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K. SUBRAHMANYAM E A PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
Rafael Regiani1
RESUMO
Krishnaswamy Subrahmanyam (1929 - 2011) foi um dos principais pensadores estrategistas
da Índia moderna. A sua vasta obra no assunto inclui importantes reflexões no campo das
armas nucleares, as quais acabaram por influenciar consideravelmente na elaboração da
primeira doutrina nuclear indiana de “no first strike”. Ele argumentava que o Tratado de Não-
Proliferação Nuclear perpetuaria a posse de armas nucleares a um grupo seleto de potências, o
qual criaria no mundo um apartheid nuclear, em que as potências detentoras de armas
nucleares as utilizariam como forma de pressão política sobre outros países que não eram
detentores. Assim sendo, K. Subrahmanyam era contrário à adesão ao tratado pela Índia, e
advogava pela fabricação da bomba atômica nacional, posições as quais ela adotou. A
relevância do assunto volta à tona em um cenário internacional marcado por uma espécie de
nova Guerra Fria entre a Rússia e os Estados Unidos, mesmo cenário marcado pela ameaça
nuclear da Coréia do Norte, e pelas ambições nucleares do Irã. Os dois últimos são países
subdesenvolvidos que enfrentam dificuldades políticas e diplomáticas semelhantes àquelas
que a Índia enfrentou para desenvolver seu próprio programa nuclear, assim sendo as ideias
de um autor indiano podem ser úteis para entendê-los. Este trabalho tem como objetivo
compreender o pensamento estratégico de K. Subrahmanyam no campo da política de armas
nucleares. O método adotado será a análise do material acadêmico disponível, na forma de
livros, artigos e entrevistas. Pela análise da produção acadêmica do autor se pretende estudar
como o seu posicionamento foi variando ao longo do tempo vis a vis o desenrolar da história
do programa nuclear indiano, desde o primeiro teste em 1974 até as explosões de 1998. Após
isto se utilizará o pensamento do autor indiano para uma reflexão acerca se a proliferação
nuclear recente é conveniente, ou não, à paz mundial, com ênfase nos casos norte-coreano e
iraniano.
Palavras-chave: K. Subrahmanyam; Proliferação Nuclear; Índia
1 Mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
ABSTRACT
Krishnaswamy Subrahmanyam (1929 – 2011) was one of leading strategic thinkers of modern
India. His vast work on the subject includes important reflections in the field of nuclear
weapons that caused partly an influence in the elaboration of the first Indian nuclear doctrine
of “no first strike”. He argued the Non-Proliferation Treaty would perpetuate the possession
of nuclear weapons to a select group of powers which would create a nuclear apartheid in the
world in which the nuclear weapons states would use them as a form of political pressure on
the have-not countries. Thus, K. Subrahmanyam was contrary to the treaty adherence by
India, and advocated the make of a national atomic bomb, positions which India has adopted.
The relevance of issue arises out in an international scenery marked by a kind of Cold War
between Russia and USA, same scenery marked by the nuclear threat of North Korea, and by
the nuclear ambitions of Iran. The two lasts are developing countries facing similar political
and diplomatic difficulties to those faced by India to develop her own nuclear program, this
way the ideas of an Indian author can be utilized to understand them. This paper has as goal to
understand the strategic thinking of K. Subrahmanyam in the field of nuclear weapons. The
method will be to do an analysis of every available academic material, either it be book,
articles or interviews. Through the analyses of academic production of the author we intend to
study how his positions were varying over the time, since the first test in 1974 until the 1998’s
explosions. After this it will be utilized the Indian author’s thinking for a reflection about if
the contemporary nuclear proliferation is suited, or not, to the world peace.
Keywords: K. Subrahmanyam; Nuclear Proliferation; India
INTRODUÇÃO
O acirramento das relações entre a Rússia e o Ocidente leva a uma espécie de Guerra
Fria. Exemplos são os conflitos na Síria e na Ucrânia envolvendo proxies de ambos os lados,
e a expansão da OTAN para leste, na direção da Rússia, incluindo uma série de exercícios
militares na Europa Oriental. Além da rivalidade entre duas superpotências, a Guerra Fria
ficou marcada por uma corrida nuclear, que terminou não só com o desenvolvimento de
ogivas cada vez mais poderosas, mas também com a proliferação nuclear por parte de outros
países. Essa nova Guerra Fria não deixa de ter seus novos membros do clube nuclear, no caso
a Coréia do Norte, e um Irã como candidato, ainda que Teerã desminta que tenha essa
pretensão.
Este trabalho pretende investigar o pensamento do estrategista indiano K.
Subrahmanyam acerca do papel das armas nucleares na política internacional, e então utilizá-
lo como referência teórica para avaliar as questões recentes envolvendo os programas
nucleares iraniano e norte-coreano. A Índia realizou duas vezes testes nucleares, mas em
contextos mundiais diferentes: um em 1974 no bojo da Guerra Fria, e outro em 1998 em plena
emergência de uma Nova Ordem Mundial. Sendo assim, o significado político destes testes é
diferente. Como K. Subrahmanyam os interpretava? Embora já falecido, com base em suas
opiniões sobre a conveniência da Índia ter sua própria bomba atômica, o que diria o autor de
uma hipotética bomba nuclear daqueles países?
O assunto é relevante. Tanto a Índia quanto o Irã são países subdesenvolvidos,
localizados numa região perigosa do globo, com a presença de Estados vizinhos dotados de
bomba atômica, e que tiveram de enfrentar dificuldades semelhantes em seus programas:
ambivalência, desconfiança, sanções, etc. Daí que consideramos a experiência nuclear indiana
de grande valia para compreender as ambições nucleares de Teerã ou Pyongyang. A
importância de se entender a ameaça iraniana aumenta quando os mísseis instalados pela
OTAN na Europa Oriental, que a Rússia diz ser uma afronta a ela, seriam na verdade
supostamente para proteger os europeus do alcance dos mísseis iranianos. Afinal de contas a
proliferação nuclear para aqueles países é uma ameaça?
1. BREVE BIOGRAFIA
Figura 1 – Retrato de K. Subrahmanyam
Fonte: IDSA
Krishnaswamy Subrahmanyam nasceu em 1929, filho de um professor, no vilarejo de
Tiruchirappalli, no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, porém cresceu na cidade de
Madras, atual Chennai, capital do mesmo estado. Em 1950 obteve um Mestrado em Química
na Universidade de Madras.
Foi aprovado em primeiro lugar no Exame do Serviço Civil em 1950. No ano seguinte
foi indicado para o Serviço Administrativo Indiano. Serviu no estado de Tamil Nadu e no
Ministério da Defesa antes de ser indicado como pesquisador de Estudos Estratégicos na
London School of Economics, em 1966. Retornou à Índia para ser diretor do Institute for
Defence Studies & Analyses (IDSA) entre 1968 e 1972. Posteriormente ocupou os cargos de
Secretário Doméstico de Tamil Nadu, Presidente do Comitê de Inteligência Conjunta em
Nova Delhi, e Secretário da União para a Produção de Defesa no Ministério da Defesa. Pela
segunda vez foi diretor do IDSA, no período entre 1980 e 1987, ano em que se tornou
Professor Visitante no St. John College, em Cambridge. Após se aposentar da vida pública,
ocupou cargos consultivos no Corpo de Conselho de Segurança Nacional, e no Comitê de
Revisão de Kargil, criado para investigar falhas que levaram a Guerra de Kargil, e apontar
soluções.
Ao longo da vida publicou 14 livros como autor ou co-autor: “Perspectives in Defense
Planning” (1972), “The Liberation War” (1972); “Nuclear Myths and Realities: India’s
Dilemma” (1981); “Indian Security Perspectives” (1982); “The Second Cold War” (1984);
“India: the Nuclear Challenge” (1986); “India’s Security: the North and Northeast
Dimension” (1988); “Security without Nuclear Weapons: Indo-Soviet Dialogue” (1988);
“Superpower Rivalry in Indian Ocean: Indian and American Perspectives” (1989), “Global
Security: Some Issues and Trends: and Indo-German Dialogue” (1989); “Security in a
Changing World” (1990); “Nuclear Proliferation and International Security” (1991),
“Shedding Shibboleths: India’s Evolving Strategic Outlook” (2005).
Além de livros, publicou vários artigos em revistas especializadas, além de ao final da
vida ter escrito colunas em jornais como o Times of India. Foi premiado pelo governo indiano
com uma medalha Padma Bhushan, honraria concedida a civis que tenham prestado
relevantes serviços à pátria, em 1999, mas recusou alegando que burocratas e jornalistas não
deveriam aceitar prêmios do governo.
Se considerava um nacionalista, o que na lógica binária da Guerra Fria o fez ser
encarado como um esquerdista pelo governo dos EUA. Posteriormente, devido a ascensão da
China, Subrahmanyam defendeu o acordo nuclear entre Índia e EUA de 2007, o que o tornou
uma voz bem vista pela Casa Branca. Ateu, sua visão política era a de um democrata liberal
que não enxergava contradição entre nacionalismo e internacionalismo. Leitor das teses de
realpolitik de Hans Morgenthau, pensava que as armas nucleares desempenhavam um papel
maior na política externa do que como arma de guerra, e por isso ficou conhecido como o
“Kissinger indiano”. Ele faleceu em 2011.
2. O PROGRAMA NUCLEAR INDIANO
2.1 O TESTE NUCLEAR DE 1974
A derrota para a China na guerra de outubro de 1962 provocou importantes mudanças
no setor de defesa indiano. Um plano de 5 anos de modernização das forças armadas foi
adotado, com a URSS de parceira estratégica após negativa dos EUA. O contingente do
exército dobrou de tamanho de 400 mil para 800 mil homens, o número de esquadrões aéreos
aumentou para 45, e os gastos com defesa subiram de 3,2 bilhões de rúpias (cerca de 2,1% do
PIB) no período 1961-62 para 9,7 bilhões de rúpias (aprox. 4,5% do PIB) em 1967-68. O
fortalecimento da forças convencionais poderia dar segurança à Índia quanto a uma nova
invasão chinesa pelo Tibete, contudo a China vinha desenvolvendo um programa nuclear, e
isso aquecia os debates sobre a necessidade indiana de criar também uma capacidade de
deterrência nuclear, com a opinião pública se tornando geralmente a favor
(SUBRAHMANYAM, ago./2011, pp. 866-867; FERREIRA, 2013, p. 148)
A China explodiu sua primeira bomba em 1966. Kissinger tinha a visão de que a posse
de armas nucleares pela China daria a ela prestígio equivalente à ocupação do Sudeste
Asiático semelhante ao que a URSS tinha na ocupação da Europa Ocidental. Herbert Klein,
Secretário do governo Nixon, sublinhava que uma nação com 800 milhões de habitantes e
armas nucleares não podia ser ignorada. A Índia era tão populosa quanto a China, e entendeu
a mensagem de que ela também poderia ter mais peso internacional se possuía as mesmas
armas. No ano de 1971, a Índia estava bem em termos de reservas de grãos e monetárias, o
que minimizaria o efeito de eventuais cortes de assistência que recebia. O envio pelos EUA da
Força-Tarefa 74 só reforçou a decisão da Índia em mostrar que ela contava para algo ao invés
de ser tida como garantida. (SUBRAHMANYAM, 1974, p. 257)2
Nesse ano, era deflagrada a guerra de libertação do Bangladesh, até então província do
Paquistão Oriental. Os EUA, para proteger seu aliado paquistanês, deslocaram essa força-
tarefa, capitaneada pelo porta-aviões USS Enterprise, do Vietnã para a Baía de Bengala. O
2 The US tilt towards Pakistan and despatch of task-force~74 could only have further firmed up the resolve on
the part of Indian leadership to demonstrate that India counted for something and could not just be taken for
granted.
objetivo oficial da missão era evacuar cidadãos americanos da capital Dhaka, mas
posteriormente admitiu Kissinger que o real objetivo era impedir um ataque indiano ao
Paquistão Ocidental. (FERREIRA, 2013, p. 157)
SUBRAHMANYAM, embora fosse um ardente defensor da bomba atômica indiana,
em realidade era contrário às armas nucleares, que pelo seu potencial destruidor ele via como
algo malévolo, mas que, no entanto, ele defendia o total direito dos indianos de fazerem a sua
se assim quisessem. Era mais um advogado do direito indiano do que das armas:
Eu sou totalmente oposto às armas nucleares, mas eu estive em campanha pelo
direito da Índia de exercer a opção nuclear [...]. As armas não são a questão. É uma
questão de afirmação da dignidade e soberania da Índia. Índia tem o direito de ser
igual a qualquer outra grande potência do mundo porque ela representa um sexto da
humanidade e essa é a questão, porque uma arma nuclear não é uma arma de guerra.
Ela não é provavelmente para ser usada em confronto. Se ela é utilizada, seria um
crime contra a humanidade. (1998, p. 52, tradução nossa)
De início a Índia não tinha a pretensão de se armar nuclearmente. Sob influência do
pacifismo de Mahatma Gandhi no período pós-independência, a orientação ideológica dos
políticos congressistas tendia a condenar a destrutividade das bombas atômicas. Jawaharlal
Nehru, primeiro Primeiro-Ministro do país, encaminhou várias propostas de desarmamento
nuclear na ONU e outros foros internacionais, projetando sua imagem de “campeão do
desarmamento nuclear” (FERREIRA, p. 76) A Índia preferira esperar que as potências
nucleares renunciassem à guerra nuclear e destruíssem suas próprias ogivas, mas diante da
negativa se viu obrigada pelas circunstâncias a desenvolver seu programa nuclear: “Se só o
mundo tivesse nos escutado e tivesse se movido na direção do desarmamento, é quiçá
possível nós teríamos reconciliados-nos a seguir sem armas nucleares”
(SUBRAHMANYAM, 1998, p. 52, tradução nossa)3.
Havia resistência moral de alguns membros do Parlamento e do CNI à ideia de setores
do governo de a Índia ter bomba atômica. Essa resistência era devido à ignorância geral sobre
o tema no país. Prevaleciam entre as opiniões noções de que armas nucleares seriam utilizadas
em guerras convencionais, gerando alegações tais como: “as armas nucleares não podem ser
utilizadas para defesa”, “por que nós deveríamos contemplar o suicídio em massa?”, “armas
3 If only the world had listened to us and had moved in the direction of disarmament, it is quite possible we
would have recon ciled ourselves to do without nuclear weapons.
nucleares são más”, “as armas nucleares teem muito pouco uso militar”, quando a realidade
doutrinária mundial já era a da ‘deterrência estável’. (Idem, p. 328, tradução nossa)4
Subrahmanyam, e outros defensores da bomba indiana, argumentaram que o
armamentismo levaria ao posterior desarmamento, que era o objetivo moral da política
externa indiana, e assim as armas nucleares poderiam levar a um fim moral e se tornarem
aceitáveis. A lógica era a da doutrina da Destruição Mútua Assegurada. Quando as potências
nucleares perceberam que seriam incapazes de desarmar seus adversários graças à evolução
dos meios nucleares, elas se concentraram em garantir a certeza de um ataque retaliatório
destruidor, onde mesmo que o agressor atingisse seus objetivos militares, seria impossível
escapar ileso, e não compensaria a fazer guerra. Ao tornar o custo da guerra proibitivo, o
desarmamento mútuo dos países beligerantes se torna vantajoso, pois reduz o risco para
ambos. Esta era uma teoria remanescente da noção surgida durante a Guerra do Vietnã de que
“a cidade tinha que ser destruída para ser salva”5. (COHEN, p. 18)
Recém independente, a Índia não queria se ver forçada a uma posição de subserviência
às potências nucleares. Era preciso defender a independência conquistada a duras penas. O
programa nuclear indiano poderia ser visto como um instrumento de resistência à chantagem
política das potências nucleares, e portanto como moralmente justificável. Se as armas
nucleares eram más, as potências nucleares tinham suas mãos sujas pelo uso ou ameaça de
uso dessas armas imorais, logo os planos de desarmamentos oriundos das potências nucleares
eram também vis, e tratados como o TNP e o CTBT poderiam ser rejeitados do ponto de vista
moral. (Ibidem, pp. 18-19)
Tais eventos e argumentos convenceram a classe governante da Índia a realizar sua
primeira explosão nuclear na localidade de Pokhran, no estado do Rajastão. Numa manhã, no
dia 18 de maio de 1974, num poço escavado de 107 metros de profundidade, era detonado um
4 […] the role of nuclear weapons has not been understood by some people who still have a horror of the
weapons and who are of the view that these may be used in war and consequently will make war more horrible
than it was. Hence, one comes across statements like ‘the nuclear weapons cannot be used for defence’, ‘why
should we contemplate mass suicide’, ‘the nuclear weapons are evil’, ‘the nuclear weapons have very little
military use’, etc.
5 Referência ao bombardeio realizado pelos americanos na cidade de Ben Tre, no Vietnã do Sul, para que não
caísse nas mãos dos vietcongues.
artefato com uma carga estimada entre 15 e 20 kilotons. (FERREIRA, 2013, p. 158;
THOMAS, p. 113)
No entanto, a Índia negava que os testes revelassem uma intenção de desenvolver um
programa de armas nucleares, e que suas intenções eram pacíficas. Dizia que tinha uma
postura diferente das demais cinco potências nucleares de então, que desde o início visavam a
fabricar armas nucleares, e que qualquer outro benefício tecnológico do programa era mero
subproduto dele, a Índia estava apenas desenvolvendo um programa pacífico de tecnologia
nuclear, e que a explosão de Pokhran era apenas um corolário do programa.
(SUBRAHMANYAM, 1974, p. 254)6 O nome que a operação de detonação recebeu (‘Smiling
Buddha’, ou ‘Buda Sorridente’ em inglês) reforçava a intenção pacífica ao referir-se ao
profeta sagrado do budismo.
O impacto político do teste era que, se no curto prazo, ele não aumentaria a segurança
da Índia, no longo prazo, porém, elevaria o status indiano no cenário estratégico internacional.
Isso, naturalmente, forçaria a China a normalizar suas relações com a Índia, e reforçava a
postura indiana de não-alinhamento entre as superpotências ao mostrar que Nova Delhi não
era um mero parceiro menor da URSS. (Ibidem, p. 261)
2.2 OS TESTES NUCLEARES DE 1998
Vinte e quatro anos após ter detonado sua primeira explosão nuclear pacífica em
Pokhran, a Índia, contudo, ainda não era potência nuclear, pois o único artefato que ela tinha
criado fora destruído no teste de 1974. Pokhran receberia mais cinco testes nucleares mesmo a
Guerra Fria, confronto em que o poderio atômico das superpotências foi o principal campo de
batalha, já tendo acabado. Mas as motivações agora eram outras.
Não era mais a inviolabilidade fronteiriça contra as reivindicações chinesas o que
preocupava, mas buscar uma paridade nuclear com a China no longo prazo. A China era
6 [...] India deliberately started on a nuclear technological development programme with emphasis on peaceful
benefits that will flow from it, and the test explosion at Pokharan was a natural corollary of that effort. Thereby
India has reversed the process followed by the five nuclear weapon Powers.
então, um Estado que crescia de 8 a 10%, com 1,2 bilhão de habitantes, a caminho de se
tornar o Estado asiático mais poderoso, cuja influencia seria sentida em todas as partes da
Ásia, inclusive nos vizinhos da Índia. Assim, diz SUBRAHMANYAM, o planejamento da
segurança deve se basear em considerações de longo prazo, e não no estado das relações
atuais ou futuras com determinado Estado. Todo esse crescimento econômico, sem dúvida,
incrementaria as capacidades do Estado chinês, e a Índia precisava preparar sua própria
capacidade de deterrência (1998, p. 56)7.
Além do fator China, também havia a sempre presente ameaça paquistanesa.
Paralelamente à Índia, o Paquistão vinha desenvolvendo seu próprio programa nuclear com a
assistência chinesa, e a permissividade americana, que fazia vista grossa ao seu aliado na
Guerra Fria. Tudo isso levou a uma deterioração crescente do ambiente estratégico da Índia.
Subrahmanyam enxergava, agora, o TNP não mais como um mecanismo de controle
de armas associado com a Guerra Fria, mas como uma forma de legitimar armas de destruição
em massa e perpetuar um apartheid nuclear entre os países. Ele observa que a OSCE cobria a
vasta área povoada pelo homem branco, da América do Norte até o extremo-leste da Rússia.
Fora dali, Estados pró-ocidentais da Ásia e Oceania, como Japão, Coreia do Sul, Austrália e
Nova Zelândia, tinham seus acordos bilaterais que o colocavam debaixo do guarda-chuva
nuclear americano. A América Latina, graças à OEA, também estava sob a deterrência
nuclear americana. Ficavam de fora de qualquer tipo de defesa nuclear, as zonas habitadas
pelos povos negros da África e morenos do sul e sudoeste da Ásia, basicamente coincidindo
com o antigo mundo colonial. Assim, ele via os testes nucleares da Índia, uma ex-colônia,
como uma forma de desafiar a iniquidade do regime de apartheid nuclear
(SUBRAHMANYAM, 1998, pp. 52-54)8.
7 We do not plan our security on the basis of what our relationship with others are today or what the expectations
are for tomorrow. We do it on the basis of long-term projections and in those projections, it is the capabilities
which matter and not the intentions of today. [...] Under the circumstances we must be prepared to exercise
deterrence against anyone who may try to intimidate us.
8 The people to whom this security doctrine is denied are the black and the brown people. I leave it for your
consideration whether there is not a subliminal racial attitude in this. [...] the area which is uncovered is also the
old colonial area. So you see in this a continuation of the thesis of white man's burden, the thesis of apartheid
and this is what we need to resist. In a sense, therefore, the Indian nuclear tests are an assault on this iniquitous
system.
Em uma conferência proferida na UCLA, K. Subrahmanyam observa os perigos
associados a Nova Ordem Mundial que se desenhava e acusa o Ocidente de criar “bantustões”
nucleares, zonas excluídas de armas nucleares, cujo objetivo era perpetuar uma divisão
mundial entre Estados possuidores e não-possuidores. Nessas circunstâncias era essencial para
a Índia desenvolver sua própria capacidade de deterrência, para resistir às pressões ocidentais
em tempos de crise. (THOMAS, p. 115)
SUBRAHMANYAM nem mesmo se opunha a uma bomba atômica paquistanesa. Ele
diz que até torcia por isto, pois acreditava que só através da deterrência mútua a paz entre
Índia e Paquistão seria possível (1998, p. 54)9. Isso porque ele entendia que as armas
nucleares não eram armas de guerra convencionais, mas seu principal uso era o político. A
doutrina americana do “fire-break” implicava que havia uma linha de quebra entre uma guerra
convencional, e uma guerra nuclear, que impedia a que a primeira se escalasse na segunda.
Por outro lado a posse de armas atômicas criava um senso maior de precaução e
responsabilidade entre os tomadores de decisão. (Idem, Mar./2010, p. 328)10
Mais além do poder dissuasório conferido pelas armas nucleares, a posse delas dava
um prestígio internacional maior do que o desenvolvimento tecnológico e industrial –
SUBRAHMANYAM cita o caso da Alemanha e do Japão, que tinham poderio econômico
superior a Reino Unido, França, e China, mas sem o mesmo status de potência mundial –, o
que gerava o efeito reverso ao almejado pelo TNP (Mar./2010, p. 329).11
9 In fact, I have always felt that there would be peace between India and Pakistan only on the basis of a
perception of mutual deterrence.
10 Today, the role of the nuclear weapons is not military but essentially political. No country which has
developed the nuclear weapons contemplates with equanimity its offensive use in a war. On the other hand, there
is very clear evidence that the possession of nuclear weapons has served to develop a sense of caution and
responsibility among the decision-makers.
11 [...] the Nuclear Non-Proliferation Treaty (NPT) by conferring prestige on the possession of nuclear weapons,
by imposing additional obligations on the nations which do not possess them, and treating the nuclear weapon
powers as a privileged group of nations, may have served to accelerate proliferation in the long run [...] There is
a distinct lack of correlation between the industrial and technological potential of nations and the present
categorisation of great power status, which corresponds with nuclear power status. Germany and Japan exceed
the United Kingdom, France, and China in terms of national income and compete with them in sophisticated
technologies.
Até por isso, após os testes de Pokhran-II, Brajesh Mishra, consultor de segurança
nacional da Índia, declarou: “Ou se muda a política para se adequar ao ambiente ou se muda o
ambiente para se adequar a política. Os testes nos ajudaram a mudar o ambiente” (KAMDAR,
p. 318). O ‘ambiente’ pode se referir tanto ao Sul da Ásia, que se tornava uma vizinhança
cada vez mais perigosa com os mísseis nucleares chineses e paquistaneses, quanto num
sentido mais amplo se refere a uma ordem mundial em que a Índia queria ser reconhecida
como uma potência pelas demais, e sua política não poupava esforços para atingir esse
objetivo.
E termina por criticar os defensores fundamentalistas da não-proliferação, seja dos
EUA, UE, ou Japão, que impuseram sanções à Índia após os testes, quando eles deveriam tê-
la agradecido por contrabalancear o poder da China, e assim haver contribuído para um
melhor equilíbrio do sistema internacional (SUBRAHMANYAM, 1998, p. 57).
Uma vez atingida a capacidade de deterrência nuclear, precisava-se escolher qual o
tamanho do arsenal nuclear construído. A deterrência seria mínima, ou máxima.
Subrahmanyam era da opinião que uma quantidade mínima de ogivas era o suficiente para as
necessidades da Índia, que em seus cálculos deveria ser 60. (p. 84)
3. PROLIFERAÇÃO NUCLEAR NO SÉCULO XXI
Em que pese o autor deste trabalho não acredite em ameaças climáticas, a doutrina do
risco climático já está consolidada nos meios políticos e diplomáticos, com todos seus efeitos
práticos nas políticas ambiental e energética das nações. SUBRAHMANYAM ressalta o
papel do perigo climático como um dos problemas de segurança do novo século (1990, pp.
81-3). Estados se veem pressionados de um lado pelas demandas energéticas do crescimento
econômico acelerado e de outro pelas restrições ambientais impostas por tratados como o
Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. O “desenvolvimento limpo e sustentável” se torna
na fórmula conciliatória que os países devem seguir, e as energias renováveis, como solar,
eólica, e biomassa, ganham impulso sob esta política de desenvolvimento. A energia nuclear
não fica atrás, e sua adoção pelos países ganhou um novo incentivo como forma de energia
potente e limpa ao mesmo tempo.
Nesse cenário, as mudanças climáticas podem provocar uma nova proliferação nuclear
no campo energético com repercussões no campo militar, desde que a tecnologia nuclear
utilizada por uma usina, um submarino e uma bomba atômica é a mesma, apenas variando o
grau de enriquecimento de urânio – 5%, 20%, e 90% respectivamente. O exemplo da Índia
pode ser inspirador para esses países, uma vez que seu programa nuclear desde o início era
voltado para fins pacíficos, que depois viraram militares.
Além da questão ambiental, o recrudescimento das tensões entre Rússia e EUA
provoca uma espécie de nova Guerra Fria. E assim como a Guerra Fria não estourou em um
confronto direto entre as duas superpotências, mas sim em confrontos indiretos através de
seus países aliados, tais como as guerras entre Coréia do Norte e do Sul, Vietnã do Norte e do
Sul, Iêmen do Norte e do Sul, etc., esta Guerra Fria 2.0 também vê um acúmulo de tensões na
periferia da Eurásia, como Síria, Iraque, Iêmen, Afeganistão, Coréia do Norte e Ucrânia.
Observando-se os países detentores de armas nucleares se pode perceber que eles estão
um no Midland Ocean (EUA), a sede geográfica do poder marítimo, e outra no Heartland
(URSS/Rússia), a sede geográfica do poder terrestre, sendo estas as duas potências em disputa
na Guerra Fria e ambas equilibrando uma a outra no plano estratégico global. Afora estes dois
Estados, os demais estão todos localizados no cinturão periférico da Eurásia chamado de
Rimland: Reino Unido, França, Israel, Índia, Paquistão, China, e Coréia do Norte (Figura 2).
Além de estarem na mesma zona terrestre, estes países equilibram-se uns aos outros em
regiões estratégicas do Rimland: Reino Unido e França se equilibram na Europa, Índia e
Paquistão se equilibram na Ásia Meridional, e China e Coréia do Norte se equilibram no
Extremo Oriente com as tropas americanas na Coréia do Sul e Japão.
A única região importante do Rimland em desequilíbrio é o Oriente Médio, que vê
Israel reinar como potência nuclear solitária da área. Iraque e Síria eram suspeitos de tentarem
fabricar a bomba atômica, mas tiveram seus reatores nucleares bombardeados por Israel. O
programa nuclear iraniano é a bola da vez, e Israel já fez reiteradas ameaças de invadir o
espaço aéreo do Irã e destruir seus reatores, mesmo que seja sem o suporte dos EUA.
Critica-se as ambições nucleares de Teerã se argumentando que seu exemplo
estimularia a proliferação nuclear em outros países, porém fora do Rimland não há uma
ameaça permanente a segurança que justifique a aquisição de um dispositivo nuclear
dissuasório. Assim já elimina-se uma grande gama de Estados da África, América Latina e
Oceania do risco de proliferação nuclear.
Mesmo que houvesse uma mudança de regime no Irã, as ambições nucleares iranianas
não cessariam: um eventual regime novo aliado do Ocidente passaria a sofrer com pressões
vindas de Rússia e China. Na Guerra Fria, o regime do Xá Reza Pahlavi era visto como um
bastião do anticomunismo no Oriente Médio, e bem armado para resistir às pressões da
URSS. Se tivesse continuado, não seria estranho que o Xá desenvolvesse uma bomba atômica
contando com a anuência americana, tal como foi o caso do Paquistão. As origens do
programa nuclear iraniano remetem já àquele período. A diferença é que sob o Xá, o Irã
adquiriria reatores nucleares americanos, ao passo que o programa atual utiliza reatores
russos.
Figura 2 – Mapa das Potências Nucleares e sua Situação Geopolítica
Fonte: elaboração própria
Além da geografia, o manpower de um país é o segundo fator limitante. Para se
desenvolver um artefato nuclear é preciso que tal Estado disponha de uma quantidade de
cientistas, técnicos, engenheiros, e especialistas na área da tecnologia nuclear, o que só é
possível em nações que ofereçam um número de centros formadores de excelência no campo
nuclear, bem como de um determinado número de candidatos que se revelem capazes de
assimilar o conteúdo ensinado para se tornarem bons profissionais da área.
Contudo são poucos os países que possuem tais condições, pois muitos países da
região do Rimland, e mesmo fora dele, apresentam sérias deficiências no campo educacional,
científico e tecnológico. Até por isso, muitos profissionais da área nuclear se veem obrigados
a buscar uma formação no exterior, o que passa a depender das relações políticas entre o país
de origem do pesquisador e o país de destino, que pode muito bem negar o visto de entrada a
cidadãos de nacionalidades suspeitas.
Assim sendo, o desenvolvimento de um programa nuclear de sucesso, incluindo a
fabricação de uma bomba atômica não depende apenas da vontade e capacidade nacionais,
mas também de que haja o interesse, ou no mínimo, uma não-oposição de outros Estados que
se veriam eventualmente ameaçados. A história ensina que diversos países desenvolveram
seus programas nucleares contando com a colaboração externa, por meios oficiais ou extra-
oficiais.
Os EUA contaram com a colaboração de cientistas alemães exilados do nazismo,
como Albert Einstein, ou cooptados do nazismo, como Werner Von Braun para
desenvolverem seu programa nuclear. A URSS contou com informações obtidas através de
espionagem nos EUA pelo casal Rosemberg para fabricar sua bomba. A China recebeu
auxílio soviético. O Paquistão teve colaboração chinesa. A Coreia do Norte adquiriu
conhecimentos vendidos pela rede do cientista nuclear paquistanês Abdul Qader Khan,
juntamente de outros países, como Irã, Iraque, Síria e Líbia.
SUBRAHMANYAM era crítico da teoria do dominó que sustenta a política de não-
proliferação por subestimar o poder do nacionalismo e o caráter multidimensional do fator
nuclear. Segundo o autor o mito de que as armas nucleares estariam seguras apenas nas mãos
dos países desenvolvidos fortalece em realidade o poder de barganha de países que, embora
sem, tenham a capacidade de fazê-la (1977, pp. 18-19). Os casos do Irã e da Coréia do Norte
exemplificam bem isto, em que eles utilizam o medo da proliferação nuclear para regimes
supostamente irresponsáveis como uma forma de barganha para obter das potências nucleares
acordos comerciais vantajosos para seus países em troca da interrupção de suas atividades
nucleares.
Da mesma forma que os testes de 1974 serviram para reforçar a posição de não-
alinhamento e independência indianas na Guerra Fria, Teerã adota um modelo político que
pode ser considerado de terceira via, que escapa tanto da democracia ocidental quanto do
socialismo de mercado chinês. Uma detonação nuclear fortaleceria os ideais revolucionários
islâmicos ao mostrar para o mundo que o Irã não é um vassalo do China, mas pode ser líder
de um terceiro pólo civilizacional pan-islâmico alternativo contra a lógica de bipolaridade
global entre os valores ocidentais de um lado, e os eurasianos russo-chinês do outro.
Inicialmente um tratado elaborado no seio da competição nuclear Leste-Oeste da
Guerra Fria visando a evitar a proliferação de armas nucleares para outros países comunistas,
e consequentemente, que a probabilidade de guerra nuclear estourar, após o fim desta o TNP
passou a representar uma nova filosofia política: a de retardar a difusão da tecnologia nuclear
para os países do Sul, mantendo-os na dependência de fornecedores sediados nos países do
Norte, uma forma de neocolonialismo (Ibid., pp. 19-20), o que afeta inclusive sua soberania,
pois que sem armas nucleares próprias para dissuadir potenciais adversários, os países do Sul
se veem forçados a aderir a alianças militares com países do Norte para sua defesa.
Embora o adversário estratégico do Irã seja Israel, não se deve desconsiderar o
Paquistão. Este pode ter desenvolvido seu programa nuclear voltado para a deterrência da
Índia, mas não deixa de competir com o Irã por influência na Ásia Central, especialmente no
Afeganistão, por dividirem o mesmo espaço geográfico. Além da divergência quanto a
relação com o movimento Taliban afegão, ainda há a questão do Baluquistão, região de
tendência separatista dividida entre os dois países. Não raro, a partir do lado paquistanês,
milícias baluques islamistas entraram em confronto com a guarda fronteiriça iraniana
causando baixas (REGIANI, pp. 121-122). Essa rivalidade natural se acirrou após a
Revolução Iraniana, quando os aiatolás passaram a promover os interesses xiitas no Mundo
Islâmico, em oposição aos sunitas, representados pelo Paquistão, aliado da Arábia Saudita.
Subrahmanyam acreditava até mais na rivalidade sunita-xiita como motivadora das
ambições nucleares de Teerã do que na oposição ao sionismo israelense. O temor iraniano
seria ter de lutar uma guerra de duas frentes contra Paquistão e Arábia Saudita. O saudita, o
do Irã desenvolver armas nucleares. E a China estaria alimentando essa rivalidade com o
objetivo de se beneficiar duplamente da proliferação nuclear, dando apoio tácito para o Irã, e
vendendo mísseis capazes de transportar ogivas nucleares aos sauditas, em troca de acordos
favoráveis para o fornecimento de petróleo com ambos os países (Jun./2010). O fato é que se
o Irã pretende alcançar a hegemonia do Mundo Islâmico e se tornar um porta-voz dos
interesses islâmicos a nível global é mister que tenha também as FFAA muçulmanas mais
poderosas da região.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
K. Subrahmanyam, diante do atual cenário, seria favorável a ambos os programas
nucleares iraniano e norte-coreano. Como o Irã está na antiga zona colonial e fora do alcance
de qualquer forma de deterrência nuclear, ele veria os esforços nucleares de Teerã tendo um
caráter anti-imperialista contra o neocolonialismo do homem branco. Os termos que o autor
utiliza para descrever a nova ordem mundial, tais como “apartheid”, “bantustão”, não deixam
dúvida de que ele via o regime nuclear atual como segregacionista e violador da igualdade de
direitos entre os Estados, e que qualquer tentativa de um país desnuclearizado de furar essa
ordem, seria visto como anti-hegemônica. Até mesmo o arquirrival Paquistão ele era
favorável que tivesse a bomba.
Além disso, a posse de armas nucleares pelo Irã, Subrahmanyam diria que criaria
mútua deterrência entre Israel e Irã, diminuindo o risco de uma guerra, e ao mesmo tempo
gerando condições para que Israel e Irã se desarmassem com base nos ganhos-mútuos de se
eliminar o medo em comum um do outro. O caso da Coréia do Norte é exemplar desse armar
para desarmar. Pyongyang primeiro se armou, gerou boa vontade da Coréia do Sul em firmar
a paz, e logo em seguida a Coréia Popular se comprometeu a destruir suas instalações
nucleares. A diferença de tratamento entre a Coréia do Norte atômica, e as desarmadas Síria,
Líbia, e Iraque, revelam que desarmar-se, no caso de armas químicas, não rendem a um
Estado o status de pacífico e responsável dentro da ordem mundial e merecedor de paz igual,
senão o tornam em palco de guerra. Transmite uma mensagem de que Estados devem buscar
virar uma Coréia do Norte se não quiserem virar uma nova Síria.
Nesse sentido o realismo nuclear de Subrahmanyam é atual. Apenas armas nucleares
podem deter outras armas nucleares. Indubitavelmente uma guerra termonuclear seria
desastrosa, e deve ser evitada. Eliminar as armas nucleares acabaria com esse risco. Porém
mesmo para se erigir um mundo livre de armas nucleares precisaria armá-lo antes, para tornar
o desarmamento em algo vantajoso a todos.
Contudo o regime nuclear atual não é voltado para o desarmamento daqueles que estão
armados, mas para o anti-armamento de quem está desarmado, um apartheid como ele dizia,
uma forma de manutenção da hegemonia dos países do Norte sobre os do Sul, reinventando
os tradicionais laços de dependência tecnológica e militar.
O TNP não se mostra um mecanismo eficaz de evitar a proliferação nuclear. Ele não
obriga, e ainda prestigia, quem possui armas nucleares, estimulando outros Estados a fazerem
o mesmo, pois Estados belicistas nuclearmente armados forçam Estados pacíficos a se
armarem contra eles.
Em realidade, a maior força contrária à disseminação de armas nucleares é a
dificuldade em fazê-la, considerando fatores como a necessidade securitária de fazer, a
capacidade humana e tecnológica de fazer, e a diplomacia política e legal para fazer frente a
uma vigilância internacional cada vez maior. A teoria do dominó nuclear é exagerada. O caso
do Irã é emblemático. Depois que a Índia aproveitou certas brechas do TNP para desenvolver
seu programa nuclear, Washington não está disposta a aceitar uma nova Índia, ainda mais um
Estado nuclear numa região tão estratégica quanto o Oriente Médio. No entanto, criar uma
capacidade de deterrência nuclear contra o belicismo de Israel na região parece ser o mais
necessário para se obter a paz e a estabilidade política regional.
REFERÊNCIAS
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