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Kambô uma rã milagrosa
Antes que você diga que o Kambô é um remédio feito de veneno de sapo, vou logo corrigir. A técnica do Kambô é uma técnica indígena para tratamento de doenças.A seguir relacionei as principais dúvidas com relação ao Kambô.
O que é o Kambô?
O Kambô é uma rã encontrada na Amazônia e em todo Acre. A secreção do veneno da rã é um antibiótico natural que elimina impurezas e distúrbios do corpo e aprimora as defesas do organismo.
Como é o efeito do Kambô?
O efeito do Kambô no corpo é diferente. Somente a pessoa que recebe a aplicação consegue descrever.
Qual a sensação do Kambô?
A sensação do Kambô é de que as células do corpo estão sendo renovadas.
Opinião de médicos sobre o Kambô
Médicos que utilizaram e estudaram o Kambô alegam que a rã é eficaz no tratamento de diversas doenças, entre elas o cancêr, AIDS ou qualquer distúrbio crônico.
Como o Kambô atua no organismo?
O Kambô atua reforçando o sistema imunológico. O Kambô destrói as membranas celulares das bactérias.
De onde surgiu o Kambô?
Na sabedoria cabocla, o Kambô é remédio de índio. Os índios encaram as doenças de uma maneira diferente da nossa. Para os índios a doença é um espírito maligno que combate o indivíduo.
Por que as pessoas tomam Kambô?
O porquê de tomar o Kambô é para afastar o inimigo, e para afastar o desânimo, falta de vontade para caçar, namorar, má sorte, tristeza, fraqueza mental, espiritual, física, baixa estima,
desarmonia com a natureza.
Por que é bom tomar o Kambô?
O índios dizem que é bom tomar o Kambô porque traz felicidade para quem toma e para quem pára de caçar.
O que acontece quando se toma o Kambô?
Quando se toma o Kambô a caça se aproxima curiosa do caçador. Quem toma o Kambô emite um tipo de luz verde e isso faz a caça se aproximar. O Kambô também desentupe as veias do coração fazendo circular a emoção, o sentimento, o amor.
Dói aplicar o Kambô?
Não, a aplicação do Kambô é indolor.
Quanto tempo leva para sentir os efeitos do Kambô?
Os efeitos do Kambô são sentidos imediatamente após a aplicação.
Como é feita a coleta da secreção da rã do Kambô?
A coleta da substância do Kambô é feita sem machucar a rã, no tempo certo e na lua certa. Sabe-se que é o animal certo através do canto. Logo que a secreção é retirada, a rã é devolvida à natureza. Após seis meses a rã pode ser reutilizada.
Riscos da agulha utilizada na aplicação do Kambô
Não há riscos de contaminação no material utilizado no Kambô. Na aplicação não se utilizam agulhas.
Como é feita a aplicação do Kambô?
São feitos pontos para introduzir a vacina do Kambô no corpo com um cipó aceso fazendo uma leva escamação na pele. O cipó utilizado na aplicação do Kambô é antiinflamatório e não são necessários cuidados especiais após a aplicação do Kambô pois a cicatrização dos pontos do Kambô é rápida.
Como é feito o tratamento através do Kambô?
O tratamento do Kambô é composto de três aplicações com intervalo de 30 dias para cada aplicação.
Em que região do corpo é feita a aplicação do Kambô?
A aplicação diferencia-se de acordo com o sexo: nas mulheres, a aplicação do Kambô é feita na batata da perna. Nos homens é feito no braço.
Quanto tempo leva para sentir os efeitos do Kambô?
A reação da vacina do Kambô dura cinco minutos. Nesse tempo ocorrem limpezas no campo físico, energético, espiritual e emocional. Após cinco minutos a sensação é de limpeza, leveza, tranqüilidade, bem estar, paz interior e conscientização do desequilíbrio ou distúrbio a ser tratado. Depois de 30 minutos da aplicação, a pessoa já está apta para suas atividades normais.
Pra quem o Kambô é indicado?
O Kambô é indicado para qualquer tipo de pessoa que tenha algum tipo de distúrbio ou desequilíbrio. O Kambô purifica o sangue e trata todos os processos agudos e crônicos do organismo.O Kambô também é indicado para pessoas que buscam auto-conhecimento e a imunização do corpo.
Onde o Kambô atua?
O Kambô atua na percepção, intuição nos sonhos, 3ª visão, no inconsciente e nos bloqueios que impedem o fluxo de energia vital.
Contra-indicações da vacina do Kambô
O Kambô não é indicado para mulheres grávidas, menstruadas e crianças com menos de nove anos.
Quais doenças podem ser tratadas com o Kambô?
Doenças combatidas pelo Kambô tem apresentado bons resultados nas pessoas que se encontram com dores e inflamação em geral. Entre as enfermidades que o Kambô tem se mostrado eficaz podemos citar:Dores musculares, coluna, ciática, artrite, reumáticas, tendinite, enxaqueca, e outros. Cansaço nas pernas, dor de cabeça crônica, asma, bronquite, rinite, sinusite, acne, alergias, gastrite, úlcera, diabetes, pressão arterial, obesidade, problemas circulatórios, formigamento, retenção de líquido, colesterol, cateterismo, doenças do coração em geral, hepatite, cirrose, malária (aguda) e pós-malária, labirintite, epilepsia, TPM, irregularidades menstruais, infertilidade, impotência, redução da libido, depressão e suas conseqüências, ansiedade, insônia, irritação, insegurança, nervosismo, medo, stress, fadiga, sistema nervoso abalado, esgotamento físico, mental, emocional, desintoxicação, dependência química, tabagismo.O Kambô também é eficiente no tratamento de distúrbios nos órgãos genitais, pulmão, rim, vesícula, baço-pâncreas, bexiga, coração, estômago, intestino, tiróide, fígado, garganta.
A prática da aplicação da secreção cutânea do "sapo kambô" (Phyllomedusa bicolor), também conhecida como “vacina do sapo”, e sua origem nas tribos indígenas na Amazônia Ocidental são fatos bem descritos, com farto material disponível na internet, além de artigos científicos. O kambô constitui-se em uma alternativa em saúde de comunidades indígenas desta região, mas vale a pena ressaltar que aPhyllomedusa bicolor não é um sapo.
A difusão da prática indígena, antes restrita a pequenos grupos populacionais amazônicos, agora está presente em centros urbanos, possibilitando o surgimento de casos com conseqüências graves, como o ocorrido naquela fatalidade no interior paulista.
A história da farmacologia está recheada de casos onde os efeitos adversos e colaterais de drogas foram conhecidos quando estas passaram a ser utilizadas por um número cada vez maior de indivíduos. Devido ao aumento de situações fisiológicas e/ou patológicas para interação com a atividade das drogas, essas provocaram diversas seqüelas e óbitos, alimentando inúmeros processos contra a indústria farmacêutica mundial, o que contribuiu para consolidar os rígidos critérios de desenvolvimento e validação de drogas para uso humano.
Este fato trás a oportunidade de se fazer uma reflexão crítica àqueles que estão disseminando o veneno da P. bicolor por ingenuidade, ignorância ou ganância. A maioria acredita que a resolução nº 08, de 29 de abril de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que proíbe a comercialização e difusão da prática, seja embasada apenas em preconceito contra as “terapias alternativas” e a “medicina da floresta”. Mas o próprio protocolo de aplicação da vacina possui algumas características que proporcionam risco aos seus usuários, especialmente as condições questionáveis de higiene.
Falta higiene e estudoUm dos requisitos mínimos para a realização de uma inoculação segura está nas condições assépticas do local de aplicação e daquilo que será inoculado. No caso do veneno do kambô, realizamos um ensaio grosseiro no laboratório de prática das disciplinas de química e bioquímica do Campus da Universidade Federal do Acre em Cruzeiro do Sul. Obtivemos a doação de uma amostra do veneno, por sua vez obtida por um aluno de um “pajé branco”, e a deixamos em um tubo estéril e transparente que permaneceu fechado sobre a bancada à temperatura ambiente por uma semana. Após este período, foi possível observar o crescimento de fungos filamentosos na amostra, o que denuncia seu estado de contaminação. Vale a pena ressaltar que o referido aluno havia realizado o ritual de aplicação da “vacina do sapo” com material de onde se originou a nossa amostra, para o seu azar.
Outro fator agravante reside no fato de que o veneno é aplicado em sua forma bruta, ou seja, possui em sua constituição uma mistura de moléculas bioativas diferentes, e em grande parte desconhecidas e/ou não completamente caracterizadas, que serão inoculadas de uma só vez, penetrando através da abertura da pele, provocada por um cipó em brasa ou canivete, até os capilares sanguíneos, de onde serão distribuídas
para diversos órgãos e tecidos alvo.
Mesmo depois de mais de 30 anos de pesquisa científica com a secreção cutânea da P. bicolor, que iniciaram-se em meados dos anos 70 com os trabalhos realizados pelo grupo de Vittorio Erspamer, pioneiro no estudo do conteúdo de peptídeos bioativos de Phyllomedusas, ainda não é possível afirmar que todo o conteúdo de moléculas bioativas do veneno da P. bicolor está descrito.
Atualmente, está descrita a presença de várias moléculas bioativas, da classe dos peptídeos na secreção cutânea de P. bicolor, relacionadas a seguir, acompanhadas de suas possíveis versões em português: adenoregulin (adenoregulina); calcitonin (calcitonina); deltorphin (deltorfina); dermaseptin (dermaseptina); dermatoxin (dermatoxina); dermorphin (dermorfina); phyllomedusin (phyllomedusina); e phylloxin (phylloxina), segundo o site do National Center for Biotechnology Information.
Luz no fim do túnelA partir da caracterização da atividade biológicas destas moléculas, é possível correlacioná-las com os fenômenos fisiológicos observáveis durante o ritual do kambô, como a sensação de prazer provocada provavelmente pela deltornifa e a dermorfina - peptídeos com afinidade a receptores opioides, e uma das razões pelas quais muitos insistem em fazer uso repetitivo da vacina. No entanto, são apenas correlações possíveis, ainda há a carência de estudos fisiológicos e de toxidade para as moléculas bioativas conhecidas da P. bicolor, como ensaios de potencial tóxico a diversos tecidos, como nervoso, cardíaco, hepático, pulmonar, renal, entre outros, quiçá as moléculas ainda não descritas.
Mas se não fosse o bastante, a P. bicolor é facilmente confundida com outras duas espécies que coexistem na mesma região, a P. tarsius e a P. vaillanti, que possuem morfologia semelhante. Para leigos e profissionais despreparados, parecem apenas a mesma espécie em estágios diferentes de crescimento, o que pode acarretar obtenção do veneno da espécie errada para formulação da "vacina", provocando efeitos não esperados. Quanto ao conteúdo de moléculas bioativas presentes em suas secreções, ainda muito pouco se sabe.
Seria extremamente reconfortante afirmar que existe uma “luz no fim do túnel” e que há um grande interesse da comunidade científica nacional para o desenvolvimento dos estudos necessários que possam garantir uma possível segurança aos usuários da prática do kambô. No entanto, o que se observa é exatamente o contrário. Cada vez mais os pesquisadores do nosso país estão se afastando de pesquisas relacionadas ao “conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético”, o que se agrava quando está associado a conhecimento indígena.
Por que nossos cientistas estão se afastando, enquanto o interesse internacional aumenta? A resposta é simples: a extenuante burocracia criada com o objetivo de regulamentar e regular as pesquisas sobre patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, que exige a obtenção de uma licença para a execução do projeto e uso de
financiamento, onde o pesquisador nacional terá de procurar o IBAMA, o CGEN, o ICMBio e/ou FUNAI. Como se não bastasse, os funcionários destes órgãos terão de se entender para que o processo ande, enquanto o pesquisador perde mais de um ano. Vale a pena ressaltar que o pesquisador estrangeiro não precisa passar por este sufoco, pois não depende de financiamento do CNPq ou da FINEP, como o pessoal da casa.
Ou seja: quem está disposto a sacrificar seus alunos de iniciação científica (execução em um ano), mestrado (execução em doi anos) ou doutorado (execução em quatro anos) em um projeto que vai levar anos para poder ser iniciado? A resposta é: nenhum pesquisador experiente ou em sã consciência.
Medos e perigosDesta forma, os grupos de pesquisa competitivos não irão se aventurar em uma enrascada. Como vão manter o nível de produtividade exigido pelas agências de fomento, como a CAPES e o CNPq, que pontuam os pesquisadores e cursos de pós-graduação onde estes estão envolvidos, se forem obrigados a passarem mais de um ano parados por causa da burocracia? Como manter as bolsas dos alunos e pesquisadores, o financiamento de material de consumo e permanente, a manutenção do laboratório, se o pesquisador corre o risco de ser processado ou ir para a cadeia por acesso ilegal ao patrimônio genético?
Para piorar, existem aqueles que querem fazer o mesmo tipo de regulamentação com a nanotecnologia, por causa do “medo” e dos “perigos” que a ciência pode trazer. Pois bem, por causa do medo, livros e mulheres também eram queimados em fogueiras.
Então, para aquele que pretende fazer uso do kambô, um alerta: você tem que ter consciência de que estará em situação de risco e não há garantia de segurança. Saiba, ainda, que não há nenhuma ação governamental para tornar esta prática segura, e, adicionalmente, se há algum microorganismo crescendo no veneno, ele é resistente aos antimicrobianos ali presentes, o que pode tornar os bioativos do veneno um problema pequeno se comparado à instalação deste microorganismo em seus tecidos internos.
Boa sorte!
◙ Leonardo Calderon é doutor em biologia molecular e professor de bioquímica do Campus Floresta da Universidade Federal do Acre em Cruzeiro do Sul. A foto que ilustra o artigo foi cedida gentilmente ao blog pelo doutor Paulo Sérgio Bernarde. Em breve vou entrevistar o pajé Bira Yawanawá, cuja tribo faz uso secular do kambô, e que manifesta preocupações que reforçam o alerta de Calderon.Existe gente ganhando muito dinheiro com a aplicação da secreção do sapo até em clínicas das grandes cidades do país. Alguns fanáticos chegam a associar a substância com a ingestão de ayahuasca. Mais um desafio para as autoridades brasileiras. Clique aqui para ler mais sobre kambô neste blog.
Uma gota da vacina do sapo – o Kambo
Luiz da Motta
17 de Junho de 2011
Rã utilizada para a prática de Kambo. Crédito: Frank Wouters
Tenho sido procurado ultimamente por gente interessada na prática da vacina do sapo e sua legalidade.
Pra quem não sabe do que se trata, o kambo ou kampun é um veneno raspado das costas de uma rã da
Amazônia (Phyllomedusa Bicolor) e inoculado sob a pele, visando a uma limpeza astral e, segundo
alguns, corporal. A prática é cada vez mais comum, não só pra quem vai atrás dos mistérios da floresta,
mas também nas cidades. Em Brasília, Rio, São Paulo tem distribuição frequente.
Tive o cuidado de conversar com pessoas que já experimentaram. Elas me disseram que a experiência
foi boa. Mas o corpo reage. Inchaços, náuseas, tontura. Os vômitos são inevitáveis. Mas, depois, vem
uma sessão de conforto. Uns disseram que topariam repetir; outros se tornaram praticantes. No entanto,
quando perguntava sobre as questões legais e ambientais e sobre possíveis riscos à saúde, ninguém se
estendeu muito nas respostas.
Pensei em me submeter à experiência, jornalisticamente. Mas meu pavor por agulhas não me deixou
tentar. Na verdade, tenho gastura até de cortar unha. (Da última vez em que doei sangue, foi tanto
vexame que a enfermeira me aconselhou a não pisar mais ali). Tampouco alguém se prontificou a ser
personagem da minha investigação. Em Brasília, soube de um autodeclarado índio que vem do Mato
Grosso e aplica por R$ 100. Em São Paulo uma pessoa tomou por R$ 50. (Em Brasília, até veneno do
sapo tem ágio).
Na internet tem tudo registrado. É só pesquisar o verbet “kambo' no Google. Aparece vídeos de gente
defendendo o uso, xamãs raspando a rã, garotada se aplicando à vontade. É curioso, mas a imprensa
brasileira menospreza o assunto. Não rastreei nenhuma reportagem de folego elaborada por veículos
nacionais. Na internet, só encontrei uma matéria do New York Times e um vídeo da Reuters – ambos
publicados alguns anos atrás.
O jornalista Altino Machado esporadicamente publica alguma coisa no blog que mantém a partir de Rio
Branco, no Acre. Ele deixou na internet um farto material. São as melhores informações que encontrei.
Exemplo disso é artigo de Leonardo Calderon, professor da UFAC sobre o tema: Boa Sorte ao Usar
Kambo.
Legalidade
Em 2006, uma etnia do Acre, os índios Katukina, em cuja sociedade a prática é incentivada, entraram em
contato como Ministério do Meio Ambiente reivindicando repartição de benefícios pelo uso difundido da
vacina do sapo, à luz do protocolo de Cartagena.
Pelo que apurei, o Ministério montou um grupo de trabalho, mas não conseguiu avançar muito. Isso foi na
época da Marina Silva. Aventurei-me burocracia adentro pra ver o que tinha de legal ou ilegal na prática
do kambo. Garimpei em vários órgãos. A única norma que trata diretamente da questão é a Resolução -
RE nº 8/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, que, dentro do “princípio da
precaução”, proibiu a propaganda e a venda da vacina – como produto medicinal. A norma mandou
também tirar do ar o site www.kambo.com.br. Mas a página está no ar.
Até hoje Anvisa não pesquisou as substâncias que compõe o tal veneno. Esse seria o primeiro passo
para normatização (ou não) da prática. A partir daí, os outros órgãos fariam a gestão que lhe compete. Na
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – Senad, falei com Wladimir de Andrade Spenpliuk –
diretor de assuntos internacionais e projetos estratégicos. O cara manja do assunto, mas diz que o
veneno só seria do interesse deles se a Anvisa detectasse algum princípio psicoativo. Wladmir até me
deu a dica de uma matéria sobre uma pessoa que morreu depois de ter inoculado a vacina.
Lei Ambiental
A legislação ambiental tampouco pormenoriza em defesa da rã ou de seu veneno. Mas há normas gerais.
De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, capturar animal silvestre é crime. Amarrar a rã e raspar suas
costas também pode ser interpretado (de forma discricionária pelo fiscal) como maus-tratos (Art. 32).
O problema é que alguns defensores alegam que se trata de prática de extrativismo (animal?), como se
faz com os frutos da floresta. Argumento duvidoso, mas cujo debate deveria existir. Se quem capturar a rã
for indígena, dentro das próprias terras, aí as leis o sustentam. Essa seria a forma mais legalmente
adequada para a prática. Outra norma ambiental que trata da fauna é a IN 169/08, que normatiza o
manejo de fauna silvestre para a pesquisa, comercialização e criação. Pra quem tiver paciência aqui.
Biopirataria
As normas sobre biopirataria estipulam que, para extrair o veneno da rã para objetivos científicos, é
necessário ter um a Guia de Transferência de Material do Genético fornecido pelo DPG/MMA – mediante
análise de intenções.
De fato, o Brasil ainda carece de uma lei que trate do tema. O que tem hoje é a MP nº 2.186, que
regulamenta alguns itens da Convenção sobre Diversidade Biológica, mas não tipifica a exploração dos
recursos como crime, nem penaliza infratores. Em 2006, na CPI da biopirataria, a pratica da vacina do
sapo foi mencionada "un passant". Conheça o relatórioaqui.
Em campo, o fiscal sofre. É complicado separar bioprospecção do uso direto, extrativista, in natura.
Segundo Roberta Graf, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) no Acre com doutorado em Gestão Ambiental, em campo, os furos da lei
são um problema incontornável. “Se ninguém precisa de autorização para transportar copaíba ou vender
artesanato, por que precisaria para portar uma palheta de kampun?”, questiona.
Roberta é especialista no assunto. Ela tem doutorado em Gestão Ambiental. Diz que a questão que
incomodou os katukinafoi o lucro fácil que o comércio do kambo gerava para terceiros e não pra eles. Ela
não acha difícil que os katunkina obtenham sucesso na reivindicação de repartição de benefícios. “O
kambo é o tipo de conhecimento tradicional de domínio público. Várias etnias do Acre e Amazonas dele
fazem uso. Há os kulina, os huni kuin, entre outros”, pondera. “Mas já passou da hora de abrir este
debate”, afirma.
Além de Roberta, ouvi também um chefe de fiscalização ambiental amigo meu, lotado em algum ponto da
Amazônia oriental. Praticante da vacina do sapo, optou por não se identificar. Entusiasta, ele está
convencido de que mais cedo ou mais tarde todos vão se convencer do valor medicinal da prática.
Abnegado, evita importunar quem o pratica. “Até porque não temos condições de combater nem os
crimes já tipificados, imagina os discricionários”, defende-se.
Condescendente, disse que a forma de usar a vacina do sapo “sem esbarrar em algum impedimento
legal” é pedindo para algum índio ministrá-la durante um ritual nas terra dele e de preferência sem incluir
pagamento. Hospitaleiro, avisou que da próxima vez que aparecer por lá vai fazer questão de me
apresentar ao sapo e seu veneno. Agradeci o convite e respondi que... vou pensar.
Quem tiver muito interesse na legislação sobre fauna, recomendo se debruçar sobre esse cipoal de 38
normas, disponíveis na página do Ibama (Depois a floresta que é que é um emaranhado.)
Saiba mais:
Boa sorte ao usar o Kambo, de Leonardo Calderon
Vídeos sobre o assunto no Youtube:
Kambo
Reuteurs
Fernando Katikuna
Tenho sido procurado ultimamente por gente interessada na prática da vacina do sapo e sua
legalidade. Pra quem não sabe do que se trata, o kambo ou kampun é um veneno raspado
das costas de uma rã da Amazônia (Phyllomedusa Bicolor) e inoculado sob a pele, visando a
uma limpeza astral e, segundo alguns, corporal. A prática é cada vez mais comum, não só
pra quem vai atrás dos mistérios da floresta, mas também nas cidades. Em Brasília, Rio, São
Paulo tem distribuição frequente.
Tive o cuidado de conversar com pessoas que já experimentaram. Elas me disseram que a
experiência foi boa. Mas o corpo reage. Inchaços, náuseas, tontura. Os vômitos são
inevitáveis. Mas, depois, vem uma sessão de conforto. Uns disseram que topariam repetir;
outros se tornaram praticantes. No entanto, quando perguntava sobre as questões legais e
ambientais e sobre possíveis riscos à saúde, ninguém se estendeu muito nas respostas.
Pensei em me submeter à experiência, jornalisticamente. Mas meu pavor por agulhas não
me deixou tentar. Na verdade, tenho gastura até de cortar unha. (Da última vez em que doei
sangue, foi tanto vexame que a enfermeira me aconselhou a não pisar mais ali). Tampouco
alguém se prontificou a ser personagem da minha investigação. Em Brasília, soube de um
autodeclarado índio que vem do Mato Grosso e aplica por R$ 100. Em São Paulo uma pessoa
tomou por R$ 50. (Em Brasília, até veneno do sapo tem ágio).
Na internet tem tudo registrado. É só pesquisar o verbet “kambo’ no Google. Aparece vídeos
de gente defendendo o uso, xamãs raspando a rã, garotada se aplicando à vontade. É
curioso, mas a imprensa brasileira menospreza o assunto. Não rastreei nenhuma reportagem
de folego elaborada por veículos nacionais. Na internet, só encontrei uma matéria do New
York Times e um vídeo da Reuters – ambos publicados alguns anos atrás.
O jornalista Altino Machado esporadicamente publica alguma coisa no blog que mantém a
partir de Rio Branco, no Acre. Ele deixou na internet um farto material. São as melhores
informações que encontrei. Exemplo disso é artigo de Leonardo Calderon, professor da UFAC
sobre o tema: Boa Sorte ao Usar Kambo.
Legalidade
Em 2006, uma etnia do Acre, os índios Katukina, em cuja sociedade a prática é incentivada,
entraram em contato como Ministério do Meio Ambiente reivindicando repartição de
benefícios pelo uso difundido da vacina do sapo, à luz do protocolo de Cartagena.
Pelo que apurei, o Ministério montou um grupo de trabalho, mas não conseguiu avançar
muito. Isso foi na época da Marina Silva. Aventurei-me burocracia adentro pra ver o que tinha
de legal ou ilegal na prática do kambo. Garimpei em vários órgãos. A única norma que trata
diretamente da questão é a Resolução – RE nº 8/2004, da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – Anvisa, que, dentro do “princípio da precaução”, proibiu a propaganda e a venda
da vacina – como produto medicinal. A norma mandou também tirar do ar o
site www.kambo.com.br. Mas a página está no ar.
Até hoje Anvisa não pesquisou as substâncias que compõe o tal veneno. Esse seria o
primeiro passo para normatização (ou não) da prática. A partir daí, os outros órgãos fariam a
gestão que lhe compete. Na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – Senad, falei com
Wladimir de Andrade Spenpliuk – diretor de assuntos internacionais e projetos estratégicos. O
cara manja do assunto, mas diz que o veneno só seria do interesse deles se a Anvisa
detectasse algum princípio psicoativo. Wladmir até me deu a dica de uma matéria sobre uma
pessoa que morreu depois de ter inoculado a vacina.
Lei Ambiental
A legislação ambiental tampouco pormenoriza em defesa da rã ou de seu veneno. Mas há
normas gerais. De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, capturar animal silvestre é crime.
Amarrar a rã e raspar suas costas também pode ser interpretado (de forma discricionária
pelo fiscal) como maus-tratos (Art. 32).
O problema é que alguns defensores alegam que se trata de prática de extrativismo
(animal?), como se faz com os frutos da floresta. Argumento duvidoso, mas cujo debate
deveria existir. Se quem capturar a rã for indígena, dentro das próprias terras, aí as leis o
sustentam. Essa seria a forma mais legalmente adequada para a prática. Outra norma
ambiental que trata da fauna é a IN 169/08, que normatiza o manejo de fauna silvestre para
a pesquisa, comercialização e criação. Pra quem tiver paciência aqui.
Biopirataria
As normas sobre biopirataria estipulam que, para extrair o veneno da rã para objetivos
científicos, é necessário ter um a Guia de Transferência de Material do Genético fornecido
pelo DPG/MMA – mediante análise de intenções.
De fato, o Brasil ainda carece de uma lei que trate do tema. O que tem hoje é a MP nº 2.186,
que regulamenta alguns itens da Convenção sobre Diversidade Biológica, mas não tipifica a
exploração dos recursos como crime, nem penaliza infratores. Em 2006, na CPI da
biopirataria, a pratica da vacina do sapo foi mencionada “un passant”. Conheça o
relatório aqui.
Em campo, o fiscal sofre. É complicado separar bioprospecção do uso direto, extrativista, in
natura. Segundo Roberta Graf, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Acre com doutorado em Gestão Ambiental, em
campo, os furos da lei são um problema incontornável. “Se ninguém precisa de autorização
para transportar copaíba ou vender artesanato, por que precisaria para portar uma palheta
de kampun?”, questiona.
Roberta é especialista no assunto. Ela tem doutorado em Gestão Ambiental. Diz que a
questão que incomodou os katukina foi o lucro fácil que o comércio do kambo gerava para
terceiros e não pra eles. Ela não acha difícil que os katunkina obtenham sucesso na
reivindicação de repartição de benefícios. “O kambo é o tipo de conhecimento tradicional de
domínio público. Várias etnias do Acre e Amazonas dele fazem uso. Há os kulina, os huni
kuin, entre outros”, pondera. “Mas já passou da hora de abrir este debate”, afirma.
Além de Roberta, ouvi também um chefe de fiscalização ambiental amigo meu, lotado em
algum ponto da Amazônia oriental. Praticante da vacina do sapo, optou por não se
identificar. Entusiasta, ele está convencido de que mais cedo ou mais tarde todos vão se
convencer do valor medicinal da prática. Abnegado, evita importunar quem o pratica. “Até
porque não temos condições de combater nem os crimes já tipificados, imagina os
discricionários”, defende-se.
Condescendente, disse que a forma de usar a vacina do sapo “sem esbarrar em algum
impedimento legal” é pedindo para algum índio ministrá-la durante um ritual nas terra dele e
de preferência sem incluir pagamento. Hospitaleiro, avisou que da próxima vez que aparecer
por lá vai fazer questão de me apresentar ao sapo e seu veneno. Agradeci o convite e
respondi que… vou pensar.
Quem tiver muito interesse na legislação sobre fauna, recomendo se debruçar sobre esse
cipoal de 38 normas, disponíveis na página do Ibama (Depois a floresta que é que é um
emaranhado.)
Vacina do sapo
Demorou mas chegou por aqui! Hoje uma paciente me disse que tomou a "vacina do sapo" com alguém de Rio Preto. Não sei quem é.
A vacina do sapo é uma "terapia" tradicional, realizada por grupos indígenas do Oeste brasileiro, principalmente do Acre. É um conhecimento milenar dos povos pano daquela região, Katukina (mais conhecidos, mas não os únicos), Yawanawá e Kaxinawá entre outros.
Veja:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/campos/article/viewFile/9553/6626
É usado em rituais específicos dentro da cosmogonia e compreensão do processo saúde-doença de cada um desses povos. Desde os anos 90 saiu da sua área de referência e vinculado às, o que quer que isso seja, atividades new age e neo-xamânicas, passou a ser oferecido em várias cidades do sudeste, principalmente, como uma espécie de panacéia, para uma população ávida de novidades.
A secreção da pele do sapo (ou seria rã) Phyllomedusa bicolor é recolhida e aplicada na pele previamente lacerada por uma pequena queimadura circular causada por um cipó em brasa. O assim chamado terapeuta faz diversos furinhos no braço do "paciente", de três a cinco geralmente, e esfrega a secreção que dessa maneira atinge a corrente sanguínea do indivíduo.
Aquilo que faz parte de um amplo contexto cultural veja: http://www.xamanismo.com.br/Teia/SubTeia1192186946It004
vem sendo descontextualizado, mercantilizado e oferecido como a cura de vários males como a depressão, infertilidade e até câncer. Claro que para esses indivíduos, todas as patologias para as quais a medicina não tem sucesso podem encontrar resposta com o Kambo.
Nada tenho contra os conhecimentos indígenas, muito pelo contrário. Passei alguns anos da minha vida trabalhando entre esses povos, e com certeza foram dos mais produtivos, em conhecimento material e humano. Só não posso concordar com aproveitamento e mistificação realizados por "terapeutas" apressados.
A secreção deste sapo parece conter produtos de grande interesse farmacêutico, sem dúvidas. Isso deve, e já está sendo pesquisado, e os royalties devem abranger as comunidades detentoras de tal poder, de maneira justa, o que é bastante difícil de acontecer.
Entretanto a população deve ser orientada dos riscos que corre. Pelo menos uma morte ocorrida este ano foi relacionada com a prática http://br.noticias.yahoo.com/s/25042008/25/manchetes-investigada-morte-homem-tomou-vacina-sapo.html
O professor Leonardo de Azevedo Calderon, doutor em biologia molecular e professor de bioquímica do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza do Campus Floresta da Universidade Federal do Acre em Cruzeiro do Sul (AC), em entrevista ao blog do Altino http://altino.blogspot.com/ alerta sobre algumas características desta prática:
"Um problema sério que não está sendo tratado é o desconhecimento dos efeitos fisiológicos adversos promovidos pela mistura de bioativos presentes no veneno da Phyllomedusa bicolor (kambô) em pessoas com comprometimento hepático, cardíaco e/ou neurológico, entre outras patologias. Não se sabe nada a respeito dos efeitos que a aplicação do kambô pode provocar em pessoas que possuem dezenas de patologias relacionadas aos órgãos e tecidos alvo de suas moléculas bioativas.
A ausência de estudos nestas áreas, principalmente motivada pela dificuldade de obtenção de licença por parte de órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente, está diretamente ligada a atual ignorância quanto as "contra-indicações" desta prática, e será responsável por mais acidentes por ocorrer.Adicionalmente pode ter havido um erro na aplicação do veneno.
Existem três espécies de Phyllomedusas no Acre (origem da prática do Kambô) que são muito semelhantes entre si, sendo identificadas apenas por herpetólogos - a Phyllomedusa bicolor (kambô), a Phyllomedusa tarsius e a Phyllomedusa vaillantii.A composição do veneno das duas últimas ainda são praticamente desconhecidas pela ciência, quanto mais seus efeitos fisiológicos. Caso tenha sido aplicado o veneno de uma das duas ultimas no lugar da bicolor, os efeitos fisiológicos podem ter sido muito mais fortes do que os observados no ritual do Kambô".
A Anvisa publicou uma portaria onde proibe a propaganda e adverte para as consequências do uso indiscriminado da "vacina", segue abaixo:
Vacina – O site www.kambo.com.br divulga mais de 30 benefícios do uso da substância retirada da rã Phyllomedusa bicolor, conhecida popularmente como Vacina do Sapo Kambô, dentre eles, tratamentos de gastrite, depressão, hipertensão, dependência química, epilepsia, osteoporose, infertilidade e malária.
A propaganda foi encaminhada a partir de um comunicado do Ministério do Meio Ambiente, que recebeu denúncias da tribo indígena Katuquina, de Cruzeiro do Sul (AC), sobre a comercialização ilegal do produto.A Agência determinou a suspensão de toda propaganda com alegações de propriedades terapêuticas e/ou medicinais, veiculadas em todos os meios de comunicação, da Vacina do Sapo, por meio da Resolução - RE nº 8.
Retirada da barriga da rã Phyllomedusa bicolor, a substância é usada pelos índios para acabar com a má-sorte na caça e na pesca. Não existem pesquisas que assegurem o uso da vacina do sapo Kambô para as indicações feitas no site, portanto, o paciente que consome o produto está sujeito a sérios e desconhecidos agravos à saúde.
A Anvisa está providenciando a proibição do comércio da vacina. Caso veículos de comunicação, empresas e pessoas físicas descumpram a determinação, estarão sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 6.437/77, como notificação, autuação e multas que variam de R$ 2 mil a 1,5 milhão.
As informações são da Agência SaúdeAssessoria de Imprensa da Anvisa
KAMBÔ OU KAPUNTxai Terri Valle de Aquino & Marcelo Piedrafita Iglesias
Ensinamentos do velho Raimundo Luis, Tuinkuru, sobre uma famosa perereca verde de nossa
grande floresta chamada de kapun pelo seu povo Yawanawá da TI Rio Gregório, no município
de Tarauacá.
O conhecimento tradicional associado ao uso da secreção do leite da Phyllomedusa bicolor,
como o Kapun é chamado por herpetólogos e biólogos, como um poderoso medicamento e
purgante, é partilhada, como diz o velho Raimundo, por outros povos indígenas do Acre da
família linguística Pano, sobretudo pelos Katukina, que o chamam de kampo ou kambô, pelos
Kaxinawá, que o denominam de kãpun, pelos Jaminawa dos vales do Acre e Alto Purus, e
ainda pelos Marubo e Mayoruna (Matsés) do Vale do Javari, no sudoeste do estado do
Amazonas.
Raimundo Luis Tuinkuru, 78 anos, professor da cultura tradicional do povo Yawanawá
Nos últimos anos o uso da secreção do kapun, um anuro que gosta de viver nas proximidades
dos igapós, trepados nas árvores ou no chão, perto da água e também na terra firme. ganhou
notoridade nacional entre as populações dos centros urbanos do país como um fabuloso
estimulante cinegético.
Justamente nos primeiros cinco anos desse novo século e milênio. período que coincide com o
início da pavimentação da Br 364, no trecho Cruzeiro do Sul a Rio Branco, o uso do kapun foi
amplamente divulgado em vários jornais e revistas de circulação local, regional e nacional. No
entanto, no século passado, as informações sobre o uso do “sapo kampo ou kambô”, como
dizem os Katukina, estiveram restritas às publicações acadêmicas.
Como lembra minha amiga Edilene Coffaci de Lima, antropóloga da Universidade Federal do
Paraná que escreveu sua dissertação de mestrado e tese de doutorado sobre os Katukina dos
rios Campinas e Gregório e recentemente publicou o artigo “Do kampo ao kambô:
transformações do uso do sapo verde entre os Katukina”, “há exatos oitenta anos, o padre
espiritano Constantin Tastevin havia registrado seu uso entre populações indígenas do alto
Juruá1”. Publicado na revista francesa La Geographie, em 1925, o texto desse padre, “Le
fleuve Muru”, faz a primeira descrição científica sobre o uso da secreção dessa famosa
perereca verde como um estimulante cinegético. Sua descrição vívivda sobre o uso da
secreção desse “sapo verde” entre os Kaxinawá, tal como explicitada abaixo, foi feita a partir
das “aplicações de sapo” que observou entre esses índios que viviam, e ainda vivem, no alto
rio Muru, principal afluente da margem direita do rio Tarauacá, em cuja foz encontra-se a
cidade de mesmo nome.
“O exército de batráquios é incontável. O mais digno de ser notado é o campon dos Kachinaua.
(...) Quando um indígena fica doente, se torna magro, pálido e inchado; quando ele tem azar na
caça é porque ele tem no corpo um mau princípio que é preciso expulsar. De madrugada, antes
da aurora, estando ainda de jejum, o doente e o azarado produzem-se pequenas cicatrizes no
braço ou no ventre com a ponta de um tição vermelho, depois se vacinam com o “leite” de
sapo, como dizem. Logo são tomados de náuseas violentas e de diarréia; o mau princípio deixa
o seu corpo por todas as saídas: o doente volta a ser grande e gordo e recobra as suas cores,
o azarado encontra mais caça do que pode trazer de volta; nenhum animal escapa da sua vista
aguda, o seu ouvido percebe os menores barulhos, e a sua arma não erra o alvo”.
Em 2001, a revista editada pelo governo da floresta, a Outras Palavras, publicou uma
reportagem sobre o uso do leite do “sapo kambô” entre os Katukina e seringueiros,
descrevendo detalhadamente a famosa “injeção ou vacina de sapo verde” entre as populações
indígenas e tradicionais da floresta do vale do Alto Juruá acreano.
Em 2002, o uso da secreção do kapun foi amplamente divulgado em um programa de
reportagens da TV Globo.
Em 2003, o jornalista carioca, Zuenir Ventura publicou um livro em homengaem aos 15 anos da
morte de Chico Mendes, em que um dos seus capítulos sugestivamente intitulava-se “O quente
agora é o kambô”, onde descrevia o seu uso pela população acreana, sobretudo de Rio
Branco. Nesse mesmo ano, 13 matérias sobre o kapun foram divulgadas nos jornais locais. -
Em abril de 2004, no contexto do uso crescente e indisciminado do kapun, “tido como uma
substância particularmente eficaz na cura de enfermidades para as quais a medicina ocidental
não tem tido sucesso em tratar”, como diz a colega antropóloga Edilene Lima no referido artigo,
a propaganda na Internet sobre esse famoso “sapo verde” foi proibida pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nesse mesmo ano, além de continuar sendo notícias nos
jornais acreanos, a revista Globo Rural estampou em sua capa um kapun na mão de um índio
Katukina da TI Campinas. A matéria descrevia o uso tradicional do “kambô” entre os Katukina,
tidos como os maiores usuários do leite do sapo verde, denunciando a biopirataria na
Amazònia. “Assim o kampo, junto com os Katukina, ganhou fama nos primeiros anos do século
XXI”, diz novamente Edilene Lima, a antropóloga dos Katukina.
Recentemente, em decorrência de uma carta enviada à ministra Marina Silva por quatro
lideranças Katukina, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), “que tem como uma de suas
principais missões garantir a conservação e uso sustentável da diversidade biológica biológica,
genética e cultural”, promoveu o “Primeiro Seminário Técnico do Projeto Kampô”, coordenado
pelo PROBEM (Programa Brasileiro de Bioprospecção e Desenvolvimento Sustentável de
Produdos da Biodiversidade) do MMA. Este projeto, em fase inicial de implementação, conta
com o assentimento dos índios Katukina, Kaxinawá e Yawanawá de nosso estado, e a
colaboração e parceria de importantes instituições públicas federais e estaduais, como a
Embrapa, Funasa, Ministério da Saúde, Governo do Estado do Acre, Funai, Ibama, Instituto do
Coração de São Paulo (Incor) e as Universidades Federais do Acre (UFAC), Amazonas
(UFAM), Ceará (UFC), Paraná (UFPR) e Brasília (UnB? ), além da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e outras secretarias do MMA.
“O projeto tem um caráter integrador, no senstido de procurar estabelecer uma conexão entre o
saber tradicional, associado ao uso etnofarmológico do Kampô, por povos indígenas, a
pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico a partir desse etnofármaco para a geração
de novos produtos por empresas e instituições de pesquisa nacionais. Dentro desse processo,
o objetivo é garantir a proteção do conhecimento tradicional e a repartição de benefícios
oriundos das inovações, para os detentores destes conhecimentos e práticas associadas ao
patrimônio genético”, como diz o texto ainda preliminar do “Projeto Kampô” do MMA.
img bando de kapun, ou Phyllomedusa bicolor, em intercurso sexual (Enciclopedia da Floresta)
O papo de hoje é justamente sobre a fineza dos conhecimentos e práticas associadas ao uso
da secreção do kapun pelo povo Yawanawá. O autor desses ensinamentos, como dito no início
desse Papo, é o nosso velho amigo Raimundo Luis Yawanawá, a quem chamo de verdadeiro
professor da Universidade da Floresta. Aliás, no dia em que um índio for contratado para
ensinar nesta Universidade, como proponho que seja o velho Raimundo Luis, eu também vou
trabalhar lá com pesquisador das populações indígenas e tradicionais do vale do Alto Juruá
acreano.
Vamos ler com muita atenção os finos ensinamentos desse velho mestre Yawanawá,
Raimundo Luis Tuinkuru, sobre o uso do kapun pelo seu povo. Em 22 de maio próximo, o velho
Raimundo está completando seus 78 de vida, bem vividos e cheios de muito amor e interesse
sobre esse famoso “sapo verde” das florestas acreanas. Parabéns antecipados meu grande
amigo Raimundo Luis. Parabéns também para você e todos os representantes e lideranças
indígenas do Acre e do sul do Amazonas pelo dia do índio, 19 de abril, embora saiba que para
vocês todo dia é dia de índio. (Txai Terri Aquino)
Kapun é vida, saúde, alegria e sucesso nas aldeias Yawanawá do rio Gregório
Raimundo Luis Yawanawá
Em primeiro lugar, o kapun é usado por vários povos indígenas. Aqui no Acre, nosso povo
Yawanawá e os Katukina tomam muito kapun. Kaxinawá e Jaminawa também tomam pouco.
Também ouvi dizer que os Marubo e Mayoruna do Vale do Javari também tomam. Então, o
kapun é um conhecimento tradicional partilhado por muitos povos.
A gente não usa o kapun sem dieta. Tem muitas estórias antigas sobre a vacina do kapun. É
uma cultura nossa. Por isso, o kapun pra nós é uma coisa muito importante, que aprendi com
meu pai.
O kapun é um sapo verde que gosta mais de viver na beira do igapó. A gente pega sempre
eles na beira do igapó. Tem kapun que vivem trepado (nas árvores) e outros que vive no baixo
e outros na terra firme. Então, tem diferentes tipos de kapun, conforme o lugar onde eles
moram.
Ele é um animal que não canta em qualquer tempo. No verão, não canta. Canta muito no
inverno, advinhando chuva. O kapun cantou, então, vai chuver logo. Quando canta, é aquela
zuada doida, que se escuta de longe. Canta na boca da noite e de madrugada. Tem hora pra
cantar. Agora, no verão ninguém ver kapun não, porque eles não cantam. Ele é diferente.
Remédio poderoso
Então, o kapun é um remédio muito poderoso. A gente quando vai tomar kapun não é só uma
pessoa não, é muita gente. Tem que combinar com o aplicador pra tomar kapun, explicar
direitinho por que quer tomar e os motivos que escolheu pra tomar kapun com ele. Não é
qualquer um que pode aplicar vacina do kapun. A pessoa quando vai tomar kapun porque tá
sentindo qualquer coisa no corpo, ou fraqueza, dor de cabeça, reumatismo, dor de barriga,
diarréia, a comida fez mal, está com preguiça, ou porque dorme demais, está amarelo, com
anemia, bucho grande, come barro, tá com febre. Cada um que toma, dá o seu parecer,
explicando por qual motivo quer tomar. Vou tomar porque estou sentindo isso, vou tomar
porque estou sentindo aquilo e assim vai. Outros ainda dizem assim, vou tomar kapun porque
tomei cipó (ayhuasca) e o cipó, tomando demais, e comendo todo tipo de comida, sem fazer
dieta, também ofende, mas o kapun limpa até tontice de cipó. Então, pra você ficar livre da
tontice do cipó, e voltar ao normal, então, precisa tomar kapun.
Alguns caçadores tomam kapun pra tirar a panema. Chegam e afirmam: - “estou panema,
preciso matar caça e não mato nada. Ontem fui caçar e achei as caças brabas, me sentiam de
longe e fugiam. Passei o dia todinho com sono e não matei nada”. Cada um tem que explicar
seu motivo ao aplicador do kapun decidir quantos pontos vão queimar no braço, ou na perna,
se for mulher e criança. Aí queima a pele com a brasa da ponta do cipó titica, pra em seguida
colocar o leite do kapun em cima. A mulher também pode dizer assim: - “vou tomar kapun
porque ganhei nenem e tá completando um mês de resgurdo, por isso preciso tomar também”.
Isso não é coisa de agora, é coisa de nossa cultura antiga.
Criança também toma
A criança também toma porque tá amarela, com anemia, com bucho grande, parece que tá
comendo barro, não sei o que. - “quem sabe alguma comida fez mal? Vou tacar kapun nele”,
diz a mãe, ou a avó. Hoje em dia tem remédio pra verme, você compra na farmácia, mas
naquele tempo antigo remédio pra verme era injeção de kapun. Criança quando tá amarela e
com bucho grande, tomando kapun fica forte e corada. Por isso, a gente diz que kapun é vida,
é saúde, é alegria, é sucesso na caçada. A pessoa que não toma kapun, não tem felicidade,
não tem saúde completa. Então, o kapun é tudo pra gente, porque ele serve pra matar caça,
ele serve pra curar doença e preguiça. A minha mãe, que era uma mulher Katukina, dava
kapun até em crianças de um ano. Do nosso conhecimento, o kapun nunca matou ninguém,
nunca fez mal a ninguém. Qualquer criancinha de mais de ano, nós damos kapun. Numa
criança só dá um ponto. Também depende de onde tira o leite do corpo do kapun, se tira das
pernas e barriga é mais fraco, se tira da cabeça e das costas é mais forte. O leite da cabeça é
o mais forte que tem, a pessoa incha muito, vomita muito, fica com muito calor, suando muito.
Se a pessoa não tiver uma natureza forte, fica deitado no chão, sem força pra se levantar
enquanto não passar o efeito. Essa experiência nós também temos do kapun.
Mulher grávida não toma vacina de sapo
Só quem não pode tomar kapun é mulher grávida. Mulher grávida não pode tomar, porque
ofende o feto. No final do resguardo, a mulher, que perdeu muito sangue quando descansou o
nenem, precisa tomar essa vitamina do kapun que é pro corpo e o sangue dela voltarem ao
normal. Só o poder do kapun pode curar a fraqueza do corpo e limpar o sangue dela.
A dieta do kapun
Durante um mês não se pode comer qualquer comida, principalmente aquela que é proibida.
Tem muita comida que a gente proibe a mulher, a criança e o rapaz novo comerem, quem
come essas coisas são só os velhos e as velhas. Se um rapaz toma kapun pra matar caça, não
deve comer nada doce. Então, não come doce, não come banana madura nem mamão e não
chupa cana. Se tiver mulher, não dorme com sua mulher de jeito nenhum, dorme separado.
Então, são duas coisas pra matar caça. Não tocar em doce e em mulher. Se cumprir essa
dieta, fica feliz, fica forte, fica matador de caça. Mas se tocar em doce e dormir com mulher,
então tem que fazer novo tratamento. Depois que toma kapun, o aplicador passa a dieta e você
tem de cumprir a dieta. Os pais também ficam preocupado e dizem pro filho assim: - “rapaz,
você tomou kapun, não deve comer isso, não deve tocar naquilo. Tem que fazer a dieta
recomendada”. Tem alguns peixes que também não pode comer, quando tá fazendo
tratamento com kapun. Tem o piau, curimatã e surubim que não pode comer. Tem também
outros peixes que não pode comer. Isso é da cultura antiga. Agora da caça a gente não pode
comer qualquer macaco, nambu preta e outros animais. Então, a pessoa, tomando kapun e
fazendo a dieta, se transforma. Nós damos kapun até nos cachorros. O índio gosta de criar
cachorro pra acuar caça, não é pra ficar guardando a casa. Cachorro que não quer ir pra mata
acuar caça, a gente dá kapun que ele fica logo esperto e fica bom pra acuar caça.
Soldados da borracha tomaram kapun pra curar malária
O kapun já foi aprovado há muito tempo entre os seringueiros das cabeceiras do rio Gregório.
Durante a segunda guerra mundial chegaram muitos soldados da borracha, que a gente
chamava de brabo, brabo assim na seringa. Naquele tempo, chegou mais de 40 brabos pra
cortar seringa no Caxinauá com o patrão Antonio Carioca. Então, naquele tempo chegou muita
gente do Ceará pra cortar seringa nas cabeceiras do Gregório. Enquanto o patrão mandava
reabrir as colocações e limpar as estradas de seringa nos centros, eles ficavam na margem
batendo campo da sede do seringal Caxinauá. Naquele tempo, nós não conhecia o que é
malária, quem sofria de malária eram esses brabos.
Naquela época, morreram tantos brabos que nem chegaram a cortar seringa. Como tava
morrendo três, quatro brabos por dia, o patrão chamou meu pai e disse: - “Antonio Luis, dá
sapo nesses brabos, senão eles vão morrer tudim de malária”. Porque ele sabia que o kapun
curava muitas doenças, inté a malária. Meu pai, então, tratou eles com injeção de sapo. Eles
não sabiam o que isso, pensava que era pra comer o sapo. Uns disseram que não tinham
coragem, outros que tinham nojo. Outros disseram que iam tomar porque já tinham
esperimentado vários tipos de remédio e não tinham ficado bom. No final da estória, quem fez
o tratamento completo do kapun, tomando três vezes, dia sim e dia não, ficaram bom. E quem
não tomou injeção de sapo, acabou morrendo.
Um desses brabos, que escapou da malária, ficou conhecido como família do Kapun. Não é
índio, não. É um seringueiro branco da família do Kapun. Quando ficou bom, ele mesmo dizia
que de agora em diante ele ia ser conhecido como da família do Kapun. O nome dele é
Ricardo. Ricardo Kapun. Hoje em dia, toda a família desse Ricardo tem o sobrenome Kapun.
Ficou com esse nome justamente porque escapou de morrer de malária, tomando injeção de
sapo. A família dele até hoje tem sobrenome de kapun.
Estimulante para ser bom caçador
Quando um jovem Yawanawá quer ser um bom matador de caça, toma muito kapun e cumpre
a dieta. Não come nem doce nem dorme junto com mulher. Quando você não toma kapun, fica
com o corpo pesado. Mas quando toma e faz a dieta, corre na mata e não faz barulho. A
felicidade, a boa sorte, aquela força, aquele talento vem tudo do leite de kapun. O caçador
anda maneiro na mata. Ouve zuada das caças de longe. Fica com a visão apurada, ver até
mesmo quando as caças se encondem nas ramagens, folhas e cipós. E não erra o tiro, pois
fica bom de pontaria. O kapun ajuda o caçador a ficar bem concentrado, prestando atenção nos
sinais da natureza e ainda fica mentalizando que vai encontrar e matar caça. A caça fica
mansa, meio lerda, não sente o pixé do caçador nem nada. Quem toma kapun e faz dieta, volta
sempre com caça grande pra casa.
Por que nós tomamos kapun? É pra ficar forte, pra ficar bem esperto, sem preguiça e qualquer
zuadinha se acorda, tá no ponto de correr, tá no ponto de pular. Tinha um sobrinho de meu pai,
o Paixão, que nunca caiu, porque desde cedo tomava kapun, tomava banho bem cedo e fazia
dieta. Ele era um bom caçador e quando entrava na mata não tinha caça que escapava da mão
dele.
Kapun também é bom pro amor
Além disso, quando um homem é infeliz pra mulher, se tomar kapun, assim como a caça vem,
a mulher também vem e não sabe nem porque. Então, o leite de kapun é um grande sucesso.
Além de fazer bem à saúde, o cara fica feliz pra mulher. E a mulher que não tem sorte pra
arranjar marido, quando toma kapun, fica do mesmo jeito, de repente aparece alguém que
queira ela. As vezes tem que escolher com quem vai ficar, porque aparecem vários
pretendentes, não vem só um, não. Então, o kapun pra nós também é um grande sucesso no
amor. Quando toma kapun, fica com muito poder. Esse é um poder do bem, da felicidade, da
alegria. Então, a energia do leite do kapun tem o poder de transformar as pessoas, de tornar
uma pessoa saudável no corpo e espírito.
A cura com vômito amarelo e suor
Quando uma pessoa toma kapun, vomita o amarelo e fica suando muito. Isso quer dizer que o
kapun vai trazer boa saúde pra ela. Quando provoca o amarelo, como gema de ovo e amargo
de gosto, e fica muito suado, então aquela injeção de kapun tá fazendo efeito. Aquela pessoa
vai ficar boa de saúde. Enquanto não provocar aquele amarelo nem suar muito, o tratamento
não tá fazendo efeito. Por que não vomitou? Por que não suou? Será que a quantidade que
tomou era pouco? Tem que aumentar a dosagem até a pessoa vomitar e suar muito. Para os
Yawanawá, aquele amarelo amargoso que vomita é onde gera todo tipo de doença. Se tomar
kapun e não provocar nem suar, não tá fazendo tratamento nenhum. Essa é a nossa
experiência com injeção de kapun.
Rapé de leite de kapun
Também tem pessoas que toma rapé de kapun pra matar caça mais do que os outros. Toma
rapé do kapun sem misturar com tabaco. Tira o leite e depois de seco, rapa e faz aquele pó do
leite cristalisado do kapun. Antigamente também lavava o kapun dentro de um vaso d´água e
lavava todo o leite dele naquela água e bebia.
Os aplicadores de kapun
Nossos pais não aceitava qualquer pessoa dar kapun nos filhos. Tinha que ser um matador de
caça, um bom caçador, pra dar sapo nos filhos. Porque se um bom caçador dá kapun em nós,
ele tá transmitindo a sabedoria e o conhecimento dele pra nós. É preciso escolher bem a
pessoa que vai dar kapun em nós. Tem que ser uma pessoa importante, que tenha muito
conhecimento tradicional e seja um bom caçador também, porque, como já disse, ele transmite
tudo isso pra quem ele dá o kapun. Por isso que o kapun pra nós tem essa magia, essa finesa
toda.
Os rapazes tomam kapun mais pra matar caça. E as meninas tomam pra ser esperta, correr,
pular, cantar, trabalhar e ajudar sua mãe a carregar macaxeira do roçado. Os velhos tomam
porque tão sentindo qualquer coisa, porque tão sentindo fraqueza. E os rapazes tomam pra ter
sucesso nas caçadas e pra se sentirem fortes também.
Não é qualquer pessoa que pode aplicar injeção de sapo. Uma pessoa que não tem
inteligência nenhuma não vai aplicar sapo. Quem aplica passa a inteligência e habilidade dele
pra quem está dando o kapun. Pra ter sucesso na caça, o aplicador tem que ser, ou ter sido,
um bom caçador, porque ele passa essa habilidade e inteligência pra quem toma com ele. A
mãe de uma criança escolhe quem vai aplicar injeção de kapun. Não é qualquer um que ela
escolhe não, tem que ser de um homem inteligente, muito trabalhador e que teve muito
sucesso nas caçadas. O aplicador transmite a energia dele, o que ele tem de melhor, pra quem
ele tá aplicando o kapun. Para ser um bom matador de caça, é preciso que um bom caçador
antigo dê kapun pros novos.
Extraido do site : http://www2.uol.com.br/pagina20/17042005/papo_de_indio.htm