    Desembargadores

    Alexandre Victor de Carvalho

    Maria Celeste Porto Teixeira*

    Antoninho Vieira de Brito

    Hlcio Valentim de Andrade Filho

    Pedro Coelho Vergara

    Quarta Cmara CriminalQuartas-feiras

    Quinta Cmara CriminalTeras-feiras

    Desembargadores

    Guilherme Luciano Baeta Nunes*

    Unias Silva

    Jos de Dom Vioso RodriguesElpdio Donizetti Nunes

    Jos Octavio de Brito Capanema

    Nono Grupo de CmarasCveis

    1 Quinta-feira do ms(Dcima Stima e Dcima

    Oitava Cmaras, sob aPresidncia do Des.

    Eduardo Marin da Cunha)

    - Horrio: 13 horas -

    * Presidente da Cmara

    Dcima Oitava Cmara CvelQuintas-feiras

  • Corte Superior (Sesses nas segundas e quartas-feiras do ms - Horrio: 13 horas)

    Francisco de Assis FigueiredoGudesteu Biber SampaioEdelberto Lellis Santiago

    Mrcio Antnio Abreu Corra de MarinsHugo Bengtsson Jnior

    Presidente

    Orlando Ado CarvalhoPrimeiro Vice-Presidente

    Antnio Hlio SilvaSegundo Vice-Presidente

    Cludio Renato dos Santos CostaIsalino Romualdo da Silva Lisba

    Srgio Antnio de ResendeArmando Pinheiro Lago

    Presidente do TRE

    Roney OliveiraCorregedor-Geral de Justia

    Nilo Schalcher VenturaVice-Presidente e Corregedor do TRE

    Reynaldo Ximenes CarneiroVice-Corregedor

    Joaquim Herculano Rodrigues

    Mrio Lcio Carreira MachadoTerceiro Vice-Presidente

    Jos Tarczio de Almeida Melo

    Jos Antonino Baa Borges

    Jos Francisco Bueno

    Clio Csar Paduani

    Hyparco de Vasconcellos Immesi

    Kildare Gonalves Carvalho

    Dorival Guimares Pereira

    Jarbas de Carvalho Ladeira FilhoJos Altivo Brando Teixeira

    Desembargadores

    Procurador-Geral de Justia: Dr. Jarbas Soares Jnior

    Conselho da Magistratura (Sesso na primeira segunda-feira do ms) - Horrio: 14 horas

    Hugo Bengtsson JniorPresidente

    Orlando Ado CarvalhoPrimeiro Vice-Presidente

    Antnio Hlio SilvaSegundo Vice-Presidente

    Mrio Lcio Carreira MachadoTerceiro Vice-Presidente

    Desembargadores

    Roney OliveiraCorregedor-Geral de Justia

    Jos Domingues Ferreira Esteves

    Jane Ribeiro SilvaAntnio Marcos Alvim Soares

    Eduardo Guimares AndradeAntnio Carlos Cruvinel

  • Comisso de Divulgao e Jurisprudncia

    Desembargadores

    Antnio Hlio Silva - Presidente

    Eduardo Guimares Andrade - 1 Cvel

    Caetano Levi Lopes - 2 Cvel

    Kildare Gonalves Carvalho - 3 Cvel

    Jos Carlos Moreira Diniz - 4 Cvel

    Maria Elza de Campos Zettel - 5 Cvel

    Ernane Fidlis dos Santos - 6 Cvel

    Antnio Marcos Alvim Soares - 7 Cvel

    Silas Rodrigues Vieira - 8 Cvel

    Osmando Almeida - 9 Cvel

    Paulo Roberto Pereira da Silva - 10 Cvel

    Jos Afrnio Vilela - 11 Cvel

    Geraldo Domingos Coelho - 12 Cvel

    Francisco Kupidlowski - 13 Cvel

    Helosa Helena de Ruiz Combat - 14 Cvel

    Jos Affonso da Costa Crtes - 15 Cvel

    Sebastio Pereira de Souza - 16 Cvel

    Antnio Lucas Pereira - 17 Cvel

    Srgio Augusto Fortes Braga - 1 Criminal

    Beatriz Pinheiro Caires - 2 Criminal

    Jane Ribeiro Silva - 3 Criminal

    Eli Lucas de Mendona - 4 Criminal

    Maria Celeste Porto Teixeira - 5 Criminal

  • SUMRIO

    MEMRIA DO JUDICIRIO MINEIRO

    Desembargadora Branca Margarida Pereira Renn - Nota biogrfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    Justia e Sociedade na Amrica Portuguesa - Nota histrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    DOUTRINA

    Atipicidade conglobante e crime de fraude no pagamento por meio de cheque . . . . . . . . . . . . . . . 21AMAURY SILVA

    A inconstitucionalidade do sistema de quotas: estudo comparado entre o direito brasileiro e o norte-americano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27CARLOS FREDERICO BRAGA DA SILVA

    VoIP versus ICMS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37FERNANDO NETO BOTELHO

    TRIBUNAL DE JUSTIA DE MINAS GERAIS

    Jurisprudncia Cvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    Jurisprudncia Criminal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407

    SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459

    NDICE NUMRICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 481

    NDICE ALFABTICO E REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 485

  • Mem

    ria

    do

    Judi

    cir

    io M

    inei

    ro

    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 2006 13

    Desembargadora BRANCA MARGARIDA PEREIRA RENN

  • Mem

    ria

    do

    Judi

    cir

    io M

    inei

    ro

    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 2006 15

    MEMRIA DO JUDICIRIO MINEIRO

    Nota Biogrfica

    Desembargadora Branca Margarida Pereira Renn

    Branca Margarida Pereira Renn nasceu em 24 de novembro de 1931, em Itajub, MinasGerais. Era filha de Sebastio Pereira Renn e Adelina Pereira Renn, sendo a stima filha de umafamlia de dez irmos.

    Cursou o primrio e o ginsio no Colgio de Itajub, e o Curso Clssico no Colgio de Sion, deSo Paulo.

    Bacharelou-se em Direito em 1955, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal deMinas Gerais.

    Em 1962, foi aprovada em concurso pblico para Juiz de Direito.

    Iniciou sua carreira na Magistratura em 10 de dezembro de 1963, na Comarca de Cristina.

    Em 1966, promovida por merecimento, foi para a Comarca de Campanha.

    Em 1971, assume a 1 Vara da Comarca de Itajub.

    Tambm por merecimento, em 1977, foi promovida para a 17 Vara Cvel da Comarca de BeloHorizonte.

    Foi membro especial do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e, em 1979, foi escolhidaJuza do Ano pelo Clube dos Advogados de Minas Gerais.

    Em 1985, por antigidade, assumiu o cargo de Juza do Tribunal de Alada.

    Em 11 de maio de 1988, foi promovida a Desembargadora do egrgio Tribunal de Justia deMinas Gerais, tornando-se, a partir de sua posse, na data de 25 de maio de 1988, a primeira mulhera alcanar o pice da carreira da Magistratura mineira.

    Simultaneamente, foi Juza da 27 Zona Eleitoral de Belo Horizonte, Diretora do Foro Eleitoralda Capital e Juza suplente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.

    Aposentou-se, a pedido, em 2 de novembro de 1988.

    Faleceu em 7 de maio de 2006.

    Referncias Bibliogrficas

    1. TRIBUNAL DE JUSTIA DE MINAS GERAIS. Arquivo de Provimento de Comarcas da Magistraturade Minas Gerais. Belo Horizonte.

    -:::-

  • Mem

    ria

    do

    Judi

    cir

    io M

    inei

    ro

    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 2006 17

    1 Ensaio elaborado e escrito pelo estagirio Paulo Geraldo Rocha Jnior e pela assessoria da Memria do Judicirio Mineiro. 2 Ver Vainfas, Ronaldo ( org.) Confisses da Bahia - O Santo Ofcio da Inquisio de Lisboa. So Paulo: Cia das Letras, 1997.

    Nota Histrica

    Justia e Sociedade na Amrica Portuguesa1

    Examinar a relao entre justia e sociedade na Amrica Portuguesa, principalmente no perodoque compreende os sculos XVI a XVIII. Esse o foco central deste artigo.

    A histria da Justia e do Direito no Brasil Colnia coincide com a histria da prpria sociedadebrasileira, tendo em vista a organizao proposta pela metrpole portuguesa, ao longo dos trs sculoscoloniais, forada a coexistir com outras formas de organizaes, alm daquelas oriundas das tramascotidianas estabelecidas no Novo Mundo.

    Consideremos, inicialmente, que as instituies judicirias aqui implantadas nasceram no bojode uma sociedade - portuguesa - com seus traos, hbitos e costumes peculiares que, ao serem trans-plantados para c, acabaram por adquirir formas e valores especficos, resultantes das determinaeslusitanas e do arranjo que fizeram adventcios e autctones em nosso territrio.

    Faz-se fundamental afirmar que, concomitante a todo aparato institucional existente, outrostipos de poder eram identificados, que no aqueles ligados diretamente aos magistrados.

    O grande senhor de terra, o pater familias, possua amplos poderes na sociedade colonial sobtodos os aspectos (familiares, militares, religiosos...). No por acaso, o patriarcalismo foi uma dasmarcas fundamentais da organizao social na Amrica Portuguesa, uma vez que os senhores deterra (os patriarcas) detinham uma rede de solidariedade muito ampla, a ponto de os prprios juzese ouvidores pertencerem, por muitas vezes, a essas redes, que eram determinantes para as tomadasde deciso na sociedade colonial. Alm desses, havia os representantes do Tribunal do Santo Ofcio,extenses da Inquisio nas visitaes do Santo Ofcio aqui ocorridas.2 Dessa maneira, muitasvezes os litgios se resolviam por vias diferentes daquelas criadas pela justia secular. O Tribunal daInquisio do Santo Ofcio, subordinado ao rei, cuidava dos crimes de heresia e tinha uma estruturaprxima da justia secular.

    Nas palavras de Darcy Ribeiro, O Santo Ofcio era o brao repressor da Igreja Catlica,ouvindo denncias e calnias na busca de heresias e bestialidades, julgava, condenava, encarceravae at queimava vivos os mais ousados (ANGELIM, 2004, p. 4).

    A noo de justia na Amrica Portuguesa era bastante diferente da noo contempornea.Para trabalhar com esse conceito em relao sociedade, devemos delimit-lo com clareza. A justiaestava intimamente ligada ao Direito Portugus e era um termo associado s instituies e pessoasencarregadas de sua aplicao, fruto da tnue fronteira que separava os magistrados dos burocratasda colnia lusa. Em coexistncia e sofrendo vrias retaliaes, havia um direito prprio, autctone,dos indgenas. Com a vinda dos africanos, houve o deslocamento de uma srie de preceitos nessecampo, apesar de esses dois grupos tnicos serem desprivilegiados na sociedade colonial, em detri-mento dos homens bons (brancos, proprietrios, casados e catlicos). Isso se deve ao fato de oDireito Portugus poca ser extremamente arraigado em privilgios sociais (notadamente aquelesligados s linhagens nobilirquicas e a alguns setores da burguesia) e ter optado por suprimir

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 200618

    concepes que no fossem as deles. Segundo Wolkmer (2003), desde o incio da colonizao, almda marginalizao e do descaso pelas prticas costumeiras de um direito nativo e informal, a ordemnormativa oficial implementava, gradativamente, as condies necessrias para institucionalizar o pro-jeto expansionista lusitano (p. 49).

    Foi nesse sentido, inclusive, que se buscou penalizar uma srie de delitos com o degredo parao Brasil. Visto que a colnia precisava ser povoada, criminosos de diversas estirpes para c vieram,degredados em conformidade com as Ordenaes Rgias (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas).3

    Juntamente com os portugueses, chegaram as tradies de uma cultura que se via como maisevoluda, tambm herdeira de uma prtica jurdica milenar.

    Nos primeiros momentos da colonizao (1520-1549), a coroa portuguesa optou pelo sistemapoltico-administrativo chamado Capitanias Hereditrias, tipicamente feudal em sua organizao, comfortes caractersticas de descentralizao de poder. Nesse perodo, as disposies legais referiam-se legislao eclesistica, cartas de doao e forais, todas em conformidade com as OrdenaesAfonsinas e Manuelinas. Cada capito donatrio organizava sua capitania como melhor se lhe apre-sentasse. Exerciam atribuies de administradores, juzes e chefes militares, acumulando grandespoderes em suas mos, o que por diversas vezes resultou em conflito com a coroa, ocupada em medi-das que visavam ao povoamento do territrio. Por conta da maior proximidade com o territrio admi-nistrado, funcionavam como um tipo de poder paralelo, fazendo com que muitas de suas decisescontrariassem os anseios da metrpole, detalhe que revela uma autonomia maior do que a geralmenteapresentada pela historiografia tradicional, que traz a Amrica Portuguesa como um joguete nas mosdos ibricos a partir da lgica do exclusivismo colonial. De acordo com Angelim (2004), competiaaos capites donatrios, dentro de seus respectivos limites territoriais, a jurisdio civil e criminal,alm da administrao propriamente dita. Cada capitania possua um ouvidor (...) com o fracasso dascapitanias, foi criado em 1548 um governo geral (p. 2) .

    Como o regime no alcanou xito, a metrpole portuguesa passou ao sistema de GovernosGerais, buscando centralizar a administrao nas mos de um governador geral, nomeado pelo reiportugus. Haveria um Ouvidor-Geral, bem mais autnomo, para assessorar esse governador emassuntos relativos justia.

    A sede do governo seria na Bahia.

    Em 1609 foi criado o Tribunal de Relao da Bahia (restaurado somente em 1652, por ocasiodas invases holandesas).

    Caracterizava-se como instncia superior s ouvidorias e juzes, e foi criado motivado pelocrescimento das cidades, da populao e por uma maior complexidade dos problemas da colnia(ANGELIM, 2004, p. 3; WOLKMER, 2002, p. 59).

    Segundo Wolkmer (2003):

    A organizao judiciria, reproduzindo na verdade a estrutura portuguesa, apresentavauma primeira instncia, formada por juzes singulares que eram distribudos nas catego-rias de ouvidores, juzes ordinrios e juzes especiais (...). A segunda instncia, composta

    3 Ver artigo de Pieroni, Geraldo. Banidos para o Brasil: a pena do degredo nas ordenaes do reino. Publicado na RevistaJustia e Histria do Centro de Memria do Judicirio do RS.

  • Mem

    ria

    do

    Judi

    cir

    io M

    inei

    ro

    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 2006 19

    de juzes colegiados, agrupava os chamados Tribunais da Relao, que apreciavam osrecursos ou embargos. Seus membros designavam-se desembargadores, e suasdecises, acrdos (p. 59).

    O aumento da importncia da regio sul da colnia, inclusive com o advento do ciclo do ouro,fez nascer o Tribunal da Relao do Rio de Janeiro, por alvar de 13 de outubro de 1751, durante oreinado de D. Jos I. Com a criao e funcionamento desse Tribunal, a justia deixou de ser efetuadapelo ouvidor-geral e passou a ser centrada na burocracia de funcionrios civis preparados e treinadosna metrpole. (WOLKMER, 2003, p. 62). Os magistrados desses tribunais de segunda instncia eramtotalmente influenciados pela formao do direito portugus, tendo, inclusive, dentre eles, vrios lusos,o que confere nossa justia do perodo colonial um carter fortemente aristocrtico e burgus, ali-nhado a aspiraes de determinados segmentos da elite lusitana e colonial. A organizao adminis-trativa da colnia era marcada pela burocratizao, calcada em procedimentos racionais e na perso-nalizao das relaes, baseadas em parentesco, amizade, etc. Com a reforma pombalina do fim dosc. XVIII, buscou-se a modernizao das instituies inspirada em idias iluministas, o que se con-vencionou chamar de Reformismo Iluminado.

    No sculo XVIII, com as reformas pombalinas, a grande mudana em matria legislativa foi a Lei daBoa Razo (1769), que definia regras centralizadoras e uniformes para interpretao e aplicaodas leis (WOLKMER, 2003, p. 48).

    De acordo com a historiadora Carmem Lemos, pesquisadora e tcnica da Seo dePreservao, Documentao e Pesquisa do Museu da Inconfidncia em Ouro Preto, no perodo colo-nial as funes da justia se confundiam com a administrao do Estado portugus, inclusive de suaspossesses ultramarinas. O rgo superior da justia, o Desembargo do Pao, ficava em Portugal, eos Tribunais da Relao, espalhados pela metrpole e pelas colnias. O Brasil vivia sob o regimemonarquista, no qual no havia a diviso dos trs poderes, como hoje nos familiar.

    Em entrevista ao TJMG - Informativo, afirmou: nesse contexto, a justia funcionava como uminstrumento decisivo no processo de consolidao do imprio portugus.

    Importante ressaltar que inventrios, testamentos, processos e outros documentos produzidospela justia nesse perodo, e que balizaram este trabalho de pesquisa, se encontram disposio decuriosos e interessados no rico acervo que abriga a Memria do Judicirio mineiro. E, ainda, que qual-quer estudo sobre a histria do Direito e da Justia na Amrica Portuguesa deve levar em consideraoo conjunto de prticas sociais que os determinaram, captados quer na produo da vida material, quernas relaes sociais concretas.

    Um grande problema a se enfrentar em estudos de tal natureza est no fato de que

    ... a transposio e a adequao do direito escrito europeu para a estrutura colonial brasileiraacabou obstruindo o reconhecimento e a incorporao de prticas legais nativas consuetudinrias,resultando na imposio de um certo tipo de cultura jurdica que reproduziria a estranha e contra-ditria convivncia de procedimentos burocrtico-patrimonialistas, com a retrica do formalismoliberal e individualista (WOLKMER, 2003, p. 7).

    Alm do mais, nenhum estudo deve considerar apenas a justia administrativa, visto que noperodo colonial havia, basicamente, trs nveis de justia: a justia dos senhores de engenho egrandes proprietrios de terra, a justia administrativa oficial, do governo portugus, e a justia ecle-sistica. Sem contar as prticas nativas e aquelas que vieram com os negros.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 13-20, janeiro/junho 200620

    Concretamente, o legado foram os documentos produzidos pela cultura escrita (os europeus) eos conhecimentos transmitidos via oralidade (indgenas e africanos).

    Dessa complexa trama de relaes socioculturais se constituram a Justia e o Direito naAmrica Portuguesa.

    Referncias Bibliogrficas:

    ANGELIM, Augusto N. Sampaio. Justia Secular e Eclesistica no Brasil Colonial. Artigo veiculado viainternet, no site [www.boletimjuridico.com.br] - 14/07/2004

    FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formao da famlia brasileira sob o regime da economiapatriarcal. 27. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990.

    VAINFAS, Ronaldo. Dicionrio do Brasil colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. 599 p.

    SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: a suprema corte da Bahia e seusjuzes: 1609-1751. So Paulo: Perspectiva, 1979. 354p.

    WOLKMER, Antonio Carlos. Histria do direito no Brasil. 3. ed., ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense,2002.170p.

    -:::-

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 21

    Dou

    trina

    * Juiz de Direito da 2 Vara Criminal de Tefilo Otoni/MG1 Nas palavras de Miguel Reale Jnior, a congruncia entre a ao concreta e o paradigma legal ou a configurao tpicado injusto (Parte Geral do Cdigo Penal - Nova Interpretao, p. 21), apud NUCCI, 2005, p. 143.

    DOUTRINA

    Atipicidade conglobante e crime de fraude no pagamento por meio de cheque

    Amaury Silva*

    O princpio da legalidade como condutor cnscio das prerrogativas e garantias democrticas docidado, quando em foco o direito penal, encontra na tipicidade o regozijo e a barreira necessria conteno do excesso de poder punitivo estatal ou extravagncias nos controles oficiais s condutashumanas. Quando justaposto ao princpio da irretroatividade da lei penal em regra (art. 2, pargrafonico, CP), concebe uma rota linear que exclama contra os desatinos e casusmos.

    Se o direito penal no tivesse como pressuposto a exigncia de lei que disponha sobre seu for-mato e a vedao de seu ressurgimento como fnix, para reviver situaes pretritas, j extirpadas dapreocupao de tutela do legislador penal, seu perfil repressivo seria notado e vivenciado em dosesexponenciais e por isso arbitrrias.

    No entanto, reside na dimenso e enfoque que se d tipicidade, mais do que a prpria lega-lidade e irretroatividade da lei penal como dogmas intransponveis, o cursor natural e lgico para apri-moramento do direito penal justo, adequado a um Estado Democrtico. Pode-se dizer com acerto queno existiria a tipicidade sem a legalidade e seus contornos seriam dbeis sem a regra benigna daretroatividade. Contudo, os princpios em destaque - legalidade e irretroatividade em regra da lei penal- so pilares sem os quais no se poderia sequer falar em direito penal como instrumento legtimo deuma sociedade organizada, enquanto o estudo e a importncia dada tipicidade sero o indicativo daopo pelo vis democrtico, com maior acentuao.

    Essa projeo do cuidado com a tipicidade deve exorbitar ao conceito j conferido e sedimen-tado pela compreenso doutrinria, que conduz sua verificao com o preenchimento da previsocogitada em lei ao fato concretamente abordado. Essa congruncia entre a ao concreta e o para-digma legal de que nos fala Miguel Reale Jnior, citado por Guilherme de Souza Nucci,1 para seentender existente a tipicidade, resta insuficiente quando o sistema legal nas suas diversas vertentesse cruza, criando a possibilidade do choque e do antagonismo, que deve ser suprimido a fim de queo direito penal no seja utilizado mais do que deveria ou em condies exasperadas.

    O comparativo do abstrato e do caso objetivamente concretizado deve envolver todo o planonormativo.

    A lgica dos sistemas legais no pode conviver com dispositivos dbios, refratrios ou dis-sonantes em comparativos individuais ou por grupos. A antropofagia consistente no fato de umanorma legal desautorizar ou autorizar o que outra concorda ou veda inviabiliza que o prprio direitopenal seja analisado e definido no isolamento de suas prprias normas, sem buscar-se a adernciade dispositivos conexos, em cada caso concreto.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200622

    2 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 549-550.3 NADER, 1998, p. 437-438.

    Se isso acontecer, fica instaurado o risco de corrupo da ordem normativa, que poderia levarao caos, restando plausvel que a tipicidade penal seja a resultante da tipicidade legal corrigida pelatipicidade conglobante, como ensinam Eugenio Ral Zaffaroni e Jos Henrique Pierangeli:

    A norma proibitiva que d lugar ao tipo (e que permanece anteposta a ele: no matars, no furtarsetc) no est isolada, mas permanece junto com outras normas tambm proibitivas, formando umaordem normativa, onde no se concebe que uma norma proba o que outra ordena ou aquela que outrafomenta. Se isso fosse admitido, no se poderia falar de ordem normativa, e sim de um amontoadocaprichoso de normas arbitrariamente reunidas (...)Da que a tipicidade penal no se reduz tipicidade legal (isto , adequao formulao legal),e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibio com relevncia penal, para o que necessrioque esteja proibitiva luz da considerao englobada da norma. Isto significa que a tipicidadepenal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o mbito deproibio aparente, que surge da considerao englobada da norma. Isto significa que a tipicidadepenal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o mbito deproibio aparente, que surge da considerao isolada da tipicidade legal...2

    Essa ausncia de convergncia do sistema legal pode se refletir ainda no cotejo da conduta tpi-ca com premissas inseridas no contexto do Direito Natural, mesmo que o ordenamento jurdicoextrapenal no diga de maneira expressa que incentive ou autorize aquele comportamento. Se ocor-rer o impacto da grandeza que a conduta tpica viole aqueles princpios j imutveis, irrevogveis euniversais que compem o senso do Direito Natural, ensejando um espectro de garantias democr-ticas, curial que esse, para alimentar o incremento da justia, diga ao Direito Positivo Penal que seuspadres ou modelos no deveriam ser tpicos, resultando tambm uma atipicidade conglobante.

    O congraamento do direito penal com o remanescente da ordem jurdica e com os princpiosque orientem o Direito Natural, como proteo vida, liberdade, associao e outras premissas, estoa funcionar como mecanismos de tutela e prestgio da prpria natureza humana, como aponta PauloNader:

    O raciocnio que nos conduz idia do Direito Natural parte do pressuposto de que todo ser dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compem o ser,define o fim a que este tende a realizar. Para que as providncias ativas do homem se transformemem ato e com isto ele desenvolva, com inteligncia, o seu papel na ordem geral das coisas, indis-pensvel que a sociedade se organize com mecanismos de proteo natureza humana. Esta serevela, assim, como a grande condicionante do Direito Positivo. O adjetivo natural, agregado palavra direito, indica que a ordem de princpios no criada pelo homem e que expressa algoespontneo, revelado pela prpria natureza. A presente colocao decorre da simples observaode fatos concretos que envolvem o homem e no de meras abstraes ou dogmatismos. A pre-missa bsica de nosso raciocnio, com toda evidncia, se revela verdadeira. Conforme asseverouMax Weber, no existe cincia inteiramente isenta de pressupostos e cincia alguma tem condiode provar seu valor a quem lhe rejeite os pressupostos. Com outras palavras, Jacques Leclercqfez a mesma afirmao: Sem admitir determinadas evidncias, no possvel viver...3

    E assegura ainda o indigitado autor, quando preleciona sobre os princpios integrantes do jus-naturalismo:

    O jusnaturalismo atual concebe o Direito Natural apenas como um conjunto de amplos princpios,a partir dos quais o legislador dever compor a ordem jurdica. Os princpios mais apontados

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 23

    Dou

    trina

    referem-se ao direito vida, liberdade, participao na vida social, unio entre os seres paraa criao da prole, igualdade de oportunidades. O chamado direito natural normativo, erro do sc.XVIII, que pretendeu, more geometrico, estabelecer cdigos de Direito Natural, idia inteiramenteabandonada...4

    Essa perspectiva a que movimenta o trato com o delito previsto no art. 12, 2, III, Lei6.368/76, isto , contribuio de qualquer forma para incentivo ou difuso do uso indevido ou trficode substncia entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica, quando so trazidas aocontexto da subsuno do fato ao tipo penal, condutas referentes manifestao do agente pela suaopo ou preferncia por drogas, revelando sua empatia ou adeso ao consumo. De se apontar quea Lei 11.342/2006, que ab-rogou a antiga lei de txicos, no repetiu o mesmo perfil tpico.

    A par da concreta violao do princpio da taxatividade que o tipo penal em apreo encerrava,como pontificou Heleno Fragoso,5 os comportamentos que normalmente so erigidos realizao dotipo penal consistem em padres de ao ou atitude, totalmente acobertados pela livre manifestaodo pensamento ideolgico, o que est de maneira plena inserida na abordagem do Direito Natural, aocolquio entre a dico garantista e democrtica para lida com o direito penal.

    Se o tipo no pode estar em conformidade com o princpio dessa categoria, logicamente que aatipicidade conglobante se agiganta de modo a desprezar aquele comportamento, quando direcionado conduta que realiza simultaneamente a liberdade de expresso e pensamento. Esse enfoque temsido admitido pela jurisprudncia.6

    O mesmo pensamento deve ser atribudo ao cotejo entre o princpio da liberdade, inerente aqualquer ser humano como apangio da sua condio, para ser contemplado pelo Direito Natural, via-bilizando uma atipicidade conglobante de eventual tipificao do crime de fuga do preso. Para tanto,se observa que no direito penal ptrio a evaso do preso s tipificada quando se usa o mecanismoda violncia contra a pessoa, porquanto, nesse itinerrio, a relevncia da objetividade jurdica, ou seja,a incolumidade fsica de outrem, deve prevalecer (art. 352, CP).

    acertada, com isso, a posio que conclui pela atipicidade conglobante, quando o tipo penalem anlise comparado com o remanescente da ordem jurdica, e no puder ser acomodado oumesmo com princpios nobres e inderrogveis ao padro do Direito Natural.

    Quando se trata do crime de fraude no pagamento por meio de cheque atravs da conduta defrustrar-lhe o pagamento, mediante sustao ou contra-ordem, uma indutiva liturgia da subsuno dosfatos tipicidade legal implica uma primeira e automtica, mas insuficiente, concluso de que a con-duta narrada em virtual increpao sob esse plano ftico tem sede no art. 171, 2, inciso VI, in fine,CP. Mas tal soluo no sobrevive teoria da tipicidade conglobante.

    4 Ob. cit., p. 439.5 O ncleo deste inciso exageradamente amplo, vago e indeterminado. A nosso ver, viola o princpio da taxatividade da leipenal (CP, art. 1). A contribuio incriminada precisa manifestar-se por meio de ao idnea que diretamente sirva difusoou ao incentivo ou ao uso ilegtimo de entorpecente. FRAGOSO, 1981, p. 259.6 Habeas corpus. Liberdade provisria. Paciente denunciado por contribuio ou incentivo ao uso e trfico de drogas. Adesivona motocicleta com a reproduo da folha de maconha. Tipicidade formal. Antinormatividade da conduta que enseja dvida, nosubsistindo a manuteno da priso. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida - TJMG - HC n1.0000.04.410004-8/000 - 2 Cmara Criminal - Rel. Des. Herculano Rodrigues, j. 01/07/2004, in www.tjmg.gov.br/jurispru-dencia - acesso 17/05/2006.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200624

    7 Frustrar importa dissipar a expectativa, malograr. Assim, embora o ttulo tenha lastro em poder do sacado, o agente obsta-culiza o seu pagamento, ou retirando-lhe os fundos antes da apresentao do ttulo, ou emitindo uma contra-ordem de paga-mento ao sacado. Contudo, no se pode olvidar que ao emitente dado frustrar o pagamento, desde que embasado em motivojusto, v.g., por ocasio de furto do cheque. O que a norma incrimina a frustrao fraudulenta. PRADO, 2004, p. 603.

    Os apontamentos da doutrina de Luiz Regis Prado discorrem no sentido de que a contra-ordemou sustao do cheque, embasada em motivo justo, o nico elemento capaz de afastar naquelahiptese a tipicidade, pois revela um motivo justo para aquela providncia.7

    A evocao dos institutos de direito comercial, ligados circulao e pagamento do cheque, isto, a revogao ou oposio (sustao) suprimem a tipicidade do episdio que se concentrar no seuaspecto ftico na conduta do agente que edite contra-ordem ou sustao independentemente domotivo, isso porque no pode ser considerada como tipicidade penal uma norma penal, desafiada edesautorizada por outra, sobretudo quando seu carter especfico.

    Ora, os arts. 35 e 36, Lei 7.357/85, autorizam ao emitente do cheque que expresse a revogaoda ordem de pagamento emitida, ou mesmo faa oposio ao pagamento, ou seja, a sustao, vedadoao sacado imiscuir-se na justeza ou relevncia da razo invocada pelo oponente.

    Assim prescrevendo, a Lei do Cheque no se permeabiliza com o direito penal no tratamentosobre a questo da frustrao no pagamento do cheque. Enquanto uma norma dita conduta tpica (tipi-cidade legal), a outra na anlise conjuntural do sistema legal desconsidera-a para autorizar e permitir aao que seria tpica, o que importa na aferio conjunta desses enunciados para se buscar a lgicada ordem normativa (tipicidade conglobante) e surgir com lisura e com base nos princpios do direitopenal da fragmentariedade e interveno mnima, a sua aplicao correta (tipicidade penal).

    Desse modo, a tipicidade inercial do art. 171, 2, VI, in fine, CP, com checagem ao sistemalegislativo em vigncia no pode encerrar conduta tpica exteriorizada pela frustrao nos modelosacima tratados, com repercusso no direito penal, implicando assim a visceral atipicidade dos fatoscom a configurao abordada.

    O art. 65, Lei 7.357/85, ao anotar que os efeitos penais da emisso do cheque sem provisosuficiente de fundos junto ao sacado, a frustrao de seu pagamento e condutas ligadas falsidade,falsificao ou alterao, continuariam sob a gide da prpria legislao penal, no abalam ou dis-torcem a concluso acima apontada, j que integrante das disposies gerais, funciona como umanorma programtica, sem estabelecer ndices ou dados ligados tipicidade ou outros requisitos parao desenho do ilcito penal.

    razovel, assim, a concluso de que o crime em questo, quando for aventado que a condutatpica se desenvolva com apoio naqueles manifestos do emitente do cheque, previstos na lei especfica,independentemente do juzo de valor que se faa deles, encontra liceidade e, por isso, no merece otratamento penal, por acarretar um choque na estrutura do sistema legal em vigor.

    Logicamente que, tirante a frustrao do pagamento do cheque por meio de contra-ordem ousustao, persiste a virtual tipicidade, j que pode ocorrer que o prprio emitente propositadamentefrustra o pagamento, mas utilizando-se da conduta de retirar os valores que propiciam os fundosrespectivos para pagamento da crtula.

    Diante desse quadro, a denncia que eventualmente fizer a descrio de fato com esse perfilno pode propiciar uma imputao penal, desafiando a rejeio do pedido nela contido, com basilarapoio no art. 43, I, CPP.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 25

    Dou

    trina

    Referncias bibliogrficas

    FRAGOSO, Heleno. Lio de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1981, v. 4.

    NADER, Paulo. Introduo ao estudo do Direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal comentado. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

    PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro - parte especial. 4. ed. So Paulo: Revista dosTribunais, 2004, v. 2.

    ZAFFARONI, Eugnio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro - partegeral. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

    -:::-

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 27

    Dou

    trina

    * Mestrando em Direito Comparado pela Cumberland School of Law, Samford Universtiy, Alabama, USA.Professor de Direito Constitucional I da Faculdade de Direito da Fundao de Ensino Superior de Passos.Ps-Graduado em Direito Civil pela Escola Judicial do TJMG.Juiz de Direito da 3 Vara Cvel da Comarca de Passos/MG.1http://web2.westlaw.com/welcome/LawSchoolPractitioner/default.wl?bhcp=1&FN=%5Ftop&MT=LawSchoolPractitioner&rs=LAWS2%2E0&strRecreate=no&sv=Split&vr=2%2E0

    A inconstitucionalidade do sistema de quotas: estudo comparado entre odireito brasileiro e o norte-americano

    Carlos Frederico Braga da Silva*

    Sumrio: I. Introduo. II. Explicao histrica das desigualdades e evoluo do Direito. III. Decisesda Suprema Corte Americana. IV. Deciso do Supremo Tribunal Federal e projetos de lei em tramitao noCongresso Nacional. V. Crticas e sugestes com base no princpio da isonomia: ausncia de objetividade.Superao dos preconceitos e concretizao da Constituio. Concluso.

    I. Introduo

    Como sabido, o Brasil e os Estados Unidos da Amrica tm em comum um passado colonial.Alm disso, ambos so pases de dimenses continentais e receberam imigrantes das mais variadaspartes do mundo durante o processo de formao das naes, gerando populaes bastante diversi-ficadas. Nos dois pases, traos polticos, culturais e sociais evidenciam que ambas as sociedades somulticoloridas.

    Nada obstante, a pluralidade tnica atingida nas duas naes produziu ao menos uma nefastaconseqncia em comum: o racismo, revelado principalmente pela constatao de que, nos dois pases,as sociedades ainda so desiguais e sectrias, especialmente no que tange obteno e ao exerccio dopoder poltico e intelectual.

    Constitui fato notrio que, em ambos, ainda existe uma desproporcional concentrao do poderpoltico e do acesso ao ensino, especialmente o superior, nas mos da populao cuja cor da pele branca, sendo que as minorias negras, indgenas, de origem asitica e outras, como, por exemplo, oschamados latinos ou hispnicos na Amrica do Norte, ainda so consideradas sub-representadas,levando-se em considerao o nmero proporcional de habitantes das referidas minorias no total dapopulao dos pases.

    A omisso do Poder Pblico, ao no fornecer uma educao pblica e gratuita de qualidade, que seria reconhecidamente culpada pela desproporcionalidade ainda existente entre brancos enegros, especialmente. Por esse motivo, alguns sustentam a necessidade de aes oficiais chamadasafirmativas, as quais buscam atingir uma diversidade que represente de maneira mais proporcionaltodas as etnias, permitindo a mais ampla participao democrtica e por que no dizer colorida noprocesso de conduo dos interesses polticos, sociais e de comando das naes.

    Bryan A. Garner, Editor Chefe do Dicionrio Jurdico Blacks, uma das mais conceituadas fontessecundrias do Direito Americano, conceitua as aes afirmativas como sendo um conjunto de aesdesignadas para eliminar a discriminao existente e contnua, remediar os efeitos procrastinadoresda discriminao passada e criar sistemas e procedimentos para prevenir a discriminao futura.1

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200628

    2 Civil Rights Cases, 109, U.S. 3.

    II. Explicao histrica das desigualdades e evoluo do Direito

    No h dvida de que a populao negra ficou extremamente estigmatizada em decorrncia daescravido. Nada obstante, na Antiguidade clssica j existiam referncias ao escravagismo em decor-rncia de um processo de subjugao, sendo que havia a descrio de Aristteles do homem escravopor natureza, ou seja, escravos seriam aqueles seres inferiores, de costumes brbaros e inumanos.

    Uma das conseqncias mais abominveis do racismo que ele identifica os integrantes dapopulao cuja cor da pele escura com pessoas de segunda classe, inferiores e incapazes, aptasto-somente realizao de trabalho braal desimportante. Textos legais segregadores infelizmenteso aptos a produzir referidos efeitos.

    No Brasil, como sabido, a abolio da escravatura aconteceu com a proclamao da Leiurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, especialmente por presso externa, culminandocom a queda da Monarquia e a criao da Repblica Federativa. Apesar de ter sido o ltimo pas domundo a abolir a escravatura, aps faz-lo, no mais editamos leis diferenciando as pessoas to-somente com base na cor da sua pele.

    O caminho dos Estados Unidos foi totalmente diferente. A principal causa da guerra civil l acontecidafoi a divergncia relativa abolio da escravatura. Referida guerra foi a mais traumtica e sangrenta detodos os tempos para a maior potncia do mundo dos dias atuais. No banho de sangue verificado, morrerammais de setecentos mil soldados americanos, o maior nmero de combatentes que os Estados Unidos jperderam em todos os tempos, inclusive somando o nmero total de soldados mortos em todas as outrasguerras das quais o pas j participou. Aps o encerramento do conflito, os derrotados Estados do Sul demo-raram dcadas para se reerguerem economicamente. No difcil perceber que as conseqncias do dioracial no se apagaram imediatamente aps o encerramento do conflito.

    Aps a vitria dos Estados do Norte, foi editada a 13 Emenda Constituio Americana em1865, vedando expressamente a escravido em todo o territrio sob a jurisdio americana. J aEmenda n 15 fora ratificada em 1870, proibindo que se denegasse o direito de voto para todos oscidados americanos, independentemente de sua raa, cor ou prvia condio de submisso.

    Porm, a realidade prtica no era exatamente um reflexo da suposta igualdade jurdica pro-porcionada pela Constituio Americana de 1789.

    O Congresso aprovou a lei chamada Ato de Direitos Civis de 1875, assegurando que a todos,independentemente de raa, cor ou prvia condio de submisso, seria assegurado o mesmo trata-mento em todos os estabelecimentos pblicos. Nada obstante, a Suprema Corte Americana, noschamados Civil Right Cases,2 decidiu que o Congresso no teria poder para legislar sobre matriascuja competncia seria do legislador estadual, mas apenas para providenciar ajustes contra as legis-laes e atos oficiais estaduais que subvertessem os direitos fundamentais previstos na Constituio;por esse motivo o Ato dos Direitos Civis de 1 de maro de 1875, prevendo que todas as pessoas rece-beriam igual tratamento em estabelecimentos pblicos, etc., bem como impondo penalidades sobreaqueles que violassem referido ato, seria inconstitucional. A Suprema Corte decidiu que a 14Emenda, que impunha a igualdade de proteo, somente se aplicaria contra aes discriminatriasprovenientes dos governos estaduais, e no protegeria contra discriminaes particulares.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 29

    Dou

    trina

    3 Plessy v. Ferguson, 163 U.S. 537.4 Heart of Atlanta Motel, v. U. S. 379 U.S. 241.

    Aqui vale uma considerao muito relevante sobre a Federao Americana, cuja tcnica de repar-tio das competncias diferente da brasileira. Desde a primeira reunio dos delegados enviados Filadlfia, ficou mais do que estabelecido que o Congresso Nacional Americano teria apenas os poderesenumerados na Constituio, especialmente no art. 1, seo n 8. Alm disso, a Emenda de n 10 esta-belece que os poderes que no foram delegados aos Estados Unidos pela Constituio, ou seja, aoGoverno Central, nem vedados pelo Texto Constitucional para os Estados, so reservados respectiva-mente aos Estados ou para o povo. Assim, nos Estados Unidos da Amrica, o povo, legitimador maiorda Carta Poltica, tem expressamente reconhecido no Texto Constitucional determinada parcela depoder, o que constitui, sem sombra de dvida, um importante reconhecimento da importncia do cidadona sociedade americana.

    Com o passar do tempo, especialmente nos Estados do Sul dos Estados Unidos, foram surgindoas chamadas Jim Craw Laws, as quais eram assim chamadas em decorrncia da existncia de um per-sonagem caricato, caipira e maltrapilho de negro trabalhador rural. Referidas leis discriminatrias foramutilizadas em larga escala especialmente para dar suporte segregao racial. Sintetizando, referidasleis exigiam, por exemplo, que os brancos e os negros utilizassem bebedouros pblicos separados, fre-qentassem escolas pblicas e banheiros pblicos separados, alm de bibliotecas, restaurantes, nibuse outros meios de transporte pblico diversos.

    A Suprema Corte Americana decidiu, no caso chamado Plessy v. Ferguson,3 que uma lei daLouisiana que previa lugares separados em vages da estrada de ferro seria constitucional. Referidodecisrio legitimou as Jim Craw Laws e permitiu a concluso de que elas seriam constitucionais,porquanto assimilariam o conceito de acomodaes pblicas separadas, mas iguais, ou seja, brancose negros tinham, ao menos em tese, o mesmo tratamento, desde que em locais diferentes...

    Entretanto, especialmente durante o sculo passado, aconteceram vrios boicotes contra a dis-criminao contida nos textos legais, alm de manifestaes pblicas. Ressalte-se o caso de RosaParks, uma mulher afro-americana, que se recusou a se levantar de um nibus e ceder o seu lugarpara que um homem branco sentasse. Um dos mais reconhecidos ativistas dos direitos civis de todosos tempos foi o reverendo negro Martin Luther King Jr. A sua ao e outras levaram a edies devrias leis, bem como de decises judiciais que buscavam a igualdade e o fim da segregao.

    Porm, somente em 1964, o Congresso Americano resolveu invalidar a legislao estadual de segre-gao, invocando a competncia legislativa federal para disciplinar o comrcio (Commercial Clause) eaprovou o Ato de Direitos Civis de 1964, que revogou as discriminaes em estabelecimentos e aco-modaes pblicas, restaurantes, hotis, lojas, escolas e locais de trabalho. A Suprema Corte, dessa feita,afirmou a constitucionalidade do novo ato ao decidir o caso Heart of Atlanta Motel v. United States.4

    Em suma, apenas no meio da dcada de 1960 que os Estados Unidos se viram livres de leisseparando as pessoas objetivamente com base no critrio cor da pele. Porm, de fato, at hoje existemna Amrica do Norte bairros praticamente habitados por pessoas da mesma etnia.

    III. Decises da Suprema Corte Americana

    A inconstitucionalidade do sistema de quotas mais do que reconhecida nos Estados Unidos.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200630

    5 Regents of the University of California v. Bakke, 438 U.S. 265.6 Grutter v. Bollinger, 539 U.S. 306 2003.7 Gratz v. Bollinger, 539 U.S. 244 2003.

    Primeiro, mister ressaltar que a Suprema Corte Americana decidiu, por maioria, no julgamento dorecurso envolvendo Regents of The University of California v. Bakke,5 que a separao de determinadonmero de vagas para minorias raciais ingressarem na escola de medicina da Universidade da Califrnia,ou seja, o sistema de quotas, era inconstitucional. O voto condutor proferido pelo Ministro Powel distinguiuentre o uso de quotas, considerado inconstitucional por violar a clusula de igualdade de proteo pre-vista na 14 Emenda da Constituio. A Corte decidiu por cinco votos contra quatro que a anlise sobre araa pode ser um, mas no o nico, dos vrios fatores a serem considerados para efeito de admisso nafaculdade. O Ministro Powell decidiu que as quotas isolam as minorias raciais dos demais candidatos eso inconstitucionais porque causam discriminao contra todos os demais concorrentes.

    Posteriormente, em 2003, a Suprema Corte Americana decidiu outro caso novamente por estreitamaioria de cinco votos contra quatro, assimilando mais uma vez o entendimento da inconstitucionalidadedas quotas. Grutter v. Bollinger6 um caso decidido pela Suprema Corte Americana no qual ficou reco-nhecida a constitucionalidade da poltica de aes afirmativas da Escola de Direito da Universidade deMichigan. A deciso assimilou o entendimento de que uma escola pblica de direito poderia se baseartambm na cor da pele de determinadas minorias sub-representadas como sendo um dos critrios aptosa influir na deciso de admisso dos alunos. Porm, o teste de admisso tinha de ser considerado estri-tamente elaborado e levar em considerao outros fatores como, por exemplo, a nota obtida no examenacional de admisso nas escolas de direito, a nota mdia obtida pelo aluno revelada pelo seu histricoescolar, alm de uma declarao de mo prpria esclarecendo por que o referido candidato iria contribuirpara o progresso da escola de direito. Nesse sentido, o programa de admisso da Universidade deMichigan, que concedeu determinado nmero de pontos a ttulo de bnus para certas minorias raciais sub-representadas, no violaria a igualdade de proteo. O argumento principal que a obteno de um corpoestudantil diversificado seria uma justificativa pblica suficiente e um interesse a ser atingido pela univer-sidade, o que no violaria a 14 Emenda nem o Ato dos Direitos Civis. A Ministra OConnors proferiu ovoto condutor novamente, reafirmando que o sistema das quotas, s por si, no poderia ser usado, con-forme decidido vinte e cinco anos antes no caso Bakke v. California, j mencionado, bem como ressal-tando que, s vezes no futuro, talvez vinte e cinco anos depois da deciso proferida em Grutter, as aesafirmativas raciais no poderiam ser mais admitidas sob o argumento de promover a diversidade. Referidaafirmao sofreu inmeras crticas nos Estados Unidos da Amrica, pois, especialmente na Amrica doNorte, no se admite interpretao diferente da Constituio apenas com base na passagem do tempo.A redao da Constituio no muda simplesmente porque o tempo passou.

    Assim, pode-se afirmar, sem sombra de dvida, que a deciso do caso Grutter largamente sus-tentou a posio afirmada pelo Ministro Powell vinte e cinco anos antes no caso Regents of theUniversity of California v. Bakke.

    Para finalizar, importante lembrar tambm que, no caso Gratz v. Bollinger,7 foi afirmado, porseis votos contra trs, que outra poltica de quotas da Universidade Estadual de Michigan de acessoa cursos superiores violou a clusula de igualdade de proteo prevista na 14 Emenda ao simples-mente aumentar automaticamente a nota obtida no sistema de seleo para todas as minorias raciaisao invs de fazer consideraes individuais mais especficas.

    mister frisar que, no Brasil, o critrio de aprovao para a faculdade to-somente a nota obtidano vestibular, enquanto nos Estados Unidos feita uma avaliao da vida social do candidato, entre outrosfatores, sendo o exame por eles feito muito mais subjetivo do que a objetividade vigente no Brasil.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 31

    Dou

    trina

    IV. Deciso do Supremo Tribunal Federal e projetos de lei em tramitao no Congresso Nacional

    O Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 17.09.03, fez um dos julgamentos mais importantesde toda a histria da Repblica ao apreciar o HC 82424/RS, impetrado em benefcio do pacienteSiegfried Ellwanger, no qual restou decidido que escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendoapologia de idias preconceituosas e discriminatrias contra a comunidade judaica (Lei 7.716/89, art.20, na redao dada pela Lei 8.081/90) constitui crime de racismo sujeito s clusulas de inafiana-bilidade e imprescritibilidade (CF, art. 5, XLII). A ementa j contm excelentes consideraes, sendoo contedo do voto extenso, o que se considera recomendvel, em conseqncia da relevncia damatria decidida. Um dos principais argumentos adotados pela Corte que, com a definio e omapeamento do genoma humano, cientificamente no existem distines entre os homens, seja pelapigmentao da pele, formato dos olhos, altura, plos ou por quaisquer outras caractersticas fsicas,visto que todos se qualificam como espcie humana. No h diferenas biolgicas entre os sereshumanos. Na essncia so todos iguais. Raa e racismo. A diviso dos seres humanos em raasresulta de um processo de contedo meramente poltico-social. Desse pressuposto origina-se o racis-mo que, por sua vez, gera a discriminao e o preconceito segregacionista. Tambm foi ressaltada aadeso do Brasil a tratados e acordos multilaterais que energicamente repudiam quaisquer discrimi-naes raciais, a compreendidas as distines entre os homens por restries ou preferncias oriun-das de raa, cor, credo, descendncia ou origem nacional ou tnica, inspiradas na pretensa superio-ridade de um povo sobre outro, de que so exemplos a xenofobia, negrofobia, islamofobia e o anti-semitismo. Afirmou-se, ainda, que, no Estado de Direito Democrtico, devem ser intransigentementerespeitados os princpios que garantem a prevalncia dos direitos humanos. Jamais se podem apagarda memria dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram eincentivaram o dio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominvel.

    Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n 3.627/04, o qual foi apensadoao Projeto de Lei n 73/99.

    O antes mencionado projeto de lei institui sistema especial de reserva de vagas para estudantesegressos de escolas pblicas, em especial negros e indgenas, nas instituies pblicas federais deeducao superior e d outras providncias. O seu art. 1 diz que as instituies pblicas federais deeducao superior reservaro, em cada concurso de seleo para ingresso nos cursos de graduao,no mnimo, cinqenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente oensino mdio em escolas pblicas. J o art. 2 determina que, em cada instituio de educao supe-rior as vagas de que trata o art.1 sero preenchidas por uma proporo mnima de autodeclaradosnegros e indgenas igual proporo de pretos, pardos e indgenas na populao da unidade daFederao onde est instalada a instituio, segundo o ltimo censo da Fundao Instituto Brasileirode Geografia e Estatstica - IBGE. O pargrafo nico prev que, no caso de no-preenchimento dasvagas segundo os critrios do caput, as remanescentes devero ser completadas por estudantes quetenham cursado integralmente o ensino mdio em escolas pblicas. O art. 5 prev uma reviso emdez anos do sistema especial para o acesso de estudantes negros, pardos e indgenas, bem comodaqueles que tenham cursado integralmente o ensino mdio em escolas pblicas, nas instituies deeducao superior.

    Na mensagem assinada eletronicamente por Tarso Fernando Herz Genro, afirmado que, desde1967, o Brasil signatrio da Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas deDiscriminao Racial da Organizao das Naes Unidas. Tambm dito que, na referida Conveno, oEstado brasileiro se comprometeu a aplicar as aes afirmativas como forma de promoo da igualdadepara incluso de grupos tnicos historicamente excludos no processo de desenvolvimento social.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200632

    Ressaltou-se, ainda, que o projeto de lei antes citado adota a poltica de cotas de forma racionalao distribu-las pela composio tnico-racial das unidades federativas. Ainda, diz-se que, ao mesmotempo, feita a combinao de critrios de incluso por razes especficas de etnia com critrios univer-sais de renda para acesso ao ensino pblico superior. Assim, tambm seria assegurado o ingresso nasuniversidades pblicas aos estudantes egressos do sistema pblico de ensino fundamental e mdio.

    Foi afirmado que era imperioso que uma lei regulamentando cotas para negros, indgenas ealunos oriundos da escola pblica garanta, em sua dinmica, no s o ingresso, mas a permannciadesses alunos at a concluso dos cursos.

    V. Crticas e sugestes com base no princpio da isonomia: ausncia de objetividade

    O art. 3 da Constituio Federal estabelece os objetivos fundamentais da Repblica Federativa doBrasil, sendo importante mencionar o contedo do inciso IV: promover o bem de todos, sem preconceitosde origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    J o art. 5, caput, primeira parte, da Constituio da Repblica diz que todos so iguais perantea lei, sem distino de qualquer natureza.

    No campo axiolgico, ao menos em tese, tudo est j devidamente resolvido. Nada obstante, a reali-dade que o Brasil o pas mais desigual do mundo e que aqui a pobreza preferencialmente tem cor.

    A redao atual do 3 do art. 5 da Constituio da Repblica estabelece que os tratados econvenes internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa doCongresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros, seroequivalentes s emendas constitucionais. O art. 60, 4, IV, determina que no ser objeto de delibe-rao a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

    O artigo 26, item 1, da Declarao Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pelaResoluo n 217 A (III) da Assemblia Geral das Naes Unidas, assinada pelo Brasil em 10 de dezem-bro de 1948, estabelece que toda pessoa tem direito educao. A educao ser gratuita, pelo menosnos graus elementares e fundamentais. A educao elementar ser obrigatria. A educao tcnico-profissional ser acessvel a todos, bem como a educao superior, esta baseada no mrito.

    No Dicionrio Aurlio Eletrnico, o termo mrito indicado como sendo originrio do latim e estassociado ao sinnimo de merecimento, cuja definio consiste na 1) qualidade que torna algumdigno de prmio, estima, apreo, ou de castigo, desprezo, etc.; 2) valor, importncia: o merecimentodo livro; 3) superioridade, excelncia; 4) capacidade, habilitao, inteligncia, talento, aptido.

    Realizando pesquisa na legislao brasileira que dispe sobre os tratados e convenes inter-nacionais sobre direitos humanos, localizei o Decreto Federal n 63.223, de 6 de setembro de 1968,sancionado pelo Presidente da Repblica. No site do Governo Federal, informado que no constarevogao expressa do referido decreto, significando que ele est plenamente em vigor. No mencio-nado decreto, reconhecido que o Congresso Nacional aprovou pelo Decreto Legislativo n 40 (*), de1967, a Conveno luta contra a discriminao no campo do ensino, adotada em 15 de dezembrode 1960 pela Conferncia Geral da Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e aCultura (Unesco).

    Na referida declarao, lembrado que a Declarao Universal dos Direitos do Homem afirmao princpio de no-discriminao e proclama o direito de toda pessoa educao, bem como que adiscriminao no campo do ensino constitui violao dos direitos enunciados na Declarao.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 33

    Dou

    trina

    O artigo I da Conveno diz que o termo discriminao abarca qualquer distino, excluso, limi-tao ou preferncia que, por motivo de raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio pblica ou qualquer outraopinio, origem nacional ou social, condio econmica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruirou alterar a igualdade de tratamento em matria de ensino.

    Verifica-se claramente que a mensagem anexa ao Projeto de Lei n 3.627/04, alm de no seharmonizar com o princpio da igualdade, um dos pilares da Constituio da Repblica, contrariafrontalmente o texto da Conveno antes transcrita. Ora, sem sombra de dvida, a Conveno subs-crita pelo Brasil veda terminantemente qualquer tipo de tratamento diferenciado com base na cor dapele ou na origem. Trata-se de disposio com status constitucional de direito fundamental que nopode ser modificada sequer por emenda Constituio.

    Continuando, j na parte especfica destinada educao, a Constituio da Repblica, no art.206, inciso I, determina que um dos princpios que regem o ensino a igualdade de condies parao acesso e permanncia na escola; o inciso VII diz que haver garantia de padro de qualidade. O art.208, no que diz respeito especificamente ao ensino superior, determina, no inciso V, que o dever doEstado com a educao ser efetivado mediante a garantia de acesso aos nveis mais elevados doensino, da pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um. bvio que origemsocial e cor da pele no podem ser utilizados no Brasil como critrios aptos a serem considerados nomomento da seleo para admisso no ensino superior.

    O gabaritado professor Celso Antnio Bandeira de Mello, no seu livro denominado ContedoJurdico do Princpio da Igualdade (3. ed., segunda tiragem, So Paulo: Malheiros, 2004), dissertan-do especificamente sobre os critrios para identificao do desrespeito isonomia, assim se mani-festa, verbis:

    Parece-nos que o reconhecimento das diferenciaes que no podem ser feitas sem quebra daisonomia se divide em trs questes: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator dedesigualao; b) a segunda reporta-se correlao lgica abstrata existente entre o fator erigidoem critrio de discrmen e a disparidade estabelecida no tratamento jurdico diversificado; c) a ter-ceira atina consonncia desta correlao lgica com os interesses absorvidos no sistema consti-tucional e destarte juridicizados.Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que adotado como critrio dis-criminatrio; de outro lado, cumpre verificar se h justificativa racional, isto , fundamento lgico,para, vista do trao desigualador acolhido, atribuir o especfico tratamento jurdico construdo emfuno da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlao ou fundamentoracional abstratamente existente , in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistemanormativo constitucional. A dizer: se guarda ou no harmonia com eles (op. e p. cit.).

    No ordenamento constitucional brasileiro, o sistema de quotas para minorias raciais, ao sebasear na cor da pele ou na escola originria do candidato, no adota um ingrediente objetivo vlidoe no possui explicao racional, porquanto o STF j declarou que no existem raas humanas dife-rentes, mas apenas cor da pele diversa. O sistema de quotas tambm no se harmoniza com o orde-namento constitucional brasileiro; antes o contrrio, viola literalmente os direitos fundamentais docidado assegurados a todos pelos tratados e convenes internacionais aos quais o Brasil aderiu.

    VI. Superao dos preconceitos e concretizao da Constituio

    Sem sombra de dvida, um dos maiores preconceitos que infelizmente ainda presenciamos no Brasil o sexismo. Apenas o Cdigo Eleitoral de 1932 estendeu a cidadania eleitoral s mulheres. Somente em

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200634

    1962, a mulher casada deixou de ser considerada civilmente incapaz, com a edio da Lei n 4.121/62, ochamado Estatuto da Mulher Casada, publicado quase dois sculos aps a Revoluo Liberal.

    Porm, o art. 5, inciso I, da Carta Poltica da Nao no deixa mais qualquer dvida ao esta-belecer que homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio.

    Conseqentemente, o que se viu nos ltimos anos foi um grande avano das conquistas femi-ninas. A mulher ganha exatamente igual ao homem quando se submete ao concurso pblico, dife-rentemente do que acontece ainda, lamentavelmente, no mercado de trabalho da iniciativa privada,como pblico e notrio. Apenas para exemplificar nos ltimos dez anos, todos os primeiros lugaresdo concurso pblico para o ingresso na Magistratura do Estado de Minas Gerais foram ocupados pormulheres. Duas brilhantes juristas ocupam hoje a cadeira de Ministra do Pretrio Excelso. Ou seja, ailao obrigatria que equiparar a mulher juridicamente ao homem produziu e est produzindomudanas profundas na composio do Poder. Trata-se de fato constatado.

    Assim, considera-se que editar uma lei em sentido formal e estrito, considerada ato legislativoemanado do Poder competente para edit-lo, novamente separando as pessoas com base na cor dapele, um odioso retrocesso de mais de cem anos, alm de ser flagrantemente inconstitucional.

    Ora, problemas culturais e antropolgicos devem ser resolvidos com base na movimentao dasociedade e das autoridades constitudas. Ambas devem se insurgir contra o no-atendimento daqui-lo que est previsto no nosso ordenamento consituticional como sendo uma deciso fundamental daNao, possuindo embasamento no princpio da eficincia previsto no art. 37 da Carta Poltica.

    As leis no se prestam para resgatar supostas dvidas do passado, incentivando disputas que,em verdade, deveriam ser desprestigiadas. Considero que as leis devem ser voltadas para o futuro,evitando-se distores que violem o princpio da impessoalidade. No precedente j transcrito no pre-sente estudo, o Pretrio Excelso deixou isso muito bem claro ao repudiar qualquer tipo de possibi-lidade de separao com base em raa, bem como ao indicar os efeitos nefastos produzidos pelasegregao oficializada.

    Alm disso, acredita-se que no se deve, jamais, absolver qualquer escola, seja pblica ou pri-vada, da obrigao de fornecer formao de qualidade para os seus alunos. O raciocnio contrrioadmite uma poltica educacional que viola a Constituio, o que beira o absurdo.

    Vale transcrever trecho de reportagem publicada na Folha de So Paulo no dia 26.07.06, deautoria de Gustavo Balduino, secretrio-executivo da Andifes (Associao Nacional dos Dirigentes dasInstituies Federais de Ensino Superior), verbis:

    A soluo passa pela educao cidad de todos, e no pela separao legal entre brancos enegros. Se assim fosse, qual a justificativa para no estabelecer cotas raciais para todos os con-cursos pblicos? Nas empresas? Nos partidos? E nos Parlamentos? Estes sim, com a obrigaode representar o perfil da sociedade brasileira. Mas, se por hiptese, na tentativa de incluso, insti-tussemos essa regra em todos os ambientes sociais e de Estado, estaramos resgatando umadvida ou segmentando definitivamente a sociedade? O que impedir restaurantes, nibus, locaispblicos em geral de separar lugares para beneficiar negros?8

    8 Cotas com qualidade para escola pblica. Disponvel em: .Acesso em: 24.08.2006.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 35

    Dou

    trina

    A Comisso de Constituio e Legislao do Senado, deliberando sobre matria eleitoral,proclamava que o defeito no est nas leis, e sim nos costumes (...) Os costumes no se corrigemto prontamente como se alteram as leis.9

    Sem mais injustificveis atrasos, mister que se exija o cumprimento dos compromissosassumidos no texto constitucional, que completou dezoito anos no dia 05.10.2006. Os planos dece-nais de ensino elaborados no ano passado nos municpios mineiros tm de ser observados. ASecretaria Estadual de Ensino de Minas Gerais informa que a universalizao do ensino fundamentalatingiu quase cem por cento das necessidades. Cabe agora fazer o ensino de qualidade. Como?

    Mediante a movimentao da sociedade e do Ministrio Pblico, que dever provocar o PoderJudicirio, se preferir o caminho demandista, ou ento se articular junto aos Poderes Executivo eLegislativo, se decidir optar pelo caminho resolutivo. Precedentes existem. J decidiu o egrgio STJ,no REsp n 429.570 - GO (2002/0046110-8), Relatora a Ministra Eliana Calmon, que, na atualidade,a Administrao Pblica est submetida ao imprio da lei, inclusive quanto convenincia e oportu-nidade do ato administrativo. Comprovado tecnicamente ser imprescindvel, para o meio ambiente, arealizao de obras de recuperao do solo, tem o Ministrio Pblico legitimidade para exigi-la. OPoder Judicirio no mais se limita a examinar os aspectos extrnsecos da Administrao, pois podeanalisar, ainda, as razes de convenincia e oportunidade, uma vez que essas razes devem obser-var critrios de moralidade e razoabilidade. Outorga de tutela especfica para que a Administraodestine do oramento verba prpria para cumpri-la.

    Adiciono outro caso tambm de lavra da ministra Eliana Calmon, REsp n 493.811 - SP(2002/0169619-5), no qual fora reconhecida a legitimidade do Ministrio Pblico para exigir do Municpio aexecuo de poltica especfica, que se tornou obrigatria por meio de resoluo do Conselho Municipaldos Direitos da Criana e do Adolescente, bem como o oferecimento de tutela especfica para que sejaincluda verba no prximo oramento, a fim de atender a propostas polticas certas e determinadas.

    Para finalizar, acrescente-se trecho de excelente livro publicado pelo Juiz Federal Dirley daCunha Jnior, Doutor em Direito Constitucional, verbis:

    A inconstitucionalidade por omisso de polticas pblicas, sindicvel incidentalmente por meio deao civil pblica, descortina-se ante uma absteno indevida do poder pblico em ofertar, porexemplo, educao gratuita criana e ao adolescente, sade pblica a todos, assistncia aoscarentes, possibilidade de integrao ao deficiente, proteo ao patrimnio histrico e cultural, pro-teo ao meio ambiente, proteo ao idoso e demarcao das terras indgenas. nesse contextoque se defende o controle judicial da constitucionalidade dos atos e das omisses relativas imple-mentao das polticas pblicas, para tanto sendo extremamente til a ao civil pblica. (...)Em suma, o controle judicial da constitucionalidade das polticas pblicas tem por fim justamente oconfronto de tais polticas com os objetivos constitucionalmente vinculantes da atividade de gover-no. E a ao civil pblica, reitere-se, apresenta-se como um expedito e amplo remdio para atingiresse desgnio.10

    VII. Concluso

    As aes afirmativas so essenciais em pases onde existem iniqidades, especialmente noBrasil, onde proliferam as omisses pblicas e administrativas. Porm o ordenamento constitucional

    9 LIMA SOBRINHO, Barbosa. Sistema eleitorais e partidos polticos. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1956, p. 62, apudJurisprudncia Mineira, v. 159, p. 24-25.10 CUNHA JNIOR, Dirley da. Controle judicial das omisses do poder pblico. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 461.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200636

    brasileiro no admite a adoo de quotas para minorias raciais, com o intuito de possibilitar o seuingresso na faculdade, uma vez que referida poltica contraria frontalmente o princpio constitucionalda igualdade, seja por causa do estabelecido na Constituio da Repblica ou em conseqncia daadeso do Brasil aos tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos. Referida incons-titucionalidade est pacificamente assegurada nas decises da Suprema Corte dos Estados Unidosda Amrica, pas cujo passado histrico revela uma luta em prol da implementao dos direitos dasminorias raciais.

    A sociedade brasileira e os Poderes da Repblica tm de implementar de imediato as medidasnecessrias concretizao dos compromissos assumidos no Texto Constitucional e proporcionar edu-cao de qualidade a todos os interessados em obt-la. A omisso que acaso se verificar autoriza queo Ministrio Pblico, em defesa da ordem jurdica e dos interesses sociais, provoque os Poderes daRepblica - em especial o Poder Judicirio -, requerendo seja oferecida interveno apta a compelir oPoder Executivo a direcionar verba do oramento para que o ensino fundamental de qualidade sejaoferecido para a populao de maneira universal.

    -:::-

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 2006 37

    Dou

    trina

    VoIP versus ICMS

    Fernando Neto Botelho*

    Sumrio: 1 Introduo. 2 A referncia histrica. 3 Estrutura da compreenso. 4 Relevncia do fatoe a jurisprudncia. 5 Anlise jurdico-regulatria. 6 Anlise tecnolgica. 7 Anlise tributria. 8 Concluso.9 Referncias bibliogrficas.

    1. Introduo

    Um anglicismo incorporado ao repertrio de estrangeirismos dos manuais de tecnologias dainformao ou uma aplicao integrada a servios de acesso Internet, so apenas algumas dasincertezas que rodeiam, hoje, a compreenso da sigla VoIP (Voice over Internet Protocol).

    E, antes mesmo de dissecada, compreendida, em sua extenso material, ou de analisada quantoa seu alcance jurdico, a sigla j ganhou espao como objeto de oferta de servios (por provedores deacesso Internet).

    Diz-se de acesso Internet porque foram, at agora, os servios - e seus provedores, ou, osprovedores do acesso rede mundial - que primeiro se lanaram veiculao de VoIP como produtoformal agregado oferta tradicional de servios.

    So eles que, atravs do arrojo empresarial de anteciparem a inovao como item de core business,comeam a provocar a necessidade de reflexo do meio jurdico, pois no seio deste a quaestio iuris rela-cionada com a comercializao de VoIP terminar seu natural percurso de definio.

    No ser possvel, diante deste cenrio empresarial que se consolida, que o intrprete do fenmenoaguarde que lei formal, ou disciplina normativa especfica, surja como guia prvio da definio (de VoIP).

    Outro exemplo do poder mutante da realidade social que a inovao tecnolgica produz, VoIPse antecipa a esta normatizao, instalando-se, diretamente, na praxis do mercado de servios doprovimento de acesso Internet, assim se antecipando prpria palavra do legislador.

    Convoca, por isso e em razo do impacto no mais desprezvel que produz, hoje, em segmentosfundamentais do setor (de telecomunicaes), a necessidade de delineamento.

    Para esse, deve-se caminhar com cautela recomendvel a espinhosas tarefas, como as quetm, no centro, apreciao de aplicaes tecnolgicas inovadoras e no-institudas por lei (formal).

    * Juiz de Direito Titular da 4 Vara de Feitos Tributrios do Estado de Minas Gerais (Belo Horizonte)* Professor da Cadeira de Direito Tributrio da EJEF - Escola Judicial Desembargador Edsio Fernandes - TJMG (Preparaode Magistrados)* MBA - Gesto em Telecomunicaes pela FGV - Fundao Getlio Vargas e Ohio University/USA* Ex-Membro do Comit de Defesa dos Usurios de Telefonia Fixa Comutada/Anatel* Membro da ABDI-MG, Associao Brasileira de Direito de Informtica e Telecomunicaes* Membro da Comisso de Tecnologia da Informao do Tribunal de Justia de MG* Membro Fundador do CBTM - Conselho Brasileiro de Telemedicina* Foi Diretor de TI da Amagis - Associao dos Magistrados de MG* autor do livro As Telecomunicaes e o FUST (Ed. Del Rey - 2001);* Telecomunicaes - Questes Jurdicas - site mantido pelo Coordenador da ComUnidade WirelessBrasil sobre os trabalhos eatividades em Grupos de Debates de Fernando Botelho

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 57, n 176/177, p. 21-59, janeiro/junho 200638

    A misso h de ir compreenso do fato em sua larga extenso tcnica - ligada, aqui, a recur-sos de tecnologia da informao -, pois no se poder alcanar conceito jurdico a habilitar respostasadequadas e convincentes sem que o fato seja essencialmente conhecido.

    Estar, no ingresso analtico do aspecto tecnolgico do problema, ou no aprofundamento daaplicao e na conferncia dos seus contornos e origens (computacionais telemticos), o segredopara que VoIP possa ser juridicamente catalogada.

    Uma cuidada dose de ativismo-interpretativo, para suporte da lacuna deixada por falta de lei formal,desapego do positismo clssico e adoo de viso cognitiva como a proposta por Dworkin1 - em sua cls-sica retrica, do Hrcules interpretativo - ou por Habermas2 e Ronsenfeld3 podero ajudar na tarefa, queser a de construir pilares de um novo instituto, fruto de nova aplicao, tendo por base fato consumado,praticado sem regramento prvio.

    Dentro desse objetivo, buscaremos conduzir a reflexo presente, primeiramente, por dadoshistricos - referenciais lgicos da transposio, ou da passagem da voz para redes IP - e, a seguir,pela identificao de marco regulatrio para VoIP, no Brasil, com a conferncia, ao final, de detalhestcnicos da operao/aplicao de VoIP.

    Finalmente, sugeriremos uma viso tributria (quanto ao ICMS) para a aplicao.

    2. A referncia histrica

    Em sua mais recente srie de abordagens sobre VoIP, o engenheiro Jos Ribamar SmolkaRamos4 referencia texto - publicado em 1996 pela Wired Magazine, intitulado Netheads vs BellHeads,5de autoria de Steve G. Stenberg - em cujo centro se destacou, poca, existncia de:

    ... uma guerra entre os Bellheads e os Netheads. Em termos amplos, Bellheads so as pessoas datelefonia original. So os engenheiros e os gestores que cresceram sob olhares atenciosos de MaBell e que continuam a dar suporte s prticas do sistema Bell fora do respeito ao legado dela. Elesacreditam na soluo de problemas segundo aplicaes tcnicas que dependem de hardwares erigoroso controle de qualidade - ideais e prticas que integram nosso robusto sistema de telefoniae que so incorporados, atualmente, ao procotolo ATM.Opostos aos Bellheads, esto os Netheads, os jovens turcos que conectaram os computadores domundo para formarem a Internet. Esses engenheiros vem a indstria atual de telecomunicaes comouma relquia a ser superada pela marcha da computao digital. Os Netheads acreditam mais nainteligncia dos softwares que na fora bruta dos hardwares, e no roteamento flexvel e adptvel aoinvs do controle rgido de trfego. Esses so os ideais e princpios, em suma, que tm determinadoo crescimento to rpido da Internet, e que esto incorporados no IP - no Protocolo Internet.6

    1 DWORKIN, 1999. 2 HABERMAS, 1997.3 ROSENFELD, 1995.4 VoIP (http://www.wirelessbrasil.org/wirelessbr/colaboradores/jose_smolka/voip/serie_voip_01.html)5 Steve G. Steinberg (The most vicious battle on the Net today is a secret war between techies. At stake is nothing less thanthe organization of cyberspace - http://www.wired.com/wired/archive/4.10/atm_pr.html )6 Traduo livre, do autor, da passagem do artigo: It is a war between the Bellheads and the Netheads. In broad strokes,Bellheads are the original telephone people. They are the engineers and managers who grew up under the watchful eye of MaBell and who continue to abide by Bell System practices out of respect for Her legacy. They believe in solving problems withdependable hardware techniques and in rigorous quality control - ideals that form the basis of our robust phone system and thatare incorporated in the ATM protocol. Opposed to the Bellheads are the Netheads, the young Turks who connected the worlds computers to form the Internet. Theseengineers see the telecom industry as one more r