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Juventude e escolarizao: os sentidos do Ensino Mdio
ISSN 1982 - 0283
Ano XIX boletim 18 - Novembro/2009
Ministrio daEducao
Secretariade Educao a Distncia
SUMRIO
Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio
Aos professores e professoras ................................................................................... 3
Rosa Helena Mendona
Apresentao da srie Juventude e escolarizao: os sentidos do Ensino Mdio ......... 4
Juarez Dayrell
Texto 1 (A) - Uma diversidade de sujeitos ................................................................12
Juventude e diversidade no Ensino Mdio
Ana Paula Corti
Texto 1 (B) - Uma diversidade de sujeitos ................................................................16
O aluno do Ensino Mdio: o jovem desconhecido
Juarez Dayrell
Texto 2 - Expectativas juvenis e identidade do Ensino Mdio ................................. 24
Ensino Mdio no Brasil: Juventudes com futuro interditado
Gaudncio Frigotto
Texto 3 - Participao juvenil nas escolas ............................................................... 30
CONECTADOS POR UM FIO: Alguns apontamentos sobre internet, culturas juvenis
contemporneas e escola
Elisabete Maria Garbin
3Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio
Aos professores e professoras,
Quem so os jovens que chegam ao Ensino
Mdio no Brasil? Quais so seus desejos e
expectativas? Existe uma cultura prpria da
juventude? Ou h juventudes e, assim, dife-
rentes expresses culturais juvenis?
Essas so algumas das indagaes que fa-
zem parte da srie Juventude e escolarizao:
os sentidos do Ensino Mdio, que conta com
a consultoria de Juarez Dayrell, coordenador
do Observatrio da Juventude, da UFMG.
A leitura dos textos que compem esta pu-
blicao eletrnica, aliada audincia da s-
rie televisiva de mesmo nome, certamente
possibilitaro reflexes sobre temas como
a crise de legitimidade da escola, a incon-
gruncia entre o que a sociedade espera da
escola e o que a escola tem sido capaz de
oferecer sociedade.
Os sentidos atribudos pelos jovens edu-
cao; A participao juvenil em diferen-
tes contextos escolares; A construo de
projetos pedaggicos que efetivamente
respondam aos anseios dos jovens. Essas e
outras questes esto postas para pesqui-
sadores e professores em seus cotidianos
e so desafios para as polticas pblicas
intersetoriais em interface com a educa-
o.
A TV Escola, por meio do programa Salto
para o Futuro, ao retomar a temtica da re-
lao entre os jovens e o Ensino Mdio, na
srie Juventude e escolarizao: os sentidos do
Ensino Mdio, pretende contribuir para esse
debate to significativo para a educao
em nosso pas. Afinal, os projetos de futu-
ro dos jovens expressam o prprio futuro da
sociedade brasileira: a mudana de um mo-
delo profundamente excludente, em espe-
cial com os jovens das camadas populares,
como tem se constitudo ao longo da hist-
ria, para uma sociedade mais justa e equ-
nime para todos. Acreditamos na potncia
da educao como um dos caminhos para
tornar realidade esta utopia.
Rosa Helena Mendona1
1 Supervisora Pedaggica do programa Salto para o Futuro.
41 Professor da Faculdade de Educao da UFMG e coordenador do Observatrio da Juventude da UFMG. Consultor da srie.
APRESENTAO
Juventude e escolarizao: os sentidos do ensino Mdio
Juarez Dayrell1
A srie Juventude e escolarizao: os sentidos
do Ensino Mdio tem como eixo a reflexo so-
bre o Ensino Mdio, mas na perspectiva dos
seus jovens alunos. O ponto de partida ser
uma problematizao sobre quem so os jo-
vens que esto chegando ao Ensino Mdio
no Brasil, trazendo elementos para proble-
matizar a condio juvenil atual, sua cultu-
ra, suas demandas e necessidades prprias.
Propomos, assim, uma mudana no eixo da
reflexo, passando das instituies educati-
vas para os sujeitos jovens, tendo em vista
que a escola tem de ser repensada para res-
ponder aos desafios que a juventude nos co-
loca. Quando o ser humano passa a se fazer
novas interrogaes, a pedagogia e a escola
tambm tm de se interrogar de forma di-
ferente. este o nosso intuito: fornecer ele-
mentos para que a escola e seus professores
reflitam sobre a condio juvenil dos seus
alunos e, neste contexto, as demandas que
se apresentam para a escola. Pretendemos
tambm problematizar os mltiplos senti-
dos do Ensino Mdio e a relao deste n-
vel de ensino com os projetos de futuro dos
jovens. Finalmente, buscamos refletir sobre
as repercusses das novas tecnologias digi-
tais na escola, discutindo formas possveis
de articul-las ao cotidiano da sala de aula.
As ideias centrais discutidas neste programa
situam-se no contexto da crise da escola, es-
pecificamente do Ensino Mdio. Sabe-se que
os dilemas enfrentados pela educao nos
ltimos anos no se restringem ao Ensino
Mdio, tampouco ao contexto brasileiro. Tais
dilemas tm sido definidos como uma crise
de legitimidade da escola (Stoer, 2001; Cor-
reia e Matos, 2001; Krawczyk, 2009); como
reflexo das profundas mutaes que vm
afetando as sociedades ocidentais (Dayrell,
2007); como um momento de mutao na
educao (Canrio, 2005) ou ainda como
uma etapa no apenas de estancamento,
mas de regresso no campo educativo (Ga-
dotti, 1992, p. 75). Seja qual for a tese uti-
lizada para caracterizar o momento vivido
atualmente pela instituio escolar e pela
educao, o que se tem tentado denunciar
a situao de incongruncia entre o que a
5sociedade espera da escola e o que a escola
tem sido capaz de oferecer sociedade. A
situao parece se acirrar, especificamente,
no Ensino Mdio, sobretudo em virtude da
forte tenso na relao dos jovens com a
escola (Correia e Matos, 2001; Dayrell, 2007;
Krawczyk, 2009).
No Brasil, apesar dos esforos para a univer-
salizao do acesso escolarizao bsica, a
educao no integra um projeto de desen-
volvimento do pas, o que para uma parce-
la da juventude brasileira tem significado a
abolio de uma etapa importante da vida
(Madeira, 2006), uma vez que a universali-
zao desta etapa da educao encontra um
funil justamente no Ensino Mdio, apesar do
aumento das matrculas nos ltimos anos.
Esta autora defende a democratizao do
acesso a este nvel do ensino como meio de
possibilitar aos jovens vivenciar a juventude
e prolongar a entrada na vida adulta. Nes-
se sentido, argumenta que a dificuldade de
expanso do Ensino Mdio est fortemente
relacionada s desigualdades regionais do
pas. No censo de 2000, enquanto 47,6% dos
jovens da Regio Sudeste, de 15 a 17 anos,
frequentavam o Ensino Mdio, no Nordeste
esse nmero era de 19,9%, muito abaixo da
mdia nacional, de 35,7%. Pesquisa recente
do IPEA (2008) mostra que esse quadro de
contraste regional tem se mantido estvel,
com frequncia lquida no Sul/Sudeste atin-
gindo 58%, contra 33,3% no Norte/Nordeste
(Ensino Mdio Inovador, 2009). As desigual-
dades regionais so, sem dvida, um gran-
de desafio para a democratizao do acesso
aos anos finais da educao bsica, mas no
o nico.
Em publicao recente, Krawczyk (2009)
elenca pelo menos sete desafios que esto
postos ao Ensino Mdio no Brasil e que de-
vem ser pensados no mbito das polticas
pblicas para o Ensino Mdio. A autora des-
taca os seguintes desafios como centrais
para o debate: a expanso das matrculas
e a obrigatoriedade desta etapa do ensino
o que implica pensar nos custos; a per-
manente tenso entre formao geral e/ou
profissional e, por conseguinte, o currculo
do Ensino Mdio o que implica pensar a
identidade deste nvel de ensino; o pblico e
o privado nos discursos e nas polticas edu-
cacionais para a juventude; as novas tecno-
logias educacionais no contexto escolar; as
relaes professor/aluno e jovem/adulto no
contexto escolar; o papel da escola de nvel
mdio na vida dos jovens. Acrescentamos a
estes desafios a necessidade de estimular o
envolvimento e a participao dos jovens no
cotidiano das suas escolas e a importncia
de desvendar o sentido atribudo pelos jo-
vens educao, o que poderia apontar im-
portantes indcios para a construo de um
projeto poltico pedaggico para as escolas
de Ensino Mdio que respondesse s deman-
das concretas da juventude.
Tais desafios expressam um debate sobre o
6prprio carter do Ensino Mdio no contexto
da educao bsica. Segundo Castro (1997),
as discusses sobre os modelos e propostas
para o Ensino Mdio se organizam em torno
de dois eixos:
As discusses em torno de modelos e
propostas para a reorganizao da es-
cola de nvel mdio, seja na sua varivel
acadmica ou tcnica, tm sido pautadas
pela busca de respostas a dois grandes
desafios. Por um lado, como promover
a expanso do atendimento sem abrir
mo da qualidade, fazendo frente ao ex-
plosivo crescimento das matrculas, que
praticamente dobraram nos ltimos dez
anos. Por outro lado, como conciliar as
mltiplas funes atribudas ao secun-
drio, entre as quais a qualificao para
o mercado de trabalho e a habilitao
para o ingresso no ensino, superior, num
contexto de rpidas transformaes tec-
nolgicas e exacerbada competitividade
determinada pela globalizao econmi-
ca. (Castro, 1997).
Nesse sentido, muito se discutiu sobre o ca-
rter das propostas apresentadas e/ou im-
plementadas e sobre as promessas no rea-
lizadas (Ferretti, 2003; Zibas, 2005; Kuenzer,
2000), alm dos debates sobre a identidade
desse nvel de ensino (Castro, 2008; Olivei-
ra, 2008; Ramos, 2003), da necessidade de
se pensar uma poltica nacional, implemen-
tada de forma descentralizada e autnoma
pelas unidades da federao (Domingues et
al., 2000), o que inclui ainda questes sobre
o financiamento, por exemplo.
Muitas dessas questes encontram-se ainda
por resolver, tais como aquelas referidas
identidade do Ensino Mdio, se propeduti-
co, tcnico, ou se a proposta adequada se
refere articulao dessas duas dimenses,
o que envolve uma reflexo sobre o papel
da escola mdia como etapa final do ensi-
no bsico e sua relao com o mercado de
trabalho, com o Ensino Superior e com a
formao pensada em termos mais amplos,
relacionada s noes de autonomia e cida-
dania.
As respostas a tais questes, que tratam no
apenas da expanso vertiginosa do nme-
ro de matrculas no Ensino Mdio, mas
qualidade desse nvel de ensino, devem se
orientar a partir de seis dimenses, segun-
do Goulart et al. (2006): caracterizao so-
cioeconmica e cultural dos alunos, o papel
do Estado, especialmente no que se refere
elaborao e implementao de legisla-
o, polticas e programas, a infraestrutura
do sistema de ensino e seus impactos na
aprendizagem, a gesto escolar, a organiza-
o didtico-pedaggica, o papel do profes-
sor e, por fim, o aluno, como pea-chave do
processo educacional.
V-se, pois, que duas das dimenses apre-
sentadas se voltam para os jovens estu-
7dantes de Ensino Mdio, caracterizando-os
como peas-chave do processo de qualifica-
o desse nvel de ensino, que deve, por sua
vez, se adequar s caractersticas desses jo-
vens. Fica evidente, assim, a necessidade de
a escola e seus professores refletirem sobre
o sentido da escola para os seus alunos, bem
como sobre a relao que estes estabelecem
com os projetos de futuro. preciso, portan-
to, compreender as expectativas dos jovens
estudantes a respeito de sua formao esco-
lar e a avaliao que eles fazem dessa.
Finalmente, aproximando-se mais do cho
da escola, propomos o debate sobre o envol-
vimento e o interesse do jovem com as ativi-
dades cotidianas propostas pela escola. Nes-
te sentido, buscamos refletir sobre as novas
Tecnologias de Informao e Comunicao
(TICs) e as diversas manifestaes culturais
juvenis desenvolvidas por meio dessas ferra-
mentas, como um meio de estimular o en-
volvimento dos jovens na escola e entre os
prprios jovens estudantes do Ensino Mdio.
O uso da internet nas esferas da sociabilida-
de, atravs dos sites de relacionamento ou
dos chamados blogs, uma realidade not-
ria. Quem no conhece algum que tem um
perfil no Orkut, no Facebook, no Myspace,
ou no Hi5; que fala sobre seu cotidiano no
Twitter ou que constri um blog para escre-
ver sobre seus interesses? Essas ferramentas
tm constitudo, paulatinamente, espao
privilegiado de comunicao entre os jo-
vens. Diante dessa popularidade das mdias
eletrnicas, acreditamos que essas manifes-
taes culturais juvenis podem e devem ser
utilizadas como ferramentas que possam
facilitar a interlocuo e o dilogo entre os
jovens e a escola, contribuindo assim para
o desenvolvimento de prticas pedaggicas
inovadoras. Nesse sentido, cabe ao sistema
de ensino manter os profissionais da edu-
cao em permanente atualizao sobre as
transformaes que afetam as sociedades
contemporneas e que, inevitavelmente,
afetam tambm as relaes sociais na es-
cola, como apontado por Krawczyk (2009).
Em um sentido mais geral, pontuamos a im-
portncia e a necessidade de docentes com
formao adequada ao desenvolvimento do
trabalho com jovens, constantemente atua-
lizados e motivados, sobretudo no que tange
s transformaes que vm afetando a nos-
sa sociedade e, consequentemente, a insti-
tuio escolar.
este conjunto de questes aqui levantadas
que ser o eixo norteador dos programas
desta srie e dos textos que se seguem. A
seguir, so apresentadas as ementas dos tex-
tos que subsidiam os referidos programas.
8TEXTOS DA SRIE JUVENTUDE E ESCOLARIZAO:
OS SENTIDOS DO ENSINO MDIO2
A partir dos anos de 1980, com a chegada de
novos contingentes populacionais ao ensino
secundrio, e principalmente na dcada de
1990, com a expanso significativa do nme-
ro de matrculas, um heterogneo grupo de
jovens chega ao Ensino Mdio brasileiro. Nes-
se cenrio, avistamos uma nova configurao
da realidade da escola pblica, decorrente da
recente expanso das oportunidades escola-
res, que no acompanha a qualidade do en-
sino, o que levanta novas questes e dilemas
para a compreenso da experincia escolar
dos jovens. A proposta da srie discutir os
sentidos do Ensino Mdio nesse contexto.
TEXTO 1 (A E B) - UMA DIVERSIDADE DE SUJEITOS
Como vimos anteriormente, assistimos no
Brasil, principalmente a partir de meados da
dcada de 1990, uma expanso significativa
do nmero de matrculas, com a chegada de
um heterogneo grupo de jovens ao Ensino
Mdio brasileiro. Nesse cenrio, avistamos
uma nova configurao da realidade da es-
cola pblica, decorrente da recente expan-
so das oportunidades escolares, que no
acompanha a qualidade do ensino, o que le-
vanta novas questes e dilemas para a com-
preenso da experincia escolar dos jovens.
Esse pblico que vivencia os efeitos das de-
sigualdades sociais traz ao interior da esco-
la novos desafios. O trabalho geralmente
condio de sobrevivncia, fazendo com que
a trajetria escolar dos jovens esteja sobre-
posta ao projeto escolar. Alm disso, uma
diversidade de manifestaes juvenis, tais
como grupos de sociabilidade e afinidade,
novas formas de participao e socializao,
invadem o espao pblico e escolar. Diante
desse quadro, no primeiro programa da s-
rie Juventude e escolarizao, sero dis-
cutidas as significaes dadas a tais jovens.
Quem so os jovens que chegam s escolas
de Ensino Mdio? Quais as representaes
que a escola e seus professores fazem dos jo-
vens alunos? A escola conhece seus alunos?
Que tipos de vivncias e saberes constroem
fora do universo escolar? Por que tantos
evadem do sistema escolar? Quais sentidos
que os jovens atribuem a essa experincia
escolar?
Partindo, principalmente, dos pontos de vis-
ta dos alunos, ou seja, os sentidos e signifi-
cados juvenis sobre essa etapa de escolariza-
o, que sero apresentadas experincias
escolares que se orientam pela articulao
2 Estes textos so complementares srie , com veiculao no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 23 a 27 de novembro de 2009.
9de contedos das disciplinas e saberes cole-
tivos ou juvenis, alm de experincias extra-
escolares que se pautam na participao ju-
venil. Afinal, quais os pontos de intercesso
entre os atores das escolas? Em que medida
h um modelo simblico construdo na ins-
tituio escolar que se distancia de vivncias
comuns dos jovens alunos? Como o cotidia-
no escolar pode promover o dilogo e fazer
da escola uma experincia significativa para
os jovens?
Para subsidiar esta discusso, apresentamos
dois textos. O primeiro, Juventude e diversi-
dade no Ensino Mdio, de Ana Paula Corti,
desenvolve uma reflexo sobre o processo
de expanso do Ensino Mdio e seus prin-
cipais desafios. Dentre eles, a diversidade
dos alunos que passam a chegar s escolas.
Ainda neste eixo, o segundo texto, O aluno
do Ensino Mdio: o jovem desconhecido, de
Juarez Dayrell, nos traz uma reflexo sobre
as dimenses da condio juvenil dos jovens
contemporneos, apontando elementos im-
portantes para uma compreenso dos alu-
nos como jovens que so.
TEXTO 2 - EXPECTATIVAS JUVENIS E IDENTIDADE DO ENSINO MDIO
O que os jovens esperam da escola? Quais
planos de futuro os jovens estudantes do En-
sino Mdio tm construdo para suas vidas?
H relaes entre tais planos e as suas expe-
rincias escolares? Este programa procura
trazer para o debate as transformaes, ao
longo do tempo, nos sentidos atribudos ao
Ensino Mdio. Antes este nvel de ensino sig-
nificava o caminho natural para quem pre-
tendia continuar os estudos universitrios,
porque voltado basicamente para jovens da
classe mdia. Agora, com a sua expanso,
para muitos jovens o Ensino Mdio tam-
bm considerado a ltima etapa da escolari-
dade obrigatria, em outras palavras, o final
do percurso da escolarizao. Esse contexto
vem gerando o debate entre o carter pro-
pedutico ou profissionalizante a ser toma-
do por esse nvel de ensino. Afinal, se existe
uma ou vrias, quais as funes do Ensino
Mdio? Ele deve preparar os jovens para o
mundo do trabalho, para a cidadania, para o
ingresso na universidade?
De maneira geral, podemos afirmar que o
universo escolar configura-se para muitos
jovens por uma ambiguidade caracterizada
pela valorizao do estudo como uma pro-
messa futura, uma forma de garantir um
mnimo de credencial para pleitear um lugar
no mercado de trabalho, ao mesmo tempo
que supre uma possvel falta de sentido que
encontram no presente. Este programa trar
tona as expectativas de futuro dos jovens
alunos articuladas s suas vivncias escola-
res. Como se articulam os interesses pesso-
ais e planos de vida juvenis com as deman-
das do cotidiano escolar? Em que medida
10
os sentidos atribudos experincia escolar
motivam a elaborao dos projetos de futu-
ro dos jovens? A proposta do Ensino Mdio
Inovador e a constituio da chamada Es-
cola Jovem seria uma leitura mais sofistica-
da do poder pblico sobre as demandas dos
estudantes?
O texto que subsidia esta discusso Ensi-
no Mdio no Brasil: juventudes com fu-
turo interditado, de autoria do Prof. Gau-
dncio Frigotto. Nele o autor retoma o
tema da diversidade juvenil, enfatizando a
questo da desigualdade social, amplian-
do assim a problematizao em torno da
condio juvenil no Brasil. Em seguida, o
autor traz uma importante reflexo sobre
as (poucas) perspectivas de futuro para a
grande maioria dos jovens alunos, denun-
ciando um contexto sociopoltico que co-
loca a juventude com a vida provisria e
em suspenso.
TEXTO 3 - PARTICIPAO JUVENIL NAS ESCOLAS
Quem mexe com a internet fica bom em
quase tudo, quem tem computador nem
precisa de estudo, estudar pra qu?
O verso da msica Estudar pra qu?, do
grupo musical Pato Fu, acaba por ironizar
um significado bastante recorrente no senso
comum sobre um possvel antagonismo nas
relaes entre escola e internet, as normas
lingusticas escolares e a escrita abreviada da
net. Se partirmos dessa dicotomia, as expres-
ses e invenes juvenis em espaos exteriores
da instituio escolar podem ser vistas como
inadequadas, irrelevantes ou at controversas
cultura escolar. Entretanto, como provocar
o dilogo entre as expressividades culturais e
modos de participao juvenis com as prti-
cas e tempos da cultura escolar hegemnica?
Aproximaes com espaos e prticas de so-
ciabilidade dos jovens podem contribuir como
referncias para o trabalho pedaggico. Nesse
sentido, o terceiro programa traz reflexo os
desafios do encontro das cultura(s) escolares e
juvenis e apresenta prticas educativas consi-
deradas inovadoras por colocarem no centro
as trocas possveis e que geram interessantes
relaes de ensino-aprendizagem, explicitando
relaes entre juventude e escola.
O texto que subsidia este debate : Conecta-
dos por um fio: alguns apontamentos sobre
internet, culturas juvenis contemporneas e
escola, da Prof Elisabete Garbin. Nele a autora
situa o surgimento da internet e os impactos
que vem causando deste ento no nosso coti-
diano, principalmente para jovens, discutindo
o envolvimento cada vez maior desta parcela
da populao com os meios digitais. Ela nos
mostra como a internet rene trs campos que
at ento eram distintos: a cultura e os novos
conhecimentos produzidos a partir das tecno-
logias digitais; a comunicao e o lazer e final-
11
mente a informao simultnea. Ao mesmo
tempo, Garbin discute as repercusses deste
avano tecnolgico na sala de aula, principal-
mente na produo do conhecimento, eviden-
ciando as pistas mas tambm os desafios para
a escola e seus professores trabalharem com
as ferramentas da internet.
Os textos 1, 2 e 3 tambm so referenciais
para o quarto programa, com entrevistas
que refletem sobre esta temtica (Outros
olhares sobre Juventude e escolarizao) e
para as discusses do quinto e ltimo pro-
grama da srie (Juventude e escolarizao
em debate).
12
TEXTO 1 (A)
uMa diversidade de suJeitosJUVENTUDE E DIVERSIDADE NO ENSINO MDIO
Ana Paula Corti*
O Ensino Mdio no Brasil parece estar ga-
nhando novo flego nos ltimos anos. Tra-
dicionalmente esquecido e colocado em se-
gundo plano diante da priorizao do Ensino
Fundamental, ele passa agora a ser reconhe-
cido como um dos principais gargalos da
educao brasileira e uma etapa de ensino
estratgica para o desenvolvimento do pas.
O crescimento fantstico nas matrculas,
nos ltimos 15 anos, ao mesmo tempo
animador e assustador. Entre 1995 e 2005,
chegaram aos sistemas de ensino estaduais
mais 4 milhes de jovens no Ensino Mdio
(totalizando uma populao escolar de 9 mi-
lhes). Para termos uma ideia da magnitude
dos nmeros, o Chile tinha, em 2005, pouco
mais de um milho de alunos no ensino se-
cundrio.
A enorme ampliao do acesso no foi
acompanhada de polticas e aes gover-
namentais que pudessem sustent-la com
a qualidade necessria. O resultado foi um
aumento quantitativo que acirrou uma crise
j estrutural na educao secundria: afinal,
quais os objetivos e as finalidades do Ensino
Mdio?
Como aponta a pesquisadora Dagmar Zibas,
diferentemente do ensino primrio, o Bra-
sil nunca chegou a construir um consenso a
respeito da educao secundria:
De fato, se o nosso sistema de ensino
primrio, tendo como ideal a escola re-
publicana francesa do final do sculo
XIX, conseguiu, ao longo de sua histria,
algum consenso quanto s suas finali-
dades e contedos, objetivando instituir
uma racionalidade moderna e um sen-
timento de unidade nacional, foi a am-
pliao do acesso ao ensino secundrio
que concentrou a resistncia dos setores
conservadores, colocando a nu uma rea
de profundos conflitos, cujos desdobra-
mentos ficam evidentes ao longo da his-
tria do ensino mdio (...) (ZIBAS, 2005).
A incluso do Ensino Mdio no mbito da
educao bsica, pela Lei de Diretrizes e Ba-
ses de 1996, reconfigurou a educao secun-
1 Mestre em Cincias Sociais, assessora da Ao Educativa.
13
dria, tradicionalmente reservada s elites
intelectuais e econmicas, como um pata-
mar bsico de escolaridade que todos/as os
brasileiros deveriam ter. Os avanos na co-
bertura do Ensino Fundamental e as polti-
cas de correo de fluxo que acompanharam
esses avanos geraram, efetivamente, uma
nova demanda por Ensino Mdio no pas.
No plano cur-
ricular, a ela-
borao de di-
retrizes para o
Ensino Mdio,
em 1998, refor-
ou um modelo
de formao ge-
ral, agora estru-
turado em trs
reas de conhe-
cimento, em
que as tnicas
passaram a ser:
interdisciplina-
riedade, contex-
tualizao e de-
senvolvimento de competncias.
Alguns estudos mostraram, mais tarde, que
diretrizes curriculares divorciadas de uma
poltica de expanso fsica e financeira e de
formao so como um edifcio erguido em
terreno pantanoso no possuem nenhuma
sustentao. Nesse sentido, em pesquisa
publicada em 2003, a Unesco mostra que as
escolas e os professores pouco conheciam
os documentos da reforma curricular, o que
redundou em baixo impacto das medidas no
cotidiano das escolas.
Nomeada por Dagmar Zibas como o par-
to da montanha, a reforma dos anos 1990
no chegou a parir um novo Ensino Mdio.
O novo no veio do currculo, mas do per-
fil dos jovens que pas-
saram a chegar aos
bancos escolares a
expanso e a demo-
cratizao do acesso
trouxe para a escola
a diversidade cultu-
ral das juventudes, e
tambm as desigual-
dades sociais e eco-
nmicas que marcam
sua condio. Muitos
jovens passaram a
ser os primeiros em
suas famlias a terem
acesso ao Ensino M-
dio jovens mais es-
colarizados que seus pais, mes e familia-
res divididos entre a promessa positiva de
ascenso social anunciada pela escola, e o
confronto dramtico com uma situao de
desemprego estrutural sem precedentes.
diante de um pblico juvenil extremamen-
te diverso, que traz para dentro da escola as
contradies de uma sociedade que avana
diante de um pblico
juvenil extremamente
diverso, que traz para dentro
da escola as contradies de
uma sociedade que avana
na incluso educacional
sem transformar a estrutura
social desigual mantendo
acesso precrio sade, ao
transporte, cultura e lazer
e ao trabalho que o novo
Ensino Mdio se forja.
14
na incluso educacional sem transformar a
estrutura social desigual mantendo acesso
precrio sade, ao transporte, cultura e
lazer e ao trabalho que o novo Ensino M-
dio se forja. As desigualdades sociais passam
a tensionar a instituio escolar e a produzir
novos conflitos.
O tema da violncia escolar, por exemplo,
emerge com fora no final da dcada de 1990
e nos anos 2000, paralelamente ao processo
de expanso das matrculas no nvel mdio,
e do avano na universalizao no ensino
fundamental. Os estudos tentam entender
porque os adolescentes e os jovens de baixa
renda, agora includos na escola, passam a
expressar tamanha recusa ao seu modelo de
socializao e de conhecimento uma inda-
gao que marca presena em pesquisas de
diversos pases.
Um dos socilogos franceses que aborda
essa questo vai nos mostrar que a compre-
enso das novas tenses entre os jovens e a
escola exige desvelar, de um lado, a lgica
escolar e, de outro, a lgica juvenil nas so-
ciedades atuais:
Do ponto de vista dos alunos, a cons-
truo da individualidade se realiza sob
um duplo registro. preciso crescer no
mundo escolar e naquele do adolescente.
Alguns o conseguem com facilidade. Ou-
tros, ao contrrio, vivem apenas em um
destes registros (DUBET, 1998).
A escola, por sua vez, j no consegue ocul-
tar seus limites em cumprir as promessas de
mobilidade social. O diploma de nvel m-
dio sofre um processo de desvalorizao e,
se consiste em requisito necessrio para a
entrada no mercado de trabalho, ele certa-
mente deixa de ser suficiente para garantir
um emprego. O estudo de Luciane Bombach
mostra que, nos anos 1990, o aumento dos
nveis de escolarizao entre os jovens de 15
e 24 anos no gerou o crescimento espera-
do em seus nveis de renda. Pelo contrrio,
a renda dos jovens com diploma de Ensino
Mdio despencou entre 1981 e o ano de 2002,
na regio metropolitana de So Paulo.
Mas, em que pesem as consequncias per-
versas de uma expanso quantitativa feita
de forma precria no Ensino Mdio brasilei-
ro, sua importncia nos parece inquestion-
vel. Os problemas que dela advm so, nesse
sentido, bons problemas pois anunciam a
realizao de novos direitos. O direito que
todos/as os/as jovens tm de frequentar
uma escola, e faz-lo com qualidade. E so
justamente as condies necessrias para
construir uma escola de qualidade que pre-
cisam ganhar fora no debate atual sobre
o Ensino Mdio. H ainda uma fragilidade
quanto proposio do que seria esta quali-
dade, tanto por parte dos governos, quanto
por parte das prprias escolas e da socieda-
de civil organizada.
Os anseios e expectativas do pblico jovem
15
que hoje tem acesso ao Ensino Mdio no
esto mais restritos entrada na univer-
sidade, como foi numa poca em que sua
clientela era formada por uma minoria per-
tencente a grupos sociais economicamente
favorecidos. Hoje, cerca de 60% dos estu-
dantes que concluem o Ensino Mdio no
ingressam no ensino superior. No entanto,
o currculo atual ainda carrega os resqucios
do ensino propedutico, na medida em que
se manteve organizado a partir dos compo-
nentes curriculares exigidos no vestibular.
A diversidade no Ensino Mdio, que se ex-
pressa nos sujeitos e tambm nas vrias for-
mas de organizao desta etapa de ensino
educao no campo, ensino noturno, EJA
(educao de jovens e adultos), educao
profissional, escolas indgenas, entre outras
parece exigir um currculo diversificado,
mais flexvel, que possa contemplar realida-
des locais, e que, principalmente, seja capaz
de estar articulado ao mundo do trabalho
esfera de produo da existncia humana,
da realizao, da sobrevivncia e da auto-
nomia. Sabemos bem da centralidade que o
trabalho ocupa na vida dos jovens que esto
no Ensino Mdio e, sem confundir isso uni-
camente com a defesa da educao profis-
sional (as coisas no so sinnimas), parece
ser necessrio aprofundar as conexes entre
a escola e o mundo do trabalho, como um
direito essencial para a cidadania juvenil.
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1998. Institui as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o Ensino Mdio.
16
TEXTO 1 (B)
uMa diversidade de suJeitosO ALUNO DO ENSINO MDIO: O JOVEM DESCONHECIDO
Juarez Dayrell1
Vejo na tv o que eles falam sobre o jovem no srio
O jovem no Brasil nunca levado a srio (...)
Sempre quis falar, nunca tive chance
Tudo que eu queria estava fora do meu alcance (...)
(Charlie Brown Jr No srio)
Este trecho da msica do grupo Charlie Bro-
wn Jr traduz e denuncia parte dos desafios
vivenciados pelos jovens na sua relao com
a escola. Como diz a msica, o jovem no
levado a srio, exprimindo a tendncia, mui-
to comum nas escolas e programas educa-
tivos, de no considerar o jovem como in-
terlocutor vlido, capaz de emitir opinies e
interferir nas propostas que lhe dizem res-
peito, desestimulando a sua participao e o
seu protagonismo. A msica tambm denun-
cia um outro fenmeno comum: a criao de
imagens e preconceitos sobre a juventude,
quase sempre abordados sob perspectiva ne-
gativa. No cotidiano das nossas escolas, por
exemplo, o jovem geralmente aparece como
problema, com nfase na sua indisciplina; na
falta de respeito nas relaes entre os pares
e com os professores; na sua irresponsabi-
lidade diante dos compromissos escolares;
na sua rebeldia quanto forma de vestir
calas e blusas largussimas, piercings, tatu-
agens e o indefectvel bon o que pode ser
motivo de conflito quando a escola define
um padro rgido de vestimenta. comum
tambm entre os professores o esteretipo
das geraes atuais como sendo desinteres-
sadas pelo contexto social, individualistas e
alienadas, numa tendncia a compar-las s
geraes anteriores, mitificadas como gera-
es mais comprometidas e generosas. Alm
disso, a juventude considerada uma uni-
dade social, um grupo dotado de interesses
comuns, os quais se referem a determinada
faixa etria. Nessa perspectiva, a juventude
assumiria um carter universal e homog-
neo, sendo igual em qualquer lugar, em qual-
quer escola ou turno.
1 Professor da Faculdade de Educao da UFMG e coordenador do Observatrio da Juventude da UFMG. Consultor da srie.
17
O que se constata que boa parte dos profes-
sores do Ensino Mdio tende a ver o jovem
aluno a partir de um conjunto de modelos e
esteretipos socialmente construdos, e com
esse olhar corre o risco de analis-los de for-
ma negativa, o que os impede de conhecer
o jovem real que frequenta esta etapa da es-
colaridade bsica. Diante disso, se a escola
e seus profissionais querem estabelecer um
dilogo com as novas geraes, torna-se ne-
cessrio inverter esse processo. Ao contrrio
de construir um modelo prvio do que seja a
juventude e por meio dele analisar os jovens,
propomos que a escola e seus profissionais
busquem conhecer os jovens com os quais
atuam, dentro e fora da escola, descobrindo
como eles constroem um determinado modo
de ser jovem. Para contribuir nesta tarefa,
ns nos propomos a traar algumas dimen-
ses que constituem a condio juvenil atual.
2. A CONDIO JUVENIL NO
BRASIL2.
Uma primeira constatao a existncia de
uma nova condio juvenil no Brasil. O jo-
vem que chega s escolas pblicas, na sua
diversidade, apresenta caractersticas, prti-
cas sociais e um universo simblico prprio,
que o diferencia e muito das geraes ante-
riores. Mas quem ele? Quais as dimenses
constitutivas dessa condio juvenil?
Para essa reflexo, no nos propomos a reto-
mar todo o debate existente em torno da ca-
tegorizao da juventude3, que foge aos limi-
tes desse texto. Optamos em trabalhar com
a ideia de condio juvenil por consider-la
mais adequada aos objetivos dessa discusso.
Do latim conditio, refere-se maneira de ser,
situao de algum perante a vida, perante a
sociedade. Mas tambm se refere s circuns-
tncias necessrias para que se verifique essa
maneira ou tal situao. Assim, existe uma
dupla dimenso presente quando falamos em
condio juvenil. Refere-se ao modo como
uma sociedade constitui e atribui significado
a esse momento do ciclo da vida, no contex-
to de uma dimenso histrico-geracional, mas
tambm sua situao, ou seja, o modo como
tal condio vivida a partir dos diversos re-
cortes referidos s diferenas sociais classe,
gnero, etnia, etc. Na anlise, permite-se levar
em conta tanto a dimenso simblica como os
aspectos fticos, materiais, histricos e polti-
cos nos quais a produo social da juventude
se desenvolve (ABRAMO, 2005).
Temos de levar em conta tambm que essa
condio juvenil vem se construindo em um
contexto de profundas transformaes socio-
culturais ocorridas no mundo ocidental nas
2 Uma reflexo mais ampla deste tema se encontra no meu artigo: A escola faz juventudes? Reflexes em torno da socializao juvenil. Educao e Sociedade, Campinas, vol. 28, n.100, 2007.
3 Para uma discusso mais ampla sobre a noo de juventude, cf. PAIS,1993; MARGULIS, 2000; DAYRELL, 2005, dentre outros.
18
ltimas dcadas, fruto da ressignificao do
tempo e espao e da reflexividade, dentre ou-
tras dimenses, o que vem gerando uma nova
arquitetura do social (GIDDENS, 1991). Ao mes-
mo tempo necessrio situar as mutaes que
vm ocorrendo no mundo do trabalho, o que,
no Brasil, vem alterando as formas de insero
dos jovens no mercado, com uma expanso
das taxas de desemprego aberto, com o desas-
salariamento e a
gerao de pos-
tos de trabalho
precrios, que
atinge, principal-
mente, os jovens
das camadas po-
pulares, delimi-
tando o universo
de suas experin-
cias e seu campo
de possibilida-
des. Nesse con-
texto mais amplo, a condio juvenil no Brasil
manifesta-se nas mais variadas dimenses. Na
perspectiva aqui tratada, vamos privilegiar al-
gumas delas que podem clarear melhor a rela-
o da juventude com a escola.
2.1. AS MLTIPLAS DIMENSES
DA CONDIO JUVENIL
Inicialmente, importante situar o lugar social
desses jovens, o que vai determinar, em par-
te, os limites e as possibilidades com os quais
constroem uma determinada condio juvenil.
Podemos constatar que a vivncia da juventu-
de nas camadas populares dura e difcil: os
jovens enfrentam desafios considerveis. Ao
lado da sua condio como jovens, alia-se a da
pobreza, numa dupla condio que interfere
diretamente na trajetria de vida e nas pos-
sibilidades e sentidos
que assumem a vivn-
cia juvenil. Um gran-
de desafio cotidiano
a garantia da prpria
sobrevivncia, numa
tenso constante entre
a busca de gratificao
imediata e um possvel
projeto de futuro.
No Brasil, a juventude
no pode ser caracte-
rizada pela moratria em relao ao traba-
lho, como comum nos pases europeus.
Ao contrrio, para grande parcela de jovens,
a condio juvenil s vivenciada porque
trabalham, garantindo o mnimo de recur-
sos para o lazer, o namoro ou o consumo4.
Mas isso no significa, necessariamente, o
abandono da escola, apesar de influenciar
no seu percurso escolar. As relaes entre o
trabalho e o estudo so variadas e comple-
4 De acordo com os dados da pesquisa Retratos da Juventude Brasileira, realizada em 2004, 36% dos jovens estudantes de 15 a 24 anos trabalhavam e 40% estavam desempregados, sendo que 76% deles estavam envolvidos, de alguma forma, com o mundo do trabalho (Sposito, 2005).
Para os jovens, a escola e o
trabalho so projetos que se
superpem ou podero sofrer
nfases diversas de acordo
com o momento do ciclo de
vida e as condies sociais
que lhes permitam viver a
condio juvenil.
19
xas e no se esgotam na oposio entre os
termos. Para os jovens, a escola e o traba-
lho so projetos que se superpem ou po-
dero sofrer nfases diversas de acordo com
o momento do ciclo de vida e as condies
sociais que lhes permitam viver a condio
juvenil. Nesse sentido, o mundo do traba-
lho aparece como uma mediao efetiva e
simblica na experimentao da condio
juvenil, podendo-se afirmar que o trabalho
tambm faz a juventude, mesmo conside-
rando a diversidade de situaes e posturas
existente por parte dos jovens em relao ao
trabalho (SPOSITO 2005).
As culturas juvenis. Mas com todos os limi-
tes dados pelo lugar social que ocupam, no
podemos esquecer o que , aparentemente,
bvio: eles so jovens, amam, sofrem, di-
vertem-se, pensam a respeito das suas con-
dies e de suas experincias de vida, posi-
cionam-se diante delas, possuem desejos e
propostas de melhorias de vida. Na trajet-
ria de vida desses jovens a dimenso sim-
blica e expressiva tem sido cada vez mais
utilizada como forma de comunicao e de
um posicionamento diante de si mesmos e
da sociedade. A msica, a dana, o vdeo, o
corpo e seu visual, dentre outras formas de
expresso, tm sido os mediadores que ar-
ticulam jovens que se agregam para trocar
ideias, ouvir um som, para danar, dentre
outras diferentes formas de lazer. Mas tam-
bm tem se ampliado o nmero daqueles
que se colocam como produtores culturais
e no apenas fruidores, agrupando-se para
produzir msicas, vdeos, danas, ou mes-
mo programas em rdios comunitrias.
O mundo da cultura aparece como um espa-
o privilegiado de prticas, representaes,
smbolos e rituais no qual os jovens buscam
demarcar uma identidade juvenil. Longe dos
olhares dos pais, educadores ou patres,
mas sempre tendo-os como referncia, os
jovens constituem culturas juvenis que lhes
do uma identidade como jovens. As cultu-
ras juvenis, como expresses simblicas da
condio juvenil, se manifestam na diver-
sidade em que esta se constitui, ganhando
visibilidade atravs dos mais diferentes esti-
los, que tm no corpo e seu visual algumas
de suas marcas distintivas. Jovens ostentam
os seus corpos e neles as roupas, as tatua-
gens, os piercings, os brincos, dizendo da
adeso a um determinado estilo, demar-
cando identidades individuais e coletivas,
alm de sinalizar um status social almeja-
do. Ganha relevncia tambm a ostentao
dos aparelhos eletrnicos, principalmente o
MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano
juvenil precisa ser mais pesquisado.
Nesse contexto, ganham relevncia os gru-
pos culturais. As pesquisas indicam que a
adeso a um dos mais variados estilos exis-
tentes no meio popular ganha um papel
significativo na vida dos jovens. De forma
diferenciada, lhes abre a possibilidade de
prticas, relaes e smbolos por meio dos
20
quais criam espaos prprios, com uma
ampliao dos circuitos e redes de trocas, o
meio privilegiado pelo qual se introduzem na
esfera pblica. Para esses jovens, destitudos
por experincias sociais que lhes impem
uma identidade subalterna, o grupo cultural
um dos poucos espaos de construo de
uma autoestima, possibilitando-lhes iden-
tidades positivas (GOMES e DAYRELL, 2002;
2003). Ao mesmo tempo, preciso enfatizar
que as prticas culturais juvenis no so ho-
mogneas e se orientam conforme os obje-
tivos que as coletividades juvenis so capa-
zes de processar num contexto de mltiplas
influncias externas e interesses produzidos
no interior de cada agrupamento especfico.
Em torno do mesmo estilo cultural podem
ocorrer prticas de delinquncia, intole-
rncia e agressividade, assim como outras
orientadas para a fruio saudvel do tempo
livre ou ainda para a mobilizao cidad em
torno da realizao de aes solidrias.
A sociabilidade. Aliada s expresses cultu-
rais, uma outra dimenso da condio juve-
nil a sociabilidade. Uma srie de estudos
sinaliza a centralidade dessa dimenso que
se desenvolve nos grupos de pares, preferen-
cialmente nos espaos e tempos do lazer e
da diverso, mas tambm presente nos es-
paos institucionais como na escola ou mes-
mo no trabalho. A turma de amigos uma
referncia na trajetria da juventude: com
a turma que fazem os programas, trocam
ideias, buscam formas de se afirmar dian-
te do mundo adulto, criando um eu e um
ns distintivo. Segundo Pais (1993:94), os
amigos do grupo constituem o espelho de
sua prpria identidade, um meio atravs do
qual fixam similitudes e diferenas em rela-
o aos outros.
A sociabilidade expressa uma dinmica de
relaes, com as diferentes gradaes que
definem aqueles que so os mais prximos
(os amigos do peito) e aqueles mais dis-
tantes (a colegagem), bem como o movi-
mento constante de aproximaes e afasta-
mentos, numa mobilidade entre diferentes
turmas ou galeras. O movimento tambm
est presente na prpria relao com o tem-
po e o espao. A sociabilidade tende a ocor-
rer em um fluxo cotidiano, seja no intervalo
entre as obrigaes, o ir-e-vir da escola
ou do trabalho, seja nos tempos livres e de
lazer, na deambulao pelo bairro ou pela
cidade. Mas tambm podem ocorrer no in-
terior das instituies, seja no trabalho ou
na escola, na inveno de espaos e tempos
intersticiais, recriando um momento pr-
prio de expresso da condio juvenil nos
determinismos estruturais. Enfim, podemos
afirmar que a sociabilidade para os jovens
parece responder s suas necessidades de
comunicao, de solidariedade, de demo-
cracia, de autonomia, de trocas afetivas e,
principalmente, de identidade.
Mas, nessa dimenso, temos de considerar,
tambm, as expresses de conflitos e vio-
21
lncia existentes no universo juvenil que,
apesar de no ser generalizada, costumam
ocorrer em torno e a partir dos grupos de
amigos, sobretudo masculinos. As discus-
ses, brigas e at mesmo atos de vandalismo
e delinqun cia, presentes entre os jovens,
no podem ser dissociadas da violncia mais
geral e multifacetada que permeia a socieda-
de brasileira, expresso do descontentamen-
to dos jovens diante de uma ordem social
injusta, de uma descrena poltica e de um
esgaramento dos laos de solidariedade,
dentre outros fatores. Mas h tambm uma
representao da imagem masculina asso-
ciada virilidade e coragem, que muito
cultuada na cultura popular, constituindo-se
um valor que perseguido por muitos que,
aliada competio, cumprem uma funo
na construo da sociabilidade juvenil.
O tempo e o espao. Essas diferentes dimenses
da condio juvenil so condicionadas pelo
espao onde so construdas, que passa a ter
sentidos prprios, transformando-se em lugar,
o espao do fluir da vida, do vivido, sendo o
suporte e a mediao das relaes sociais, in-
vestido de sentidos prprios, alm de ser a an-
coragem da memria, tanto individual quanto
coletiva. Os jovens tendem a transformar os
espaos fsicos em espaos sociais, pela produ-
o de estruturas particulares de significados.
Um exemplo claro o sentido que os jovens
atribuem ao lugar onde vivem. Para eles a peri-
feria no se reduz a um espao de carncia de
equipamentos pblicos bsicos ou mesmo da
violncia, ambos reais. Muito menos aparece
apenas como o espao funcional de residn-
cia, mas surge como um lugar de interaes
afetivas e simblicas, carregado de sentidos.
Pode-se ver isso no sentido que atribuem rua,
s praas, os bares da esquina, que se tornam,
como vimos anteriormente, o lugar privilegia-
do da sociabilidade ou, mesmo, o palco para a
expresso da cultura que elaboram, numa rein-
veno do espao. Podemos dizer que a condi-
o juvenil, alm de ser socialmente constru-
da, tem tambm uma configurao espacial
(PAIS, 1993).
Mas existe tambm uma ampliao do do-
mnio do espao urbano para alm do bair-
ro, principalmente para aqueles jovens in-
tegrantes de grupos culturais. comum a
realizao de eventos como apresentaes,
shows, festas ou at mesmo reunies, seja
no centro da cidade, seja em alguma regio
mais distante. Mesmo com a falta de dinhei-
ro e a dificuldade do transporte, esses mo-
mentos no deixam de significar um desa-
fio ldico, capaz de trazer prazer e alegria.
Podemos dizer que esses jovens produzem
territorialidades transitrias, afirmando por
meio delas o seu lugar numa cidade que os
exclui. So nesses tempos e espaos que
criam o seu cotidiano, encontram-se, do
shows, divertem-se, perambulam pela cida-
de, reinventando temporariamente o sen-
tido dos espaos urbanos (HERSCHMANN,
2000).
22
Aliada ao espao, a condio juvenil expres-
sa uma forma prpria de viver o tempo. H
predomnio do tempo presente, que se tor-
na no apenas a ocasio e o lugar, quando
e onde se formulam questes s quais se
responde interrogando o passado e o futu-
ro, mas tambm a nica dimenso do tem-
po que vivida sem maiores incmodos e
sobre a qual possvel concentrar ateno.
E mesmo no tempo presente possvel per-
ceber formas diferenciadas de vivenci-lo,
de acordo com o espao: se nas instituies
(escola, trabalho, famlia), que assumem
uma natureza institucional, marcada pelos
horrios e a pontualidade, ou se nos espaos
instersticiais, de natureza sociabilstica, que
enfatizam a aleatoriedade, os sentimentos,
a experimentao. Esses espaos so viven-
ciados preferencialmente noite, quando
experimentam uma iluso libertadora, longe
do tempo rgido da escola ou do trabalho.
Nessas diferentes expresses da condio ju-
venil, podemos constatar a presena de uma
lgica baseada na reversibilidade, expressa no
constante vaivm presente em todas as di-
menses da vida desses jovens. Vo e voltam
em diferentes formas de lazer, com diferen-
tes turmas de amigos, o mesmo acontecendo
aos estilos musicais. Aderem a um grupo cul-
tural hoje que amanh poder ser outro, sem
maiores rupturas. Na rea afetiva, predomi-
na a ideia do ficar, quando tendem a no
criar compromissos com as relaes amoro-
sas alm de um dia ou de uma semana. Tam-
bm no trabalho podemos observar esse mo-
vimento com uma mudana constante dos
empregos, o que reforado pela prpria pre-
carizao do mercado de trabalho, que pou-
co oferece alm de bicos ou empregos tem-
porrios. a presena dessa lgica que leva
Pais (2003) a caracterizar esta gerao como
ioi, numa rica metfora que traduz bem
a ideia da vida inconstante das geraes atu-
ais. Essa reversibilidade informada por uma
postura baseada na experimentao, numa
busca de superar a monotonia do cotidiano
atravs da procura de aventuras e excitaes.
Nesse processo, testam suas potencialidades,
improvisam, se defrontam com seus prprios
limites e muitas vezes se enveredam por ca-
minhos de ruptura, de desvio, sendo uma
forma possvel de autoconhecimento. Para
muitos desses jovens, a vida constitui-se no
movimento, em um trnsito constante entre
os espaos e tempos institucionais, da obri-
gao, da norma e da prescrio, e aqueles
intersticiais, nos quais predomina a sociabili-
dade, os ritos e smbolos prprios, o prazer.
nesse trnsito, marcado pela transitoriedade,
que vo se delineando as trajetrias para a
vida adulta. nesse movimento que se fazem,
construindo modos prprios de ser jovem.
Nesse contexto, cada vez mais difcil definir
modelos na transio para a vida adulta. As
trajetrias tendem a ser individualizadas, con-
formando os mais diferentes percursos nessa
passagem. Podemos dizer que, no Brasil, o prin-
cpio da incerteza domina a vida dos jovens,
23
que vivem verdadeiras encruzilhadas de vida,
nas quais as transies tendem a ser zigueza-
gueantes, sem rumo fixo ou predeterminado.
Se essa uma realidade comum juventude,
no caso dos jovens pobres os desafios so ain-
da maiores, uma vez que contam com menos
recursos e margem de escolhas, imersos que
esto em constrangimentos estruturais. Para
a grande maioria desses jovens, a transio
aparece como um labirinto, obrigando-os a
uma busca constante de articular os princpios
de realidade (que posso fazer?), do dever (que
devo fazer?) e do querer (o que quero fazer?),
colocando-os diante de encruzilhadas onde jo-
gam a vida e o futuro (PAIS, 2003).
nesse contexto que temos de situar a expe-
rincia escolar desses jovens e buscar com-
preender a forma como se relacionam com
a escola, os seus comportamentos, as suas
demandas e necessidades prprias. Como
nos lembra a antropologia, se queremos
compreender os jovens na sua relao com
a escola, devemos, antes de tudo, buscar
conhec-los na sua realidade, para alm dos
muros da escola. Est posto o desafio.
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24
TEXTO 2
expectativas Juvenis e identidade do ensino MdioENSINO MDIO NO BRASIL: JUVENTUDES COM FUTURO
INTERTERDITADO
Gaudncio Frigotto1
O srie Juventude e escolarizao: os senti-
dos do Ensino Mdio, apresentada no pro-
grama Salto para o Futuro, discute o Ensi-
no Mdio tendo como foco a diversidade
dos jovens alunos. O ttulo acima decorre
da concluso de uma pesquisa desenvolvi-
da durante trs anos sobre as concepes
e os sujeitos do Ensino Mdio e a relao
quantidade e qualidade2. A partir desta pes-
quisa, iniciei um novo projeto que analisa a
questo das polticas de educao, emprego
e renda para os jovens no Brasil, sociedade,
como define Florestan Fernandes3, de capi-
talismo dependente. Como primeiro resul-
tado da confluncia destas duas pesquisas,
entrevistando jovens e especialistas sobre o
tema, coordenei um documentrio com o
ttulo: Juventude com vida provisria e em
suspenso4.
Estas referncias visam situar as breves in-
dicaes que seguem sobre o tema, como
mais um subsdio de discusso e de dilo-
go com os professores que atuam no cho
da escola nas diferentes regies do pas e de
indicao para os rgos pbicos que defi-
nem polticas e processos avaliativos sobre
o Ensino Mdio. Abordarei, sucintamente,
trs aspectos: juventudes e ensinos mdios;
sociedade brasileira e juventudes com futu-
ro interditado ou provisrio e em suspenso
e os desafios para os professores e demais
trabalhadores do Ensino Mdio.
1. JUVENTUDES E ENSINOS
MDIOS
Juventudes, no plural, busca realar o que a
antroploga Regina Novaes, em depoimento
1 Professor do Programa de Ps-graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2 Frigotto, Gaudncio. Educao Tecnolgica e o Ensino Mdio: Concepes, sujeitos e a relao quantidade/qualidade. Rio de Janeiro, 2008. Relatrio de pesquisa. Apoio do CNPq e FAPERJ.
3 Fernandes, Florestan Capitalismo dependente e Classes sociais na Amrica Latina. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1972.
4 Frigotto, Gaudencio (coord.) Juventude com vida provisria e em suspenso. Documentrio de cinquenta minutos, com o apoio do CNPq, FAPERJ e UERJ e produo de ARISSAS Multimdia. Rio de Janeiro. 2009.
25
no documentrio acima referido, destaca ao
referir-se aos jovens no Brasil. Para esta pes-
quisadora s tem sentido falar em juventude
num sentido geracional. No caso especfico,
estamos nos referindo aos jovens entre 16 e
29 anos. Para alm disso, por razes econ-
micas, polticas, culturais e, sobretudo, de
classe e fraes de classe ou grupos sociais,
s faz sentido falar em juventudes. Por este
ngulo, tambm, a questo da diversidade,
no exclusiva, mas dominantemente, vem
subordinada e demarcada pela desigualdade.
O diverso que resulta de uma realidade so-
cial com igualdade de condies constitui-se
numa rica possibilidade de escolhas e de cria-
o. Mas o diverso que resulta da desigualda-
de de condies no s um pobre diverso,
como no diverso, mas sim desigual.
Os jovens a que nos referimos aqui so espe-
cialmente aqueles que frequentam ou deve-
riam estar frequentando o Ensino Mdio pbli-
co, aproximadamente 90%. Trata-se dos jovens
que, na expresso de Milton Santos, no per-
tencem ao andar de cima da sociedade brasi-
leira. Os mais de 30 milhes de jovens, muitos
com o direito negado ltima etapa da educa-
o bsica o Ensino Mdio tem rosto de-
finido. Pertencem classe ou frao de classe
de filhos de trabalhadores assalariados ou que
produzem a vida de forma precria, por conta
prpria, no campo ou na cidade.
Mesmo na delimitao deste universo pode-
mos encontrar diferentes particularidades.
Assim, uma massa enorme de jovens traba-
lha com a famlia em minifndios ou como
arrendatrios ou assalariados do campo. Ou-
tros milhares de jovens vivem nas centenas
de acampamentos, de Norte a Sul, do Mo-
vimento dos Sem-Terra. Mas, certamente, o
nmero maior de jovens filhos de trabalha-
dores reside em bairros populares ou favelas
das mdias e grandes cidades do Brasil.
Todos esses grupos de jovens tm suas es-
pecificidades mas, do ponto de vista psicos-
social e cultural, tendem a sofrer um pro-
cesso de adultizao precoce. A insero no
mercado formal ou informal de trabalho
precria em termos de condies e nveis de
remunerao. Uma situao, portanto, mui-
to diversa da dos jovens de classe mdia
ou filhos dos donos de meios de produo,
que estendem a infncia e juventude.
H, tambm, um nmero significativo de jo-
vens das grandes capitais, violentados em
seu meio e em suas condies de vida, que
se enquadram numa situao de risco per-
manente e que so alvos das mais diversas
formas de violncia, sendo a mais cnica a
do Estado, sob o pretexto do choque de or-
dem. Trata-se de grupos de jovens que fo-
ram to desumanizados e socialmente vio-
lentados que se tornaram presas fceis do
mercado da prostituio infanto-juvenil
ou de gangues, que nada tm a perder ou
constituem um exrcito de soldados do tr-
fico.
26
Sob o ponto de vista dos sujeitos e as escolas
que frequentam temos, como consequn cia,
vrios ensinos mdios. Os jovens do andar de
cima da sociedade e parte da classe mdia fre-
quentam escolas particulares, cujo custo de
quatro e, em alguns casos, oitos vezes maior
que o custo do Ensino Mdio pblico estadu-
al. Na escola pblica apenas aproximadamen-
te 1% dos matriculados frequentam o Ensino
Mdio pblico Federal Colgios de aplicao,
rede das antigas Escolas Tcnicas Federais
hoje transformadas em Institutos Federais de
Educao, Cincia e Tecnologia. O Ensino M-
dio federal que tem condies de oferecer
um padro de qualidade muito diverso da rede
federal e de muitas escolas particulares. Mas
nestas escolas h bases materiais, formao
dos professores e os mesmos tm tempo in-
tegral numa mesma escola, dividindo o tempo
em sala de aula, pesquisa, orientao, etc.
Por fim, sob este aspecto, cabe dizer que
pouco mais da metade dos jovens que tm
direito ao Ensino Mdio o esto frequentan-
do e destes, apenas 25% na idade adequada.
Os demais o frequentam com idade defasa-
da, resultado de repeties e interrupes.
Mais de 50% fazem o Ensino Mdio no turno
noturno e boa parte no PROEJA.
2. JUVENTUDE: FUTURO
INTERDITADO E/OU VIDA
PROVISRIA E EM SUSPENSO
A gerao atual de jovens, em especial os di-
ferentes grupos, provenientes de diferentes
realidades vividas pelos jovens acima referi-
dos, por diferentes razes, tm uma enorme
perplexidade diante do futuro. A transforma-
o do Ensino Mdio, de direito social e sub-
jetivo em capital humano ou num pacote de
competncias ditadas pelo mercado num
contexto de aumento exponencial do desem-
prego e precarizao do trabalho torna os
jovens cada vez mais cticos em relao
promessa integradora da escola. Um desafio
a mais para os professores, para motiv-los
e convenc-los de que o conhecimento pode
ajud-los na busca de transformar a socie-
dade que lhes interdita o futuro. A ideia de
juventude com vida provisria e em suspenso
expressa a situao psicossocial definida pelo
psicanalista austraco Victor Frankel, referen-
te queles que viviam em campo de concen-
trao, em sanatrios ou desempregados.
A educao no vem pendurada na so-
ciedade brasileira. Ela parte constituda e
constituinte da mesma. E o processo hist-
rico que nos trouxe at aqui foi conforman-
do uma sociedade das mais desiguais do
mundo do ponto de vista da distribuio da
riqueza. Uma sociedade de capitalismo de-
pendente, como a define Florestan Fernan-
des, acima referido, que se caracteriza pela
aliana subordinada da classe ou dos grupos
detentores do poder econmico, poltico e
jurdico brasileiros com os grupos dos cen-
tros hegemnicos do capitalismo mundial.
Classe ou grupos que subordinam o pas e
27
a maioria dos seus cidados aos seus inte-
resses, mediante privatizaes, especulao
e opondo-se s reformas e mudanas estru-
turais. Forma subordinada, mas com altos
ganhos para os do andar de cima e que
condenam o Brasil, na diviso internacional
do trabalho, ao trabalho simples e de pou-
co valor agregado e, consequentemente, de
baixa remunerao. No por acaso milhares
de jovens, os mais escolarizados, buscam no
exterior melhores condies de vida. Na ex-
presso do atual presidente do Instituto de
Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), Mrcio
Pochmann, o biscoito fino no olho gordo
do mundo.
Trata-se de um projeto societrio no qual
no h interesse efetivo de investimento em
cincia, tecnologia e pesquisa bsica e, por
isso, tambm no precisa de uma escolari-
dade bsica universal e de efetiva qualidade.
Francisco de Oliveira define nossa sociedade
atual com a metfora do ornitorrinco5 um
mamfero com bico de pato e que no se de-
senvolve nem como mamfero, nem como
pato. Metfora que expressa que a classe
dominante construiu um monstrengo social
ou uma sociedade que produz a misria e
se alimenta dela. As diversas juventudes que
chegam escola so produtos dessa estru-
tura social desigual e cnico querer que a
escola pblica resolva isso transformando-a
em tudo, menos em escola.
3.INTERPELAES E DESAFIOS
PARA QUEM TRABALHA NO
ENSINO MDIO
Vrias perguntas orientaram esta srie de
programas sobre juventudes e Ensino M-
dio, organizada pelo Salto para o Futuro.
Destacamos, entre elas: Quem so os jovens
que chegam s escolas de Ensino Mdio? O
que eles esperam da escola? Que planos de
futuro os jovens estudantes do Ensino M-
dio tm construdo para suas vidas? A escola
conhece seus alunos? Que tipos de vivn-
cias e saberes constroem fora do universo
escolar? Como promover o dilogo e fazer
da escola uma experincia significativa para
os jovens?
Todas estas questes so pertinentes, mas
para que os professores e o corpo dirigente
das escolas possam respond-las adequada-
mente, eles necessitam ter condies de
formao para poder ler e interpretar que
relaes sociais produzem jovens to desi-
guais e mutilados desde sua infncia dos di-
reitos mais elementares. Ler, por outro lado,
que os problemas que estes jovens carregam
para a escola so antes problemas da socie-
dade que os produz e que a escola no tem
o poder miraculoso, sozinha, de revert-los.
Problemas como o da violncia, da gravidez
precoce, da desnutrio, da revolta por no
poder consumir minimamente o que a m-
5 Oliveira, Francisco. Critica a viso dualista. O ornitorrinco. So Paula. Editora Boitempo, 2002.
28
dia lhe oferece todo dia como imperativo de
sentirem-se aceitos no so produzidos na
escola. Tampouco produzido pela escola
o cansao dos jovens que trabalham e estu-
dam, que precisam sair uma hora para pegar
o ltimo nibus, ou para entrar na comuni-
dade onde sobrevivem.
Para reverter o quadro lastimvel do Ensino
Mdio, o primeiro passo o de romper com
as estruturas que produzem e reproduzem
esta desigualdade entre os jovens de uma
mesma gerao.
Os professores,
como cidados
conscientes, e a
escola tm que
dizer claramen-
te o que podem
fazer. E quais as
condies para
responder s
interpelaes
acima com estes jovens, de carne e osso,
assim como so produzidos na sociedade
e chegam na escola, para dar-lhes o direito
que tm de um Ensino Mdio de qualidade?
Poucas experincias mostram que possvel
fazer bastante para estes jovens, algumas
sero mostradas nos programas. E quais so
estas condies?
Primeiro, estes alunos precisam de uma bol-
sa de estudos. O Brasil poderia dar aos mi-
lhares de jovens que esto fora da escola, ou
que estudam precariamente, uma bolsa de
um salrio mnimo para que completassem
o Ensino Mdio. Para isso, bastaria que o an-
dar de cima pagasse imposto progressivo. A
partir da, preciso que escola seja escola,
com condies materiais espao, laborat-
rios, bibliotecas, atividades de arte e esporte
e cultura e professores com formao ade-
quada, atuando s numa escola, com uma
carreira igual das escolas federais e com
salrios tambm iguais.
Este o ponto de
partida e condio
tam bm necessria e
imprescindvel para
responder s questes
acima, mas no o
suficiente. preciso
tambm um projeto
pedaggico que par-
ta dos sujeitos reais,
concretos, com sua
cultura, saberes, preconceitos, raivas e re-
volta e potencialidades. Um projeto que re-
ceba os jovens antes como seres humanos,
sujeitos de direitos coletivos e subjetivos. E
isto depende da conscincia tico-poltica do
professor e da responsabilidade e cobrana
coletiva de cada escola. As avaliaes exter-
nas, sem estas condies, alm de no me-
lhorarem o Ensino Mdio, esto sendo vei-
culadas, especialmente pela grande mdia,
culpabilizando as vtimas. Tambm a triste
recorrncia de ONGs, institutos e empresas
O Brasil poderia dar aos
milhares de jovens que
esto fora da escola, ou que
estudam precariamente, uma
bolsa de um salrio mnimo
para que completassem o
Ensino Mdio.
29
mercantis, que vendem pacotes de conte-
dos e metodologias para jovens sem rosto,
sem grupo social, sem particularidades cul-
turais e geogrficas e que idiotizam o profes-
sor, transformando-o em mero reprodutor
de frmulas e destruindo o que define sua
profisso: organizar e socializar o conheci-
mento, afirmar valores e atitudes para jo-
vens com rosto, experincias, cultura e sa-
beres, pontos de partida de um processo de
construo de conhecimento que os afirma
como sujeitos e protagonistas de uma socie-
dade no s mais justa, mas, sobretudo, de
efetiva igualdade de condies de produo
da existncia. Como cidados e professores/
educadores, nos cabe uma dupla tarefa: lu-
tar para transformar o monstrengo social
que mutila a vida da maioria dos brasileiros
e que interdita o futuro de milhes de jovens
de seus direitos elementares e construir uma
educao bsica de nvel mdio que lhes
permita constituir-se cidados emancipados
e que lutem para que a cincia e a tecnologia
produzidas pelo trabalho humano deixem de
ser propriedade privada de poucos e uma es-
pcie de esfinge de nosso tempo e se trans-
formem em patrimnio comum para qualifi-
car e dilatar a vida.
30
TEXTO 3
participao Juvenil nas escolasCONECTADOS POR UM FIO: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE INTERNET,
CULTURAS JUVENIS CONTEMPORNEAS E ESCOLA
Elisabete Maria Garbin1
Para introduzir este texto, utilizo-me da ex-
presso conectados por um fio, ttulo de meu
projeto de tese de doutorado no ano 2000 so-
bre jovens2 internautas. Diga-se de passagem
que, na poca, a internet era inebriante, no-
vidadeira e, ao mesmo tempo, assustadora
principalmente aos que ainda no tinham
acesso mesma. L se vo quase dez anos e,
hoje (2009) com novas lentes, revejo o refe-
rido ttulo: conectados referia-me a jovens
internautas. Por um fio: seria o Fio de Ariad-
ne? Ou seria o Sem Fio? (conexo wireless)
No tenho respostas, apenas mais pergun-
tas. Diria que o cenrio no mudou muito,
apenas incorporou mais ferramentas de bus-
ca, mais usurios, mais velocidade, mais es-
paos para lazer, mais opes para busca de
informaes e produo de conhecimentos.
Mas... E a escola? Como est a escola se com-
portando em meio a esse turbilho de novas
tecnologias, dentre elas a internet?
Assim sendo, o que busco neste texto com-
por algumas cenas que julgo mais interessan-
tes para serem problematizadas, repensadas
e por que no dizer , navegadas... Pergun-
tando: o que se pode fazer, numa escola (ain-
da) em tempos da cultura escolar hegemnica
diante de tantas janelas e supostos (des) en-
contros entre as chamadas culturas juvenis
versus culturas escolares? Dessa forma, dividi
o artigo em quatro (4) sketches cnicos para dar
mais didatismo leitura. Vamos s Cenas...
CENA 1 INTERNET: UMA CAIXA
DE PANDORA?
Desde a construo do primeiro compu-
1 Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora do Departamento de Ensino e Currculo e pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da mesma universidade. coordenadora do Ncleo de Estudos sobre Currculo, Cultura e Sociedade (NECCSO), o qual est vinculado ao PPGEdu/UFRGS e CNPq. Orienta pesquisas de mestrado e doutorado integrantes da Linha de Pesquisa Estudos Culturais em Educao do mesmo Programa. Atualmente coordena os Projetos Identidades Juvenis em Territrios Culturais Contemporneos (2003-) e Culturas Juvenis em Porto Alegre: cenrios de mltiplos desordenamentos - 2009-2012.
2 Apesar de reconhecer a importncia das questes de gnero principalmente em textos que versam sobre cultura e identidade, neste texto optei por no fazer distino entre os gneros masculino e feminino a cada vez que me referir aos jovens sobre os quais escrevo, com o objetivo de tornar o texto mais fluente.
31
tador digital, em 1946, muitas mudanas
aconteceram. Para cada sociedade, um tipo
de suporte, um tipo de necessidade, um
tipo de emergncia; no caso, digital, virtu-
al. O uso da internet por jovens [e demais
segmentos da sociedade] est articulado
com profundas mudanas e transforma-
es sobre nossas percepes de espao e
de tempo. Um das consequncias mais di-
retas dessas mudanas o acesso s infor-
maes instantneas de qualquer parte do
mundo, em especial, nas vidas dos jovens.
Sabe-se que o desenvolvimento das tecno-
logias dos computadores e da comunicao
influenciou e influencia definitivamente as
atitudes da chamada Gerao Net. Aqueles
que a sociedade, em seu af de medicalizar
e rotular comportamentos como normais
ou desviantes, chama de viciados na Net,
s vezes no conseguem sequer dormir, es-
perando por e-mails que podem chegar du-
rante a noite, ou trabalham por horas sem
parar no computador, sem fixar-se em ho-
rrios (GARBIN, 2003). Por outro lado, nos
chama a ateno para o fato de que mui-
tos jovens, s vezes, no esto protegidos
contra as informaes antissociais que so
veiculadas na Rede, como por exemplo, as
relativas pornografia, armas, violncia,
informaes falsas, violncia verbal na co-
municao virtual, etc. So jovens que tm
amigos e vizinhos atravs da internet. No
lhes interessa se estes vivem ao lado da sua
casa ou do outro lado do mundo: so seus
amigos virtuais, cibernticos. Certo que as
comunidades virtuais estabelecidas atravs
da internet so resultado da chamada glo-
balizao, onde jovens de culturas distintas
tornam-se onipresentes do Sul ao Norte, no
caso do Brasil, falando sobre os mais varia-
dos temas e esses novos fluxos culturais en-
tre as naes e o consumismo global certa-
mente criam possibilidades de subjetivaes
identitrias.
CENA 2 - DOS JOVENS
USURIOS...
A juventude contempornea tem se carac-
terizado por suas diferentes culturas, que
afloram em muitos lugares, ao mesmo tem-
po, como a da gerao zapping, da gerao
digital, gerao Rede, gerao @, das carac-
tersticas de nomadismos, da linguagem do
tipo assim, da parada animal, enfim, urge
que nos percebamos e tambm a nossos
alunos e alunas como sujeitos de uma
condio cultural que, atravs de inmeros
investimentos, nos modifica, transforma e
constitui diferentes maneiras de ser e estar
no mundo. Diretamente relacionados com a
questo da globalizao, os processos de re-
localizaes sociais das novas e velhas pro-
dues simblicas adquiriram importncia
no nosso cotidiano neste incio de sculo a
temtica da desterritorializao. Antes, as
identidades estavam fortemente marcadas
por questes de territrio naes, regies,
bairros, clubes, escolas, etc. Entretanto, a
exploso da mdia e os processos de dester-
32
ritorializao levaram a novas instncias e
marcas de produo de identidades.
No h dvidas de que a internet, se olhar-
mos sob o foco das identidades, converteu-se
num laboratrio para a realizao de expe-
rincias com as construes e reconstrues
do eu na vida ps-moderna, porque, na rea-
lidade virtual, de certa forma moldamo-nos
e criamo-nos a
ns mesmos.
Por esse mo-
tivo, torna-se
um im para
jovens que a
utilizam, inicial-
mente, como
uma mquina
de comunicar
e instrumento
de demarcao
de fronteiras,
tornando-se um
objeto a ser in-
cessantemente
louvado, usado,
teclado, enfim, acessado. Os nmeros de
usurios crescem a cada ano. Em maro de
2006, o IBGE contou 32,1 milhes de usu-
rios da internet no pas. Vinte e um por cen-
to (32,1 milhes) da populao de 10 anos ou
mais de idade acessaram pelo menos uma
vez a internet em algum local domiclio,
local de trabalho, estabelecimento de en-
sino, centro pblico de acesso gratuito ou
pago, domiclio de outras pessoas ou qual-
quer outro local por meio de microcompu-
tador. Dentre os 32,1 milhes de pessoas que
acessaram a internet, 13,9 milhes eram es-
tudantes3. Cabe destacar que, mesmo com
a ampliao do acesso no caso de redes
gratuitas de Estaes
Digitais no Brasil, o
acesso internet ain-
da restrito s clas-
ses sociais de maior
poder aquisitivo fi-
nanceiro.
Uma pesquisa4 rea-
lizada em 2004 pela
MTV/Brasil (junto a
homens e mulheres
das classes A, B e C,
entre 15 e 30 anos, re-
sidentes nas cidades
de So Paulo, Salva-
dor, Braslia, Rio de
Janeiro e Porto Alegre), mostra, atravs de
falas de alguns dos entrevistados que: A in-
ternet mudou para melhor a forma de me
relacionar com os amigos; Fico mais von-
tade para dizer determinadas coisas pela
internet; Tem pessoas com quem me rela-
No h dvidas de que a
internet, se olharmos sob
o foco das identidades,
converteu-se num
laboratrio para a realizao
de experincias com as
construes e reconstrues
do eu na vida ps-moderna,
porque, na realidade virtual,
de certa forma moldamo-nos
e criamo-nos a ns mesmos.
3 Ver mais em:
4 Ver mais em:
33
ciono apenas na internet; s vezes eu minto
na internet; Com a internet eu passei a fa-
lar mais com meus amigos. Podemos inda-
gar: de que modo os internautas esto, em
seus discursos virtuais, expressando coisas
de si, sobre os outros, que j no se limi-
tam a comunidades fechadas como orkut
e similares, de forma que tais investimentos
contribuam para a constituio de novas
identificaes nas relaes, reinventando-se
a cada momento?
Chama-nos a ateno o fato de que h uma
juventude que convive, desde a infncia, com
a televiso, e que no consegue imaginar o
mundo sem TV, sem computador, sem inter-
net, sem chats, sem sites, sem celulares, etc.
uma camada juvenil que tecla ao mesmo
tempo em que troca e-mails, navega em si-
tes, posta fotos em outros, assiste televiso
[com o controle remoto mo], ouve msica
num walkman, num discman, num iPod, num
MP3/4/5/6/... player, num celular, num Palm
top, ou num aparelho de som convencional
e comenta o que assiste e ouve, o que tecla,
troca de canais a todo instante em busca
de novas imagens, de novos sons, dos mais
diferentes lugares e com os mais diferentes
personagens, com uma velocidade mpar, in-
ventando, com isso, novas cenas no caso
da TV compondo com isso uma espcie de
fast-food, de imagens acionadas por um con-
trole remoto ou por um teclado.
No meu entendimento, a internet rene trs
campos que pareciam distintos uns dos ou-
tros at o advento e socializao da web, e
que demarcam fundamentalmente algumas
diferenas nas relaes das chamadas Gera-
es X, Gerao Net, Gerao @, ou seja, nas
geraes do final do sculo XX, transeuntes
do sculo XXI, que so; a cultura/novos co-
nhecimentos produzidos a partir das tec-
nologias digitais, a comunicao e lazer e
a informao simultnea, a efemeridade,
ou seja, as fronteiras entre estes trs temas
foram quebradas, desapareceram. A prpria
palavra escrita, a fala, as imagens fixas e as
imagens em movimento, a msica, os sons
variados, enfim, tudo se encontra reunido
na Rede.
CENA 3 - E SOBRE A ESCRITA-
FALADA, A CHAMADA
LINGUAGEM INTERNUTICA?
A chamada Gerao Net uma gerao que
cresceu utilizando internet e isso afeta seu
comportamento e sua percepo do mun-
do, pois tal Gerao portadora tambm de
uma linguagem prpria, internutica, abre-
viada, sincopada, cheia de cdigos e sinais,
uma espcie de fala-teclada quase indeci-
frvel para os no usurios da rede, na qual
os jovens parecem expressar a sua preocu-
pao com o contedo da escrita, seja ela
na Rede, em seus poemas, em seus blogs,
orkut, webzines, twitters, cadernos de esco-
la, redaes... Afinal, o que mais importan-
te na Rede: comunicar-se ou escrever dentro
34
das normas e regras bsicas de uma norma
lingustica?
De forma a ilustrar as assertivas acima, tra-
go excertos de falas extradas de uma sala de
bate-papo com jovens de 15 a 20 anos. O que
rolava era papo sobre escola. Observe-se
que a escrita-falada foi mantida original de
forma a assegurar fidelidade s expresses
utilizadas:
Gaby 01:18:55 - Oieeeeeeeeeeeeeeeeeeeee-
eeee tudo bem?? So dei uma passadinha,
tenho prva amanha Ah se eu pudesse
levar 1 note pra pesquisar....kkkkkkkkkkk
Gaby 01:19:29 - odeio escola!!!
grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
oitavo anjo 01:20:00 reservadamente fala
com Gaby - somos dois
Gaby 01:20:08 - bem nada!! TENHO que
estuda! ai que sonooooooooooooooooooo
Gaby 01:20:32 - escola nao precisava
existir neh?
oitavo anjo 01:20:52 fala com Gaby - ain-
da mais nesse pais falido
oitavo anjo 01:21:03 fala com Gaby sim
Gaby 01:21:41 fala com oitavo anjo -
cara, e com internet quem precisa de
escola? ta tudo la!?
Gaby 01:22:32 fala com oitavo anjo - se
ainda tivesse computs na escola...ainda
va la...mas credo, sao ke nem carroca....
arghhhhhhhhhhhh
oitavo anjo 01:23:32 fala com Gaby - cer-
toooo meu,esse pais tah uma merda
msmo,nao fazem nada meu,estuda pra
nada e ainda emprego s com estudo
completo
Gaby 01:25:43 fala com oitavo anjo -
nem fala...qto mais marginal, parece ke
mais levam vantagem, impisssionati
axo ke falta um seu creisson nas escola,
kkkkkkkkkk
No tenho respostas e acredito que elas
sejam difceis, at porque a Lingustica e
Sociolingustica j fizeram desmoronar as
paredes entre certo e errado. Trata-se
apenas de mais uma linguagem com carac-
tersticas especiais, adequadas sua funo,
como so todas as outras. Minha tese a de
que esta escrita to diferente, agressiva e
pobre para alguns professores de Lngua
Portuguesa, crticos de planto, principal-
mente aqueles mais arraigados a questes
da norma lingustica, que frequentemen