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5/18/2018 JZ-OLivrodeJuzes-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/jz-o-livro-de-juizes 1/7 Antigo Testamento II  Históricos e Poéticos 84 O LIVRO DE JUÍZES TÍTULO O Livro dos Juízes (em hebraico shophetim) é assim chamado devido aos diversos  personagens nele descritos, que Yahweh destinara a libertar as tribos de Israel e a "julgar" o  povo do Senhor, não quer dizer que necessariamente teriam de governá-lo, mas executar o  juízo ou julgamento de Deus. O vocábulo shophetim tem analogia com a palavra fenícia sufetas, que mais tarde serviu para designar os magistrados cartagineses, quando, cerca de 1.000 anos depois, vieram a desempenhar funções idênticas às dos juízes no dizer de alguns escritores romanos. Na literatura samaritana são por vezes conhecidos por "reis". É o segundo livro dos chamados "Profetas Anteriores" na Bíblia hebraica, precedendo Samuel e Reis e seguindo Josué. Esse livro recebe seu título dos homens (e da mulher) que, sob a direção espiritual e capacitação militar de Yahweh, mediaram a teocracia durante o período entre a morte de Josué e a coroação de Saul como o primeiro rei de Israel. O nome grego do livro é kritai , ambos significando juízes. DATA O livro oferece pelo menos uma indicação clara de sua data de composição, a frase várias vezes repetida, naqueles dias não havia rei em Israel (18.1; 19.1), indica uma data entre a inauguração da monarquia (c. 1050 a.C.) e a divisão do reino ao tempo de Roboão (c. 930 a.C.), já que apenas Israel é mencionado. Além disso, Juízes 1.21 menciona Jerusalém como uma cidade controlada pelos  jebuseus, o que aponta para uma data no começo do reinado de Davi. É verdade que um editor mais recente poderia ter preservado material mais antigo tal como o encontrara, mesmo depois do tempo de Davi, mas a prática comum sugere uma data em cerca de 990- 970 a.C., uma vez que Gezer ainda era uma cidade cananita quando o livro foi escrito; 1 Reis 9.16 nos informa que Gezer foi capturada pelo Faraó e dada a sua filha como presente  por ocasião de seu casamento com Salomão (c. 970 a.C.). Uma passagem problemática no que tange à data de Juízes é 18.30, onde se lê:  E  Jônatas, filho de Gérson, ... ele e seus filhos foram sacerdotes da tribo dos danitas, até o dia do cativeiro da terra. Se este versículo fosse uma referência à primeira invasão assíria em 732 a.C., a redação final do livro estaria bem distante dos eventos reais. Isso, no entanto, não é necessário, já que as muitas guerras de fronteira enfrentadas por Israel poderiam  perfeitamente ter produzido o tipo de situação em que Dã, a tribo mais setentrional, teria sido de tal modo dominada por invasores que parte de sua população tivesse sido levada em cativeiro, caracterizando assim um exílio parcial (Gleason L. Archer,  Merece confiança o  Antigo Testamento?, p. 309). AUTORIA A determinação da autoria do livro é uma questão bem mais difícil que a de sua data. O Talmude afirma que Samuel foi seu autor, mas isto é muito difícil de provar. Quem quer que tenha sido o autor de Juízes fez uso de diversas fontes originadas nas várias tribos de

JZ - O Livro de Juízes

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Introdução ao AT - H 8.

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  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 84

    O LIVRO DE JUZES

    TTULO

    O Livro dos Juzes (em hebraico shophetim) assim chamado devido aos diversos

    personagens nele descritos, que Yahweh destinara a libertar as tribos de Israel e a "julgar" o

    povo do Senhor, no quer dizer que necessariamente teriam de govern-lo, mas executar o

    juzo ou julgamento de Deus. O vocbulo shophetim tem analogia com a palavra fencia

    sufetas, que mais tarde serviu para designar os magistrados cartagineses, quando, cerca de

    1.000 anos depois, vieram a desempenhar funes idnticas s dos juzes no dizer de alguns

    escritores romanos. Na literatura samaritana so por vezes conhecidos por "reis". o

    segundo livro dos chamados "Profetas Anteriores" na Bblia hebraica, precedendo Samuel e

    Reis e seguindo Josu.

    Esse livro recebe seu ttulo dos homens (e da mulher) que, sob a direo espiritual e

    capacitao militar de Yahweh, mediaram a teocracia durante o perodo entre a morte de

    Josu e a coroao de Saul como o primeiro rei de Israel. O nome grego do livro kritai, ambos significando juzes.

    DATA

    O livro oferece pelo menos uma indicao clara de sua data de composio, a frase

    vrias vezes repetida, naqueles dias no havia rei em Israel (18.1; 19.1), indica uma data

    entre a inaugurao da monarquia (c. 1050 a.C.) e a diviso do reino ao tempo de Roboo

    (c. 930 a.C.), j que apenas Israel mencionado.

    Alm disso, Juzes 1.21 menciona Jerusalm como uma cidade controlada pelos

    jebuseus, o que aponta para uma data no comeo do reinado de Davi. verdade que um

    editor mais recente poderia ter preservado material mais antigo tal como o encontrara,

    mesmo depois do tempo de Davi, mas a prtica comum sugere uma data em cerca de 990-

    970 a.C., uma vez que Gezer ainda era uma cidade cananita quando o livro foi escrito; 1

    Reis 9.16 nos informa que Gezer foi capturada pelo Fara e dada a sua filha como presente

    por ocasio de seu casamento com Salomo (c. 970 a.C.).

    Uma passagem problemtica no que tange data de Juzes 18.30, onde se l: E

    Jnatas, filho de Grson, ... ele e seus filhos foram sacerdotes da tribo dos danitas, at o

    dia do cativeiro da terra. Se este versculo fosse uma referncia primeira invaso assria

    em 732 a.C., a redao final do livro estaria bem distante dos eventos reais. Isso, no entanto,

    no necessrio, j que as muitas guerras de fronteira enfrentadas por Israel poderiam

    perfeitamente ter produzido o tipo de situao em que D, a tribo mais setentrional, teria

    sido de tal modo dominada por invasores que parte de sua populao tivesse sido levada em

    cativeiro, caracterizando assim um exlio parcial (Gleason L. Archer, Merece confiana o

    Antigo Testamento?, p. 309).

    AUTORIA

    A determinao da autoria do livro uma questo bem mais difcil que a de sua data.

    O Talmude afirma que Samuel foi seu autor, mas isto muito difcil de provar. Quem quer

    que tenha sido o autor de Juzes fez uso de diversas fontes originadas nas vrias tribos de

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 85

    Israel (e.g., o cntico de Dbora do norte, a saga de Gideo do centro, e o ciclo de Jeft das

    tribos orientais).

    A perspectiva teolgica do autor em demonstrar a infidelidade de Israel s

    estipulaes da aliana tem o tom de uma denncia proftica, mas no pode ter sido escrito

    por qualquer das duas pessoas que aparecem no livro como profetas, Dbora (5.4) e um

    annimo (6.7), pois ambos viveram muito no incio do perodo para testemunhar seus

    acontecimentos posteriores. Assim o autor pode ser associado com a escola de profetas que

    j existia ao tempo de Samuel (1 Sm 10.9). Embora o autor ou editor final tenha o cuidado

    de apontar o pecado de todos os segmentos da populao israelita, o fato de destacar os

    benjamitas como o supra-sumo da maldade em Israel (Jz 19 21) pode apontar para uma propaganda anti-Saul como elemento menor do propsito final do livro, e situ-lo no

    comeo do reinado de Davi.

    CRONOLOGIA DE JUZES

    O perodo dos juzes apresenta alguns desafios cronolgicos devido aos limites

    impostos por certas datas fixas do Antigo Testamento. Uma dessas datas 966 a.C. como o quarto ano do reinado de Salomo (cf. 1 Rs 6.1), que define a data de 1445 a.C. para

    o xodo. A outra data fixa est em Juzes 11.26, em que Jeft afirma que Israel habitou 300

    anos em Hesbom ... as cidades que esto ao longo do Arnom.

    A soma total das opresses e juizados de 410 anos, perodo longo demais para se

    encaixar entre 1405 a.C. (a chegada de Israel a Cana) e o comeo do reino de Saul (c. 1050

    a.C.). Vrias propostas tm sido apresentadas e debatidas. A cronologia adotada aqui

    presume a data de 1445 a.C. para o xodo, 40 anos no deserto, 7 anos para a conquista, e 20

    anos entre a diviso da terra e a morte de Josu e sua gerao (o que d aos ancios uma

    vida mdia de 100 anos). Presume ainda que a datao mencionada por Jeft exata, que a

    opresso amonita seguiu-se ao juizado de Jair, que a opresso sob Jabim aconteceu nos anos

    finais do juizado de Ede, e que partes de anos so contadas como anos inteiros (a

    cronologia de Juzes extremamente complexa e ningum detm o monoplio da verdade.

    As datas aqui propostas so contestadas por conservadores (e.g. Eugene H. Merrill, Histria

    de Israel no Antigo Testamento, pp. 149-154.) e liberais (e.g. John Bright, Uma Histria de

    Israel, pp. 222ss.). Em defesa do rpido surgimento da apostasia e da opresso deve-se

    apresentar o fato de que o primeiro juiz foi genro de Calebe, que por volta de 1400 a.C.

    tinha 85 anos de idade. A data de 1360, para o incio do perodo dos juzes, proposta por

    Merrill, faria Otniel ter iniciado seu juizado com cerca de 70 anos e terminado aos 110 anos,

    o que no impossvel, mas pouco provvel).

    CONTEXTO HISTRICO

    Depois da invaso inicial de Cana por Israel, sob a liderana de Josu, boa parte da

    terra ainda ficou por ser efetivamente controlada por Israel. Embora o domnio das cidades-

    Estado sobre cada regio de Cana tivesse sido quebrado, os israelitas permitiram que

    algumas delas fossem reocupadas pelos antigos habitantes, o que explica as muitas

    descobertas arqueolgicas que indicam destruies perto da virada do sculo 12 a.C.

    O problema de Israel era a constante falta de lealdade a Yahweh, seu Deus pactual,

    acompanhada de falta de f em Sua capacidade de cumprir Suas promessas pactuais. Como

    resultado, Israel, pouco depois da morte de Josu (c. 1387 a.C.), comeou a sincretizar sua

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    religio com a dos vizinhos cananeus, adorando Baal e Astarote (Jz 2.13), em um crculo

    vicioso de corrupo, desobedincia, opresso, livramento e apostasia renovada.

    Durante esse perodo, a suserania do Egito sobre Cana continuou, a despeito do

    declnio geral ao tempo da 19 dinastia. plausvel argumentar que os perodos de

    descanso, sob a liderana dos juzes, coincidiram com tempos de maior controle egpcio

    sobre as principais rotas comerciais e militares ao longo da plancie costeira e do vale de

    Esdrelom. Por estar mais confinados s regies montanhosas (cf. 1.19), e por no possuir

    qualquer grande centro urbano sob seu controle, os israelitas eram suficientemente

    inconspcuos para no ser notados pelos egpcios, cuja maior preocupao, naquela rea, era

    o crescimento da influncia hitita. Tal opinio no significa menosprezar o trabalho dos

    juzes, mas simplesmente reconhecer que, uma vez mais, Yahweh, o Deus de Israel, operava

    Seu plano para Seu povo, exercendo controle soberano sobre os rumos das naes.

    Foi durante esse perodo que os Povos do Mar comearam suas invases na sia

    Menor, onde finalmente viriam a destruir o imprio hitita, e em Cana, onde uma de suas

    levas se radicou ao longo da costa e passou a ser identificada com os filisteus da parte final

    do livro de Juzes. Sangar, um dos juzes, pode ter tido confrontos, no incio do perodo dos

    juzes, com alguns desses filisteus migrantes, que marchavam ao longo do litoral, da Cilcia

    ao Egito (cf. Jz 3.31).

    A natureza da vida de Israel durante esse perodo tem sido objeto de muito debate.

    No passado, alguns estudiosos (Martin Noth e seus seguidores) defenderam a existncia de

    uma anfictionia entre as tribos, mas o cenrio de uma federao tribal frouxamente

    organizada, mal capaz de reunir seus membros em uma emergncia de guerra (cf. Jz 5.16,

    17), se encaixa melhor no livro do que uma liga bem organizada de cidades-Estado,

    conforme exibida pelos filisteus.

    Em relao ao papel do juiz, este aparentemente se dividia em duas categorias a liderana carismtica, evidenciada em tempos de crise nacional, e a magistratura civil ou

    judicial, por meio da qual a vida diria da nao era regulada. Essas duas reas de servio

    no eram mutuamente exclusivas (cf. Dbora, Gideo, e Jeft). Estudos recentes propem

    que os chamados juzes menores faziam parte, em Israel, do processo de transio de

    governo tribal para governo citadino em Israel.

    FORMA LITERRIA E MENSAGEM

    A primeira caracterstica literria do livro de Juzes o contraponto entre o prlogo e

    o eplogo, com o primeiro retratando o que deveria ter sido a vida ideal de Israel sob a

    teocracia e os primeiros sinais de perigo contra esse ideal, (alguns dos acontecimentos

    descritos no captulo 1 de Juzes so certamente contemporneos de eventos do livro de

    Josu, isto , ocorreram antes da morte do lder da conquista) e o ltimo descrevendo quo

    profunda fora a queda de Israel em relao ao nvel de vida que Yahweh tencionara para

    Seu povo, queda essa devida falta de fidelidade da nao e, em ltima anlise, falta de

    uma liderana espiritual permanente e confivel (cf. o refro: naqueles dias no havia rei em

    Israel; cada um fazia o que achava mais certo).

    O eplogo deixa claro que os problemas de Israel no eram externos; os captulos 17

    a 21 demonstram que os piores inimigos de Israel eram internos.

    A segunda caracterstica literria do livro a descrio cclica do fracasso de Israel

    sob a forma pr-monrquica da teocracia. A apostasia seguida pela disciplina, que acaba

    por se tornar uma ameaa sobrevivncia da nao. Nesse ponto, Yahweh intervm (s

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 87

    vezes, em resposta ao arrependimento e aos clamores do povo), apresentando um libertador

    e proporcionando um perodo de bno sob as provises da aliana.

    O grfico abaixo representa essas trs dimenses do livro de Juzes, os chamados

    Ciclos 3-D (desvio, disciplina, desafogo), indicando, de dentro para fora, os ciclos do

    processo usado por Deus para levar Israel percepo de que a teocracia mediada precisava

    ser instaurada de maneira central.

    O estudo das diversas narrativas do livro indica estilos distintos (como entre as

    histrias de Gideo e Sanso), (para um exame mais profundo da questo da composio do

    livro veja a introduo do comentrio de Juzes, por Artur Cundall (Juzes e Rute:

    Introduo e Comentrio, SCB).) o que sugere que houve uma coletnea de tradies

    localizadas e mais antigas, mas no a preocupao em harmonizar estilos e formas literrias

    (cf. o poema de Dbora [5] e o aplogo de Joto [9.7-20]). O autor-editor final habilmente

    retrata Sanso como o ltimo juiz e usa a cena final de sua carreira como um triste retrato de

    Israel. Cego por causa de seu pecado, o povo sofre as dramticas consequncias de sua

    desobedincia chamada divina, que so ilustradas nos captulos 17 a 21. Dessa maneira,

    forma e contedo parecem sugerir que o propsito primrio do livro demonstrar a Israel

    sua necessidade de uma liderana espiritual e poltica unificada que o mantenha fiel

    aliana e apto a desfrutar as bnos nela prometidas.

    A TEOLOGIA DE JUZES (A PESSOA E O CARTER DE DEUS)

    Yahweh justo

    Embora Juzes pinte um quadro sombrio da vida de uma nao que se afastou dos

    preceitos de vida exigidos por seu Deus, tal quadro serve para realar a justia de Yahweh

    em fazer cumprir as maldies de Sua aliana (Thomas L. Constable indica que h uma

    tenso equilibrante entre as alianas abramica e mosaica em Juzes, com a primeira

    garantindo a sobrevivncia na terra, e a segunda exigindo a disciplina que inclua a perda do

    controle sobre Cana (A Theology of Joshua, Judges, and Ruth em Biblical Theology of

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 88

    the Old Testament, editado por Roy B. Zuck, p. 102). Pode-se afirmar, fundamentado em

    Juzes, que Yahweh prefere sofrer em Sua reputao a permitir a idia de que Seu carter

    santo seja violado sem conseqncias.

    Yahweh soberano

    O autor de Juzes menciona diversas causas pelas quais Israel no foi capaz de

    efetivamente possuir toda a terra de Cana (armamento superior dos cananeus [1.19];

    determinao dos cananeus [1.27]; e pura apostasia [2.2, 11-13]). A razo principal, todavia,

    parece ser a determinao soberana de Yahweh em utilizar o remanescente cananita para

    provar (e reprovar) as geraes subseqentes conquista (3.1-4). Essa perspectiva dupla

    tpica da mentalidade teocntrica de Israel, embora parea contraditria a nossos olhos

    ocidentais.

    Em Juzes, uma linha de ao revela essa faceta do carter de Yahweh. A frase, e os

    entregou nas mos de, [2.15 e 3.8; 4.2; 10.7], tira do campo meramente scio-poltico as

    constantes opresses a que Israel foi sujeito, e coloca-as em uma esfera maior, que abrange

    cus e terra.

    Em contrapartida, a expresso e Yahweh suscitou um libertador indica que tambm a soluo dos problemas de Israel tinha sua origem no Deus que soberanamente atraa de

    volta Seu povo rebelde.

    Embora apenas Otniel e Ede sejam assim designados, a comisso de Dbora, de

    Gideo e de Jeft, todos pssimos candidatos do ponto de vista humano, indica a

    determinao divina de utilizar o que menos teria mrito prprio, para melhor evidenciar

    Seu poder. De igual modo, o nascimento sobrenatural de Sanso prova a interveno

    soberana de Yahweh em favor de Seu povo (compar-lo ao nascimento de Samuel e

    comparar as condies espirituais impostas a cada um um estudo interessante).

    Yahweh misericordioso

    Em cumprimento s estipulaes da aliana, Yahweh disciplinou o Seu povo rebelde,

    mas isso no O tornou insensvel ao seu sofrimento e possibilidade de que viesse a ser

    exterminado pelos que o oprimiam. A constncia da misericrdia de Yahweh mais

    comovente que a irracionalidade e cegueira de Israel. Juzes prova que a misericrdia de

    Yahweh nunca sobrepujada pelo pecado do homem, e que o penitente sempre encontrar

    um Deus de braos estendidos a receb-lo.

    A ADMINISTRAO DOS PROPSITOS DE DEUS

    O modelo de teologia bblica aqui proposto inclui quatro linhas de ao: o decreto

    divino de permitir o mal, Sua promessa e/ou ao em julgar o mal, a libertao do mal para

    uma semente escolhida e/ou por meio dela, e o decreto de abenoar os eleitos.

    A permisso do mal

    Naturalmente a passagem em que tal decreto mais evidente se encontra em 3.1-4,

    que resume as muitas causas humanas para o fracasso de Israel na conquista absoluta da terra. O Deus que haveria de produzir o bem maior da monarquia teocrtica, suportou com pacincia a irresponsabilidade humana, e a utilizou soberanamente para atingir seus

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 89

    fins. De igual modo, as flagrantes deficincias dos juzes, mesmo quando influenciados pelo

    Esprito de Deus (cf. Sanso e Gideo), indicam que a presena do elemento humano nos

    planos de Deus, longe de limit-los ou prejudicar sua concretizao, acaba por confirm-los

    em seus matizes de graa e poder (para um exame mais detalhado da questo da aparente

    incoerncia entre a presena do Esprito de Deus e a baixa qualidade tica dos juzes veja

    Cundall, Juzes, pp. 42-45. Uma discusso mais completa do assunto se acha em Leon J.

    Wood, The Holy Spirit in the Old Testament, pp. 39-40).

    A promessa/ao de julgar o mal

    Juzes a ilustrao deste aspecto do propsito de Deus no Antigo Testamento. O

    ciclo de desvio-disciplina-desafogo revela que essa atividade divina se aplica no apenas a

    Seu povo em pecado, mas tambm aos instrumentos humanos que Yahweh utiliza para

    disciplin-lo (cf. Is 10.5, 12s.).

    O objetivo central da ao judicial de Yahweh a idolatria sincrtica a que Israel se

    entregou medida que conviveu com as naes que viviam em Cana e que contaminou at

    mesmo a famlia do grande legislador Moiss. Nada menos que a severidade prometida na

    lista de maldies de Deuteronmio 28 poderia ter impedido a imploso da teocracia.

    A libertao do mal atravs de uma semente escolhida

    Muitos exemplos de eleio para servio se acham em Juzes, mas os dois mais marcantes so os de Gideo e Sanso. Ambos envolveram uma manifestao do anjo do

    Senhor e uma capacitao especial do Esprito Santo para a tarefa a cumprir.

    Nos dois casos, todavia, a narrativa deixa claro que as possibilidades inerentes aos

    propsitos divinos foram, de alguma forma, tolhidas pela inadequao dos escolhidos em

    relao plenitude das funes que lhes foram dadas. Gideo, humilde a princpio, assume

    uma atitude orgulhosa ao arrogar-se em sacerdote (quer usando uma estola sacerdotal quer

    erguendo uma imagem de ouro, 8.24-28) e ao arrogar-se rei, apesar de rejeitar a coroa (a

    arrogncia do ex-juiz transparece no nome dado a seu filho bastardo (mele , meu pai rei). Gideo parece ter mudado de idia quanto oferta que lhe fora feita pelos homens de Siqum).

    Sanso, por seu turno, desperdiou a capacitao sobrenatural que lhe fora concedida

    pelo Esprito, violando cada uma das imposies de seu voto de nazireu e vivendo uma vida

    de sincretismo moral, que refletia o sincretismo religioso de seu povo.

    Apesar dessas deficincias, de tal modo era eficaz a vocao para o cumprimento dos

    propsitos libertadores de Deus, que foram mais os que matou na sua morte do que os que

    matara na sua vida (16.30).

    Isso no significa que Deus transija com o mal, pois o preo de tal negligncia para

    com o privilgio recebido foi a completa runa da famlia, no caso de Gideo, e a

    humilhao e morte inglria, no caso de Sanso.

    O decreto de abenoar os eleitos

    Este aspecto do propsito de Deus, em Juzes, fica confinado aos perodos em que o

    povo se coloca sob a liderana de um juiz e a terra desfruta paz (i.e., Israel retm sua

    soberania). Em geral, todavia, retrata uma nao que se alienou de Yahweh e das bnos

    inerentes obedincia a Ele. A expectativa de Israel retratada na viso sincrtica de Mica

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 90

    e sua me, que viam em uma imagem a representao de Yahweh e confundiam as falsas

    promessas da idolatria cananita com as perspectivas de glria contidas na aliana (cf. Jz

    17.2, 13).

    ESBOO

    I. A CONQUISTA INCOMPLETA DE CANA (1:1 2:5) a) Conquista do Sul de Cana (1:1-21)

    b) A Captura de Betei (1:22-26)

    c) Catalogo dos territrios no ocupados (1:27-36)

    d) Os efeitos da aliana quebrada (2:1-5)

    II. ISRAEL NO PERIODO DOS JUZES (2:6 16:31) a) Introduo ao perodo (2:63:6) b) Otniel e Cusa-Risataim de Ara (3:7-11)

    c) Eude e Eglom de Moabe (3:12-30)

    d) Sangar e os filisteus (3:31)

    e) Dbora e Baraque contra Jabim e Sisera de Cana (4:1-24)

    f) O cntico de Dbora (5:1-31)

    g) Gideo e os midianitas (6:18:28) h) Os ltimos anos de Gideo (8:29-35)

    i) Ascenso e queda de Abimeleque (9:1-57)

    j) Tola (10:1-2)

    1) Jair (10:3-5)

    m) Jeft e os amonitas (10:6 11:40) n) Jeft e os efraimitas enciumados (12:1-7)

    o) Ibsa (12:8-10)

    p) Elom (12:11, 12)

    q) Abdom (13:13-15

    r) Sanso e os filisteus (13:1 16:31)

    III. APNDICES (17:1 21:25) a) A casa de Mica e a migrao danita (17:1 18:31) b) O ultraje em Gibea e a punio dos benjamitas (19:121:25)