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Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de São Bernardo do Campo EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de São Bernardo do Campo, vem perante Vossa Excelência, com supedâneo no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, no art. 82, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), e no art. 5º, caput”, da Lei nº 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA , a ser processada pelo rito ordinário, em face de CONSTRUTORA SAMMARONE LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob o nº 54.037.791/0001-53, com sede na rua Tiradentes, nº 75, 12º andar, Centro, nesta cidade, tendo em vista os fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos. I - DOS FATOS

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Promotoria de Justia de Defesa do Consumidor de So Bernardo do Campo

EXCELENTSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CVEL DA COMARCA DE SO BERNARDO DO CAMPO

O MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DE SO PAULO, por meio da Promotoria de Justia de Defesa do Consumidor de So Bernardo do Campo, vem perante Vossa Excelncia, com supedneo no art. 129, inciso III, da Constituio Federal, no art. 82, inciso I, do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90), e no art. 5, caput, da Lei n 7.347/85, propor AO CIVIL PBLICA, a ser processada pelo rito ordinrio, em face de CONSTRUTORA SAMMARONE LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob o n 54.037.791/0001-53, com sede na rua Tiradentes, n 75, 12 andar, Centro, nesta cidade, tendo em vista os fatos e fundamentos jurdicos a seguir aduzidos.

I - DOS FATOS

Conforme se apurou no incluso inqurito civil (n 82/03), a acionada pessoa jurdica de direto privado que, no exerccio de sua atividade econmica, mais especificamente nas relaes jurdicas travadas com os consumidores, emprega contrato de compromisso de compra e venda de imvel confeccionado nos seguintes termos (fls. 428/438):

Certo , no entanto, que o predito instrumento de contrato veicula clusulas manifestamente abusivas luz da legislao civil e consumerista, alm do que no satisfaz o direito do consumidor plenitude de informao.

E exatamente a partir desse cenrio, isto , valendo-se de subterfgios e clusulas abusivas insertas em seus contratos de adeso, que a acionada logrou obter para si vantagens excessivamente desproporcionais em relao ampla gama de consumidores contratantes. Estes, por sua vez, experimentaram e continuam a experimentar prejuzos gerados pelas artimanhas jurdicas empregadas nos contratos em exame. O que se tem, na verdade, um quadro jurdico-contratual desenhado para assegurar, sobretudo, o sucesso da atividade empresarial da r, ainda que em detrimento dos consumidores, geralmente das classes mdia e baixa, que investem toda ou grande parte da economia familiar na aquisio de moradia. o que se colhe, v.g., do relato dramtico da consumidora Mrcia Ftima Zaninete Cambolete (fl. 08).

Constata-se, ademais, que as ilegalidades inseridas nos contratos de adeso fazem da acionada uma litigante contumaz, conforme sobressai das pesquisas anexas, reveladoras de expressiva quantidade de aes judiciais envolvendo a r, apenas nesta Comarca (fls. 357 e ss.).

vista desse panorama, que conflita com a ordem jurdica vigente, impe-se a invalidao de inmeras clusulas da conveno em apreo e a reviso de outras tantas, de modo a assegurar aos consumidores o devido equilbrio econmico-financeiro na relao contratual e o respeito ao direito informao. II DOS FUNDAMENTOS JURDICOS DOS PEDIDOS

Dispe a Constituio Federal de 1988, no seu artigo 5, inciso XXXII, que o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Mais frente, o texto constitucional refora a necessidade de preservao dos direitos do consumidor ao consagrar, no artigo 170, que a ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:

(...)

V defesa do consumidor;

E visando disciplinar as relaes de consumo, dentre elas a versada nestes autos, sobreveio a Lei n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor), que estabelece normas de proteo e defesa do consumidor, de ordem pblica e interesse social, nos termos dos artigos 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituio Federal e art. 48 de suas Disposies Transitrias (art. 1).

Dentre tantas outras prescries, a Lei n 8.078/90 prev os direitos bsicos do consumidor (artigo 6), alm das prticas e clusulas contratuais consideradas abusivas e nulas de pleno direito (artigos 39 e 51), cujas disposies so largamente aplicveis na hiptese retratada nestes autos.

Complementando o arcabouo normativo das relaes de consumo, em especial no que concerne s clusulas contratuais abusivas, exsurgem as Portarias n 04/98, 03/99, 03/2001, 05/2002 e 07/2003, todas provenientes da Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia.

Por fim, em sintonia com as prescries da legislao consumerista e com os novos paradigmas mundiais em matria de interpretao de contratos, o Cdigo Civil de 2002 disps que:

Art. 421. A liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social do contrato.

...........

Art. 422. Os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em sua execuo, os princpios da probidade e boa-f.

Cotejando-se essa moldura normativa com as clusulas inseridas nos contratos empregados pela acionada, vislumbra-se que vrias de suas disposies revestem-se da mais absoluta abusividade, conforme exposio adiante articulada.

1) Da incidncia de juros antes da entrega das chaves e do emprego da tabela price (item 4.5 do quadro-resumo e clusula 5, 3, do instrumento de contrato).

Ao consumidor que celebra contrato com a requerida impe-se o financiamento do valor do bem mediante pagamento de juros de 1% ao ms, calculados na forma da chamada tabela price, to logo seja expedido o habite-se pelo Municpio.

Vale dizer, portanto, que mesmo antes da entrega das chaves o consumidor est sujeito ao pagamento de juros construtora. Observe-se, a propsito, que a data de entrega das chaves sequer apontada no contrato. Previu-se que as chaves sero entregues to-somente quando o consumidor obtiver da construtora a outorga da escritura, registrar o ato notarial em cartrio e promover as alteraes cadastrais na Prefeitura Municipal (clusula 21). Assim, uma vez concedido o habite-se, e mesmo sem a posse do imvel, j estar o consumidor sujeito ao pagamento de juros base de 1% ao ms, calculados segundo a tabela price, tudo em benefcio da demandada.

Na hiptese especificamente examinada nestes autos, alis, verifica-se que o imvel negociado j conta com a expedio de habite-se (Clusula 2), de modo que, optando pelo parcelamento do dbito, o consumidor suportar, de imediato, a incidncia dos juros e da tabela price, ainda que venha a obter as chaves de sua unidade somente aps vrios meses ou anos da celebrao do contrato.

O preceito, no entanto, denota a ocorrncia de prtica abusiva, nomeadamente luz dos artigos 39, incisos V e XI, e 51, inciso IV, ambos da Lei n 8.078/90.

De fato, tal como colocada, a regra contratual importa na obteno de vantagem excessiva pela fornecedora do produto, sempre em prejuzo do consumidor. Ademais, como se verificar mais frente, a disposio carreia frmula de reajuste das prestaes que afronta a ordem jurdica em vigor.

Nessa linha de raciocnio, a Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia, em 15 de maro de 2001, editou a Portaria n 3 (publicada no DOU de 17/03/2001) que, no item 14, arrola como clusula abusiva aquela que estabelea, no contrato de venda e compra de imvel, a incidncia de juros antes da entrega das chaves.

Mas alm de exigidos antes da entrega das chaves, os juros so cobrados pela construtora de modo cumulativo (capitalizado), como se dessume do item 4.5 do quadro-resumo e da clusula 5, 3, do instrumento de contrato.

Com efeito, na chamada tabela price (ou sistema francs de amortizao), tem-se um mtodo usado em amortizao de emprstimo em que os juros incidem de maneira composta, a indicar, portanto, a prtica de anatocismo.

Sobre a capitalizao de juros na tabela price, assim leciona Jos Jorge Meschiatti Nogueira:

Porm, mesmo com todas as justificativas do mundo e at antes de termos encontrado os dois volumes que compem a obra de Richard Price, a Cincia Matemtica j havia denunciado escandalosamente a transparente aplicao do juro composto em suas tabelas, o que j seria suficiente para provar sua ilegalidade. No entanto, afora os inocentes equivocados, muitos interessados faziam-se de surdos, insistindo em refutar as preciosas notas exatas da cincia dos nmeros.

Bons trabalhos matemticos foram publicados como o de Mario Geraldo Pereira (USP), Azevedo Filho (Esalq) e ainda outros de cunho cientfico e institucional como os da Universidade Federal do Paran e da FAE Business School, tambm do Paran. Todos confirmaram a capitalizao de juro pela Tabela Price. (destaquei).

E por configurar capitalizao de juro (anatocismo), a aplicao da tabela price revela-se ofensiva ao ordenamento jurdico, conforme preceitua o artigo 4 do Decreto n 22.626, de 7 de abril de 1933:

Art. 4 . proibido contar juros dos juros.

A matria, alis, j foi objeto da Smula n 121 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

vedada a capitalizao de juros, ainda que expressamente convencionada.

O E. Superior Tribunal de Justia, por sua vez, tem reiteradamente assim decidido:

ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAO. NO CONFIGURADOS O CERCEAMENTO DE DEFESA E O JULGAMENTO ULTRA PETITA. CAPITALIZAO DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

2. No se admite a capitalizao de juros nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitao (Resp 635.855/CE, rel. Min. Joo Otvio de Noronha, 2 Turma, DJ 7/12/2006).

3. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.

(Resp 807.409/CE, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 20.09.2007).

..........................

REVISO DE CONTRATO DE AQUISIO DE CASA PRPRIA PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAO. APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS. CAPITALIZAO. UTILIZAO DA TR.

1. A Taxa Referencial (TR) indexador vlido para contratos posteriores Lei n. 8.177/91, desde que pactuada (Smula n. 295/STJ).

2. No se admite a capitalizao de juros nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro da Habitao.

3. Recurso especial improvido.

(REsp 635.855/CE, rel. Min. Joo Otvio de Noronha, DJU de 07.12.06)

..........................PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. NO-CONHECIMENTO. ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAO. AMORTIZAO. TABELA PRICE.

1. A falta de prequestionamento da questo federal impede o conhecimento do recurso especial (Smula 282/STF).

2. Em nosso sistema, no permitida a capitalizao de juros (Smula 121/STF), salvo quando a lei expressamente a admite, o que no ocorre na legislao que regula o Sistema Financeiro de Habitao SFH.

3. (...)

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(Resp 562.720/RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 05.09.06)

Pela mesma senda segue a jurisprudncia do E. Tribunal de Justia bandeirante:

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAO Ao revisional de contrato firmado para aquisio de imvel Existncia de relao de consumo Aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor Possibilidade Contrato firmado aps a edio da Lei n 8.078/90 Tabela Price Capitalizao de juros Inadmissibilidade A tabela price implica em ilegal capitalizao de juros. Se ilegal, deve ser expurgada do contrato Apelo provido (Apelao Cvel n. 7.030.968-3 So Paulo 24 Cmara de Direito Privado rel. Salles Vieira 23.06.06 vu).

.........................

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAO Reajuste de prestaes Aplicao da Tabela Price Inadmissibilidade Organizao do fluxo de pagamento constante que concebe a cotao de juros compostos Ilegalidade Reconhecimento Nulidade da clusula assim avenada, uma vez que constitui conveno abusiva Recurso provido em parte. (Apelao n. 1.160.466-9 So Paulo 14 Cmara de Direito Privado rel. Pedro Alexandrino Ablas 26.07.06 vu).

........................CONTRATO Sistema Financeiro da Habitao Uso da Tabela Price afastado Capitalizao Impossibilidade Inteligncia da Smula n 121 do STF Reajuste do saldo devedor antes da amortizao das prestaes pagas mensalmente Possibilidade Julgamento antecipado Cerceamento de defesa que no ocorre Fixao da sucumbncia recproca Recurso parcialmente provido. (Apelao n. 7.098.876-0, So Paulo, 19 Cmara, rel. Sebastio Junqueira, j. em 02.10.07).

........................FINANCIAMENTO IMOBILIRIO Sistema de amortizao da Tabela Price Utilizao que implica em capitalizao de juros, por basear-se em critrio de juros compostos Ilegitimidade configurada em face disso, nos termos da Smula n. 121 do E. STF, devendo ser afastada referida capitalizao Embargos infringentes opostos pelo banco mutuante rejeitados. (Embargos Infringentes n. 7.102.863.4/02, So Paulo, 14 Cmara, rel. Thiago de Siqueira, j. em 05.09.2007).

Assim tambm, dentre outros tantos, posicionou-se o E. Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina, inclusive com a recente edio, em 15 de junho de 2007, de Enunciado sobre o assunto:

VIII ilegal o emprego da Tabela Price nos contratos de mtuo firmados sob o regime do Sistema Financeiro da Habitao, na medida em que implica capitalizao de juros.

Acresa-se, finalmente, que a Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia, pela Portaria n 3, de 19 de maro de 1999 (publicada no DOU, seo I, de 22 de maro de 1999, p. 1), elencou como clusula abusiva aquela que estabelece a cobrana de juros capitalizados mensalmente (item 9).

Nesse panorama, quer por estabelecerem a cobrana de juros antes da entrega das chaves, quer por fazerem incidir juros compostos (capitalizados ou cumulativos) por meio da chamada tabela price, as clusulas contratuais em apreo revelam-se duplamente abusivas e nulas de pleno direito.

Mas alm de, por si s, revestir-se de manifesta ilegalidade, o emprego da tabela price (ou sistema francs de amortizao) sequer objeto de esclarecimento ou informao ao consumidor (CDC, artigos 6, inciso III, e 52), na medida em que o instrumento de contrato nada elucida sobre o mtodo e conseqncias de sua aplicao.

Como frisado, assim, tanto a incidncia da tabela price como a de juros cumulativos antes da entrega das chaves configuram clusulas abusivas luz da legislao e dos precedentes judiciais mencionados. Devem, por isso, ser expurgadas do ordenamento jurdico, na forma do artigo 51 do CDC.

2) Da negativa de quitao integral e definitiva ao consumidor (clusula 6, 2 e clusula 7).

Preconiza o contrato de adeso em referncia que toda e qualquer quitao conferida pela vendedora acha-se condicionada apurao posterior de eventual saldo devedor do COMPRADOR, ainda que tal ressalva no conste expressamente do respectivo recibo.

Por meio desse preceito, que no guarda qualquer reciprocidade em favor do consumidor, objetiva a construtora estabelecer que nunca a quitao seja considerada completa e definitiva, pois arroga para si o direito de, a seu talante, desconsiderar recibos firmados sempre que vislumbrar a existncia de outros dbitos supostamente no satisfeitos pelo comprador. Poder o consumidor, assim, ser surpreendido a qualquer tempo com cobranas tardias de correo monetria, juros ou despesas que j considerava quitadas por fora de documento firmado pela acionada.

Agrava-se o quadro ao se verificar que, enquanto no considerar integralmente quitados os dbitos, a construtora se desobriga de outorgar a escritura de venda (clusula 20) e, por conseguinte, proceder entrega das chaves (clusula 21).

Dispe o artigo 48 do CDC, no entanto, que:

As declaraes de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pr-contratos relativos s relaes de consumo, vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execuo especfica, nos termos do art. 84 e pargrafos.

Da, portanto, afigurar-se nula de pleno direito, na forma do artigo 51 do CDC, a clusula que, afrontando disposio expressa de lei, pretende desvincular o fornecedor do contedo de recibo entregue ao consumidor.

3) Repasse de custos com cobrana ao consumidor (clusula 8). A acionada impe aos adquirentes de seus imveis a obrigao de efetuar o pagamento das prestaes em instituio bancria por ela escolhida, ocasio em que so transferidos ao consumidor todos os encargos da decorrentes.

o que dispe, abusivamente, a clusula 8 da avena:

Todo e qualquer pagamento em decorrncia deste contrato dever ser efetuado em agente bancrio designado pela VENDEDORA, hiptese em que o comprador dever arcar com os respectivos custos de cobrana exigida pelos bancos ou, eventualmente, em local que venha por ela a ser indicado... (fl. 431).

Certo , no entanto, que luz do artigo 51, inciso XII, do CDC, a clusula em pauta nula de pleno direito, in verbis:

So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que:

(...)

XII obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrana de sua obrigao, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

Destarte, ao transferir para o consumidor encargos prprios do exerccio de sua atividade econmica, incorre a demandada em irremissvel ilegalidade, merc da disposio taxativa e proibitiva prevista no artigo 51 da Lei n 8.078/90.

4) Da possibilidade de cesso de direitos e obrigaes pela construtora e da recusa de idntica faculdade ao consumidor (clusulas 8, 1, 16, 17 e 18, 2).

Estabelece o contrato de adeso em testilha que facultado VENDEDORA ceder e/ou transferir seus crditos a terceiros, bastando, para tanto, comunicar ao COMPRADOR, por carta, com antecedncia de 15 dias (quinze) dias. Igualmente, fica facultado VENDEDORA, especificamente quanto s parcelas vencveis aps a outorga da escritura, garantidas por alienao fiduciria do imvel, independentemente de qualquer aviso ou notificao ao COMPRADOR, a emisso de Cdulas de Crdito Imobilirio, nos termos aludidos pela Lei 9.514/97 e Lei 10.931/2004. (clusula 8, 1).

Mais adiante, a conveno modulada pela r tambm lhe assegura o direito de ceder os direitos creditrios decorrentes da alienao fiduciria do bem imvel, a empresa securitizadora de sua escolha, independentemente de qualquer aviso ou notificao ao COMPRADOR, sendo certo que devero ser mantidas todas as condies de preo e forma de pagamento pactuadas neste instrumento. (clusula 18, 2 - grifei).

Verifica-se, pois, que o instrumento de contrato assegura requerida a possibilidade de livremente ceder seus crditos a terceiros. Para tanto, bastar construtora simplesmente cientificar o consumidor da cesso. Nota-se ainda que, mesmo se no efetuada a comunicao ao consumidor, nenhuma sano contratual se impe pela omisso da requerida.

Regramento absolutamente diverso o estabelecido na conveno para o consumidor que desejar ceder seus direitos a terceiros.

Com efeito, se o interessado na cesso de direitos for o consumidor, e no a construtora, as regras so as impostas na clusula 17:

O COMPRADOR poder ceder e transferir os direitos decorrentes do presente contrato desde que esteja absolutamente em dia com todas as suas obrigaes e desde que seja seguido o que ora se determina:

a) a juzo da VENDEDORA, para a aprovao da transferncia ser levantado, previamente, o cadastro do cessionrio;

b) a VENDEDORA dever, obrigatoriamente, intervir como anuente no instrumento de cesso;

c) o COMPRADOR obrigar-se- a obter do cessionrio expressa adeso s condies em que pactuado este negcio, sob pena de responder solidariamente com o cessionrio por todas as obrigaes contratuais;

d) ser devida VENDEDORA uma taxa de 3% (trs por cento) sobre o valor corrigido deste contrato, relativa a despesas operacionais e administrativas. (fl. 435 - grifei).

Aqui, portanto, j no bastar a mera comunicao do consumidor construtora, tal como se d quando esta figura como cedente dos direitos. Do consumidor, como visto, exige-se que no existam dbitos pendentes, bem assim a colheita da prvia anuncia da construtora e o pagamento de taxa de 3% (trs por cento) sobre o valor corrigido deste contrato, relativa a despesas operacionais e administrativas.

Ademais, se desatendidas as obrigaes acima determinadas (para usar a prpria expresso inserida no contrato), permite-se construtora rescindir unilateralmente o ajuste (clusula 16), impondo ao consumidor as sanes arroladas na clusula 15, 1, da avena.

Desse cenrio sobressai o manifesto desequilbrio na relao contratual, na medida em que requerida se assegura a irrestrita possibilidade de cesso de seus direitos e obrigaes (mesmo que, p.ex., esteja em atraso com as obras), bastando, quando muito, a mera cientificao ao consumidor. A este, se desejar ceder seus direitos a terceiros, reclama-se a quitao de parcelas pendentes, a prvia anuncia da r e o pagamento de uma taxa de 3% do valor corrigido do contrato, sob o pretexto de supostas despesas operacionais e administrativas, sequer apontadas pela construtora.

A abusividade, porm, no se circunscreve apenas ao tolhimento da liberdade de contratar do consumidor. A desigualdade na relao contratual tambm resplandece ao se constatar que nenhuma sano se comina construtora, mesmo quando por ela descumprido o dever de informar a cesso ao consumidor. Em contrapartida, sobre o consumidor que cede seus direitos, sem atender s imposies da construtora, recaem a resciso do contrato e as abusivas cominaes previstas na clusula 15 do pacto.

evidncia, portanto, se revela abusivo e ilegal o contedo das clusulas em referncia, seja luz do Cdigo Civil, do Cdigo de Defesa do Consumidor ou da Portaria n 04/98, editada pela Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia.

De fato, como j frisado, preconiza o artigo 422 do Cdigo Civil que os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em sua execuo, os princpios de probidade e boa-f.

O artigo 51 da Lei n 8.078/90 elenca, dentre as clusulas abusivas, as que:

IV estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatveis com a boa-f ou a eqidade;

(...)

1 Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I ofende os princpios fundamentais ao sistema jurdico a que pertence;

II restringe direitos ou obrigaes fundamentais inerentes natureza do contrato, de tal modo a ameaar seu objeto ou equilbrio contratual;

III se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o contedo do contrato, o interesse das partes e outras circunstncias peculiares ao caso.

(...)

4 facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministrio Pblico que ajuze a competente ao para ser declarada a nulidade de clusula contratual que contrarie o disposto neste Cdigo ou de qualquer forma no assegure o justo equilbrio entre direitos e obrigaes das partes. (destaquei).

Finalmente, a Portaria n 04/98 da Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia insere, dentre as clusulas abusivas e nulas de pleno direito, as que:

6. estabeleam sanes, em caso de atraso ou descumprimento da obrigao, somente em desfavor do consumidor; Diante de tal quadro, seja pela ausncia de boa-f objetiva, seja pelo manifesto desequilbrio contratual que representam, as clusulas em apreo devem ser declaradas nulas de pleno direito.

5) Da abusividade na resoluo unilateral do contrato e nas conseqncias da decorrentes (clusulas 8, 5, 15 e 16). Estatui a avena hipteses de resoluo unilateral, isto , ao arbtrio da construtora, nos seguintes termos:

Clusula Oitava/Pargrafo Quinto:

(...)

A impossibilidade de obteno do financiamento, desde que no causada por problemas na documentao da VENDEDORA ou do imvel, importar na resciso deste contrato, com as conseqncias previstas nas clusulas seguintes, ficando, entretanto, ressalvado o direito do COMPRADOR de pagar o valor total da parcela, ou valor no alcanado pelo financiamento, com recursos prprios.

(...)

Clusula Dcima Quinta: Deixando o COMPRADOR de efetuar o pagamento de 02 prestaes mensais consecutivas ou transcorridos 60 dias do inadimplemento de qualquer parcela ou obrigao assumida neste contrato, promover a VENDEDORA a sua prvia notificao, que poder ser judicial ou extrajudicial, para que o mesmo venha a purgar a mora no prazo de 15 dias, contados da data do recebimento da notificao, efetuando o pagamento do principal, mais os encargos moratrios, alm de honorrios advocatcios fixados em 10% sobre o total do dbito. A falta de atendimento da referida medida premonitria por parte do COMPRADOR, determinar de pleno direito e a juzo da VENDEDORA:a) o vencimento antecipado de toda a dvida, que poder ser cobrada atravs de ao executiva;

b) a imediata resciso do presente instrumento, que acarretar a aplicao do determinado nos pargrafos primeiro, segundo, terceiro e quarto desta clusula.

Pargrafo Primeiro: Ocorrendo a hiptese de resciso contratual prevista no item b desta clusula, a VENDEDORA restituir ao COMPRADOR o valor das parcelas efetivamente pagas pelo mesmo, feitas as seguintes dedues, que correspondem a custos suportados pela VENDEDORA em razo do presente negcio:a) 8% sobre o valor total corrigido do presente instrumento, relativos a despesas com publicidade, custo de lanamento e promoo do empreendimento;b) 6,73% sobre o valor das parcelas pagas, a ttulo de custos com os tributos suportados pela vendedora em razo do negcio, conforme o abaixo discriminado:

0,65% relativo ao PIS

3,00% relativo a CONFINS

1,20% relativo ao IMPOSTO DE RENDA calculado e pago na forma do lucro presumido

1,08% relativo a CONTRIBUIO SOCIAL

0,80% relativo ao ADICIONAL DE IMPOSTO DE RENDA

c) 10% sobre o valor das parcelas recebidas, corrigidas monetariamente, relativo a despesas operacionais e administrativas;

d) honorrios advocatcios, custas e emolumentos necessrios resciso. (...)

Mas no s. Alm das possibilidades de resoluo unilateral diante da no obteno de financiamento, mora ou inadimplemento do consumidor, permite-se r, como visto no tpico anterior, considerar rescindido de pleno direito o contrato nas hipteses arroladas na clusula 16 do instrumento (cesso de direitos sem anuncia da construtora, instituio de nus real sobre o bem, ajuizamento de ao em face do consumidor ou a insolvncia deste). Certo , todavia, que as clusulas ora enfocadas revelam-se abusivas, porquanto instituem faculdade de resoluo unilateral do ajuste pela construtora, sem que idntico direito seja assegurado ao consumidor. E uma vez operada a resoluo, sempre ao alvedrio da acionada, as conseqncias da decorrentes so funestas para os compradores e denotam a obteno de vantagens excessivas pela fornecedora do produto (CDC, artigos 39, inciso V, 51, incisos IV, XI, XII e XVI e 53).

Com efeito, depreende-se que, ao deliberar pela extino do contrato, a construtora impe ao consumidor as seguintes dedues: a) 8% do valor total corrigido do contrato; b) 6,73% das parcelas pagas, a ttulo de ressarcimento pelo suposto pagamento de tributos; c) 10% sobre o valor das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, sob a rubrica de despesas operacionais e administrativas; d) honorrios advocatcios, custas e emolumentos; e) 1% do valor corrigido do contrato por ms de ocupao e f) perda do valor correspondente s benfeitorias, inclusive as necessrias.

Imagine-se, assim, hiptese em que o consumidor no obtenha sucesso no financiamento do bem, o que, a teor da clusula 8, 5, poder ensejar a resoluo do contrato por deciso unilateral da construtora. Como efeitos dessa extino, o consumidor, que sequer recebeu as chaves do imvel, ficar desde j obrigado ao pagamento de 8% do valor do contrato, sem prejuzo dos honorrios advocatcios arbitrados pela r, custas e emolumentos. Assegura-se acionada, ainda, o direito de imediatamente colocar o bem venda, sem qualquer restrio (clusula 15, 4).

Nesse contexto, a abusividade emerge fundamentalmente de dois aspectos: a) possibilidade de resoluo unilateral do ajuste, sem que igual direito seja conferido ao consumidor e b) vantagem excessiva para a construtora na deduo de valores quando da extino do contrato, a importar, em determinadas situaes, na perda total das prestaes pagas pelo consumidor.

O primeiro aspecto denota que a r atraiu para si, quando da confeco do contrato de adeso, a possibilidade de impor ao consumidor, unilateralmente, a extino do ajuste em diversas situaes. Assim, v.g., se o adquirente ceder seus direitos a terceiros, no lograr obter financiamento bancrio ou se tiver ajuizada contra si alguma demanda, estar sujeito, a critrio da acionada, resoluo do contrato, com todos os consectrios acima expendidos.

Invertendo-se a situao, vale dizer, incorrendo a construtora em quaisquer das situaes acima retratadas, o contrato no prev sano ou possibilidade de resoluo unilateral pelo consumidor.

vista do patente desequilbrio contratual, deliberadamente cunhado pela r, tais disposies devem ser declaradas nulas de pleno direito, merc do disposto no artigo 51, inciso XI, da Lei n 8.078/90.

O segundo aspecto a revelar abusividade nas clusulas em comento diz com a onerosidade manifestamente excessiva imposta ao consumidor quando da resoluo do pacto, a implicar, de outro lado, vantagem indevida e enriquecimento sem causa por parte da acionada.

Como sabido, a finalidade da clusula penal compensatria garantir a execuo da obrigao, j que impe uma pena para o caso de inadimplemento total ou parcial da mencionada obrigao, ou para o caso de mora. Trata-se de uma clusula que, antecipadamente, determina o valor da indenizao compensatria pelo descumprimento da obrigao.

No esclio de Orlando Gomes (Obrigaes, Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 159), a clusula penal, tambm chamada pena convencional, o pacto acessrio pelo qual as partes de um contrato fixam, de antemo, o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em conseqncia da inexecuo culposa de obrigao.

A clusula penal, todavia, no pode acarretar ao consumidor, que o mais vulnervel no mercado de consumo, a perda total ou desproporcional do que pagou.

A sano constante dos contratos de compra e venda de imveis da r, em determinados casos, acaba por estabelecer a perda total das prestaes pagas pelo promitente comprador em benefcio dela, sendo, portanto, nula de pleno direito, nos termos do art. 53, caput, do Cdigo de Defesa do Consumidor.

Ensina Cludia Lima Marques (Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, So Paulo, 1998, pg. 492/493) que mesmo que frustrada a finalidade principal do contrato (seu cumprimento), mesmo que liberados os parceiros do vnculo, reserva-se o fornecedor o direito de receber esta multa (plus econmico), que de garantia de execuo passou a garantir apenas a inexistncia de perdas, quase a possibilidade de escolher mal ou de forma especulativa os parceiros contratuais. Aqui parece-me estar o cerne da abusividade identificada pela lei alem, na possibilidade da clusula penal modificar as expectativas e pretenses secundrias, criando um desequilbrio entre direitos e deveres contratuais, quebrando a justia contratual inicial, com ou sem culpa do consumidor, punindo o mais vulnervel, impossibilitando mesmo uma relativa volta ao status quo, mesmo liberando do vnculo ambas as partes.

Prossegue a autora pontificando que a clusula penal um poderoso instrumento para destruir o equilbrio contratual entre direitos e obrigaes, mesmo que seja em um momento secundrio de inadimplemento ou atraso no cumprimento das prestaes por parte do consumidor, constituindo assim uma vantagem excessiva. Este instrumento unilateral ainda mais vantajoso face a nossa tradio em aceitar tal tipo de clusula sem discutir sua validade, nem seu contedo intrnseco, a no ser quando claramente leonina ou com valores extremamente exagerados.

Vale observar que o inadimplemento nem sempre ocorre por vontade prpria do devedor. O desemprego, comum em nossa sociedade, pode levar a ele. Tambm h casos em que o consumidor se arrepende do negcio entabulado, quer porque encontrou um outro imvel em melhores condies de pagamento, quer porque tomou conhecimento, depois da compra, que o bem se situa em local com elevado ndice de criminalidade etc.

Seja qual for o motivo para a resoluo do contrato, o certo que o consumidor no poder perder tudo o que pagou, pois, como j mencionado, o imvel adquirido, que na maioria das vezes nem chegou a ser utilizado, ser devolvido ao vendedor para negoci-lo novamente.

E a clusula que estabelece a perda de 8% do valor total corrigido do contrato, 6,73% das parcelas pagas, a ttulo de ressarcimento pelo suposto pagamento de tributos, 10% sobre o valor das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, sob a rubrica de despesas operacionais e administrativas, honorrios advocatcios, custas e emolumentos, alm de 1% do valor corrigido do contrato por ms de ocupao, afigura-se indiscutivelmente abusiva, conforme remansoso entendimento jurisprudencial:

PROMESSA DE COMPRA E VENDA Clusula de decaimento Ajustamento pelo Juiz. Admitida pela jurisprudncia da Turma a validade da clusula de decaimento, pela impossibilidade de aplicao imediata da norma do art. 53 do CDC, cabe ao juiz, na forma do art. 924 do CC, fazer a devida adequao regra contratual de perda da totalidade das prestaes j pagas, a fim de evitar o enriquecimento ilcito.Fixao do percentual de 10% para a reteno do preo pago, com restituio do restante, devidamente atualizado.Recurso conhecido e provido em parte.(STJ - REsp. 45.511-1-SP 4 Turma J. 28.11.94 rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar v.u. Revista de Direito do Consumidor, v. 16, p. 176).........................Reconhecida a nulidade da clusula que prev a perda total ou quase total das prestaes pagas, em favor da promitente vendedora, nem por isso est o juiz inibido de reduzir o montante a ser devolvido, a fim de assegurar a vendedora o ressarcimento das despesas que teve com o contrato. Recurso conhecido em parte e provido para, assegurado o direito de reteno, reduzir seu montante a 10 (dez por cento) das prestaes pagas. (STJ REsp 134.629/RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado em DJ 16.03.98, pg. 00144).

.........................Tendo sido afirmado pelo acrdo tratar-se de imvel em construo, fato no questionado em declaratrios, invivel averiguar-se a real situao, a demandar incurso no campo ftico-probatrio, defeso nos termos do enunciado n 7 da smula/STJ. II Partindo da premissa de estar em obra o imvel, possvel a pactuao de correo pelo ndice setorial da construo civil. III Acordado pelas partes a correo com base no ndice do sinduscon, descabe falar em clusula potestativa, sendo vlida tal estipulao. IV Mesmo celebrado o contrato antes da vigncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, o que impunha considerar eficaz, previso contratual de perda das quantias pagas pelo promissrio-adquirente, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924 do CC, reduzi-la a patamar justo, com o fito de evitar enriquecimento sem causa que sua imposio integral adviria promitente vendedora. Circunstncias especficas do caso impem a perda de 10% (dez por cento) do que foi pago pelo comprador. (S.T.J REsp. n 45.333-SP rel. Ministro SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA j. de 24.10.95).

...........................

Imvel Promessa de Compra e Venda. Restituio das importncias pagas. Clusula de decaimento de 90% (noventa por cento). Modificao Judicial. Na vigncia do C.D.C., abusiva clusula de decaimento de 90% (noventa por cento) das importncias pagas pela promissria compradora do imvel. Cabe ao juiz alterar a disposio contratual, para adequ-la aos princpios do Direito das Obrigaes e s circunstncias do contrato. Ao proposta pela promissria compradora inadimplente. Art. 51 e 53 do CODECON. Art. 924 do Cvel. Recurso conhecido e provido, para permitir a reduo, pela promitente vendedora, a 10% (dez por cento) das prestaes pagas. (S.T.J - 4 Turma - REsp n 94.640-DF, j. de 13.03.96, v.u., relator Min. Ruy Rosado de Aguiar).

..........................

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMVEL EM CONSTRUO. INADIMPLEMENTO. PERDA PARCIAL DAS QUANTIAS PAGAS. Mesmo se o contrato de promessa de compra e venda de imvel em construo estabelecer, para a hiptese de inadimplemento do promitente comprador, a perda total das quantias pagas, e ainda que tenha sido celebrado antes da vigncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924, CC, reduzi-la a patamar justo, com o fito de evitar enriquecimento sem causa que de sua imposio integral adviria promitente vendedora. Devoluo que, pelas peculiaridades da espcie, fica estipulada em 90% (noventa por cento) do que foi pago pelo comprador. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.(STJ 4 Turma, REsp n 114.071-DF, j. de 11.5.99, v.u., relator Min. Csar Asfor Rocha).

.........................

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMVEL. PERDA DAS PRESTAES PAGAS. CONTRATO PACTUADO NA VIGNCIA DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NULIDADE DA CLUSULA. RETENO PELA CONSTRUTORA. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. Nula a clusula que prev a perda de metade das prestaes pagas, de contrato de compromisso de compra e venda celebrado na vigncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, podendo a parte inadimplente requerer a restituio do quantum pago, com correo monetria desde cada desembolso, autorizada a reteno, na espcie, de dez por cento (10%) do valor pago, em razo do descumprimento do contrato. (STJ - REsp. n. 184148 (98/0056671-6) SP - rel. Min. Slvio de Figueiredo - votao unnime - 4 Turma - j. em 13/10/98).

...........................

COMPRA E VENDA PERDA DAS PRESTAES PAGAS CONTRATO FIRMADO ANTES DO ADVENTO DO CDIDO DE DEFESA DO CONSUMIDOR RESOLUO RESTITUIO RETENO PELA VENDEDORA DE PARTE DAS PARCELAS A TTULO DE INDENIZAO PRECEDENTES DA CORTE.

I Mesmo se o contrato de promessa de compra e venda de imvel em construo estabelecer, para a hiptese de inadimplemento do promitente-comprador, a perda total das quantias pagas, e ainda que tenha sido celebrado antes da vigncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, deve o Juiz, autorizado pelo disposto no art. 924 do Cdigo Civil, reduzi-la a patamar justo, com a finalidade de evitar enriquecimento sem causa de qualquer das partes.

II No caso concreto, a reteno apenas do sinal, parcela insignificante em relao ao valor contratado e pago, no suficiente para esse efeito, ficando estipulado que ser de 10% dos valores adimplidos pelos recorridos, a ttulo de indenizao pelo descumprimento do contrato, a que deram causa.

III Recurso conhecido e provido em parte. (STJ REsp 186.009-SP rel. Min. Waldemar Zveiter 3 Turma v.u. j. 30/09/1999).

.......................

COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA Pedido de resciso contratual e declarao de nulidade de clusula excludente da devoluo das prestaes pagas Retroatividade do Cdigo de Defesa do Consumidor Remunerao da vendedora com 10% dos valores pagos, a ttulo de despesas, com devoluo do restante. (TJSP Apelao Cvel 212.242-2/2-SP 12 C. j. 5.10.93 rel. Des. Scarance Fernandes v.u. Revista de Direito do Consumidor v. 13 p. 160).........................

Em suma, devida a devoluo de 90% sobre o montante pago, que compreende prestaes, sinal e quaisquer outros valores desembolsados pelos rus, devidamente atualizados, acrescidos de juros de mora a partir da citao, deduzido o valor locativo mensal do imvel pelo prazo de ocupao a contar de agosto de 1996, tudo a ser apurado em liquidao de sentena. (TJSP Apelao n 162.015-4/6-00, So Bernardo do Campo, rel. Des. Francisco Casconi, j. em 12-07-2006, v.u. - fls. 408 e ss. destes autos).

........................Em anlise agora do recurso da r, tambm no est em caso de xito. A alterao do percentual de devoluo dos valores pagos de 60% para 90% revela-se justo em caso de resciso contratual, sendo tal entendimento j at mesmo pacificado na jurisprudncia. Tal se justifica porque a reteno de percentual maior, por parte da vendedora, configuraria enriquecimento ilcito, provocando desequilbrio contratual. (TJSP - Apelao n 488.567-4/1-00, Moji das Cruzes, rel. Des. Sebastio Carlos Garcia, j. em 22-11-2007, v.u.)

Logo, a clusula penal em contratos de compra e venda de imveis, mediante pagamento em prestaes, no pode ultrapassar o quantum de 10% dos valores pagos, afigurando-se abusiva, nos termos dos artigos 51, inciso IV, e 53, ambos do Cdigo de Defesa do Consumidor, a previso contratual em exame nestes autos. No mesmo compasso, as Portarias n 04/98 e 03/2001 da Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia arrolam como abusivas e nulas de pleno direito as clusulas que:- estabeleam a perda total ou desproporcionada das prestaes pagas pelo consumidor, em benefcio do credor, que, em razo da desistncia ou inadimplemento, pleitear a resilio ou resoluo do contrato, ressalvada a cobrana judicial de perdas e danos comprovadamente sofridos;- imponham a perda de parte significativa das prestaes j quitadas em situaes de venda a crdito, em caso de desistncia por justa causa ou impossibilidade de cumprimento da obrigao pelo consumidor;- estabeleam cumulao de multa rescisria e perda do valor das arras.

Da mesma forma, abusiva se apresenta a imposio do pagamento de honorrios advocatcios pelo consumidor na fase extrajudicial (clusula 15). Primeiro porque no h disposio assegurando ao consumidor o mesmo direito no caso de mora ou inadimplemento das obrigaes pela r, como, p. ex., atraso na outorga da escritura ou entrega das chaves, o que j denota a iniqidade da conveno. De fato, so nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que:

(...)

XII obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrana de sua obrigao, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; (art. 51 do CDC).

Ensina Nlson Nery Jnior que sendo necessrio o recurso cobrana para que o fornecedor possa fazer valer os seus direitos derivados do contrato de consumo, o Cdigo permite a estipulao contratual de que esses encargos sejam carreados ao consumidor, se igual direito for assegurado a este, se precisar cobrar o cumprimento da obrigao do fornecedor. Clusula que confira somente ao fornecedor o direito de se ressarcir dos gastos com cobrana considerada abusiva, e, portanto, nula de pleno direito."

Assim, se o fornecedor do produto contrata advogado para prestar-se orientao, consultoria ou servios no desempenho de sua atividade econmica, deve suportar os respectivos honorrios. O ajuste entre o fornecedor e o causdico de sua confiana no pode redundar na imposio de obrigaes ao consumidor, na medida em que este sequer figura no contrato de prestao de servios advocatcios.

Por outro lado, quando se cuidar de honorrios advocatcios na esfera judicial, a deciso sobre o seu cabimento e extenso no constitui atribuio conferida parte, mas sim ao juiz da causa que eventualmente vier a ser proposta, observados os parmetros do art. 20, 3, do Cdigo de Processo Civil.

Finalmente, em disposio que contraria texto expresso de lei, contempla-se que todas as benfeitorias, inclusive as necessrias, sero incorporadas ao imvel, sem direito restituio, compensao ou reteno por parte do consumidor (clusula 15, 3). Todavia, por afrontar regra taxativa que proscreve a perda de indenizao por benfeitorias necessrias (CDC, art. 51, XVI), impe-se a invalidao, tambm, da predita clusula contratual. 6) Da ausncia de informao do ndice de correo monetria e da sua fixao unilateral pela construtora (clusulas 11 e 12). Ao redigir os termos de seu contrato de adeso, a demandada nele fez inserir as clusulas 11 e 12, que no contemplam, como se observa, o ndice de correo monetria a ser empregado nas parcelas do preo e do saldo devedor (fl. 433).

Mas alm de no apontar o ndice de correo monetria incidente na conveno, prescreve-se que na hiptese de tambm ocorrer a extino ou a impossibilidade de aplicao dos ndices substitutivos ora eleitos, convencionam as partes que ser aplicado qualquer outro ndice que reflita a efetiva depreciao da moeda ocorrida, permitido pela legislao. (pargrafo nico da 12 clusula).

Extrai-se do modelo de instrumento contratual exibido pela r, portanto, a ausncia de indicao de ndices de correo monetria aplicados aos financiamentos imobilirios em questo. E mais. Impe-se que, quando da extino ou impossibilidade de aplicao dos ndices eleitos (que no constam do instrumento remetido ao Ministrio Pblico), ser aplicado qualquer outro ndice que reflita a efetiva depreciao da moeda ocorrida....

Permite-se acionada, pois, com lastro nesse preceito contratual, eleger unilateralmente o ndice de correo monetria a incidir nos seus contratos de adeso.

Certo , no entanto, que alm de abusivas, as clusulas em questo atentam contra o direito do consumidor informao.

Sobre o tema, so peremptrias as disposies da Lei n 8.078/90:

Art. 6 So direitos bsicos do consumidor:

(...)

III a informao adequada e clara sobre os diferentes produtos e servios, com especificao correta de quantidade, caractersticas, composio, qualidade e preo, bem como sobre os riscos que representam;

(...)

Art. 51 So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que:

(...)

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variao do preo de maneira unilateral;

(...)

XIII autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o contedo ou a qualidade do contrato, aps sua celebrao;

(...)

Art. 52 No fornecimento de produtos ou servios que envolva outorga de crdito ou concesso de financiamento ao consumidor, o fornecedor dever, entre outros requisitos, inform-lo prvia e adequadamente sobre:

I preo do produto ou servio em moeda corrente nacional:

II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III acrscimos legalmente previstos;

IV nmero e periodicidade das prestaes;

V soma total a pagar, com e sem financiamento.

(...)

Art. 54 (...)

3 Os contratos de adeso escritos sero redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legveis, de modo a facilitar sua compreenso pelo consumidor.

4 As clusulas que implicarem limitao de direito do consumidor devero ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fcil compreenso.

No mesmo sentido, a Portaria n 04/98 da Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia insere, entre as clusulas abusivas e nulas de pleno direito, as que:

11. atribuam ao fornecedor o poder de escolha entre mltiplos ndices de reajuste, entre os admitidos legalmente;

De rigor, por conseguinte, a invalidao do preceito que admite a fixao unilateral dos ndices de correo monetria pela construtora. Impe-se, tambm, a condenao da requerida a estabelecer nos seus contratos, em termos claros, o ndice de correo monetria a ser empregado nos financiamentos imobilirios.

7) Da ausncia de prazo para outorga de escritura e entrega das chaves (clusulas 20 e 21).

No se entrev na conveno prazo certo e definido para a outorga de escritura e entrega das chaves ao consumidor.

De fato, nota-se que a entrega das chaves somente se d aps o registro da escritura outorgada pela construtora. A lavratura do ato notarial, por sua vez, s ocorre aps a requerida considerar quitado o preo (com a ressalva, por bvio, da clusula 7, que prev a possibilidade de nunca se reputar quitado o dbito), as obras estarem concludas e averbadas, bem como depois de institudo o condomnio (clusula 20). Mesmo quando entender quitado o preo e atendidas as demais condies, construtora no se impe qualquer prazo para a outorga da escritura.

Nesse panorama, ainda que lavrada a escritura na data fixada ao alvedrio da r, o consumidor ainda no estar em condies de receber as chaves de seu imvel, uma vez que a escritura deve ser registrada em cartrio.

Pois bem. De posse da escritura registrada, dever o consumidor proceder alterao cadastral do imvel na Prefeitura (transferncia da titularidade IPTU- junto Prefeitura Municipal), conforme prescrevem a clusula 21 e o item 5 do quadro-resumo, providncia essa, alis, que poderia ser efetivada pela prpria construtora. Significa dizer, assim, que a entrega das chaves depender, tambm, de ato a ser praticado por terceiro, ou seja, o Municpio.

Concludo o priplo, isto , com escritura registrada e o comprovante de alterao cadastral do imvel, restar ao consumidor, ento, aguardar novamente que a demandada eleja uma data para a tradio das chaves, porquanto nenhum prazo foi estabelecido nesse sentido.

E alm de o ajuste no estabelecer prazo ou data para outorga de escritura e entrega das chaves, nenhuma sano se impe construtora na hiptese de descumprimento das clusulas em exame. Assim, diversamente do que se observa em relao ao consumidor, o pacto de adeso no contempla a possibilidade de resoluo unilateral pelo adquirente, multa ou qualquer sano na hiptese de mora ou inadimplemento da construtora.

Interessante observar, ademais, conforme se anotar no tpico seguinte, que a r inseriu no contrato preceito que transfere ao consumidor, desde a assinatura do instrumento independentemente da entrega das chaves todas as despesas, inclusive tributrias, que possam recair sobre o imvel (clusula 22).

Reluzente, pois, a negativa de direito informao ao consumidor (CDC, art. 6, III, e 54), assim como o desequilbrio operado na relao contratual em apreo.

Com efeito, maculadas pela patente abusividade de suas prescries, as preditas clusulas so vedadas pela Lei n 8.078/90 e nulas de pleno direito:

Art. 39 vedado ao fornecedor de produtos e servios, dentre outras prticas abusivas:

(...)

XII deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigao ou deixar a fixao de seu termo inicial a seu exclusivo critrio.

(...)

Art. 51 So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que:

(...)

III transfiram responsabilidades a terceiros;

(...)

IV estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatveis com a boa-f ou a eqidade;

Espera-se, pois, a invalidao das clusulas em exame e a condenao da r a inserir em seu contrato os prazos para o cumprimento de suas obrigaes.

8) Do pagamento de tributos e contribuies condominiais pelo consumidor a partir da assinatura do instrumento de contrato (clusula 22). Estatui o contrato de adeso enfocado que o COMPRADOR ficar responsvel pelo pagamento de todas as despesas relativas a impostos, taxas e contribuies condominiais que passem a incidir sobre o imvel a partir da data de assinatura do presente instrumento, independentemente do recebimento das chaves. Os encargos anteriores a esta data sero de responsabilidade da VENDEDORA. (destaquei). Salta aos olhos, uma vez mais, a abusividade da previso contratual, na medida em que, por meio dela, promove-se outro ponto de desequilbrio na relao consumerista.

Impe-se ao consumidor que, a contar da data de subscrio do ajuste, passe a suportar todas as despesas provenientes do imvel compromissado venda, independentemente da entrega das chaves. Vale dizer, assim, que mesmo ainda no sendo proprietrio ou sequer possuidor do imvel, ao consumidor j so carreados, pela construtora, todos os encargos oriundos do bem.

No se deve deslembrar, alis, que tal situao pode perdurar por anos, considerado o priplo a que est submetido o comprador para obter as chaves do imvel, que somente ocorrer aps a quitao dos dbitos, a lavratura da escritura (cujo prazo para outorga no previsto no contrato), o registro do ato notarial e a alterao cadastral da unidade na Prefeitura.

Somente depois de superadas todas essas etapas (algumas delas sem prazo determinado e dependentes exclusivamente da vendedora), que o adquirente receber as chaves e poder tomar posse do imvel.

Mas ainda assim, pela clusula inserida em seu contrato de adeso, a acionada transfere ao consumidor, desde a assinatura do contrato, a responsabilidade pelas despesas acima transcritas, independentemente da entrega das chaves, que poder ser protelada indefinidamente pela construtora. Isso se a acionada no optar como lhe faculta o contrato por ela redigido por rescindir unilateralmente o ajuste antes mesmo da entrega das chaves, situao em que, alm de outros gravames, se exigir do consumidor o pagamento de impostos, taxas, contribuies condominiais e despesas provenientes de imvel por ele nunca possudo.

Mais consentneo com o equilbrio contratual seria a previso de responsabilidade do consumidor pelo pagamento de tais despesas somente a partir da entrega das chaves, ou da comprovada colocao delas sua disposio.

Notrio, assim, que o preceito contratual em testilha, tal como imposto pela demandada, afigura-se abusivo e, portanto, nulo de pleno direito.

9) Autorizao para que a construtora contrate administradora de condomnio por 2 anos (clusula 23 e seu 2). Preconiza o contrato em exame que a VENDEDORA fica expressamente autorizada a convocar o COMPRADOR, bem como os demais promitentes compradores do empreendimento, para a realizao da assemblia da instalao do condomnio. Ficar tambm autorizada a VENDEDORA a contratar Administradora de Condomnio para os primeiros 02 (dois) anos de funcionamento do prdio. (clusula 23 - destaquei).

Aqui se revela outra clusula proscrita pelo ordenamento jurdico.

Com efeito, por meio dessa disposio contratual, fica a requerida autorizada a contratar, a seu talante, administradora de condomnio para os primeiros dois anos de funcionamento do prdio, termo esse, alis, de manifesta impreciso. Curioso observar, ainda, conforme consta da mesma clusula, que embora se reserve o direito de impor aos consumidores uma administradora de sua preferncia, a r se isenta do pagamento das despesas condominiais em relao a todas as unidades no comercializadas.

De qualquer modo, no fosse pela clusula em questo, os adquirentes poderiam at mesmo optar pela no contratao de qualquer administradora, inclusive com o intento de reduzir os gastos condominiais. Todavia, o instrumento confeccionado pela construtora impe aos consumidores no apenas o dever de tolerar a contratao de administradora, mas o de curvar-se escolha da empresa eleita pela acionada.

Nesse quadro, porm, dispe o artigo 39 do Cdigo de Defesa do Consumidor que vedado ao fornecedor I condicionar o fornecimento de produto ou de servio ao fornecimento de outro produto ou servio, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

Em abono ao entendimento de que se trata de disposio eivada de ilegalidade, arrola o artigo 51 do mesmo diploma legal, entre as clusulas abusivas, aquelas que VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negcio jurdico pelo consumidor.

E exatamente o que d na hiptese, porquanto se impe ao consumidor o dever de aceitar que a construtora contrate, livremente e sem qualquer balizamento, administradora para gerir condomnio alheio.

Mas a mesma clusula 23 contm, em seu pargrafo 2, outro abuso contratual: Acordam as partes que a VENDEDORA ficar isenta do pagamento das quotas condominiais das unidades no comercializadas, enquanto estas permanecerem desocupadas. (destaquei).

Por meio dessa disposio, portanto, a construtora carreia aos consumidores adquirentes todos os encargos condominiais daquelas unidades habitacionais ainda no vendidas. Assim, embora permanea como proprietria das unidades no comercializadas, as despesas condominiais no so suportadas pela construtora, mas rateadas entre os demais moradores do condomnio. Aos adquirentes, assim, so transferidas todas as despesas provenientes do eventual insucesso ou demora da r na comercializao de seus imveis. Livra-se a acionada, por meio da clusula por ela inserida no contrato, de toda e qualquer despesa condominial.

Imagine-se, v.g., que de 80 unidades habitacionais de um dado condomnio apenas uma tenha sido comercializada, permanecendo as demais desocupadas. Ter-se- ento, nos termos da conveno em exame, a assuno, por um nico consumidor, das despesas condominiais correspondentes a todo o edifcio, uma vez que ainda no comercializadas as demais 79 unidades, nada obstante todas permaneam sob propriedade da r.

O que se tem, portanto, a ntida transferncia dos riscos ou percalos inerentes atividade econmica exercida pela construtora ao consumidor.

Dada a incontestvel abusividade dos preceitos, impe-se o reconhecimento da invalidade de ambos, especialmente vista dos artigos 39, incisos I e V e 51, incisos IV e VIII, da Lei n 8.078/90.

10) Do foro de eleio (clusula 27).

Em arremate, sobressai do extenso rol de clusulas abusivas insertas no contrato em exame a que elege o foro da Comarca de So Bernardo do Campo/SP, com expressa renncia de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, para dirimir quaisquer dvidas ou questes decorrentes deste contrato.

Sobre o assunto, vale sublinhar que as normas do CDC so de ordem pblica, no se curvam pela vontade das partes, pois o arbtrio do consumidor manipulvel no mercado pela superioridade econmica e tcnica do fornecedor, que impe as clusulas de contratao.

Logo, nula a clusula de foro de eleio, uma vez que o CDC d privilgio ao consumidor para lhe facilitar a defesa de seus direitos. Permite-se a propositura da ao no foro do domiclio do consumidor (CDC, art. 101, I), como instrumento para evitar inviabilidade da demanda e obstculo indevido ao direito de litigar.

Bem a propsito, a Portaria n 04/98, editada pela Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia, considera nulas de pleno direito as clusulas que elejam foro para dirimir conflitos decorrentes das relaes de consumo diverso daquele onde reside o consumidor.

Nessa linha, inclusive, iterativa a jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia (cf., por todos, o Resp 669.990/CE, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 17-08-2006).

Diante de tal panorama normativo, revestem-se de patente abusividade as clusulas contratuais apontadas nos itens 1 a 10 desta petio e, por isso, so elas nulas de pleno direito, o que h de ser reconhecido e declarado por sentena (CDC, art. 51, 4).

De outro lado, h de se proceder reviso judicial de parte da avena como forma de assegurar aos consumidores o exerccio de seus direitos bsicos, notadamente o de informao, observado o disposto no art. 54, 4, do CDC, bem assim o equilbrio na relao entre fornecedor e consumidor do produto (CDC, arts. 6, 46 e 54). Tratando do assunto, Nelson Nery Jnior leciona que:

a clusula declarada judicialmente como abusiva no estar mais conforme o direito. Essa deciso ter eficcia erga omnes ou ultra partes, no caso de haver sido pedido o controle judicial abstrato, cujo objetivo seja a proteo dos direitos difusos ou coletivos do consumidor (art. 103, CDC). Isso significa, em ltima anlise, que a sentena que reconhece como abusiva determinada clusula funciona na prtica como deciso normativa, atingindo o estipulante em contrataes futuras, proibindo-o de concluir contratos futuros com a clusula declarada abusiva judicialmente. Do contrrio, no teria nenhum sentido a tutela contratual coletiva ou difusa do consumidor.

No caso vertente, o que se almeja a proteo coletiva e difusa dos consumidores. A tutela coletiva ir atingir os consumidores que j contrataram com a r, ficando os efeitos da sentena restritos aos componentes do grupo, perfeitamente identificveis, de sorte a produzir efeitos ultra partes (art. 103, inc. II, do CDC). De outro lado, a tutela difusa afetar os futuros e indeterminados contratantes da requerida, cujo nmero no possvel precisar de antemo. Nessa hiptese, caber r observar o direito informao do consumidor, alm de excluir de seus instrumentos de contrato as clusulas declaradas nulas, na forma da sentena a ser proferida. Aqui, portanto, restaro alcanados e protegidos todos os futuros contratantes, operando a sentena efeitos erga omnes (art. 103, inc. I, do CDC).

III - DOS PEDIDOS

Diante do acima exposto, requer-se:

a) seja determinada a citao da r por via postal, na pessoa de seu representante legal, a fim de que, advertida dos efeitos da revelia, a teor do artigo 285, ltima parte, do Cdigo de Processo Civil, apresente, querendo, resposta presente ao;

b) seja a ao julgada procedente para, nos termos do artigo 51, 4, do CDC, declarar-se a nulidade das clusulas apontadas como abusivas, bem assim para condenar-se a r ao cumprimento de obrigao de no fazer, consistente em se abster de aplicar tais estipulaes nos contratos j celebrados e de inseri-los nos contratos que vier a celebrar, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por contrato em que for aplicada ou inserida qualquer das clusulas, sujeita a atualizao monetria, a ser recolhida ao Fundo de Reparao de Interesses Difusos Lesados, previsto no artigo 13 da Lei n. 7.347/85, regulamentado, no Estado de So Paulo, pela Lei n 6.536, de 13 de novembro de 1989 e pelo Decreto n 27.070, de 08/06/1987;

c) a condenao da acionada a redigir com destaque as clusulas que implicarem limitao a direito do consumidor (CDC, art. 54, 4), sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por contrato em que no for atendida a determinao;

d) em carter de reviso judicial (artigo 6, inciso V, do CDC) das clusulas em referncia, passe a constar dos contratos da requerida, tanto para os concludos como para os que vierem a ser celebrados, o seguinte:

d.1) clusula penal (ou multa convencional) no valor mximo de 10% (dez por cento) sobre as quantias pagas pelos compromissrios-compradores inadimplentes, por ocasio da resoluo do contrato de compromisso de compra e venda;

d.2) clusula dispondo que os juros incidiro, de forma no- cumulativa, somente aps a entrega das chaves do imvel;

d.3) clusula prevendo uma nica forma de reajuste e taxa de juros, seja para os dbitos do consumidor para com a r, seja desta para com o consumidor;

d.4) clusula prevendo prazo para que a r proceda outorga de escritura pblica e entrega das chaves do imvel ao consumidor;

e) condenar genericamente a requerida, nos termos do artigo 95 da Lei n 8.078/90, restituio em dobro aos contratantes inadimplentes dos valores indevidamente retidos por ocasio das resolues dos contratos (cf. item d.1), corrigidos monetariamente, com incidncia de juros at a data do efetivo pagamento (CDC, art. 42, nico);

f) condenar genericamente a requerida, nos termos do artigo 95, da Lei n 8.078/90, restituio em dobro aos contratantes dos valores cobrados a maior, em decorrncia da capitalizao de juros, tudo corrigido monetariamente desde o efetivo pagamento e com incidncia dos juros legais (CDC, art. 42, nico);

g) condenar a r a publicar em jornais de grande circulao (p.ex. O Estado de So Paulo, Folha de So Paulo ou Dirio do Grande ABC), para conhecimento geral, a r. sentena condenatria aps o trnsito em julgado;

h) seja determinada a publicao do edital a que alude o artigo 94 do Cdigo de Defesa do Consumidor;

i) a condenao da requerida ao pagamento das custas e despesas processuais;

j) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos pelo autor, em face do previsto no artigo 18 da Lei n 7.347/85 e no art. 87 da Lei n 8.078/90;

k) sejam as intimaes ao requerente feitas pessoalmente, merc do disposto no art. 236, 2, do Cdigo de Processo Civil e no art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual n 734, de 26.11.93 (Lei Orgnica do Ministrio Pblico de So Paulo).

Provar-se- o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela produo de prova documental, testemunhal e pericial, sem prejuzo da incidncia do artigo 6, inciso VIII, do Cdigo de Defesa do Consumidor, no que tange inverso do nus da prova em favor da coletividade de consumidores substituda pelo autor.

Acompanham esta petio inicial os autos do Inqurito Civil n 82/2003, em trs volumes contendo 462 folhas numeradas.

Atribui-se causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

So Bernardo do Campo, 11 de dezembro de 2007.

MARCELO SCIORILLI

Promotor de Justia

Tabela Price Da Prova Documental e Precisa Elucidao do seu Anatocismo. Campinas, Servanda, 2002, p. 170.

Aresto mencionado no acrdo proferido no Resp n 919.693/PR, rel. Min. Castro Meira, j. em 14-08-2007, que tambm repele a capitalizao de juros em contratos de mtuo vinculados ao Sistema Financeiro da Habitao.

Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, p. 428.

Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, p. 370.