Juventude e Escolarizacao Os Sentidos Do Ensino Medio

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  • Juventude e escolarizao: os sentidos do Ensino Mdio

    ISSN 1982 - 0283

    Ano XIX boletim 18 - Novembro/2009

    Ministrio daEducao

    Secretariade Educao a Distncia

  • SUMRIO

    Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio

    Aos professores e professoras ................................................................................... 3

    Rosa Helena Mendona

    Apresentao da srie Juventude e escolarizao: os sentidos do Ensino Mdio ......... 4

    Juarez Dayrell

    Texto 1 (A) - Uma diversidade de sujeitos ................................................................12

    Juventude e diversidade no Ensino Mdio

    Ana Paula Corti

    Texto 1 (B) - Uma diversidade de sujeitos ................................................................16

    O aluno do Ensino Mdio: o jovem desconhecido

    Juarez Dayrell

    Texto 2 - Expectativas juvenis e identidade do Ensino Mdio ................................. 24

    Ensino Mdio no Brasil: Juventudes com futuro interditado

    Gaudncio Frigotto

    Texto 3 - Participao juvenil nas escolas ............................................................... 30

    CONECTADOS POR UM FIO: Alguns apontamentos sobre internet, culturas juvenis

    contemporneas e escola

    Elisabete Maria Garbin

  • 3Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio

    Aos professores e professoras,

    Quem so os jovens que chegam ao Ensino

    Mdio no Brasil? Quais so seus desejos e

    expectativas? Existe uma cultura prpria da

    juventude? Ou h juventudes e, assim, dife-

    rentes expresses culturais juvenis?

    Essas so algumas das indagaes que fa-

    zem parte da srie Juventude e escolarizao:

    os sentidos do Ensino Mdio, que conta com

    a consultoria de Juarez Dayrell, coordenador

    do Observatrio da Juventude, da UFMG.

    A leitura dos textos que compem esta pu-

    blicao eletrnica, aliada audincia da s-

    rie televisiva de mesmo nome, certamente

    possibilitaro reflexes sobre temas como

    a crise de legitimidade da escola, a incon-

    gruncia entre o que a sociedade espera da

    escola e o que a escola tem sido capaz de

    oferecer sociedade.

    Os sentidos atribudos pelos jovens edu-

    cao; A participao juvenil em diferen-

    tes contextos escolares; A construo de

    projetos pedaggicos que efetivamente

    respondam aos anseios dos jovens. Essas e

    outras questes esto postas para pesqui-

    sadores e professores em seus cotidianos

    e so desafios para as polticas pblicas

    intersetoriais em interface com a educa-

    o.

    A TV Escola, por meio do programa Salto

    para o Futuro, ao retomar a temtica da re-

    lao entre os jovens e o Ensino Mdio, na

    srie Juventude e escolarizao: os sentidos do

    Ensino Mdio, pretende contribuir para esse

    debate to significativo para a educao

    em nosso pas. Afinal, os projetos de futu-

    ro dos jovens expressam o prprio futuro da

    sociedade brasileira: a mudana de um mo-

    delo profundamente excludente, em espe-

    cial com os jovens das camadas populares,

    como tem se constitudo ao longo da hist-

    ria, para uma sociedade mais justa e equ-

    nime para todos. Acreditamos na potncia

    da educao como um dos caminhos para

    tornar realidade esta utopia.

    Rosa Helena Mendona1

    1 Supervisora Pedaggica do programa Salto para o Futuro.

  • 41 Professor da Faculdade de Educao da UFMG e coordenador do Observatrio da Juventude da UFMG. Consultor da srie.

    APRESENTAO

    Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio

    Juarez Dayrell1

    A srie Juventude e escolarizao: os sentidos

    do Ensino Mdio tem como eixo a reflexo so-

    bre o Ensino Mdio, mas na perspectiva dos

    seus jovens alunos. O ponto de partida ser

    uma problematizao sobre quem so os jo-

    vens que esto chegando ao Ensino Mdio

    no Brasil, trazendo elementos para proble-

    matizar a condio juvenil atual, sua cultu-

    ra, suas demandas e necessidades prprias.

    Propomos, assim, uma mudana no eixo da

    reflexo, passando das instituies educati-

    vas para os sujeitos jovens, tendo em vista

    que a escola tem de ser repensada para res-

    ponder aos desafios que a juventude nos co-

    loca. Quando o ser humano passa a se fazer

    novas interrogaes, a pedagogia e a escola

    tambm tm de se interrogar de forma di-

    ferente. este o nosso intuito: fornecer ele-

    mentos para que a escola e seus professores

    reflitam sobre a condio juvenil dos seus

    alunos e, neste contexto, as demandas que

    se apresentam para a escola. Pretendemos

    tambm problematizar os mltiplos senti-

    dos do Ensino Mdio e a relao deste n-

    vel de ensino com os projetos de futuro dos

    jovens. Finalmente, buscamos refletir sobre

    as repercusses das novas tecnologias digi-

    tais na escola, discutindo formas possveis

    de articul-las ao cotidiano da sala de aula.

    As ideias centrais discutidas neste programa

    situam-se no contexto da crise da escola, es-

    pecificamente do Ensino Mdio. Sabe-se que

    os dilemas enfrentados pela educao nos

    ltimos anos no se restringem ao Ensino

    Mdio, tampouco ao contexto brasileiro. Tais

    dilemas tm sido definidos como uma crise

    de legitimidade da escola (Stoer, 2001; Cor-

    reia e Matos, 2001; Krawczyk, 2009); como

    reflexo das profundas mutaes que vm

    afetando as sociedades ocidentais (Dayrell,

    2007); como um momento de mutao na

    educao (Canrio, 2005) ou ainda como

    uma etapa no apenas de estancamento,

    mas de regresso no campo educativo (Ga-

    dotti, 1992, p. 75). Seja qual for a tese uti-

    lizada para caracterizar o momento vivido

    atualmente pela instituio escolar e pela

    educao, o que se tem tentado denunciar

    a situao de incongruncia entre o que a

  • 5sociedade espera da escola e o que a escola

    tem sido capaz de oferecer sociedade. A

    situao parece se acirrar, especificamente,

    no Ensino Mdio, sobretudo em virtude da

    forte tenso na relao dos jovens com a

    escola (Correia e Matos, 2001; Dayrell, 2007;

    Krawczyk, 2009).

    No Brasil, apesar dos esforos para a univer-

    salizao do acesso escolarizao bsica, a

    educao no integra um projeto de desen-

    volvimento do pas, o que para uma parce-

    la da juventude brasileira tem significado a

    abolio de uma etapa importante da vida

    (Madeira, 2006), uma vez que a universali-

    zao desta etapa da educao encontra um

    funil justamente no Ensino Mdio, apesar do

    aumento das matrculas nos ltimos anos.

    Esta autora defende a democratizao do

    acesso a este nvel do ensino como meio de

    possibilitar aos jovens vivenciar a juventude

    e prolongar a entrada na vida adulta. Nes-

    se sentido, argumenta que a dificuldade de

    expanso do Ensino Mdio est fortemente

    relacionada s desigualdades regionais do

    pas. No censo de 2000, enquanto 47,6% dos

    jovens da Regio Sudeste, de 15 a 17 anos,

    frequentavam o Ensino Mdio, no Nordeste

    esse nmero era de 19,9%, muito abaixo da

    mdia nacional, de 35,7%. Pesquisa recente

    do IPEA (2008) mostra que esse quadro de

    contraste regional tem se mantido estvel,

    com frequncia lquida no Sul/Sudeste atin-

    gindo 58%, contra 33,3% no Norte/Nordeste

    (Ensino Mdio Inovador, 2009). As desigual-

    dades regionais so, sem dvida, um gran-

    de desafio para a democratizao do acesso

    aos anos finais da educao bsica, mas no

    o nico.

    Em publicao recente, Krawczyk (2009)

    elenca pelo menos sete desafios que esto

    postos ao Ensino Mdio no Brasil e que de-

    vem ser pensados no mbito das polticas

    pblicas para o Ensino Mdio. A autora des-

    taca os seguintes desafios como centrais

    para o debate: a expanso das matrculas

    e a obrigatoriedade desta etapa do ensino

    o que implica pensar nos custos; a per-

    manente tenso entre formao geral e/ou

    profissional e, por conseguinte, o currculo

    do Ensino Mdio o que implica pensar a

    identidade deste nvel de ensino; o pblico e

    o privado nos discursos e nas polticas edu-

    cacionais para a juventude; as novas tecno-

    logias educacionais no contexto escolar; as

    relaes professor/aluno e jovem/adulto no

    contexto escolar; o papel da escola de nvel

    mdio na vida dos jovens. Acrescentamos a

    estes desafios a necessidade de estimular o

    envolvimento e a participao dos jovens no

    cotidiano das suas escolas e a importncia

    de desvendar o sentido atribudo pelos jo-

    vens educao, o que poderia apontar im-

    portantes indcios para a construo de um

    projeto poltico pedaggico para as escolas

    de Ensino Mdio que respondesse s deman-

    das concretas da juventude.

    Tais desafios expressam um debate sobre o

  • 6prprio carter do Ensino Mdio no contexto

    da educao bsica. Segundo Castro (1997),

    as discusses sobre os modelos e propostas

    para o Ensino Mdio se organizam em torno

    de dois eixos:

    As discusses em torno de modelos e

    propostas para a reorganizao da es-

    cola de nvel mdio, seja na sua varivel

    acadmica ou tcnica, tm sido pautadas

    pela busca de respostas a dois grandes

    desafios. Por um lado, como promover

    a expanso do atendimento sem abrir

    mo da qualidade, fazendo frente ao ex-

    plosivo crescimento das matrculas, que

    praticamente dobraram nos ltimos dez

    anos. Por outro lado, como conciliar as

    mltiplas funes atribudas ao secun-

    drio, entre as quais a qualificao para

    o mercado de trabalho e a habilitao

    para o ingresso no ensino, superior, num

    contexto de rpidas transformaes tec-

    nolgicas e exacerbada competitividade

    determinada pela globalizao econmi-

    ca. (Castro, 1997).

    Nesse sentido, muito se discutiu sobre o ca-

    rter das propostas apresentadas e/ou im-

    plementadas e sobre as promessas no rea-

    lizadas (Ferretti, 2003; Zibas, 2005; Kuenzer,

    2000), alm dos debates sobre a identidade

    desse nvel de ensino (Castro, 2008; Olivei-

    ra, 2008; Ramos, 2003), da necessidade de

    se pensar uma poltica nacional, implemen-

    tada de forma descentralizada e autnoma

    pelas unidades da federao (Domingues et

    al., 2000), o que inclui ainda questes sobre

    o financiamento, por exemplo.

    Muitas dessas questes encontram-se ainda

    por resolver, tais como aquelas referidas

    identidade do Ensino Mdio, se propeduti-

    co, tcnico, ou se a proposta adequada se

    refere articulao dessas duas dimenses,

    o que envolve uma reflexo sobre o papel

    da escola mdia como etapa final do ensi-

    no bsico e sua relao com o mercado de

    trabalho, com o Ensino Superior e com a

    formao pensada em termos mais amplos,

    relacionada s noes de autonomia e cida-

    dania.

    As respostas a tais questes, que tratam no

    apenas da expanso vertiginosa do nme-

    ro de matrculas no Ensino Mdio, mas

    qualidade desse nvel de ensino, devem se

    orientar a partir de seis dimenses, segun-

    do Goulart et al. (2006): caracterizao so-

    cioeconmica e cultural dos alunos, o papel

    do Estado, especialmente no que se refere

    elaborao e implementao de legisla-

    o, polticas e programas, a infraestrutura

    do sistema de ensino e seus impactos na

    aprendizagem, a gesto escolar, a organiza-

    o didtico-pedaggica, o papel do profes-

    sor e, por fim, o aluno, como pea-chave do

    processo educacional.

    V-se, pois, que duas das dimenses apre-

    sentadas se voltam para os jovens estu-

  • 7dantes de Ensino Mdio, caracterizando-os

    como peas-chave do processo de qualifica-

    o desse nvel de ensino, que deve, por sua

    vez, se adequar s caractersticas desses jo-

    vens. Fica evidente, assim, a necessidade de

    a escola e seus professores refletirem sobre

    o sentido da escola para os seus alunos, bem

    como sobre a relao que estes estabelecem

    com os projetos de futuro. preciso, portan-

    to, compreender as expectativas dos jovens

    estudantes a respeito de sua formao esco-

    lar e a avaliao que eles fazem dessa.

    Finalmente, aproximando-se mais do cho

    da escola, propomos o debate sobre o envol-

    vimento e o interesse do jovem com as ativi-

    dades cotidianas propostas pela escola. Nes-

    te sentido, buscamos refletir sobre as novas

    Tecnologias de Informao e Comunicao

    (TICs) e as diversas manifestaes culturais

    juvenis desenvolvidas por meio dessas ferra-

    mentas, como um meio de estimular o en-

    volvimento dos jovens na escola e entre os

    prprios jovens estudantes do Ensino Mdio.

    O uso da internet nas esferas da sociabilida-

    de, atravs dos sites de relacionamento ou

    dos chamados blogs, uma realidade not-

    ria. Quem no conhece algum que tem um

    perfil no Orkut, no Facebook, no Myspace,

    ou no Hi5; que fala sobre seu cotidiano no

    Twitter ou que constri um blog para escre-

    ver sobre seus interesses? Essas ferramentas

    tm constitudo, paulatinamente, espao

    privilegiado de comunicao entre os jo-

    vens. Diante dessa popularidade das mdias

    eletrnicas, acreditamos que essas manifes-

    taes culturais juvenis podem e devem ser

    utilizadas como ferramentas que possam

    facilitar a interlocuo e o dilogo entre os

    jovens e a escola, contribuindo assim para

    o desenvolvimento de prticas pedaggicas

    inovadoras. Nesse sentido, cabe ao sistema

    de ensino manter os profissionais da edu-

    cao em permanente atualizao sobre as

    transformaes que afetam as sociedades

    contemporneas e que, inevitavelmente,

    afetam tambm as relaes sociais na es-

    cola, como apontado por Krawczyk (2009).

    Em um sentido mais geral, pontuamos a im-

    portncia e a necessidade de docentes com

    formao adequada ao desenvolvimento do

    trabalho com jovens, constantemente atua-

    lizados e motivados, sobretudo no que tange

    s transformaes que vm afetando a nos-

    sa sociedade e, consequentemente, a insti-

    tuio escolar.

    este conjunto de questes aqui levantadas

    que ser o eixo norteador dos programas

    desta srie e dos textos que se seguem. A

    seguir, so apresentadas as ementas dos tex-

    tos que subsidiam os referidos programas.

  • 8TEXTOS DA SRIE JUVENTUDE E ESCOLARIZAO:

    OS SENTIDOS DO ENSINO MDIO2

    A partir dos anos de 1980, com a chegada de

    novos contingentes populacionais ao ensino

    secundrio, e principalmente na dcada de

    1990, com a expanso significativa do nme-

    ro de matrculas, um heterogneo grupo de

    jovens chega ao Ensino Mdio brasileiro. Nes-

    se cenrio, avistamos uma nova configurao

    da realidade da escola pblica, decorrente da

    recente expanso das oportunidades escola-

    res, que no acompanha a qualidade do en-

    sino, o que levanta novas questes e dilemas

    para a compreenso da experincia escolar

    dos jovens. A proposta da srie discutir os

    sentidos do Ensino Mdio nesse contexto.

    TEXTO 1 (A E B) - UMA DIVERSIDADE DE SUJEITOS

    Como vimos anteriormente, assistimos no

    Brasil, principalmente a partir de meados da

    dcada de 1990, uma expanso significativa

    do nmero de matrculas, com a chegada de

    um heterogneo grupo de jovens ao Ensino

    Mdio brasileiro. Nesse cenrio, avistamos

    uma nova configurao da realidade da es-

    cola pblica, decorrente da recente expan-

    so das oportunidades escolares, que no

    acompanha a qualidade do ensino, o que le-

    vanta novas questes e dilemas para a com-

    preenso da experincia escolar dos jovens.

    Esse pblico que vivencia os efeitos das de-

    sigualdades sociais traz ao interior da esco-

    la novos desafios. O trabalho geralmente

    condio de sobrevivncia, fazendo com que

    a trajetria escolar dos jovens esteja sobre-

    posta ao projeto escolar. Alm disso, uma

    diversidade de manifestaes juvenis, tais

    como grupos de sociabilidade e afinidade,

    novas formas de participao e socializao,

    invadem o espao pblico e escolar. Diante

    desse quadro, no primeiro programa da s-

    rie Juventude e escolarizao, sero dis-

    cutidas as significaes dadas a tais jovens.

    Quem so os jovens que chegam s escolas

    de Ensino Mdio? Quais as representaes

    que a escola e seus professores fazem dos jo-

    vens alunos? A escola conhece seus alunos?

    Que tipos de vivncias e saberes constroem

    fora do universo escolar? Por que tantos

    evadem do sistema escolar? Quais sentidos

    que os jovens atribuem a essa experincia

    escolar?

    Partindo, principalmente, dos pontos de vis-

    ta dos alunos, ou seja, os sentidos e signifi-

    cados juvenis sobre essa etapa de escolariza-

    o, que sero apresentadas experincias

    escolares que se orientam pela articulao

    2 Estes textos so complementares srie , com veiculao no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 23 a 27 de novembro de 2009.

  • 9de contedos das disciplinas e saberes cole-

    tivos ou juvenis, alm de experincias extra-

    escolares que se pautam na participao ju-

    venil. Afinal, quais os pontos de intercesso

    entre os atores das escolas? Em que medida

    h um modelo simblico construdo na ins-

    tituio escolar que se distancia de vivncias

    comuns dos jovens alunos? Como o cotidia-

    no escolar pode promover o dilogo e fazer

    da escola uma experincia significativa para

    os jovens?

    Para subsidiar esta discusso, apresentamos

    dois textos. O primeiro, Juventude e diversi-

    dade no Ensino Mdio, de Ana Paula Corti,

    desenvolve uma reflexo sobre o processo

    de expanso do Ensino Mdio e seus prin-

    cipais desafios. Dentre eles, a diversidade

    dos alunos que passam a chegar s escolas.

    Ainda neste eixo, o segundo texto, O aluno

    do Ensino Mdio: o jovem desconhecido, de

    Juarez Dayrell, nos traz uma reflexo sobre

    as dimenses da condio juvenil dos jovens

    contemporneos, apontando elementos im-

    portantes para uma compreenso dos alu-

    nos como jovens que so.

    TEXTO 2 - EXPECTATIVAS JUVENIS E IDENTIDADE DO ENSINO MDIO

    O que os jovens esperam da escola? Quais

    planos de futuro os jovens estudantes do En-

    sino Mdio tm construdo para suas vidas?

    H relaes entre tais planos e as suas expe-

    rincias escolares? Este programa procura

    trazer para o debate as transformaes, ao

    longo do tempo, nos sentidos atribudos ao

    Ensino Mdio. Antes este nvel de ensino sig-

    nificava o caminho natural para quem pre-

    tendia continuar os estudos universitrios,

    porque voltado basicamente para jovens da

    classe mdia. Agora, com a sua expanso,

    para muitos jovens o Ensino Mdio tam-

    bm considerado a ltima etapa da escolari-

    dade obrigatria, em outras palavras, o final

    do percurso da escolarizao. Esse contexto

    vem gerando o debate entre o carter pro-

    pedutico ou profissionalizante a ser toma-

    do por esse nvel de ensino. Afinal, se existe

    uma ou vrias, quais as funes do Ensino

    Mdio? Ele deve preparar os jovens para o

    mundo do trabalho, para a cidadania, para o

    ingresso na universidade?

    De maneira geral, podemos afirmar que o

    universo escolar configura-se para muitos

    jovens por uma ambiguidade caracterizada

    pela valorizao do estudo como uma pro-

    messa futura, uma forma de garantir um

    mnimo de credencial para pleitear um lugar

    no mercado de trabalho, ao mesmo tempo

    que supre uma possvel falta de sentido que

    encontram no presente. Este programa trar

    tona as expectativas de futuro dos jovens

    alunos articuladas s suas vivncias escola-

    res. Como se articulam os interesses pesso-

    ais e planos de vida juvenis com as deman-

    das do cotidiano escolar? Em que medida

  • 10

    os sentidos atribudos experincia escolar

    motivam a elaborao dos projetos de futu-

    ro dos jovens? A proposta do Ensino Mdio

    Inovador e a constituio da chamada Es-

    cola Jovem seria uma leitura mais sofistica-

    da do poder pblico sobre as demandas dos

    estudantes?

    O texto que subsidia esta discusso Ensi-

    no Mdio no Brasil: juventudes com fu-

    turo interditado, de autoria do Prof. Gau-

    dncio Frigotto. Nele o autor retoma o

    tema da diversidade juvenil, enfatizando a

    questo da desigualdade social, amplian-

    do assim a problematizao em torno da

    condio juvenil no Brasil. Em seguida, o

    autor traz uma importante reflexo sobre

    as (poucas) perspectivas de futuro para a

    grande maioria dos jovens alunos, denun-

    ciando um contexto sociopoltico que co-

    loca a juventude com a vida provisria e

    em suspenso.

    TEXTO 3 - PARTICIPAO JUVENIL NAS ESCOLAS

    Quem mexe com a internet fica bom em

    quase tudo, quem tem computador nem

    precisa de estudo, estudar pra qu?

    O verso da msica Estudar pra qu?, do

    grupo musical Pato Fu, acaba por ironizar

    um significado bastante recorrente no senso

    comum sobre um possvel antagonismo nas

    relaes entre escola e internet, as normas

    lingusticas escolares e a escrita abreviada da

    net. Se partirmos dessa dicotomia, as expres-

    ses e invenes juvenis em espaos exteriores

    da instituio escolar podem ser vistas como

    inadequadas, irrelevantes ou at controversas

    cultura escolar. Entretanto, como provocar

    o dilogo entre as expressividades culturais e

    modos de participao juvenis com as prti-

    cas e tempos da cultura escolar hegemnica?

    Aproximaes com espaos e prticas de so-

    ciabilidade dos jovens podem contribuir como

    referncias para o trabalho pedaggico. Nesse

    sentido, o terceiro programa traz reflexo os

    desafios do encontro das cultura(s) escolares e

    juvenis e apresenta prticas educativas consi-

    deradas inovadoras por colocarem no centro

    as trocas possveis e que geram interessantes

    relaes de ensino-aprendizagem, explicitando

    relaes entre juventude e escola.

    O texto que subsidia este debate : Conecta-

    dos por um fio: alguns apontamentos sobre

    internet, culturas juvenis contemporneas e

    escola, da Prof Elisabete Garbin. Nele a autora

    situa o surgimento da internet e os impactos

    que vem causando deste ento no nosso coti-

    diano, principalmente para jovens, discutindo

    o envolvimento cada vez maior desta parcela

    da populao com os meios digitais. Ela nos

    mostra como a internet rene trs campos que

    at ento eram distintos: a cultura e os novos

    conhecimentos produzidos a partir das tecno-

    logias digitais; a comunicao e o lazer e final-

  • 11

    mente a informao simultnea. Ao mesmo

    tempo, Garbin discute as repercusses deste

    avano tecnolgico na sala de aula, principal-

    mente na produo do conhecimento, eviden-

    ciando as pistas mas tambm os desafios para

    a escola e seus professores trabalharem com

    as ferramentas da internet.

    Os textos 1, 2 e 3 tambm so referenciais

    para o quarto programa, com entrevistas

    que refletem sobre esta temtica (Outros

    olhares sobre Juventude e escolarizao) e

    para as discusses do quinto e ltimo pro-

    grama da srie (Juventude e escolarizao

    em debate).

  • 12

    TEXTO 1 (A)

    uMa diversidade de suJeitosJUVENTUDE E DIVERSIDADE NO ENSINO MDIO

    Ana Paula Corti*

    O Ensino Mdio no Brasil parece estar ga-

    nhando novo flego nos ltimos anos. Tra-

    dicionalmente esquecido e colocado em se-

    gundo plano diante da priorizao do Ensino

    Fundamental, ele passa agora a ser reconhe-

    cido como um dos principais gargalos da

    educao brasileira e uma etapa de ensino

    estratgica para o desenvolvimento do pas.

    O crescimento fantstico nas matrculas,

    nos ltimos 15 anos, ao mesmo tempo

    animador e assustador. Entre 1995 e 2005,

    chegaram aos sistemas de ensino estaduais

    mais 4 milhes de jovens no Ensino Mdio

    (totalizando uma populao escolar de 9 mi-

    lhes). Para termos uma ideia da magnitude

    dos nmeros, o Chile tinha, em 2005, pouco

    mais de um milho de alunos no ensino se-

    cundrio.

    A enorme ampliao do acesso no foi

    acompanhada de polticas e aes gover-

    namentais que pudessem sustent-la com

    a qualidade necessria. O resultado foi um

    aumento quantitativo que acirrou uma crise

    j estrutural na educao secundria: afinal,

    quais os objetivos e as finalidades do Ensino

    Mdio?

    Como aponta a pesquisadora Dagmar Zibas,

    diferentemente do ensino primrio, o Bra-

    sil nunca chegou a construir um consenso a

    respeito da educao secundria:

    De fato, se o nosso sistema de ensino

    primrio, tendo como ideal a escola re-

    publicana francesa do final do sculo

    XIX, conseguiu, ao longo de sua histria,

    algum consenso quanto s suas finali-

    dades e contedos, objetivando instituir

    uma racionalidade moderna e um sen-

    timento de unidade nacional, foi a am-

    pliao do acesso ao ensino secundrio

    que concentrou a resistncia dos setores

    conservadores, colocando a nu uma rea

    de profundos conflitos, cujos desdobra-

    mentos ficam evidentes ao longo da his-

    tria do ensino mdio (...) (ZIBAS, 2005).

    A incluso do Ensino Mdio no mbito da

    educao bsica, pela Lei de Diretrizes e Ba-

    ses de 1996, reconfigurou a educao secun-

    1 Mestre em Cincias Sociais, assessora da Ao Educativa.

  • 13

    dria, tradicionalmente reservada s elites

    intelectuais e econmicas, como um pata-

    mar bsico de escolaridade que todos/as os

    brasileiros deveriam ter. Os avanos na co-

    bertura do Ensino Fundamental e as polti-

    cas de correo de fluxo que acompanharam

    esses avanos geraram, efetivamente, uma

    nova demanda por Ensino Mdio no pas.

    No plano cur-

    ricular, a ela-

    borao de di-

    retrizes para o

    Ensino Mdio,

    em 1998, refor-

    ou um modelo

    de formao ge-

    ral, agora estru-

    turado em trs

    reas de conhe-

    cimento, em

    que as tnicas

    passaram a ser:

    interdisciplina-

    riedade, contex-

    tualizao e de-

    senvolvimento de competncias.

    Alguns estudos mostraram, mais tarde, que

    diretrizes curriculares divorciadas de uma

    poltica de expanso fsica e financeira e de

    formao so como um edifcio erguido em

    terreno pantanoso no possuem nenhuma

    sustentao. Nesse sentido, em pesquisa

    publicada em 2003, a Unesco mostra que as

    escolas e os professores pouco conheciam

    os documentos da reforma curricular, o que

    redundou em baixo impacto das medidas no

    cotidiano das escolas.

    Nomeada por Dagmar Zibas como o par-

    to da montanha, a reforma dos anos 1990

    no chegou a parir um novo Ensino Mdio.

    O novo no veio do currculo, mas do per-

    fil dos jovens que pas-

    saram a chegar aos

    bancos escolares a

    expanso e a demo-

    cratizao do acesso

    trouxe para a escola

    a diversidade cultu-

    ral das juventudes, e

    tambm as desigual-

    dades sociais e eco-

    nmicas que marcam

    sua condio. Muitos

    jovens passaram a

    ser os primeiros em

    suas famlias a terem

    acesso ao Ensino M-

    dio jovens mais es-

    colarizados que seus pais, mes e familia-

    res divididos entre a promessa positiva de

    ascenso social anunciada pela escola, e o

    confronto dramtico com uma situao de

    desemprego estrutural sem precedentes.

    diante de um pblico juvenil extremamen-

    te diverso, que traz para dentro da escola as

    contradies de uma sociedade que avana

    diante de um pblico

    juvenil extremamente

    diverso, que traz para dentro

    da escola as contradies de

    uma sociedade que avana

    na incluso educacional

    sem transformar a estrutura

    social desigual mantendo

    acesso precrio sade, ao

    transporte, cultura e lazer

    e ao trabalho que o novo

    Ensino Mdio se forja.

  • 14

    na incluso educacional sem transformar a

    estrutura social desigual mantendo acesso

    precrio sade, ao transporte, cultura e

    lazer e ao trabalho que o novo Ensino M-

    dio se forja. As desigualdades sociais passam

    a tensionar a instituio escolar e a produzir

    novos conflitos.

    O tema da violncia escolar, por exemplo,

    emerge com fora no final da dcada de 1990

    e nos anos 2000, paralelamente ao processo

    de expanso das matrculas no nvel mdio,

    e do avano na universalizao no ensino

    fundamental. Os estudos tentam entender

    porque os adolescentes e os jovens de baixa

    renda, agora includos na escola, passam a

    expressar tamanha recusa ao seu modelo de

    socializao e de conhecimento uma inda-

    gao que marca presena em pesquisas de

    diversos pases.

    Um dos socilogos franceses que aborda

    essa questo vai nos mostrar que a compre-

    enso das novas tenses entre os jovens e a

    escola exige desvelar, de um lado, a lgica

    escolar e, de outro, a lgica juvenil nas so-

    ciedades atuais:

    Do ponto de vista dos alunos, a cons-

    truo da individualidade se realiza sob

    um duplo registro. preciso crescer no

    mundo escolar e naquele do adolescente.

    Alguns o conseguem com facilidade. Ou-

    tros, ao contrrio, vivem apenas em um

    destes registros (DUBET, 1998).

    A escola, por sua vez, j no consegue ocul-

    tar seus limites em cumprir as promessas de

    mobilidade social. O diploma de nvel m-

    dio sofre um processo de desvalorizao e,

    se consiste em requisito necessrio para a

    entrada no mercado de trabalho, ele certa-

    mente deixa de ser suficiente para garantir

    um emprego. O estudo de Luciane Bombach

    mostra que, nos anos 1990, o aumento dos

    nveis de escolarizao entre os jovens de 15

    e 24 anos no gerou o crescimento espera-

    do em seus nveis de renda. Pelo contrrio,

    a renda dos jovens com diploma de Ensino

    Mdio despencou entre 1981 e o ano de 2002,

    na regio metropolitana de So Paulo.

    Mas, em que pesem as consequncias per-

    versas de uma expanso quantitativa feita

    de forma precria no Ensino Mdio brasilei-

    ro, sua importncia nos parece inquestion-

    vel. Os problemas que dela advm so, nesse

    sentido, bons problemas pois anunciam a

    realizao de novos direitos. O direito que

    todos/as os/as jovens tm de frequentar

    uma escola, e faz-lo com qualidade. E so

    justamente as condies necessrias para

    construir uma escola de qualidade que pre-

    cisam ganhar fora no debate atual sobre

    o Ensino Mdio. H ainda uma fragilidade

    quanto proposio do que seria esta quali-

    dade, tanto por parte dos governos, quanto

    por parte das prprias escolas e da socieda-

    de civil organizada.

    Os anseios e expectativas do pblico jovem

  • 15

    que hoje tem acesso ao Ensino Mdio no

    esto mais restritos entrada na univer-

    sidade, como foi numa poca em que sua

    clientela era formada por uma minoria per-

    tencente a grupos sociais economicamente

    favorecidos. Hoje, cerca de 60% dos estu-

    dantes que concluem o Ensino Mdio no

    ingressam no ensino superior. No entanto,

    o currculo atual ainda carrega os resqucios

    do ensino propedutico, na medida em que

    se manteve organizado a partir dos compo-

    nentes curriculares exigidos no vestibular.

    A diversidade no Ensino Mdio, que se ex-

    pressa nos sujeitos e tambm nas vrias for-

    mas de organizao desta etapa de ensino

    educao no campo, ensino noturno, EJA

    (educao de jovens e adultos), educao

    profissional, escolas indgenas, entre outras

    parece exigir um currculo diversificado,

    mais flexvel, que possa contemplar realida-

    des locais, e que, principalmente, seja capaz

    de estar articulado ao mundo do trabalho

    esfera de produo da existncia humana,

    da realizao, da sobrevivncia e da auto-

    nomia. Sabemos bem da centralidade que o

    trabalho ocupa na vida dos jovens que esto

    no Ensino Mdio e, sem confundir isso uni-

    camente com a defesa da educao profis-

    sional (as coisas no so sinnimas), parece

    ser necessrio aprofundar as conexes entre

    a escola e o mundo do trabalho, como um

    direito essencial para a cidadania juvenil.

    BIBLIOGRAFIA

    ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia.

    Ensino Mdio: mltiplas vozes. Braslia: UNES-

    CO/MEC, 2003.

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    des? Reflexes em torno da socializao ju-

    venil. In: Educao e Sociedade. Campinas,

    vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1.105-1.128, out.

    2007.

    DUBET, Franois. A formao dos indivduos:

    a desinstitucionalizao. In: Contemporanei-

    dade e Educao. Ano III, n. 3, maro de 1998.

    SPOSITO, Marilia. Um breve balano da pes-

    quisa sobre violncia escolar no Brasil. In:

    Educao e Pesquisa. So Paulo, v. 27, n. 1, p.

    87-103, jan./jun. 2001.

    ZIBAS, Dagmar. A reforma do Ensino Mdio

    nos anos de 1990: o parto da montanha e as

    novas perspectivas. In: Revista Brasileira de

    Educao, n. 28, 2005.

    _____________.A Revolta dos Pingins e o novo

    pacto educacional chileno. In: Revista Brasileira

    de Educao, v. 13, n. 38, maio/ago. 2008.

    BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCA-

    O. Resoluo CEB n 3, de 26 de junho de

    1998. Institui as Diretrizes Curriculares Na-

    cionais para o Ensino Mdio.

  • 16

    TEXTO 1 (B)

    uMa diversidade de suJeitosO ALUNO DO ENSINO MDIO: O JOVEM DESCONHECIDO

    Juarez Dayrell1

    Vejo na tv o que eles falam sobre o jovem no srio

    O jovem no Brasil nunca levado a srio (...)

    Sempre quis falar, nunca tive chance

    Tudo que eu queria estava fora do meu alcance (...)

    (Charlie Brown Jr No srio)

    Este trecho da msica do grupo Charlie Bro-

    wn Jr traduz e denuncia parte dos desafios

    vivenciados pelos jovens na sua relao com

    a escola. Como diz a msica, o jovem no

    levado a srio, exprimindo a tendncia, mui-

    to comum nas escolas e programas educa-

    tivos, de no considerar o jovem como in-

    terlocutor vlido, capaz de emitir opinies e

    interferir nas propostas que lhe dizem res-

    peito, desestimulando a sua participao e o

    seu protagonismo. A msica tambm denun-

    cia um outro fenmeno comum: a criao de

    imagens e preconceitos sobre a juventude,

    quase sempre abordados sob perspectiva ne-

    gativa. No cotidiano das nossas escolas, por

    exemplo, o jovem geralmente aparece como

    problema, com nfase na sua indisciplina; na

    falta de respeito nas relaes entre os pares

    e com os professores; na sua irresponsabi-

    lidade diante dos compromissos escolares;

    na sua rebeldia quanto forma de vestir

    calas e blusas largussimas, piercings, tatu-

    agens e o indefectvel bon o que pode ser

    motivo de conflito quando a escola define

    um padro rgido de vestimenta. comum

    tambm entre os professores o esteretipo

    das geraes atuais como sendo desinteres-

    sadas pelo contexto social, individualistas e

    alienadas, numa tendncia a compar-las s

    geraes anteriores, mitificadas como gera-

    es mais comprometidas e generosas. Alm

    disso, a juventude considerada uma uni-

    dade social, um grupo dotado de interesses

    comuns, os quais se referem a determinada

    faixa etria. Nessa perspectiva, a juventude

    assumiria um carter universal e homog-

    neo, sendo igual em qualquer lugar, em qual-

    quer escola ou turno.

    1 Professor da Faculdade de Educao da UFMG e coordenador do Observatrio da Juventude da UFMG. Consultor da srie.

  • 17

    O que se constata que boa parte dos profes-

    sores do Ensino Mdio tende a ver o jovem

    aluno a partir de um conjunto de modelos e

    esteretipos socialmente construdos, e com

    esse olhar corre o risco de analis-los de for-

    ma negativa, o que os impede de conhecer

    o jovem real que frequenta esta etapa da es-

    colaridade bsica. Diante disso, se a escola

    e seus profissionais querem estabelecer um

    dilogo com as novas geraes, torna-se ne-

    cessrio inverter esse processo. Ao contrrio

    de construir um modelo prvio do que seja a

    juventude e por meio dele analisar os jovens,

    propomos que a escola e seus profissionais

    busquem conhecer os jovens com os quais

    atuam, dentro e fora da escola, descobrindo

    como eles constroem um determinado modo

    de ser jovem. Para contribuir nesta tarefa,

    ns nos propomos a traar algumas dimen-

    ses que constituem a condio juvenil atual.

    2. A CONDIO JUVENIL NO

    BRASIL2.

    Uma primeira constatao a existncia de

    uma nova condio juvenil no Brasil. O jo-

    vem que chega s escolas pblicas, na sua

    diversidade, apresenta caractersticas, prti-

    cas sociais e um universo simblico prprio,

    que o diferencia e muito das geraes ante-

    riores. Mas quem ele? Quais as dimenses

    constitutivas dessa condio juvenil?

    Para essa reflexo, no nos propomos a reto-

    mar todo o debate existente em torno da ca-

    tegorizao da juventude3, que foge aos limi-

    tes desse texto. Optamos em trabalhar com

    a ideia de condio juvenil por consider-la

    mais adequada aos objetivos dessa discusso.

    Do latim conditio, refere-se maneira de ser,

    situao de algum perante a vida, perante a

    sociedade. Mas tambm se refere s circuns-

    tncias necessrias para que se verifique essa

    maneira ou tal situao. Assim, existe uma

    dupla dimenso presente quando falamos em

    condio juvenil. Refere-se ao modo como

    uma sociedade constitui e atribui significado

    a esse momento do ciclo da vida, no contex-

    to de uma dimenso histrico-geracional, mas

    tambm sua situao, ou seja, o modo como

    tal condio vivida a partir dos diversos re-

    cortes referidos s diferenas sociais classe,

    gnero, etnia, etc. Na anlise, permite-se levar

    em conta tanto a dimenso simblica como os

    aspectos fticos, materiais, histricos e polti-

    cos nos quais a produo social da juventude

    se desenvolve (ABRAMO, 2005).

    Temos de levar em conta tambm que essa

    condio juvenil vem se construindo em um

    contexto de profundas transformaes socio-

    culturais ocorridas no mundo ocidental nas

    2 Uma reflexo mais ampla deste tema se encontra no meu artigo: A escola faz juventudes? Reflexes em torno da socializao juvenil. Educao e Sociedade, Campinas, vol. 28, n.100, 2007.

    3 Para uma discusso mais ampla sobre a noo de juventude, cf. PAIS,1993; MARGULIS, 2000; DAYRELL, 2005, dentre outros.

  • 18

    ltimas dcadas, fruto da ressignificao do

    tempo e espao e da reflexividade, dentre ou-

    tras dimenses, o que vem gerando uma nova

    arquitetura do social (GIDDENS, 1991). Ao mes-

    mo tempo necessrio situar as mutaes que

    vm ocorrendo no mundo do trabalho, o que,

    no Brasil, vem alterando as formas de insero

    dos jovens no mercado, com uma expanso

    das taxas de desemprego aberto, com o desas-

    salariamento e a

    gerao de pos-

    tos de trabalho

    precrios, que

    atinge, principal-

    mente, os jovens

    das camadas po-

    pulares, delimi-

    tando o universo

    de suas experin-

    cias e seu campo

    de possibilida-

    des. Nesse con-

    texto mais amplo, a condio juvenil no Brasil

    manifesta-se nas mais variadas dimenses. Na

    perspectiva aqui tratada, vamos privilegiar al-

    gumas delas que podem clarear melhor a rela-

    o da juventude com a escola.

    2.1. AS MLTIPLAS DIMENSES

    DA CONDIO JUVENIL

    Inicialmente, importante situar o lugar social

    desses jovens, o que vai determinar, em par-

    te, os limites e as possibilidades com os quais

    constroem uma determinada condio juvenil.

    Podemos constatar que a vivncia da juventu-

    de nas camadas populares dura e difcil: os

    jovens enfrentam desafios considerveis. Ao

    lado da sua condio como jovens, alia-se a da

    pobreza, numa dupla condio que interfere

    diretamente na trajetria de vida e nas pos-

    sibilidades e sentidos

    que assumem a vivn-

    cia juvenil. Um gran-

    de desafio cotidiano

    a garantia da prpria

    sobrevivncia, numa

    tenso constante entre

    a busca de gratificao

    imediata e um possvel

    projeto de futuro.

    No Brasil, a juventude

    no pode ser caracte-

    rizada pela moratria em relao ao traba-

    lho, como comum nos pases europeus.

    Ao contrrio, para grande parcela de jovens,

    a condio juvenil s vivenciada porque

    trabalham, garantindo o mnimo de recur-

    sos para o lazer, o namoro ou o consumo4.

    Mas isso no significa, necessariamente, o

    abandono da escola, apesar de influenciar

    no seu percurso escolar. As relaes entre o

    trabalho e o estudo so variadas e comple-

    4 De acordo com os dados da pesquisa Retratos da Juventude Brasileira, realizada em 2004, 36% dos jovens estudantes de 15 a 24 anos trabalhavam e 40% estavam desempregados, sendo que 76% deles estavam envolvidos, de alguma forma, com o mundo do trabalho (Sposito, 2005).

    Para os jovens, a escola e o

    trabalho so projetos que se

    superpem ou podero sofrer

    nfases diversas de acordo

    com o momento do ciclo de

    vida e as condies sociais

    que lhes permitam viver a

    condio juvenil.

  • 19

    xas e no se esgotam na oposio entre os

    termos. Para os jovens, a escola e o traba-

    lho so projetos que se superpem ou po-

    dero sofrer nfases diversas de acordo com

    o momento do ciclo de vida e as condies

    sociais que lhes permitam viver a condio

    juvenil. Nesse sentido, o mundo do traba-

    lho aparece como uma mediao efetiva e

    simblica na experimentao da condio

    juvenil, podendo-se afirmar que o trabalho

    tambm faz a juventude, mesmo conside-

    rando a diversidade de situaes e posturas

    existente por parte dos jovens em relao ao

    trabalho (SPOSITO 2005).

    As culturas juvenis. Mas com todos os limi-

    tes dados pelo lugar social que ocupam, no

    podemos esquecer o que , aparentemente,

    bvio: eles so jovens, amam, sofrem, di-

    vertem-se, pensam a respeito das suas con-

    dies e de suas experincias de vida, posi-

    cionam-se diante delas, possuem desejos e

    propostas de melhorias de vida. Na trajet-

    ria de vida desses jovens a dimenso sim-

    blica e expressiva tem sido cada vez mais

    utilizada como forma de comunicao e de

    um posicionamento diante de si mesmos e

    da sociedade. A msica, a dana, o vdeo, o

    corpo e seu visual, dentre outras formas de

    expresso, tm sido os mediadores que ar-

    ticulam jovens que se agregam para trocar

    ideias, ouvir um som, para danar, dentre

    outras diferentes formas de lazer. Mas tam-

    bm tem se ampliado o nmero daqueles

    que se colocam como produtores culturais

    e no apenas fruidores, agrupando-se para

    produzir msicas, vdeos, danas, ou mes-

    mo programas em rdios comunitrias.

    O mundo da cultura aparece como um espa-

    o privilegiado de prticas, representaes,

    smbolos e rituais no qual os jovens buscam

    demarcar uma identidade juvenil. Longe dos

    olhares dos pais, educadores ou patres,

    mas sempre tendo-os como referncia, os

    jovens constituem culturas juvenis que lhes

    do uma identidade como jovens. As cultu-

    ras juvenis, como expresses simblicas da

    condio juvenil, se manifestam na diver-

    sidade em que esta se constitui, ganhando

    visibilidade atravs dos mais diferentes esti-

    los, que tm no corpo e seu visual algumas

    de suas marcas distintivas. Jovens ostentam

    os seus corpos e neles as roupas, as tatua-

    gens, os piercings, os brincos, dizendo da

    adeso a um determinado estilo, demar-

    cando identidades individuais e coletivas,

    alm de sinalizar um status social almeja-

    do. Ganha relevncia tambm a ostentao

    dos aparelhos eletrnicos, principalmente o

    MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano

    juvenil precisa ser mais pesquisado.

    Nesse contexto, ganham relevncia os gru-

    pos culturais. As pesquisas indicam que a

    adeso a um dos mais variados estilos exis-

    tentes no meio popular ganha um papel

    significativo na vida dos jovens. De forma

    diferenciada, lhes abre a possibilidade de

    prticas, relaes e smbolos por meio dos

  • 20

    quais criam espaos prprios, com uma

    ampliao dos circuitos e redes de trocas, o

    meio privilegiado pelo qual se introduzem na

    esfera pblica. Para esses jovens, destitudos

    por experincias sociais que lhes impem

    uma identidade subalterna, o grupo cultural

    um dos poucos espaos de construo de

    uma autoestima, possibilitando-lhes iden-

    tidades positivas (GOMES e DAYRELL, 2002;

    2003). Ao mesmo tempo, preciso enfatizar

    que as prticas culturais juvenis no so ho-

    mogneas e se orientam conforme os obje-

    tivos que as coletividades juvenis so capa-

    zes de processar num contexto de mltiplas

    influncias externas e interesses produzidos

    no interior de cada agrupamento especfico.

    Em torno do mesmo estilo cultural podem

    ocorrer prticas de delinquncia, intole-

    rncia e agressividade, assim como outras

    orientadas para a fruio saudvel do tempo

    livre ou ainda para a mobilizao cidad em

    torno da realizao de aes solidrias.

    A sociabilidade. Aliada s expresses cultu-

    rais, uma outra dimenso da condio juve-

    nil a sociabilidade. Uma srie de estudos

    sinaliza a centralidade dessa dimenso que

    se desenvolve nos grupos de pares, preferen-

    cialmente nos espaos e tempos do lazer e

    da diverso, mas tambm presente nos es-

    paos institucionais como na escola ou mes-

    mo no trabalho. A turma de amigos uma

    referncia na trajetria da juventude: com

    a turma que fazem os programas, trocam

    ideias, buscam formas de se afirmar dian-

    te do mundo adulto, criando um eu e um

    ns distintivo. Segundo Pais (1993:94), os

    amigos do grupo constituem o espelho de

    sua prpria identidade, um meio atravs do

    qual fixam similitudes e diferenas em rela-

    o aos outros.

    A sociabilidade expressa uma dinmica de

    relaes, com as diferentes gradaes que

    definem aqueles que so os mais prximos

    (os amigos do peito) e aqueles mais dis-

    tantes (a colegagem), bem como o movi-

    mento constante de aproximaes e afasta-

    mentos, numa mobilidade entre diferentes

    turmas ou galeras. O movimento tambm

    est presente na prpria relao com o tem-

    po e o espao. A sociabilidade tende a ocor-

    rer em um fluxo cotidiano, seja no intervalo

    entre as obrigaes, o ir-e-vir da escola

    ou do trabalho, seja nos tempos livres e de

    lazer, na deambulao pelo bairro ou pela

    cidade. Mas tambm podem ocorrer no in-

    terior das instituies, seja no trabalho ou

    na escola, na inveno de espaos e tempos

    intersticiais, recriando um momento pr-

    prio de expresso da condio juvenil nos

    determinismos estruturais. Enfim, podemos

    afirmar que a sociabilidade para os jovens

    parece responder s suas necessidades de

    comunicao, de solidariedade, de demo-

    cracia, de autonomia, de trocas afetivas e,

    principalmente, de identidade.

    Mas, nessa dimenso, temos de considerar,

    tambm, as expresses de conflitos e vio-

  • 21

    lncia existentes no universo juvenil que,

    apesar de no ser generalizada, costumam

    ocorrer em torno e a partir dos grupos de

    amigos, sobretudo masculinos. As discus-

    ses, brigas e at mesmo atos de vandalismo

    e delinqun cia, presentes entre os jovens,

    no podem ser dissociadas da violncia mais

    geral e multifacetada que permeia a socieda-

    de brasileira, expresso do descontentamen-

    to dos jovens diante de uma ordem social

    injusta, de uma descrena poltica e de um

    esgaramento dos laos de solidariedade,

    dentre outros fatores. Mas h tambm uma

    representao da imagem masculina asso-

    ciada virilidade e coragem, que muito

    cultuada na cultura popular, constituindo-se

    um valor que perseguido por muitos que,

    aliada competio, cumprem uma funo

    na construo da sociabilidade juvenil.

    O tempo e o espao. Essas diferentes dimenses

    da condio juvenil so condicionadas pelo

    espao onde so construdas, que passa a ter

    sentidos prprios, transformando-se em lugar,

    o espao do fluir da vida, do vivido, sendo o

    suporte e a mediao das relaes sociais, in-

    vestido de sentidos prprios, alm de ser a an-

    coragem da memria, tanto individual quanto

    coletiva. Os jovens tendem a transformar os

    espaos fsicos em espaos sociais, pela produ-

    o de estruturas particulares de significados.

    Um exemplo claro o sentido que os jovens

    atribuem ao lugar onde vivem. Para eles a peri-

    feria no se reduz a um espao de carncia de

    equipamentos pblicos bsicos ou mesmo da

    violncia, ambos reais. Muito menos aparece

    apenas como o espao funcional de residn-

    cia, mas surge como um lugar de interaes

    afetivas e simblicas, carregado de sentidos.

    Pode-se ver isso no sentido que atribuem rua,

    s praas, os bares da esquina, que se tornam,

    como vimos anteriormente, o lugar privilegia-

    do da sociabilidade ou, mesmo, o palco para a

    expresso da cultura que elaboram, numa rein-

    veno do espao. Podemos dizer que a condi-

    o juvenil, alm de ser socialmente constru-

    da, tem tambm uma configurao espacial

    (PAIS, 1993).

    Mas existe tambm uma ampliao do do-

    mnio do espao urbano para alm do bair-

    ro, principalmente para aqueles jovens in-

    tegrantes de grupos culturais. comum a

    realizao de eventos como apresentaes,

    shows, festas ou at mesmo reunies, seja

    no centro da cidade, seja em alguma regio

    mais distante. Mesmo com a falta de dinhei-

    ro e a dificuldade do transporte, esses mo-

    mentos no deixam de significar um desa-

    fio ldico, capaz de trazer prazer e alegria.

    Podemos dizer que esses jovens produzem

    territorialidades transitrias, afirmando por

    meio delas o seu lugar numa cidade que os

    exclui. So nesses tempos e espaos que

    criam o seu cotidiano, encontram-se, do

    shows, divertem-se, perambulam pela cida-

    de, reinventando temporariamente o sen-

    tido dos espaos urbanos (HERSCHMANN,

    2000).

  • 22

    Aliada ao espao, a condio juvenil expres-

    sa uma forma prpria de viver o tempo. H

    predomnio do tempo presente, que se tor-

    na no apenas a ocasio e o lugar, quando

    e onde se formulam questes s quais se

    responde interrogando o passado e o futu-

    ro, mas tambm a nica dimenso do tem-

    po que vivida sem maiores incmodos e

    sobre a qual possvel concentrar ateno.

    E mesmo no tempo presente possvel per-

    ceber formas diferenciadas de vivenci-lo,

    de acordo com o espao: se nas instituies

    (escola, trabalho, famlia), que assumem

    uma natureza institucional, marcada pelos

    horrios e a pontualidade, ou se nos espaos

    instersticiais, de natureza sociabilstica, que

    enfatizam a aleatoriedade, os sentimentos,

    a experimentao. Esses espaos so viven-

    ciados preferencialmente noite, quando

    experimentam uma iluso libertadora, longe

    do tempo rgido da escola ou do trabalho.

    Nessas diferentes expresses da condio ju-

    venil, podemos constatar a presena de uma

    lgica baseada na reversibilidade, expressa no

    constante vaivm presente em todas as di-

    menses da vida desses jovens. Vo e voltam

    em diferentes formas de lazer, com diferen-

    tes turmas de amigos, o mesmo acontecendo

    aos estilos musicais. Aderem a um grupo cul-

    tural hoje que amanh poder ser outro, sem

    maiores rupturas. Na rea afetiva, predomi-

    na a ideia do ficar, quando tendem a no

    criar compromissos com as relaes amoro-

    sas alm de um dia ou de uma semana. Tam-

    bm no trabalho podemos observar esse mo-

    vimento com uma mudana constante dos

    empregos, o que reforado pela prpria pre-

    carizao do mercado de trabalho, que pou-

    co oferece alm de bicos ou empregos tem-

    porrios. a presena dessa lgica que leva

    Pais (2003) a caracterizar esta gerao como

    ioi, numa rica metfora que traduz bem

    a ideia da vida inconstante das geraes atu-

    ais. Essa reversibilidade informada por uma

    postura baseada na experimentao, numa

    busca de superar a monotonia do cotidiano

    atravs da procura de aventuras e excitaes.

    Nesse processo, testam suas potencialidades,

    improvisam, se defrontam com seus prprios

    limites e muitas vezes se enveredam por ca-

    minhos de ruptura, de desvio, sendo uma

    forma possvel de autoconhecimento. Para

    muitos desses jovens, a vida constitui-se no

    movimento, em um trnsito constante entre

    os espaos e tempos institucionais, da obri-

    gao, da norma e da prescrio, e aqueles

    intersticiais, nos quais predomina a sociabili-

    dade, os ritos e smbolos prprios, o prazer.

    nesse trnsito, marcado pela transitoriedade,

    que vo se delineando as trajetrias para a

    vida adulta. nesse movimento que se fazem,

    construindo modos prprios de ser jovem.

    Nesse contexto, cada vez mais difcil definir

    modelos na transio para a vida adulta. As

    trajetrias tendem a ser individualizadas, con-

    formando os mais diferentes percursos nessa

    passagem. Podemos dizer que, no Brasil, o prin-

    cpio da incerteza domina a vida dos jovens,

  • 23

    que vivem verdadeiras encruzilhadas de vida,

    nas quais as transies tendem a ser zigueza-

    gueantes, sem rumo fixo ou predeterminado.

    Se essa uma realidade comum juventude,

    no caso dos jovens pobres os desafios so ain-

    da maiores, uma vez que contam com menos

    recursos e margem de escolhas, imersos que

    esto em constrangimentos estruturais. Para

    a grande maioria desses jovens, a transio

    aparece como um labirinto, obrigando-os a

    uma busca constante de articular os princpios

    de realidade (que posso fazer?), do dever (que

    devo fazer?) e do querer (o que quero fazer?),

    colocando-os diante de encruzilhadas onde jo-

    gam a vida e o futuro (PAIS, 2003).

    nesse contexto que temos de situar a expe-

    rincia escolar desses jovens e buscar com-

    preender a forma como se relacionam com

    a escola, os seus comportamentos, as suas

    demandas e necessidades prprias. Como

    nos lembra a antropologia, se queremos

    compreender os jovens na sua relao com

    a escola, devemos, antes de tudo, buscar

    conhec-los na sua realidade, para alm dos

    muros da escola. Est posto o desafio.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ABRAMO, Helena. Condio juvenil no Brasil

    contemporneo. In: ABRAMO, Helena; BRAN-

    CO, Pedro Paulo Martoni. Retratos da Juven-

    tude Brasileira: anlises de uma pesquisa na-

    cional. So Paulo: Instituto Cidadania/Editora

    Fundao Perseu Abramo, 2005. p. 37-73.

    DAYRELL, Juarez; GOMES, Nilma Lino. For-

    mao de agentes culturais juvenis. In: En-

    contro de Extenso da UFMG, 6, Belo Hori-

    zonte, Anais. Belo Horizonte: Proex/UFMG,

    2003. p. 1-4.

    ____________. A msica entra em cena: O rap e

    o funk na socializao da juventude. Belo Ho-

    rizonte: Editora UFMG, 2005.

    GIDDENS, Anthony. As conseqncias da mo-

    dernidade. So Paulo: Ed. UNESP, 1991.

    HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip hop inva-

    dem a cena. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.

    MARGULIS, Mrio. La juventud es ms que

    una palabra. In: MARGULIS, M. (org.) La ju-

    ventud es ms que una palabra. Buenos Aires:

    Editorial Biblos, 2000. p. 13-31.

    PAIS, Jos Machado. Culturas juvenis. Lisboa:

    Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993.

    _____________Ganchos, tachos e biscates: jo-

    vens, trabalho e futuro. Lisboa: mbar, 2003.

    SPOSITO, Marlia P.; GALVO, Izabel. A experi-

    ncia e as percepes de jovens na vida escolar

    na encruzilhada das aprendizagens: o conheci-

    mento, a indisciplina, a violncia. Perspectiva

    - Revista do Centro de Cincias da Educao da

    UFSC, Florianpolis, v. 22, n. 2, p. 345-380, 2004.

    ____________. Algumas reflexes e muitas inda-

    gaes sobre as relaes entre juventude e es-

    cola no Brasil. In: ABRAMO, Helena; BRANCO,

    Pedro Paulo Martoni (org.). Retratos da juventu-

    de brasileira: anlises de uma pesquisa nacional.

    So Paulo: Instituto Cidadania/Editora Funda-

    o Perseu Abramo, 2005. p.87-128.

  • 24

    TEXTO 2

    expectativas Juvenis e identidade do ensino MdioENSINO MDIO NO BRASIL: JUVENTUDES COM FUTURO

    INTERTERDITADO

    Gaudncio Frigotto1

    O srie Juventude e escolarizao: os senti-

    dos do Ensino Mdio, apresentada no pro-

    grama Salto para o Futuro, discute o Ensi-

    no Mdio tendo como foco a diversidade

    dos jovens alunos. O ttulo acima decorre

    da concluso de uma pesquisa desenvolvi-

    da durante trs anos sobre as concepes

    e os sujeitos do Ensino Mdio e a relao

    quantidade e qualidade2. A partir desta pes-

    quisa, iniciei um novo projeto que analisa a

    questo das polticas de educao, emprego

    e renda para os jovens no Brasil, sociedade,

    como define Florestan Fernandes3, de capi-

    talismo dependente. Como primeiro resul-

    tado da confluncia destas duas pesquisas,

    entrevistando jovens e especialistas sobre o

    tema, coordenei um documentrio com o

    ttulo: Juventude com vida provisria e em

    suspenso4.

    Estas referncias visam situar as breves in-

    dicaes que seguem sobre o tema, como

    mais um subsdio de discusso e de dilo-

    go com os professores que atuam no cho

    da escola nas diferentes regies do pas e de

    indicao para os rgos pbicos que defi-

    nem polticas e processos avaliativos sobre

    o Ensino Mdio. Abordarei, sucintamente,

    trs aspectos: juventudes e ensinos mdios;

    sociedade brasileira e juventudes com futu-

    ro interditado ou provisrio e em suspenso

    e os desafios para os professores e demais

    trabalhadores do Ensino Mdio.

    1. JUVENTUDES E ENSINOS

    MDIOS

    Juventudes, no plural, busca realar o que a

    antroploga Regina Novaes, em depoimento

    1 Professor do Programa de Ps-graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    2 Frigotto, Gaudncio. Educao Tecnolgica e o Ensino Mdio: Concepes, sujeitos e a relao quantidade/qualidade. Rio de Janeiro, 2008. Relatrio de pesquisa. Apoio do CNPq e FAPERJ.

    3 Fernandes, Florestan Capitalismo dependente e Classes sociais na Amrica Latina. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1972.

    4 Frigotto, Gaudencio (coord.) Juventude com vida provisria e em suspenso. Documentrio de cinquenta minutos, com o apoio do CNPq, FAPERJ e UERJ e produo de ARISSAS Multimdia. Rio de Janeiro. 2009.

  • 25

    no documentrio acima referido, destaca ao

    referir-se aos jovens no Brasil. Para esta pes-

    quisadora s tem sentido falar em juventude

    num sentido geracional. No caso especfico,

    estamos nos referindo aos jovens entre 16 e

    29 anos. Para alm disso, por razes econ-

    micas, polticas, culturais e, sobretudo, de

    classe e fraes de classe ou grupos sociais,

    s faz sentido falar em juventudes. Por este

    ngulo, tambm, a questo da diversidade,

    no exclusiva, mas dominantemente, vem

    subordinada e demarcada pela desigualdade.

    O diverso que resulta de uma realidade so-

    cial com igualdade de condies constitui-se

    numa rica possibilidade de escolhas e de cria-

    o. Mas o diverso que resulta da desigualda-

    de de condies no s um pobre diverso,

    como no diverso, mas sim desigual.

    Os jovens a que nos referimos aqui so espe-

    cialmente aqueles que frequentam ou deve-

    riam estar frequentando o Ensino Mdio pbli-

    co, aproximadamente 90%. Trata-se dos jovens

    que, na expresso de Milton Santos, no per-

    tencem ao andar de cima da sociedade brasi-

    leira. Os mais de 30 milhes de jovens, muitos

    com o direito negado ltima etapa da educa-

    o bsica o Ensino Mdio tem rosto de-

    finido. Pertencem classe ou frao de classe

    de filhos de trabalhadores assalariados ou que

    produzem a vida de forma precria, por conta

    prpria, no campo ou na cidade.

    Mesmo na delimitao deste universo pode-

    mos encontrar diferentes particularidades.

    Assim, uma massa enorme de jovens traba-

    lha com a famlia em minifndios ou como

    arrendatrios ou assalariados do campo. Ou-

    tros milhares de jovens vivem nas centenas

    de acampamentos, de Norte a Sul, do Mo-

    vimento dos Sem-Terra. Mas, certamente, o

    nmero maior de jovens filhos de trabalha-

    dores reside em bairros populares ou favelas

    das mdias e grandes cidades do Brasil.

    Todos esses grupos de jovens tm suas es-

    pecificidades mas, do ponto de vista psicos-

    social e cultural, tendem a sofrer um pro-

    cesso de adultizao precoce. A insero no

    mercado formal ou informal de trabalho

    precria em termos de condies e nveis de

    remunerao. Uma situao, portanto, mui-

    to diversa da dos jovens de classe mdia

    ou filhos dos donos de meios de produo,

    que estendem a infncia e juventude.

    H, tambm, um nmero significativo de jo-

    vens das grandes capitais, violentados em

    seu meio e em suas condies de vida, que

    se enquadram numa situao de risco per-

    manente e que so alvos das mais diversas

    formas de violncia, sendo a mais cnica a

    do Estado, sob o pretexto do choque de or-

    dem. Trata-se de grupos de jovens que fo-

    ram to desumanizados e socialmente vio-

    lentados que se tornaram presas fceis do

    mercado da prostituio infanto-juvenil

    ou de gangues, que nada tm a perder ou

    constituem um exrcito de soldados do tr-

    fico.

  • 26

    Sob o ponto de vista dos sujeitos e as escolas

    que frequentam temos, como consequn cia,

    vrios ensinos mdios. Os jovens do andar de

    cima da sociedade e parte da classe mdia fre-

    quentam escolas particulares, cujo custo de

    quatro e, em alguns casos, oitos vezes maior

    que o custo do Ensino Mdio pblico estadu-

    al. Na escola pblica apenas aproximadamen-

    te 1% dos matriculados frequentam o Ensino

    Mdio pblico Federal Colgios de aplicao,

    rede das antigas Escolas Tcnicas Federais

    hoje transformadas em Institutos Federais de

    Educao, Cincia e Tecnologia. O Ensino M-

    dio federal que tem condies de oferecer

    um padro de qualidade muito diverso da rede

    federal e de muitas escolas particulares. Mas

    nestas escolas h bases materiais, formao

    dos professores e os mesmos tm tempo in-

    tegral numa mesma escola, dividindo o tempo

    em sala de aula, pesquisa, orientao, etc.

    Por fim, sob este aspecto, cabe dizer que

    pouco mais da metade dos jovens que tm

    direito ao Ensino Mdio o esto frequentan-

    do e destes, apenas 25% na idade adequada.

    Os demais o frequentam com idade defasa-

    da, resultado de repeties e interrupes.

    Mais de 50% fazem o Ensino Mdio no turno

    noturno e boa parte no PROEJA.

    2. JUVENTUDE: FUTURO

    INTERDITADO E/OU VIDA

    PROVISRIA E EM SUSPENSO

    A gerao atual de jovens, em especial os di-

    ferentes grupos, provenientes de diferentes

    realidades vividas pelos jovens acima referi-

    dos, por diferentes razes, tm uma enorme

    perplexidade diante do futuro. A transforma-

    o do Ensino Mdio, de direito social e sub-

    jetivo em capital humano ou num pacote de

    competncias ditadas pelo mercado num

    contexto de aumento exponencial do desem-

    prego e precarizao do trabalho torna os

    jovens cada vez mais cticos em relao

    promessa integradora da escola. Um desafio

    a mais para os professores, para motiv-los

    e convenc-los de que o conhecimento pode

    ajud-los na busca de transformar a socie-

    dade que lhes interdita o futuro. A ideia de

    juventude com vida provisria e em suspenso

    expressa a situao psicossocial definida pelo

    psicanalista austraco Victor Frankel, referen-

    te queles que viviam em campo de concen-

    trao, em sanatrios ou desempregados.

    A educao no vem pendurada na so-

    ciedade brasileira. Ela parte constituda e

    constituinte da mesma. E o processo hist-

    rico que nos trouxe at aqui foi conforman-

    do uma sociedade das mais desiguais do

    mundo do ponto de vista da distribuio da

    riqueza. Uma sociedade de capitalismo de-

    pendente, como a define Florestan Fernan-

    des, acima referido, que se caracteriza pela

    aliana subordinada da classe ou dos grupos

    detentores do poder econmico, poltico e

    jurdico brasileiros com os grupos dos cen-

    tros hegemnicos do capitalismo mundial.

    Classe ou grupos que subordinam o pas e

  • 27

    a maioria dos seus cidados aos seus inte-

    resses, mediante privatizaes, especulao

    e opondo-se s reformas e mudanas estru-

    turais. Forma subordinada, mas com altos

    ganhos para os do andar de cima e que

    condenam o Brasil, na diviso internacional

    do trabalho, ao trabalho simples e de pou-

    co valor agregado e, consequentemente, de

    baixa remunerao. No por acaso milhares

    de jovens, os mais escolarizados, buscam no

    exterior melhores condies de vida. Na ex-

    presso do atual presidente do Instituto de

    Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), Mrcio

    Pochmann, o biscoito fino no olho gordo

    do mundo.

    Trata-se de um projeto societrio no qual

    no h interesse efetivo de investimento em

    cincia, tecnologia e pesquisa bsica e, por

    isso, tambm no precisa de uma escolari-

    dade bsica universal e de efetiva qualidade.

    Francisco de Oliveira define nossa sociedade

    atual com a metfora do ornitorrinco5 um

    mamfero com bico de pato e que no se de-

    senvolve nem como mamfero, nem como

    pato. Metfora que expressa que a classe

    dominante construiu um monstrengo social

    ou uma sociedade que produz a misria e

    se alimenta dela. As diversas juventudes que

    chegam escola so produtos dessa estru-

    tura social desigual e cnico querer que a

    escola pblica resolva isso transformando-a

    em tudo, menos em escola.

    3.INTERPELAES E DESAFIOS

    PARA QUEM TRABALHA NO

    ENSINO MDIO

    Vrias perguntas orientaram esta srie de

    programas sobre juventudes e Ensino M-

    dio, organizada pelo Salto para o Futuro.

    Destacamos, entre elas: Quem so os jovens

    que chegam s escolas de Ensino Mdio? O

    que eles esperam da escola? Que planos de

    futuro os jovens estudantes do Ensino M-

    dio tm construdo para suas vidas? A escola

    conhece seus alunos? Que tipos de vivn-

    cias e saberes constroem fora do universo

    escolar? Como promover o dilogo e fazer

    da escola uma experincia significativa para

    os jovens?

    Todas estas questes so pertinentes, mas

    para que os professores e o corpo dirigente

    das escolas possam respond-las adequada-

    mente, eles necessitam ter condies de

    formao para poder ler e interpretar que

    relaes sociais produzem jovens to desi-

    guais e mutilados desde sua infncia dos di-

    reitos mais elementares. Ler, por outro lado,

    que os problemas que estes jovens carregam

    para a escola so antes problemas da socie-

    dade que os produz e que a escola no tem

    o poder miraculoso, sozinha, de revert-los.

    Problemas como o da violncia, da gravidez

    precoce, da desnutrio, da revolta por no

    poder consumir minimamente o que a m-

    5 Oliveira, Francisco. Critica a viso dualista. O ornitorrinco. So Paula. Editora Boitempo, 2002.

  • 28

    dia lhe oferece todo dia como imperativo de

    sentirem-se aceitos no so produzidos na

    escola. Tampouco produzido pela escola

    o cansao dos jovens que trabalham e estu-

    dam, que precisam sair uma hora para pegar

    o ltimo nibus, ou para entrar na comuni-

    dade onde sobrevivem.

    Para reverter o quadro lastimvel do Ensino

    Mdio, o primeiro passo o de romper com

    as estruturas que produzem e reproduzem

    esta desigualdade entre os jovens de uma

    mesma gerao.

    Os professores,

    como cidados

    conscientes, e a

    escola tm que

    dizer claramen-

    te o que podem

    fazer. E quais as

    condies para

    responder s

    interpelaes

    acima com estes jovens, de carne e osso,

    assim como so produzidos na sociedade

    e chegam na escola, para dar-lhes o direito

    que tm de um Ensino Mdio de qualidade?

    Poucas experincias mostram que possvel

    fazer bastante para estes jovens, algumas

    sero mostradas nos programas. E quais so

    estas condies?

    Primeiro, estes alunos precisam de uma bol-

    sa de estudos. O Brasil poderia dar aos mi-

    lhares de jovens que esto fora da escola, ou

    que estudam precariamente, uma bolsa de

    um salrio mnimo para que completassem

    o Ensino Mdio. Para isso, bastaria que o an-

    dar de cima pagasse imposto progressivo. A

    partir da, preciso que escola seja escola,

    com condies materiais espao, laborat-

    rios, bibliotecas, atividades de arte e esporte

    e cultura e professores com formao ade-

    quada, atuando s numa escola, com uma

    carreira igual das escolas federais e com

    salrios tambm iguais.

    Este o ponto de

    partida e condio

    tam bm necessria e

    imprescindvel para

    responder s questes

    acima, mas no o

    suficiente. preciso

    tambm um projeto

    pedaggico que par-

    ta dos sujeitos reais,

    concretos, com sua

    cultura, saberes, preconceitos, raivas e re-

    volta e potencialidades. Um projeto que re-

    ceba os jovens antes como seres humanos,

    sujeitos de direitos coletivos e subjetivos. E

    isto depende da conscincia tico-poltica do

    professor e da responsabilidade e cobrana

    coletiva de cada escola. As avaliaes exter-

    nas, sem estas condies, alm de no me-

    lhorarem o Ensino Mdio, esto sendo vei-

    culadas, especialmente pela grande mdia,

    culpabilizando as vtimas. Tambm a triste

    recorrncia de ONGs, institutos e empresas

    O Brasil poderia dar aos

    milhares de jovens que

    esto fora da escola, ou que

    estudam precariamente, uma

    bolsa de um salrio mnimo

    para que completassem o

    Ensino Mdio.

  • 29

    mercantis, que vendem pacotes de conte-

    dos e metodologias para jovens sem rosto,

    sem grupo social, sem particularidades cul-

    turais e geogrficas e que idiotizam o profes-

    sor, transformando-o em mero reprodutor

    de frmulas e destruindo o que define sua

    profisso: organizar e socializar o conheci-

    mento, afirmar valores e atitudes para jo-

    vens com rosto, experincias, cultura e sa-

    beres, pontos de partida de um processo de

    construo de conhecimento que os afirma

    como sujeitos e protagonistas de uma socie-

    dade no s mais justa, mas, sobretudo, de

    efetiva igualdade de condies de produo

    da existncia. Como cidados e professores/

    educadores, nos cabe uma dupla tarefa: lu-

    tar para transformar o monstrengo social

    que mutila a vida da maioria dos brasileiros

    e que interdita o futuro de milhes de jovens

    de seus direitos elementares e construir uma

    educao bsica de nvel mdio que lhes

    permita constituir-se cidados emancipados

    e que lutem para que a cincia e a tecnologia

    produzidas pelo trabalho humano deixem de

    ser propriedade privada de poucos e uma es-

    pcie de esfinge de nosso tempo e se trans-

    formem em patrimnio comum para qualifi-

    car e dilatar a vida.

  • 30

    TEXTO 3

    participao Juvenil nas escolasCONECTADOS POR UM FIO: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE INTERNET,

    CULTURAS JUVENIS CONTEMPORNEAS E ESCOLA

    Elisabete Maria Garbin1

    Para introduzir este texto, utilizo-me da ex-

    presso conectados por um fio, ttulo de meu

    projeto de tese de doutorado no ano 2000 so-

    bre jovens2 internautas. Diga-se de passagem

    que, na poca, a internet era inebriante, no-

    vidadeira e, ao mesmo tempo, assustadora

    principalmente aos que ainda no tinham

    acesso mesma. L se vo quase dez anos e,

    hoje (2009) com novas lentes, revejo o refe-

    rido ttulo: conectados referia-me a jovens

    internautas. Por um fio: seria o Fio de Ariad-

    ne? Ou seria o Sem Fio? (conexo wireless)

    No tenho respostas, apenas mais pergun-

    tas. Diria que o cenrio no mudou muito,

    apenas incorporou mais ferramentas de bus-

    ca, mais usurios, mais velocidade, mais es-

    paos para lazer, mais opes para busca de

    informaes e produo de conhecimentos.

    Mas... E a escola? Como est a escola se com-

    portando em meio a esse turbilho de novas

    tecnologias, dentre elas a internet?

    Assim sendo, o que busco neste texto com-

    por algumas cenas que julgo mais interessan-

    tes para serem problematizadas, repensadas

    e por que no dizer , navegadas... Pergun-

    tando: o que se pode fazer, numa escola (ain-

    da) em tempos da cultura escolar hegemnica

    diante de tantas janelas e supostos (des) en-

    contros entre as chamadas culturas juvenis

    versus culturas escolares? Dessa forma, dividi

    o artigo em quatro (4) sketches cnicos para dar

    mais didatismo leitura. Vamos s Cenas...

    CENA 1 INTERNET: UMA CAIXA

    DE PANDORA?

    Desde a construo do primeiro compu-

    1 Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora do Departamento de Ensino e Currculo e pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da mesma universidade. coordenadora do Ncleo de Estudos sobre Currculo, Cultura e Sociedade (NECCSO), o qual est vinculado ao PPGEdu/UFRGS e CNPq. Orienta pesquisas de mestrado e doutorado integrantes da Linha de Pesquisa Estudos Culturais em Educao do mesmo Programa. Atualmente coordena os Projetos Identidades Juvenis em Territrios Culturais Contemporneos (2003-) e Culturas Juvenis em Porto Alegre: cenrios de mltiplos desordenamentos - 2009-2012.

    2 Apesar de reconhecer a importncia das questes de gnero principalmente em textos que versam sobre cultura e identidade, neste texto optei por no fazer distino entre os gneros masculino e feminino a cada vez que me referir aos jovens sobre os quais escrevo, com o objetivo de tornar o texto mais fluente.

  • 31

    tador digital, em 1946, muitas mudanas

    aconteceram. Para cada sociedade, um tipo

    de suporte, um tipo de necessidade, um

    tipo de emergncia; no caso, digital, virtu-

    al. O uso da internet por jovens [e demais

    segmentos da sociedade] est articulado

    com profundas mudanas e transforma-

    es sobre nossas percepes de espao e

    de tempo. Um das consequncias mais di-

    retas dessas mudanas o acesso s infor-

    maes instantneas de qualquer parte do

    mundo, em especial, nas vidas dos jovens.

    Sabe-se que o desenvolvimento das tecno-

    logias dos computadores e da comunicao

    influenciou e influencia definitivamente as

    atitudes da chamada Gerao Net. Aqueles

    que a sociedade, em seu af de medicalizar

    e rotular comportamentos como normais

    ou desviantes, chama de viciados na Net,

    s vezes no conseguem sequer dormir, es-

    perando por e-mails que podem chegar du-

    rante a noite, ou trabalham por horas sem

    parar no computador, sem fixar-se em ho-

    rrios (GARBIN, 2003). Por outro lado, nos

    chama a ateno para o fato de que mui-

    tos jovens, s vezes, no esto protegidos

    contra as informaes antissociais que so

    veiculadas na Rede, como por exemplo, as

    relativas pornografia, armas, violncia,

    informaes falsas, violncia verbal na co-

    municao virtual, etc. So jovens que tm

    amigos e vizinhos atravs da internet. No

    lhes interessa se estes vivem ao lado da sua

    casa ou do outro lado do mundo: so seus

    amigos virtuais, cibernticos. Certo que as

    comunidades virtuais estabelecidas atravs

    da internet so resultado da chamada glo-

    balizao, onde jovens de culturas distintas

    tornam-se onipresentes do Sul ao Norte, no

    caso do Brasil, falando sobre os mais varia-

    dos temas e esses novos fluxos culturais en-

    tre as naes e o consumismo global certa-

    mente criam possibilidades de subjetivaes

    identitrias.

    CENA 2 - DOS JOVENS

    USURIOS...

    A juventude contempornea tem se carac-

    terizado por suas diferentes culturas, que

    afloram em muitos lugares, ao mesmo tem-

    po, como a da gerao zapping, da gerao

    digital, gerao Rede, gerao @, das carac-

    tersticas de nomadismos, da linguagem do

    tipo assim, da parada animal, enfim, urge

    que nos percebamos e tambm a nossos

    alunos e alunas como sujeitos de uma

    condio cultural que, atravs de inmeros

    investimentos, nos modifica, transforma e

    constitui diferentes maneiras de ser e estar

    no mundo. Diretamente relacionados com a

    questo da globalizao, os processos de re-

    localizaes sociais das novas e velhas pro-

    dues simblicas adquiriram importncia

    no nosso cotidiano neste incio de sculo a

    temtica da desterritorializao. Antes, as

    identidades estavam fortemente marcadas

    por questes de territrio naes, regies,

    bairros, clubes, escolas, etc. Entretanto, a

    exploso da mdia e os processos de dester-

  • 32

    ritorializao levaram a novas instncias e

    marcas de produo de identidades.

    No h dvidas de que a internet, se olhar-

    mos sob o foco das identidades, converteu-se

    num laboratrio para a realizao de expe-

    rincias com as construes e reconstrues

    do eu na vida ps-moderna, porque, na rea-

    lidade virtual, de certa forma moldamo-nos

    e criamo-nos a

    ns mesmos.

    Por esse mo-

    tivo, torna-se

    um im para

    jovens que a

    utilizam, inicial-

    mente, como

    uma mquina

    de comunicar

    e instrumento

    de demarcao

    de fronteiras,

    tornando-se um

    objeto a ser in-

    cessantemente

    louvado, usado,

    teclado, enfim, acessado. Os nmeros de

    usurios crescem a cada ano. Em maro de

    2006, o IBGE contou 32,1 milhes de usu-

    rios da internet no pas. Vinte e um por cen-

    to (32,1 milhes) da populao de 10 anos ou

    mais de idade acessaram pelo menos uma

    vez a internet em algum local domiclio,

    local de trabalho, estabelecimento de en-

    sino, centro pblico de acesso gratuito ou

    pago, domiclio de outras pessoas ou qual-

    quer outro local por meio de microcompu-

    tador. Dentre os 32,1 milhes de pessoas que

    acessaram a internet, 13,9 milhes eram es-

    tudantes3. Cabe destacar que, mesmo com

    a ampliao do acesso no caso de redes

    gratuitas de Estaes

    Digitais no Brasil, o

    acesso internet ain-

    da restrito s clas-

    ses sociais de maior

    poder aquisitivo fi-

    nanceiro.

    Uma pesquisa4 rea-

    lizada em 2004 pela

    MTV/Brasil (junto a

    homens e mulheres

    das classes A, B e C,

    entre 15 e 30 anos, re-

    sidentes nas cidades

    de So Paulo, Salva-

    dor, Braslia, Rio de

    Janeiro e Porto Alegre), mostra, atravs de

    falas de alguns dos entrevistados que: A in-

    ternet mudou para melhor a forma de me

    relacionar com os amigos; Fico mais von-

    tade para dizer determinadas coisas pela

    internet; Tem pessoas com quem me rela-

    No h dvidas de que a

    internet, se olharmos sob

    o foco das identidades,

    converteu-se num

    laboratrio para a realizao

    de experincias com as

    construes e reconstrues

    do eu na vida ps-moderna,

    porque, na realidade virtual,

    de certa forma moldamo-nos

    e criamo-nos a ns mesmos.

    3 Ver mais em:

    4 Ver mais em:

  • 33

    ciono apenas na internet; s vezes eu minto

    na internet; Com a internet eu passei a fa-

    lar mais com meus amigos. Podemos inda-

    gar: de que modo os internautas esto, em

    seus discursos virtuais, expressando coisas

    de si, sobre os outros, que j no se limi-

    tam a comunidades fechadas como orkut

    e similares, de forma que tais investimentos

    contribuam para a constituio de novas

    identificaes nas relaes, reinventando-se

    a cada momento?

    Chama-nos a ateno o fato de que h uma

    juventude que convive, desde a infncia, com

    a televiso, e que no consegue imaginar o

    mundo sem TV, sem computador, sem inter-

    net, sem chats, sem sites, sem celulares, etc.

    uma camada juvenil que tecla ao mesmo

    tempo em que troca e-mails, navega em si-

    tes, posta fotos em outros, assiste televiso

    [com o controle remoto mo], ouve msica

    num walkman, num discman, num iPod, num

    MP3/4/5/6/... player, num celular, num Palm

    top, ou num aparelho de som convencional

    e comenta o que assiste e ouve, o que tecla,

    troca de canais a todo instante em busca

    de novas imagens, de novos sons, dos mais

    diferentes lugares e com os mais diferentes

    personagens, com uma velocidade mpar, in-

    ventando, com isso, novas cenas no caso

    da TV compondo com isso uma espcie de

    fast-food, de imagens acionadas por um con-

    trole remoto ou por um teclado.

    No meu entendimento, a internet rene trs

    campos que pareciam distintos uns dos ou-

    tros at o advento e socializao da web, e

    que demarcam fundamentalmente algumas

    diferenas nas relaes das chamadas Gera-

    es X, Gerao Net, Gerao @, ou seja, nas

    geraes do final do sculo XX, transeuntes

    do sculo XXI, que so; a cultura/novos co-

    nhecimentos produzidos a partir das tec-

    nologias digitais, a comunicao e lazer e

    a informao simultnea, a efemeridade,

    ou seja, as fronteiras entre estes trs temas

    foram quebradas, desapareceram. A prpria

    palavra escrita, a fala, as imagens fixas e as

    imagens em movimento, a msica, os sons

    variados, enfim, tudo se encontra reunido

    na Rede.

    CENA 3 - E SOBRE A ESCRITA-

    FALADA, A CHAMADA

    LINGUAGEM INTERNUTICA?

    A chamada Gerao Net uma gerao que

    cresceu utilizando internet e isso afeta seu

    comportamento e sua percepo do mun-

    do, pois tal Gerao portadora tambm de

    uma linguagem prpria, internutica, abre-

    viada, sincopada, cheia de cdigos e sinais,

    uma espcie de fala-teclada quase indeci-

    frvel para os no usurios da rede, na qual

    os jovens parecem expressar a sua preocu-

    pao com o contedo da escrita, seja ela

    na Rede, em seus poemas, em seus blogs,

    orkut, webzines, twitters, cadernos de esco-

    la, redaes... Afinal, o que mais importan-

    te na Rede: comunicar-se ou escrever dentro

  • 34

    das normas e regras bsicas de uma norma

    lingustica?

    De forma a ilustrar as assertivas acima, tra-

    go excertos de falas extradas de uma sala de

    bate-papo com jovens de 15 a 20 anos. O que

    rolava era papo sobre escola. Observe-se

    que a escrita-falada foi mantida original de

    forma a assegurar fidelidade s expresses

    utilizadas:

    Gaby 01:18:55 - Oieeeeeeeeeeeeeeeeeeeee-

    eeee tudo bem?? So dei uma passadinha,

    tenho prva amanha Ah se eu pudesse

    levar 1 note pra pesquisar....kkkkkkkkkkk

    Gaby 01:19:29 - odeio escola!!!

    grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

    oitavo anjo 01:20:00 reservadamente fala

    com Gaby - somos dois

    Gaby 01:20:08 - bem nada!! TENHO que

    estuda! ai que sonooooooooooooooooooo

    Gaby 01:20:32 - escola nao precisava

    existir neh?

    oitavo anjo 01:20:52 fala com Gaby - ain-

    da mais nesse pais falido

    oitavo anjo 01:21:03 fala com Gaby sim

    Gaby 01:21:41 fala com oitavo anjo -

    cara, e com internet quem precisa de

    escola? ta tudo la!?

    Gaby 01:22:32 fala com oitavo anjo - se

    ainda tivesse computs na escola...ainda

    va la...mas credo, sao ke nem carroca....

    arghhhhhhhhhhhh

    oitavo anjo 01:23:32 fala com Gaby - cer-

    toooo meu,esse pais tah uma merda

    msmo,nao fazem nada meu,estuda pra

    nada e ainda emprego s com estudo

    completo

    Gaby 01:25:43 fala com oitavo anjo -

    nem fala...qto mais marginal, parece ke

    mais levam vantagem, impisssionati

    axo ke falta um seu creisson nas escola,

    kkkkkkkkkk

    No tenho respostas e acredito que elas

    sejam difceis, at porque a Lingustica e

    Sociolingustica j fizeram desmoronar as

    paredes entre certo e errado. Trata-se

    apenas de mais uma linguagem com carac-

    tersticas especiais, adequadas sua funo,

    como so todas as outras. Minha tese a de

    que esta escrita to diferente, agressiva e

    pobre para alguns professores de Lngua

    Portuguesa, crticos de planto, principal-

    mente aqueles mais arraigados a questes

    da norma lingustica, que frequentemen