Justica, Profissionalismo e Politica

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    1/260

    JUSTIA,PROFISSIONALISMO

    E POLTICA

    O STF e o controle daconstitucionalidade

    das leis no Brasil

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    2/260

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    3/260

    JUSTIA,PROFISSIONALISMO

    E POLTICA

    O STF e o controle daconstitucionalidade

    das leis no Brasil

    FABIANA LUCI DE OLIVEIRA

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    4/260

    Copyright 2011 Fabiana Luci de Oliveira, alguns direitos reservados

    Esta obra licenciada por uma Licena Creative CommonsAtribuio Uso No Comercia l Compartilhamento pela mesma Licena, 2.5 Brasil.Voc pode usar, copiar, compartilhar, distribuir e modificar esta obra, sob as seguintes condies:1. Voc deve dar crdito aos autores originais , da forma especificada pelos autores ou licenciante.2. Voc no pode utilizar esta obra com finalidades comerciais.3. Se voc a lterar, transformar, ou criar outra obra com base nesta, voc somente poder distribuira obra resultante sob uma licena idntica a esta.4. Qualquer outro uso, cpia, distribuio ou alterao desta obra que no obedea os termosprevistos nesta licena constituir infrao aos direitos autorais, passvel de punio na esfera civile criminal.

    Os termos desta licena tambm esto disponveis em:

    Direitos desta edio reservados EDIORA FGV,conforme ressalva da licena Creative Commons aqui utilizada:Rua Jornalista Orlando Dantas, 3722231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasilels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427Fax: [email protected] | [email protected]/editora

    Impresso no Brasil | Printed in Brazil

    Os conceitos emitidos neste livro so de inteira responsabilidade da autora.

    Preparao de originais: Ronald PolitoEditorao eletrnica: Cristiana RibasReviso: Adriana Alves | Fatima CaroniProjeto grf ico de capa: 2abadImagem da capa: Sa la de sesso de julgamento do SF

    Ficha catalogrfica elaborada pela

    Biblioteca Mario Henrique Simonsen

    Oliveira, Fabiana Luci de

    Justia, profissionalismo e poltica: o SF e o controle da constitucionalidadedas leis no Brasil / Fabiana Luci de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

    260 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-225-0940-9

    1. Poder Judicirio e questes polticas. 2. Controle da constitucionalidade. 3.Processo decisrio. 4. Ministros do Supremo ribunal. 5. Brasil. Supremo ribunalFederal. I. Fundao Getulio Vargas. II. tulo.

    CDD 341.256

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    5/260

    Sumrio

    Apresentao. Caminhando pelas fronteiras do saber e da poltica 7

    Introduo. Direito, profissionalismo e poltica

    no Supremo Tribunal Federal 11

    Contextualizando a discusso 14Organizao dos captulos 19

    Captulo 1. Perspectiva terico-metodolgica 23

    Introduo 23Consideraes sobre o Supremo ribunal Federal

    e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil 29Estudos do comportamento do Poder Judicirio 43

    Modelo de anlise do comportamento do SF 54Captulo 2. Descrio da base de dados 59

    Determinao do tamanho da amostra 59Descrio da base de dados 61Decises no unnimes 74

    Captulo 3. Redes de votao no Supremo Tribunal Federal 81

    Quem so os ministros do SF 81

    Anlise das redes de votao no SF 91

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    6/260

    Captulo 4. Modelagem estatstica do voto dos ministros

    e da deciso do mrito das Adins 113

    Introduo 113Modelos de anlise 115Discusso dos resultados 144

    Captulo 5. Argumentao dos ministros nas Adins 149

    Introduo 149Argumentos vencedores 154Argumentos vencidos 172

    Captulo 6. Ministros: restritivos versusativistas 181

    Introduo 181A orientao poltica do voto dos ministros

    nas decises no unnimes 190Restritivos versusativistas 197

    Concluso 231

    Contribuies trazidas pelo modelo 232Referncias 247

    Anexo 257

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    7/260

    Apresentao

    Caminhando pelas fronteiras

    do saber e da poltica

    At os anos 1980, a sociologia das profisses priorizou a anlise dos gru-pos profissionais no mercado, investigando os avanos e retrocessos dos

    processos de profissionalizao, as disputas pelo monoplio da atividade,pela produo da expertise, pelo controle da jurisdio e do poder profis-sional. Um aspecto relevante nesse percurso pressupunha o insulamentodas carreiras em relao aos interesses especficos, delimitando fronteiraentre profisso e poltica. A vertente funcionalista naturalizou essa separa-o, concebendo a expertiseprofissional como neutra e, por conseguinte,apoltica. As crticas a tal abordagem vieram de diversas perspectivas,

    registrando-se a influncia da anlise foucaultiana do saber-poder a de-nunciar a falcia da neutralidade do conhecimento.A polarizao na concepo sociolgica sobre a expertise o saber

    abstrato que o profissional detm na especialidade que domina recor-tou ideologicamente o campo de estudo entre aqueles que enfatizavam aneutralidade e aqueles que a denunciavam como uma falcia.

    A expanso dos estudos sobre as relaes das profisses com a po-ltica e o Estado trouxe nova compreenso a tal debate. O que antes foi

    assumido como uma essncia dos grupos profissionais passou a ser pro-blematizado, indagando-se sobre a existncia ou no de fronteiras entre

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    8/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    8

    poltica e profisso, como estas foram construdas, sua dimenso simblicae os impedimentos jurisdicionais. No lugar da polarizao entre haver ouno neutralidade no saber, passou-se a priorizar a realizao de estudoshistricos e contemporneos sobre como foram institucionalizadas elegitimadas as fronteiras profissionais em contextos especficos, como oEstado auxiliou esse processo, como tal iderio transformou-se na polticaprpria s profisses, consolidando-se a valorizao e a identificao coma expertise.

    Justia, profissionalismo e poltica, de Fabiana Luci de Oliveira, insere-

    -se nesse movimento analtico. A autora elegeu o Supremo ribunal Fe-deral como foco de sua investigao por ser uma instituio-chave nessedebate, por ser, ao mesmo tempo, topo do Judicirio e Corte constitucio-nal ativa na diviso dos poderes do sistema poltico. As fronteiras entreprofisso e poltica, mais especificamente entre direito, profissionalismoe poltica, so cotidianamente mensuradas no exerccio da funo deministro(a) pelos 11 membros do SF.

    Reconhecendo o desafio que tal empreitada terico-metodolgicaimpunha, ela buscou amparar-se em artefatos conceituais e tcnicas depesquisa que lhe permitissem fundamentar seu estudo. Se o ponto departida foi o debate interno sociologia das profisses, em que ela nadavade braada no domnio da literatura e do estado da arte dessa expertise, aautora caminhou para novos territrios cruzando fronteiras. Incorporouuma formao slida em metodologia com um crescente conhecimento

    sobre uma rea da cincia poltica voltada s instituies do Judicirio eao ativismo judicial, conhecida comojudicial politics. Da interseo entreprofisses jurdicas, mtodos e novo institucionalismo judicial nasce suaperspectiva analtica e a originalidade de sua contribuio ao conheci-mento sobre profissionalismo, poltica e direito, focalizando o SF.

    Analisando uma amostra de 300 aes diretas de inconstituciona-lidade (Adins), julgadas pelo SF entre outubro de 1988 e maro de2003, Oliveira constri um modelo que lhe permite avanar concluses

    tericas fundamentadas em evidncias substantivas, afirmando que noprocesso de deciso judicial direito e poltica se encontram imbricados, e

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    9/260

    A p r e s e n t a o

    9

    o profissionalismo atua nessa relao como uma via de distino, comouma fonte de legitimao (introduo, p. 12). Ela reconhece que todas asdecises tm algo de poltico, mas considera relevante a distino analticaentre deciso tcnica e deciso poltica dos ministros.

    Envolvidos no julgamento dessas 300 Adins, a autora identificou 18ministros ao longo desses 15 anos, sendo oito deles magistrados, grupoque foi maior antes da Constituio de 1988, abrindo a partir de entomais espao no SF para as nomeaes polticas do Ministrio da Justiae para outras carreiras jurdicas, como procurador-geral da Repblica e

    advogado-geral da Unio. A longa trajetria na magistratura tomadacomo indicador de forte exposio aos valores do profissionalismo, comoa neutralidade da expertise.

    Mais de 80% das decises sobre essa amostra de Adins so consen-suais, dando destaque relevncia que tanto ministros de perfil tcnicoquanto poltico atribuem estabilidade jurdica e presumibilidade daCorte, o que a literatura destaca como o comportamento esperado de

    uma Suprema Corte. Para Oliveira, o consenso tambm contribui paradistanciar o mundo jurdico do mundo poltico. Entretanto, ela reconhecenas decises no unnimes a possibilidade de identificar o perfil restri-tivo ou ativo de atuao dos ministros analisando qualitativamente osargumentos vencedores e os argumentos vencidos. Isso a leva a concluirque o processo de deciso judicial determinado por uma combinaode fatores legais, extralegais e profissionais.

    No primeiro fator a autora rene os aspectos legais, doutrinrios efatores do caso; no segundo fator esto os atributos pessoais e a ideologia,o contexto poltico, de outros setores governamentais, o contexto institu-cional, os grupos de interesse e a opinio pblica; no terceiro fator estoa trajetria de carreira e o profissionalismo.

    Superando dicotomias entre a neutralidade da expertisee o ativismojudicial, o livro mostra como a segurana jurdica um valor partilhadopelo SF, a judicializao da poltica uma prtica acompanhada do papel

    poltico da Corte, e o profissionalismo a forma de legitimar essa atuaopoltica, exercida por ministros que no dispem de suporte eleitoral.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    10/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    1 0

    Assim, a autora mostra como eles se legitimam atravs dessa outra fontede poder que a

    expertise, tipo de autoridade que se dissemina ao longo

    do sculo XX, dando fora s decises da Corte, alm de reconhecimentopblico e deferncia social.

    O artefato conceitual e metodolgico que Oliveira articulou ao cruzarfronteiras disciplinares foi capaz de produzir resultados analticos sobrea realidade brasileira que os ncleos de cada uma dessas especialidadessozinhas no haviam obtido. Caminhar pelos campos marcados pelosmonoplios do saber e pelas reservas de mercado tem custos para quem

    por eles peregrina. A incurso pode ser vista como invaso, a troca podeser percebida como disputa, mas o benefcio que descobrirmos com osaber original que emerge dessa busca vale a pena. O leitor reconhecerno livro o trabalho de uma expert!

    Maria da Gloria BonelliDepartamento de Sociologia (UFSCar)

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    11/260

    Introduo

    Direito, profissionalismo e poltica

    no Supremo Tribunal Federal

    O Supremo ribunal Federal (SF) um ator de grande importncia navida poltica nacional. O papel de destaque desempenhado pelo Supremo

    foi ampliado em grande parte devido configurao da Constituio de1988, que incorporou diversos princpios e direitos, sociais, econmi-cos e polticos, e regulamentou praticamente todos os mbitos da vidasocial.1O SF se tornou, assim, uma arena para o debate de temas queenvolvem diversos setores da sociedade, exercendo controle sobre leise atos normativos que dizem respeito s relaes entre os poderes doEstado e entre esses poderes e a sociedade, avaliando se esto de acordo

    com a Constituio.O tribunal tem sido constantemente chamado a decidir sobre aconstitucionalidade de questes relevantes e polmicas. Nas palavras deOscar Vilhena Vieira,2o Supremo tem passivamente a ltima palavra emtodos os temas quentes da pauta poltica brasileira. Essa constatao levouVieira a cunhar o termo supremocracia, em referncia superexposiodo Supremo na mdia e ao acmulo de autoridade do tribunal em seupapel de intrprete da Constituio e na criao de regras (Vieira, 2008).

    1Ver Werneck Vianna e colaboradores (1999); Cittadino (2001); Vieira (2002).2Entrevista publicada em , em 23 de outubro de 2005.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    12/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    1 2

    Exemplo das matrias sobre as quais o SF tem decidido so osprocessos de privatizao, entre os quais est o da Vale do Rio Doce, acontribuio previdenciria dos servidores pblicos inativos, disputas fis-cais entre estados e entre estados e a Unio, regras eleitorais, o aborto deanencfalos e a implementao de cotas universitrias. Mais recentementeo Supremo tem causado controvrsia por decises como a concesso deliberdade ao italiano Cesare Battisti, ratificando deciso do ento presi-dente Lula; o reconhecimento da unio estvel para casais do mesmo sexo(unio homoafetiva) e a autorizao da realizao das passeatas conheci-

    das como marcha da maconha, que renem manifestantes favorveis descriminalizao das drogas.

    A forma como o Supremo tem atuado nessas questes, a formacomo ele tem respondido s demandas dos diversos agentes legitimadosa acion-lo provoca o questionamento sobre as relaes entre o Poder

    Judicirio e a poltica, despertando o interesse em entender como se do processo de deciso judicial e quais os fatores que esto envolvidos

    nesse processo. justamente esse o foco da pesquisa, investigar o processo de deciso

    judicial, observando a forma como os ministros se comportam no exercciodo controle da constitucionalidade das leis. ratamos mais especificamen-te dos casos relativos s aes diretas de inconstitucionalidade. Nosso ob-

    jetivo desenvolver um modelo de anlise para explicar o comportamentodo SF, visando determinar os elementos mais inf luentes no processo de

    deciso judicial. Investigamos esse processo como um todo, observandoseus aspectos coletivos e individuais.O problema terico substancial que permeia a discusso o de como

    direito e poltica se relacionam. Entre as diversas respostas possveis,procuramos uma que situa o profissionalismo como um elemento ativonessa relao. Argumentamos que no processo de deciso judicial direito epoltica se encontram imbricados, e o profissionalismo atua nessa relaocomo uma via de distino, como uma fonte de legitimao. por meio

    do profissionalismo que os ministros do SF se diferenciam dos outrosatores polticos.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    13/260

    I n t r o d u o

    1 3

    Diversos fatores influem no processo de deciso judicial, sendo difciluma nica teoria dar conta de sua explicao. Por isso optamos por reunirelementos de diferentes abordagens em nosso modelo de anlise.

    A construo do modelo se baseia na associao de elementos dasociologia das profisses com quatro abordagens dajudicial politics(ati-tudinal, estratgica, institucional e legal), linha de pesquisa da cinciapoltica norte-americana que foca o papel das cortes no processo polticode tomada de deciso.

    Cada uma dessas teorias traz uma contribuio especfica para a

    anlise. Resumidamente, o profissionalismo estabelece a expertisecomoum diferencial, e os valores profissionais acrescentam substncia moralao contedo tcnico das profisses. A partir dessa perspectiva estabele-cemos tambm a importncia da trajetria de carreira, do treinamentoe da socializao na profisso para a compreenso da atuao dos juzes.

    A abordagem atitudinal coloca que as decises dos juzes da SupremaCorte so determinadas a partir de suas preferncias polticas e pessoais

    e de suas convices ideolgicas (Segal e Spaeth, 2002). J a abordagemestratgica pressupe que as decises dos juzes sofrem constrangimentossociais, institucionais e polticos. Os autores ligados abordagem insti-tucional e ao novo institucionalismo afirmam a necessidade de atentarpara o contexto histrico e doutrinrio da Corte, para a interao entreos juzes e no apenas para o voto individual (Gillman e Clayton, 1999).

    A abordagem legal assume que as decises judiciais so baseadas em

    princpios morais e polticos e no em preferncias polticas propriamenteditas (Dworkin, 2001). Os juzes levariam em conta em suas decisesos fatores legais e os precedentes e balanceariam esses elementos cominteresses da sociedade.

    Essas linhas de interpretao se complementam, dando sustentaoao nosso argumento de que o processo de deciso judicial determinadopor uma combinao de fatores: legais, extralegais e profissionais.

    Aplicamos o modelo em uma amostra de 300 aes diretas de incons-

    titucionalidade, julgadas pelo SF entre outubro de 1988 e maro de 2003. sobre a anlise dos dados dessas aes que o trabalho se fundamenta.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    14/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    1 4

    Contextualizando a discusso

    O objetivo da pesquisa se insere em uma discusso mais ampla, a da ex-panso mundial do poder poltico do Judicirio e da necessidade de forta-lecer o rule of lawna Amrica Latina. Essa discusso vem sendo feita sobas insgnias da judicializao da poltica (avano da lgica racional-legalno ordenamento poltico) e da democracia constitucional (juristocracy).

    rabalhamos com a definio clssica para o fenmeno da judiciali-zao da poltica, dada por ate e Vallinder (1995:13), como

    a expanso da rea de atuao das cortes judiciais ou dos juzes a expensasdos polticos e/ou administradores, isto , a transferncia de direitos dedeciso da legislatura, do gabinete ou da administrao pblica s cortesjudiciais, ou, ao menos, a propagao dos mtodos judiciais de deciso parafora das cortes de direito propriamente ditas.

    Partindo dessa definio, os autores determinam os fatores e as con-dies polticas que parecem promover e facilitar a ocorrncia da judi-cializao da poltica. O autor sugere oito itens: 1) regime democrtico econstitucional, no sendo possvel haver judicializao da poltica em pa-ses que no tenham adotado as normas e as instituies das democraciasliberais e aceitado o princpio da independncia do Judicirio; 2) sistemade separao de poderes (seguindo a definio clssica de Montesquieu,

    o autor prope que cabe ao Judicirio interpretar e no fazer as leis); 3)uma poltica de direitos, partindo do princpio de que as minorias tmdireitos constitucionalmente reconhecidos que podem ser executadoscontra a vontade da maioria; 4) a utilizao das cortes de direito porgrupos de interesse, que podem representar os interesses das minorias; 5)a utilizao dessas cortes pela oposio, por partidos polticos que noconseguem frear os atos governamentais no processo poltico por nodesfrutar de maioria legislativa; 6) a presena de instituies majoritrias

    inefetivas, como partidos polticos fracos e coalizes frgeis; 7) percepodas instituies polticas, havendo uma viso do Judicirio como alter-

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    15/260

    I n t r o d u o

    1 5

    nativa nas situaes em que as instituies majoritrias se encontremimobilizadas (crise de governabilidade) ou vistas como corruptas; 8) de-legao das instituies majoritrias quando esto em jogo decises comalto custo poltico, especialmente questes ligadas aos direitos polticose civis (aborto, casamento homossexual etc.).

    Segundo ate, essas condies favorecem a ocorrncia da judicializa-o da poltica, mas elas devem ser pensadas na interao com os valorese o perfil dos juzes, principais atores nesse processo, uma vez que a judi-cializao da poltica requer que os juzes tenham preferncias polticas,

    atitudes pessoais e valores apropriados, especialmente relativos aos valoresdos outros tomadores de deciso. Essas atitudes e valores podem ser clas-sificados em dois tipos: 1) como ativismo restrio judicial (activismrestraint)e 2) como preferncias em relao a polticas pblicas judiciais(ate e Vallinder, 1995:33). Portanto, a combinao das circunstnciasfacilitadoras, da orientao das instituies majoritrias e das atitudes edos valores judiciais que determina a judicializao da poltica.

    Pensando no caso brasileiro, podemos dizer que o pas preenche essesrequisitos estabelecidos pelo autor: h um regime constitucional e que podeser considerado democrtico do ponto de vista formal; h um sistema de sepa-rao de poderes, uma poltica de direitos, a utilizao do SF por grupos deinteresse e por partidos polticos de oposio; as coalizes poltico-partidriasno so to slidas, o Poder Judicirio visto como uma arena alternativade participao poltica e h delegao de deciso por parte das instituies

    majoritrias quando se trata de decidir questes muito polmicas.Concordamos com ate em que o papel do juiz, suas prticas e seusvalores so de central importncia para entender o relacionamento entredireito e poltica; por isso, posicionamos essas variveis como centraisna explicao do comportamento de deciso do SF. Outros fatores queacrescentamos para essa explicao so a maneira pela qual o Supremoest estruturado e seu contexto institucional, seguindo a argumentaode aylor (2008).3

    3Segundo Matthew aylor (2008), as cortes desempenham um papel importante no processopoltico, e a maneira pela qual elas esto estruturadas e seu contexto institucional influenciam no

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    16/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    1 6

    Uma referncia importante quando se discute a judicializao da po-ltica no contexto da Amrica Latina Pilar Domingo (2004). Segundoa autora, a judicializao da poltica reflete, no nvel discursivo, o grauem que a legitimidade do regime crescentemente construda sobre apercepo pblica da capacidade e da credibilidade do Estado em termosde desenvolvimento do rule of lawe da proteo dos direitos. Esses soos dois elementos centrais para a democracia constitucional. O grau emque as cortes tomam parte na poltica e na criao da lei e a extenso emque disputas polticas e sociais so resolvidas por recursos legais variam

    de pas para pas, e quanto mais alto esse grau maior a proximidade dopas com a democracia constitucional.

    Domingo identifica trs grupos de fatores na raiz do processo de ju-dicializao: 1) governamentais, no sentido de uma resposta a um dficitdemocrtico (ver Garapon),4e prpria expanso do Estado, nos aspectos

    desempenho desse papel, determinando quem tem acesso a justia, onde esse acesso garantido esob quais condies as cortes decidem. O autor aponta as caractersticas estruturais e institucionaisque influenciam a atuao do SF, afirmando que o contedo expansivo da Constituio de 1988e os privilgios que ela forneceu a atores polticos especficos (para acionar o tribunal diretamente)ajudaram a assegurar a judicializao da poltica no Brasil. Para aylor (2008), so dois fatoresinter-relacionados que determinam a judicializao da poltica: 1) os custos e benefcios da polticaem questo (concentrados ou difusos) e a subsequente ativao do tribunal por parte do reque-rente, e 2) as caractersticas institucionais do Judicirio que motivam se determinada poltica sercontestada e, se contestada, a maneira pela qual as cortes sero usadas (como estratgia poltica).4 no enfraquecimento do Estado que Garapon (1999) busca a explicao para a ascenso do PoderJudicirio. Segundo o autor, a ampliao do poder da justia estaria diretamente ligada s falhas do

    processo democrtico, no s crise de legitimidade do Estado, mas a um fenmeno maior, o des-moronamento simblico do homem e da sociedade democrticos (Garapon, 1999:26). Em face dessequadro, o juiz chamado a socorrer uma democracia na qual um legislativo e um executivo enfra-quecidos, obcecados por fracassos eleitorais contnuos, ocupados apenas com questes de curto prazo,refns do receio e seduzidos pela mdia, esforam-se em governar, no dia a dia, cidados indiferentes eexigentes, preocupados com suas vidas particulares, mas esperando do poltico aquilo que ele no sabedar: uma moral, um grande projeto (Garapon, 1999:48). Portanto, para Garapon, no o juiz que setransforma num novo ator poltico, ele apenas passa a ocupar o local abandonado pelo poltico, dando sociedade o que ela esperava da poltica, pois a demanda da justia viria do desamparo da poltica. Comisso, o juiz torna-se o novo anjo da democracia e reclama um statusprivilegiado, o mesmo do qual ele

    expulsou os polticos. Investe-se de uma misso salvadora em relao democracia, coloca-se em posiode domnio, inacessvel crtica popular. Alimenta-se do descrdito do Estado, da decepo quanto aopoltico. A justia completar, assim, o processo de despolitizao da democracia... (Garapon, 1999:74).

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    17/260

    I n t r o d u o

    1 7

    legislativo, administrativo e burocrtico (ver Cappelletti);52) societais,decorrentes da urbanizao e da modernizao que geram um aumentonas disputas e com isso as cortes se transformam em um canal formalde contestao de decises governamentais e polticas (ver Habermas);6e

    5Para Cappelletti (1993:19), a entrada do PJ na arena poltica representa o necessrio contrapeso[...] num sistema democrtico de checks and balances. A expanso do direito jurisprudencial e dopapel criativo que o juiz tem na interpretao do direito um processo extremamente complexoe caracterstico da profunda crise do Estado e da sociedade contempornea, refletindo a expansodo Estado em todos os seus ramos. ratando o Poder Judicirio como um poder tradicionalmente

    formal, e os juzes profissionais como tradicionalmente conservadores, Cappelletti questiona osmotivos que levaram o Poder Judicirio a sair do formalismo e os juzes a acrescentarem o elementocriativo a seu papel. A resposta que o autor encontra para esse questionamento est no processode formao do direito jurisprudencial, a partir das transformaes trazidas com o advento doWelfare State nos Estados Unidos. O Estado do bem-estar social caracterizado essencialmentepor um crescimento do papel do Estado a partir dos instrumentos legislativos na rea da polticasocial (legislao referente ao mundo do trabalho, da sade e da segurana pblica), estendendo--se posteriormente economia (legislao de carter protecionista, antimonopolista) e depois aosetor pblico (com o Estado exercendo controle sobre a economia, emprego e assistncia social,financiando atividades sem fins lucrativos). Enfim, um Estado que nasce essencialmente comoEstado legislativo e que vem transformando-se, continuamente, em Estado burocrtico, nosem o perigo de sua perverso em Estado de polcia (Cappelletti, 1993:39). O aumento da funolegislativa provocou uma obstruo dessa funo, sobrecarregando-a e, para evitar a paralisia, partede seu poder foi transferido ao Executivo e a seus rgos derivados, ampliando muito esse poder,transformando o Welfare State em Estado administrativo (Cappelletti, 1993:43). Diante dessasituao, duas opes so dadas ao Judicirio: 1) permanecer atrelado tradicional concepo daneutralidade da atividade jurisdicional (de origem justiniana e montesquiana) ou 2) elevar-se aonvel dos outros poderes e tornar-se o 3ogigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e oleviatanesco administrador (Cappelletti, 1993:54). esse segundo papel que o PJ norte-americano

    assume. O PJ, ao ter seu poder ampliado na interpretao e aplicao do direito, julgando a cons-titucionalidade dos atos dos outros poderes, suscita o seguinte questionamento para o autor: acriatividade judiciria torna o juiz legislador? Faz com que o Poder Judicirio invada o domniodo Poder Legislativo? A resposta que fornece a esse questionamento negativa, na medida emque discute as diferenas no modo, na estrutura e nos procedimentos de formao do direito deque cada um se utiliza. Ao contrrio dos procedimentos legislativos, os procedimentos judiciaisso passivos (Cappelletti, 1993:74-75), no podendo ser deflagrados por vontade dos tribunais.Cappelletti conclui, assim, pelos benefcios que a atitude criativa por parte dos juzes pode trazerpara o funcionamento de uma efetiva democracia.6Habermas (1997) afirma que essa expanso do Judicirio no se d somente na esfera poltica

    propriamente dita, atingindo tambm as relaes sociais, havendo uma ruptura na tradicionalseparao Estado sociedade civil,pblicoprivado, cedendo lugar publicizao da esfera privada,passando as relaes sociais a serem mediadas por instituies polticas democrticas, caracterizando

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    18/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    1 8

    3) internacionais, decorrentes da globalizao das relaes comerciais e nonvel discursivo da universalizao da linguagem dos direitos humanos.

    Essa questo do dficit democrtico, da descrena no poder majo-ritrio como uma das causas que levaram emergncia da democraciaconstitucional, aparece em muitos autores,7 assim como as explicaesevolucionistas (entendendo a expanso do poder judicial como produtoinevitvel de uma nova priorizao dos direitos humanos), funcionalistas(vendo no aumento do poder judicial uma resposta orgnica s pres-ses dentro dos sistemas polticos) e econmico-institucionais (ligadas

    globalizao das relaes comerciais e ideia de preservao do poder).Muitos autores mesclam diversos desses elementos, mas da leitura comumdesses trabalhos fica a constatao de que a tendncia global em direoao neoliberalismo econmico e social e a crescente constitucionalizaode direitos so os fatores decisivos em todos os modelos explicativos doaumento do poder do Judicirio.

    Na Amrica Latina, a necessidade da promoo e do fortalecimento

    do rule oflaw defendida como uma forma de garantir a estabilizao ea consolidao da democracia na regio. E essa defesa fruto de pressesinternacionais, refletindo, sobretudo, interesses pela liberalizao econ-mica e pela crescente competio sobre investimentos diretos estrangeiros,o que requer a garantia de direitos a fim de criar um ambiente de inves-timento mais estvel e presumvel.8Essas presses internacionais criaramuma nova ortodoxia legal, baseada na combinao da economia liberal e

    da poltica democrtica, tendo como um dos fatores-chave a importaosimblica, uma americanizao de valores (Garth e Dezalay, 2002a).Quando falamos em ruleof lawestamos nos referindo proteo

    imparcial e presumvel de direitos e da aplicao de leis que ordenamas relaes entre Estado e sociedade. O rule of lawcorresponde a umgoverno constitucional, um governo em que as aes so sistematica-

    o fenmeno dajuridicizao do mundo da vida, com o direito tendo um papel cada vez maior em

    reas como a famlia e a educao, regulando elementos prticos e morais da ao comunicativa.7Ver Shapiro e Sweet (2002); Hirschl (2004); Goldstein (2004).8Ver Stotzky (1993); Domingo (2000); Garth e Dezalay (2002a), Moustafa (2003).

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    19/260

    I n t r o d u o

    1 9

    mente controladas por constrangimentos legais estabelecidos. Em suma,o

    rule of lawsignifica a existncia de regras claras e bem definidas, cuja

    aplicao garantida e respeitada. E para o rule of lawser efetivo requera existncia de um Poder Judicirio independente, e requer tambm,como lembram Hazard e Dondi (2004), profisses legais suficientementeautnomas para serem hbeis a evocar a autoridade de um Judicirioindependente. Essa reivindicao da independncia do Judicirio suscitadiversos questionamentos em relao a quem o Judicirio deve ser inde-pendente e em que extenso, levando ao dilema do equilbrio de poder

    entre o Judicirio e a regra da maioria e tambm pergunta clssicaquem guarda o guardio?.

    No entraremos nesse debate especfico, ele apenas informa nossadiscusso na medida em que o movimento em torno da promoo dorule of lawe do fortalecimento do poder poltico do Judicirio coloca emfoco a discusso da independncia judicial, da transparncia, questesde segurana jurdica e da necessidade da existncia de decises judiciais

    mais presumveis.9

    Organizao dos captulos

    O livro est estruturado em sete captulos. No primeiro, Perspectivaterico-metodolgica, apresentamos a discusso geral que fundamenta

    nosso estudo. Como a questo de interesse central da tese sobre oprocesso de deciso judicial, e quem toma essas decises so os minis-tros, discutimos a metodologia utilizada pela linha da cincia polticanorte-americana que estuda o papel das cortes e dos juzes no processode tomada de deciso. Apresentamos essas abordagens, que, somadas abordagem da sociologia das profisses, formam a base do modelo deanlise que aplicamos ao caso brasileiro. Esse captulo traz ainda uma

    9Esse movimento no caracterstico apenas da Amrica Latina ou de pases democrticos. Ele estpresente em pases como Egito (Moustafa, 2003), Nova Zelndia, frica do Sul, Israel (Hirschl,2004), Mxico (Domingo, 2000) e China (Man, 2001).

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    20/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    2 0

    rpida discusso sobre o controle da constitucionalidade das leis no Brasile sobre o contexto poltico, econmico e social do perodo analisado.

    Os captulos 2 e 3 so captulos mais descritivos. No captulo 2,Descrio da base de dados, explicamos como foram coletados os da-dos e como foi construda a base, a partir do sorteio de 300 Adins. Ocaptulo traz uma descrio das variveis associadas s aes. No cap-tulo 3, Redes de votao no Supremo ribunal Federal, descrevemosas variveis associadas ao perfil dos 18 ministros que integraram o SFno perodo analisado, com destaque para a trajetria de carreira deles.

    Analisamos tambm a forma como os ministros se agruparam na decisodas 300 aes, atentando para os fatores que fazem com que eles votemem conjunto.

    O quarto captulo, Modelagem estatstica do voto dos ministros e dadeciso do mrito das Adins, traz os modelos estatsticos que desenvol-vemos com a finalidade de determinar os fatores de maior influncia noprocesso de deciso judicial. Construmos quatro modelos para responder

    s seguintes questes: 1) que fatores influenciam o SF a considerar umalei inconstitucional?; 2) que fatores influenciam o ministro a votar pelainconstitucionalidade de uma lei?; 3) que fatores influenciam o SF ano decidir com unanimidade?; e 4) que fatores influenciam o ministroa votar contra a posio majoritria?

    Os captulos 5 e 6 so mais qualitativos. No quinto captulo, Ar-gumentao dos ministros nas Adins, discutimos a fundamentao do

    voto dos ministros nas 300 aes. Analisamos os argumentos vencedorese os argumentos vencidos. No captulo 6, Ministros: restritivos versusativistas, discutimos a forma de atuao do SF, se tem sido no sentidode garantir a segurana jurdica, posicionando-se como guardio daConstituio (atuao mais jurdica, profissional), ou se tem sido nosentido de adequar as regras e os preceitos constitucionais aos critriosda eficincia, da convenincia e da governabilidade (atuao mais pol-tica). Como as decises dos ministros so classificadas como tcnicas ou

    polticas, construmos um modelo estatstico para responder questoque fatores influenciam o ministro a votar em um sentido poltico?.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    21/260

    I n t r o d u o

    2 1

    Na concluso, fazemos um apanhado geral dos resultados obtidos ediscutimos a atuao do SF em torno da questo da relao entre direito,profissionalismo e poltica.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    22/260

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    23/260

    Captulo 1

    Perspectiva terico-metodolgica

    Introduo

    O objetivo da pesquisa entender o comportamento do SF no perodo

    posterior redemocratizao do Brasil, observando a forma como osministros praticaram o controle da constitucionalidade das leis e comoefetivamente decidiram os casos de constitucionalidade (Adins), da pro-mulgao da Constituio de 1988 at maro de 2003. O problema tericoque permeia a discusso o de como direito, poltica e profissionalismose relacionam.

    A introduo do profissionalismo na discusso das relaes entredireito e poltica se justifica uma vez que o SF no s um poder po-ltico, cpula de um dos poderes do Estado, mas tambm uma eliteprofissional, o posto mais alto na carreira jurdica.

    Como poder poltico, exerce controle sobre a vontade do soberano apartir da adoo do modelo de controle abstrato da constitucionalidadedas leis, com a intermediao de uma comunidade de intrpretes o queacaba por institucionaliz-lo como uma arena alternativa democraciarepresentativa. Como grupo profissional, possui expertisee a ideologia da

    prestao de um servio independente e de qualidade sociedade, tendouma atuao tcnico-jurdica.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    24/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    2 4

    Embora os ministros do SF tenham a distino do mrito jurdico,o ingresso no tribunal se d a partir de uma estratgia poltica. Para serministro do SF preciso possuir notrio saber jurdico, reputao ili-bada e ser brasileiro maior de 35 anos. Os ministros so nomeados pelochefe do Poder Executivo e passam por arguio pblica para aprovaodo Senado. Portanto, o nico requisito profissional necessrio a possedo saber jurdico, o que pode ser entendido como a posse do ttulo debacharel em direito, no sendo os ministros necessariamente pertencentess carreiras do direito. Assim, muitos deles saem diretamente de carreiras

    polticas para ocupar um lugar no SF.A nomeao de um ministro do Supremo ribunal Federal envolve

    muitas negociaes. O presidente da Repblica seleciona um nome,observando a existncia de certa compatibilidade de ideias e valores en-tre o indicado e a linha seguida pelo governo, considerando tambm aaceitabilidade que essa nomeao ter no Senado embora a histriademonstre que tem sido tranquilo o processo de sabatina e aprovao da

    nomeao dos ministros pelo Senado, tendo havido at hoje apenas trsrejeies, todas no governo de Floriano Peixoto, que nomeou um mdicoe dois generais. Em 1982, quando Figueiredo nomeou o ento ministroda Justia Alfredo Buzaid houve forte oposio no Senado, especialmentedo PMDB, mas o indicado foi aprovado. O jornal Correio Braziliensepublicou, em maio de 2003, declarao do ministro da Justia, Mrciohomaz Bastos, de que as trs nomeaes feitas pelo presidente Lula ao

    SF (Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ayres Brito) levaram em conta aafinidade dos escolhidos com as propostas do governo que tramitavamno Congresso Nacional, em especial a reforma do Judicirio. A recenteescolha do ministro Enrique Ricardo Lewandowski, que substituiu CarlosVelloso, um exemplo de como se d o processo de escolha e nomeao.So lobbiesde diversos setores, envolvendo polticos, juristas e at mesmoassociaes como Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associa-o dos Juzes Federais do Brasil (Ajufe). Esses diversos lobbiesresultaram,

    no caso dessa escolha, na confeco de uma lista com 11 nomes encami-nhada pelo ministro da Justia, homaz Bastos, ao presidente Lula. Foi

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    25/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    2 5

    aventada a possibilidade da indicao de um nome ligado cpula do P,como arso Genro, Luiz Eduardo Greenhalgh e Sigmaringa Seixas, masante a possibilidade de resistncia do Senado esses nomes foram deixadosde lado. Mas, segundo declaraes do ministro da Justia, a tendncia a de que os nomes considerados sejam de pessoas comprometidas comas propostas do governo. De acordo com notcias veiculadas na mdia, opresidente Lula teria conversado pessoalmente com trs dos candidatos aoSupremo antes de fazer a indicao, Lewandowski, que era desembargadordo JSP, Misabel de Abreu Machado Derzi, que procuradora-chefe da

    prefeitura de Belo Horizonte, e Luiz Edson Fachin, professor de direitocivil da Universidade Federal do Paran. Ao ser indagado em entrevistaao site Consultor Jurdico (Ideias do escolhido, 2006), o futuro ministroLewandowski afirmou:

    Eu integrei a lista de 11 ilustres nomes [levada ao presidente pelo ministroda Justia]. Acredito que a ideia do presidente Lula foi escolher um nome

    tcnico. Eu tenho sete anos de ribunal de Alada Criminal e oito anos deribunal de Justia. O ministro Mrcio Tomaz Bastos costuma ter um papelmuito importante nas escolhas e acho que ele teve nesta. Fui conselheiroda OAB paulista e conheo o Mrcio h muitos anos.

    Ainda segundo notcia publicada no site Conjur, a procuradora Mi-sabel Derzi deve ser a indicada para ocupar a vaga que ocorrer com a

    aposentadoria do ministro Jobim. De acordo com notcias publicadas namdia, o lobbypr-Misabel seria liderado pelo prefeito de Belo Hori-zonte, Fernando Pimentel (P), pelo governador Acio Neves (PSDB) epelo ex-presidente da Repblica Itamar Franco.

    Observando a trajetria de carreira dos ministros que compem ecompuseram o SF percebemos que no passado eles eram, em sua maio-ria, membros da magistratura. O perfil mais atual se alterou, havendouma queda significativa dos magistrados. Hoje esses ministros provm

    de carreiras menos fechadas poltica, embora a maioria deles se originede carreiras ligadas ao mundo do direito (advogados e membros do Mi-

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    26/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    2 6

    nistrio Pblico). Esse quadro biogrfico revela a existncia de dois tiposde trajetria profissional dos ministros: os magistrados de carreira e osno magistrados (Oliveira, 2011).

    Afirmamos que o carter poltico de sua nomeao no retira dosministros a condio profissional, pois a socializao, a identidade coma instituio e a vitaliciedade so caractersticas que lhes possibilitam odesempenho de um papel poltico autnomo. Ainda que os ministros le-vem para o tribunal suas relaes com os governos que os nomearam, eleslevam tambm os valores partilhados nas carreiras do mundo do direito,

    levam as experincias distintas adquiridas nas vivncias na advocacia, noMinistrio Pblico e mesmo em postos polticos. Alm disso, a garantiada vitaliciedade preserva-os no posto, mesmo depois da alternncia dosgrupos no poder. Com isso, mesmo que os ministros no tenham expe-rincia anterior na magistratura, eles permanecem no convvio com osoutros ministros, interagindo com seus valores, contribuindo para suaidentificao com a instituio a mdia geral de permanncia dos

    ministros no cargo entre os anos 1979 e 1999 de 12,8 anos para osministros com experincia anterior na magistratura e de 8,7 anos para osque no tm essa experincia (Oliveira, 2011).

    Os ministros do SF exercem um poder poltico, mas buscam dis-tingui-lo do mbito da poltica convencional procurando no se ligar sdisputas partidrias. Eles procuram se diferenciar das outras elites pol-ticas a partir do profissionalismo: enquanto o mbito da poltica mais

    facilmente identificado com a parcialidade, sendo atribudos interessesegostas e demaggicos a seus membros, o mbito profissional tem aideologia da imparcialidade, da neutralidade, sendo seus membros me-nos identificados como comprometidos com o capital ou com a polticaconvencional, conferindo-se a eles saber e mrito.

    Como afirmam Maveety e Grosskopf (2004:467), as cortes tm acapacidade de parecerem politicamente desinteressadas, ou ao menos maisdesinteressadas que os outros atores polticos. E para sustentar a mitologia

    da neutralidade jurdica foram criados, segundo Segal e Spaeth (2002),mecanismos para inculcar respeito e reverncia pelos juzes. O processo

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    27/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    2 7

    de deciso judicial cercado por segredo e mistrio. Os juzes se vestemde forma distinta. As cortes replicam igrejas e templos: no lugar do altar,as cortes tm bancos elevados, quem olha para os juzes tem de olharpara cima. Os procedimentos so ritualizados, acompanhados de pompae cerimnia, e so conduzidos numa linguagem largamente ininteligvelpara os leigos.

    E seria o motivo da busca da distino que levou o SF a posicionar-sena Constituinte contra sua transformao em uma Corte Constitucional(nos moldes de alguns tribunais europeus, como o alemo), pois a partir

    do momento em que perdesse a posio de cpula do Poder Judicirio,perderia a distino, transformando-se em elite poltica como as outras.Essa a postura dominante no tribunal (Oliveira, 2011).10

    A defesa da posio de ltima instncia do Judicirio funciona comouma estratgia dos ministros para se desvencilharem do rano polticoque trazem com sua nomeao, reforando para isso o mrito, a exper-tise, o ideal profissional da autonomia e da imparcialidade jurdica. Os

    ministros procuram sustentar uma imagem pblica que os distancie domundo poltico convencional, consolidando um ethos comum, baseadona identidade profissional ligada ao mundo jurdico. Eles buscam apoiona autoridade do conhecimento jurdico no em oposio poltica,mas sim em sua complementao. Os ministros no negam o papel po-ltico que exercem, mas procuram diferenci-lo a partir dos valores daimparcialidade, da transparncia e da segurana jurdica, valores tpicos

    do mundo jurdico, associados aos valores do profissionalismo. Comoafirma Stotzky (1993), o tribunal um teatro poltico, mas no pode

    10O discurso do ministro Dcio Miranda, publicado na Revista Forense(1985:497), ilustrativodesse posicionamento: A limitao da competncia do SF s questes constitucionais (comas reduzidas excees que os projetos a respeito costumam admitir) o ponto mais sensvel edelicado de qualquer projeto global de reforma judiciria. Exigindo estudo parte, nele novamos penetrar seno para referir a nossa convico pessoal de que, desvestido de sua funo deintrprete mximo da lei ordinria federal, o SF perderia grande parte de sua importncia naordenao poltica da sociedade brasileira. Parece paradoxal a afirmativa, pois, se se concentrasse

    na matria constitucional e de ordem poltico-jurdica, o normal seria que, exercidas essas fun-es com exclusividade, seu papel se fortalecesse, e, consequentemente, ganhasse maior peso suapresena na balana dos Poderes do Estado.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    28/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    2 8

    ser confundido com o teatro da poltica. Para entender essa afirmao preciso considerar a distino que o autor faz entre Estado e governo, preciso reconhecer o Estado como um projeto intergeracional que temsua prpria integridade e resistncia (o direito) separadas das pessoas queocupam o poder em determinado momento. Eis o porqu de o direito serconsiderado a fonte de legitimidade do governo.

    Os ministros do SF tm procurado construir e defender sua identi-ficao como profissionais, buscando uma imagem de coeso do grupo,que funcione como fator de legitimidade dele no mundo do direito e

    tambm como estratgia da instituio para manter e justificar seu po-der poltico. Os ministros exercem seus poderes polticos, mas buscamno politizar excessivamente suas funes, adotando a estratgia polticada defesa da judicializao da poltica referindo-se expanso dalgica tcnico-jurdica no mundo da poltica (em oposio politizaoda justia), aludindo difuso dos mtodos e da lgica da polticano campo jurdico.11O SF afirma sua posio de poder poltico no

    11A discusso sobre a politizao da Justia est presente no debate poltico h algum tempo,tendo se intensificado a partir do final do ano de 2005, em decorrncia das decises tomadaspelo ministro Nelson Jobim em assuntos de interesse do governo, e da declarao do ministro deque deixar o tribunal em maro de 2006, gerando especulaes sobre sua possvel candidaturapoltica para disputar as prximas eleies presidenciais. O episdio tem gerado crticas de vriossetores da sociedade e do mundo jurdico, e inclusive a reao de ministros do SF. Em entrevistaque o ministro Marco Aurlio deu ao jornal O Estado de S. Paulo(oga no pode ser usada parase chegar a um cargo eletivo, 2006), ao ser indagado sobre sua posio ante as especulaes em

    torno da candidatura de Jobim, o ministro declarou: Se realmente temos esse ministro [na con-dio de candidato], uma situao inusitada, singular na histria do SF. Isso denigre a imagemdo Judicirio. Devemos ter no Judicirio pessoas vocacionadas a atuarem nessa misso sublimeque julgar os semelhantes e conflitos entre semelhantes. oda vez que algum tem um plano,que pode ser poltico, evidentemente fica numa situao de incongruncia. A toga no pode serutilizada visando a chegar ao cargo buscado, ao cargo eletivo. No me refiro especificamente aJobim. O que assento que o juiz precisa ser juiz 24 horas por dia. No falo especificamente deJobim. Pelos jornais, ele tem essa viso abrangente. No sei se em decorrncia do fato de ter sidopoltico. Em outra passagem da entrevista Marco Aurlio se declara perplexo por Jobim colocaros interesses de governabilidade como determinantes das decises. OESP: O discurso feito por

    Jobim no SF foi de juiz ou de poltico? Aurlio: Fiquei perplexo. Ele bateu na tecla segundo aqual ns precisamos interpretar e aplicar a Constituio com os olhos voltados governabilidade.Como se a governabilidade se sobrepusesse lei fundamental. A lei fundamental est no pice

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    29/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    2 9

    s como guardio da Constituio, mas tambm como intrprete maisautorizado a adapt-la s necessidades do momento poltico, em especialquando o legislador no cumpre essa funo.

    Nosso argumento de que a construo do Supremo como poderforte e autnomo est em seu distanciamento da poltica partidria; estna afirmao e no reconhecimento do desempenho de um papel polti-co, mas no politicalizado; est em sua busca por no ser identificadocomo parte do governo, mas sim como parte do Estado, como cpulado Poder Judicirio. Assim, a atuao dos ministros do SF tem apoio,

    sobretudo, na expertisee em valores como os da autonomia, da justia eda segurana jurdica.

    Consideraes sobre o Supremo Tribunal Federal

    e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil

    Como lembra Slotnick (1991), a atividade do Poder Judicirio afeta, emalgum sentido, polticas especficas e as condies gerais em que a polticaopera. Assim, de fundamental importncia compreender como os juzestomam decises e como eles podem manipular seu poder. Mas antes decompreender como atuam os juzes preciso entender quais so os poderesconferidos aos tribunais pela Constituio, quais as ferramentas de queos juzes dispem para agir.

    No se trata aqui da discusso de dados novos, mas apenas da reuniode elementos que possibilitem um melhor entendimento da atuao doSF.

    O Supremo ribunal Federal foi institudo pelo Decreto no520, de 22de junho de 1890, como cpula de um dos poderes do Estado, o Judicirio.

    da pirmide dos valores nacionais. Ela tem de prevalecer. OESP: No papel do Supremo sepreocupar com a governabilidade? Aurlio: A premissa de que ele viabiliza a governabilidadetornando prevalecente a lei fundamental. Se para o xito de uma poltica governamental tiver

    de fechar o livrinho (a Constituio), o SF no pode faz-lo. Esse episdio d fora a nossoargumento de que as diferenas nas trajetrias de carreira se refletem no posicionamento dosministros sobre a atuao do tribunal.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    30/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    3 0

    Sua fora poltica advm da capacidade que tem de exercer o controle daconstitucionalidade das leis, sendo o guardio da Constituio. Desdesua instituio at os dias de hoje muitas transformaes foram sendoefetuadas em suas atribuies, especialmente no que se refere ao sistemade controle da constitucionalidade das leis, foco de interesse da pesquisa.

    O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade das leis nasceusob a inspirao do sistema difuso norte-americano. Na Constituiode 1891 o sistema adotado foi o difuso-incidental, de efeito interpartes,ou seja, as decises proferidas s tm validade para o caso especfico em

    questo. O sistema difuso na medida em que qualquer rgo judicialpode apreciar a constitucionalidade da lei, e incidental porque exercidono mbito dos processos comuns e no especificamente constitucionais(Arantes, 1997).

    Uma das principais crticas que se faz a esse sistema o perigo de elegerar insegurana jurdica, uma vez que diferentes juzes podem decidirde diferentes maneiras uma mesma questo. Contra esse perigo os norte-

    -americanos instituram o stare decisis, princpio pelo qual os tribunaisficam vinculados a suas decises anteriores (precedentes), e ajurisprudnciavinculante, segundo a qual os tribunais inferiores devem seguir as decisesdos tribunais superiores. Vieira (2002) afirma que o fato de nosso sistemano ter adotado esses mecanismos levou-o a buscar seu aperfeioamentona incorporao de mecanismos do controle concentrado direto (comum maior parte dos pases europeus). O controle concentrado porque

    monoplio de um tribunal especial, designado na maioria das vezes porCorte Constitucional, e direto porque o pleito julga a inconstituciona-lidade da lei em abstrato, prescindido de caso concreto. O efeito que seproduz nessas decises erga omnes, isto , contra todos (Arantes, 1997).

    A Constituio de 1934 aperfeioou o sistema estabelecido em 1891,atribuindo ao Senado Federal competncia para suspender lei ou ato de-clarados inconstitucionais pelo Poder Judicirio e possibilitando o controledireto da constitucionalidade por via de ao proposta pelo procurador-

    -geral da Repblica. Com isso, segundo Vieira (2002), foi criado o embriodo que viria a ser a ao direta de inconstitucionalidade.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    31/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    3 1

    Com a Carta de 1937 as atribuies do Supremo foram limitadas,tendo sido excludas da esfera de sua competncia as questes polticas,sendo dada ao Senado autoridade para reverter decises de inconstitucio-nalidade declaradas pelo tribunal (Vieira, 2002:121).

    Em 1946 o SF recuperou suas atribuies iniciais, com o sistema difusode controle da constitucionalidade das leis. Mas em 1964, com o golpe militar,esse sistema foi radicalmente transformado: a Emenda no16, de 26 de novem-bro de 1965, estabeleceu o fim da exclusividade do modelo difuso-incidentale deu origem ao sistema hbrido, cabendo ao SF julgar a representao

    contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ouestadual, encaminhada pelo procurador-geral da Repblica. O problema que esse procurador era, at 1988, subordinado ao Executivo, o que tornavaincuo o controle da constitucionalidade das leis, j que s seria apreciadapelo SF lei ou ato que o Executivo assim determinasse. Como coloca Vieira(2002:123), surgiu dessa maneira um mtodo de controle concentrado noapenas no sentido tcnico-jurdico, mas principalmente poltico.

    A Constituio de 1988 redefiniu o papel poltico-institucional doSF, reforando sua condio de arena de disputa entre sociedade e Estadoe entre os rgos e poderes do prprio Estado. As atribuies polticas maisimportantes delegadas ao SF por essa Constituio foram: 1) controlaros demais poderes; 2) garantir a eficcia da Constituio; 3) assegurar aordem democrtica e garantir os direitos fundamentais, inclusive contraa prpria deliberao da maioria.

    O sistema de controle de constitucionalidade das leis12

    adotado coma Constituio de 1988 ainda hbrido porque, embora reserve cada vezmais para o SF a funo de julgar a constitucionalidade das leis (sistemaconcentrado), permite que os tribunais inferiores julguem casos de cons-titucionalidade, permanecendo vlido o sistema difuso (Arantes, 1997).

    12Segundo a Constituio brasileira de 1988, o controle abstrato da constitucionalidade das leis feito por meio de quatro possibilidades: 1) a ao direta de inconstitucionalidade (Adin); 2) a

    Adin por omisso; 3) a ao declaratria de constitucionalidade (ADC), instituda pela EmendaConstitucional no3/1993; e 4) a arguio de descumprimento de preceito fundamental (ADPF),instituda pela Lei no9.882/1999.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    32/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    3 2

    Na leitura de Vieira (2002:38-39), a Constituio de 1988 traz emseu corpo a unio de diferentes espcies de direitos e modelos econmi-cos, assim como certa indefinio na estruturao dos rgos do poder,como na adoo do sistema de governo parlamentar e presidencial e nocaso do SF, que muito embora detenha poderes de autntico tribunalconstitucional, continua com atribuies de rgo do Judicirio.

    Para Arantes e Kerche (1999:36), a opo de manter o hibridismo dosistema brasileiro foi uma sada para conjugar a autonomia e a indepen-dncia do Judicirio com a estabilidade do sistema poltico.

    A Constituinte de 1987-88 se viu diante de um dilema: de um lado, comoparte importante do processo de liberalizao, era preciso restaurar a inde-pendncia e autonomia do Judicirio nesse sentido, reafirmar o princpiodifuso, permitindo a todo e qualquer juiz exercer o controle constitucional,era um dos pontos mais importantes e, de outro, a experincia vinhademonstrando que a crescente concentrao da competncia de controle

    constitucional num rgo especial, embora associado ao autoritarismo, eraadequada maior eficcia e estabilidade do sistema poltico.

    Segundo o art. 102 da Constituio, compete ao Supremo ribunalFederal, precipuamente, a guarda da Constituio, cabendo-lhe:

    I processar e julgar, originariamente:a)a ao direta de inconstitucio-

    nalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ao declaratriade constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) nas infraespenais comuns, o Presidente da Repblica, o Vice-Presidente, os membrosdo Congresso Nacional, seus prprios Ministros e o Procurador-Geral daRepblica; c) nas infraes penais comuns e nos crimes de responsabilidade,os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exrcito e daAeronutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos ribu-nais Superiores, os do ribunal de Contas da Unio e os chefes de misso

    diplomtica de carter permanente; d) o habeas-corpus, sendo pacientequalquer das pessoas referidas nas alneas anteriores; o mandado de segu-

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    33/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    3 3

    rana e o habeas-data contra atos do Presidente da Repblica, das Mesasda Cmara dos Deputados e do Senado Federal, do ribunal de Contas daUnio, do Procurador-Geral da Repblica e do prprio Supremo ribunalFederal; e) o litgio entre Estado estrangeiro ou organismo internacionale a Unio, o Estado, o Distrito Federal ou o erritrio; f) as causas e osconflitos entre a Unio e os Estados, a Unio e o Distrito Federal, ou entreuns e outros, inclusive as respectivas entidades da administrao indireta;g) a extradio solicitada por Estado estrangeiro; h) a homologao dassentenas estrangeiras e a concesso do exequatur s cartas rogatrias,

    que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente; i ) ohabeas corpus, quando o coator for ribunal Superior ou quando o coatorou o paciente for autoridade ou funcionrio cujos atos estejam sujeitosdiretamente jurisdio do Supremo ribunal Federal, ou se trate de crimesujeito mesma jurisdio em uma nica instncia; j) a reviso criminal ea ao rescisria de seus julgados; l) a reclamao para a preservao de suacompetncia e garantia da autoridade de suas decises; m) a execuo de

    sentena nas causas de sua competncia originria, facultada a delegaode atribuies para a prtica de atos processuais; n) a ao em que todosos membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, eaquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejamimpedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; o) os conflitosde competncia entre o Superior ribunal de Justia e quaisquer tribunais,entre ribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; p) opedido de medida cautelar das aes diretas de inconstitucionalidade; q) omandado de injuno, quando a elaborao da norma regulamentadora foratribuio do Presidente da Repblica, do Congresso Nacional, da Cmarados Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legisla-tivas, do ribunal de Contas da Unio, de um dos ribunais Superiores, oudo prprio Supremo ribunal Federal; II julgar, em recurso ordinrio:a)o habeas-corpus, o mandado de segurana, o habeas-data e o mandadode injuno decididos em nica instncia pelos ribunais Superiores, se

    denegatria a deciso; b) o crime poltico; III julgar, mediante recursoextraordinrio, as causas decididas em nica ou ltima instncia, quando a

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    34/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    3 4

    deciso recorrida:a) contrariar dispositivo desta Constituio; b) declarar ainconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar vlida lei ou ato degoverno local contestado em face desta Constituio [grifos meus].

    Nosso estudo ocupa-se apenas de uma das atribuies listadas no art.102, que a Ao Direta de Inconstitucionalidade de Lei ou Ato Norma-tivo Federal ou Estadual (Adin), incluindo tambm a Adin por omisso.

    A Adin um instrumento pelo qual os agentes legitimados podemquestionar, junto ao SF, a constitucionalidade de leis e atos normativos

    federais e estaduais. Se o SF reconhecer a inconstitucionalidade danorma questionada, sua vigncia ser suspensa. A Adin tem, portanto,como inteno retirar do ordenamento jurdico a norma submetida aocontrole direto de constitucionalidade.

    Essa declarao de inconstitucionalidade produz efeito erga omnes(para todos) e ex tunc(retroativo). Entretanto, o art. 27 da Lei no9.868/1999 determina que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

    normativo, tendo em vista razes de segurana jurdica ou de excepcionalinteresse social, o SF pode restringir os efeitos da declarao ou delibe-rar que ela s tenha eficcia a partir de seu trnsito em julgado, ou seja,estabelecer o efeito ex nunc(no retroativo), por maioria de dois terosde seus membros.

    A lista de agentes legitimados a acionar o tribunal pelo instrumento daAdin incluiu, a partir da Constituio de 1988, os partidos polticos, o go-

    verno e setores organizados da sociedade civil. Segundo o art. 103 da Consti-tuio, podem propor essa ao: I o presidente da Repblica; II a Mesado Senado Federal; III a Mesa da Cmara dos Deputados; IV a Mesade Assembleia Legislativa; V o governador de estado; VI o procurador--geral da Repblica; VII o Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil; VIII partido poltico com representao no Congresso Nacional;IX confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.

    Mas, na prtica, o SF tem exigido de alguns agentes legitimados o

    requisito da pertinncia temtica, isto , a existncia de relao entre a normaimpugnada e a atividade institucional do autor da ao. exigida pertinncia

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    35/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    3 5

    quando os autores so: as Mesas de Assembleia Legislativa ou da CmaraLegislativa do Distrito Federal, governadores de estado ou do Distrito Federale confederaes sindicais e entidades de classe de mbito nacional.

    A Adin 1.307, requerida pela Mesa da Assembleia Legislativa do Es-tado de Mato Grosso do Sul contra resolues do Conselho MonetrioNacional e contra medida provisria editada pelo presidente da Repblica,referentes ao crdito rural, no foi conhecida pelo tribunal, por unani-midade de votos, devido ausncia de pertinncia temtica entre a leiimpugnada e o requerente.

    Parece-me que na hiptese em mesa no h vnculo objetivo de pertinnciaentre o contedo material das normas impugnadas crdito rural e osefeitos da mesma na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso doSul. Cuida-se de normas que no afetam diretamente o Legislativo estadual.Assim, vale a jurisprudncia da casa que entende necessria, para algunsdos legitimados a propor a ao direta de inconstitucionalidade, a relao

    de pertinncia temtica. Sou, pois, em preliminar, pelo no conhecimentoda ao por falta de legitimidade ativa da Assembleia de Mato Grosso doSul [Francisco Rezek, acrdo da Adin 1.307, 1996:4].

    Quando os postulantes so partidos polticos, confederaes sindicaisou entidades de classe de mbito nacional, o SF exige ainda a presenade advogado, exigncia esta que no feita para os outros agentes. Aos

    partidos polticos exigida a presena de advogado, mas no a necessidadeda pertinncia temtica, como podemos notar na deciso da Adin 1.396.Essa ao foi requerida pelo Partido dos rabalhadores (P) contra lei doestado de Santa Catarina acerca do teto de remunerao dos servidorespblicos. A ao foi decidida com unanimidade, declarando-se a incons-titucionalidade da lei em questo.

    Preliminarmente, impe-se reconhecer a plena legitimidade ativa ad causam

    do Partido dos rabalhadores para a instaurao do controle normativoabstrato perante o Supremo ribunal Federal, eis que, alm de possuir

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    36/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    3 6

    representao no Congresso Nacional, no sofre as restries decorrentesda exigncia jurisprudencial relativa ao vnculo de pertinncia temtica nasaes diretas. Sabemos todos que extremamente significativa a participaodos partidos polticos no processo de poder. As agremiaes partidrias,cuja institucionalizao jurdica historicamente recente, atuam comocorpos intermedirios, posicionando-se, nessa particular condio, entre asociedade civil e a sociedade poltica. Os partidos polticos no so rgosdo Estado e nem se acham incorporados ao aparelho estatal. Constituem,no entanto, entidades revestidas de carter institucional, absolutamente

    indispensveis dinmica do processo governamental, na medida em que,consoante registra a experincia constitucional comparada, concorrem paraa formao da vontade poltica do povo (v. art. 21, n. 1, da Lei Fundamentalde Bonn). [...] Dentro desse contexto, o reconhecimento da legitimidadeativa das agremiaes partidrias para a instaurao do controle normativoabstrato, sem as restries decorrentes do vnculo da pertinncia temtica,constitui natural derivao da prpria natureza e dos fins institucionais que

    justificam a existncia, em nosso sistema normativo, dos Partidos Polticos[Celso de Mello, acrdo da Adin 1.396, 1998:12-13].

    O art. 103 da Constituio de 1988 introduz tambm, no segundopargrafo, a ao de inconstitucionalidade por omisso.

    A Adin por omisso tem a finalidade de impelir o Poder apontadocomo omisso a tomar as medidas necessrias para tornar efetiva uma

    determinada norma constitucional.

    2o. Declarada a inconstitucionalidade por omisso de medida para tornarefetiva norma constitucional, ser dada cincia ao Poder competente paraa adoo das providncias necessrias e, em se tratando de rgo adminis-trativo, para faz-lo em trinta dias [CF, art. 103].

    O voto do ministro Celso de Mello na Adin 1484 explicita o funcio-

    namento da ao direta de inconstitucionalidade por omisso. Essa aofoi requerida pelo Partido Democrtico rabalhista (PD) e pelo Partido

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    37/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    3 7

    dos rabalhadores (P), contra omisso do presidente da Repblica e doCongresso Nacional em relao regulamentao dos servios de teleco-municaes e sua organizao.

    O desrespeito Constituio tanto pode ocorrer mediante ao estatalquanto mediante inrcia governamental. A situao de inconstitucionalidadepode derivar de um comportamento ativo do Poder Pblico, seja quandoeste vem a fazer o que o estatuto constitucional no lhe permite, seja, ain-da, quando vem a editar normas em desacordo, formal ou material, com o

    que dispe a Constituio. Essa conduta estatal, que importa em umfacere(atuao positiva), gera a inconstitucionalidade por ao. Se o Estado,no entanto, deixar de adotar as medidas necessrias realizao concretados preceitos da Constituio, abstendo-se, em consequncia, de cumpriro dever de prestao que a prpria Carta Poltica lhe imps, incidir emviolao negativa do texto constitucional. Desse non facereou non praestare,resultar a inconstitucionalidade por omisso, que pode ser total (quando

    nenhuma a providncia adotada) ou parcial (quando insuficiente a medidaefetivada pelo Poder Pblico). [...] A omisso do Estado que deixa decumprir, em maior ou em menor extenso, a imposio ditada pelo textoconstitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gra-vidade poltico-jurdica, eis que, mediante inrcia, o Poder Pblico tambmdesrespeita a Constituio, tambm ofende direitos que nela se fundam etambm impede, por ausncia (ou insuficincia) de medidas concretizadoras,

    a prpria aplicabilidade dos postulados e princpios da Lei Fundamental.[...] O reconhecimento formal, em sede de ao direta, mediante decisoda Suprema Corte, de que o Poder Pblico incorreu em inadimplementode obrigao fixada no texto da prpria Constituio, somente autoriza oSF a dirigir-lhe mera comunicao, ainda que em carter admonitrio,para cientific-lo de que se acha em mora constitucional, ressalvado o cartermandamental dessa mesma deciso, quando se tratar, excepcionalmente, dergo administrativo, hiptese em que este ter que cumprir a determinao

    da Corte, em trinta dias. (CF, art. 103, 2.) O Supremo ribunal Federal,em sede de controle abstrato, ao declarar a situao de inconstitucionalidade

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    38/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    3 8

    por omisso, no poder, em hiptese alguma, substituindo-se ao rgoestatal inadimplente, expedir provimentos normativos que atuem comosucedneo da norma reclamada pela Constituio, mas no editada oueditada de maneira incompleta pelo Poder Pblico [Celso de Mello,acrdo da Adin 1.484, 2001].

    A prtica do SF regulamentada no s pela Constituio Federal,mas tambm pelo Regimento Interno do tribunal. Este documento es-tabelece a composio e a competncia dos rgos do Supremo ribunal

    Federal, regula o processo e o julgamento dos feitos que lhe so atribudospela Constituio e disciplina seus servios.

    O tribunal compe-se de 11 ministros, sendo seus rgos o plenrio(11 ministros), as turmas (cinco ministros cada) e o presidente.

    O julgamento das Adins cabe ao plenrio do tribunal, que se renecom a presena mnima de seis ministros, sendo necessria a maioriaabsoluta dos votos (seis) para que se obtenha uma deciso.

    O Regimento Interno do SF (2002) determina inclusive a disposiodos ministros na mesa de julgamento.

    Art. 144. Nas sesses do Plenrio, o Presidente tem assento mesa, na par-te central, ficando o Procurador-Geral sua direita. Os demais Ministrossentar-se-o, pela ordem decrescente de antiguidade, alternadamente, noslugares laterais, a comear pela direita.

    O regimento estabelece tambm que o relator para cada uma dasAdins ser designado por sorteio. Cabe ao relator requerer informaes autoridade da qual tiver provindo o ato, assim como ao Congresso Nacio-nal e s Assembleias, quando for o caso. Ele tambm dever abrir vistasao procurador-geral da Repblica e citar o advogado-geral da Unio, quedefender o ato ou texto impugnado.

    O relator pode atuar monocraticamente, arquivando ou negando se-

    guimento a pedido que seja manifestamente incabvel ou improcedentee, ainda, quando contrariar a jurisprudncia predominante do tribunal,

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    39/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    3 9

    ou for evidente a incompetncia do SF para julgar a questo, podendotambm julgar prejudicado pedido que haja perdido o objeto. Quando nofor este o caso, ele deve submeter ao plenrio o relatrio para julgamentodo mrito. Sobre a possibilidade de atuao monocrtica, ilustrativa adeciso do ministro Celso de Mello na j citada Adin 1.484.

    A inviabilidade da presente ao direta, em decorrncia da razo mencio-nada, impe uma observao final: no desempenho dos poderes processuaisde que dispe, assiste, ao Ministro-Relator, competncia plena para exercer,

    monocraticamente, o controle das aes, pedidos ou recursos dirigidosao Supremo ribunal Federal, legitimando-se, em consequncia, os atosdecisrios que, nessa condio, venha a praticar. Cabe acentuar, nesteponto, que o Pleno do Supremo ribunal Federal reconheceu a inteiravalidade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuiesdo Relator, a competncia para negar trnsito, em deciso monocrtica, arecursos, pedidos ou aes, quando incabveis, intempestivos, sem objeto ou

    que veiculem pretenso incompatvel com a jurisprudncia predominantedo ribunal (RJ 139/53 RJ 168/174-175). Impe-se enfatizar, pornecessrio, que esse entendimento jurisprudencial tambm aplicvel aosprocessos de ao direta de inconstitucionalidade [...], eis que, tal como jassentou o Plenrio do Supremo ribunal Federal, o ordenamento positivobrasileiro no subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar enquantoresponsvel pela ordenao e direo do processo (RISF, art. 21, I) o

    controle prvio dos requisitos formais da fiscalizao normativa abstrata, oque inclui, dentre outras atribuies, o exame dos pressupostos processuaise das condies da prpria ao direta [acrdo da Adin 1.484, 2001].

    H circunstncias em que algum dos ministros pode ficar impedidode votar. Ele pode declarar-se impedido por ter ligao prxima com ocaso, ou por ser considerado que h envolvimento de interesse subjetivo.Havendo impedimento h o perigo de a votao resultar em empate, o

    que tornaria necessria a convocao de outro juiz para desempatar o caso.Essa questo gerou alguns debates no tribunal, como na deciso da Adin

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    40/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    4 0

    2.243. A ao foi proposta pelo Partido Liberal (PL) contra resoluo doribunal Superior Eleitoral estabelecendo os critrios para a distribuiodos horrios de propaganda eleitoral gratuita. Os ministros questionamse o ministro Nri da Silveira estaria impedido de participar do julga-mento porque era presidente do SE quando da edio da resoluo. Oposicionamento do ministro Moreira Alves ilustra a deciso do tribunalnesse caso.

    Sr. Presidente, no pode haver impedimento aqui, seno, em caso de em-

    pate, vamos convocar um Juiz do Superior ribunal de Justia, que no uma Corte com as nossas atribuies? emos que encontrar uma soluo.Veja V. Exa., imagine que desse aqui cinco a cinco, iramos convocar numamatria dessa natureza? O nico caso que acho realmente srio o de o ex--Procurador-Geral da Repblica ter sido o autor. Aqui no. Na realidade, foio ribunal que fez; no foi o Presidente que fez. No se trata de mandadode segurana, porque, nele, o Presidente quem presta informao. Aqui

    no. Quem est prestando informao o ribunal. O Presidente apenasa assina como seu representante. uma resoluo feita pelo ribunal, e oPresidente pode ate ficar vencido. Sr. Presidente, levanto a preliminar deque o eminente Ministro Nri da Silveira no est impedido, tendo em vistaessas razes [Moreira Alves, acrdo da Adin 2.243, 2000:8].

    Algumas Adins podem vir com pedido de liminar. Essa liminar (ou

    medida cautelar) uma maneira de antecipar provisoriamente a tutelajurisdicional. Para que ela possa ser julgada imprescindvel a presenade dois pressupostos: ofumus boni juris(fumaa do bom direito, que tratada razoabilidade, da plausibilidade jurdica do pedido) e opericulum inmora(perigo na demora, indicando que a demora do julgamento podeprovocar danos e prejuzos de difcil ressarcimento).

    A deciso do mrito da Adin (ou deciso final, visto a possibilidadede deciso liminar) pode ser pelo deferimento da ao (ou seja, a lei ou

    diploma em questo considerado inconstitucional) ou pelo seu indeferi-mento (ou seja, a lei ou diploma em questo considerado constitucional).

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    41/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    4 1

    O deferimento ou indeferimento de uma ao pode ser parcial, o queocorre quando o Supremo declara a inconstitucionalidade de uma deter-minada lei, ou segmento dessa lei, mas no declara a inconstitucionalidadede outra(s) lei(s) ou segmento(s) da(s) lei(s) questionados numa mesmaao. Mas, para efeito de anlise, quando a ao julgada parcialmentedeferida, consideramos deferida.13

    Uma das principais crticas que se tem feito atuao do SF jus-tamente a de ele se esquivar de tomar decises definitivas, decidindo emsede cautelar e se furtando de julgar o mrito das questes. Nas palavras

    de Werneck Vianna e colaboradores (1999:117), o SF tem preferidoexercer o controle da constitucionalidade das leis mais no julgamentodas liminares do que no do mrito, o que pode significar, entre outrosmotivos, uma atitude de reserva ou de parcimnia quanto explicitaoda sua jurisprudncia. Werneck Vianna acrescenta a sua interpretao aviso de eixeira(1997:113), que compreende poder ser esta uma atitudede cautela poltica porque, decidindo liminarmente, o Supremo sempre

    tem a possibilidade de rever sua deciso a partir dos impactos que elapoder causar.

    Outra crtica muito comum feita ao SF deve-se ao fato de ele poderabster-se de julgar uma determinada ao, no a conhecendo, utilizando,entre outros argumentos, a impossibilidade jurdica do pedido ou a ilegiti-midade do requerente. O Supremo pode tambm considerar a ao preju-dicada, alegando, especialmente, a perda de objeto, o que impossibilita o

    tribunal de julgar seu mrito. O fato de no conhecer a ao, ou consider-laprejudicada, pode ser pensado como uma forma de indeferimento.Notamos no prprio julgamento de algumas Adins discusses

    sobre tcnicas de julgamento, e a concluso de que no conhecer uma

    13Notamos esse mesmo procedimento de simplificao do sentido do voto dos juzes no traba-lho de Magalhes e Arajo (1998:30), e adotamos a justificativa dada pelos autores: rata-se, necessrio reconhec-lo, de um mtodo no isento de uma apreciao subjetiva, em particularno que respeita definio do que substancial em cada diploma sujeito apreciao do C.

    odavia, o risco que lhe est associado deve ser assumido na conscincia de que s atravs deum esforo de reduo de complexidade conseguir extrair-se alguma informao vlida sobre ocomportamento do voto dos juzes.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    42/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    4 2

    ao ou julg-la prejudicada implica, tecnicamente, indeferimento daao. A discusso travada entre os ministros Carlos Velloso, Seplve-da Pertence e Maurcio Corra na deciso da Adin 2.586 exemplificaessa concluso. Essa ao foi requerida pela Confederao Nacional daIndstria questionando portaria emitida pelo Ministrio das Minas eEnergia acerca da forma de cobrana de uma taxa relativa exploraode recursos minerais:

    VELLOSO(Relator) No estou conhecendo da ao com relao Portaria.

    Estou declarando a constitucionalidade da lei. Julgando improcedente a ao,declaro a constitucionalidade a lei, ento, vlida. No conhecendo da aorelativamente portaria, ela tambm vlida. PERENCE Mas, sequer sefala que ela ilegal. dito que inconstitucional a lei que delega autoridadeadministrativa a fixao da alquota de um imposto. Ento, o Ministro entendeque no imposto, preo pblico, logo, est prejudicada, neste ponto, essainconstitucionalidade por consequncia do ato de integrao da lei. CORRA

    Estou de pleno acordo com o eminente Ministro-Relator, embora essaquesto de julgar prejudicada e no conhecer da ao guarda uma similitudemuito grande. Vou preferir, tecnicamente, na hiptese, dizer que, com relao portaria, a ao encontra-se prejudicada. VELLOSO (Relator) Sr. Minis-tro, no se est dizendo que a Portaria ilegal. PERENCE Alega-se que,como a lei inconstitucional, porque delegou ao Ministro a fixao da alquota,consequentemente, a portaria, seja qual for o seu contedo que fixou a alquota,

    tambm ser inconstitucional. Seno, deixa-se, no ordenamento jurdico, ao noconhecer da ao contra a portaria, o seguinte; a lei inconstitucional. Mas, aportaria, que diz que a alquota da taxa de 10%, constitucional, ou, quantoa ela, no conhecemos da ao. VELLOSO (Relator) Seria perfeito se esti-vssemos declarando a inconstitucionalidade da lei. Mas estamos declarando aconstitucionalidade desta. [...] Penso que estamos em uma discusso acadmicado melhor nvel. PERENCE No. Data vnia, essa no acadmica, detcnica de julgamento. Se no se conhecer, no seria conhecida em nenhuma

    hiptese. O que pode decorrer do efeito de uma deciso sobre a outra o pre-juzo [acrdo da Adin 2.586, 2002:25-26].

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    43/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    4 3

    Para efeito de anlise, as aes prejudicadas e as aes no conhecidasforam contabilizadas na pesquisa como indeferidas.

    As concluses das decises dos ministros encontram-se nos acrdos.E so esses acrdos que constituem a base de dados da pesquisa, umavez que o SF no conta com um banco de dados que rena todas asinformaes necessrias sobre as Adins. Dado este fato, essas informaestiveram de ser coletadas a partir da leitura e anlise desses acrdos.

    Estudos do comportamento do Poder Judicirio

    Como nosso objetivo analisar o comportamento do SF no perodops-Constituio de 1988, a partir da forma como os ministros efetiva-mente decidiram casos relativos ao controle da constitucionalidade dasleis, importante discutirmos a metodologia de pesquisa utilizada pelosestudos do comportamento do Judicirio.

    Priorizamos os estudos do comportamento do Judicirio desenvolvidosna linha de pesquisa norte-americana denominadajudicial politics. A opopela utilizao dessa metodologia se deve ao reconhecido grau de desenvol-vimento dessa rea nos Estados Unidos (Magalhes e Arajo, 1998).

    evidente que levamos em conta as diferenas no funcionamento ena estrutura das cortes no Brasil e nos Estados Unidos, assim como asdiferenas nas tradies legais entre esses pases. Nos Estados Unidos a

    tradio legal a da common law, em que os juzes tm um papel maisativo na criao da lei, atravs de uma interpretao judicial mais aberta.Em nossa tradio, civil law, a interpretao judicial envolve, em tese, aaplicao da letra escrita da Constituio. Fbio Cardoso Machado (2004)afirma que na tradio da common lawo direito o que os juzes dizemque ele , enquanto na tradio da civil lawele o que os estudiosos di-zem que ele . Assim, na civil lawa funo judicial no criativa, sendo a

    jurisprudncia dominada pela doutrina, procurando at mesmo imit-la.

    Isso se refletiria na redao das sentenas judiciais, nas quais predominama abstrao e o conceitualismo da doutrina.

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    44/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    4 4

    aylor (2008) chama a ateno para o dogmatismo da educao legalno Brasil, centrada no formalismo e no corporativismo. Os juzes no Brasilseriam treinados para focar em princpios mais do que em consequncias,pensando na aplicao da lei escrita mais do que nas consequncias dedeterminada deciso para a nao como um todo.

    Mas importante lembrar, como afirma Domingo (2004), que como desenvolvimento e a expanso do Estado Moderno h uma gradualconvergncia entre ambos os sistemas (2004:106).

    Domingo (2004:121) lembra tambm que a consolidao de um

    discurso internacional em defesa dos direitos humanos e a promoo dodireito como aspecto legitimador dos governos, combinados com umagama de tratados e acordos internacionais, resultaram no estabelecimentode padres internacionais de direito.

    Como observa a autora, o principal papel do Poder Judicirio aadjudicao e o controle da constitucionalidade das leis, envolvendoquatro funes bsicas: 1) a resoluo de disputas, 2) a reviso judicial

    da constitucionalidade das leis, 3) a administrao da justia criminal e4) a proteo de direitos. na segunda dessas funes que nossa pesquisacentra ateno.

    No estudo do comportamento do Poder Judicirio a pergunta cls-sica : como os juzes chegam s decises? Essa pergunta se abre em doisquestionamentos, um enfatizando o aspecto individual (quais fatoresinfluenciam a forma como um juiz vota?) e o outro o aspecto coletivo

    (quais fatores influenciam a deciso da Corte?).O comportamento do Poder Judicirio foi vastamente estudadopela linha de pesquisa norte-americana denominada judicialpolitics.14

    A partir da leitura desses estudos possvel identificar quatro principaisabordagens do processo de deciso judicial: 1) atitudinal, 2) estratgica,3) institucional (novo institucionalismo) e 4) legal.

    Os estudos do comportamento do PJ tiveram grande influncia deteorias behavioristas e do realismo jurdico. Os pioneiros desses estudos

    14Ver ate (1981, 1997); Slotnick (1991); Epstein e Knight (1998); Clayton e Gillman (1999);Shapiro e Sweet (2002); Baird (2001); Segal e Spaeth (2002); Feldman (2005).

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    45/260

    P e r s p e c t i v a t e r i c o - m e t o d o l g i c a

    4 5

    so Herman Pritchett (1948) e Glendon Schubert (1965), que se opem viso tradicional da jurisprudncia de que os juzes decidiriam os casosmecanicamente.

    Pritchett (1948) afirma que a existncia e o aumento de decises nounnimes mostram que os juzes no seguem uma forma mecnica de

    jurisprudncia, mas, sim, perseguem metas polticas. Essa linha seguidapor tericos como Spaeth (1963), culminando no trabalho de refernciade Segal e Spaeth (1993), consolidando a abordagem atitudinal.

    O modelo atitudinal sugere que os juzes determinam suas decises

    com base em suas preferncias polticas pessoais, seus valores e suas con-vices ideolgicas. Os juzes tm preferncias e em suas decises queremchegar o mais prximo possvel dessas preferncias. Atitudes so definidaspor Segal e Spaeth (1993) como um conjunto de crenas inter-relacionadassobre um objeto e a situao na qual ele se encontra. Objetos so as partesdiretas e indiretas de um caso (litigantes, instituies etc.) e as situaesso os fatos. Nesse modelo de anlise as variveis mais importantes usadas

    para explicar o voto so duas: a identificao ideolgico-partidria dojuiz e o presidente que nomeou esse juiz. Variveis de backgroundsociale econmico (idade, religio, classe, raa, sexo etc.) so consideradas,mas elas teriam uma influncia apenas residual. Variveis contextuaistambm so includas no modelo, como composio do Congresso eopinio pblica. O principal argumento do modelo atitudinal o de queos juzes dispem de garantias que lhes do independncia em face do

    governo e outros atores polticos, e tm discricionariedade na escolha doscasos que vo decidir; assim, so livres para focalizar um nico objetivo:traduzir suas preferncias pessoais de natureza poltico-ideolgica em

    jurisprudncia constitucional.Segal e Spaeth (2002) constroem sua abordagem atitudinal em forte

    oposio ao modelo legal de interpretao. Segundo eles, no modelolegal os juzes so considerados atores neutros, que agem julgando se-gundo a lei e no fazendo escolhas. Os juzes, contudo, tm vontades,

    e as leis so flexveis o suficiente para possibilitar o exerccio dessasvontades; por isso, os juzes fazem escolhas entre diferentes posies

  • 7/25/2019 Justica, Profissionalismo e Politica

    46/260

    J u s t i a , p r o f i s s i o n a l i s m o e p o l t i c a

    4 6

    ideolgicas. Os autores afirmam que, se o modelo legal estivesse cor-reto, no importaria quem o presidente nomeasse para a Corte, dadosum treinamento judicial e certa inteligncia. Mas se a Suprema Cortebaseia suas decises nas atitudes e nos valores dos juzes, ento clara-mente a nomeao que o presidente faz o aspecto mais importantepara compreender a deciso judicial. Outra evidncia de que as decisesdosjusticesso baseadas em preferncias polticas pessoais, segundo osautores, est em que diferentes cortes e diferentes juzes